Fernando Tristão Fernandes 45 anos advocacia

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Fernando Tristão Fernandes, Advocacia

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Organizao Fernando Augusto Fernandes

Rio de Janeiro, abril de 2005

SumrioPrefcio Ren Ariel Dotti, 7

Primeira parte Pelo Brasil1. 2. 3. 4. 5. 6. Esprito Santo, 12 Minas Gerais, 18 Bahia, 20 Paran, 22 Mato Grosso, 32 Rio de Janeiro, 40

Segunda parte O escritrio1. 2. 3. Histrico, 44 Localizao e estrutura, 46 Banca, 50

Terceira parte Memrias da advocacia1. Entrevista com Fernando Tristo Fernandes, 62

Quarta parte A famlia1. 2. 3. 4. 5. Zulka, 74 Fernando Fernandy, 78 Fernando Olinto, 80 Fernando Humberto, 82 Fernando Augusto, 84

Prefcio

Tempos de resistncia e conquistaRen Ariel Dotti

A vida e a obra de Fernando Tristo Fernandes constituem referncias obrigatrias para seus familiares, amigos e conhecidos que se dedicarem a qualquer trabalho de investigao histrica sobre os temas de resistncia e da conquista do ser humano. No longo itinerrio fsico - de Vitria ao Rio de Janeiro - vivendo a saga da liberdade pelos caminhos de Minas Gerais, Bahia, Paran e Mato Grosso do Sul, pontos cardeais de viagem do corpo e do esprito, ele jamais escondeu a sua inquebrantvel f nas imensas possibilidades humanas contra as opresses de qualquer natureza. Seu filho, o dinmico e sensvel Fernando Augusto, conta a singela e inesquecvel lio que aprendeu, quando criana, a respeito de uma das mais antigas mximas da verdade social e poltica: - Na praia ele abriu o jornal e me entregou uma folha pedindo que a rasgasse. Foi fcil. Em seguida, deu-me o jornal inteiro, dobrado como era exposto na banca. E repetiu o pedido. Mas agora eu no consegui. - assim, meu filho. A unio faz a fora. Tristo Fernandes sempre foi um lder intimorato e um humanista de espinha inquebrantvel. Os exemplos vinham dos gestos mais simples e com a lgica mais pura. Eu o conheci nos anos dourados de minha juventude e do meu emprego de bancrio. No Bank of London South America Limited, espao e prtica de lio de vida enquanto cursava Direito, eu acompanhava pela leitura dos jornais e panfletos distribudos pelo sindicato, a sua luta por maiores salrios e melhores condies de trabalho. Ele era funcionrio do Banco do Brasil. Integrava, portanto, um grupo de servidores que compunham uma espcie de aristocracia em relao aos demais trabalhadores das outras instituies financeiras. Mas aquele privilgio no lhe retirava a dedicao e a independncia exigidas para a atividade sindical na qual se destacava em relao ao universo de seus colegas. E quando se falava em greve - palavra amaldioada pelo feitio da guerra fria dos anos cinqenta - pensava-se desde logo em lideranas corajosas encarnadas por Tristo Fernandes e outros apstolos da resistncia contra a opresso. Fomos colegas de turma na gloriosa Universidade Federal do Paran. O cenrio acadmico era iluminado pela discusso das teses nacionalistas. Principalmente quando foras entreguistas se opunham vigorosa campanha O petrleo nosso. Em recentssimo voto proferido no Supremo Tribunal Federal, o lcido e sensvel Ministro Marco Aurlio lembrou que o advento da Lei n 2.004, de 3 de outubro de 1953, foi um grande divisor de guas na poltica energtica brasileira. Surgiu o monoplio do petrleo, significando,

em outros termos, que somente a Unio poderia realizar as seguintes atividades: pesquisa e lavra das jazidas de petrleo existentes no territrio nacional; a refinao do petrleo, tanto o nacional como o estrangeiro; o transporte martimo do petrleo bruto de origem nacional ou de derivados do petrleo que fossem produzidos no Pas e ainda o transporte, por meio de condutos, de petrleo bruto e seus derivados bem como de gases raros de qualquer origem.1 E l estava o nosso Tristo Fernandes, empunhando e acenando a bandeira da soberania nacional em meio aos estudantes ainda perplexos com as dvidas e a distncia da Introduo Cincia do Direito. Corria o ano de 1954 que iria tambm marcar a tragdia do suicdio de Vargas: Quis criar a liberdade nacional na potencializao de nossas riquezas atravs da Petrobrs, mal comea esta a funcionar, a onda de agitao se avoluma.2 A alma de brasilidade no corao de estudante j entoava a letra e a msica do Hino Nacional revivido agora nas palavras vigorosas do Ministro Marco Aurlio, cinqenta anos mais tarde: Traduzindo: ter petrleo ter no somente energia, mas uma fonte de energia altamente qualificada, revelando soberania e independncia externa.3 A luta em favor das teses nacionalistas e sociais iria marcar com ferro em brasa, a exemplo das antigas penas de infmia, o corpo e a alma do lder sindical, do estudante e do profissional de Direito durante a vida, a paixo e a morte da ditadura militar (1964-1985). Aps a priso em vrios meses em Curitiba, como um dos perseguidos por convico poltica e ideolgica, ele banido para Ponta-Por, no Mato Grosso do Sul. A multiplicao das prises como reao em cadeia, por um lado, e as manifestaes de euforia, por outro, eram contrastes que revelavam cenrios to distintos quanto antagnicos. Nas ruas e nas praas ressoavam os slogans das marchas da famlia, com Deus pela liberdade, enquanto nos pores e nas salas de tortura ecoavam os sons dos gemidos e se modelavam as mscaras dos tormentos fsicos e espirituais. Era o tempo de um direito penal do terror que se abatia poderosamente contra todos quantos passariam a merecer o labu de subversivo. A chamada Revoluo de 1964 reencarnou vrios tipos de autores que circulavam ao tempo das Ordenaes de Portugal: apstatas, feiticeiros, blasfemos e benzedores de ces e outros bichos. Tristo Fernandes se libertou da priso e do confinamento pela porta aberta da coragem poltica e da dignidade pessoal. Nunca transigiu com o despotismo e jamais fez uso do discurso do cadafalso atravs do qual os perseguidos mais frgeis abjuram a sua ideologia em troca de benefcios no crcere ou da liberdade negociada. Uma parte de sua odissia naquele perodo est registrada no livro Resistncia Democrtica, que um acervo de narrativas sobre as fantasmagorias da ditadura e a resistncia de acusados, testemunhas e advogados. Prestando um depoimento para o organizador, o jornalista Milton Ivan Heller, a respeito das violncias sofridas, Tristo contou que atuava no Sindicato dos Bancrios de Curitiba desde 1953 e que contribuiu para a criao de uma Federao da categoria e para a organizao dos trabalhadores rurais e dos porturios de Paranagu, Antonina e So Francisco do Sul. Isso atraiu a oposio ferrenha das classes empresariais que o acusavam de comunista, embora

ele no tivesse nenhum envolvimento partidrio. A sua liderana entre os trabalhadores, a defesa da legalidade representada pela figura do presidente eleito Joo Goulart e a tentativa de organizar algum tipo de resistncia contra o golpe militar de 1964, valeram-lhe meses de crcere na Priso Provisria do Ah, em Curitiba. Ao ser libertado por habeas corpus, Tristo foi embarcado em um avio e remetido a Maracaj, onde havia um grande nmero de leprosos. Vale recordar as suas prprias palavras: Protestamos energicamente, porque minha esposa e filhos estariam sendo penalizados e eles nada tinham a ver com as minhas atividades sindicais ou polticas. Consentiram, ento, que eu fosse para Ponta Por, onde existe uma unidade do Exrcito. Sair da cidade, s com permisso do comandante e toda vez que havia um movimento nas grandes cidades eu era recolhido ao quartel e ali permanecia durante vrios dias, incomunicvel. Na minha maleta 007 eu j andava com escova, pasta de dentes, pincel de barba e talheres para me alimentar, porque sabia que a qualquer momento poderia receber voz de priso. Isso durou at 1968 e onde houve reunies sindicais com a minha participao, eu respondi a IPMs4: Recife, Rio de Janeiro, etc. Onde encontravam o meu nome, armavam um IPM.5 Aps cinco anos de provao bblica nos labirintos dos processos criminais alimentados pelo preconceito poltico e a intolerncia ideolgica, Tristo Fernandes obteve um habeas corpus no Superior Tribunal Militar que reuniu duas figuras de saudosa memria: o corajoso advogado Jos Carlos Correia de Castro Alvim e um notvel magistrado, vindo de gloriosa tribuna forense, o Ministro Romeiro Neto. Aquele, o impetrante e amigo fraterno; este, o relator e cone de minha gerao de criminalistas. Fernando Tristo Fernandes foi e continua sendo o homem, o cidado, o chefe de famlia, o ser humano que resistiu e conquistou. A injustia social que denunciou, a opresso que venceu, o crcere do qual se libertou, as vicissitudes que enfrentou e a morte que enganou foram alguns trechos do itinerrio de resistncia. A famlia unida, o lar domstico, a alegria dos filhos, o prazer do trabalho, so alguns frutos de uma grande conquista. Agora eu lembro isso tudo como brumas do passado e orgulho do presente. Em algumas visitas, feitas ao seu escritrio no Rio de Janeiro, localizado por uma insinuao democrtica na Rua da Assemblia, eu vejo na altura do andar nmero vinte um trecho iluminado da baa de Guanabara. As guas e o cu, pintados de azul brilham em frente aos meus olhos e na lembrana do tempo. Tempo que eu reconquisto agora falando sobre o meu lder sindical, meu colega de turma, meu companheiro de profisso e meu amigo reencontrado: Tristo Fernandes.

Ren Ariel Dotti Professor Titular de Direito Penal, VicePresidente da Associao Internacional de Direito Penal e Presidente do Grupo Brasileiro (AIDPBrasil). Membro da Sociedade Mexicana de Criminologia

1 Ao Direta de Inconstitucionalidade 3.273-9 (Distrito Federal). Requerente, o Governador do Paran e requerido, o Presidente da Repblica. 2 Getlio Vargas (1883-1954), Carta-Testamento: Lutei contra a espoliao do Brasil. Lutei contra a espoliao do povo (...) Eu vos dei a minha vida. Agora ofereo a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na Histria. Em HLIO SILVA, 1954: Um tiro no corao, Porto Alegre: L&PM, 2004, p. 318/319. 3 Trecho do voto na ADIN referida. 4 IPMs: Inquritos Policiais Militares. (Nota do prefaciador). 5 Resistncia Democrtica - A represso no Paran, So Paulo: Editora Paz e Terra / Secretaria de Estado da Cultura do Paran, 1988, p. 250.

No a conscincia do homem que lhe determina o ser, mas, ao contrrio, o seu ser social que lhe determina a conscincia.Karl Marx

Prefira afrontar o mundo servindo sua conscincia a afrontar a sua conscincia para ser agradvel ao mundo.Humberto de Campos

Primeira parte

Pelo Brasil

1.

Esprito Santo, 12 Minas Gerais, 18 Bahia, 20 Paran, 22 Mato Grosso, 32 Rio de Janeiro, 40

2.

3.

4.

5.

6.

