Ferreira 2011

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  • 7/24/2019 Ferreira 2011

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    Dissertao de MestradoOrientada pela Professor Doutor Mrio Aroso de Almeida

    Fevereiro de 2011

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    A Utilizao de Meios de Impugnao Administrativa Luz do n. 4 do Artigo 59. do CPTA

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    Modo de citar

    No texto as obras so citadas em nota de rodap, por referncia ao nome completo do

    autor, ttulo, edio, ano da obra e pgina.

    A jurisprudncia citada pelo tribunal, data do acrdo e nmero do processo, sendo

    que todos os acrdos referidos podem sem consultados em www.dgsi.pt.

    Na bibliografia final, as obras so elencadas por ordem alfabtica pelo primeiro nome

    do autor, respeitando-se nos casos em que h mais autores a ordem pela qual aparecem

    na obra.

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    Abreviaturas

    CCCdigo Civil

    CCP Cdigo dos Contratos Pblicos

    CJA Cadernos de Justia Administrativa

    CPA Cdigo de Procedimento Administrativo

    CPC Cdigo de Processo Civil

    CPTA Cdigo de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais

    CRP Constituio da Repblica Portuguesa

    ED Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administrao Pblica

    ETAF/84 Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (aprovado pelo Decreto-Lei n. 129/84, de 27 de Abril e revogado pela Lei n. 13/2002, de 19 de Fevereiro)

    ETAF Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais

    LPTA Lei de Processo dos Tribunais Administrativos (Aprovada pelo Decreto-Lei n.

    267/85, de 16 de Julho e revogada pela Lei n. 15/2002, de 22 de Fevereiro).

    RCP Regulamento das Custas Processuais

    STA Supremo Tribunal Administrativo

    TCA Tribunal Central Administrativo

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    1 Enquadramento do objecto do estudo.

    Com a entrada em vigor do novo Cdigo de Processo nos Tribunais

    Administrativos (CPTA) aprovado pela Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, surgiram

    inovaes e vantagens para os particulares que no raras vezes se vem confrontados

    com a necessidade de utilizar meios de impugnao administrativa para fazer valer as

    suas pretenses face Administrao.

    O que sucede no menos vezes, pelo menos a prtica assim o indicia, que osparticulares tendem a reagir contra aces e omisses da Administrao de modo muito

    semelhantes quele em que o faziam no regime anterior reforma do contencioso

    administrativo, ignorando algumas das inovaes introduzidas pelo novo CPTA.

    neste contexto que o presente estudo pretende incidir, com o intuito de

    contribuir para uma melhor compreenso da articulao entre os meios de impugnao

    administrativa e os meios de impugnao contenciosa, tentando demonstrar por um lado

    a utilidade da reclamao e dos recursos administrativos e, por outro lado, que a via

    judicial pode ser encarada, no como a primeira, mas antes, como a derradeira forma de

    resoluo de litgios entre os particulares e a Administrao.

    Contudo, no se pretende de uma forma exaustiva abranger todos os aspectos em

    que gracioso e contencioso se cruzam na relao entre os particulares e a

    Administrao.

    Antes pelo contrrio, pretende-se abordar em que medida a utilizao de meios

    de impugnao administrativa tm o alcance de fazer suspender o prazo de impugnao

    contenciosa previsto nos termos do n. 4 do artigo 59. do CPTA, bem como procurar

    esclarecer diversos aspectos relacionados com a aplicao daquela norma.

    Espera-se, assim, que o presente estudo possa contribuir para identificar quais os

    meios processuais em que se aplica o disposto no n. 4 do artigo 59. do CPTA, as

    inovaes e utilidade que resultam da introduo desta norma no nosso contencioso

    administrativo, os pressupostos da sua aplicao, bem como o perodo de tempo em que

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    fica suspenso o prazo de impugnao contenciosa por fora da utilizao de meios de

    impugnao administrativa.

    1.1. Esboo da evoluo do regime jurdico das impugnaes administrativas

    desde a Constituio da Repblica Portuguesa de 1976 at actual

    reforma do contencioso administrativo de 2004.

