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FERNANDO PESSOA (ortónimo) Características da sua poesia 1.TEMÁTICAS saudade de um tempo perdido, que equivale ao tempo em que o poeta sonha ter sido feliz (a infância ou aquele momento em que se teria estabelecido a comunhão entre o Homem e Deus); consciência de que o mundo percetível é uma cópia de outro mundo, a que o ser humano não tem acesso; ansiedade metafísica – consciência dolorosa do mistério que enforma o mundo sensível; tédio perante a existência; ocultismo como fonte de explicação da realidade. inadaptação social que culmina no tédio – recusa de uma sociedade materialista, dominada por padrões cuja característica essencial é a objetividade; recusa da ciência como forma de explicação da realidade das coisas – o poeta explica essa realidade através do ocultismo; manifestação contra uma sociedade em que existe a massificação em detrimento da afirmação individual; consciência metafísica, num século em que esta foi substituída pelo poder da técnica e da ciência. 2.Plano formal 1

Fernando Pessoa - Características Ortónimo

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Texto de 7 paginas sobre as tematicas de Fernando Pessoa Ortonimo.Com uma sintese no final.

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FERNANDO PESSOA (ortónimo)

Características da sua poesia

1. TEMÁTICAS

saudade de um tempo perdido, que equivale ao tempo em que o poeta sonha ter sido feliz (a infância ou aquele momento em que se teria estabelecido a comunhão entre o Homem e Deus);

consciência de que o mundo percetível é uma cópia de outro mundo, a que o ser humano não tem acesso;

ansiedade metafísica – consciência dolorosa do mistério que enforma o mundo sensível;

tédio perante a existência; ocultismo como fonte de explicação da realidade. inadaptação social que culmina no tédio – recusa de uma sociedade

materialista, dominada por padrões cuja característica essencial é a objetividade;

recusa da ciência como forma de explicação da realidade das coisas – o poeta explica essa realidade através do ocultismo;

manifestação contra uma sociedade em que existe a massificação em detrimento da afirmação individual;

consciência metafísica, num século em que esta foi substituída pelo poder da técnica e da ciência.

2. Plano formal

linguagem simbólica e esotérica – ligação a aspectos circunscritos ao domínio das ciências ocultas;

recorrência constante a adjectivos, comparações, metáforas e imagens para traduzir constatações e reflexões.

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Fernando Pessoa

A poesia de Fernando Pessoa revela uma aguda consciência da modernidade que nasce. Sem abandonar de todo o tradicional, verifica-se a continuidade do lirismo a coexistir com um processo de rutura modernista. Na sua poesia, criação e destruição evoluem simultaneamente e constituem um processo complexo em que os dois pólos se entrelaçam. Daí a dialética sinceridade/ fingimento, ligada à da consciência/ inconsciência e do sentir/pensar.No ortónimo, é evidente a fragmentação, ou seja, a tendência do «eu» em deixar de ser uno, como sucedia na tradição romântica, e a pluralizar-se, no esforço de apreender a realidade cósmica e socio-tecnológica, marcadamente plural, da vida moderna. «Sê plural como o universo», diz o poeta.Não há propriamente uma rejeição do eu pessoal, como mostra em Autopsicografia e noutros poemas, mas a atribuição da experiência criadora e sensível à sua personalidade poética. Deixa de importar a «sinceridade de sentimentos do eu» do eu individualizado e real do poeta, interessando-lhe a capacidade do eu poético em estabelecer novas relações do Eu com o Mundo e de dizer o que efetiva e intelectualmente sente. Como afirma Pessoa, a sinceridade intelectual ou metafísica é a única que interessa à poesia. Daí que o fingimento seja a mais autêntica sinceridade intelectual, pois «fingir é conhecer».A voz do poeta fingidor é a voz do poeta da modernidade, despersonalizado, que tenta encontrar a unidade entre experiência sensível e a inteligência e, assim, atingir a finalidade da Arte, aumentando a consciência humana.

