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Falhas sistêmicas associadas à precariedade urbana: efeitos em cascata ampliando contexto de riscos urbanos na Região Metropolitana de São Paulo Renata Maria Pinto Moreira Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo Fomento: CAPES-CNPQ PROBLEMATIZAÇÃO E JUSTIFICATIVA Em contextos urbanos adensados as vulnerabilidades a desastres não se caracterizam, necessariamente, pela exposição a processos e fenômenos naturais de alta magnitude. Podem estar relacionadas a eventos mais corriqueiros e crônicos que, associados a efeitos de diversas ordens na própria infraestrutura urbana, e por encadeamentos em cascata, aumentam exponencialmente os riscos. Situações classificadas como de baixo risco por um setor de infraestrutura, ou disciplina relacionada a certos fenômenos, quando devidamente associadas, podem desencadear efeitos de grande escala. Esses tipos de interações são pouco estudados e sistematizados, muito embora a percepção de que contextos urbanos submetidos a situações de risco desenvolvem efeitos em cascata seja frequentemente aceita, e mencionada nas descrições sobre eventos. A pesquisa não encontrou conhecimentos acumulados a respeito desses fenômenos no campo de estudos dos desastres, o que permite colocar uma questão: por que não se desenvolve conhecimento sobre esses fenômenos encadeados? Uma das possíveis respostas remete ao campo dos estudos urbanos: a de que os diferentes sistemas que compõem a cidade se desenvolveram e evoluíram em suas especialidades, criando suas respectivas normas, regramentos, legislações, parâmetros e instituições, mas as interfaces entre sistemas não tiveram desenvolvimento correspondente. São lacunas obscuras, que podem apresentar comportamento falho mesmo em situações de normalidade, e efeitos catastróficos com eventos aleatórios levemente acima da normalidade. Diversos sistemas grandes e complexos compõem a cidade como uma segunda natureza, e arranjos de múltiplas interfaces resultam dessas interações: sistema habitacional, sistema de controle urbano, sistema de proteção ambiental, sistema de saneamento, sistema de drenagem, coleta e disposição de resíduos sólidos, sistema de mobilidade, sistemas elétricos, sistemas de informações. A dependência funcional entre sistemas define territórios e escalas espaciais e de gestão diversas. Tanto as panes em cada um desses sistemas, como efeitos de eventos externos a eles, são informações que não estão presentes em nenhum dos grandes campos de classificação de desastres da Cobrade, nas categorias naturais ou tecnológicos. Não há entrada para registro sistemático das informações de processos ou efeitos na natureza segunda, seja como dano, seja como causa. Reconhecendo que cidades são produtos, desastres em meio urbano, naturais ou tecnológicos, seriam sempre falhas de sistemas urbanos, e vulnerabilidades seriam caracterizadas por interações complexas, que precisam ser conhecidas. Outras questões surgem: essa problematização poderia justificar a criação uma nova denominação, tal como “Desastres Urbanos”, nos sistemas de informação sobre desastres que, desde a aprovação do marco legal da PNPDC 12.608 de 2012, encontram-se em pleno aprimoramento? Uma nova denominação seria desejável, e poderia orientar e desenvolver sistematizações específicas, apropriadas à caracterização de vulnerabilidades que decorrem da condição urbana? ASPECTOS METODOLÓGICOS E RESULTADOS POSSÍVEIS: carência na caracterização de vulnerabilidades e dados sobre danos A primeira tarefa a que esta pesquisa se dedicou foi identificar se existe alguma base empírica, verificável e quantificável, que dê sustentação e justifique a problematização desenvolvida. As informações do Atlas Brasileiro de Desastres naturais para o Estado de São Paulo, que constitui importante trabalho de sistematização, indicam, nos gráficos de tipos de danos (ao lado) , que infraestruturas são sistemas vulneráveis. Há que se entender e desdobrar estas informações e desdobrar questionamentos: o que foi considerado como infraestrutura nessas sistematizações, sistemas ou equipamentos? O fato de que infraestruturas são sistemas extensos e contínuos explicaria o maior volume de registros de danos pelo acúmulo de efeitos em muitas áreas, e não pela magnitude do impacto, ou há de fato mais vulnerabilidade nesses sistemas? Haveria maior número de registros sobre os sistemas de