    Tal como se referiu a ttulo meramente introdutrio, o presente estudo tem por

    objecto a relevncia que impugnaes administrativas assumem no quadro docontencioso administrativo portugus, ainda que de modo circunscrito sua utilizao

    com vista suspenso do prazo de impugnao contenciosa de actos administrativos.

    Neste contexto relevante traar de forma sucinta o quadro das principais

    evolues registadas no mbito das impugnaes administrativas na histria recente do

    Direito Administrativo, existindo marcos importantes que importa salientar quer a nvel

    constitucional quer ao nvel do direito ordinrio.

    Comeando pelo plano constitucional, tal como refere PAULO OTERO, existem

    dois momentos a assinalar, o primeiro dos quais ocorre com a verso original da

    Constituio Repblica Portuguesa (CRP) de 19761que perdurou at segunda reviso

    constitucional operada pelaLei n 1/82, de 30 de Setembro,e um segundo momento que

    teve lugar com a reviso constitucional de 1989 atravs da Lei Constitucional n 1/89,

    de 8 de Julho2.

    No perodo que mediou entre 1976 e 1982 foi reconhecido aos administrados o

    direito de recurso contencioso contra os actos definitivos e executrios passando por

    conseguinte a fazer-se a distino entre recursos graciosos necessrios e facultativos, em

    1A Constituio da Repblica Portuguesa foi aprovada pelo Decreto de 10 de Abril de 1976.2PAULO OTERO,Impugnaes administrativas, CJA, n. 28, pp. 50 e 51.

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    virtude da alterao do n. 3 do artigo 268. da CRP introduzido atravs da Lei n 1/823,

    de 30 de Setembro, que passou a ter a seguinte redaco:

    garantido aos interessados recurso contencioso, com fundamento em

    ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos definitivos e executrios,

    independentemente da sua forma, bem como para obter o reconhecimento de um

    direito ou interesse legalmente protegido.

    Posteriormente, h a assinalar um segundo momento decisivo que teve lugar

    com a reviso constitucional de 1989 atravs da Lei Constitucional n 1/89, de 8 de

    Julho, que trouxe novamente alteraes ao artigo 268. da lei fundamental, deixando de

    se fazer referncia necessidade de o recurso contencioso ser interposto contra actosdefinitivos e executrios para passar a ser admitida a impugnao de actos

    administrativos lesivos4nos seguintes termos:

    garantido aos interessados recurso contencioso, com fundamento em

    ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos, independentemente da sua

    forma, que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos.5.

    Tendo sucedido ento que, face a esta alterao do texto constitucional, se

    verificou uma divergncia na doutrina quando constitucionalidade dos meios de

    impugnao administrativa necessrios, que, alis, se mantm actualmente.

    Como refere PAULO OTERO(i) Uma parte da doutrina, por uma lado, continua

    a reconhecer ao legislador ordinrio a liberdade de exigir a definitividade vertical ao

    acto administrativo passvel de recurso contencioso, circunstncia esta que permite

    3 Em relao quela alterao do texto constitucional SRVULO CORREIA,Direito do ContenciosoAdministrativo, vol. I, 2005,p. 573, refere quea verso de 1982, a garantia centrava-se ainda num

    meio processual: o recurso contencioso. A novidade em relao ao texto de 1976 era a de tal recurso

    tanto poder dirigir-se, com fundamento em ilegalidade, contra um acto administrativo definitivo e

    executrio, como visar a obteno do reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido..4De acordo com SRVULO CORREIA,Direito do Contencioso Administrativo, vol. I, 2005, p. 574, Em

    relao ao enunciado de 1982, o de 1989 trazia ainda uma novidade no tocante ao mbito da garantia de

    recurso contencioso: o acto administrativo deixava de ser qualificado como definitivo e executrio. Em

    contrapartida, especificava-se ex nuovo respeitar a garantia de recurso contencioso aos actos lesivos de

    direitos ou interesses legalmente protegidos.5Esta passou a ser a redaco do n. 4 do artigo 268. aps a reviso constitucional de 1989.