Colgio Estadual do Esprito Santo, 1945. Tristo ao centro.

Sobrado da Famlia Calmon onde Tristo nasceu.

Captulo 1

Esprito Santo

O que faz um homem manter uma coerncia generosa ao longo de sua vida? Ser este compromisso dirio consigo mesmo o responsvel pelo bom humor constante de um homem, mesmo nos piores momentos de sua vida? O que temos como explicao a histria de cada um, dentro da grande histria de todos ns.

O percurso de Fernando Tristo Fernandes teve incio em trs de setembro de 1927, num sobrado da Rua da Conceio, a rua inaugural da cidade de Linhares, no Esprito Santo (foto na pgina ao lado, embaixo esquerda). Ele foi o terceiro entre os oito filhos de seus pais. O primognito, o historiador professor Jos Tristo Calmon Fernandes e a irm Cacilda Tristo Chequer vivem em Vitria (ES), ele aposentado do Tribunal de Justia do Esprito Santo e ela, da Receita Federal. Joel Fernandes, aposentado do Banco do Brasil, mora em Salvador (BA). Maura Brugeff, viva, no Mato Grosso. E a irm mais nova, Arlete, casada com o advogado Edesio Nassar, vive em Assis Chateaubriand, no Paran. Mais os inesquecveis Humberto Neves Calmon Filho e Roberto Guarany Fernandes, falecidos prematuramente.

O imvel onde nasceu pertencia famlia Calmon Ferreira Fernandes, descendente do pioneiro naquelas terras, Joo Felipe Calmon Du Pin e Almeida, que l chegou em 1809, com famlia e escravos, vindo de Santo Amaro na Bahia, para tomar posse da sesmaria que recebera s margens do rio Doce. O pai de Fernando Tristo, Humberto Calmon Neves Fernandes (foto ao lado), tinha uma fazenda de porte mdio na regio com sua mulher, Esther Tristo Fernandes, da famlia Tristo, tradicional em Minas Gerais. Humberto foi o segundo prefeito do municpio e seu primo, Jones Santos Neves, viria a substituir o capito Joo Punaro Bley, empossado em 1930 como interventor federal

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no Esprito Santo. Entre os primos mais ilustres de Fernando Fernandes figura Pedro Calmon, que foi reitor da antiga Universidade do Brasil.

Fernando foi criana numa Linhares em decadncia. A cidade e as terras ao seu redor faziam parte do municpio de Colatina e dele dependiam: recebiam de l, atravs de navios a vapor que desciam o Rio Doce, desde jornais at diversos itens de seu comrcio. Os navios eram ansiosamente esperados no cais do Porto do Rio Doce todos os sbados. A cidade no teve gua encanada durante a sua infncia. Menino, quando dispunha de tempo, entre aulas e estudos, entregava o lquido precioso em diversas casas da cidade, cobrando pelo servio. Ele enchia no rio duas latas de Querosene Jacar, de 20 litros cada e as carregava, uma de cada lado, penduradas num cip grosso sobre os ombros (foto direita). As economias que reuniu com esta atividade seriam muito importantes um pouco mais tarde, quando ele tinha 11 anos.

Comecei carregando gua nas costas pra ganhar um dinheirinho

Seu pai adoeceu e foi para a casa da av de Tristo, no Rio, na rua Tavares Bastos, 21 casa 35, no Catete, para que fizesse uma operao de apndice. Esta, porm, gerou complicaes que determinaram sua estada na capital do pas por mais de um ano. A me, Esther, estava muito doente, os irmos mais velhos j haviam se mudado e Fernando Tristo Fernandes, com 11 anos, passou a gerir as finanas da famlia. Ento, em um destes muitos dias, um comerciante nordestino de nome Bonfim chegou casa da famlia em Linhares, apressado, contando que tinha sido obrigado a matar um homem, j que andava namorando a sua mulher. Agora precisava fugir, rpido e queria vender o bar com bilhar que tinha na cidade. Fernando Fernandes comprou e passou a tomar conta do negcio, enquanto terminava o curso primrio. A renda do bar com bilhar sustentou a famlia por um tempo, mas logo o estabelecimento perdeu o seu gerente.

A infra-estrutura educacional, nas dcadas de 30 e 40, estava concentrada nas grandes cidades e o melhor ensino, nas escolas pblicas. O pai, de volta e orgulhoso do que o filho fizera, o presenteou com o ginasial na capital do estado, Vitria. Aluno interno do Colgio Americano durante um ano, aos 13 anos foi morar numa penso e estudar no Colgio Estadual do Esprito Santo.

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Ali, encontrou trs professores dedicados e com firme postura patritica: Ademar de Oliveira Neves, rico Neves e Luiz Simes de Jesus. Os jovens mais sensveis s questes sociais aprenderam com eles a pensar sobre os problemas brasileiros, em especial o direito de todos sade e educao.

A Segunda Guerra Mundial veio espalhar destruio pela Europa e pelo Oceano Pacfico. Acreditava-se que Getlio Vargas, sob influncia do chefe de polcia do Distrito Federal, Filinto Mller, e do ministro da Guerra, general Gis Monteiro, tendia a fazer com que o Brasil, neutro at ento, apoiasse o eixo nazi-fascista. Oswaldo Aranha, um dos principais articuladores da Revoluo de 30, que levou Getlio ao Palcio do Catete, tinha posio oposta e procurava organizar grupos capazes de influir na deciso do governo. Fernando ingressou num destes grupos aos 15 anos. Meses depois, o navio mercante brasileiro Baependi foi posto a pique no litoral baiano. O ataque foi atribudo marinha da Alemanha e o grupo de estudantes foi s ruas em Vitria para protestar.

Fernando Tristo no Exrcito 1946

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Invadiu a casa comercial Arens Langen, propriedade de alemes, jogando mquinas e papis para fora. A repercusso levou Fernando Tristo a fazer uma temporada de dez dias em Linhares. O Brasil, como se sabe, entrou na guerra contra o eixo. Fernando Tristo terminou o ginsio no ano seguinte.

O pai, porm, no tinha recursos para sustent-lo na capital estudando e disse isto a ele, constrangido. Tristo encontrou a soluo no segundo ano do clssico: pediu audincia ao primo de seu pai que agora governava o Esprito Santo, Jones Santos Neves. Ele foi nomeado, em carter interino, com 18 anos de idade, oficial administrativo letra J do quadro de funcionrios, com as funes de preparar certides negativas ou positivas de dbitos fiscais, rubricar e pegar a assinatura do contador-geral. O expediente, de seis horas por dia, permitia a continuidade dos estudos. Seu pai foi nomeado prefeito de Linhares no ano seguinte, no mesmo ms em que Tristo completou 19 anos.

O jovem ganhou a confiana de seus chefes e trabalhou no Palcio Anchieta, sede do governo estadual, at 1948, quando foi aprovado em concurso para o Banco do Brasil no Esprito Santo. Sua ficha poltica ali, porm, no recomendava a sua contratao e ele fez o concurso tambm em Minas, em que tambm passou, sendo indicado para trabalhar em Aymors, Minas Gerais.

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Fernando Tristo Fernandes no Carnaval de So Mateus, ES, 1944.

Casamento com Zulka Henriques Fernandes Conselheiro Pena, MG, 1950.

Captulo 2

Minas GeraisO Banco no Brasil exercia diversas funes na economia brasileira: banco central, caixa do governo, banco rural e de fomento indstria. Os funcionrios eram respeitados em suas comunidades. Eles estavam entre os que melhores salrios recebiam no pas e s eram admitidos atravs de concurso pblico, que inclua provas de matemtica, contabilidade pblica e comercial, ingls, francs, portugus e datilografia.

O salrio e a posio social eram muito mais do que o suficiente para um jovem de 21 anos.

Fernando Tristo pagou o curso de tcnico agrcola em Viosa para dois irmos e convidou as trs irms para morar com ele. O convvio com elas lhe fez conhecer uma prima mineira, pela qual apaixonou-se. O namoro acontecia de acordo com as normas conservadoras de comportamento que imperavam em Minas Gerais: pouco contato fsico e muita conversa, aproximando identificaes e renovando o prazer de estarem juntos. Fernando Tristo a pediu em casamento. Os muitos meses de noivado asseguraram ao casal um slido conhecimento mtuo e o afeto s crescera. Fernando Tristo e Zulka casaram-se em Conselheiro Pena, Minas Gerais, em 1950. Ela, com 17 anos, passou a assinar-se Zulka Henriques Fernandes e foi morar com o marido, em Aymors, numa casinha muito bonitinha, segundo sua recordao. Quando estava no segundo ms de casamento, engravidou.

O Banco do Brasil o transferiu ento para a Bahia. Fernando Fernandes permaneceu apenas um ano em Minas, mas estes meses representaram o primeiro contato com a mulher com quem est at hoje.

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Zulka em Juazeiro, BA, 5/10/1952.

No era possvel, as mquinas poderiam ser abastecidas em Juazeiro, s margens do rio So Francisco, 100 quilmetros depois, sem sacrifcio da populao

Captulo 3

BahiaA transferncia para Senhor do Bonfim, cidade conhecida na Bahia como a Princesa do Serto, foi acompanhada de uma promoo para o cargo de caixa. Aquela era a nica agncia bancria na cidade, instalada apenas sete anos antes. O cargo, o terceiro em importncia na agncia.

A carreira ia bem e a famlia crescera, com o nascimento em Senhor do Bonfim de Fernando Fernandy Fernandes, hoje Procurador de Justia, o primeiro filho.

A funo de caixa o colocava em contato direto com os moradores da cidade e, por outro lado, o pessoal do banco era bastante unido. Tristo, jovem e sempre bem-humorado, ampliou com rapidez seu crculo de relacionamentos e passou a participar, todos os dias, de um programa de rdio.

Senhor do Bonfim estava se transformando em plo regional, graas acelerada expanso da Viao Frrea Federal Leste Brasileiro, transportando bens e passageiros: o municpio, em 1951, j tinha seis estaes. O problema principal era a seca, ainda mais grave porque a pouca gua que chegava era desviada para os trens! Fernando Tristo ficou inconformado com aquela situao: no era possvel, as mquinas poderiam ser abastecidas em Juazeiro, s margens do rio So Francisco, 100 quilmetros depois, sem sacrifcio da populao. Usou ento o seu microfone na rdio para conclamar o povo de Senhor do Bonfim a protestar. Convocao atendida, pessoas da cidade quebraram o encanamento que conduzia a gua para a estrada de ferro.

Interesses poderosos foram contrariados. O prefeito da cidade era de um partido conservador, a UDN, que tambm elegera no municpio um deputado federal. A direo do Banco do Brasil no Rio de Janeiro logo recebeu um telegrama denunciando um funcionrio por danificar bem pblico. O banco enviou inspetores a Senhor do Bonfim, onde abriram um inqurito administrativo. Depois de 40 dias, concluram que havia um choque cultural entre o jovem que estudara numa capital e a mentalidade do interior do pas, onde mandavam os coronis. A soluo foi a transferncia: Fernando Fernandes deveria optar entre So Paulo e Curitiba.

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Formatura na Universidade Federal do Paran, 1958 Diploma de Direito. Diploma em Cincias Econmicas. Curso de Direito Penal ministrado por Luis Jimnez de Asa.