infraestrutura por terem gestão pública e obrigatoriedade em comunicar danos e justificar reparos? O desdobramento na busca de maiores informações sobre o registro de danos, entretanto, encontrou dificuldades em acessar as bases de informações primárias, e, principalmente, em identificar metodologias para esses registros e para materiais de sistematização. O Relatório de Danos Materiais e Prejuízos Decorrentes de Desastres Naturais no Brasil elaborado pelo CEPED-SC em 2016 traz algumas classificações cujo tratamento de informações não permite comparar como diferentes setores urbanos são afetados, além de apresentar as informações agrupadas por estados e regiões. A metodologia utilizada neste relatório, formulada pelo Banco Mundial e já utilizada em alguns trabalhos de análise de danos para algumas cidades brasileiras, também é um elemento para questionamento científico, sobretudo se se considerar a importância e as implicações que avaliações financeiras têm no desenvolvimento de um mercado de risco, dos seguros contra desastres, com uma sistemática não apropriada devidamente pelas esferas de governo (MOREIRA, 2017). O terceiro estudo abrange a Região Norte, com funções associadas entre o Sistema de abastecimento do Cantareira, o controle de cheias local e interferências com sistemas de distribuição de energia, abordando tanto os conflitos na transposição de bacias, como o contexto local dos riscos associados no reservatório de Paiva Castro, com inundações em Franco da Rocha. Informações sobre desastres e seus efeitos são, antes de tudo, fundamentais à defesa pública, e seu possível uso como ativo financeiros deve ser avaliado, dominado e protegido. Dada a dificuldade na identificação e tratamento geral dos dados, a pesquisa tem se apoiado em outra tarefa, que consiste na construção de contextos para desenvolver estudos de caso na Região Metropolitana de São Paulo e Macrometrópole Paulista. Esses contextos permitiram construir 3 situações para estudos de caso (na coluna à direita) que problematizam interfaces entre sistemas, entre as escalas regionais e o espaço construído na escala local, a fim de identificar problemas típicos de articulação setorial de órgãos responsáveis pelas infraestruturas urbanas, questões específicas de operação e manutenção, se e como são tomadas decisões orientadas pelo controle de riscos aos quais estes sistemas e estejam submetidos ou que submetam áreas urbanas de sua área de influência ou de conflito na escala local. P á Principais referências bibliográficas: CEPED-UFSC, 2013. Atlas Brasileiro de Desastres Naturais: 1991 a 2012. Ed revista e ampliada. Florianópolis: CEPED UFSC, 2013 CEPED-UFSC, 2016. Relatório de Danos Materiais e Prejuízos descorrentes de desastres naturais no Brasil. Florianópolis: CEPED UFSC, 2016 DAEE-Cobrape, 2013. Plano Diretor de aproveitamento de Recursos Hídricos para a da Macrometrópole Paulista no Estado de São Paulo. SILVA et al, 2012. Recursos hídricos, saneamento e gestão metropolitana: os novos desafios. Revista Engenharia, n. 609, 2012 MOREIRA, 2017. Mecanismos de diluição e transferência de riscos: modelagens para risco de desastres e o mercado de seguros. XVII Enanpur, São Paulo, 2017. Esquema Hidrografico da Macrometrópole Paulista – (DAEE, 2013) localização dos estudos de caso. O primeiro estudo de caso abrange a região leste da Bacia do Alto Tietê, considerando as funções do Sistema produtor de água de Taiaçupeba e sua participação no controle de inundação, até a barragem da Penha; e seu cruzamento com o contexto local de inundações no Jardim Pantanal. Os aspectos de risco de inundação para a ocupação informal consolidada nessas terras baixas, e as dificuldades de implementação de soluções como as do Parque Várzea do Tietê, envolve compreender conflitos locais com as fragilidades na interação com operações sistêmicas complexas. O segundo estudo de caso abrange a região oeste, com as estruturas de Rasgão e Pirapora, e a questão da reversão do rio Pinheiros, envolvendo funções de armazenamento para controle de inundação na fronteira entre bacias, a importância da geração de energia nestas usinas e em Henri Borden para suprir a demanda da capital em horários de pico, e prejuízos à qualidade da água. O contexto local envolve eventos de inundação em Itu, pelo controle necessário que se faz na interface entre bacias do Alto e Médio Tietê, na vazão máxima prevista em períodos de cheia.

