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"Quereis ouvir, senhores, um helo conto de amor e morte' É de Tristáo e de /solda, a rainha. Oui i como em alegria plena e grande afliçào eles se amaram, depois morreram no mesmo dia. ele por ela ela por ele. Ao> tempos antigos, o rei Marcos reinava na Comualha .. "

Tristão e Isolda

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História clássica de amor entre o cavaleiro Tristão e a princesa Isolda

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  • "Quereis ouvir, senhores, um helo conto de amor e morte' de Tristo e de /solda, a rainha.

    Oui i como em alegria plena e grande aflio eles se amaram, depois morreram no mesmo dia. ele por ela ela por ele.Ao> tempos antigos, o rei Marcos reinava na Comualha .. "

  • ORomance de

    B,osepb JLJdier

    TRADUOLUIS CLUDIO DE CASTRO E COSTA

    REVISO DA TRADUOMONICA STAHEL

    Martins FontesSo Paulo 2001

  • Tkmto original L t ROUA \ P t IRIS7A\ l f /SEUT Cop\n%ht O Herdeiros Bedier

    Cop\riftht f Lnton C m rate d Lditior t, 9 $ l Copyright O Livraria Martins Fonte* Editora l hi* ,

    So Paulo, 19B8 para a presente ed io

    1# edioj o s to de /9HH

    2* edio fanetro de /995

    4* tiragemm aro de 2001

    Reviso graficaMaria C eclia de Moura Ma iras

    Dirceu A Scali Jr Produo grafica

    G eraldo Alves Capa

    AJt xwtre M ijrtutsh tc Ilustrao

    Como a rainha fu'Ida liherta Tristo da prtsao onde o rei M an mandara encerr-lo

    M estre Lucas, miniatura do s* r. X\ C kannli\

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao tf IPl (C amara Brasileira do LKm SP, Brasa!)

    O Romance de Tristao e Isolda / Josepb Bedier editor prefcio Je Gastn Pans; (traduo Luis Claudio de Castro c ( osla). Sao Paulo : Martin* Fontes, 199 ^ < Coleo Gandhara)

    ISBN 85 336-0355-X

    1. Folclore I. Bdier. Joseph. 186-i 1938 ll Serie

    94-4246 ___________ CDD- 398 22

    Indices para catalogo sistemtico:1. Lendas : Literatura foklrica 398 21

    Todos os direitos para o brasil reservados a Livraria Martins Fontes Editora Ltda.

    Rua Conselheiro Ra malho, 330 340 01325-(XX) So Paulo SP brasil

    T eU 11) 239-3677 Fax ( 11) 3 J 05-6867 e-m ail: info(q murtinsfontesxom

    http:HwwM.marnnsfonies.com

  • ndice

    Prefcio............................................................................ X

    I. As infncias de Tristo................................... 1II. O Morholt da Irlanda...................................... 9

    III. Em busca da Bela dos cabelos de ouro..... 17IV. O filtro................................................................. 29V. Brangien entregue aos servos...................... 33

    VI. O grande pinheiro............................................ 39VII. O ano Frocin................................................... 49

    VIII. O salto da capela............................................. 35IX. A floresta do Morois........................................ 93X. O eremita Ogrin............................................... "73

    XI. O Vau Arriscado............................................... 79XII. O julgamento pelo ferro em brasa.............. 87

    XIII. A voz do rouxinol............................................ 93XIV. O guizo marav ilhoso....................................... 99XV. Isokla das Brancas Mos................................ l()3

    XVI. Kaherdin............................................................. 111XVII. Dinusde ldan.................................................

    XVIII. Tristo louco.....................................................XIX. A morte...............................................................

  • Ao meu caro du Tertre, homenagem filial

    Joseph lidier

  • i

  • Prefcio

    Tenho o prazer de apresentar aos leitores o mais recente dentre os poemas que a admirarei lenda de Tris t o e Isolda fez nascer. Na verdade, um poema, embora seja escrito numa prosa M a e simples Joseph Bdier o digno continuador daqueles que tentaram verter, no leve cristal da nossa lngua, o nctar em- hriagador pelo qual os amantes das Comualbas outro r a saborearam o amor e a morte. Para recontar a maravilhosa histria de seu encantamento, suas alegrias. suas penas e sua morte, tal como, sada das profundezas do sonho cellico. ela encantou e fxjrtur- bou a alma dos franceses do sculo \/l. ele reconstituiu. por forca de imaginao simptica e enuhco pai iente. acfuela alma. que mal acabava de se desa- tuu iar. ainda i uexfieneute de ssas emooes desconhecidas. deixando se invadir por essas emooes sem pensar em analisei las, e adaptando, sem o conseguu totalmente, o conto ijue a encantava s condies de sua existncia cotidiana Se nos tivesse chegado s mos uma redao francesa completa da lenda, Pt dier, para dar a conhec-la aos leitores contemporneos, ter se ia limitado a fornecer uma traduo Jiel. O destino singular, que quis que ela nos chegasse apenas em fragmentos esparsos, obrigou-o a assumir um papel mais ativo, para o qual no bastava ser um

    w

  • sbio, mas era preciso ser um poeta. Romances de Tristo de Cbrestien de Troves e de La C hvre. cuja existncia conhecemos e que deviam ser todos muito extensos, pereceram inteiramente. IX) de Heron/, res tam-nos cerca de trs mil versos o mesmo se diga quanto ao de Ih ornas. de um outro, annimo, mil e quinhentos versos. Alm disso, so tradues estrangeiras, trs das quais nos oferecem a obra de Jbomas de maneira bastante completa quanto ao contendo mas no quanto forma I ma delas nos aprest nta um poema muito semelhante ao de Heron l aluses as tezes muito preciosas, pequenos poemas epis enfim, o indigesto rom ance em prosa consert ados, em meio a um conjunto cot santemente engrossado pelos sttcess guns destroos de velhos poemas pe deria fazer, diante desse amontoado de e para restaurar um dos edifcios di via dois caminhos a seguir apegar se ou a ou a Broul. o primeiro caminho apn tagem de conduzir com segurana graas s tradues estrangeiras, reconstituio de uma narrativa completa e homognea. Havia o inconveniente do re constituir o menos antigo dos poemas de Tristo aquele em que o velho elemento brbaro foi comple lamente assimilado ao esprito e as obras da socieda

    ma.S (>pL9dioos eosa t>m que so0 CVIflOat>. inces-Y)S re'datores. al-lide)S Qm? se po-fo ale esi >ms.ttOinr>* t tos. Ha-

    ( a fhoitfl&Snjsm1,11 l 11 a a ta n -

    de cavalheiresca anglo francesa Bdierpreferiu o se gundo caminho, muito mais difcil e. por isso m esm o , mais tentador para a sua arte e para o seu saber, e tambm mais conveniente ao objetivo a que sepropu nha: fazer reviver para os homens do nosso tem/>o a lenda de Tristo sob a mais antiga Jrma de que se revestira, ou, pelo menos, que nos fora dado alcanar na Frana. Comeou ento por traduzir, com a maior fidelidade possitel, o fragmento de Beroul que chegou at ns e que ocupa praticamente o centro da na n a ti va. Fendo se deixado penetrar [mio espirito do antigo narrador, assimilando sua maneira ingnua de sentir, seu modo simples de pensar, ate o emhara

    X

  • o par vezes infantil de sua exposio e a graa nm tanto desajeitada de sen estilo, ele refez para aquele tronco uma cabea e membros. no por uma fusta- posio mecnica. mas por uma espcie de regenerao orgnica, tal como acontece com os animais que, mutilados, readquirem, por sua Jora interior, sua forma perfeita.

    Sabe-se que essas regeneraes sao tanto mais hem sucedidas quanto menos definitivo e menos de- senvolrido e o organismo. Ura. de fato. o caso de B- roul. Assimilara elementos de qualquer proven inc ia. s vezes bastante dspares, disparidade que no o chocava nem incomodava, j que frequentemente os fazia passar por uma espcie de acomodao que bastara fiara lhes conferir uma homogeneidade su- perficial. Assim. Broul moderno pde proceder da mesma forma, exceto quanto a lhes acrescentar em seleo e bom gosto. No fragmento annimo que d continuidade ao fragmento de Broul. na traduo alem de um poema semelhante ao de Broul, em Thomas e seus tradutores, nas aluses e nos poemas episodic os, no prprio romance em prosa. Joi buscar elementos fiara poder manter, no trecho consertado, um meio e um Jim. sempre procurando, entre as mltiplas variantes do conto, aquela que mais convinha ao esprito e ao tom do fragmento autentico, hm cguida e a esta o esforo mais engenhoso e mais

    delicado da sua arte tentou dara todos esses pedaos esparsos a forma e a cor que Broul lhes teria dado l.u no juraria ifitc ele no tivesse escrito todo o fjoema em versos to semelhantes quanto fxjssiirel aos de Broul. para em seguida traduzi-los em francs moderno, com tanto cuidado quanto o que tu eiacom o s tres mil versos consentidos. Se o velho fioela voltasse hoje eprocurasse saber o que tinha acontecido com sua obra, fic aria maravilhado ao ver com que carinho, com que inteligncia, com que trabalho e xito ela foi retirada do abismo, sobre o qual apenas um destroo flutuava, e reconstituda ainda

    VI

  • mais completa. sem tlrida, mais brilhante e mais rira cio que a lanara antes.

    Portanto, o Urro cie Bdier contm um poema francs da metade do sculo MI, mas composto no fim do sculo XIX. Assim tambm era conteniente apresentar aos leitores modernos a historia de Tristo e Isolda, j que fora tomando a roupagem francesa do sculo XII que ela no passado, apoderara-se de todas as imaginaes, j que todas as formas de que essa histria se revestiu, desde ento remontam a es sa primeira form a francesa, pois remos fo n osa menteTristo sob a armadura de um cavaleiro e Isolda no longo restido das esttuas de nossas catedrais \Ias essa roupagem francesa e cavalheiresca nao a nnt pagem primitiva. Adequa-se aos nossos heris tanto quanto aos da Grcia e de Roma que a Idade Media igualmente paramentara Percebe-se isso em mais de um trao consert ado pelos adaptadores liroul principalmente. que se orgulha de haver apagado alguns vestgios da barbrie primitiva, deixou que dela sub sistissem muitos deles. O prprio tbomas observador mais cuidadoso das regras da cortesia, nao deixou de nos revelar aqui e ali estranhas perspectiva^ obre o verdadeiro carter de seus heris e do meio onde eles se movimentam Combinando as indicaes as vezes bem fugidias dos narradores franceses, t fregase a entrever o que pode ter sido entre os celtas, esse poema selvagem, totalmente acalentado pelo mar e envolvido pela floresta, cujo beri. um semideas, mais do que um homem, era apresentado como o se nhor ou mesmo o inventor de todas as arles barba ras. matador de cert os e de javalis, perito decepador de caas, lutador e acrobata incomparvel, navega dor audaz, hbil entre todos os demais em fazer vibrar a harpa e a rota, sabendo imitar, a ponto de iludir, o canto de todos os pssaros, e. com isso. natu ramente, invencvel nos combates, domador de monstros, protetor de seus seguidores, implacvel com

    XII

  • seus inimigos, vivendo uniu vicia quase sobre-humana. objeto de constante admirao, de devotamento e de inveja Certa mente, esse tipo formou-se h muito tem/x) no mundo cltico. dizia-se que ele se completava fx*lo amor