Pessoa ortónimoQuando se fala de Fernando Pessoa, interessa distinguir o ortónimo dos heterónimos que criou e para quem estabeleceu uma biografia própria. O seu universo heteronímico permitiu-lhe criar diferentes personalidades com outros nomes, como Alberto Caeiro, Ricardo Reis ou Álvaro Campos; mas há uma personalidade poética ativa que mantém o nome de Fernando Pessoa e, por isso, se designa de ortónimo. O Pessoa ortónimo escreveu a Mensagem, marcada pelo ocultismo, mas também outros poemas de características muito diversas. Compôs poemas da lírica mais simples e tradicional, muitas vezes marcada pela desencanto e pela melancolia (como sucede no Cancioneiro), fez um aproveitamento do simbolismo e do impressionismo e abriu caminho ao modernismo com o seu texto-programa do paulismo, onde põe em destaque o vago, a subtileza e a complexidade, desenvolveu outras experimentações modernistas com o interseccionismo e o sensacionismo e procurou a intelectualização das sensações e dos sentimentos.O Pessoa ortónimo revela um drama de personalidade que o leva à dispersão, em relação ao real e a si mesmo, ou lhe provoca fragmentações. Daí a capacidade de despersonalização (a de ser múltiplo sem deixar de ser um), que leva o ortónimo a tentar atingir a finalidade da Arte, ou, como afirma, simplesmente aumentar a autoconsciência humana. O poeta parte da realidade mas distancia-se, graças à interacção entre a razão e a sensibilidade, para elaborar mentalmente a obra de arte.Pessoa procura, através da fragmentação do eu, a totalidade que lhe permitia conciliar o pensar e o sentir. A fragmentação está evidente, por exemplo, em O meu coração é um pórtico partido, ou nos poemas interseccionistas Hora Absurda e Chuva Oblíqua. Aí se verifica uma intersecção de realidades físicas e psíquicas; de realidades interiores e exteriores; uma intersecção dos sonhos e das paisagens reais, do espiritual e do material; uma intersecção de tempos e de espaços; uma intersecção da horizontalidade com a

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verticalidade. O interseccionismo entre o material e o sonho, a realidade e a idealidade são tentativas para encontrar a unidade entre a experiência sensível e a inteligência. Daí a intelectualização do sentimento para exprimir a arte, que fundamenta o poeta fingidor.

Tensão sinceridade/fingimento; consciência/inconsciência; sentir/pensar Em Fernando Pessoa observa-se uma dialéctica da sinceridade/fingimento que se liga à da consciência/inconsciência e do sentir/pensar. Há, assim, uma concepção dinâmica da realidade poética que, pela união de contrários, permite criar linguagens e realidades em si diferentes da linguagem do artista e da sua vida, ao mesmo tempo que dá ao leitor objectos de identificação e valores que se universalizam e adquirem intemporalidade.A crítica da sinceridade ou teoria do fingimento está bem presente neste movimento de oposições que leva o poeta a afirmar que «fingir é conhecer-se». O poeta considera que a criação artística implica a concepção de novas relações significativas, graças à distanciação que faz do real, o que pode ser entendido como acto de fingimento ou de mentira. A poesia do ortónimo revela a despersonalização do poeta fingidor que fala e que se identifica com a própria criação poética, como impõe a modernidade. O poeta recorre à ironia para pôr tudo em causa, inclusive a própria sinceridade que, com o fingimento, possibilita a construção da arte. Fingir é inventar, elaborar mentalmente conceitos que exprimem as emoções ou o que quer comunicar. É isso que se nota em Autpsicografia.A dialéctica sinceridade/fingimento, consciência/inconsciência, sentir/pensar percebe-se também com nitidez ao recorrer ao interseccionismo como tentativa para encontrar a unidade entre a experiência sensível e a inteligência. O intersecionismo, que surge como uma evolução do paulismo, apresenta-nos o cruzamento de planos que se cortam. Interseções de sensações ou perceções. Aí se verifica uma interseção de realidades físicas e psíquicas, de realidades interiores e exteriores; uma interseção dos sonhos e das paisagens reais, do espiritual e do mental, de tempos e de espaços. No sensacionismo encontramos o processo de realizar o sensacionismo, na medida em que a interseção de sensações está em causa e por elas se faz a interseção da sensação e do pensamento.

