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23 1 – Etiqueta falsificada, provavelmente de origem alemã, que se diz ter sido um invólucro de embalagem para os papillons de Metz. 2 – Envelope transportado em mala selada diplomática pelo General americano Burnside e pelo Coronel Forbes de Londres para Paris, selada, franqueada e expedida pela missão diplomática americana (i.e., Embaixada) nesse mesmo dia de chegada. HISTÓRIA POSTAL EXTRAORDINÁRIA Ernst M. Cohn A Filatelia sempre teve, desde os seus primórdios, as suas modas e manias. Desde cedo, algumas pessoas serviram- se dos selos como papel de parede. Outras colecciona- ram-nos, com o único objectivo de obter o maior número possível de diferentes selos, independentemente do seu estado de conservação. As recordações sob a forma de envelopes selados surgiram com a emissão do selo preto de um “penny” com a Rainha Vitória, o famoso “penny black”, em 1840. A loucura das recordações continua, sob a forma de envelopes vazios e não endereçados, para todas as ocasiões, tais como Envelopes comemorativos do Primeiro Dia e envelopes não endereçados, de prefe- rência autografados que, supostamente, terão estado na Lua ou numa estação espacial. A colecção de selos ou filatelia adquiriu uma atitude mais técnica após a primeira metade do séc. XIX, à medida que os coleccionadores iam aprendendo mais sobre as- pectos importantes como tipos de papéis, tintas, marcas de água, métodos gerais de impressão e separação de se- los. Cerca do início do séc. XX, desenvolveu-se o interes- se pelo estudo dos métodos de preparação de moldes, gra- vações e chapas, bem como pormenores de impressão, para permitir a distinção entre duas ou mais edições. Por outro lado, alguns coleccionadores de selos usados come- çaram a reflectir no significado dos carimbos postais, antecipando já aquilo que viria a ser denominado, nos anos 30, como a “história postal”, um termo inicialmente associado à filatelia por Robson Lowe. Durante algum tempo, muitos estudantes de história pos- tal mantiveram-se ocupados com a procura de informa- ção, principalmente nos registos dos postos de correio e nos jornais, sobre tarifas e percursos do correio, trata- mento especial (censura, desinfecção, correio da Cruz Vermelha, etc.), conteúdo dos tratados postais e sua implementação, e ainda com as interpretações mais cor- rectas dos carimbos postais. Houve também quem esbo- çasse as primeiras regras para avaliar as colecções de his- tória postal. Todos eram unânimes em considerar que essas colecções deveriam sempre apresentar os resultados da investigação original dos expositores. Entretanto, já foi publicada tanta coisa sobre história postal, em revistas e livros que, hoje em dia, não é mais necessário recorrer às colecções para demonstrar uma investigação pessoal. Pelo facto de lhe chamarmos “história postal”, muitos foram os que assumiram que o significado filatélico des- te termo exclui tudo o que não está relacionado com os postos de correio. Contudo, este termo diz respeito às mensagens transmitidas indirectamente dos remeten- tes para os destinatários através de qualquer meio dis- ponível. Épocas de catástrofe, epidemias, guerras, ou sim- plesmente movimentos de pessoas em larga escala (como, por exemplo, a corrida do ouro em meados do séc. XIX, nos EUA), tudo pode exigir meios de envio de mensa- gens imaginativos, invulgares e não-governamentais (car- tas, ordens de pagamento, telegramas) e embalagens. Isto traduz-se, em particular, num excelente desafio e num interesse especial pela história postal. Embora uma grande parte da excelente investigação da história postal e filatélica já tenha sido concluída, não se deve partir do princípio de que já foi feito tudo o que de importante havia para fazer. Da mesma forma, muito do que permanece escondido é, provavelmente, mais difícil de descobrir, do que a maioria dos factos descobertos ini- cialmente. Os resultados acabarão por se revelar tão sur- preendentes, quanto interessantes. Para surpresa de mui- tos comerciantes e coleccionadores, já para não falar nos especialistas, os métodos desenvolvidos e os factos rela- tados revelam-se úteis também para os envelopes come-

FEP - Faculdade de Economia da Universidade do Porto ......O primeiro serviço de balão de Metz, efectuado por far-macêuticos do exército do oficial francês Bazaine (!), decorreu

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1 – Etiqueta falsificada, provavelmente de origem alemã,que se diz ter sido um invólucro de embalagem para ospapillons de Metz.