    \ao preciso repetir aciui qual . na lenda de Tris- tao ( Colda. o carter

  • de exceo, essa idia, que responde ao sentimento secreto de tantos homens e de tantas mulheres, tanto apoderou-se dos coraes quanto , aqui. purificada pelo sofrimento e como que consagrada fKla morte Em meio d fragilidade comum s afeie s humanas, s decepes renovadas que sofre a iluso sempre camhiante. o casal Tristo e Isolda. ligado desde o comeo por um vnculo misteriosa mente indissolvel, batido por todas as tormentas e a elas resistindo, ten tando inutilmente desprender se e finalmente carre gado num derradeiro e eterno abrao aparecia e ainda aparece como uma das formas desse ideai que o homem no se cansa de fa zer pairar acima do reiil. e cujos aspectos mltiplos e opostos no fxissam de manifestaes diversas de sua aspirao obstinada no sentido da felicidade Se essa form a e uma das mais sedutoras e das mais comoventev tamhi m uma das mais [perigosas: a histria de Tristo e Isolda instilou outrora, sem a menor duvida em nuas de uma alma. um veneno sutil: e ainda hoje. prefjarada pelo mg ico moderno que lhe acrescentou a fora do encantamento musical, a lx>bida de amor fxtr certo perturbou, ps a perder, talvez, mais de um atrao. Porm, no existe ideal cujo encanto no lenha \
  • de sua atividade, as paixes conservam toda a sita grandeza e sita M ez a , mas perdem muito de sua forca sugestiva. or Bdier. com seas trajes e comportamentos de amigamente, com seas modos de viver de sentir e de jalar meto barbaros meio medievais, sero para os leitores modernos a mio os pc,rsonagens de um velho vitral, de gestos rgidos de expresses ingenuas, de f i sionomas enigmticas Mas Jior trs dessa imagem, marcada felo sinete esfiecial de uma fxica. v-se, como o sol por tras do vitral, resplandecer a paixo, sempre idntica a si mesma, que a ilumina e a Jaz fulgurar inteiramente, llm eterno tema das meditaes do pensamento e dos tumultos do corao, representado por figuras cujo prprio arcasmo constitui o interesse, ai est todo o floema do renovador de Broul Ai j temos com que encantaros leitores curiosos ao mesmo tempo de histria e de poesia. Mas o que no pude dizer o que se descobrir com encanto na leitura dessa obra antiga, e a maravilha dos detalh es. a misteriosa bcleza mtica de certos episdios, a feliz inveno de outros mais modernos, o imprevisto das situaes e dos sentimentos, tudo o que fez deste (mema urna mistura nica de vetustez imemorial e de frescor sempre novo, de melancolia cltica e de graa francesa, de naturalismo poderoso e de fina psicologia. So tenho duvida de que ele ir encontrar entre os nossos contemporneos o xito que obteve junto (tos nossos antepassados do tempo das atizadas. Pertence de fato aquela literatura do mundo' de que falava Goethe. Tinha desaparecido por forca de uma ma sorte imerecida: elevemos set infinitamente gratos a foseph Bedier fior telo Jeito re iixt.

    Gastn Paris l 900

  • Conto X. G. Paris o exjxls com to boa pon ade, procurei evitar toda con/uso entre o antigo e o moderno. liscoimar os disparates, os anacronismos os exageros, verificar acuradamente o Vetusta scribenti nscio quo pacto antiquus fit animus nunca misturar nossas concepes modernas com as formas antigas de pensar e de sentir, esse foi o meu pro(x>sito meu esforo, e. sem dunda, infelizmente, minha qui mera. Meu texto, fxirrn. encena elementos muito va hados, e. se eu fosse indicar minhas fontes fx>rmeno rizadamente, tena de encher os mdafx s das paginas deste livrinho de tantas notas quantas Becq de Ion quieres colocou nos xx>sias de Andr Chnier Cero ao leitor. fxjlo menos, as indicaes gerais apresenta das a seguir Os fragmentos conservados dos a ututos poemas franceses Jora ni. em sua mal ra publicado s por Francisque Uichel I nstan, coletnea d< que resta dos poemas relativos a suas aventuras G an< chener, 18J5-1939T O captulo I de m>sso roma (As infancias de Tristn) Jeito de emprest irnos diversos fx>emas. mas. sobretudo, do poema de 7 mas. - Os captulos ll e III sao tratados secundo / /// d Oberq (edio Uchtenstein. Strasburgo. ls~S Para escrever o captulo l\ (O filtro). inspiramo

    todo o conjunto da tradicctc^^^^^^^K^^M narrativa de liilhart. Alguns trechos sao Gottfried de Strasburgo (ed U Golther. Perl ni r Suttgart. 1 8 8 8 ).- Captulo \ ABrangien entregue a os servos A segundo liilhart - Capitulo Vf (O grande pi nheiro). So me i o deste capitulo a chegada de Tolda para o encontro soh o pinheiro, comea o fragmento de Broul. que seguimos fielmente nos captulos \/1.

    i

    mas. sooretudo. naaai

    1 Indien aqui edices mais rcentes, que ta/em parte das su hlicaes da Socit des anciens textes franais (Paris Didoo: 1 tr Romani de Inslan. por Brou, puhlicado ;x>i lanest Muret. ! \ol. in-8, 190a - 1 Le Roman de Tristan por Thomas, imvadoi an.elo- nonnando do seculo XII. puhlicado por Joseph Berlier. 1 vol in X 1903 e 1905 - Les deux pom es de Tristan fou . puhlicados por Joseph Bcher, l vol. in-x . 190K.

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  • 17//. IA. A. \/ modificando cufui e acol a narrativa em vista do fxivma de Hilbart. - Cafund XII (O julgamento pelo ferro em brasa/. Resumo muito Urre do fragmento anmitno que se segue ao fragmento de Broid. Captulo \//l (\ voz do rouxinol/. Inserido em s e g u n d o um poema didtico do sculo XIII, o Domnei d es Amanz. Capitulo AVIVO guizo maravilhoso/ /irado de Gottfried de Strasburgo, - Captulos \ l VI // ( )s episodios de Kariado e de Tristo leproso suo tomados fx>r emprstimo a Tbomas: o restante tratado. de modo geral, segundo Hilbart. - Captulo XMU fTristo louco/. Remanejamenlo de um peque- no poema francs, epistdico e independente. - Captulo XIX (A morte/. Traduzido de Ibomas: tomam-se por emprstimo episdios Hilbart e ao romance em prosa francesa contido no ms. 103 do fonds frana is da Bibliotbque Xationale.

    J l

  • I)n waerest zwre baz genant: luretitc M e et Ia riant!

    Goufricd dc* Strusburgo

    Q uereis ouvir, senhores, um belo conto de amor e de morte? de Tristo e solda, a rainha. Ouvi corno em alegria plena e em grande aflio eles se amaram, depois morreram no mesmo dia, ele por ela, ela por ele.

    Em tempos passados, o rei Marc reinava nas Cor- nualhas. Ao saber que seus inimigos lhe faziam guerra. Rivalen, rei de Loonnois, transps o mar para levar-lhe ajuda. Serviu-o pela espada e pelo conselho, como teria feito um vassalo, to fielmente, que Vlarc lhe deu em recompensa a bela Blanche- fleur, sua irm. que o rei Rivalen amava com um amor maravilhoso.

    Ele desposou-a no mosteiro de l intagel. Mas assim que a esposou chegou-lhe a noticia de que seu velho inimigo, o duque Morgan, ao atacar Loonnois, arruinava seu s burgos, seus campos, suas cidades. Rivalen equipou suas nau.s s pressas e levou Blan- chellem que estava gravida, para sua terra distante. Aportou diante do seu castelo dc* Kanol, confiou a rainha a guarda de seu marechal Rohalt. que, poi sua lealdade, todos chamavam por um belo nom e. Rohalt, o Defensor da F; depois, tendo reunido seus bares, Rivalen partiu para lazer sua guena.

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  • Blanchefleur esperou-o por muito tempo. Infelicidade! Ele no regressaria. Certo dia. ela soube que o duque Morgan o matara traio. No o chorou: nem gritos, nem lamentos, mas seu s membros tornaram-se fracos e inteis; sua alma quis. com forte desejo. desprender-se do seu corpo. Rohalt esforava- se por consol-la:

    - Rainha - di/ia ele , nada se pode ganhar com lutos e mais lutos; no devem morrer todos os que nascem? Que Deus receba os mortos e preserve os vivos!...

    Porm ela no quis escut-lo. Por trs dias esperou poder reunir-se ao seu caro senhor No quarto dia, deu luz um filho e. segurando-o nos braos, disse-lhe:

    - Filho, por muito tempo desejei ver-te. e \eto a mais bela criatura que mulher alguma jamais

  • a cumprir .1 palavra dada; ensinou-lhc diversos modos de canto, .1 tocar harpa c* a arte do caador; e, quando o menino cavalgava entre os jovens escudeiros, dir-se-ia que seu cavalo, suas armas e ele formavam um s corpo e nunca antes tinham sido separados Ao ve lo lao nobre e to altivo, ombros largos, quadris estreitos, forte fiel e valente, todos elogiavam Rohalt por ter um filho assim. Mas Rohalt, pensando em Rivalen e em Blanchefleur, cuja juventude e graa nele reviv iam, amava Tristo como seu filho, e secretamente o reverencia como seu senhor.

    Ora, aconteceu que toda a sua alegria lhe foi arrebatada no dia em que mercadores da Noruega, atraindo Tristo para a nau deles, levaram-no como uma bela presa. Enquanto singravam os mares rumo a terras desconhecidas, Tristo se debatia, como um pequeno lobo preso numa armadilha. Mas verdade comprovada e todos os marinheiros o sabem: o mar carrega de m vontade as naus traidoras, e no d ajuda aos raptos nem s traies. Revoltou-se furioso, cobriu de trevas a nau e a lanou por oito dias e oito noites ao acaso. Finalmente, os marinheiros perceberam atravs da bruma uma costa eriada de falsias e de arrecifes onde o mar queria arrebentar a sua quilha. Arrependeram-se: sabendo que o dio do mar advinha daquela criana em m hora sequestrada, fizeram promessas de solt-la e prepararam um barco para deposit-la na margem, em terra. Logo amainaram os ventos e as vagas, o cu brilhou e, enquanto a nau dos noruegueses desaparecia ao longe, as ondas acalmadas e sorridentes levaram o barco de lristo as areias cie uma praia.

    Tom muito esforo, ele* subiu sobre o rochedo c viu que, para alm de uma terra deserta e cheia de vales, uma floresta se estendia inteiminavelmcnte. I.amentava-se. com saudades de Gorvenal, de Rohalt. seu pai, e da terra de Loonnois, quando o tudo distante de uma caca com cornetas e caes alegiou

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  • seu corao. Na borda da floresta, um lx*lo cervo desembocou. A matilha de ces e os caadores desc iam ao seu encalo com grande barulho de vozes e cornetas. Mas, como os ces de caa j se dependura- vam em pencas ao couro do seu cachao, o animal, a poucos passos de Tristo, dobrou a> pernas e rendeu-se ao desespero. l Tm caador matou-o com o chuo. Enquanto os caadores, formados em crculo, tocavam as cornetas anunciando a presa, Tristo, espantado, viu o caador-chefe talhar fundo o pescoo do cervo, como para decep-lo. Ele exclamou:

    - Que ests fazendo, senhor? 1 certo decepar um animal to nobre como se fosse um porco estrangu-lado? E costume deste pas?

    - Amigo - respondeu o caador o que estou fazendo que possa te causar surpresa? Sim, primeiro separo a cabea deste cervo, depois retalho seu c apo em quatro quartos, que levaremos pendurados nos ares de nossas selas para o rei Marc n< >sso senhor. Assim fazemos; assim, desde a p

  • Mas Tristo. que sabia falar e calar, respondeu com astucia:

    - No, senhor, meu pai um mercador. Deixei secretamente a sua casa em uma nau que partia para mere adejar por terras distantes, pois eu queria aprender como se comportam os hom ens dos pases estrangeiros. Mas, se o senhor me aceita entre seus caadores, segui-lo-ei de bom grado e ensinar-lhe-ei, belo senhor, outros divertimentos da arte da caa.

    Belo Tristo, admiro-me de que haja uma terra onde os filhos dos mercadores sabem o que ignoram. em outros lugares, os filhos dos cavaleiros. Mas vem conosco, se assim o desejas, e s bem-vindo. Levar-te-emos at o rei Marc, nosso senhor.

    Tristo acabava de desmanchar o cervo. Deu aos caes o corao, a calx;a e as entranhas, e ensinou aos caadores como se deve fazer a ceva e os intestinos. Fm seguida espetou em forcados os pedaos bem divididos e entregou-os aos diferentes caadores: a um a cabea, ao outro o lombo e os grandes fils; a estes as ps. queles as pernas, a este outro os msculos das coxas. Ensinou-lhes como deviam se emparelhar dois a dois para cavalgar em bela ordem, segundo a nobreza das peas de veao arrumadas nos forcados.