Captulo 4

Paran

Universidade, sindicato e advocaciaEle viu naquele banimento amigvel uma oportunidade de avanar em seus estudos e escolheu Curitiba por causa da Universidade do Paran, a primeira a ser criada no Brasil, em 1912. Depois de dcadas desmembrada em faculdades, por fora de uma lei que proibia universidades autnomas, em 1950 ela havia sido unificada novamente e federalizada, tornando-se pblica e gratuita.

Fernando Tristo tinha 26 anos quando chegou na cidade, em 1953, com Zulka e Fernando Fernandy. Seu desejo era estudar economia poltica, interesse despertado ainda em Vitria, pela leitura de Josu de Castro, mas a Universidade do Paran no oferecia o curso e ele entrou para a Faculdade de Cincias Econmicas do Paran.

Ali, numa capital novamente, receberia, bem rpido e em grande nmero, as notcias daquele ano movimentado. Morreu Stalin. Fidel Castro (nascido apenas 20 dias antes de Fernando Tristo) lanou suas primeiras ofensivas armadas em Cuba. Nasser proclamou a repblica, no Egito. A Coria foi dividida em dois estados independentes.

As ruas de So Paulo viram 60 mil pessoas marchando contra a carestia e tambm uma greve geral de 300 mil trabalhadores, liderados pelos txteis. A campanha O Petrleo Nosso, que vinha desde 1947, atraa apoio cada vez maior. Fernando Fernandes nela engajou-se j nos primeiros dias depois de sua chegada e comemorou a vitria no incio de outubro, quando foi sancionada a lei que criou o monoplio estatal do petrleo, entregue Petrobrs. Tristo pode ver, em dezembro daquele ano, o presidente Getlio Vargas fazer em Curitiba um discurso em que denunciou, como causa crnica de diversos problemas do pas, a remessa de lucros para o estrangeiro.

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O sindicalismo autntico ganhava fora no pas, em contraposio quele aliado ao patronato. O movimento sindical no Paran era forte, graas dedicao e ao trabalho de um grupo de homens como Wilson Chedid, Otto Bracarence Costa ( esquerda de Tristo na foto central pgina ao lado), Lalio Andrade, Expedito de Oliveira Rocha, rico Spoganisch, Antonio Batista Filho (atrs e esquerda de Tristo na foto grande na pgina seguinte), Nereu Lagos, Jair Freire, Edgard da Rocha Costa, Luiz Viegas da Mota Lima (ao lado direito de Tristo na foto mais abaixo da pgina ao lado), Nilo Isidoro Biazetti ( esquerda de Tristo na foto ao lado), Olimpio Fernandes de Mello (o mais direita na foto ao lado), Victor Horcio de Souza Costa, presidente do Frum Sindical de Debates de Paranagu... Fernando Tristo Fernandes ingressou no Sindicato dos Bancrios do Paran e, entre os lderes, ocupou a secretaria, de onde teve uma viso mais abrangente dos obstculos e das possibilidades da organizao popular em torno de seus interesses. Seu instrumental para lidar com esta realidade comeou a aumentar com a entrada na Faculdade de Direito da Universidade do Paran, que o fez interromper seu curso de economia.

Os interventores nos sindicatos e federaes no Paran no puderam acusar de corruptos os sindicalistas de esquerda: toda a contabilidade estava correta.

A vida sindical era regida pelo decreto-lei 9.070/46 que, entre outras disposies, proibia greves de trabalhadores. O ordenamento jurdico vigente poca estabelecia a distribuio do imposto sindical, contribuio compulsria do trabalhador, correspondente a um dia de salrio por ano: 60% para o sindicato, 20% para a federao e 20% para a confederao. A diretoria do Sindicato dos Bancrios do Paran viu a a brecha que possibilitaria o crescimento e a melhor estruturao das entidades dos trabalhadores: se existisse uma federao dos bancrios, ela teria acesso s verbas retidas h anos! O decreto determinava que, para que fosse formada uma federao, deveria haver a unio de no mnimo cinco sindicatos. O Sindicato dos Bancrios de Curitiba liderou a formao do grupo, que contava ainda com os sindicatos de Londrina, Santos, So Paulo e Paranagu. O vice-presidente na primeira diretoria da Federao dos Empregados em Estabelecimentos Bancrios de So Paulo e Paran foi Fernando Tristo. A expanso do movimento sindical viria a permitir, mais tarde, a criao de uma federao de bancrios exclusivamente paranaense, fundada em 28 de janeiro de 1959, cuja presidncia Fernando Fernandes viria a assumir em 1963.

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Tristo o terceiro da primeira fileira. 1 Tristo ao centro. 2 Tristo o segundo da direita para a esquerda. 3 Tristo discursando.

O direito do funcionrio do Banco do Brasil, no exerccio de mandato de presidente de federao ou confederao em capital, de licenciar-se recebendo o salrio-base havia sido uma conquista sindical: ia ao banco duas vezes por semana, para manter o contato com os colegas. O momento exigia dedicao total e, nas palavras de Fernando Tristo, quando voc est em permanente luta contra os poderes, envolvido em greves, na organizao de sindicatos, na criao de lderes, a toda hora sendo solicitado... fica sem tempo mesmo para a famlia. Ainda mais estudando: formou-se bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade do Paran em 1958, diplomado em 2 de fevereiro de 1959, (fotos nas pginas 24 e 25 ) teve sua carteira da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Curitiba, emitida em 7 de abril de 1960 (fotos na pgina 30) e retomou os estudos de economia.

As maiores decepes foram as presses sobre os filhos e com aqueles que no respeitaram as angstias da famlia.

Acreditava-se que o pas iria mudar, que o mundo estava em transformao rpida, eram anos de esperana. Um ano antes do golpe militar, o movimento sindical do Paran parou por 15 dias os portos de Paranagu, Antonina e So Francisco do Sul, este em Santa Catarina. A imprensa contabilizava prejuzos diariamente e denunciava que o movimento era comandado pelo presidente da Federao dos Bancrios, Fernando Tristo Fernandes. Quando Fernando e seus companheiros estavam ajudando a organizar sindicatos rurais no Paran, os cafeicultores do norte do estado receberam emprstimos do governo federal a fundo perdido, atravs do Banco do Brasil, para melhorar a qualidade de seus cafezais e, assim, fazer frente crescente aceitao do caf colombiano no mercado internacional. Parte dos cafeicultores que receberam o emprstimo, no entanto, ao invs de erradicar os cafezais, tocou fogo neles e acusou o movimento sindical pelos incndios.Tristo entre Eulina e Julia Henriques.

Fernando Tristo Fernandes dividia-se entre o movimento sindical e a advocacia naqueles anos efervescentes da dcada de 60.

O presidente Joo Goulart realizaria um comcio no Rio de Janeiro no dia 13 de maro de 1964, em frente ao edifcio da estao da Central do Brasil e, portanto, ao lado da sede do Ministrio da Guerra. Tristo e nove de seus compa-

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nheiros chegaram ao Rio com vrios dias de antecedncia, para organizar a participao do movimento sindical no evento. Jango, como era conhecido o presidente, anunciou no comcio o decreto de regulamentao da remessa de lucros para o exterior, a estatizao de duas refinarias privadas e, ainda, declarou como de utilidade pblica as terras dentro de uma faixa de vinte quilmetros s margens das ferrovias e rodovias federais, para fins de reforma agrria. Estas medidas desagradaram as empresas estrangeiras, os defensores exaltados da propriedade privada e os grandes proprietrios rurais. Os rumores sobre um possvel golpe de estado circulavam com desenvoltura cada vez maior. Dizia-se que o embaixador norte-americano no Brasil voltaria ao seu pas no dia 23 de maro para acertar a deposio do presidente. A Confederao Nacional dos Empregados em Estabelecimentos Bancrios convocou as federaes para preparar uma greve geral, com a finalidade de impedir o golpe. O movimento sindical estava bem organizado nas cidades e no campo.

Fernando Tristo Fernandes e Zulka com Fernandy (de mos dadas ao pai), Arlete (irm de Tristo) e Leizo (irmo de Zulka).

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Fernando Tristo e Zulka j tinham trs filhos: alm de Fernando Fernandy, dois nascidos em Curitiba, Fernando Olinto, mdico e Fernando Humberto, empresrio. Os acontecimentos iriam atingir com fora esta famlia.

Golpe e prisoNo houve reao ou resistncia nos primeiros momentos. Todos os dirigentes sindicais que no eram ligados ao patronato foram presos. Fernando Tristo Fernandes era o presidente da Federao dos Empregados em Estabelecimentos Bancrios do Paran, que congregava os sindicatos da categoria em Curitiba, Paranagu, Jacarezinho, Maring, Apucarana e Ponta Grossa. Alm disso, ocupava o posto de secretrio-geral para a organizao do II Congresso dos Trabalhadores, que pretendia reunir trabalhadores de todas as categorias organizadas: algo como um presidente informal da Confederao Geral dos Trabalhadores no estado. Com mandado de priso, foi intimado por edital a se apresentar ao Banco do Brasil.

Fernando procurou a casa de um amigo muito prximo, pediu refgio e foi atendido. Durante a noite, entretanto, ouviu por acaso um telefonema muito estranho da mulher do amigo. Assim que amanheceu o dia, saiu de l e, j na esquina, viu a casa ser cercada por patrulhas do Exrcito. Outro amigo morava nas redondezas e l ele ficou seguro o tempo suficiente para concluir que seria impossvel viver daquele jeito durante muito tempo.Carteira da OAB/PR emitida em 07/04/1960

Ento, fez contato com a sua agncia do Banco do Brasil e combinou que iria at l no dia nove de abril, em busca de uma soluo. Depois de entrar de forma discreta pelos fundos, foi at a gerncia. Vrios policiais do Departamento da Ordem Poltica e Social saram de trs de uma estante, junto com reprteres e fotgrafos.

Este homem de importncia na comunidade onde estava h onze anos virou um prisioneiro. Ele diz: que foi como se tirassem o tapete: o impacto de um peso de toneladas na cabea. Um dia voc respeitado, h democracia, se tem fora e no outro... preso!

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Fernando foi levado para o Quartel da Polcia Militar, onde estavam dezenas de presos com curso superior, para interrogatrios e averiguaes. Zulka e Fernando Fernandy destruram parte de sua biblioteca durante a madrugada. Criou sua rotina de exerccios, discusses e leituras na priso. O pagamento de seus salrios foi suspenso. A mulher o visitava todos os dias e Eulina Henriques, me de Zulka, foi para Curitiba ajudar. Vrios dirigentes sindicais dos bancrios no Rio e em So Paulo foram assassinados. Havia tortura no norte do Paran. Temia-se pela vida de Fernando Tristo Fernandes, lder dos bancrios no Paran.

No Brasil, os governos caem e no h reao nenhuma.

Zulka dirigiu seu fusca, com o filho de colo no banco traseiro, at Juiz de Fora, para falar com o General Mouro Filho, um dos lderes do golpe militar, que ela conhecia atravs de sua famlia de Minas Gerais. Mouro Filho passou um rdio ao comandante militar de Curitiba pedindo que o preso Fernando Tristo Fernandes ficasse disposio daquele comando.