2 – Envelope transportado em mala selada diplomáticapelo General americano Burnside e pelo Coronel Forbes deLondres para Paris, selada, franqueada e expedida pelamissão diplomática americana (i.e., Embaixada) nessemesmo dia de chegada.

HISTÓRIA POSTAL EXTRAORDINÁRIA

Ernst M. Cohn

A Filatelia sempre teve, desde os seus primórdios, as suasmodas e manias. Desde cedo, algumas pessoas serviram-se dos selos como papel de parede. Outras colecciona-ram-nos, com o único objectivo de obter o maior númeropossível de diferentes selos, independentemente do seuestado de conservação. As recordações sob a forma deenvelopes selados surgiram com a emissão do selo pretode um “penny” com a Rainha Vitória, o famoso “pennyblack”, em 1840. A loucura das recordações continua,sob a forma de envelopes vazios e não endereçados, paratodas as ocasiões, tais como Envelopes comemorativosdo Primeiro Dia e envelopes não endereçados, de prefe-rência autografados que, supostamente, terão estado naLua ou numa estação espacial.A colecção de selos ou filatelia adquiriu uma atitude maistécnica após a primeira metade do séc. XIX, à medidaque os coleccionadores iam aprendendo mais sobre as-pectos importantes como tipos de papéis, tintas, marcasde água, métodos gerais de impressão e separação de se-los. Cerca do início do séc. XX, desenvolveu-se o interes-se pelo estudo dos métodos de preparação de moldes, gra-vações e chapas, bem como pormenores de impressão,para permitir a distinção entre duas ou mais edições. Poroutro lado, alguns coleccionadores de selos usados come-çaram a reflectir no significado dos carimbos postais,antecipando já aquilo que viria a ser denominado, nosanos 30, como a “história postal”, um termo inicialmenteassociado à filatelia por Robson Lowe.Durante algum tempo, muitos estudantes de história pos-tal mantiveram-se ocupados com a procura de informa-ção, principalmente nos registos dos postos de correio e

nos jornais, sobre tarifas e percursos do correio, trata-mento especial (censura, desinfecção, correio da CruzVermelha, etc.), conteúdo dos tratados postais e suaimplementação, e ainda com as interpretações mais cor-rectas dos carimbos postais. Houve também quem esbo-çasse as primeiras regras para avaliar as colecções de his-tória postal. Todos eram unânimes em considerar que essascolecções deveriam sempre apresentar os resultados dainvestigação original dos expositores. Entretanto, já foipublicada tanta coisa sobre história postal, em revistas elivros que, hoje em dia, não é mais necessário recorrer àscolecções para demonstrar uma investigação pessoal.Pelo facto de lhe chamarmos “história postal”, muitosforam os que assumiram que o significado filatélico des-te termo exclui tudo o que não está relacionado com ospostos de correio. Contudo, este termo diz respeito àsmensagens transmitidas indirectamente dos remeten-tes para os destinatários através de qualquer meio dis-ponível. Épocas de catástrofe, epidemias, guerras, ou sim-plesmente movimentos de pessoas em larga escala (como,por exemplo, a corrida do ouro em meados do séc. XIX,nos EUA), tudo pode exigir meios de envio de mensa-gens imaginativos, invulgares e não-governamentais (car-tas, ordens de pagamento, telegramas) e embalagens. Istotraduz-se, em particular, num excelente desafio e numinteresse especial pela história postal.Embora uma grande parte da excelente investigação dahistória postal e filatélica já tenha sido concluída, não sedeve partir do princípio de que já foi feito tudo o que deimportante havia para fazer. Da mesma forma, muito doque permanece escondido é, provavelmente, mais difícilde descobrir, do que a maioria dos factos descobertos ini-cialmente. Os resultados acabarão por se revelar tão sur-preendentes, quanto interessantes. Para surpresa de mui-tos comerciantes e coleccionadores, já para não falar nosespecialistas, os métodos desenvolvidos e os factos rela-tados revelam-se úteis também para os envelopes come-

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3 – Envelope transportado pelo Tenente-Coronel britânicoLoyd-Lindsay em mala americana selada de Paris paraLondres, entregue ao transitário americano B. F. Stevensno dia 22 de Outubro de 1870, franqueada com um selo de3d e expedida por ele no mesmo dia, reencaminhada deGénova para Nervi, para San Remo.