    Ento, puseram-se a caminho conversando animadamente, at que divisaram finalmente um rico castelo. Prados o cercavam, pomares, aguas de nascentes. lugares para pescarias e terras de cultivo. Numerosas naus entravam no porto. O castelo elevava-se diante do mar, forte e belo. bem guarnecido contra q u a lq u e r assalto e contra todos os engenhos de guerra; e sua torre principal, outrora erguida pelos gigantes, era construda com blocos de pedra, glandes e bem talhados, dispostos como um tabuleiro dt_sinople e de azul.

    Tristo perguntou o nome daquele castelo.Belo jovem, chamam-no Tintagel.

    - Tintagel - exclam ou Tristo bendito sejas tu.e benditos sejam teus habitantes!

  • Senhores, fora l que outrora, com grande alegria, seu pai Rivalen havia des posado Blanehefleur. Mas Tristo o ignorava.

    Quando chegaram ao pe do torreo, as fanfarras dos caadores atraram s portas os bares e o prprio rei Marc.

    Depois que o caador-chefe contou-lhe a aventura, Marc admirou a bela equipagem daquela cavalga da, o cervo bem desmembrado, e o grande sentido dos costumes da arte de caar com c es amestrados Mas ele admirava sobretudo o belo menino estrangeiro, e seus olhos no podiam dele se afastar. De onde lhe vinha aquela ternura primeira? O rei interrogava seu corao e no podia compreende i senhores, era o seu sangue que se emocionava e talava dentro dele e o amor que outrora ele votara sua irm Blanehefleur.

    A noite, quando as mesas foram retiradas, um me- nestrel gals, mestre na sua arte. adiantou-se por entre os bares reunidos e cantou trovas de harpa. Tristo estava sentado aos ps do rei e. como o harpista prekidiasse uma nova melodia, Tristo tal rilhe assim:

    Mestre, essa trova lx*la entre todas outrora os antigos bretes compuseram-na para celebrar os amores de Graelent. A melodia doce. e dcxes so as palavras. Mestre, tua voz hbil, harpeja-a Ixth'

    O gals cantou, depois respondeu: Menino, o que sabes ento da arte dos instru

    mentos? Se os mercadores da terra de L

  • Pilho disso cie finalmente bendito seja o mestre que te ensinou e bendito sejas tu! Deus ama os bons cantores. A voz deles e a voz da sua harpa peneiram no corao dos homens, despertam suas lembranas mais taras e fazem-nos esquecer muita tristeza e muito malefcio. Para nossa alegria vieste a esta morada. Pit a muito tempo perto de mim, amigo!

    - Com prazer, servir-vos-ei, sire - respondeu Tris- to como vosso harpista, vosso caador e vosso vassalo.

    Assim fez ele, e, no correr de trs anos, medrou em seus coraes uma ternura mtua. Durante o dia, Tristo acompanhava Marc s audincias ou caa e, noite, como ocupasse para domiir o aposento real entre os ntimos e os fiis, se o rei estivesse triste. ele tocava harpa para mitigar seu desalento. Os bares queriam-lhe bem e, mais do que todos, como a histria mostrar, o senescal Dinas de Lidan. Porm, com mais ternura do que os bares e do que Dinas de Lidan. o rei amava-o. Apesar de sua ternura, Tristo no se consolava por ter perdido Rohalt, seu pai, e seu mestre Gorvenal, bem como a terra de Ltxmnois.

    Senhores, o contador que quer agradar deve evitar as histrias demasiado longas. A matria deste conto to bela e to diversa: de que servira alongado? Direi jx)is, de modo breve, corno, aps ter vagado durante muito tempo por mares e pases. Ro- halt. o Defensor da F, aportou nas Comualhas, reencontrou Tristo e, mostrando ao rei o carbnculo por ele dado um dia a Blanchefleur como preciosopresente de npcias, disse-lhe:

    Rei Marc, este aqui I risto de Loonnois, vosso sobrinho, filho de vossa irm Blanchefleur e do ici Rivalen. O duque Morgan governa sua terra muito injustamente; hora de ela voltar ao seu herdeiro de direito.

    P direi em poucas palavras como I ristao, tendo recebido de seu tio as armas de cavaleiro, transps o

    7

  • mar nas naus das Cornualhas, fez-se reconhecer pelos antigos vassalos de seu pai, desafiou o assassino de Rivalen, matou-o e recuperou sua terra.

    Depois ele imaginou que o rei Marc no podia mais viver feliz sem ele e, com o a nobreza de seu corao sempre lhe revelasse o partido mais sbio a adotar, convocou os seus condes e seus bares e falou-lhes assim:

    - Senhores de Loonnois, reconquistei este pais e vinguei o rei Rivalen com a ajuda de Deus e com a vossa ajuda. Assim, devolv ao meu pai seu direito. Mas dois homens, Rohalt e o rei Marc das Cornualhas, ampararam o rfo e o menino errante, e tambm devo cham-los de pais; a eles, da mesma maneira, no devo por acaso devolver seu direito' Ora. a um homem eminente duas coisas pertencem sua terra e seu corpo. Assim, pois. a Rohalt, que aqui es t, deixarei minha terra: pai, govem-la-eis e vosso filho govern-la- depois de vs Ao rei Marc. deixarei meu corpo; sairei deste pas, embora ele me seia muito caro, e irei servir ao meu senhor Marc nasCornualhas. Esse o meu pensamento; mas sois meus fiis amigos, senhores de Loonnois, e deveis me aconselhar; se ento um de vs quiser apresentar-me uma outra resoluo, que se levante e fale'

    Mas todos os bares louvaram-no com lgrimas, e Tristo, levando consigo somente Gorvenal. rumou para a terra do rei Marc.

  • //. O Morholt da Irlanda

    Tristrem seyd ) tris. )iril defende it as knizt".

    sir Tristrem

    Q uando Tristo para l voltou, Marc e toda a sua baronia estavam mergulhados em grande pesar. Pois o rei da Irlanda havia equipado uma frota para devastar as Comualhas, se Marc continuasse se recusando. como vinha fazendo havia quinze anos. a pagar um tributo outrora pago por seus antepassados. Ora, sabei que, segundo antigos tratados, os irlandeses podiam arrecadar, nas Comualhas, no primeiro ano trezentas libras de cobre, no segundo ano trezentas libras de prata fina e. no terceiro, trezentas libras de ouro. Mas, quando chegava o quarto ano, e le s levavam trezentos moos e trezentas moas, com a idade de quinze anos, sorteados entre as famlias das Comualhas. Ora. naquele ano, o rei tinha enviado a Tintagel, para levar sua mensagem, um cavaleiro gigante, o Morholt, cuja irma ele havia des- posado e a quem ningum jamais pudera vencer em combate. O rei Marc, porem, por cartas com timbre oficial, havia convocado a sua corte todos os baresde sua terra, para ouvir seu parecer.

    \a data marcada, quando os bares ieuniram-se na sala do trono do palcio e Marc tomou assentosob o dossel, o Morholt falou assim:

    - Rei Marc, ou pela ltima ve/ o mandamento

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  • do rei da Irlanda, meu senhor. Admoesta-te a pagar enfim o tributo que lhes deves. Pelo fato de o teres recusado por demasiado tempo, exige que me entre gues neste dia trezentos mocos e trezentas mocas, com idade de quinze anos. sorteados entre as famliasdas Cornualhas. Minha nau, ancorada no porto de Tintagel, lev-los- para serem nossos servos. No entanto - e, como convm, s fao exceo a ti, rei Marc se algum dos teus bares quiser provar por combate que o rei da Irlanda no tem o direito de arrecadar este tributo, aceitarei tua prova. Qual dentre vs, senhores cornualheses. quer combater pela libertao deste pas?

    Os bares entreolharam-se furtivamente, depois baixaram a cabea. Este dizia consigo mesmo C onsidera, desgraado, a estatura do Morhoit da Irlanda mais forte do que quatro homens robust s. Olha a sua espada: ento no sabes que por magia ela faz voar a cabea dos mais ousados campees, en tantos anos que o rei da Irlanda manda esse gigante lanar seus desafios pelas terras vassalas? Intelz queres encontrar a morte? Para que tentar a Deus? Aquele outro imaginava: Eu vos criei, caros filhos, para os servios escravos, e vs. caras filhas, para o s de mu-Hieres da vida? Mas minha morte nao vos salvaria

    E todos se calavam.O Morhoit continuou dizendo:- Qual dentre vs. senhores cornualheses, quer

    aceitar minha prova? Ofereo-vos uma bela batalha, pois daqui a trs dias alcanaremos em barcos a ilha Saint-Samson. ao largo de Tintagel. L, o vosso cavaleiro e eu combateremos, s nos dois, e o louvor por ter tentado a batalha refletir-se- sobre toda a famlia.

    Eles continuavam calados, e o Morhoit parecia o gerifalte que fecham numa gaiola junto com pequenos pssaros: quando ele entra, todos ticam mudos.

    O Morhoit falou pela terceira vez:- Ento, belos senhores cornualheses, j que este

    partido vos parece o mais nobre, sorteai vossos ti-

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  • Ihos e lev-los-ei! Mas eu no acreditava cjue este pas fosse habitado s por escravos.

    Ento Tristo ajtx*lhou-se aos ps do rei Marc e disse:

    - Senhor rei. se quiserdes conceder-me essa ddiva, eu combaterei.

    I m vo o rei Mart quis dissuadi-lo. Ele era um jovem cavaleiro: de que lhe servira seu denodo? Mas Tristo deu seu assentimento ao Morholt e o Morholt aceitou-o.

    No dia aprazado, Tristo colocou-se sob uma colcha de cendal vermelho e se fez armar para a grande aventura. Vestiu a loriga e o elmo de aco polido e brilhante. Os bares choravam de compaixo pelo destemido e de vergonha por eles mesmos. 'Ah! Tristo - diziam eles entre si corajoso baro, bela juventude, por que no fui eu e no tu quem empreendeu essa batalha! Minha morte causaria menos luto sobre esta terra!...'' Dobram os sinos, e todos, os da baron ia como os da raia mida, velhos, crianas e mulheres, chorando e rezando, acompanham Tristo at a praia. Ainda esperavam, pois a esperana no corao dos homens vive de magro sustento.

    Tristo subiu sozinho num barco e navegou a toda vela rumo Ilha de Saint-Samson. Mas o Morholt havia iado em seu mastro uma vela de rica prpura e chegou primeiro ilha. Amarrou sua embarcavao na praia, at) passo que Tristo, aportando por suavez, afastou com o p a sua para o mar.

    Vassalo, que fazes? - disse o Morholt. - E portjue nao seguraste como eu tua embarcao p< > imuamarra?

    Vassalo, para qu?- respondeu Tristo. - So um de ns voltara vivo daqui: no le basta uma unira

    E ambos, animando-se para o combate com palavras injuriosas, em brenharam -se na ilha

    Ningum viu a violenta batalha; mas, por tlcS zes, pareceu que a brisa do mar trazia a praia um

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  • grito furioso. Ento, em sinal de luto, as mulheres batiam palmas em coro, e os companheiros do Mor holt, amontoados parte diante de suas tendas, riam Finalmente, l pela hora de noa, viu-se ao longe a vela prpura iada; a barca do irlands largou da ilha, e um clamor de angstia ecoou pelos ares: O Morholt! O Morholt! Mas, como a barca crescesse, de sbito, na crista de uma vaga, mostrou-se um cavaleiro de pe na proa; cada um dos seus punhos brandia uma espada: era Tristo. Logo vinte b arco s voaram ao seu encontro e os mocos lanaram se a gua para nadar. O bravo saltou para a praia e. enquanto as mes. de joelhos, beijavam seus cales de ferro, gritou para os companheiros do Morholt

    - Senhores da Irlanda, o Morholt combateu muito. Vede: minha espada est com b re ch a s , um tragmen- to da lmina ficou encravado no crni > de!e Levai esse pedao de ao. senhores e o tributo cios cornua- lheses!

