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- FALTA OU VÍCIOS DA VONTADE - Ao falarmos de falta ou vícios da vontade no casamento, estamos a falar em vícios que atingem o consentimento dos nubentes ao contrair o casamento, isto porque sem vontade de casar, da parte de ambos os nubentes, e sem que esta vontade tenha sido manifestada, nos termos da lei, não pode haver casamento válido. Não é admissível um casamento sem vontade, não se pode permitir a continuação do casamento sem uma vontade livre, ponderada e esclarecida, dirigida à comunhão da vida em comum, pelos menos, que é a base do casamento. É por estes motivos que o consentimento matrimonial tem de revestir determinadas características essenciais, isto é, o consentimento tem de ser pessoal, puro e simples, perfeito e livre, mas, de acordo com o tema do nosso trabalho, só vamos apreciar duas dessas características, que são: a perfeição e a liberdade do consentimento. 1

FALTA OU VÍCIOS DA VONTADE

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Page 1: FALTA OU VÍCIOS DA VONTADE

- FALTA OU VÍCIOS DA VONTADE -

Ao falarmos de falta ou vícios da vontade no casamento,

estamos a falar em vícios que atingem o consentimento dos

nubentes ao contrair o casamento, isto porque sem vontade

de casar, da parte de ambos os nubentes, e sem que esta

vontade tenha sido manifestada, nos termos da lei, não

pode haver casamento válido. Não é admissível um

casamento sem vontade, não se pode permitir a

continuação do casamento sem uma vontade livre,

ponderada e esclarecida, dirigida à comunhão da vida em

comum, pelos menos, que é a base do casamento.

É por estes motivos que o consentimento matrimonial tem

de revestir determinadas características essenciais, isto é, o

consentimento tem de ser pessoal, puro e simples, perfeito

e livre, mas, de acordo com o tema do nosso trabalho, só

vamos apreciar duas dessas características, que são: a

perfeição e a liberdade do consentimento.

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- Perfeição do consentimento -

Assim, o consentimento deve ser perfeito, ou seja, deve ser

perfeito não só no sentido de que devem ser concordantes

ambas as declarações de vontade dos nubentes que o

integram, como também no sentido de que em cada uma

dessas declarações de vontade deve haver concordância

entre a vontade e a declaração.

Essa concordância é presumida pela Lei, uma vez que o

artigo 1634º do Código Civil considera que a declaração de

vontade, no acto da celebração do matrimónio, constitui

presunção de que os nubentes o quiseram contrair.

Mas, pode acontecer, mesmo em matéria de casamento,

que haja divergência entre a vontade declarada e a

vontade real. Esta divergência encontra-se prevista no

artigo 1635º do Código Civil, onde enumera diferentes

situações que podem levar à anulabilidade do casamento

por falta de vontade. Assim, o casamento é anulável por

falta de vontade quando:

a) O nubente, no momento da celebração, não tinha a

consciência do acto que praticava, por incapacidade

acidental ou outra causa;

b) O nubente estava em erro acerca da identidade física

do outro contraente;

c) Quando a declaração da vontade tenha sido

extorquida por coação física;

d) Quando tenha sido simulado.

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Deve contudo entender-se que o casamento só pode ser

anulável se estiver de acordo com algum destes factos,

conforme o disposto no artigo 1627º do Código Civil.

Relativamente ao regime da legitimidade para arguir a

anulação do casamento por falta de vontade, estamos

perante o disposto no artigo 1640º do Código Civil, que

distingue a legitimidade para a anulação dos casamento

simulados e para os restantes casos, mais propriamente o

seu nº 1 e nº 2.

Quanto ao casamento simulado, este utiliza-se,

normalmente, para a obtenção da nacionalidade de um dos

cônjuges, a aquisição de um licença de trabalho no

estrangeiro ou habitação, isto de forma a evitar

expatriação, entre outros motivos. Mas, se embora

determinados por um desses motivos os nubentes têm

disposição de fazer e fazem realmente vida em comum, não

há simulação e o casamento é válido. O que já não

acontece se apenas pretendem alcançar os motivos que os

levaram a contrair casamento e recusam a “comunhão de

vida” que constitui a essência deste. Aqui, já estamos

perante um casamento simulado.

Assim, verifica-se que para a anulação de um casamento

simulado tem legitimidade para intentar a competente

acção, os próprios cônjuges ou quaisquer pessoas

prejudicadas com o casamento, como por exemplo credores

(artº 1640, nº 1 CC). A legitimidade dos próprios cônjuges

para arguir a anulabilidade do casamento deve-se à

importância que o consentimento tem na celebração do

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casamento, isto porque nunca se deve sacar contra a nossa

vontade ou somente para atingir determinados objectivos

que nada têm a ver com a vida em comum.

Não podem estes últimos porém (os cônjuges) provar o

acordo simulatório entre ambos os nubentes por

testemunhas, conforme o disposto no artigo 394º CC, nem

mesmo por presunções (artº 351º CC). Podem todavia

recorrer à prova testemunhal os terceiros que pretendam

anular o casamento simulado, de acordo com o nº 3 do

artigo 394º CC.