morativos.Seguidamente, darei alguns exemplos da extraordináriahistória postal, tendo em conta tanto envelopes bastanteraros, como as chamadas cinderelas (imitações, falsifica-ções, anúncios, etc.).Durante cerca de 40 anos, a minha especialidade foi aGuerra Franco-Germânica de 1870/71, frequente e erra-damente denominada de Guerra ‘Franco-Prussiana’. APrússia era, sem dúvida, o estado mais importante do ladoalemão, mas sem a ajuda de outros membros da Confede-ração Germânica do Norte e de Bayern, Baden eWürttemberg, o resultado daquela guerra teria sido bemdiferente.Os alemães cercaram um grande número de fortalezasfrancesas, acabando por conquistar a maior parte delas.Contudo, só em dois casos, nomeadamente os cercos deMetz e Paris, é que tentaram realmente cortar todas asligações com o exterior sem o seu consentimento.A cidade sitiada de Metz teve dois serviços de correioconsecutivos por balões não tripulados, o primeiro dosquais foi também o primeiro serviço postal de balão des-sa guerra, apesar de ter sido efectuado cerca de 80 anosapós os dois primeiros serviços postais em balão não tri-pulado, provenientes de dois fortes franceses cercados,em 1793.

METZO primeiro serviço de balão de Metz, efectuado por far-macêuticos do exército do oficial francês Bazaine (!),decorreu de 5 a 15 de Setembro, inclusive, período du-rante o qual foram enviados 14 balões, tendo o primeiropar sido lançado no dia 5, e incluindo ainda um dia emque foram largados 3 balões. Quantos balões foram envi-ados e em que datas? Ninguém soube. Só um autor ten-tou adivinhar, mas enganou-se. Servindo-me de jornais

ingleses, franceses e alemães, cartas dos soldados ale-mães, registos meteorológicos franceses e de um mapaem que marquei os locais de aterragem conhecidos, con-segui eliminar os dias em que tinha chovido com intensi-dade, pelo que os franceses não podiam arriscar o enviode balões de papel. O mapa mostra quais os balões quevoaram na mesma data, isto é, na mesma direcção. A ta-bela horária destes voos é, hoje, quase totalmente conhe-cida.

Voos dos 14 Balões dos Farmacêuticos de Metz

1 Chuva de 7 a 9, incl.; manhã de 10, 14 todo o dia.

É provável que um balão, encontrado pelos alemães nosarredores de Metz a 11 de Setembro, seja um dos primei-ros quatro balões porque os # 5 - 8 já estão devidamenteidentificados. Assim, apenas dois dos primeiros quatro

DataSet

Seg. 5

Ter. 6

Sáb.10

Dom.11

Seg. 12

Ter. 13

Qui.15

Balão

1 e 2

3 e 4

5

6,7,8

9 e 10

11 e 12

13 e 14

Observações

Desconhecem-se pormenores sobre oseu destino, mas ver texto seguinte

Balão ""secreto"" encontrado no dia 25de Outobro @ St-Pezenne (perto deNiort) provavelmente 4?

Aterrou perto de Lille, encontrado a19 Set. (pmkd LILLE 5E/19 Set.)

6 para Forbach; 7 para Oberwittstadt(actualmente parte de Ravenstein)com 63 ou 67 ""papillons"", pelomenos os que eram endereçados paraParis foram enviados para Quartel-General alemão e levados para Parispor um funcionário da embaixada dosEUA; 8 para Elmstein, encontrado a28 Nov., 90 ""papillons"", a foto dopapel da embalagem ainda existe nomuseu em Speyer

Desconhece-se completamente qual oseu destino

11 encontrado cerca de uma semanadepois, perto de Fénétrange com 137""papillons""

13 aterrou perto de St Dié; 14 perto deSt Louis com 130 ""papillons"" queforam enviados para o posto decorreios de Marselha paradistribuição.