Aps quatro meses na priso com salrios bloqueados, as mulheres de mais de mil oficiais das Foras Armadas que tambm haviam sido presos, com suspenso do pagamento do soldo, foram a Braslia protestar ao Ministro da Guerra e futuro presidente Costa e Silva. Este foi solidrio com elas e defendeu que as famlias no tinham culpa dos atos de seus chefes e no deveriam pagar por eles. O Banco do Brasil, ento, seguiu o exemplo e liberou o pagamento de quase 300 funcionrios que foram presos no Brasil todo.

Quando saiu da priso, depois de oito meses, Tristo Fernandes respondeu a um Inqurito Policial Militar e a uma comisso interna do Banco do Brasil que, antes de comear, j tinha a sua concluso: a ordem era deslocar os funcionrios de esquerda para longe dos centros urbanos. Ele foi designado, ento, para trabalhar no Estado do Mato Grosso, direcionado primeiro para Maracaju e, em definitivo, para Ponta Por, ambas na regio que hoje pertence ao Estado de Mato Grosso do Sul.

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"Ex-delegado do IATB..." - Gazeta do Povo, em 8/4/1964; Pg 08 "DOPS j deteve cem" - Gazeta do Povo, em 14/4/1964; pg 08 "Sobre o cdigo penal militar da insubordinao" - Gazeta do Povo, em 10/5/1964; 3 Seo Dirio Rural , pg 01 "Preso um dos cabeas do esquema sindical comunista" - Estado do Paran, em 10/4/1964; "Libertao de funcionrios do BB provoca protesto" - Estado do Paran, em 1/5/1964.

Eu era duro quando falava no jri, mas mantinha o bom humor; s vezes, depois de uma briga tremenda com a promotoria, tinha que ir ao banheiro para rir.

Captulo 5

Mato GrossoMaracaju, local que a ditadura militar havia designado para Fernando Tristo Fernandes era, quela poca, conhecida pela grande concentrao de doentes de hansenase e o advogado protestou: no era preciso, como parte de sua punio, ameaar a sade da famlia. Conseguiu ser deslocado para Ponta Por, onde basta se atravessar uma rua para chegar ao Paraguai, localizao interessante naqueles tempos perigosos. Chegou sozinho, em dezembro de 1964, com 37 anos: a famlia ficou no Paran por mais trs meses. A notcia de que Fernando Tristo estava ali confinado logo correu atravs do disse-nodisse de cidade pequena. Foi difcil at encontrar residncia, porque ningum queria alugar casa para um dito comunista, diz Tristo. Nem todos ali, no entanto, o receberiam com desconfiana.

Logo nos primeiros dias aps a sua chegada, surgiu uma boa oportunidade profissional: encerrava-se o prazo para propor a ao de renovao do aluguel do prdio onde funcionava a agncia do Banco do Brasil. O gerente viu, no funcionrio recm-chegado do Paran, algum que poderia ajud-lo e pediu autorizao direo geral do banco, em Braslia, para que o advogado pudesse representar a empresa naquela ao. Assim foi feito e, dali em diante, Fernando Fernandes foi designado advogado do Banco do Brasil na regio.

O golpe militar, por outro lado, havia destitudo as lideranas locais de seus postos, a comear pelo prefeito eleito, que sofreu impeachment por uma Cmara dos Vereadores invadida por militares e polticos da UDN. Gente ligada aos partidos polticos que deram apoio ao governo de Jango foi simplesmente retirada de seus postos em instituies e autarquias. Fernando Tristo Fernandes, com seu histrico, foi muito bem recebido naquele meio. Vrias daquelas pessoas tornaram-se clientes do advogado e o indicaram a amigos em situao poltica semelhante nas cidades de Dourados e Campo Grande.

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Fernando Fernandes abriu escritrio na cidade (foto ao lado) e, como os advogados naqueles tempos com vara una, atuava em todos os ramos do direito: dedicava-se a processos cveis, disputas de terras, execues contra devedores inadimplentes do Banco do Brasil e, especialmente, advocacia penal, com muita procura naquela regio de fronteira.

Fernando, diferente do que acontecia nos anos de atividade poltica em Curitiba, passou a dedicar-se exclusivamente advocacia. Havia tempo para estudar mais. A vida familiar ganhou muito. Passou a almoar e jantar em casa e convivia com os filhos que l estavam, Olinto e Humberto. O mais velho, Fernandy, estudava no Colgio Militar, em Belo Horizonte, uma forma de proteg-lo. O casal ganhou mais um filho no confinamento. Zulka deu luz em 3 de setembro, data de aniversrio de Tristo, em Ponta Por, a Fernando Augusto Fernandes, hoje advogado criminalista, seu companheiro de escritrio.Escritrio em 1965, na Rua Tiradentes 145, Ponta Por, MS.

IPM e AI-5Enquanto isso, Fernando Tristo continuava, junto com toda a cpula sindical atuante no Paran, como ru no processo militar derivado do Inqurito Policial Militar (IPM) do Partido Comunista instaurado em Curitiba. Incurso na Lei de Segurana Nacional, era processado por traio ptria e tinha de comparecer a todos os atos do processo na Auditoria da 5 Regio Militar de Curitiba e, por isso, viajou vrias vezes de Ponta Por at l em avio do Correio Areo Nacional.

A descrio das suas caractersticas, feita pela acusao no processo, embora contendo erros factuais, no pode ser considerada ofensiva.

A denncia estava redigida como a seguir.

O tribunal do jri um julgamento popular atravs do poder judicirio; nele se julga no s juridicamente, mas socialmente, conjugando o crime com o ambiente social do acusado.

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Esse indiciado um elemento muito politizado, ativo, inteligente e de uma grande periculosidade, sendo uma das chaves do movimento comuno-peleguista, perfeitamente integrado tambm no esquema revolucionrio. Consta que j veio politizado do Esprito Santo, esse bancrio que foi presidente do Sindicato dos Bancrios, funcionrio do Banco do Brasil e membro da CGT. J est comprovado que a Federao dos Bancrios e o sindicato funcionavam no mesmo edifcio onde funcionava o Partido Comunista chefiado por Agliberto Vieira de Azevedo, que mantinha ntima ligao com este indiciado, comparecendo ao BB para agitar as diversas greves polticas que promoveram, causando danos incalculveis Nao. Sem dvida ele chefiava os comunistas e as greves, chegando ao ponto de conseguir, na ltima greve de outubro de 1963, paralisar o porto de Paranagu, ajudado pelo presidente do Frum Sindical de Debates, o bancrio Victor Horcio. Compareceu ao comcio do dia 13 de maro de 1964, sobre as chamadas reformas, como representante da Federao dos Bancrios de Curitiba, aps o qual se declarou certo da vitria da revoluo comunista, como revela a testemunha idnea dr. Salomo Pamplona, tambm funcionrio do Banco do Brasil, que confirma as suas ligaes com o chefe comunista Agliberto Vieira de Azevedo. Em face das suas qualidades de liderana e grande influncia, foi escolhido para ir a Cuba (...). Compareceu ao Congresso Sindical, a servio do movimento, recebendo passagens de ida e volta e dirias, e tinha ligaes ntimas com o Centro Popular de Cultura, rgo subversivo do MEC (...). Compareceu Assemblia Legislativa, onde falou em nome do Movimento Sindical Paranaense, combatendo uma mensagem do governador Ney Braga de modo subversivo. (...) Era eleitor do Partido Comunista, conforme certido do Tribunal Eleitoral. A prova testemunhal bastante vastssima e o incrimina gravemente em todos os sentidos, como patrocinador do movimento grevista, protegido pela Administrao que quase no trabalhava, doutrinador dos seus companheiros, atraindo-os para a ideologia comunista, (...), ameaando fuzilar os que no concordavam com ele.

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O advogado de defesa, Jos Carlos Corra de Castro, no pedido de habeascorpus apenas complementou a descrio feita pela promotoria.

Funcionrio do Banco do Brasil S/A desde 22 de abril de 1949, tendo servido nas agncias de: Aymors, Estado de Minas Gerais; Senhor do Bonfim, Estado da Bahia; Vitria do Esprito Santo; Curitiba, Estado do Paran, e, finalmente, Ponta Por, Estado de Mato Grosso, onde se encontra atualmente. Bom pai de famlia, sendo pai de dois filhos, um dos quais estuda no Colgio Militar de Belo Horizonte, sempre pautou sua conduta particular dentro dos mais rigorosos padres de moralidade. Quanto sua conduta como funcionrio do Banco do Brasil S/A, falam melhor do que palavras os boletins de informaes anexos. Pelos mesmos, observase que o paciente sempre alcana o nmero mximo de pontos positivos, que so oriundos da operosidade, da conduta e da dedicao. Advogado formado, vem exercendo a sua profisso na Comarca de Ponta Por e Amamba, no Estado de Mato Grosso, sendo seu conceito profissional o melhor possvel, conforme declaraes anexas.

Ele foi julgado no mesmo dia em que o lder campons e ex-deputado federal Gregrio Bezerra foi condenado a 30 anos de priso. Os ministros do Superior Tribunal Militar, no entanto, concederam a Fernando Tristo Fernandes um habeas-corpus para exclu-lo do IPM, por falta de justa causa.

Isto foi em janeiro de 1968. Ele seria preso novamente em dezembro, quando os militares editaram o AI-5 e o Exrcito recolheu todos que o regime achava perigosos, inclusive os bons novos amigos de Fernando na cidade. Ele passou vrios dias no quartel do 11 Regimento de Cavalaria.

At ento, Fernando Tristo Fernandes pensava que aqueles seriam breves anos de confinamento para si e de autoritarismo para todos no pas. A edio do AI-5 tornou claro que os militares tinham um projeto de poder de longo prazo. O advogado ficaria 14 anos em Ponta Por.

O combate que melhor se apresentava para tentar contribuir, sempre atento ao problema social brasileiro, era a advocacia. Fechou-se um caminho, abriu-se outro, o da defesa do direito.

O combate que melhor se apresentava para tentar contribuir, sempre atento ao problema social brasileiro, era a advocacia. Fechou-se um caminho, abriuse outro, o da defesa do direito.

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AtentadoOs municpios de Ponta Por, Dourados, Rio Brilhante e Maracaju formavam uma regio de grandes fazendas, com conflitos sobre propriedade de terras, explorao do trabalho e contrabando de caf.

Certa vez, Tristo foi procurado para soltar trs pees da uma fazenda, que haviam sido presos arbitrariamente e levados para a delegacia de outro distrito, onde Tristo foi informado de que se tratava de uma priso para averiguaes. Diante da presena do advogado e dos protestos, o delegado liberou os pees. Fomos encontr-los sentados no fim de um longo corredor da delegacia e lhes demos a notcia de que estavam liberados, mas eles responderam que no podiam andar, pois tinham sido espancados nas costas e nos rins, diz Tristo.

Fernando Tristo Fernandes colocou os pees na caminhonete e foi direto ao 11 Regimento de Cavalaria do Exrcito, onde denunciou a tortura sofrida pelos presos, exibiu os pees e acusou a polcia de estar servindo de instrumento poltico de perseguio aos trabalhadores, ainda mais nas barbas do Exrcito, onde os filhos dos agricultores serviam.