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    continuar a falar-se em recursos graciosos necessrios e recursos graciosos

    facultativos (ii) Uma outra parte da doutrina, pelo contrrio entende que a alterao

    do texto constitucional, substituindo o requisito da definitividade vertical pela

    lesividade do acto, veio tornar inconstitucional a figura do recurso contenciosonecessrio.6;

    Como se pode constatar, no pacfica na doutrina a questo da admissibilidade

    das impugnaes administrativas necessrias, isto porque, enquanto para alguns autores

    as impugnaes administrativas necessrias so inconstitucionais7, outros h que

    defendem no existir fundamento para sustentar tal inconstitucionalidade uma vez que

    as impugnaes administrativas necessrias no constituem uma verdadeira restrio

    impugnao contenciosa de actos administrativos mas apenas um condicionamento ou

    requisito para que os particulares possam alcanar a via contenciosa8.

    Porm, a evoluo das impugnaes administrativas no ocorreu apenas no

    plano constitucional, tambm a legislao ordinria veio trazer importantes alteraes a

    que correspondem diversas fases que se estendem at actualidade e que importa

    identificar.

    Pode dizer-se em traos gerais que at entrada em vigor do Decreto-Lei n.256-A/77, de 17 de Junho, que veio a reforar as garantias da legalidade administrativa

    6PAULO OTERO,Impugnaes administrativas, CJA, n. 28, p. 50; Para uma breve sntese das posies

    defendidas pela doutrina v. MARCELO REBELO DE SOUSA / ANDR SALGADO DE MATOS, Direito

    Administrativo Geral, Tomo III, 2. edio, 2009, p. 222.7 A ttulo de exemplo, so defensores desta opinio PAULO OTERO, As Garantias Impugnatrias dos

    Particulares no Cdigo do Procedimento Administrativo, Scientia Iuridica, XLI, 1992, n.os235/237, pp.

    56 e ss.;tambm VASCO PEREIRA DA SILVA,O Contencioso Administrativo no Div da Psicanlise,2005,pp. 319 e 320.8Neste contexto JOS MANUEL SANTOS BOTELHO /AMRICO PIRES ESTEVES /JOS CNDIDO DE PINHO,

    Cdigo do Procedimento Administrativo Anotado e Comentado 5. edio, 2002, p. 986, referem que a

    exigncia de deciso administrativa prvia traduzida da necessidade de precedncia de impugnao

    administrativa prvia no , quanto a ns inconstitucional uma vez que no se traduz em restrio ao

    direito de recurso contencioso, mas apenas em mera regulamentao do seu exerccio (cfr. neste sentido

    o Ac. do Trib. Constitucional, de 24/03/87, in B.M.J.365, a pg. 317); No mesmo sentidoJOS MANUEL

    SANTOS BOTELHO, Contencioso Administrativo, 4. edio, 2002, pp. 405 e 406; A mesma posio

    defendida por JOS CARLOS VIEIRA DE ANDRADE,Em defesa do recurso hierrquico, CJA n. 0, em

    anotao ao acrdo do Tribunal Constitucional n. 499/96, de 20.03.1996;

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    e dos direitos individuais dos cidados perante a Administrao Pblica9, existiam

    impugnaes administrativas necessrias e facultativas, sendo que a reclamao tinha

    sempre carcter facultativo10.

    Porm, durante a vigncia daquele diploma e at reforma do contencioso

    administrativo ocorrida em 1984 e 1985, mais propriamente com a entrada em vigor do

    Decreto-Lei n. 129/84, de 27 de Abril, que aprovou o Estatuto dos Tribunais

    Administrativos e Fiscais (ETAF/84) e com Decreto-Lei n. 267/85, de 16 de Julho, que

    aprovou a Lei do Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA) veio a verificar-se

    uma inovao face ao regime anterior que se cifrou na exigncia de reclamao

    necessria enquanto pressuposto do recurso contencioso11.