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balões, mais # 9, 10, e 12 perderam-se, ou seja, nada malpara um transporte tão primitivo.Ao longo destes anos todos, só vi um papillon de Metzfalsificado, tal como são chamadas as pequenas tiras depapel. As letras do carimbo postal do seu suposto local deaterragem eram totalmente diferentes dos genuínos. OsPapillons não são muito comuns, sendo que os primei-ros, entretanto, surgidos, podem variar consideravelmenteem termos de tamanho, e a maioria nem sequer tem orespectivo carimbo postal, já que foram reenviados emenvelopes oficiais que raramente sobreviveram.Num museu alemão em Speyer, perto da biblioteca ondetrabalhei durante cerca de uma semana, a chapa de vidrodo negativo de uma velha foto acabou por revelar umatira de papel manuscrita referente a uma embalagem de“papillons”. Não se conhecem outras tiras de papel decada serviço. No entanto, um grande amigo meu de Metz,entretanto já falecido, enviou-me uma fotocópia daquiloque, supostamente, seria uma tira de papel de embala-gem impressa referente a um dos serviços dos balões.Constava que teria tido origem conjunta no Quartel-Ge-neral do Exército do Reno e nos Correios Centrais deMetz. Nenhuma destas duas organizações tinha algumarelação com um dos serviços de balões, nem sequer haviauma estação de correios ‘Central’ conhecida por essenome, em Metz, naquela época. Tal como o meu amigodissera, era pretensamente falso (ver fig. 1). Ele pensavaque era de origem inglesa, mas eu tenho quase a certezaabsoluta de que era alemão, porque começava porAttention! que, traduzido para alemão dá Achtung!, algoque os oficiais militares alemães, em serviço ou não, ado-ravam gritar às suas tropas. Em qualquer dos casos, nãoé um documento genuíno, precisamente porque reclamater uma ligação postal!

PARISMais conhecido ainda, e bem mais espectacular, foi o ser-viço de balões de Paris, no qual 66 balões tripulados e 1balão não tripulado foram lançados, na sua grande maio-ria dos correios de Paris, entre 23 de Setembro de 1870 e28 de Janeiro de 1871. Embora pareça que todos os ba-lões já estão devidamente identificados e explicados, asdatas de três deles tiveram de ser alteradas mais de umséculo depois do evento. Todos eram balões não postais,isto é, pertenciam ao telégrafo ou mais dois outros escri-tórios, ou ainda a particulares. Os jornais de Paris e osarquivos de Paris e dos locais onde esses balões aterra-ram, bem como as notícias enviadas pela Delegação Go-vernamental ao governo de Paris via pombo-correio, fo-ram usadas por vários investigadores para estabelecer asdatas correctas dos voos.No entanto, porquê o interesse de saber se um balão voouna data errada ou dois dias antes? Simplesmente porquedizia-se que o balão do gabinete do telégrafo que, supos-tamente, voara no dia 7 de Dezembro, transportava 400

kg de correio, processado em Paris nos dois dias anterio-res. Sabendo que os balões do telégrafo transportavamalgumas sacas de correio, o Armée de Bretagne, que le-vantou voo na madrugada do dia 5 de Dezembro, nãopoderia certamente ter transportado as cartas colocadasno correio entre os dias 5 e 6. Para além disso, sabemoshoje que a carga média diária de cartas durante o cercochegava aos cerca de 25 kg, pelo que 400 kg é, ainda porcima, um valor demasiado elevado. A única forma deexplicar o peso do correio é reparando que mesmo o cor-reio normal de um único dia antes do cerco era mais pe-sado do que o total do correio enviado por balão de Paris.Este facto nunca foi mencionado pelo chefe dos correiosde Paris.As origens do correio enviado pelos balões tripulados deParis foram relatadas em 1951 pelo falecido PaulMaincent. Com base nos pormenores do seu livro, fuicapaz de identificar uma carta num leilão de 1997, emParis, que supostamente teria sido enviada no balãoNational, um velho balão, demasiado frágil e vulnerávelpara suster o gás quando foi insuflado no dia 21 de Se-tembro. A carta permaneceu sem um carimbo postal deParis e, em vez disso, foi transportada no Neptune, con-forme prova o característico carimbo postal de trânsito.Outras cartas de Paris não chegaram aos balões atravésdos respectivos postos de correios. Algumas foram envi-adas pessoalmente pelos aeronautas, tal como todos osbalonistas – pilotos e passageiros – eram chamados. Es-sas missivas podem, por vezes, ser caracterizadas pelobalão que as transportou quando se conhecem todos osfactos sobre a sua expedição. Outro tipo de correio eratransportado por contrabandistas, tanto para fora, comopara dentro de Paris. Com o início do cerco, assistiu-seainda ao envolvimento do pessoal oriundo dos correioem serviços de contrabando oficial, que duraram poucomais de uma semana, com êxitos diminutos e gerando,como tal, uma enorme escassez de correio. É provávelque todos os detalhes desse tipo de contrabando privado,alguns deles fraudulentos, nunca cheguem a público,embora cada vez mais esses processos estejam a conhe-cer a luz do dia.Praticamente esquecido foi um serviço improvisado, or-ganizado para ambos os lados pelos americanos, que fo-ram os primeiros a reconhecer a república francesa e quetomaram conta dos interesses germânicos em Paris, ra-zão pela qual se explica a boa vontade e a cooperação deambas as partes. Começou com alguns americanos e in-gleses que transportavam malas diplomáticas fechadasatravés das linhas (ver figs. 2 e 3) e acabou com umatroca mais ou menos semanal dessas malas através debandeiras brancas perto da (destruída) ponte de Sèvres.Transportados pelos correios prussianos entre Versalhese Londres, destinavam-se única e exclusivamente para ascomunicações diplomáticas oficiais americanas, emboratrouxessem também algum tipo de correio normal.