    Ento ele subiu ao Tintagel. A sua passagem, as crianas libertadas agitavam ramos verdes, em altos brados, e ricos tecidos eram estendidos nas janelas. Mas. quando entre os cnticos de alegria. dobre dos sinos, o barulho das trompas e das buzinas, tao ensurdecedores que nao se teria ouvido Deus troce- jar, Tristo chegou ao castelo, desalaou entre os hra- os do rei Marc. O sangue corria de suas ferid as

    Com grande pesar, os companheiros d Morholt desembarcaram na Irlanda. No fazia muito tempo quando voltava ao porto de Weisefort. o Morholt re jubiiava-se ao rever seus h o m e n s reunidos que o aclamavam em multido, e a rainha, sua irm, e sua sobrinha, solda, a Loura, a dos cabelos de ouro, cuja beleza brilhava como a aurora que se levanta. Ternamente elas o acolhiam e, se ele tivesse recebido algum ferimento, elas o curavam; p ois conheciam os blsamos e bebidas que reanimam os leridos j quase morte. Mas de que lhes serva riam agora as receitas mgicas, as ervas colhidas na hora certa, os til-

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  • tros? I It* jazia morto, costurado num couro de cervo, e o fragmento da espada inimiga ainda cravado em seu crnio. Isolda, a Loura, o retirou para encerr-lo em um cofrezinho de marfim, precioso como um relicrio. F. debruadas sobre o grande cadver, a me e a filha, repetindo interminavelmente a louvao do morto e lanando sem descanso a mesma impreca- ao contra o assassino, mantinham por turno entre as mulheres as lamentaes fnebres. A partir daquele dia, Isolda, a Loura, aprendeu a odiar o nome de Tristo de Loonnois.

    Mas, em Tintagel, Tristo definhava: um sangue envenenado escorria duas suas feridas. Os mdicos verificaram que o Morholt enfiara em sua cara uma lana envenenada, e, como suas poes e as suas te- riagas no podiam salv-lo, confiaram-no aos poderes de Deus. Lm mau cheiro tao odioso exalava de suas chagas, que seus amigos mais queridos fugiam dele, todos, menos o rei Marc. Gorvenal e Dinas de Lidan. Somente eles podiam ficar a sua cabeceira; o amor que tinham superava seu horror. Finalmente, Fristo fez-se levar para uma cabana afastada, construda na praia; e. deitado diante das ondas, esperava a morte. F. pensava: 'Vs ento me abandonastes, rei Marc, a mim que salvei a honra tia vossa terra? No, sei que no, bom tio, sei que darieis a vossa vida pela minha; mas que podera a vossa ternura? preciso que eu morra. F doce, no entanto, ver o sol. e meu cora

  • da? Como um marinheiro, no curso cie uma longa travessia, lana por cima da amurada de bordo o c adver de um antigo companheiro, assim, com braos trmulos, Gorvenal empurrou para o largo a barca onde jazia seu querido filho, e o mar carregou o

    Sete dias e sete noites, carregou-o docemente. Ys vezes. Tristo tocava a harpa para iludir seu sofrimento. Por fim, o mar. sem que ele o soubesse, aproximou-o cie uma praia. Ora, naquela noite, pescadores tinham deixado o porto para lanar suas re des ao largo, e remavam, quando ouviram uma melodia muito doce. ousada e viva, que corria rente ,o ondas. Imveis, seus remos suspensos }>or sobre as vagas, eles escutavam; aos primeiros albores da aurora. perceberam a barca errante Assim - di/iam entre si uma msica sobrenatural envolv ia a nau de So Brendan, quando ela vogava rum- as ilhas Fortunes sobre o mar to branco quanto o leite. Remaram para alcanar a barca, ela ia deriv a, e nela nada parecia ter vida. a no ser a voz da harpa; porm, ao se aproximarem, a melodia enfraqueceu, cessou e. quando acostaram, as mos de Tristo tinham tornado a cair inertes sobre as cordan ainda frementes. Recolheram-no e voltaram para o porto a fim de confi-lo sua dama caridosa, que talvez soubesse cur-lo.

    Infelicidade! Aquele porto era Weisefort. onde jazia morto o Morholt. e a dama caridosa era Isolda, a Loura. Somente ela. hbil nos filtros, podia salvar Tristo; mas s ela, entre as mulheres, queria a mi- te dele. Quando Tristo, reanima do por sua arte, voltou a si, compreendeu que as ondas tinham-no lanado numa terra de perigo. Mas, ainda com coragem para defender sua vida. soube encontrar rapidamente belas palavras astuciosas. Contou que eia um trovador que viera num navio mercante; navegava para a Espanha a fim de l aprender a arte de lei nas estrelas, piratas tinham atacado a nau: ferido, ele Ingira naquela barca. Acreditaram nele; nenhum dos

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  • companheiros elo Morholi reconheceu nele o belo cavaleiro da ilha de Saint-Samson, to horrorosamente o veneno tinha deformado seus traos. Mas, quando aps quarenta dias Isolda dos cabelos de ouro quase o tinha curado, como nos seus membros abrandados ja comeasse a renascer a graa da juventude, ele compreendeu que era preciso lugir: escapou e, depois de passar por vrios perigos, eis que um dia reapareceu diante do rei Marc.

    i

  • HI. Em busca da Bela doscabelos de ouroEn Ix> d ore ros oi paie

    O la parole do cbevol, / )ont jo ai pms eii grand dot

    Lai de la folie, Tristao

    Havia na corte do rei Marc quatro bares, os mais desleais dos homens, que odiavam Tristo com dio de morte por causa de sua faanha e do terno amor que o rei lhe dedicava. E eu sei repetir os nomes deles. Andret, Guenelon, Gondoine e Denoa- len. ora, o duque Andret era. como Tristo, sobrinho do rei Marc. Sabendo que o rei pensava em envelhecer sem filhos para deixar sua terra a Tristao, a inveja deles exasperou-se e, por meio de mentiras, predispuseram contra Tristo os homens eminentes das Cornualhas:

    Quantas maravilhas na vida dele! diziam os traidores. - Mas sois homens de grande senso, senhores, (jue sabeis, sem dvida, as causas disso. Que ele tenha ganho do Morholt, a ja est um grande prodigio; mas por que magias pode ele, quase morto, vogai sozinho sobre o mar? Qual de nos, senhores. dirigira uma nau sem remos nem vela? Os mgicos podem faz-lo, o que dizem. Depois, em que pas de sortilgio pode ele achar remedio paia suas chagas? Certamente, ele um bruxo: sim, sua barca era fada e igualmente sua espada, e sua harpa encantada, vertendo a cada dia venenos no toia- vao do rei Marc! Como ele soube domar esse coraao

  • por fora e magia da feitiaria! Sera rei. senhores.
  • Vem-me, senhores, da Bela dos cabelos de ouro. duas andorinhas trouxeram-mo; elas sabem de que paus.

    O.s bares compreenderam que tinham sido ridicularizados e enganados. Olhavam para Tristao com despeito, pois desconfiavam ter sido ele quem acon- selh.ua aquele engodo. Mas Iristao, ao examinar o cabelo de ouro, lembrou se de fsolda. a Loura. Sorriu e falou assim:

    - Rei Marc, cas em grande erro; no vedes que as suspeitas destes senhores infamam-me? Mas em vo preparastes este ludibrio: irei em busca da Bela dos cabelos de ouro. Sabeis que a busca perigosa e que me ser mais difcil voltar do pas dela do que da ilha onde matei o Morholt; mas novamente quero arriscar por vs, bom tio, meu corpo e minha vida. Para que os vossos bares saibam se vos amo com amor leal, empenho minha f por este juramento: morrerei na aco empreendida, ou trarei para este castelo de Tintagel a Rainha dos cabelos louros.

    Fie equipou uma bela nau. que guarneceu de fm- mento, de mel e de todas as boas vitualhas. Mandou entrar nela, alm de Governai, cem jovens cavaleiros de alto bordo, escolhidos entre os mais ousados, e embuou-os de cotas de burel e de capas cie carne- lao grosseiro, de maneira que se parecessem com mercadores; mas, sob a coberta da nau, escondiam as ricas vestimentas de tecido de ouro, de cendal e de escarlate, que convm aos mensageiras de um rei poderoso.

    Quando a nau ps-se ao largo, o piloto pergun- tou:

    Bom senhor, para que terra vamos navegar?Amigo ruma para a Irlanda, diretamente ao

    porto de Weisefort.O piloto estremeceu. Por acaso no sabia Iristo

    que, desde o assassinato do Morholt, o rei da hlanda perseguia as naus cornualhesas? Os marinheiros que eram apanhados ele os mandav a enforc ar em patbu-

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  • los. O piloto, no entanto, olxdeceu e rumou para a terra perigosa.

    Primeiramente, Tristo soube persuadir os homens de Weisefort de que seus companheiros eram mercadores vindos da Inglaterra para negcxiar em paz. Porm, como esses mercadores de estranha espcie consumiam o dia nos nobres jogos das mesas e dos xadrez e pareciam entender melhor o manejo dos dados do que a pesagem do frumento. Tristo temia ser descoberto e no sabia como proceder busca que pretendia.

    Ora, certa manh. ao romper da aurora, ouviu uma voz to pavorosa, que mais parecia o berro de um demnio. Jamais vira um bicho guinchar daquela maneira to horrvel e to maravilhosa. Chamou uma mulher que passava pelo porto:

    - Dizei-me, senhora - falou ele - , de onde vem essa voz que ouvi? No mo exulteis.

    - Certamente, sire. vo-lo direi sem mentira. Vem de um bicho feroz e o mais horrendo que possa existir no mundo. A cada dia, desce de sua caverna e detm-se numa das portas da cidade. Ningum pode sair de l, ningum pode entrar, sem entregar ao drago uma jovem donzela; e. logo que a tem entre as garras, ele a devora em menos tempo do que se leva para rezar um pai-nosso.

    - Senhora - disse Tristo no zombeis de mim. mas dizei-me se seria possvel a um homem nasc ido de me mat-lo em combate.

    - Ao certo, IxHo e doce sire, no sei; o que garantem que vinte cavaleiras experimentados j tentaram a sorte; pois o rei da Irlanda proclamou por voz de arauto que daria sua filha Isolda, a Ixxira, a quem matasse o monstro; mas o monstro os devorou a todos.

    Tristo deixou a mulher e voltou para a nau. Armou-se em segredo, e teria sido uma beleza ver sair da nau daqueles mercadores to rico cav alo de batalha e to soberbo cavaleiro. Mas o porto estava deserto, pois acabava de amanhecer, e ningum viu o

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  • bravo cavalgar at a porta que a mulher lhe havia mostrado De repente, apareceram, no caminho, cinco homens, esporeando seus cavalos, bridas soltas, fugindo para a c idade. Na passagem, Tristo agarrou um deles pelos cabelos ruivos tranados, com tanta fora que o derrubou na garupa do seu cavalo e o manteve preso:

    Deus vos salve, belo sire! disse* Tristo. - Por qual caminho vem o drago?

    1', quando o fugitivo mostrou-lhe o caminho, Tristo soltou-o.

    O monstro aproximava-se. Tinha a cabea de uma serpente, os olhos vermelhos como brasas, dois chifres na testa, orelhas compridas e peludas, garras de leo, uma cauda de serpente, o corpo cheio de escamas de um grifo.

    Tristo lanou contra ele seu cavalo de batalha, com tanta fora, que, todo arrepiado de medo, saltou contra o monstro. A lana de Tristo chocou-se contra as escamas e voou em pedaos. Imediatamente o bravo tirou sua espada, levantou-a e vibrou-a sobre a cabea do drago, mas sem sequer arranhar- lhe o couro. Entretanto, o monstro sentiu o golpe: lanou suas garras contra o escudo, enfiando-as nele. e fez voar suas ataduras. Com o peito descoberto, Tristo provocou o ainda com a espada e o feriu nos flancos com uma pancada to violenta, que o ar retiniu com ela. Inutilmente, pois no pde feri-lo. Ento, o drago vomitou pelas ventas um duplo jato de c hamas venenosas: o loriga de Tristo enegreceu como carvao apagado, seu cavalo foi derrubado e morto. Mas, lev antando*se, imediatamente I rislo cravou sua !x>a espada na goela do monstro: ela entrou toda e partiu-lhe ao meio o corao. O drago soltou uma vez mais seu berro horrendo e morreu.