A represlia viria no dia seguinte, 11 de junho de 1979. O advogado parou para tomar um cafezinho num bar da Avenida Internacional, a uns 50 metros do escritrio, como fazia com freqncia. Nada de diferente ou excepcional parecia afetar sua rotina naquela tarde, quando dois carros passaram devagar e os pistoleiros que estavam no interior dos veculos abriram fogo contra ele. Ouvi estampidos, mas nem percebi que estavam atirando em mim. Pareciam fogos de artifcio. Quem alvejado por tiros em geral no sente dor de imediato, tal a rapidez da velocidade do projtil, relata Tristo. Foram entre dez e doze tiros, no se sabe ao certo. O ltimo deles, direcionado para seu corao, tendo Fernando Tristo levado a mo ao peito por instinto, acertou a aliana de ouro, dilacerando dois dedos da mo esquerda. Com o impacto na aliana, a bala mudou de rumo, subiu (foto da bala e do que sobrou da aliana na pgina 39). O dono da Farmcia Rossana, ao lado do bar, Lino Valrio Bitencourt, pulou em cima dele gritando: bandidos, esto atirando no

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doutor!. Lino Valrio providenciou um torniquete no brao direito do amigo e o levou para o hospital, para onde acorreram todos os mdicos da cidade, logo que circulou a notcia do atentado. Alm da mo esquerda, dilacerada junto com a aliana, foram atingidos a artria do antebrao direito, deixando leses que at hoje restringem seus movimentos e o lado direito do peito, onde ele tem marcas de pelo menos oito perfuraes.

A artria foi afetada e teve que ser reconstituda por vrias cirurgias, as primeiras realizadas em Ponta Por. O filho Fernando Humberto tratou da segurana do pai no hospital para que no fosse morto. Havia o costume de pistoleiros invadirem as salas de socorro. O medo maior de Tristo, porm, era de que alguma das balas estivesse envenenada, como costume entre os pistoleiros da regio. Uma bala envenenada causava a morte em no mximo 24 a 48 horas.

Graas a honorrios que Tristo havia recebido pouco antes do atentado, a famlia entrou em contato com o amigo Alfredo Scaff, em Campo Grande, solicitando que fosse fretado um avio com equipe mdica para lev-lo ao Rio de Janeiro. No dia seguinte, por segurana, saram do hospital, ao mesmo tempo, trs ambulncias acompanhadas por patrulhas do Exrcito. O mdico Lauro Sanches foi contratado pela famlia para acompanhar o ferido at o Rio. O filho mdico Fernando Olinto o esperava com uma ambulncia na pista do aeroporto do Rio e o conduziu para o Hospital da Beneficncia Portuguesa.

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Aliana de casamento que desviou o projtil direcionado para seu corao.

Expulso de Senhor do Bonfim, por circunstncias polticas; expulso de Curitiba pelo golpe de estado e expulso do Mato Grosso, bala, pelos coronis.

A anistia foi decretada pela lei n 6.683, de 28 de agosto de 1979.

Captulo 6

Rio de JaneiroAps o atentado em 1979, Fernando Tristo Fernandes chegou ao Rio de Janeiro, onde faria uma nova reconstruo da artria. Ele j montara um apartamento na cidade para que os filhos mais velhos pudessem ter uma boa educao universitria. A anistia veio naquele mesmo ano e com ela o fim do confinamento. Tristo fixou residncia definitiva na Cidade Maravilhosa.

Fernando Fernandy Fernandes, na poca, era advogado e trabalhava com o professor Hlio Tornaghi. Fernando Olinto Fernandes estudava medicina, tambm na UFRJ. Humberto viria a cursar direito, na PUC.

Fernando Tristo Fernandes reabriu Fernando Fernandes Advogados, no Rio, na Travessa do Pao, em frente ao Frum. Teve, naquele momento, a participao de seu filho mais velho que, logo aps, passou a integrar o Ministrio Pblico do Estado do Rio de Janeiro.

Estes anos de conquista da advocacia no Rio de Janeiro so representados por Fernando Fernandes Advogados, onde esto concretizados 45 anos de advocacia, comemorados a partir do dia da emisso da carteira da Ordem dos Advogados do Brasil n 1848: 7 de abril de 1960.

Os sonhos de luta da dcada de 60 e a vontade de mudar o mundo no se perderam e se conciliaram com uma viso de luta pela advocacia, pelo estado de direito, pelo respeito ao indivduo e o cidado.

A eficincia, associada tica, ao atendimento rpido nos deslindes de causas, ao compromisso longo com os clientes, de fidelidade, de cumplicidade e honestidade, somada ainda experincia de 45 anos de advocacia e a uma banca jovem e dinmica, consolidaram Fernando Fernandes Advogados no Rio de Janeiro, como se verifica a seguir.

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Antes a morte que o cansao. No me sacio de servir. No me canso de ser til.Leonardo da Vinci

Quando acompanhado de boas conversas, o trabalho corre alegre.Schiller

Segunda parte

O escritrio no Rio de Janeiro

1.

Histrico, 44 Localizao e estrutura, 46 Banca, 50

2.

3.

A advocacia uma atividade humana emocionante, que d a quem a pratica o status de autoridade, j que se incumbe de fazer que as autoridades cumpram a lei.

Captulo 1

HistricoO escritrio Fernando Fernandes Advogados foi reaberto no Rio em 1979, na Travessa do Pao 23, em frente ao frum da cidade. Seu filho mais velho, que logo depois passou a integrar o Ministrio Pblico do Estado do Rio de Janeiro, participou daquele momento em que se iniciou uma nova etapa da vida de Fernando Tristo Fernandes, dedicada por inteiro construo de sua vida profissional no Rio.

O escritrio carioca comeou com apenas trs salas e a bagagem de quase 20 anos de advocacia de seu titular, experimentado nas diversas questes cveis e empresariais que enfrentou no Banco do Brasil e tambm em direito penal, com dezenas de jris j realizados.

O ex-lder sindical reencontrou na advocacia uma nova expresso para sua coragem e seu vigor.

O escritrio cresceu e, em poucos anos, aquelas primeiras instalaes tornaram-se pequenas demais. Fernando Fernandes Advogados passou a ocupar, ento, salas maiores no Edifcio Canavarro, na rua Marechal Cmara 350, entre os prdios do Ministrio Pblico e da Defensoria Pblica.

O novo espao possibilitou um crescimento mais acelerado. Clientes trabalhistas trouxeram causas cveis, suas e de amigos, para o escritrio. Fernando Augusto Fernandes, que entrara no escritrio como estagirio, ainda nos primeiros anos de sua formao superior, avanava em seus estudos de direito penal. A banca de advogados ficou maior, assim como o nmero de

Na advocacia trabalhei para que o estado neoliberal no desmontasse as garantias que obtivemos para nossa gerao.

scios, associados e parceiros. O movimento de clientes tambm aumentou. O conforto destes e a produtividade daqueles exigia novas instalaes, para que fosse mantida a qualidade e, principalmente, a filosofia de atendimento de Fernando Fernandes Advogados: buscar sempre a soluo para a pessoa que o procura.

O escritrio adquiriu ento a sua sede, no endereo em que hoje se encontra.

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Captulo 2

Localizao e estruturaFernando Fernandes Advogados est em um local no Centro cercado de livrarias jurdicas, muito prximo aos tribunais, em frente Assemblia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, em um edifcio com nome de jurista (Centro Empresarial Cndido Mendes) onde funciona uma faculdade de direito e em uma rua cujo nome lembra o estado de direito.

Rua da Assemblia, 10, grupos 2013/2015.

Ali, Fernando Fernandes Advogados ocupa 400m2 com arquitetura interna moderna, acolhedora e funcional, com paredes apenas nas reas de circulao, muita madeira por toda parte e separaes de vidro com persianas entre as salas, mas com espaos que resguardam a privacidade e o sigilo em reunies.

A biblioteca, com grande acervo doutrinrio, ganhou presena fsica no ambiente compatvel importncia que tem nos trabalhos do dia-a-dia. uma biblioteca dinmica que se beneficia de aquisies mensais de clssicos do direito e de lanamentos nas reas em que atua o escritrio.

Um ambiente seguro para a guarda de documentos foi criado. Os investimentos realizados em equipamentos de comunicao garantem trocas de informaes, dentro e fora do escritrio, em qualquer condio, o que repre-

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senta rapidez no acesso s decises dos tribunais, na pesquisa de jurisprudncia, no envio de peties e no contato com correspondentes e representantes em outros estados.

O escritrio vai alm de seus limites fsicos, atravs de diversas parcerias. Acordos com escritrios especializados em outras reas de direito. Trabalho conjunto com profissionais atuantes em causas relacionadas do cliente. Entendimentos com advogados em outros estados. Em Braslia, onde o escritrio trata diretamente de seus processos nos tribunais superiores, h funcionrios disposio para receber os advogados e para enviar sede cada nova pea em seus processos.

A rea criminal conta, ainda, com suporte tcnico de instituies especializadas em medicina legal, processamento de imagens, balstica, grafoscopia e fontica.

O clima de trabalho dentro do escritrio reflexo direto do temperamento de Fernando Tristo Fernandes. O bom humor constante e as relaes pessoais so informais, dentro do respeito profissional mtuo. O titular do escritrio participa de todas as decises importantes e acompanha de perto os diversos processos que compem o dia-a-dia.

Os clientes recebem um informativo elaborado pelo escritrio com novidades de seu interesse na legislao e notcias sobre vitrias do escritrio.

Antes havia um s juiz para todos os ramos do direito. O advogado tambm atuava em todos eles. Hoje as varas so especializadas e os advogados tambm precisam ser especialistas. O que o advogado fazia sozinho, s uma empresa agora poder fazer, com a responsabilidade e os conhecimentos dos seus componentes.

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O advogado um instrumento da sociedade para proteger o indivduo.

Captulo 3

BancaOs scios so especialistas, cada um em uma rea do direito. Todos, no entanto, trabalham buscando a integrao de foras, informaes e capacidades. Esta postura simbolizada pelo caf da manh de toda segunda-feira, em que a equipe constri sua sintonia para a semana de trabalho e concretizada nos processos que contam com o empenho conjunto de todos os scios na procura por uma soluo.

A atitude combativa de Fernando Tristo Fernandes transmitida equipe quase como uma doutrina: o advogado precisa impor a sua autoridade e deve ser duro, ainda que nos limites da boa educao, na exigncia de respeito sua atividade em nome do cliente. A administrao do escritrio, coerentemente, encoraja a autogesto e a liberdade de ao por parte de cada scio. A base do trabalho a confiana absoluta entre todos os profissionais do direito.

A integrao ultrapassa os componentes da banca: outros advogados, de reas afins ou complementares, so chamados sempre que necessrios para um atendimento melhor ao cliente. No temos concorrentes, temos parceiros, diz Tristo.

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"Nosso escritrio uma comunidade de profissionais que tm o propsito de atender com honestidade e dedicao, todos emocionalmente ligados aos direitos que a constituio e as leis garantem aos cidados".

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Fernando Augusto Fernandes

Professor de direito penal econmico. Mestre em criminologia e direito penal pela Universidade Cndido Mendes. Curso de especializao em advocacia criminal na mesma instituio. MBA em direito da economia e da empresa pela Fundao Getlio Vargas do Rio de Janeiro. Diretor da Associao Internacional de Direito Penal. Membro da Sociedade dos Advogados Criminalistas do Estado do Rio de Janeiro, do Instituto Carioca de Criminologia e do Instituto Brasileiro de Cincias Criminais, tem diversas matrias publicadas em revistas especializadas em direito penal. Autor do livro A Voz Humana A Defesa Perante os Tribunais da Repblica.