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4A - Frente de envelope contrabandeado de Belfort (fran-cês) através da fronteira, entregue ao posto de correio decampanha suíço que, por sua vez, a remeteu para a estaçãode correios de Porrentruy.4B - Verso do mesmo envelope, selo manual genuíno doposto de correio de campanha suíço, mas endossoforjado. (Note-se que o falsificador chegou mesmo acopiar FRANCO da frente.)

Passei a maioria dos fins de semana de um Verão na Bi-blioteca do Congresso e nos Arquivos Nacionais em Wa-shington, onde vivia na época, recolhendo aí todos ostipo de pormenores disponíveis, adicionando material deuma biblioteca em Filadélfia, de livros sobre cartas e di-ários alemães, e um livro publicado por um pseudo-di-plomata espanhol que tinha escapado para Bruxelas docativeiro alemão. Este material foi, mais tarde,complementado no meu livro de 1995 através de porme-nores sobre cartas movimentadas por outros meios diplo-máticos, incluindo o embaixador suíço, o adido militarbritânico e o Núncio Papal, deão dos embaixadores emParis.Trata-se de um excelente exemplo do movimento do cor-reio totalmente desligado das estações de correios. Osregistos oficiais, no entanto, não podem ser localizadosentre os papéis postais, mas são guardados juntamentecom os papéis dos ministérios dos estrangeiros, departa-mentos de guerra, pelo que todos os registos publicadosou não publicados conseguem sobreviver através de to-dos quantos estiveram envolvidos. Eu descobri, por exem-

plo, dois livros publicados por um oficial francês que tra-balhava como intérprete para o Comandante de Paris, oGeneral Trochu, quando o General americano Burnsideatravessou as linhas em duas visitas com o único objecti-vo de tentar (sem sucesso) negociar um armistício. Maistarde, o mesmo oficial francês também tratou da maioriadas trocas de malas diplomáticas entre as tropas france-sas e alemãs. Um civil alemão que tinha permanecido emParis fez uma referência fugaz, no seu livro dedicado aocerco, sobre o facto de ter recebido do correio do seu paísnuma mala americana. Conforme bem pode ser imagina-do, mesmo algumas das fontes impressas, produzidas emedições limitadas, são difíceis de encontrar, e muito me-nos referências ao correio nelas contido.Actualmente, cerca de três dúzias de cartas das malasdiplomáticas americanas ainda estão disponíveis eidentificadas, algumas das quais encontram-se nas bibli-otecas e arquivos, isto é, permanentemente fora do mer-cado. De vez em quando, o material desta natureza é ain-da oferecido sem qualquer identificação, como tendo cir-culado por meios diplomáticos pelo menos numa partedo caminho, embora no meu trabalho publicado em 1976,as malas americanas tenham sido identificadas, tanto peloestafeta, como pela data e número (no caso de terem sidotransportadas por meio de uma bandeira branca de tré-guas). Daí que nada haja a recear quanto ao facto de es-tarmos a veicular segredos ao publicarmos trabalhos deinvestigação - afinal de contas, quem os lê?!