O tempo e a desagregação: o regresso à infância

Do mundo perdido da infância, Pessoa sente a nostalgia. Ele, que foi «criança contente de nada» e em que adolescente aspirou a tudo, experimenta agora a desagregação do tempo e de tudo. Um profundo desencanto e a angústia acompanham o sentido da brevidade da vida e da passagem dos dias. Ao mesmo tempo que gostava de ter a infância das crianças que brincam, sente a saudade de uma ternura que lhe passou ao lado. Busca múltiplas emoções e abraça sonhos impossíveis, mas acaba «sem alegria nem aspiração». Tenta manter vivo o «enigma» e a «visão» do que foi, restando-lhe a inquietação, a solidão e a ansiedade. Pessoa, através de Bernardo Soares, afirma que «o meu passado é tudo quanto não consegui ser». Por isso, nada lhe apetece repetir nem sequer relembrar. O passado pesa «como a realidade de nada» e o futuro «como a possibilidade de tudo». O tempo é para ele um factor de desagregação, na medida em que tudo é breve, tudo é efémero. O tempo apaga tudo. «Nunca houve esta hora, nem esta luz, nem este meu ser. Amanhã o que for será outra coisa, e o que vir será visto por olhos recompostos, cheios de uma nova visão.»

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A poesia de Fernando Pessoa ortónimo reflecte, essencialmente, a preocupação com o mistério da existência. Pessoa acredita num mundo para além do mundo das aparências, o que o leva a encarar as realidades perceptíveis pelo ser humano, como irreais, como uma ilusão. A própria vida é para ele um sonho. Acredita que há uma vontade superior ao homem, que constrói o seu destino e tudo se harmoniza segundo uma lógica que escapa ao homem. A vida na terra é encarada como uma vivência necessária, para se estabelecer uma harmonia que não temos capacidade de captar. O pressentimento da existência de outro mundo motivou a interrogação e a ausência de uma resposta provocou a revolta que se traduziu na sua solidão existencial e social, face ao mistério. E a inquietação perante o mistério alia-se à constatação do paradoxo da existência – a vida e a morte. A consciência da tragicidade da vida, a interrogação sobre o destino do Homem estão sempre presentes nos poemas de Pessoa, impregnando-os de uma nostalgia persistente, reflexo imutável do reconhecimento dos limites que caracterizam a liberdade humana e da fatalidade que atingirá o homem, enquanto ser transitório. É esta sujeição à sua «presença metafísica da vida», aliada à crença panteísta da unidade dos seres e do Cosmos que aproxima Fernando Pessoa dos poetas simbolistas. O símbolo é a fusão da interioridade do «eu» com os objectos, pois a interpretação do real é condicionada pela subjetividade do indivíduo e pela forma como este o perceciona ( e o mistério reside no facto do objecto simbolizar algo que está para além dele). É como se o universo «falasse» uma linguagem, a que só os eleitos têm acesso, pela sua capacidade de decifração do símbolo.Foi este o objectivo de Fernando Pessoa – a sua vida foi uma incessante procura de respostas (o que o levou a procurar no ocultismo aquilo que a religião não lhe podia facultar); a sua poesia é um caminho para, através da arte, reencontrar uma linguagem primordial, esquecida pelos homens e que o poeta acreditou que o colocaria mais perto da verdade.O Pessoa ortónimo não expõe uma filosofia prática, não inculca uma norma de comportamento; nele há quase apenas a expressão musical e subtil do frio, do tédio e dos anseios de alma, de estados quase inefáveis em que se vislumbra por instantes «uma coisa linda», nostalgias de um bem perdido que não se sabe qual foi, oscilações quase imperceptíveis de uma inteligência extremamente sensível.A sua poesia é moderna, aparentada com Nobre e Sá-Carneiro pelo egotismo exacerbado, pelo ceticismo, pela sensação de tédio, pela ideia que Saturno estigmatizou o poeta para a solidão e o desamparo, pelo arrojo da expressão figurada ou analítica, esta poesia insere-se, contudo, na linha do lirismo nacional, tem um «sentido lusitano», como Pessoa diz da de Nobre.Herdeiro como Nobre, do gosto garrettiano pelo popular, também o seduz, o mundo fantástico da infância, adoptando por ao sugerir reminiscências de contos de fadas, de cantigas de embalar e toadas de romanceiros. Mas separa-o de Nobre, como de um modo geral, da tradição lírica portuguesa do «coração ao pé da boca», o seu estrutural antissentimentalismo, a ausência do biográfico na sua poesia, a tendência para reduzir as circunstâncias humanas concretas a verdades gerais.O sentimentalismo confessional estava naturalmente fora do seu caminho porque Pessoa viveu essencialmente pela inteligência intuitiva ou discursiva, pela sensibilidade que lhe é própria e pela imaginação. «Eu simplesmente sinto/com a imaginação/não uso o coração».A sua extrema lucidez torna límpida, definida, a expressão dos próprios sentimentos indefinidos. A primeira reação de Fernando Pessoa em face do mundo, incluindo o eu que reflete, é um sentimento de estranheza, um arrepio de espanto. Pessoa nega-se com