    S aquando da reforma de 1984/1985, com o n. 1 do artigo 35. da LPTA

    deixou de existir a obrigao de utilizao da reclamao necessria para alcanar a via

    contenciosa12ficando ainda consagrada a existncia de recursos graciosos necessrios e

    facultativos

    No entanto, reviso constitucional de 1989 com a alterao que introduziu

    atravs da redaco do n. 4 do artigo 268. da CRP levantou na doutrina13a discusso

    sobre a inconstitucionalidade das impugnaes administrativas necessrias e do artigo25. da LPTA.

    9 De acordo com SRVULO CORREIA,Direito do Contencioso Administrativo, vol. I, 2005, p. 576 Oobjectivo do Decreto-Lei n. 256-A/77, de 17 de Junho, foi o de atalhar pontualmente as deficincias

    mais gritantes do sistema vigente de proteco contenciosa: dever de fundamentar actos administrativos,

    efectiva reapreciao do acto impugnado pelo rgo seu autor, garantias contra o silncio da

    Administrao e de execuo da sentena administrativa..10Neste sentido DIOGO FREITAS DO AMARAL,Direito Administrativo,IV, Policop., 1988, p. 28.11Ibidem, p. 29, DIOGO FREITAS DO AMARAL refere que () o Decreto-Lei n. 256-A/77, de 17 de

    Junho, veio instituir entre ns () a figura da reclamao necessria..12Ibidem, p. 31.13 Para uma breve sntese das vrias posies em confronto v. MARCELO REBELO DE SOUSA /ANDR

    SALGADO DE MATOS,Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2. edio, 2009,p. 222.

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    No obstante o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre esta questo tendo

    concludo pela no inconstitucionalidade daquela norma14, pelo que os tribunais

    administrativos continuaram a exigir a definitividade vertical dos actos recorrveis.

    Uma outra evoluo que se revelou fundamental foi a aprovao do Cdigo do

    Procedimento Administrativo atravs do Decreto-Lei n. 442/91, de 15 de Novembro,

    que passou a consagrar, pela primeira vez, um regime geral apto regular os meios de

    impugnao administrativa15.

    Alis, s com a aprovao do CPA foi possvel concretizar plenamente o

    disposto no n. 4 do artigo 267. da CRP16merecendo particular relevo a consagrao de

    garantias impugnatrias que, de acordo com o entendimento de PAULO

    OTERO

    ,podem

    ser Entendidas como meios graciosos atravs dos quais os particulares impugnam um

    acto administrativo junta da prpria Administrao, as garantias impugnatrias tm

    como pressuposto a existncia de uma prvia deciso que se procura revogar ou

    modificar atravs da sua impugnao17, sendo a regra utilizao de impugnaes

    administrativa prvias para se poder alcanar a via contenciosa.

    A fase mais recente da evoluo acabada de enunciar deriva de uma nova

    realidade trazida a lume pela reforma do contencioso administrativo de 2002 que visoua reorganizao dos tribunais administrativos e a reformulao do Direito Processual

    Administrativo18 concretizadas, respectivamente, pelo Estatuto dos Tribunais

    14 Foi o caso do acrdo do Tribunal Constitucional n. 499/96, de 20.03.1996, que foi objecto de

    anotao por parte de JOS CARLOS VIEIRA DE ANDRADE,Em defesa do recurso hierrquico, CJA n. 0,

    tendo o autor manifestado a sua concordncia com aquele aresto.15PAULO OTERO,Impugnaes administrativas, CJA n. 28, p. 51.

    16Pese embora se trate de uma exigncia constitucional que havia sido consagrada no n. 3 do artigo 268.da CRP de 1976, foi no n. 4 do artigo 267. (na verso da reviso constitucional de 1989 vigente data

    em que foi aprovado o CPA) que passou a estar previsto que O processamento da actividade

    administrativa ser objecto de lei especial, que assegurara a racionalizao dos meios a utilizar pelos

    servios e a participao dos cidados na formao das decises ou deliberaes que lhes disserem

    respeito..17 PAULO OTERO, As Garantias Impugnatrias dos Particulares no Cdigo do Procedimento

    Administrativo, Scientia Iuridica, XLI, 1992, n.os235/237, p. 54.18Para DIOGO FREITAS DO AMARAL,ltima Lio, 2007, p. 29, com o ETAF houve uma reestruturao

    total da jurisdio administrativa portuguesa () com a reforma de 2002, o nmero dos tribunais

    administrativos existentes foi multiplicado por 6,3; e o nmero de juzes foi multiplicado por 10,4.