Falhas sistêmicas associadas à precariedade urbana ... · sistema de proteção ambiental, sistema de saneamento, sistema de drenagem, coleta e disposição de resíduos sólidos,

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Falhas sistêmicas associadas à precariedade urbana:efeitos em cascata ampliando contexto de riscos urbanosna Região Metropolitana de São PauloRenata Maria Pinto MoreiraPrograma de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São PauloFomento: CAPES-CNPQ

PROBLEMATIZAÇÃO E JUSTIFICATIVA

Em contextos urbanos adensados as vulnerabilidades a desastres não se caracterizam, necessariamente, pela exposição a processos e fenômenos naturais de alta magnitude. Podem estar relacionadas a eventos mais corriqueiros e crônicos que, associados a efeitos de diversas ordens na própria infraestrutura urbana, e por encadeamentos em cascata, aumentam exponencialmente os riscos. Situações classificadas como de baixo risco por um setor de infraestrutura, ou disciplina relacionada a certos fenômenos, quando devidamente associadas, podem desencadear efeitos de grande escala.Esses tipos de interações são pouco estudados e sistematizados, muito embora a percepção de que contextos urbanos submetidos a situações de risco desenvolvem efeitos em cascata seja frequentemente aceita, e mencionada nas descrições sobre eventos. A pesquisa não encontrou conhecimentos acumulados a respeito desses fenômenos no campo de estudos dos desastres, o que permite colocar uma questão: por que não se desenvolve conhecimento sobre esses fenômenos encadeados? Uma das possíveis respostas remete ao campo dos estudos urbanos: a de que os diferentes sistemas que compõem a cidade se desenvolveram e evoluíram em suas especialidades, criando suas respectivas normas, regramentos, legislações, parâmetros e instituições, mas as interfaces entre sistemas não tiveram desenvolvimento correspondente. São lacunas obscuras, que podem apresentar comportamento falho mesmo em situações de normalidade, e efeitos catastróficos com eventos aleatórios levemente acima da normalidade.Diversos sistemas grandes e complexos compõem a cidade como uma segunda natureza, e arranjos de múltiplas interfaces resultam dessas interações: sistema habitacional, sistema de controle urbano, sistema de proteção ambiental, sistema de saneamento, sistema de drenagem, coleta e disposição de resíduos sólidos, sistema de mobilidade, sistemas elétricos, sistemas de informações. A dependência funcional entre sistemas define territórios e escalas espaciais e de gestão diversas. Tanto as panes em cada um desses sistemas, como efeitos de eventos externos a eles, são informações que não estão presentes em nenhum dos grandes campos de classificação de desastres da Cobrade, nas categorias naturais ou tecnológicos. Não há entrada para registro sistemático das informações de processos ou efeitos na natureza segunda, seja como dano, seja como causa.Reconhecendo que cidades são produtos, desastres em meio urbano, naturais ou tecnológicos, seriam sempre falhas de sistemas urbanos, e vulnerabilidades seriam caracterizadas por interações complexas, que precisam ser conhecidas. Outras questões surgem: essa problematização poderia justificar a criação uma nova denominação, tal como “Desastres Urbanos”, nos sistemas de informação sobre desastres que, desde a aprovação do marco legal da PNPDC 12.608 de 2012, encontram-se em pleno aprimoramento? Uma nova denominação seria desejável, e poderia orientar e desenvolver sistematizações específicas, apropriadas à caracterização de vulnerabilidades que decorrem da condição urbana?

ASPECTOS METODOLÓGICOS E RESULTADOS POSSÍVEIS:carência na caracterização de vulnerabilidades e dados sobre danos