A coragem no enfrentamento o ensinamento mais presente de Fernando Tristo Fernandes no escritrio. O advogado o nico no processo jurdico que no tem autoridade constituda e precisa ser consciente de que sua misso de suma importncia. O jovem que chega aqui como estagirio tende a se deixar intimidar pelo ambiente de extrema formalidade e at pela arquitetura dos tribunais, s vezes grandiosa. preciso ultrapassar esta fase de timidez e se sentir confortvel em seu lugar, sem temor de se posicionar abertamente. A sustentao oral tem que ter fora, pois nela que o processo ganha calor humano. As reas cvel e trabalhista so menos emocionais que a criminal neste aspecto, mas caracterstica do escritrio que seus advogados, mesmo a, fujam da frieza do papel. Aqui, eu j passei por todas as reas. J aos 14 anos fazia servios eventuais de mensageiro para o escritrio e, depois das aulas do primeiro dia do primeiro ano na faculdade, eu estava aqui de terno e gravata, trabalhando. Hoje, alm de responsvel pela rea criminal, respondo tambm pela gerncia do escritrio e acompanho tudo o que acontece. Vejo o crescimento futuro do escritrio se dando em todas as reas ao mesmo tempo, um crescimento, sobretudo, intelectual e de qualidade mas, para que seja mantido um alto nvel de confiana e de relacionamento, ele dever permanecer sempre do tamanho de uma famlia. Entre o cliente e seu advogado h uma ligao personalssima, muitas vezes com trocas dirias de informaes e isto mais do que um relacionamento empresarial pode oferecer. Ns somos ourives, artesos. A advocacia criminal uma paixo. Eu cresci ouvindo histrias dos jris do Tristo, que ele gostava de contar. Meu pai foi preso por ser lder sindical. Meu irmo foi preso em nome da liberdade de imprensa: mdico, permitiu que um fotgrafo registrasse no hospital o militar ferido pela bomba do Riocentro. Ento, eu sou um amante da liberdade, minha misso poltica utilizar o direito como meio de liberdade e isto se identifica com o pensamento contemporneo sobre o direito penal, visto no como forma de punir, mas de limitar o poder punitivo do estado. A sociedade brasileira, ante sua incapacidade de encontrar solues para a desigualdade social, est abandonando as obrigaes sociais de garantir emprego, sade, educao e moradia. O direito penal apresentado no lugar delas e assim, tem sua funo poltica majorada: ao invs de emprego, cadeia. Empresrios, por outro lado, muitas vezes so processados por crimes societrios ou tributrios como contraparte da mesma utilizao simblica do direito penal, para mostrar sociedade que no s o pobre que ela manda para a priso. Os advogados criminalistas somos os agentes sociais capazes de interromper esta fria encarceradora.

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Wagner Gusmo Reis

Ps-graduado em direito e processo do trabalho pela Universidade Cndido Mendes e em direito empresarial do trabalho pela Fundao Getulio Vargas. Autor do livro Garantia de Emprego ao Portador do Vrus da Aids.

Eu fui iniciado no direito em 1998 pelas mos do Dr. Tristo, que me transmitiu a paixo pelo direito trabalhista que, por seu papel de equalizador das relaes entre capital e trabalho, constitui-se em instrumento de justia social. E nem sempre o empregado o elo mais fraco. Aqui as pessoas so comprometidas com o escritrio. H um sentimento fraterno de falta de hierarquia entre os scios e um clima de amizade entre ns. Mesmo em relao ao Dr. Tristo. Ainda hoje levo as peas para ele revisar, mas ele me pergunta sobre as inovaes na rea, trocamos idias, ele procura me deixar vontade e eu me sinto vontade. A grande ideologia do escritrio, porm, a conduo tica perante o cliente, o juiz e at o adversrio. O Dr. Tristo tem uma alegria constante, no visto reclamando, se queixando ou aborrecido. muito brincalho. Antes de entrar na minha sala, sempre bate na porta, e brinca que para que, se eu estiver falando mal dele, d tempo de parar. Nestes sete anos de convvio, a sua vitalidade e atividade continuaram iguais. Ele um paradigma para mim e foi, e ser sempre a grande fonte de inspirao do escritrio.

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Hugo Leite Jerke

Especialista em direito privado pela Universidade Federal Fluminense e em direito do consumidor pela Universidade Estcio de S. Membro da comisso de seguro da Ordem dos Advogados do Brasil.

Cheguei no ano passado com a misso de estimular a rea cvel, depois de sete anos em outro escritrio. Encontrei um local de trabalho onde so valores fortes a informao precisa e imediata ao cliente e a transparncia administrativa e contbil com os scios. Aqui, a autonomia de trabalho grande, complementada pela solidariedade, pelo esprito de cooperativismo. Os advogados do as suas opinies sobre todos os setores e as metas de crescimento so decididas em conjunto. As decises importantes so tomadas em consultas com os colegas, que sempre esto informados sobre as aes uns dos outros. So pessoas que esto no mesmo patamar de idias, sem hierarquia funcional. Este escritrio quer crescer impulsionado pelos sonhos de seus integrantes, sem se inchar e com projeo jurdica. O Dr. Tristo uma pessoa ativa, um profundo conhecedor do direito e um ponto de referncia. E gosta de participar, procura o contato, incentiva. A sua vocao a rea trabalhista, mas a ele submeto todas as questes e processos mais relevantes. Alm disso, ele vem minha sala, pergunta sobre determinada ao, participa do dia-a-dia do escritrio e a quem se consulta nas horas de aflio. O escritrio bem sucedido por causa dele.

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Ricardo Gonalves Barbosa

Graduado em direito pela UFRJ.

Este ano, completo dez anos no escritrio, onde cheguei dez anos depois de meu comeo na advocacia. Ns temos um ambiente igualitrio, em que todos tm seu espao, todo mundo se gosta e se respeita e ningum puxa o tapete de ningum. Eu fui chamado a trabalhar na rea trabalhista pelo Dr. Tristo e aos poucos fui me espelhando na atuao dele. Eu ainda estou aqui para aprender: a experincia dele conta mais. Ao longo deste tempo, o Dr. Tristo no mudou: continua a mesma pessoa alegre e solcita que sabe tratar funcionrios e clientes de maneira franca e aberta, sempre atualizado, com a mente jovem, querendo conversar, puxar um assunto sobre o Brasil ou o mundo. Nunca o vi de mau humor. Estes dez anos de convvio me fizeram mais humano, capaz de enxergar os nossos problemas sociais de uma maneira mais ampla. Eu no sou muito ligado em poltica, mas com o Dr. Tristo aprendi a refletir sobre as angstias da nossa sociedade. Tudo isto estimulante, faz com que a gente trabalhe com menos estresse e mais calma.

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Ricardo Sidi

Graduado em direito pela UFRJ com monografia em direito processual penal sobre A Impossibilidade da Investigao Criminal Direta pelo Ministrio Pblico, orientada pelo Prof. Dr. Geraldo Prado.

Entrei no escritrio h pouco mais de dois anos. Aqui fiz o meu primeiro estgio e fiquei. Dr. Tristo uma pessoa de astral e humor notveis e o principal responsvel pelo excelente ambiente do escritrio. Alm disso, este um escritrio de jovens e nos sentimos amparados pela sua experincia no dia-a-dia. um advogado irredutvel na defesa das prerrogativas dos advogados e espera de ns atitudes altura: exigir que o juiz nos receba, que o delegado mostre o inqurito etc. Alm disso, um advogado universalista, conhece todas as reas. Seu vigor na defesa da liberdade e do direito fortalecedor. Tem histrias sensacionais de jris e defesas que promoveu nas diversas cortes do pas e isso acaba nos contaminando e renovando nossos nimos para as lutas dirias que temos que enfrentar, atravs de habeas corpus, recursos e sustentaes orais. No escritrio, os scios de diversas reas se integram, trocam experincias, fazem com que os inmeros estagirios participem dos debates e das decises, permitindo um rpido amadurecimento profissional. Este clima faz com que todos se apaixonem pelo direito: at os funcionrios acabam virando acadmicos de direito.

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S o que se fez ensina o que se dever fazer para o dianteMonteiro Lobato

O que lembro, tenho.Guimares Rosa

Terceira parte

Memrias da advocacia

1.

Entrevista com Fernando Tristo Fernandes, 62

O senhor conhecido como um excelente e apaixonado contador de casos e a sua vida profissional lhe proporcionou alguns muito bons. Diga um de que goste bastante.

A histria do quase encontro entre o confinado e o ditador a primeira que me vem lembrana. Tudo comeou num dia de inverno em 1971, noitinha, quando eu estava passando em frente ao Frum de Justia de Ponta Por, que ficava num sobrado, em cima da delegacia de polcia. Ouvi uns gritos, procurei saber de quem eram, por que estavam gritando etc. Eram trs rapazes que estavam presos dentro de uma espcie de caixote, utilizado como cadeia da priso provisria, nos fundos da delegacia. Eles contaram que eram estudantes de So Paulo e tinham sido presos quando atravessavam com dois quilos de maconha a avenida que separa Ponta Por da cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero, no Paraguai. Alegaram que tinham sido sorteados pelos colegas para executar a tarefa e acreditavam que os prprios vendedores da droga haviam avisado a polcia.Anel de formatura.

Um deles se apresentou como filho de um diretor da Volkswagen e o outro disse ser filho de um diretor da Arno. Eu ofereci ajuda, dizendo que era advogado e eles me pediram que avisasse os pais do ocorrido. Quando cheguei em casa liguei para So Paulo, me identifiquei, falei do rapaz e a pessoa que atendeu me disse que deveria ser algum engano, j que os rapazes estavam em Guaruj, no litoral do estado. Insisti e, quando o diretor da Volkswagen compreendeu que eu estava falando a verdade, disse amanh mesmo estaremos a. Quando chegaram, em avio fretado, logo me constituram advogado dos jovens, todos maiores de 18 anos. No havia juiz em Ponta Por naquela ocasio e o substituto era o juiz de Bela Vista, a cem quilmetros. Redigi o pedido de relaxamento de priso, com as provas de que eram estudantes e fui para l. A cidade estava cheia de faixas com o texto mede-se o progresso do pas pelo Presidente Mdici. Ele estava na cidade para a inaugurao de uma ponte sobre o Rio Apa, que liga Brasil e Paraguai. Logo conclu que o magistrado s poderia estar na solenidade, dentro do quartel do Exrcito. Eu no tinha convite, mas fui com os pais dos trs rapazes at l e pedi para falar com o juiz.