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    Administrativos e Fiscais (ETAF) aprovado pelo Lei n. 13/2002, de 19 de Fevereiro, e

    pelo CPTA aprovado pela Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro.

    Assim, atravs da recente reforma do contencioso administrativo foi consagrada

    como regra geral no nosso ordenamento jurdico a impugnao administrativa de

    carcter facultativo, tal como refere ISABEL CELESTE FONSECA ao considerar que de

    acordo com leitura mais consensual, quer do ponto de vista doutrinal quer

    jurisprudencial, a lei processual administrativa veio inverter a lgica do sistema no que

    concerne impugnao de actos praticados pelos subalternos, tendo determinado,

    como regra geral, a desnecessidade da impugnao administrativa prvia para se

    aceder via contenciosa (arts. 51. e 59., n.os4 e 5 do CPTA).19.

    Importa ainda destacar que esta mudana de paradigma que institui como regra

    as impugnaes administrativas facultativas veio, em termos completamente

    inovadores, permitir que a utilizao desta forma de reaco graciosapudesse produzir

    efeito suspensivo do prazo de impugnao contenciosa de actos administrativos.

    1.2.

    mbito de aplicao do n. 4 do artigo 59. do CPTA.

    Impe-se agora uma delimitao mais clara do objecto do presente estudo

    colocando em evidncia a inovao consagrada no n. 4 do artigo 59. do CPTA ao

    estabelecer que A utilizao de meios de impugnao administrativa suspendam o

    prazo de impugnao contenciosa do acto administrativo, que s retoma o seu curso

    com a notificao da deciso proferida sobre a impugnao administrativa ou com o

    decurso do respectivo prazo legal..

    muito raro ser-se to ousado em Portugal!; Referindo-se, por outro lado, ao CPTA como a segunda

    pea fulcral da reforma do contencioso administrativo considera que as muitas e ousadas inovaes o

    colocam ao lado do que de melhor existe neste momento nos pases juridicamente mais avanados da

    Europa, em especial a Alemanha, a Itlia e a Inglaterra..19

    ISABEL CELESTE FONSECA,Repensar as impugnaes administrativas entre a efectividade do processo

    e a unidade da aco administrativa, CJA n. 82, p. 74; ainda com entendimento idntico, SRVULO

    CORREIA,Direito do Contencioso Administrativo, vol. I, 2005, p. 788 e MRIO AROSO DE ALMEIDA,

    Manual de Processo Administrativo,2010, p. 303.

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    Mas a leitura desta disposio legal no pode ser feita de modo isolada pelo que

    merece uma interpretao devidamente contextualizada e interligada com outras

    inovaes contidas no CPTA, sem o que no ser possvel compreender o alcance da

    utilizao dos meios de impugnao administrativa no novo paradigma do contenciosoadministrativo portugus.

    Por isso importa analisar alguns aspectos que permitiro compreender melhor a

    integrao sistemtica daquela norma e, a partir da, delimitar os meios processuais em

    que a mesma assume relevncia.

    Ora, recorrendo Exposio de Motivos do CPTA resulta claramente que os

    processos do contencioso administrativo podem seguir uma de duas tramitaesprincipais, nos seguintes termos:

    1. A tramitao que se optou por qualificar como comume que, remetendo

    para o modelo do processo civil de declarao corresponde basicamente que

    tradicionalmente seguida no clssico contencioso das aces. Embora a

    tradio do nosso contencioso administrativo seja a de remeter, no contencioso

    das aces sobre contratos e responsabilidade, para o processo civil de

    declarao na forma ordinria, a remisso passa a ser feita tambm para aforma sumria e para a forma sumarssima, em funo do valor da causa.