Por outro lado, para os restantes casos, quem tem

legitimidade para propor a acção de anulação é o cônjuge

em que cuja vontade faltou ou, caso este faleça durante a

pendência da acção, pode esta seguir os seus ulteriores

termos em nome dos seus parentes, afins na linha

herdeiros ou adoptantes.

Aqui coloca-se a questão do caso do erro na declaração, em

que cuja vontade se pode dividir em três situações

distintas, que são: pode faltar ao declarante a vontade de

acção, a vontade da acção como declaração ou haver um

simples desvio na vontade negocial. Nas duas primeiras

hipóteses, ou seja, na falta de vontade de acção ou na falta

de vontade da acção como declaração, o casamento é

anulável através da alínea a) do artigo 1635º CC, o que

constitui um desvio à regra estipulada no artigo 246º do

Código Civil, em qual a declaração não produziria qualquer

efeito. Contrariamente, nos casos em que existe um

simples desvio na vontade negocial, ou seja, havia a

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vontade de realizar um negócio jurídico de conteúdo

diverso que não o casamento (o que é difícil de se verificar,

uma vez que o casamento possui conteúdo fixo), o

casamento também é anulável, mas nos termos da alínea

b) do artº 1635º CC.

Em qualquer das situações acima referidas, o prazo para

que seja possível a propositura da acção de anulação do

casamento é de três anos subsequentes à celebração do

casamento ou, se este era ignorado do requerente, nos seis

meses seguintes ao momento em que dele teve

conhecimento, de acordo com o disposto no artigo 1644º do

Código Civil.

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- Liberdade do consentimento -

A vontade em contrair matrimónio deve ser livre e

esclarecida. Esta embora existindo, pode ser afectada,

fundamentalmente, por dois vícios, o erro e a coacção

moral. Assim para além de existir a vontade matrimonial,

esta tem de ser esclarecida (sem erro) e livre (sem

coacção).

Acentua-se, porém, que tanto o erro como a coacção, para

serem relevantes, determinantes para a anulabilidade do

casamento, devem revestir determinadas características,

que a lei expressamente refere.

- Regime do Erro (art.º 1636º):

Assim, o "erro" tem de recair sobre as qualidades

essenciais da pessoa do outro cônjuge, devendo ainda ser

desculpável e determinante (Artigo 1636°, do Código Civil).

O erro que releva nos termos do art.º 1636 deve recair na

pessoa com quem se realizou o casamento e versar numa

qualidade essencial dessa mesma pessoa.

Em primeiro lugar de todas as possíveis modalidades que o

erro pode revestir só releva, no regime de casamento, o

erro sobre a pessoa do outro contraente, que recaia sobre

as suas qualidades; Em segundo, não são quaisquer

qualidades que são relevantes para este efeito mas só as

qualidades essenciais.

Assim podemos dizer que a relevância do erro no

casamento depende dos seguintes pressupostos:

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1. Que o erro recaia sobre a qualidade essencial da

pessoa do outro cônjuge;

2. Que seja próprio,

3. Que seja desculpável;

4. Que as circunstâncias sobre as quais incidiu o erro

sejam determinantes na vontade de contrair

casamento.

Em primeiro lugar o erro só releva se incidir sobre

qualidade essencial da pessoa do outro cônjuge. Trata-se

de um conceito indeterminado que compete à

jurisprudência aplicar e que só é determinável através

dessa aplicação. Como principio orientador poderá dizer-se

que são essenciais as qualidades particularmente

significativas e que sejam idóneas para determinar o

consentimento, como sejam o estado civil, a religião,

costumes desonrosos, a pratica de crimes infamantes, a

impotência, deformidades físicas graves, doenças

incuráveis que sejam hereditárias e ou contagiosas, serão

circunstâncias que, entre outras, poderão assumir

relevância para este efeito.

Em segundo, o erro tem de ser próprio, ou seja, não pode

recair sobre um qualquer requisito legal de existência ou de

validade do casamento. Assim se um cônjuge,

erradamente, supunha que o outro era divorciado quando

na verdade ainda se encontrava casado, o erro diz-se

impróprio e o casamento será anulável não por erro mas,

independentemente do erro, por falta de requisito legal,

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neste caso por impedimento dirimente absoluto. A

exigência de propriedade do não é feita na letra da lei

resulta sim dos princípios gerais sobre concurso de normas.

Em terceiro, o erro tem de ser desculpável. Esta exigência,

que resulta expressamente do art.º1636 e que faz com que

o erro indesculpável ou grosseiro, em que não teria caído

uma pessoa normal perante as circunstâncias do caso, não

pode ser invocado como motivo de invalidade, o erro deve

ser susceptível de ocorrer a qualquer outra pessoa, em

idênticas condições às que se verificaram com o nubente,

cuja vontade foi por isso viciosamente formada.