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todas as forças do seu espírito a aceitar o mundo tal como as suas perceções lho transmitem: é absurdo, não pode ser. Tomado da angústia de intuir o mistério, interroga para satisfazer de certeza uma razão exigente. Toda a sua obra exprime a interrogação, ou as respostas possíveis para essa interrogação, ou a melancolia de saber que não há resposta. O que o perturba não são realidades supranormais mas o próprio enigma do existir, do «haver ser». A posição do Pessoa Ortónimo é a de não acreditar na autenticidade das aparências. A propensão mística leva-o a esfumar, a sentir como fantasmagóricas as realidades apreendidas pelos sentidos. A vida é sonho, ilusão. Há em Fernando Pessoa dois tipos de poemas: os neogarrettianos e os modernistas.Os primeiros, quando abandonou o inglês, para começar a escrever na língua materna.Os segundos (influenciado por Eugénio de Castro e Sá –Carneiro) caracterizados pela angústia existencial, pelos temas transcendentais e pelo amor. «Paúis», «A Hora Absurda» e «Chuva Oblíqua» são os primeiros a apresentar características modernistas. No fim da vida interessou-se pelo Saudosismo. E é nessa altura que surge a «Mensagem», um conjunto de poesias épicas, com dois planos: o sentido providencialista da História de Portugal e o elogio do português, descobridor do mundo. A sua poesia traduz-se através de versos rimados e curtos, normalmente em quadras e quintilhas, com linguagem selecionada, simples e clara, por vezes simbólica e romântica.

Síntese Na poesia do ortónimo coexistem as duas vertentes: a tradicional e a

modernista. Algumas das suas composições seguem na continuidade do lirismo português, com marcas do saudosismo; outras iniciam um processo de rutura que se concretiza nos heterónimos ou nas experiências modernistas.

A poesia, a cujo conjunto Pessoa queria dar o título Cancioneiro, é marcada pelo conflito entre o pensar e o sentir, ou entre a ambição da felicidade pura e a frustração que a consciência-de-si implica. (ex: «Ela canta, pobre ceifeira»)

Pessoa procura, através da fragmentação do eu, a totalidade que lhe permita conciliar o pensar e o sentir. A fragmentação está evidente, por exemplo, em O meu coração é um pórtico partido, ou nos poemas intersecionistas Hora Absurda e Chuva Oblíqua.

O intersecionismo entre o material e o sonho, a realidade e a idealidade surge como tentativa para encontrar a unidade entre a experiência sensível e a inteligência.

A poesia do ortónimo revela a despersonalização do poeta fingidor que fala e se identifica com a própria criação poética, como impõe a modernidade. O poeta recorre à ironia para pôr tudo em causa, inclusive a própria sinceridade que, com o fingimento, passa a construção da arte.

As temáticas:o o sonho, a interseção entre o sonho e a realidade; (ex: Chuva

Oblíqua);

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o a angústia existencial e a nostalgia (do eu, de um bem perdido, das imagens da infância …);

o a distância entre o idealizado e o realizado – e a consequente frustração;

o a máscara e o fingimento como elaboração mental dos conceitos que exprimem as emoções ou o que quer comunicar;

o a intelectualização das emoções e dos sentimentos para elaboração da arte;

o o sebastianismo (a que chamou o seu nacionalismo místico e a que deu forma na Mensagem);

o tradução dos sentimentos na linguagem do leitor, pois o que se sente é incomunicável.

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