    A tramitao que se entendeu qualificar como especial, por contraposio

    primeira, por obedecer a um modelo especfico, prprio do contencioso

    administrativo, e que, embora com diversas adaptaes que o aproximam da

    forma de processo comum, resulta da fuso das duas formas de tramitao do

    recurso contencioso de anulao..

    Neste contexto, como ensinam DIOGO FREITAS DO AMARAL /MRIO AROSO DE

    ALMEIDA na nova estrutura adoptada pelo CPTA foram criados dois modelos diferentes

    de processos principais, sendo que O primeiro desses modelos corresponde aco

    administrativa comum, caracterizada por admitir a deduo genrica de pedidos de

    condenao, de mera apreciao e constitutivos, sempre que no tenha sido emitido

    nem se pretenda a emisso de um acto administrativo ou de uma norma: cfr. Ttulo II.

    O outro modelo corresponde aco administrativa especial, caracterizada pelo facto

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    de se reportar prtica ou omisso de actos administrativos ou de normas: cfr. Ttulo

    III.20.

    Esta matriz dualista deixa desde logo antever que o objecto do presente estudo

    no ir incidir sobre aspectos da aco administrativa comum, porquanto esta forma do

    processo declarativo aplicvel s pretenses a que no corresponda outra forma

    especfica de processo, conforme se alcana do artigo 37. do CPTA.

    Alm disso, o Ttulo II que o CPTA dedica tramitao da aco administrativa

    comum no tem contm qualquer disposio relativa suspenso do prazo de

    impugnao contenciosa nem remete para esse regime que apenas se encontra previsto

    no n. 4 do artigo 59. do CPTA.

    Por outro lado, como resulta expressamente do n. 1 do artigo 41. do CPTA, em

    regra, as pretenses dedutveis mediante a aco administrativa comum podem ser

    accionadas a todo o tempo, excepto nos casos em que exista lei substantiva que

    imponha a observncia de determinado prazo21 ou quando se trate de aces para a

    anulao de contratos caso em que a reaco judicial ter que ter lugar no prazo de 6

    meses22.

    De facto, a suspenso do prazo de impugnao contenciosa previsto no n. 4 do

    artigo 59. do CPTA no se aplica aco administrativa comum, isto porque, aquela

    norma encontra-se inserida sistematicamente na parte relativa impugnao de actos

    administrativos23podendo ser aplicada nos casos em que o particular pretende reagir

    20 DIOGO FREITAS DO AMARAL / MRIO AROSO DE ALMEIDA, Grandes Linhas da Reforma do

    Contencioso Administrativo, 3. edio, 2004, p. 90.

    21Quanto s ressalvas contidas na lei substantiva referidas no n. 1 do artigo 41. do CPTA v. MRIO

    AROSO DE ALMEIDA /CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA,Comentrio ao Cdigo de Processo nos

    Tribunais Administrativos, 3. edio revista, 2010, pp. 275 e 276.22 Para um maior desenvolvimento sobre os contornos desta inovao no direito portugus v. MRIO

    AROSO DE ALMEIDA /CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA,Comentrio ao Cdigo de Processo nos

    Tribunais Administrativos, 3. edio revista, 2010, p. 276.23Sistematicamente o CPTA consagra no seu Ttulo III o regime da aco administrativa especial, cujo

    Captulo II contm as respectivas disposies particulares e no qual se integra a Seco I relativa

    impugnao de actos administrativos, sendo desenvolvida na Subseco III a disciplina dos prazos de

    impugnao, onde finalmente se pode encontrar inserido o artigo 59. cuja epgrafe inicio dos prazos

    de impugnao.

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    contra manifestaes de poder pblico socorrendo-se para o efeito de uma aco

    administrativa especial24ou mesmo de um meio de impugnao urgente.

    Assim, quando se trate de um pedido de anulao de um acto administrativo ou

    declarao da sua nulidade ou inexistncia jurdica poder aplicar-se o disposto no n. 4

    do artigo 59. do CPTA desde que se verifiquem os pressupostos de que depende a sua

    utilizao, sendo este regime extensvel aco de condenao prtica de acto devido

    nos casos de indeferimento previstos no n. 2 do artigo 69. do mesmo diploma.