    Tristo cortou-lhe a lngua e colocou-a no seu cal- o. Em seguida, completamente tonto com a fumaa acre, caminhou at uma gua estagnada que via brilhar a certa distncia, para beber. Mas o veneno

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  • destilado pela lngua do drago encandeceu-se contra seu corpo e, no capinzal alto que bordejava o pntano, o heri caiu desmaiado.

    Ora, sabei que o fujo de cabelos vermelhos tranados era Aguynguerran, o Ruivo, o sonescal do rei da Irlanda, e que ele cobiava Isolda. a Loura. Era um covarde, mas tal a fora do amor que. a cada manh, ele se emboscava, armado, para atacar o monstro; no entanto, da maior distncia que ouvia seu berro, o valente fugia. Naquele dia. acompanhado de seus quatro companheiros, ele ousou arrepiar caminho. Encontrou o drago por terra, o cavalo morto, o escudo quebrado e pensou que o vencedor acabava de morrer em algum lugar. Knto. decepou a cabea do monstro, levou-a ao rei e reclamou a bela paga prometida.

    O rei quase no acreditou na sua proeza: m a s, por querer fazer-lhe justia, mandou convidar seus vassalos a virem sua corte, trs dias depois, perante a assemblia, quando o senescal Aguynguerran exibira a prova da sua vitria.

    Ao saber que seria entregue quele covarde. Iso lda, a Loura, primeiro deu uma grande gargalhada, em seguida lamentou-se. Mas, no dia seguinte, d e sconfiando da impostura, levou consigo o seu lacaio , o Louro, o fiel Perinis, e Brangien, sua jovem serva c sua companheira, e os trs cavalgaram em seg red o para o covil do monstro, at que Isolda notou x*la estrada pegadas de forma singular, sem dvida, o cavalo que por ali passara no tinha recebido ferradura naquele pas. Em seguida, ela encontrou o monstro sem cabea e o cavalo morto; no estava arreado segundo o costume da Irlanda. Certamente, um estran geiro hav ia matado o drago; mas estaria ele ainda vivo?

    Isolda, Perinis e Brangien procuraram-no durante muito tempo; por fim, no meio do capinzal do pntano, Brangien viu brilhar o elmo do bravo. Ele ainda respirava. Perinis colocou-o sobre o seu cavalo e

  • levou-o secretamente para os aposentos das mulheres. La, Isolda contou a aventura sua me e a ela confiou o estrangeiro. Como a rainha lhe tirasse sua armadura, a lngua envenenada do drago caiu do seu calco. Ento a rainha da Irlanda despertou o fendo pela virtude de uma erva e disse-lhe:

    l strangeiro. sei que, na verdade, es tu o matador do monstro. Mas nosso .senescal, um traidor, um covarde, decepou lhe a cabea e reclama minha filha Isolda, a Loura, como sua recompensa. Sabers tu, dentro de dois dias, provar-lhe sua iniquidade por meio de batalha?

    - Rainha disse Tristo , o prazo est prximo. Mas, sem dvida, podeis curar-me em dois dias. Conquistei Isolda ao drago; talvez conquiste-a ao senescal.

    Ento a rainha hospedou-o ricamente e para ele manipulou remdios eficazes. No dia seguinte. Isolda, a Loura, preparou-lhe um banho e suavemente ungiu seu corpo com um blsamo que sua me havia composto. Deteve seu olhar no rosto do ferido, viu que era belo e comeou a pensar; 'Certamente, se a sua faanha vale a sua beleza, meu campeo oferecer uma rude batalha!" Mas Tristo. reanimado pelo calor da gua e pela tora das drogas odorfe- ras, olhava para ela e, imaginando que tinha conquistado a Rainha dos cabelos de ouro, ps-se a sorrir. Isolda notou-o e disse consigo mesma; Por que este estrangeiro sorriu? Ser que fiz alguma coisa inconveniente? Ser que esquec algum favor que uma jovem deve fazei ao seu hspede? Sim. talvez ele tenha rido porque me esquec de limpai suas armasmanchadas pelo veneno".

    I oi, ento, para o lugar onde a armadura de I ris- tao estava largada: "Este elmo de ao bom . pensou ela, e nunca lhe falhar. E esta loriga forte, leve, bem digna de ser usada por um bravo . Ela pegou a espada pelo punho: Certamente, esta e uma bela espada e que muito convm a um valente baro .

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  • Tirou da rica bainha a lmina ensangentada para limp-la. Mas viu que apresentava uma brecha larga. Observou a forma do entalhe: no seria aquela a la mina que se quebrara na cabea do Morholt? I la hesitou, olhou novamente, queria resolver a sua duvida. Correu at o quarto onde guardava o fragmento de ao retirado recentemente do crnio do Morholt. juntou o fragmento brecha: mal se via o sinal da quebradura.

    Ento precipitou-se para Tristo e, fazendo girar a grande espada sobre a cabea do ferido, gritou:

    - Tu s Tristo de Loonnois, o assassino do Morholt, meu querido tio. Morre ento por tua vez!

    Tristo fez um esforo para deter seu brao; intil, seu corpo estava paralisado, mas seu esprito continuava gil. Foi com astcia que falou.

    - Est bem. morrerei; mas. para te poupar os arrependimentos tardios, escuta. Filha de rei, fita salando que no s tens o pvxler. mas tamlxan o direito de me matar. Sim. tens direito sobre a minha vida. j que por duas vezes conservaste-ma e devolveste ma Uma primeira vez. no faz muito tempo: era eu o trovador ferido que salvaste quando expulsaste do seu corpo o veneno da lana envenenada pelo Morholt. No te envergonhes, jovem, de ter curado essas feridas: no as tinha eu recebido em combate leal? Por acaso matei o Morholt traioeiramente? Nao me havia ele desafiado? No devia eu defender meu corpo? Uma segunda vez. tendo ido me procurar no pntano, salvaste-me. Ah! Foi por ti, jovem que combat o drago... Mas deixemos de lado essas coisas: queria apenas provar-te que, tendo por duas vezes me livrado do perigo da morte, tens direito sobre a minha vida. Mata-me pois se achas que com isso vais ganhar louvor e glria. Sem dvida, quando te deitares nos braos cio valente senescal, ser-te- doce sonhar com teu hspede ferido, que arriscou sua vida para te conquistar e te conquistou, e que ters matado indefeso neste banho.

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  • Isolda gritou:Olivo palavras maravilhosas. Por que o assassi

    no do Morholt cjuis conquistar-me? Ah! Sem dvida, como o Morholt tinha outrora tentado arrebatar em sua nau as donzelas das Cornualhas, por tua vez, em h elas represalias, fizeste esta jactancia de carregar como tua serva aquela que o Morholt prezava entre as donzelas...

    - No, filha de rei - disse Tristo. - Mas, certo dia, duas andorinhas voaram at Tintagel para levar um dos teus cabelos de ouro. Acreditei que vinham anunciar-me paz e amor. Por isso vim tua procura, atravessando o mar. Por isso enfrentei o monstro e seu veneno. Olha este cabelo costurado entre os fios de ouro do meu casaco; a cor dos fios de ouro estragou-se; mas o ouro do cabelo no desfxrtou.

    Isolda olhou para a grande espada e tomou nas mos o casaco de Tristo. Vendo nele o cabelo de ouro, ficou muito tempo em silncio; em seguida, beijou seu hspede nos lbios em sinal de paz c vestiu-o com ricas roupagens.

    No dia da assemblia dos bares, Tristo enviou secretamente para sua nau Perinis, o criado de Isolda, com a ordem de que seus companheiros se dirigissem corte, vestidos como convinha aos mensageiros de um rei rico. j que ele esperava naquele dia mesmo chegar ao tim de sua aventura. Gorvenal e o s cem cavaleiros rejubilaram-se com a notcia, pois estavam desolados havia quatro dias porque ac reditavam ter perdido Tristo.

    I m a um, na sala em que ja se amontoavam inm eros b ar es da Irlanda, eles entraram, sentaram-se em ordem na mesma fileira, e as pedras preciosas faist avam ao longo de suas ricas vestes escailates. de cendal e de prpura. Os irlandeses diziam entre si Quem sio esses senhores magnficos? Quem os conhece? Vede esses mantos suntuosos, ornados dc zibelina e bordaduras de ouro! Vede no punho das espadas e no fecho das pelias cintilaren! os rubis,

  • os Ix t Io s . lis esmeraldas e tantas pedras das quais nem sequer sabemos dizer os nomes! Quem, pois, jamais viu esplendor igual? De onde vm esses sen h o res? A quem pertencem? Mas os cem cavaleiros estavam calados e no se moviam de seus assentos para ningum que entrasse.

    Quando o rei da Irlanda sentou-se sob o dossel, o senescal Aguvnguerran. o Ruivo, ofereceu-se para provar por testemunhas e sustentar por combate que havia matado o monstro e que Isolda devia ser-lhe entregue. Ento, Isolda inclinou-se diante de seu pai e disse:

    - Rei. aqui est um homem que deseja denunciaro vosso senescal de mentira e felonia A este homem. pronto para provar que livrou a vossa terra do flagelo e que a vossa filha no deve ser entregue a um covarde, prometeis perdoar suas faltas antigas, por maiores que tenham sido e conceder-lhe vossa merc e vossa paz?

    O rei pensou e no teve pressa em responder Mas seus bares gritaram em massa:

    - Concedei-lho, sire. concedei-lho!E o rei disse:- Concedo lhe!Mas Isolda ajoelhou-se a seus ps:- Pai, dai-me primeiro o beijo de merc e de paz.

    como sinal de que o dareis igualmente a este homem!

    Quando ela recebeu o lxijo. foi buscar Tristo e conduziu-o pela mo at a assemblia. Ao v-lo, oscem cavaleiros levantaram-se ao mesmo tempo, saudaram-no com os braos em cruz sobre o peito, per filaram-se ao seu lado, e os irlandeses viram que Tristo era o seu senhor. Mas muitos reconheceram-no. e um grande clamor elevou-se: I Tristo de Loonnois. o assassino do Morholt! As espadas de- sembainhadas brilharam e vozes furiosas repetiam: Que ele morra!

    Porm Isolda gritou:

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  • - Rei, beija este homem na boca. tal como prometeste!

    1 o rei beijou-o na boca, e o clamor aplacou-se.Ento, Tristo mostrou a lngua do drago e ofe

    receu-se para a batalha com o senescal, que no te- ve coragem de ac eitada e reconheceu seu crime. Em seguida. Tristo falou:

    Senhores, matei o Morholt, mas atravessei o mar para vos oferecer uma lx*la compensao. Para resgatar o mal feito, coloquei meu corpo em perigo de morte e livrei-vos do monstro, e foi assim que conquistei Isolda, a Loura, a Bela. Tendo-a conquistado, lev-la-ei, pois, na minha nau. Mas, para que pelas terras da Irlanda e das Cornualhas no se espalhe mais o dio, mas sim o amor. sabei que o rei Marc, meu caro senhor, ir despos-la. Eis aqui cem cavaleiros de alta linhagem, prontos a jurar sobre as relquias dos santos que o rei Marc vos manda vir paz e amor, que seu desejo venerar Isolda como sua cara mulher desposada. e que todos os homens das Conua- lhas servi-la-o como sua senhora e sua rainha.

    Trouxeram os corpos santos com grande jbilo, e os cem cavaleiros juraram que Tristo dissera a verdade.

    O rei tomou Isolda pela mo e perguntou a Tris- tao se a conduzira lealmente ao seu senhor. Diante dos cem cavaleiros e diante dos bares da Irlanda, Tristo jurou-o.

    Isolda, a Loura, fremia de vergonha e de angustia. Tristo, tendo-a conquistado, desse modo a desprezava; o belo conto do cabelo de ouro no passava de mentira, e era a um outro que ele a entregava. Mas o rei colocou a mao direita dc Isolda sobre a mao direita de I risto, e este ieteve-a em sinal de que se apossava dela, em nome do rei dasCornualhas.