BELFORTApenas um único balão do correio não tripulado conse-guiu abandonar com êxito a fortaleza no dia 30 de De-zembro de 1870, tendo sido encontrado alguns dias de-pois, não muito longe, na fronteira entre a França e aSuíça.Na exposição filatélica de CENTEX, em 1970, emFriburgo, uma carta de Belfort datada de 24 de Janeiro de1871 foi exibida e referida como tendo estado num balão(ver figs. 4A e B). Embora não haja qualquer dúvida quan-to à autenticidade do envelope, parte de uma correspon-dência bem conhecida, o endosso no seu verso sobre obalão foi precisamente questionado nessa altura. Desdeentão, a correspondência tinha mudado de mãos duasvezes, quando aquele envelope particular foi oferecidoisoladamente em leilão. Não só tinha o proprietário de1970 questionado indirectamente a sua autenticidade;como também, eu próprio, ao rever a foto daquele endos-so, percebi que tinha demasiado detalhe para ser sufici-entemente credível. O falsificador queria convencer oscompradores de que ele conhecia tudo sobre aquele ba-lão, assim como o percurso e a forma como o correiotinha sido tratado. Logo que tomamos consciência dessefacto, afigura-se-nos algo ridículo que um soldado traba-lhando para um posto de correio de campanha suíço pre-tenda, através do endosso, dar uma ordem ao chefe dos

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5A – Único envelope conhecido com cinco provisórios Vineta.A frente mostra vários selos manuais de Bartels e a assinaturaescrita de Jakubek. O verso mostra a marca de Hamburgo,retirada anos antes do provisório existir: O envelope nuncafoi enviado pelo correio.5B – Conteúdo do envelope mostrado em 5A, estilo deficientee inconsistente e razão errada para a criação de provisórios.

correio suíço sobre como enviar esta cartas por ‘balão’.Dado que várias pessoas criticaram a sua descrição, olote foi retirado do leilão.

CINDERELAS DE OUTROS PERÍODOSUm pouco de prática em história postal ajuda a detectaralgumas cinderelas apenas pelo simples estudo das suasfotos em catálogos de exposição e vendas, mesmo queelas não tenham nada a ver com a nossa especialidadefilatélica. Para se certificar de que não é cometido ne-nhum erro é, no entanto, aconselhável consultar um es-pecialista antes de publicar as suas conclusões. Eu fizquestão em publicar as provas, não só em inglês, mastambém em França para os objectos postais franceses ena Alemanha para os objectos postais alemães, para asse-gurar que os filatelistas não podem alegar que desconhe-cem os factos, só porque eles não apareceram no seu pró-prio país e língua. Aqui estão alguns exemplos.

A Burla da VinetaA produção descontrolada de selos foi uma autêntica pra-ga para a filatelia ao longo de gerações. Nesses casos,onde foram utilizados materiais e procedimentos autênti-cos para produzir um excesso de itens, como é que umespecialista pode garantir que um dado artigo é genuíno?No melhor dos casos, é possível provar que o item não égenuíno.Um caso interessante é representado pelo provisório Vinetaalemão de 1901, designado ‘Vineta Swindle’ (A Burla daVineta) pelo autor alemão Kurt Karl Doberer, de acordo

com a Geschichte der Philatelie (volume 1, página 119)de Carlrichard Brühl. Doberer foi também autor da frasecínica: “Quando envelhecem, tornam-se mais autênticos.”Este provisório, produzido pela primeira vez a bordo deum barco de guerra alemão, é um selo de 5 Pfennig, ver-ticalmente bissectado, sendo que cada metade tem umasobretaxa de 3 Pf. Na época, 600 era o número oficial-mente admitido. Porém, ninguém sabe a quantidade real,porque o comissário de bordo levou o seu próprio dispo-sitivo de selagem pessoal, o carimbo datador circular dobarco (cds – circular date stamp), bem como a almofadado carimbo para casa consigo.Conforme um certo autor crítico escreveu, o mais carodeste itens é um envelope com um bloco de 4 e um sim-ples, todos carimbados por uma tira do cds oficial (ca-rimbo datador circular), com um cds de chegada de Ham-burgo e a carta ainda no seu interior. Foi exibido tantoem Mónaco, como na IBRA de Nuremberga no mesmoano. O catálogo da exposição deste último evento mostraapenas a parte da frente, o que não prova nada; já quetambém mostra a chamada carta e a marca de ‘chegada’a Hamburgo (ver figs. 5A e B).A ‘carta’ foi o primeiro item que despertou a minha aten-ção, porque o seu estilo altamente formal era bastanteinconsistente, e a razão dada para a criação da bissecçãoestava errada. Conclusão: A ‘carta’ é um anúncio escritode forma paupérrima por um vendedor mal informado.Em seguida, verifiquei o endereço de Hamburgo e aalegada marca de recepção. O endereço está correcto, deacordo com o livro de endereços (que todos podem usar,

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6 – Souvenir genuíno, com o carimbo postal do localerrado e demasiado tarde, alegadamente para um voosecreto da NASA, que nem sequer existiu!