A primeira tarefa a que esta pesquisa se dedicou foi identificar se existe alguma base empírica, verificável e quantificável, que dê sustentação e justifique a problematização desenvolvida. As informações do Atlas Brasileiro de Desastres naturais para o Estado de São Paulo, que constitui importante trabalho de sistematização, indicam, nos gráficos de tipos de danos (ao lado) , que infraestruturas são sistemas vulneráveis. Há que se entender e desdobrar estas informações e desdobrar questionamentos: o que foi considerado como infraestrutura nessas sistematizações, sistemas ou equipamentos? O fato de que infraestruturas são sistemas extensos e contínuos explicaria o maior volume de registros de danos pelo acúmulo de efeitos em muitas áreas, e não pela magnitude do impacto, ou há de fato mais vulnerabilidade nesses sistemas? Haveria maior número de registros sobre os sistemas de infraestrutura por terem gestão pública e obrigatoriedade em comunicar danos e justificar reparos? O desdobramento na busca de maiores informações sobre o registro de danos, entretanto, encontrou dificuldades em acessar as bases de informações primárias, e, principalmente, em identificar metodologias para esses registros e para materiais de sistematização. O Relatório de Danos Materiais e Prejuízos Decorrentes de Desastres Naturais no Brasil elaborado pelo CEPED-SC em 2016 traz algumas classificações cujo tratamento de informações não permite comparar como diferentes setores urbanos são afetados, além de apresentar as informações agrupadas por estados e regiões. A metodologia utilizada neste relatório, formulada pelo Banco Mundial e já utilizada em alguns trabalhos de análise de danos para algumas cidades brasileiras, também é um elemento para questionamento científico, sobretudo se se considerar a importância e as implicações que avaliações financeiras têm no desenvolvimento de um mercado de risco, dos seguros contra desastres, com uma sistemática não apropriada devidamente pelas esferas de governo (MOREIRA, 2017).

O terceiro estudo abrange a Região Norte, com funções associadas entre o Sistema de abastecimento do

Cantareira, o controle de cheias local e interferências com sistemas de distribuição de energia, abordando tanto os conflitos na transposição de bacias, como o

contexto local dos riscos associados no reservatório de Paiva Castro, com inundações em Franco da Rocha.Informações sobre desastres e seus efeitos são, antes de tudo, fundamentais à defesa pública, e seu

possível uso como ativo financeiros deve ser avaliado, dominado e protegido. Dada a dificuldade na identificação e tratamento geral dos dados, a pesquisa tem se apoiado em outra tarefa, que consiste na construção de contextos para desenvolver estudos de caso na Região Metropolitana de São Paulo e Macrometrópole Paulista. Esses contextos permitiram construir 3 situações para estudos de caso (na coluna à direita) que problematizam interfaces entre sistemas, entre as escalas regionais e o espaço construído na escala local, a fim de identificar problemas típicos de articulação setorial de órgãos responsáveis pelas infraestruturas urbanas, questões específicas de operação e manutenção, se e como são tomadas decisões orientadas pelo controle de riscos aos quais estes sistemas e estejam submetidos ou que submetam áreas urbanas de sua área de influência ou de conflito na escala local.

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Principais referências bibliográficas:

CEPED-UFSC, 2013. Atlas Brasileiro de Desastres Naturais: 1991 a 2012. Ed revista e ampliada. Florianópolis: CEPED UFSC, 2013CEPED-UFSC, 2016. Relatório de Danos Materiais e Prejuízos descorrentes de desastres naturais no Brasil. Florianópolis: CEPED UFSC, 2016DAEE-Cobrape, 2013. Plano Diretor de aproveitamento de Recursos Hídricos para a da Macrometrópole Paulista no Estado de São Paulo. SILVA et al, 2012. Recursos hídricos, saneamento e gestão metropolitana: os novos desafios. Revista Engenharia, n. 609, 2012MOREIRA, 2017. Mecanismos de diluição e transferência de riscos: modelagens para risco de desastres e o mercado de seguros. XVII Enanpur, São Paulo, 2017.

Esquema Hidrografico da Macrometrópole Paulista – (DAEE, 2013) localização dos estudos de caso.

O primeiro estudo de caso abrange a região leste da Bacia do Alto Tietê, considerando as funções do

Sistema produtor de água de Taiaçupeba e sua participação no controle de inundação, até a barragem

da Penha; e seu cruzamento com o contexto local de inundações no Jardim Pantanal. Os aspectos de risco de inundação para a ocupação informal consolidada

nessas terras baixas, e as dificuldades de implementação de soluções como as do Parque Várzea do Tietê, envolve compreender conflitos locais com as

fragilidades na interação com operações sistêmicas complexas.

O segundo estudo de caso abrange a região oeste, com as estruturas de Rasgão e Pirapora, e a questão da reversão do rio Pinheiros, envolvendo funções de armazenamento para controle de inundação na fronteira entre bacias, a importância da geração de energia nestas usinas e em Henri Borden para suprir a demanda da capital em horários de pico, e prejuízos à qualidade da água. O contexto local envolve eventos de inundação em Itu, pelo controle necessário que se faz na interface entre bacias do Alto e Médio Tietê, na vazão máxima prevista em períodos de cheia.