    Assim, pelo amor do rei Marc, pela astcia c pela fora, Tristo realizou a busca da Rainha dos cabelosde ouro.

    r

  • IV. O filtro\ c i h . ezn tvas nitb mil uHne,

    doe h cz im glich ivoere. ez iras diu ircmde stecwre,

    diu emdelse herzent ron der si beide l^en tt.

    Gottfried de Strasburgo

    Q uando estava prximo o tempo de entregar Isolda aos cavaleiros das Cornualhas, sua me colheu ervas. flores e razes, misturou-as com vinho e fez uma befx-ragem poderosa. Tendo-a preparado por cincia e magia, verteu-a em uma jarra e disse secretamente a Brangien:

    Filha, deves acompanhar Isolda ao pas do rei Marc, e tu a amas com amor Fiel. Pega ento esta jarra de vinho e no esqueas as minhas palavras. Esconde-a de tal maneira que nenhum olho a veja e nenhum lbio dela se aproxime. Mas, quando chegarem a noite de npcias e o instante em que se deixam os esposos, verters este v inho com ervas em uma taa e da la-s para que a esvaziem juntos, o rei Marc e a rainha Isolda. Toma todo o cuidado, minha filha, para que somente eles possam prov ar desta bebida Pois a virtude dela a seguinte: os que a belxaem juntos amar-se--o com todos os seus sentidos e com toclo o seu pensamento, para sempre, na vida e na morte .

    Brangien prometeu a rainha que faria segundo a sua vontade.

    A nau, fendendo as vagas profundas, levava Isolda. Porem, quanto mais distanciava-se da teira da It- landa, tanto mais tristemente a jovem lamentava-se. Sentada sob a tenda em que se encerrata com sua

    29

  • serva Brangien, chorava lembrando o seu pas. Para onde aqueles estrangeiros a estavam levando? Para quem? Para que destino? Quando Tristao aproximava-se dela e queria tranqili/-la com palavras doces, ela irritava-se, repelia-o, e o dio enchia seu corao. Ele viera, ele, o raptor, ele. o assassino do Morholt; com suas artimanhas, arrancava-a sua me e ao seu pas; nem se havia dignado a tom-la para si mesmo, e agora l estava, levando-a corno sua presa, sobre as ondas, para a terra inimiga'

    - Miservel! - dizia ela. - Maldito seja o mar que me carrega! Preferira morrer na terra onde nasci a viver nesse pas!...

    Certo dia, os ventos cessaram e as velas murcharam ao longo do mastro. Tristao mandou que acostassem em uma ilha, e. cansados do mar. os cem cavaleiros das Cornualhas e os marinheiros desceram a praia. Somente Isolda ficara na nau, com uma pequena serva. Tristao viera at a rainha e procurava acalmar seu coraco. Como o sol brilhasse e estivessem com sede, pediram o que beber. A criana procurou alguma bebida, at que descobriu a jarra confiada a Brangien pela me de Isolda. - \< hei vinho! - gritou ela para os dois. - \o, no era vinho; era a paixo, era a amarga alegria e a angstia sem hm. e a morte. A criana encheu um canjiro e apresentou-o sua senhora. Ela bebeu em longos goles, em seguida estendeu-o a Tristao, que o esv aziou.

    Nesse instante, Brangien entrou e viu-os a se olharem em silncio, como se estivessem desvaira dos. arrebatados. Viu diante deles a jarra quase vazia e o canjiro. Pegou a jarra, correu popa, jogou-a nas vagas e gemeu;

    - Desgraada! Maldito seja o dia em que nasci e maldito seja o dia em que subi nesta nau! Isolda, minha amiga, e vs, Tristao, foi a vossa morte que be- bestes!

    Novamente, a nau navegava rumo a Tintagel. Parecia a Tristao que um espinheiro resistente, de agudos espinhos, de flores perfumadas, deitava suas rai-

    30

  • zes no sangue do seu corao e com fortes liames enlaava ao belo corpo de Isolda seu corpo e todo o seu pensamento e todo o seu desejo. Ele pensava: Andret, Denoalen. Guenelon e Gondoine, biltres que me acusaveis de cobiar a terra do rei Marc! Ah! Sou ainda mais v il. e no sua terra que cobio! Belo tio, que me amastes rfo antes mesmo de reconhecer o sangue de vossa irm Blanchefleur, vs que me ehorveis com ternura quando vossos braos me levavam at a barca sem remos nem vela, belo tio. quando no deveis vs. desde o primeiro dia, ter procurado a criana errante vinda para vos trair? Ah! Como pensei eu? Isolda vossa mulher, e eu vosso vassalo. Isolda vossa mulher, e eu vosso filho. Isolda e vossa mulher e no me pode amar .

    Isolda amava-o. No entanto, queria odi-lo: ele no a tinha desdenhado de modo to abjeto? Queria odi-lo e no podia, irritada em seu corao contra essa ternura mais dolorosa do que o dio.

    Brangien observava-os com angstia, ainda mais cruelmente atormentada, pois s ela sabia o mal que hav ia causado. Espiou-os por dois dias, viu-os repelir todo alimento, toda bebida e toda e qualquer consolao, a buscarem-se como cegos que caminham s apalpadelas um para o outro. Infelizes quando separados, penavam, mais infelizes ainda, quando, reunidos, estremeciam diante do horror da primeira declarao.

    No terceiro dia. como Iristo v iesse para a tenda erguida na coberta da nau, onde Isolda estava sentada. ela viu-o aproximar-se e lhe disse humildemente:

    - Entrai, senhor.Rainha disse "I risto , por que me chamar se

    nhor? Nao sou eu, ao contrrio, vosso homem de li- gio e vosso vassalo, para vos reverenciai, vos servir e vos amar como minha rainha e minha senhora?

    Isolda respondeu:- No. tu o salves; sabes que s meu senhoi e

    meu amo! Sabes que tua fora me domina e que sou tua serva! Ah! For que no avivei faz pouco tempo

    31

  • as chagas do trovador ferido! Por que no deixei perecer no capinzal do pntano o matador do monstro! Por que, quando estava no banho, no vibrei sobre ele o golpe da espada ja no ar! Ai de mim! Pnto eu no sabia o que hoje sei!

    - Isolda, que ento que sabeis hoje? Que e ento que vos atormenta?

    - Ah! Tudo o que sei me atormenta, e tudo o que vejo. O cu me atormenta, e este mar. e meu corpo, e minha vida!

    Pousou o brao no ombro de Tristo. l grima apagaram o brilho dos seus olhos, seus lbios treme ram. Ele repetiu:

    - Amiga, que ento que vos atormenta?Ela respondeu:- O amor por vs.Ento ele pousou seus lbios sobre os delaMas, como peda primeira vez ambos experimenta

    vam um prazer de amor. Brangien. que os espiava, soltou um grito e, com os braos e s te n d id o s , o rosto coberto de lgrimas, lanou-se a seus ps

    - Infelizes! Parai e voltai, se que ainda podeis! Mas, no. o caminho sem retorno, a forca do amor j vos impele, e nunca mais tereis alegria sem d >r. 1 o vinho com ervas que vos domina, a bebida de amor que vossa me, Isolda, me havia confiado. S o rei Marc devia beb-lo convosco: mas o Inimigo zombou de ns trs e fostes vs quem esvaziastes o canjiro. Amigo Tristo, amiga Isolda, em castigo pela m guarda que fiz, entrego-vos meu corpo, minha vida; pois. pelo meu crime, na taa maldita, betx-steso amor e a morte!

    Os amantes abraaram-se. Em seus belos corpos fremiam o desejo e a vida. Tristo disse:

    - Que venha pois a morte!E, quando caiu a noite, dentro da nau que saltava

    mais rpido rumo terra do rei Marc, ligados para sempre, abandonaram-se ao amor.

  • V. BrangienentregueaosSobre totz urrai grau valor. S aitals camisa m es dada. Cum Iseus det a l amador,

    Que mais non era portada.

    Rarnhaut. conde* dOrangc*

    O rei Marc acolheu Isolda, a Loura, na praia. Tristo tomou-a pela mo e conduziu-a diante do rei. O rei apoderou-se dela, tomando-a por sua vez pela mo. Com grande distino, levou-a ao castelo de Tinta- gel, e quando ela apareceu na sala, no meio dos vassalos, sua beleza lanou uma claridade to grande, que as paredes iluminaram-se como se batidas pelo sol levante. Ento, o rei Marc louvou as andorinhas que, por bela cortesia, lhe haviam trazido o cabelo de ouro; louvou Tristo e os cem cavaleiros que, dentro da nau temerria, tinham ido buscar a alegria de seus olhos e de seu corao. Infelicidade! \ nau tambm vos trouxe, a vs, nobre rei, a crueltristeza e os grandes tormentos.

    Depois de dezoito dias, tendo convocado todos os seus bares, ele* desposou Isolda. a Loura. Mas. quando veio a noite, Brangien, a fim de esconder a desonra da rainha e para salv-la da morte, tomou o lugar de Isolda no leito nupcial. Como castigo pela ma guarda feita no mar e por amor sua amiga, sacrificou-lhe, fiel, a pureza do seu corpo; a escurido da noite ocultou para o rei seu ludibrio e sua vergonha.

    Os narradores sustentam neste ponto que Brangien no lanara ao mar o frasco de vinho com ti-

  • vas, que no tinha sido totalmente esvaziado pelos amantes; mas que de manh, depois que sua senhora entrara por sua vez no leito do rei Marc, Brangien vertera numa taca o que restava do filtro, oferecendo-a aos esposos; e que Marc bebera farta e que, s escondidas, Isolda jogara fora a sua parte. Mas sabei. senhores, que esses narradores deturparam a histria e faltaram com a verdade. Se imaginaram essa mentira, por no terem compreendido o maravilhoso amor que Marc sempre dedicou rainha. Certamente, como logo ouvireis, apesar da angstia, do tormento e das terrveis represlias. Marc nunca pde repelir Isolda e Tristao de seu corao. Mas salvei, senhores, que ele no havia bebido do vinho corn ervas. Nem veneno, nem sortilgio - somente a terna nobreza do seu corao inspirou-lhe amor

    Isolda rainha e parece viver em jbilo. Unida rainha e parece viver em tristeza. Isolda tem a ternura do rei Marc, os bares a veneram, o povo ihe quer bem. Isolda passa os dias em seus aposentos ricamente decorados e juneados de flores Isolda tem as jias nobres, os lenis de prpura e os tapetes vindos da Tesslia. os cnticos dos harpiMas e os cortinados onde so lavrados leopardos, aleries. papagaios e todos os bichos do mar e das matas. Isol- da tem seus vivos, seus belos amores, e Tristao junto dela, vontade, de dia e de noite; pois, assim como costume entre os grandes senhores, ele dorme no aposento real, entre os ntimos e os iiis. Isolda, no entanto, treme. Por que tremer? No mantem ela s< eretos seus amores? Quem suspeitaria de Tristao? Quem, pois, suspeitaria de um filho? Quem a v? Quem a espia? Qual a testemunha? Sim. uma testemunha a espia, Brangien; Brangien a espreita; sBrangien sabe da sua vida. Brangien a tem nas m aos' *O Deus! Sim, cansada de preparar a cada clia como uma serva o leito onde foi a primeira a se deitar, ela os denunciaria ao rei! Sim. Tristao morrera por sua feloniaL. Assim o medo enlouquece a rainha. No,

  • no de Brangien, a Fiel, de seu prprio corao que vem seu tormento. Fscutai, senhores, a grande traieao que ela imaginou; mas Deus, como vs ouvireis, teve compaixo dela; vs tambm, sede com ela compassivos!

    Naquele dia, Tristo e o rei caavam ao longe e Tristo no soube deste crime. Isolda mandou virem dois servos, prometeu-lhes a liberdade e sessenta besantes de ouro, se jurassem fazer a sua vontade. Fizeram o juramento.

    - Fu vos darei ento, disse ela, uma jovem; vs a levareis para a floresta, longe ou perto, mas a um local onde ningum possa descobrir jamais a aventura. L a matareis e me trareis sua lngua. Gravai na memria as palavras que ela disser, para mas repetirdes depois. Ide. Ao voltardes, sereis homens livres e ricos.