é claro). O cds de Hamburgo foi retirado de circulaçãonove anos antes do provisório Vineta ter sido criado. Comotal, o item foi obviamente feito para coleccionadores enunca passou pelos correios. A minha prova foi enviada,juntamente com o meu consentimento, para o actual pro-prietário e para apenas um dos três especialistas que ain-da está vivo, para que pudessem fazer o seu comentáriosobre ele antes de ser impresso. Não houve nenhum co-mentário feito que impedisse a sua publicação, nem tãopouco depois das minhas provas terem sido publicadas.O provisório perdeu, entretanto, o seu número de catálo-go no principal catálogo alemão, embora, tanto quantosei, aí não seja feito qualquer aviso de qualquer espécie.Não partam do pressuposto de que os catálogos servempara vos avisar e proteger! Eu tenho conhecimento detrês casos, dois deles (EUA e Alemanha) onde não háqualquer prova de uso genuíno, e um (francês) só de ‘ca-rimbos postais’ falsificados, pelo que a nacionalidade nãoé critério.

O Correio Fantasma do ZeppelinNuma das minhas colunas de história postal citei o cor-reio do L59 Zeppelin da marinha alemã, e da sua viagemsecreta para a África Oriental alemã, como um caso dehistória postal fantasma, isto é, um evento que se diz tergerado correio, embora se desconheça qualquer peça alu-siva. Alguns meses mais tarde, recebi uma simpática car-ta de um leitor europeu com fotocópias de 8 envelopessupostamente originários dessa viagem. É claro que estanão seria a primeira vez que a história postal fantasma setornaria realidade.A maioria do texto e fotos com a história nada tinham aver com correio, mas isso já seria de esperar quando oeditor/autor tinha de preencher um número inteiro da sua

revista apenas com esses itens. O sinal de alarme soouquando li que cada envelope tinha sido examinado porvários peritos especializados em busca da sua absoluta etotal genuinidade. Esses especialistas não tinham nome,nem tão pouco eram as suas conclusões citadas. Aindapor cima surgia a afirmação do autor de que todos osinteressados no excepcional geralmente não têm qualquerdúvida e acreditam piamente em tudo o que lhes é dito.Por conseguinte, era óbvio que o autor nos estava a for-necer inúmeros avisos não intencionais.Um estudo detalhado dessas fotocópias revelou a falta deselos, de carimbos postais dos países de origem, bem comodas marcas de censura (tratava-se supostamente de umvoo secreto durante a 1ª Grande Guerra). Só essas faltaspor si só teriam sido suficientes, mas eu descobri maisquatro grandes problemas e/ou impossibilidades. Dadoque o presidente do grupo de estudos era um amigo pes-soal, enviei-lhe o relatório das minhas conclusões, com ocomentário de que eu gostaria que o editor/autor desseuma explicação acerca do seu texto que tinha aparecidoseis anos antes, em vez da minha exposição dos seus ‘er-ros’. Em vez disso, o meu amigo primeiro pediu ao seuespecialista que analisasse o assunto, após o que me en-viou uma simpática carta expressando o seu acordo totale inequívoco.Quando o autor recusou escrever o que quer que fossemais sobre o assunto, fui incentivado a publicar eu pró-prio as minhas conclusões. Nenhum dos membros do gru-po de estudo tinha reparado na burla nos seis anos decor-ridos entre a publicação e a minha recepção de uma cópiadele. Será que ninguém tinha reparado nisso?

Voo Top Secret da NASANo primeiro catálogo de Mónaco encontrei um artigo es-

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pacial bastante interessante, cuja autenticidade básicaacredito de bom grado: Trata-se de um simples envelopeauto-endereçado e selado de 1957, enviado pelo falecidoDr. Max Kronstein para um balonista, pedindo-lhe quedevolvesse o envelope, assinado e com o respectivo ca-rimbo postal indicando o local e hora da sua partida.Kronstein recebeu de volta o envelope, com o carimbopostal atrasado vários dias e de Washington, DC, comuma carta pedindo desculpa pela sua falha. Ao abrigo dasregras FIP para souvenirs desse tipo, trata-se de algo quenão pode ser exibido em competição, porque não tem oadequado carimbo postal (ver fig. 6).Sendo assim – como é que se transforma um envelopedeste tipo suficientemente interessante para um eventonão competitivo como o de Mónaco, onde está presente anata da filatelia? Bom, a sua descrição era certamenteinventiva: O envelope tornara-se um registo de uma mis-são super-secreta da NASA chamada MISS (= Man InSpace Soonest).A isso apenas podemos responder com três perguntas:(1) Como é que um químico industrial como o falecidoMax Kronstein soube de uma missão super-secreta tãoantecipadamente para enviar um envelope de recordaçãopara o piloto? (2) Será que o descritor não sabia que aNASA só tinha sido fundada em 1958? E (3) se o descritornão sabia isso, então por que é que ele iria contar umamentira tão óbvia, sem sequer olhar para a data da suafundação, algo que não é de todo “top secret”?