Por último, o erro verá recair sobre circunstâncias que

tenha sido decisiva ou determinante na formação da

vontade, de tal forma que, se o erro não existisse, o

cônjuge em erro não teria querido celebrar casamento.

Estas circunstâncias deverão ser avaliadas no ponto de

vista objectivo e subjectivo. Não basta que a essencialidade

seja objectiva, como na maioria dos negócios jurídicos, ela

terá, também , de ser subjectiva, ou seja, para alem de ser

essencial para o nubente na determinação da sua vontade

há-de também ser legítimo, aceitável, atendendo as

circunstâncias do caso e á luz de uma consciência social

colectiva dominante, que na determinação da vontade de

casar tenha sido decisiva a circunstância sobre a qual

incidiu o erro.

Ainda a propósito do "erro" e de sua relevância, em matéria

matrimonial, há que atender o seguinte:

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Nos negócios em geral diferencia-se o “erro” do “erro

doloso”, aquele que tenha sido provocado por uma das

partes de forma intencional. Também é sabido, que, nas

declarações negociais, em geral, o "erro doloso" é mais

grave (produz consequências mais gravosas) do que o

"erro" simples (não provocado pela outra parte). Ora, em

matéria de casamento não é assim, o "erro" produz os

mesmos efeitos quer seja simples, ou doloso.

- Regime de anulabilidade por erro:

Quando o consentimento seja prestado viciado por erro,

verificando-se as condições determinantes que acabamos

de referir, o casamento é anulável (art.º 1631º al. b).

Tem capacidade para arguir a anulação do casamento o

cônjuge em erro, aquele cuja vontade tenha sido viciada

(art.º 1641º), só o podendo fazer nos seis meses

subsequentes à cessação do vicio (art.º 1645º) ou seja, nos

seis meses decorridos após a data em que o cônjuge teve

conhecimento do erro. Contudo podem prosseguir com a

acção os seus parentes, afins em linha recta, herdeiros ou

adoptante, caso o autor venha a falecer na pendência da

causa (art.º 1641º). A anulabilidade é sanável mediante

confirmação nos termos gerais do art.º 288º.

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Coacção moral – art.1638º CC

Ora como se evidenciou anteriormente, que o casamento

sem vontade, por parte dos nubentes, sem ser livre e ou

com vícios, esse mesmo casamento é anulável.

Assim nos termos da lei, art. 1638º do Código Civil, permite

a anulação do casamento com fundamento em coacção.

Traduzindo-se por coacção um vício da vontade, receio ou

temor ocasionado num nubente pela cominação de um mal,

dirigido à sua própria pessoa, honra, ou fazer da ou à de um

terceiro.

Diz-nos o nº 1 do art. 1638º CC, é anulável o casamento

celebrado sob coacção moral, desde que seja grave o mal

com que o nubente foi ilicitamente ameaçado e justificado

o receio da sua consumação.

O nº 2 do art. 1638 CC, é equiparada à ameaça ilícita o

facto de alguém, consciente e ilicitamente extorquir ao

nubente a declaração da vontade mediante a promessa de

o libertar de um mal fortuito ou causado por outrem.

Também é relevante a coacção, mesmo que a ameaça vise

interesses patrimoniais e, quando tiver como objecto

terceiro, seja qual for a relação entre esse terceiro e o

nubente coagido.

Em matéria de casamento, não se distingue entre as

hipóteses de a coacção provir do outro nubente ou de um

terceiro, ao contrário do que faz a Teoria Geral do Direito

Civil. É relevante em qualquer dos casos e nos mesmos

termos.

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O casamento é anulável pelo art. 1631º, al. b) CC, quando

verificados os pressupostos típicos do erro ou da coacção. A

acção de anulação pode ser intentada pelo cônjuge

enganado ou coagido, podendo prosseguir nela os seus

parentes, ou afins na linha recta, herdeiros ou adoptantes,

se o autor falecer na pendência da causa, art. 1631º CC,

dentro dos seis meses subsequentes à cessação do vício,

art. 1645º CC.

A anulabilidade é sanável mediante confirmação, art. 288º

CC. A confirmação que pode ser expressa ou tácita.

Em conclusão, para que haja coacção é imprescindível a

ameaça de um mal, a cominação de um dano. Em segundo

lugar é necessário que a ameaça seja intencional (pelo lado

do autor) e determinante (pelo lado da vítima). A ameaça

do mal tem que ser ainda ilícita; tem que ser injusta a

cominação do mal usada para extorquir a declaração. Os

requisitos específicos da relevância da coacção, no domínio

do casamento, consistem na gravidade do mal com que o

nubente seja ameaçado e na justificação do receio da sua

consumação, para ser anulável.

Pois pode dar-se o caso de os filhos casarem para fazer a

vontade aos pais e tais casamentos são válidos, bem como,

o casamento celebrado em seguida ao rapto pode ter sido

contraído sob coacção, mas também pode ela ter prestado

livremente o seu consentimento.

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