    Fm seguida, ela chamou Brangien:- Amiga, v como meu corpo definha e sofre; no

    iras procurar na floresta as plantas que so boas para este mal? Dois servos acompanhar-te-o: sabem onde crescem as ervas eficazes. Segue-os, portanto; irm, fica sabendo de uma coisa, se eu te mando floresta, porque se trata do meu repouso e da minha vida!

    Os servos levaram-na. Chegando mata, ela quis parar, pois as plantas salutares cresciam ao seu redor em quantidade suficiente. Mas eles a levaram para mais longe:

    - Vem, moa. no e aqui o lugar prprio.Um dos se rv o s caminhava na frente dela. seu

    companheiro a seguia. Nao havia mais caminho aberto, mas sim sareis. espinhos e cardos embaraados. Fntao o homem que ia na frente puxou a sua espada e virou se; ela correu ao outro servo para lhe pedir ajuda; ele tambm segurava uma espada de-sembainhada e disse:

    - Moa, precisamos matar-te.Brangien caiu no capim e seus braos tentavam

    afastar a ponta das espadas. Fedia merc com uma voz to iastimosa e to terna, que eles disseram:

  • - Moa, se a rainha Isolda. tua e nossa senhora, quer que tu morras, sem dvida lhe fizeste um grande mal.

    - F.u no sei, amigos, s me lembro de um nico delito. Quando partimos da Irlanda, cada uma de ns levava, como a mais cara das vestes, uma camisola branca como a neve. uma camisola para a nossa noite de npcias. Na viagem, aconteceu que isolda rasgou sua camisola nupcial, e, para a noite das suas npcias, emprestei-lhe a minha. Amigos, a esta todo o mal que lhe fiz. Mas, se ela quer que eu morra, di- zei-lhe que a sado e a amo. e que lhe agradeo tudo de bom e a considerao que ela me dispensou desde que, quando criana, raptada por piratas, fui vendida sua me e destinada a servi-la. Que Deus. em sua bondade, guarde sua honra, seu corpo sua vida! Irmos, feri-me agora!

    Os servos compadeceram-se. Fizeram acordo e. julgando que talvez um mal desses no merecesse a morte, amarraram-na a uma rvore.

    Em seguida mataram um cachorrinho um deles lhe cortou a lngua, encerrou-a numa aba do seu sobretudo, e ambos reapareceram diante de Isolda.

    - Ela falou? - perguntou esta. ansiosa.- Sim. rainha, ela falou. Disse que ficastes irritada

    por causa de um nico agravo: haveis rasgado em viagem uma camisola branca como a neve, que tra- zeis da Irlanda, ela vos emprestou a dela na noite de vossas npcias. A estava, dizia ela, seu nico crime. Ela vos rendeu graas pelos muitos benefcios de vs recebidos desde a sua infncia, pediu a Deus que protegesse a vossa honra e a vossa vida. Mandou-vos a sua saudao e o seu amor. Rainha, aqui est a sua lngua que vos trouxemos.

    - Assassinos! - gritou Isolda. - Devolvei-me Brun- gien, minha serva querida! No sabeis que ela era minha nica amiga? Assassinos, devolvei-a para mim!

    - Rainha, com razo dizem: Mulher muda empoucas horas: ao mesmo tempo, mulher ri, chora,

    36

  • ama, odeia". Ns a matamos porque assim ordenastes!

    - Como podera eu ter ordenado? Por que c rime? No era minha querida companheira, a doce, a fiel, a bela? Vs o sabeis, assassinos: eu a tinha enviado a procurar ervas salutares, e a confiei a vs para que a protegsseis no caminho. Mas direi que a matastes e sereis queimados sobre carves.

    - Rainha, sabei ento que ela est viva e que a traremos s e salva.

    Ela porm no lhes dava crdito e, como desvairada, ora amaldioava os assassinos, ora amaldioava a si mesma. Reteve junto de si um dos servos enquanto o outro correu para a rvore onde Brangien estava amarrada.

    - Bela, Deus teve compaixo de vs, e vossa senhora vos torna a chamar!

    Quando ela apareceu diante de Isolda, ajoelhou- se. pediu-lhe que perdoasse seus erros; mas a rainha tambm cara de joelhos diante dela, e ambas, abraadas, desfaleceram por muito tempo.

  • Vf. O grande pinheiro

    Ao/ ma dnu, /sol ni amie, l ' n ros ma mort, en ros ma rie!

    (/oitfried de Strasburgo

    N o cie Brangien, a Fiel, deles mesmos que os amantes devem ter medo. Mas como seus coraes embriagados seriam v igilantes? O amor os pressiona, como a sede precipita para o rio o cervo prestes a morrer, ou como o gavio que, aps longo jejum, de repente solto, cai sobre a sua presa. Infelicidade! No se pode fazer calar o amor. Certamente, pela prudncia de Brangien, ningum surpreendeu a rainha nos braos de seu amigo; mas, a qualquer hora. em qualquer lugar, todos no viam como o desejo os agitava, o s apertava, transbordava de todos os seus sentidos da mesma maneira que o vinho novo escorre da tina?

    Os quatro biltres da corte, que odiavam fristo por causa da sua bravura, ja comeavam a rodear a rainha, fogo souberam a verdade dos seus belos am ores. Ardiam de cobia, de odi.o e de alegria. Levariam a notcia ao rei: vcaiam a ternura transformar- se em furor, Trisio expulso ou condenado a morte, e o tormento da rainha. Temiam, no entanto, a clera de risto. For fim. seu dio dominou seu terror. Certo dia, os quatro bares chamaram o rei Marc para parlamentarem, e Andret disse-lhe:

    - Belo rei, sem dvida teu corao ir se irritar e

    39

  • ns quatro ficaremos muito tristes com isso: mas devemos revelar-te o que surpreendemos. Puseste teu corao em Tristo e Tristo quer te desonrar. Fm vo te prevenimos; pelo amor de um s homem d e sprezas teus parentes, teus bares, e nos abandonas a tcxlos. Sabei pois que Tristo ama a rainha: a verdade provada e j se fala a boca pequena.

    O nobre rei cambaleou e respondeu:- Covarde! Em que felonia pensaste! Certamente,

    pus meu corao em Tristo. No dia em que o Mor holt vos props combate, vs todos baixastes a ca bea, tremendo e parecendo mudos; mas Tristo enfrentou-o para a honra desta terra, e por todas e cada uma das suas feridas sua alma teria podido evo lar-se. por isso que o odiais, e porque eu o amo. mais que a ti, Andret, mais que a tod os \!x*r- to? Que foi que viste? Que ouvistes?

    - Nada, senhor, na verdade, nada que teus olhos no possam ver. nada que teus ouv idos nao possam ouvir. Olha. escuta, belo sire: talvez ainda < ste) i em tempo.

    E, retirando-se. deixaram-no a vontade para saborear o veneno.

    O rei Marc no pde livrar-se do malefcio Contra o seu corao, espionou, por sua vez. o seu s o b r inho, espionou a rainha. Mas Brangien percebeu, preveniu-os e, inutilmente, o rei tentou experimentar Isolda com artimanhas. Logo indignou-se com aque le vil combate e, compreendendo que nao podia mais repelir a suspeita, mandou chamar Tristo e disse-lhe:

    - Tristo, afasta-te deste castelo e. quando o deixares, nao ouses mais transpor seus fossos nem suas lias. Traidores acusam-te de uma grande felonia. Nao me interrogues: eu no podera relatar suas de nncias sem nos infamar a ambos. No procures palavras que me aplaquem: sinto que seriam inteis. No entanto, no acredito nos prfidos: se neles acre-

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  • ditasse, j no te teria eu condenado a uma morte infamante? Mas seus discursos malficos perturbaram meu coracao, e s tua partida o acalmar. Parte. Sem dvida, logo te chamarei de volta. Parte, meu filho sempre querido!

    Quando os biltres ouviram a notcia:Kie partiu, disseram entre si, ele partiu, o bruxo,

    expulso como um ladro! Que ser dele de agora em diante? Sem dvida atravessar o mar para procurar aventuras e prestar seu servio desleal a algum rei distante!

    No, Tristo no teve foras para partir. Quando transps as lias e os fossos do castelo, viu que no poderia se afastar para mais longe. Parou no prprio burgo de Tintagel, hospedou-se com Gorvenal na casa de um burgus e definhou, torturado pela febre, mais ferido do que antes, nos dias em que seu corpo ficara envenenado pela lana do Morholt. Da outra feita, quando jazia na sua cabana construda beira das ondas e todos fugiam do mau cheiro da sua chagas, trs homens, no entanto, assistiam-no: Gorvenal, Dinas de Lidan e o rei Marc. Agora, Gorvenal e Dinas mantinham-se ainda sua cabeceira; mas o rei Marc no vinha mais e Tristo gemia:

    - Certamente, belo tio, meu corpo exala o cheiro de um veneno mais repelente, e o vosso amor no sabe mais superar o vosso horror.

    Mas, sem descanso, no ardor da febre, o desejo carregava-o, como um cavalo, para as torres bem fechadas que mantinham a rainha encerrada - cavalo e cavaleiro arrebentavam-se contra os muros de pedra mas cavalo e cavaleiro levantavam-se e retomavam sem cessar a mesma cavalgada.

    Por trs das torres bem fechadas, Isolda, a Loura, definhava tambm, ainda mais infeliz, pois, entre aqueles estranhos que a espionavam, era preciso todo dia fingir alegria e riso; e noite, estendida ao lado do rei Marc, precisava dominar, imvel, a agita- ao de seus membros e os estremecimentos da fe-

    il

  • bre. Queria fugir para Tristo. Parecia-lhe que se levantava e que corria ate a porta; mas, na soleira escura, os traidores haviam estendido grandes alfan ges: ao passar, as lminas afiadas e perversas coita vam seus joelhos delicados. Parecia-lhe que caa e que, de seus joelhos retalhados, surgiam duas fontes vermelhas.

    Logo os amantes morreram, se ningum os socorresse. E quem os socorrera a no ser Brangien? Com perigo de sua vida. eia insinuou-se at a casa onde Tristo definhava. Gorvenal abriu-lhe a porta muito feliz, e, para salvar os amantes, ela insinuou um ardil a Tristo.

    No, senhores, nunca ouvireis falar de mais ixdo ardil de amor. Por trs do castelo de Tintage! esten- dia-se um pomar, vasto e cercado de fortes paliadas. Belas rvores l cresciam em grande nmero, carregadas de frutos, de pssaros e de esgaihos odo- rficos. No local mais distante do castelo, muit perto das estacas da paliada, erguia-se um pinheinc alto e reto. cujo tronco robusto sustentava uma larga ramagem. A seu p, havia uma fonte natural - a agua espalhava-se primeiro em um grande lenol, claro e calmo, cercada por uma escadaria de mrmore: em seguida, imprensada entre duas margens apertadas, ela corria pelo pomar e. penetrando no interior do castelo, atravessava os aposentos das mulheres Ora cada noite, Tristo, a conselho de Brangien. cort iva com arte pedaos de casca e de ramagens midas. Transpunha as estacas pontudas e. chegando sob o pinheiro, jogava na lonte os cavacos. Leves como a espuma, eles boiavam e com ela corriam, e. nosaposentos das mulheres, Isolda espiava a sua v inda. Ento, nas noites em que Brangien conseguia afastaro rei Mare e os traidores, ela v inha at o seu amigo.

    Ela vinha, gil e temerosa, no entanto, espreita de que a cada passo seu os traidores estivessem emboscados atrs das rvores. Mas. logo que 1 nst o a via, de braos abertos, precipitava-se para ela. Ento

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  • a noite protegia-os, bein como a sombra amiga do grande pinheiro.

    - Tristo - disse a rainha a gente* do mar no garante que este castelo de Tintagel encantado e que. por sortilgio, duas vezes por ano, no inverno e no vero, ele se perde e desaparece aos olhos? Ele agora.se perdeu. No aqui que esto os pomares maravilhosos de que falam as trovas de harpa: uma muralha de ar encerra o por todos os lados; rvores floridas, um solo perfumado; o heri ai vive sem envelhecer entre os braos de sua amiga e nenhuma fora inimiga pode romper a muralha de ar?

    Nas torres de Tintagel. j ecoavam as cornetas dos sentinelas que anunciavam o alvorecer.