CONCLUSÃOAs Cinderelas que eu descobri abrangem o período entre1847 e 1957 e incluem- um envelope que não tem qualquer marca postal, nem

qualquer prova de que tenha sido entregue por al-guém, posto de correios ou outro;

- dois envelopes praticamente idênticos, um deles as-sinado por dois especialistas, atribuídos a um pilotoimaginário americano e provenientes de um períodotemporal impossível, embora os itens tenham sidocorrectamente descritos anos antes num livro de L.N.e M. Williams como anúncio de uma exposição pa-norâmica feita por uma empresa inglesa;

- uma peça de museu (ver fig. 7), sendo uma cartadobrada autêntica, mas exibindo um selo não carim-bado (o que pode ser uma reimpressão), com os por-tes pagos cobrados na sua totalidade para uma longaviagem. O selo, cuidadosamente colado sobre o li-mite dum cds vermelho parece, no entanto, e à pri-meira vista, associado ao envelope. Esse cds foi apli-cado ao envelope mesmo antes da sua entrega.

Por outro lado, reparei ainda em raridades não descober-tas, como por exemplo- um envelope único, enviado por correio durante a 1ª

Grande Guerra de Budapeste para Berlim, onde foiaberto, censurado e re-selado com um tipo de fita atéentão desconhecida (ver fig. 8);

- uma carta do chefe suíço dos nazis (morto por umaluno de medicina judeu) dirigida a Hitler que, naaltura, vivia em Munique; e

- duas cartas do cerco de Paris sem qualquer marcaspostais, mas com o carimbo de data oval do oficialamericano remetente, B. F. Stevens, em Londres, in-dicando, deste modo, a mala diplomática americanaem que cada uma dessas cartas saiu de Paris.

Muitos destes itens pertencem a áreas da história postalfilatélica que eu nunca coleccionei, nem estudei. Poderá

7 - Selo Mauritius 2d dos ‘Correios’, possivelmente umareimpressão, não carimbado, colocado numa quebra docarimbo postal (gasto)de Boulogne (França). Os portessão cobrados para uma carta totalmente não paga.

8 - Envelope por correio de Budapeste para o Ministériode Guerra da Prússia, em Berlim, que o censurou, voltou afechar, franqueou e enviou por correio para Aachen.Originário do gabinete de materiais de guerra húngaro,endereçado a uma empresa de mudanças alemã, oestafeta-correio trabalhava para a Central Buying Society,encontrada no Ministério de Guerra da Prússia perto doinício da 1ª Grande Guerra.

Page 8: FEP - Faculdade de Economia da Universidade do Porto ......O primeiro serviço de balão de Metz, efectuado por far-macêuticos do exército do oficial francês Bazaine (!), decorreu

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obter óptimas ideias acerca da extraordinária históriapostal, por exemplo, lendo lexicos filatélicos e, é claro,bons trabalhos de especialidade; falando com amigos oucolegas filatelistas e mantendo os ouvidos bem abertos asugestões; ou dando uma espreitadela às caixas de enve-lopes dos comerciantes à procura de material fora do co-mum.Se anda à procura de novas área de colecção, sugiro nãosó a leitura de livros sobre elas antes de mergulhar dealma e coração, mas também considerar quais os aspec-tos não explorados que elas podem oferecer para investi-gação e quais as partes mais propícias para produzircinderelas inofensivas e prejudiciais.Mesmo não coleccionando, a simples pesquisa de rarida-des, bem como de cinderelas em catálogos de exposiçõesilustradas e leilões é divertida, informativa e pode serduplamente lucrativa – ao detectar raridades não reco-nhecidas oferecidas a baixos preços, e descobrindocinderelas que mereciam ser conhecidas, estará assim apoupar os filatelistas dos custos e perdas ligados à suaaqui

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