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O comandante do Regimento de Cavalaria de Bela Vista era o coronel Pedro Doria Passos, casado com Elza Mendes Gonalves, irm de Oswaldo Mendes Gonalves, proprietrio da fazenda Carambola, em Ponta Por. Oswaldo, na juventude, havia estudado em Curitiba e, antes de 31 de maro de 1964, era filiado ao PTB. O meu relacionamento com a famlia vinha de longe. Alm disso, como criador de gado, era cliente do Banco do Brasil, onde obtinha emprstimos para a pecuria. Logo ao entrar no quartel, dirigindo-nos ao local onde estavam o presidente Mdici, o juiz de direito e as outras autoridades, encontramos Elza. Muito expansiva, ela me abraou e fez um comentrio sobre o esprito democrtico do governo, j que ali estava um comunista no meio dos militares. Antes que a frase chamasse ateno e para abafar a sua voz, abracei-a, beijei-lhe o rosto e disse baixinho: sempre brincalhona, mas essas brincadeiras no momento so perigosas... Depois, falando normalmente, disse que o irmo Oswaldo e a cunhada, Cecy, mandavam lembranas.

O juiz chegou, ouviu os meus argumentos e disse: Dr. Tristo, conheo bem sua postura profissional. O que o senhor quer que eu faa?. Em seguida, deferiu os pedidos: relaxamento da priso e agendamento do interrogatrio para o perodo das frias escolares. Faltava, ainda, assinar o alvar de soltura. Para evitar mais transtornos, sugeri que ele outorgasse poderes ao escrivo do cartrio para assinar o documento, evitando voltar cidade. A sugesto foi imediatamente aceita.

Faixa de formatura

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A deferncia do juiz quele advogado do interior do Mato Grosso impressionou os pais dos rapazes. Meses mais tarde, a boa impresso se confirmou, com a absolvio dos estudantes por falta de provas. Afinal, sem o exame pericial da erva apreendida, como seria possvel afirmar que se tratava de entorpecente?

Alguma vez o senhor esteve na mira de armas de fogo, no ato de exercer a sua profisso?

Vrias vezes. Renasci em 11 de junho de 1979, quando atiraram em mim e lembro uma outra. A agncia do BB da cidade de Amanbai incumbiu-me de ir ao quartel do 17 Regimento de Cavalaria, a uns doze quilmetros do Centro. Precisava cobrar de um sargento um cheque que havia sacado na boca do caixa, com uma funcionria nova, quando sua conta j havia sido encerrada pela devoluo de cheques sem fundo. Cheguei, me identifiquei no porto onde fica a sentinela, com uma saleta. Fui autorizado a entrar, andei uns 200 metros e fui recebido pelo subcomandante, que determinou a presena do tal sargento. Eu fiquei s com ele e disse que teria que ir gerncia cobrir o saque indevido, sob pena de ser acionado criminalmente, o que iria atrapalhar a carreira no Exrcito, com possibilidade at de excluso. Ele disse que iria repor e sa. Aps passar o porto, na sada, ouvi o barulho de engatilhar uma arma e, ao me virar, o soldado sentinela estava apontando um fuzil em minha direo. Me apavorei, gritando o que isso ? Est ficando doido ? Sou advogado do Banco do Brasil! Foram segundos e o soldado baixou a arma. Fiquei revoltado, peguei a Rural Willys, onde estava um amigo esperando, Heitor Antonio Marques, fui correndo para a agncia, chamei o gerente e o contador, regressei com todos ao 17 Regimento e exigi falar com o comandante, que nos recebeu. Relatei tudo e abriram o IPM. Concluso: uns oito meses depois, o soldado fora punido porque no reagira s supostas ofensas daquele advogado comunista, j que representava o comandante do regimento, o comandante da regio, o ministro da guerra e o presidente da Repblica!

O senhor tem histrias de jri para contar?

Olha, fiz mais de 40 jris no Mato Grosso. Os casos que marcam, para o criminalista, so os diferentes. O criminalista consegue ver beleza em certas trag-

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dias, no pela violncia, mas pelo que apresentam sobre a complexidade do ser humano. Destes casos, trs ficaram fortes na memria.

Vamos ao primeiro?

O proprietrio de uma fazenda de porte mdio, ao regressar do campo, onde havia ido inspecionar as cercas da fazenda, olhou para dentro do seu quarto por uma fresta da parede de madeira e viu sua mulher mantendo relaes com o co de estimao da famlia, chamado Sereno. Refeito do choque, passou a manter o co e a mulher sob observao. A cena se repetiu no ms seguinte e o marido, em conversa com a mulher, argumentou que ela estava doente e por isso deveria ir para a casa dos pais fazer um tratamento. A mulher afirmou, na presena de um tio, que preferia ficar com Sereno mas, assim mesmo, o marido a levou para a casa dos pais dela, deixando a filha de seis anos com sua me.

Certo dia, o marido, que estava em Campo Grande, chegou em casa aproximadamente meia-noite e no encontrou a filha: a me tinha ido busc-la eEscudo da Universidade federal do Paran.

a av, com pena, deixou que a levasse. O marido tomou um txi na mesma hora e dirigiu-se cidade onde a mulher se encontrava, chegando ao amanhecer. Ele anunciou que estava ali para buscar a filha logo ao entrar no quintal da casa dos sogros. A mulher correu para o interior da casa e voltou acompanhada de um concunhado, armado com um revlver 38. O marido, ento, atirou no concunhado, que caiu fulminado no quintal. Em seguida, entrou na casa, matou tambm a mulher com dois tiros e fugiu no txi com a menina. O morto era aviador e membros do aeroclube local saram de avio em perseguio ao txi, que foi detido ao passar pela cidade de Antnio Joo (MS). O marido foi conduzido ao local do crime, onde se deu a priso em flagrante.

O julgamento s ocorreu um ano e oito meses depois, atraindo uma verdadeira multido. No jri contamos esta histria: o acusado havia pegado a mulher em flagrante delito, mantendo relaes sexuais com o co e, mesmo na hora em que a mulher gritou que preferia ficar com o cachorro, agiu civilizadamente, o que indicava que s o descontrole emocional

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momentneo do ru poderia t-lo levado a assassinar a mulher. A tese de homicdio privilegiado, cometido logo aps injusta provocao da vtima. Quanto morte do aviador, defendi que seria legtima defesa putativa, aquela em que o agente acredita que o outro iria mat-lo: o concunhado saiu correndo de dentro da casa com o revlver em punho certamente para matar o ru. Sugeri ao jri que a filha do casal ficasse sob os cuidados dos avs maternos, que emocionalmente poderiam substituir a filha assassinada na tragdia.

Mesmo com o forte clamor popular, o acusado foi absolvido da morte do aviador por sete a zero e condenado a um ano e oito meses de priso pela morte da mulher, porque os jurados concluram que o crime foi cometido sob violenta emoo, logo aps injusta provocao da vtima. Como j estava preso h um ano e oito meses, o ru recebeu na hora o alvar de soltura.Telefone utilizado no escritrio do Tristo desde 1965 at a anistia.

Agora, o segundo caso?

Um comerciante de armas e munies, casado, pai de duas filhas casadas com oficiais do Exrcito, foi pego em flagrante enquanto mantinha relaes sexuais homossexuais em sua residncia, num domingo, por um parente que tinha dificuldade de locomoo e era semigago. Imagine, naquele tempo a vergonha e a desonra deste homem, diante dos preconceitos da cidade. O tal parente comeou, ento, a exigir dinheiro, ameaando espalhar o fato.

A loja de armas e munies era na parte da frente da casa, com comunicao interna para a residncia. A entrada social da residncia era feita pelo lado direito, por uma calada alta que ia at o final do terreno, onde estava instalado o escritrio onde o parente surpreendeu o cliente na relao sexual.

Segundo a acusao, o cliente, para escapar da chantagem, armou uma cilada para o parente. Este morava depois da casa onde estava instalada a loja e, para alcanar a entrada social, tinha que passar pela frente do estabelecimento. Uma noite, o cliente deixou a porta da casa de comrcio ligeiramente aberta, com a trava apenas encostada do lado de dentro. O parente chantagista, segundo a acusao, dormia pouco e, quando tinha fome, dirigia-se

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muito cedo para a casa do acusado. Chegando l, aproximadamente s cinco horas da manh, empurrou a porta, derrubou a trava e penetrou no interior da casa de comrcio, onde levou cinco tiros, indo cair na calada. Os vizinhos, ouvidos no processo, afirmaram que haviam sido acordados com um insistente latido de co e vrios tiros e que, em seguida, ouviram o funcionamento do motor de um automvel, um porto sendo aberto e o veculo partindo. Aps esses acontecimentos, o acusado escondeu-se em sua fazenda no Paraguai.

Quando assumi a defesa, a opinio pblica era visceralmente contra o acusado. Feita a denncia, a defesa teve o cuidado de trazer para os autos os boletins de registro atmosfrico do dia anterior ao crime e do prprio dia do crime, feitos pelo aeroporto local, que registravam fog intenso e teto zero; a notcia de que naquela rea s havia cachorro na casa do acusado e tambm pareceres de veterinrios atestando que, se o co latiu insistentemente, decerto no conhecia o cheiro da pessoa que se aproximava da casa. Argumentei que a neblina, que impedia o reconhecimento da vtima, e o latido incessante do cachorro levaram o acusado a pensar que se tratava de um ladro forando a porta da loja, para entrar na sua residncia.

Estava tudo calmo, parecia que o assunto estava esquecido e, quinze dias antes da data do julgamento, o cliente foi apresentado e preso. A opinio geral na cidade, dos jornais etc era de que o monstro deveria ser condenado a 30 anos de priso. A tese de legtima defesa da propriedade e de legtima defesa putativa levou o jri a absolv-lo por sete a zero.

E o terceiro caso...

L vai. Dois irmos fazendeiros herdaram do pai uma fazenda e, na partilha das terras e do gado, a sede do imvel ficou no quinho do mais novo. O outro filho, em represlia, construiu pocilgas na divisa das terras prxima sede da fazenda. A criao de porcos freqentemente rompia a cerca ou era solta, causando discusses entre os irmos. O irmo que ficou com a sede reclamava do cheiro das pocilgas e das invases dos sunos. As discusses entre os dois eram constantes.

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Um dia, quando passava a cavalo por uma estrada de terra, o irmo mais novo, acompanhado de um peo, viu de longe a carroa do irmo mais velho vindo em sua direo. Para evitar o encontro, saiu da estrada e foi para o campo, seguindo por uma antiga trilha.

O irmo mais velho percebeu a manobra e, vendo que o mais novo havia sado da estrada para evitar o encontro, resolveu tambm entrar na antiga trilha. O encontro dos dois foi inevitvel e a discusso tambm. O irmo mais velho atirou da carroa no mais novo, provocando a queda do cavalo deste sobre a perna do cavaleiro. Vendo o irmo mais novo imobilizado, o outro desceu da carroa com uma faca, para terminar o servio, quando o peo que acompanhava o mais novo sacou do revlver e, com dois tiros, matou o agressor.

O Ministrio Pblico denunciou o peo e o irmo mais novo como autores do homicdio, incursos nas penas do artigo 121 do Cdigo Penal. Como no foram presos em flagrante, ambos responderam ao processo em liberdade.

Contratado para defend-los, juntei aos autos as seguintes provas: fotos da sede da fazenda e das instalaes da criao de sunos; mapa dos imveis rurais; cpias da partilha dos bens e do inventrio; mapa e desenho do local dos acontecimentos, com a estrada e a antiga trilha onde se deu o encontro; fotografias da estrada, da trilha e do local dos acontecimentos.

O irmo mais novo negou qualquer participao no crime. O peo assumiu a autoria, negou qualquer ajuda ou participao de terceiros e afirmou que atirou porque estava certo de que o irmo mais velho iria sangrar o que havia cado e estava imobilizado embaixo do cavalo.