    - No - disse Tristo - a muralha de ar j est rompida, e no aqui o vergei maravilhoso. Mas um dia, amiga, iremos juntos ao Pas Venturoso do qual ningum volta. L se ergue um castelo de mrmore branco; em cada uma das suas mil janelas brilha um crio aceso; em cada uma delas um trovador toca e canta uma melodia sem fim; l o sol no brilha e, no entanto, ningum sente falta de sua luz: o feliz pas dos vivos.

    Mas, no alto das torres de Tintagel. a aurora iluminava os grandes blocos alternados de sinople e de azul.

    Isolda recobrou a alegria e a suspeita de Marc dissipou-se. Os traidores, ao contrrio, perceberam que Tristo tornara a ver a rainha. Mas Brangien montava guarda to eficiente que eles espionavam em vo, f ina Imente, o duque Andret - que Deus o amaldioe! disse a seus companheiros:

    Senhores, consultemos Frocin, o ano corcunda. Ide conhece as se te artes, a magia e todos os tipos de bruxaria. Ele salx*. ao nascer uma criana, observai to bem os sete planetas e o curso das estrelas, que narra antecipadamente todos os pontos da vida dela. Ele descobre, pelo poder de Bugibus e de Noi- ron, as coisas secretas. Dir-nos- quais so os ardis de Isolda, a Loura.

    43

  • Tendo averso Ixeza e bravura, o homenzi- nho perverso traou os caracteres de bruxaria, jogou seus feitios e malefcios, observou o curso de Orion e de Lcifer, e disse:

    - Alegrai-vos, belos senhores; hoje a noite podereis apanh-los.

    Os quatro bares levaram-no a presena do rei- Sire - disse o feiticeiro dai ordem aos vossos

    caadores para que coloquem a correia nos ces de caa e a sela nos cavalos; anunciais que passareis sete dias e sete noites na floresta, para fazer a vossa caada, e podeis enforcar-me em patbulo se no ouvirdes, ainda esta noite, a conversa mantida por Tristo com a rainha.

    Assim fez o rei contra a vontade do seu corao. Ao cair a noite, deixou seus caadores na floresta, ps o ano na garupa e voltou a Tintagel Por uma entrada que ele conhecia, penetrou no x>mar e o ano conduziu-o para debaixo do grande pinheiro.

    - Belo rei, convm subirdes aos galhos desta arvore. Levai para cima vosso arco e vossas flechas: talvez vos sirvam. E mantende-vos quieto na

  • ele ouviu o rudo da flecha cjue se encaixava na corda do arco, proveniente da rvore.

    Contudo, ela vinha gil e prudente como de costume. Que ha ento? pensou ela. Por que Tristo esta noite no cone ao meu encontro? Teria visto algum inimigo?

    1.1a parou, vasculhou com os olhos os matos grossos. De repente, sob o luar. percebeu, por sua vez, a sombra do rei na fonte. Logo ela demonstrou a sagacidade das mulheres, pois no levantou os olhos para as ramagens da rvore:

    - Senhor Deus! - disse ela com voz baixa - , fazei pelo menos com que eu possa falar primeiro!

    Ela aproximou-se um pouco mais. Escutai como ela se antecipou e avisou seu amigo:

    - Sire Tristo, que audcia! Atrair-me a um lugar destes a esta hora! Quantas vezes j me mandastes chamar, para me suplicar, dizeis. Suplicar o qu? Que quereis de mim? Acabei vindo, pois no pude esquecer que, se sou rainha, devo-o a vs. Pois aqui estou eu: que quereis?

    Rainha, implorar-vos merc, a fim de que aplaqueis a ira do rei!

    Ela tremia e chorava. Mas Tristo louvava o Senhor Deus, que mostrara o perigo sua amiga.

    - Sim, rainha, muitas vezes mandei-vos chamar e sempre em vo. Nunca, desde que o rei me expulsou, vos dignastes a atender ao meu apelo. Mas com padecei-vos do desgraado que aqui est; o rei odeia-me. Eu ignoro a razo, mas vs talvez o saibais I quem, ento, podera aplacar sua clera a nao sei vs, somente vos, franca e bondosa rainha Isold a, em quem o coraco dele confia?

    \a verdade, sire IYisto, ignorais ainda que ele nos tem sob suspeita? E de que traio! Seria preciso, para aumentar a minha vergonha, que fosse eu quem vos explicasse? Meu senhor cr que eu vos ame com amor criminoso. No entanto, Deus o sabe e, se eu minto, que ele maldiga meu corpo! Jamais

  • dei meu amor a homem algum, a nao ser aquele que foi o primeiro a me possuir, virgem entre seus bra os. E vs quereis. Tristo, que eu implore ao rei o vosso perdo? Mas se ele soulx*sse apenas que eu vim aqui, debaixo deste pinheiro, amanha mandaria jogar minhas cinzas aos ventos!

    Tristo gemeu:- Belo tio, dizem que Ningum e vilo se no

    praticou nenhuma vilania . Mas em que coraco pode nascer uma suspeita dessa?

    - Sire Tristo, que quereis dizer? No, o rei meu senhor no imaginou por si s essa v ilania Mas os traidores desta terra fizeram-no acreditar nessa mentira, pois fcil enganar os coraes leais "Eles se amam, disseram-lhe, os traidores fizeram com que ele nos considerasse como criminosos Sun vos me amveis, Tristo. Por que o negar? No sou eu afinal a esposa de vosso tio e por duas vezes nao v< ^ salvei da morte? Sim. eu vos amava em troca: nao sois ento da linhagem do rei. e nao ouvi tantas vezes minha me repetir que uma mulher ama seu senhor tanto quanto ama os parentes do seu senhor? 1 por amor ao rei que eu vos amava. Tristo. mesmo agora. se ele vos receber com benevolncia ficarei leliz com isso. Mas meu corpo treme tenho grande 'pavor. vou-me embora, j fiquei demasiado lenqx

    Sobre os galhos, o rei teve compaixao e sorriu docemente. Isolda fugiu. Tristo tornou a chama-la:

    - Rainha, em nome do Salvador, vinde so co rre rme. por caridade! Os covardes queriam afastar do rei todos aqueles que o amam. Eles conseguiram e agora zombam dele. Que seja assim! Ir-me-ei embora deste pas ento, para bem longe, desgraado, como para aqui vim outrora: mas, pelo menos, obtendo do rei que, em reconhecimento pelos meus servios passados, para que eu possa cavalgar sem pejo para longe daqui, ele me proporcione meios suficientes para eu pagar minhas despesas, para desembaraar meu cavalo e minhas armas.

  • No, Tristo, no deveis haver-me dirigido tal pedido. Estou sozinha nesta terra, sozinha neste palcio onde ningum me ama, sem apoio de ningum, merc do rei. Se eu lhe disser uma nica palavra em vosso favor, no vedes que me arrisco morte vergonhosa? Amigo, que Deus vos proteja! um grande erro o rei odiar-vos! Mas, em qualquer terra para onde fordes, o Senhor Deus ser para vs um amigo verdadeiro.

    Ela partiu e fugiu para o seu quarto, onde Bran- gien tomou-a, trmula, entre seus braos, A rainha contou-lhe o que acontecera e Brangien exclamou:

    - Isolda, minha senhora, Deus vos fez um grande milagre! Ele pai compassivo e no quer que acontea o mal para aqueles que ele sabe inocentes.

    Sob o grande pinheiro, Tristo, apoiado contra a escadaria de mrmore, lamentava-se.

    - Que Deus tenha piedade de mim e repare a grande injustia que eu sofro da parte do meu querido senhor!

    Quando ele transps a paliada do pomar, o rei disse sorrindo:

    - Belo sobrinho, bendita seja esta hora! V: a cavalgada distante que preparavas esta manh j est terminada!

    Longe dali, em uma clareira da floresta, o ano I rocin interrogava o curso das estrelas. Leu que o rei o ameaava de morte. Ficou negro de medo e de vergonha, inchou de raiva e fugiu clere para a terrade Gales.

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  • VII. O ano Frocin

    W iicm selkin ^eirer^e, Ihtz cr den edelin num corr tf

    Eilhart d Oberg

    O rei Marc fez as pazes com Tristo. Deu-lhe permisso para voltar ao castelo e, como antes, Tristo dormia no aposento do rei, entre os ntimos e os fiis. Ao seu bel-prazer, ele podia entrar e sair: o rei no tinha mais nenhuma preocupao. Mas quem pode manter secretos por muito tempo seus amores? Infelicidade! No se pode ocultar o amor!

    Marc perdoara os traidores e, como o senescal Di- nas de Lidan tivesse encontrado certo dia. numa floresta distante, errante e desgraado, o ano corcunda. levou-o a presena do rei, que teve piedade e perdoou suas iniqidades.

    Mas a bondade s fez excitar o dio dos bares: tendo novamente surpreendido Tristo e a rainha, aliaram se por este juramento: se o rei no expulsasse- seu sobrinho do pas, eles retirar-se-iam para suas lortalezas a fim de guerreado. Convocaram o rei para parlamentarem.

    Senhor, ama-nos ou odeia-nos, a escolha e tua: mas queremos que expulses Tristo. Ele ama a rainha e no o v quem no quer; mas ns, ns no o suportaremos mais.

    O rei ouviu-os, suspirou, baixou a fronte e calou-se.

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  • - \o, rei, no o suportaremos, pois sabemos que essa notcia, estranha no faz muito tempo, agora no te surpreende mais e consentes no crime deles. Que fars tu? Delibera e toma deciso. Quanto a ns, se no afastares definitivamente teu sobrinho, ns nos retiraremos para nossas baronas e levaremos conosco tambm nossos vizinhos para tora de tua corte, pois nao podemos suportar que eles continuem habitando aqui. Tal a escolha que te oferecemos; escolhe pois!

    - Senhores, uma vez acreditei nas horrendas palavras que dizeis de Iristo e disso arrependi-me. Mas sois meus fiis e nao quero perder o servio dos meus homens. Aconselhai-me pois. peco-vos. que me deveis o conselho. Bem sabeis que evito todo oorgulho e todos os extremos.

    - Ento, senhor, mandai vir aqui o ano I rocin Perdestes a confiana nele, por causa da aventura do pomar. No entanto, no tinha ele lido nas estrelas que a rainha viria naquela noite para debaixo do pinheiro? F.le sabe muitas coisas; tomai o conselho dele

    O corcunda maldito veio, e Denoalen abraou-o Escutai a traio que ele ensinou ao rei

    - Sire, ordena a teu sobrinho que amanha, ao romper da aurora, galope at Carduel para levar ao rei Arthur um breve em pergaminho, bem selado com lacre. Rei, Tristo dorme perto do teu leito Sai do teu quarto na hora do teu primeiro sono e. juro por Deus e pela lei de Roma, se ele ama Isolda com louco amor. querer falar-lhe antes cie partir: mas, se ele for sem que eu o saiba e sem que tu o vejas, ento mata-me. Quanto ao mais, deixa-me levar a aventura a meu talante e evita somente de talar a Tristo dessa mensagem antes da hora de deitar.

    - Sim - respondeu Marc que assim se faa!Ento o ano fez uma pssima felona. Foi a um

    padeiro e comprou-lhe por quatro dinheiros polvilho de farinha de trigo, que escondeu no regao de sua veste. Ah! Quem jamais imaginaria tamanha traio?

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  • Ao chegar a noite, depois que o rei fizera sua refeio e seus homens adormeceram pela vasta sala vizinha de seu quarto. Tristo < hegou. como de costume, quando o rei Marc se deitava.

    - Belo sobrinho, aze minha vontade: cavalga at o rei Arthur, em Carduel, e apresenta-lhe este breve. Cumprimenta o de minha parte e no fica seno um dia perto dele.

    - Hei, lev-lo-ei amanha.- Sim, amanh, antes que o dia amanhea.K Tristo foi invadido por grande aflio. I)e seu

    leito ao leito de Marc ia bem o comprimento de uma lana. Um desejo furioso de falar com a rainha do- minou-o e em seu corao ele prometeu cjue pela madrugada, se Marc dormisse, aproximar-se-ia dela. Oh! Deus! Que pensamento louco!

    O ano dormia, habitualmente, no quarto do re