O juiz pronunciou os acusados e marcou o julgamento. O peo apresentou-se para ser julgado na data marcada e o fazendeiro, que estava doente, juntou atestado mdico para justificar sua ausncia. O peo foi absolvido com base na tese da legtima defesa putativa de terceiro. Julgado em outra data, o segundo acusado foi absolvido pela comprovao da tese da negativa de autoria.

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Algum personagem em especial ficou na memria daqueles tempos?

Um cliente entregou uma nota promissria emitida pelo aougueiro, que no a pagara. Como a cidade era pequena, fui pessoalmente cobrar a dvida e encontrei o aougueiro cortando carne com uma faca enorme. Aps alguma animosidade, disse que iria ao meu escritrio pagar. Anos depois, este aougueiro ingressou no escritrio, acusado de vrios homicdios. Era um verdadeiro serial killer e, no meio da entrevista, disse: Doutor Tristo, no sei como no lhe matei aquele dia. Acho que gostei do senhor.

O senhor se lembra de algum caso especialmente movimentado, de ao e suspense?

Esta histria comea no Rio e termina em Mato Grosso, passando pelo Paraguai. Uma das minhas cunhadas, que morava com o marido e o filho de cinco anos, telefonou aos meus filhos que moravam no mesmo bairro, Copacabana. Ela pediu ajuda, trancada no quarto do casal depois de ter sido agredida fisicamente pelo marido. Os trs irmos chegaram rpido e tiveram que imobilizar o tio, para que a tia e a criana pudessem sair do apartamento. Me e filho no dia seguinte foram para Ponta Por, onde ficaram abrigados na minha casa.

Juramento feito na formatura.

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Menos de uma semana depois, quando passeava de carro com Zulka e o menino, o carro foi fechado por dois jipes do Exrcito. Os oficiais desceram e indagaram se aquela criana era o tal menino, meu sobrinho. Havia uma acusao de seqestro poltico com pedido de resgate para a devoluo e, ao obterem a confirmao, os militares me intimaram a comparecer ao quartel e me informaram que o pai do menino estava chegando de trem cidade para busc-lo. Com muito jeito e muita conversa, e todos sabiam que eu era advogado do Banco do Brasil, consegui convencer os oficiais a me acompanharem at minha casa, para encontrarem a me do menino.

Eu j tinha um plano para ganhar tempo e evitar que a minha cunhada fosse obrigada a entregar o filho. Aps estacionar o carro na garagem, entrei na casa e a orientei a fugir com o menino pelos fundos, em direo ao Paraguai (a fronteira ficava a menos de 100 metros do quintal da residncia), onde ela deveria aguardar Zulka, na loja China. Em seguida, liguei para o juiz, abri a porta social e convidei os militares a entrar, comunicando que no poderia entregar a criana, que estava na posse da me, exceto mediante ordem judicial de um juiz. Os oficiais, contrariados mas diante da presena do juiz na minha residncia, retornaram ao quartel.

No Paraguai, a me e o menino ficaram hospedados na fazenda da mulher do cnsul do Brasil, Dinorah Pinto Costa. O passo seguinte foi pedir a posse e guarda da criana. O juiz marcou audincia e, na data marcada, a me e o filho voltaram do Paraguai. O pai, que era ligado ao SNI, queria forar a mulher a voltar para ele, mas o juiz no se intimidou e deu a guarda me.

O senhor defendeu presos polticos?

Quando me formei no Paran, eu estava no movimento poltico, era presidente da federao dos bancrios. Naqueles movimentos antes do golpe de 64 eu atuei como advogado e sindicalista, quando havia prises. A minha ficha na presidncia da Repblica diz assim: em 1966, juntamente com outros advogados, intercedeu pelas pessoas, maioria estudantes, que haviam sido detidas pelo DOPS/PR por picharem ruas do Centro de Curitiba com frases alusivas ao governo cubano. um erro do servio secreto da

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presidncia, que, por outro lado, registrou minha atuao at 1987, quando anotou que fui um dos presentes reunio de fundao da subseo do Rio de Janeiro da Associao Americana de Juristas, realizada na sede da OAB/RJ, em dois de dezembro de 87. Incrvel, at na OAB/RJ, em pleno regime democrtico, me vigiavam. Mas eu fui muito mais preso poltico do que advogado de preso poltico. Estava impedido para a defesa poltica, poderia at prejudicar meus companheiros.

No quero saber de mentira pra cima de mim.

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Perdendo a solidariedade das famlias, a sociedade perdeu essa fora fundamental que Montesquieu descobrira e chamara Honra.Balzac

Vs sois os arcos dos quais vossos filhos so arremessados como flechas vivas.Gibran

Quarta parte

A famlia

1.

Zulka, 74 Fernando Fernandy, 78 Fernando Olinto, 80 Fernando Humberto, 82 Fernando Augusto, 84

2.

3.

4.

5.

Zulka Henriques FernandesArtista plstica de cuja vida aventurosa pode-se ter uma idia neste livro.

Eu tinha 13 anos quando meu pai morreu, com apenas 48. A morte de papai me transformou em adulto, em instantes. Tomei conta das crianas. Era muito corajosa, fui criada para ser independente, nunca tive medo de nada. Acho que eu e Tristo somos almas gmeas, os dois destinados um ao outro. Eu s vezes me aborrecia em Curitiba porque se dedicava inteiramente ao sindicato e quase nunca podia contar com ele. Depois do golpe militar, eu saa na cidade e tinha carro me seguindo. Ele foi preso. E permaneceu tranqilo. Eu ia visit-lo, ele estava bem, pedia livros, mas a poltica quase destruiu a nossa vida. Quando ns fomos para Ponta Por, eu falei: o primeiro dia em que voc subir num palanque eu peo divrcio! Mas o camarada que gosta de poltica sempre poltico em suas aes e ele logo se tornou uma pessoa superconhecida, bem quista e a gente freqentava a vida social. Ele sempre foi bem humorado, alegre, inteligente e romntico. Tristo nunca foi pessoa de dizer estou bem ou estou mal. Nunca nada o abalou.

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Fernando Fernandy FernandesProcurador de Justia do Ministrio Pblico. Subsecretrio de Justia e Direitos do Cidado em 2005. Subprocurador-Geral de Justia em 2004. Subsecretrio de Estado da Receita em 2003. Secretrio-Geral do Ministrio Pblico de 1991 a 1994. Diretor de Informtica da Procuradoria-Geral de Justia do Estado do Rio de Janeiro entre 1988 e 1990. Diretor Jurdico da Taba Transportes Areos da Bacia Amaznica, de 1980 a 1982.

Tenho algumas lembranas fortes de meu pai. Ele saindo de casa com material para fazer a greve dos bancrios. Depois, quando um amigo me levou ao lugar onde ele estava escondido, s vsperas de ser preso. Depois de duas horas de despistamento, chegamos e meu pai me disse: no sei o que vai acontecer comigo; cuide de sua me e de seus irmos e, se puder, fique no Colgio Militar porque l mais seguro. E, muito depois, quando terminei o curso de direito e ele me deu o anel dele na formatura. Ele tinha apego quele anel. Os homens da gerao dele so muito duros, mais afeitos ao positivismo e sem acesso ao inconsciente e s emoes. Tristo jamais fala de seus problemas pessoais, ansiedades ou fraquezas. uma pessoa que exercita as emoes atravs do trabalho. Ele gosta muito de pensar e estudar, tem voracidade de aprendizado e a sua sociabilidade vem de uma regra: preciso conviver com o mundo. A postura de luta do Tristo tem reflexos na minha vida. Quando eu estava na universidade e os professores faltavam demais, mandei um telegrama para o Ministro da Educao, Jarbas Passarinho, reclamando. Era a ditadura, ainda, mas surtiu efeito e professores foram contratados. Mais tarde, j trabalhando, participei do movimento em torno da constituinte, para criar um modelo poltico para o Ministrio Pblico, dedicado transformao social. Fizemos com que os colegas contribussem financeiramente, montamos uma base em Braslia e o texto final ficou muito bom.

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Fernando Olinto Henriques FernandesMdico.

Os derrotados em 1964 foram lutadores, tinham uma agenda para incluir os trabalhadores na vida social. Tenho admirao por eles. Quando deixei de ser criana, virei um jovem idealista e pretendia lutar melhor. Uma das caractersticas da nossa famlia vem claramente do Tristo: ns aprendemos a viver sem medo. A influncia da sua viso humanista na minha carreira clara. Logo que me formei como mdico, ia s comunidades nos morros para prestar atendimento s pessoas. Depois, fui o primeiro mdico brasileiro a fazer parte da organizao Mdicos Sem Fronteiras: passei dois anos na tribo dos ianomami cuidando de um surto de malria e fui para reas de conflito como Ruanda e Sri Lanka. A vivncia com o Tristo estava presente quando dei entrada a um fotgrafo no quarto de hospital onde estava ferido o capito da bomba no Riocentro. Tristo reconstruiu a vida em Ponta Por, depois veio para o Rio e refez a vida de novo. Pouca gente tem a capacidade de se reerguer assim e refazer a cabea: a pessoa tem que ter uma estrutura psicolgica para ir em frente, no ter iluses. Ele sempre foi um idealista ligado s questes da democracia no Brasil. Um advogado militante. E um pai muito tranqilo, na dele, que cuidou bem da famlia e dos filhos e que, hoje, gosta de conviver com a famlia e de cuidar dos netos.

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Fernando Humberto Henriques FernandesEmpresrio. Graduado em direito.

Quando houve o golpe eu tinha sete anos e nem soube da priso do meu pai, porque no aconteceu em casa. S fui saber anos depois. A influncia maior do Tristo sobre mim que eu me interesso muito pela poltica, pelos direitos dos cidados. Todos os dias leio dois jornais, mais dois pela internet, leio duas revistas semanais e ainda vejo a CNN, a BBC e o Jornal Nacional.

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Fernando Augusto Henriques FernandesAdvogado criminalista, companheiro de Fernando Tristo Fernandes em seu escritrio.

Tristo acorda todo dia antes das quatro da manh, sai para caminhar, volta com o sol nascendo e, antes de comear a trabalhar, fica provocando rudos em casa, para que todo mundo acorde tambm: uma mquina de trabalho e de disciplina. Um intelectual que tem a coragem, sim, de encarar a autoridade e o perigo, mas tambm a sabedoria de usar vrias formas de luta. Meu pai me incentivou desde o primeiro momento. Apenas um dia depois de tirar minha carteira de estagirio da OAB, por exemplo, ele j me permitiu fazer parte de uma sustentao oral no Tribunal Superior Militar, em que dividimos o tempo, pleiteando a liberao de fitas de udio dos julgamentos polticos dos anos 70. Depois, ia comigo a Braslia para que eu pudesse sustentar oralmente nos tribunais superiores. Quando me formei, com mais de dez sustentaes no Superior Tribunal de Justia e umas doze no Supremo Tribunal Federal, ele brincou: ainda bem que voc se formou, assim no preciso mais acompanh-lo a Braslia. Almoo todos os dias de semana com ele, sempre que nenhum de ns tem compromisso com cliente. Nestas oportunidades nos abeberamos um do outro. A