    Por outro lado, h ainda a considerar os processos urgentes em relao aos quais

    O CPTA prev, no Ttulo IV, quatro tipos genricos de situaes em que reconhece

    existir a necessidade de obter, com urgncia, uma deciso de fundo sobre o mrito dacausa e, por esse motivo, institui quatro modelos de tramitao, que correspondem a

    quatro formas de processos especiais. Esses processos tm por objecto as questes do

    contencioso eleitoral cuja apreciao atribuda jurisdio administrativa (artigo

    97. a 99.), a impugnao dos actos praticados no mbito de certos procedimentos pr-

    contratuais (artigos 100. a 103.) e os pedidos de intimao para a prestao de

    informaes, consulta de processos ou passagem de certides (artigo 104. a 108.) e

    para a proteco de direitos, liberdades e garantias (artigos 109. a 111.).25.

    Contudo, daquele universo de processos urgentes acabado de elencar s no caso

    do contencioso eleitoral e do contencioso pr-contratual se prev a aplicao subsidiria

    da seco I do captulo II do ttulo III, por remisso do n. 1 do artigo 97. e do n. 1 do

    artigo 100. do CPTA, isto , apenas a estes se aplicam os artigos 50. a 65. do CPTA

    que regulam a impugnao de actos administrativos possibilitando, entre outros

    aspectos especficos deste regime jurdico, que os particulares beneficiem da suspenso

    do prazo de impugnao judicial em virtude de utilizao de meios de impugnaoadministrativa.

    Deste modo possvel, para j, delimitar o objecto do presente estudo apenas

    aco administrativa especial - quer se trate de um pedido de impugnao de actos

    administrativos ou de um pedido de condenao prtica de acto devido - e aos

    24 DIOGO FREITAS DO AMARAL / MRIO AROSO DE ALMEIDA, Grandes Linhas da Reforma do

    Contencioso Administrativo, 3. edio, 2004, p. 97.25Tal como referem MRIO AROSO DE ALMEIDA /CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA,Comentrio

    ao Cdigo de Processo nos Tribunais Administrativos, 3. edio revista, 2010, pp. 645 e 646;

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    processos urgentes quando sigam a forma de processo especial de contencioso

    eleitoral26e contencioso pr-contratual27.

    1.3. As inovaes introduzidas pelo n. 4 do artigo 59. do CPTA

    Ainda antes da entrada em vigor do CPTA, em 1 de Janeiro de 2004, referindo-se ao

    Projecto de Cdigo de Processo nos Tribunais Administrativos, PAULO OTEROapontava

    como uma das mais importantes inovaes em matria de impugnaes administrativas

    a possibilidade de a utilizao das mesmas permitir a suspenso do prazo deimpugnao contenciosa do acto administrativo28.

    Assim efectivamente, e como ensina MRIO AROSO DE ALMEIDA o n. 4 do artigo

    59. do CPTA traduz-se numa inovao que merece especial referncia, implicando

    regra geral que a utilizao voluntria de qualquer meio de impugnao

    administrativa tem efeito suspensivo sobre o prazo de impugnao contenciosa dos

    actos administrativos29.

    Por isso, o CPTA impe uma leitura actual de diversas normas contidas no CPA

    que agora tm de ser interpretadas luz do novo contencioso administrativo, como o

    caso do n. 2 do artigo 164. daquele diploma de acordo com o qual a reclamao ()

    no suspende nem interrompe o prazo de interposio de recurso que no caso couber.

    26 Quanto questo de saber se possvel a aplicao do artigo 59. n. 4 do CPTA quando se trate deimpugnaes de actos de contencioso eleitoral pronunciam afirmativamente MRIO ESTEVES DE

    OLIVEIRA /RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA,Cdigo de Processo nos Tribunais Administrativos Estatuto

    dos Tribunais Administrativos e Fiscais Anotados, Vol. I, 2004, pp. 391 e 392.27A jurisprudncia tem-se manifestado neste sentido ao considerar que O art. 59, n 4 do CPTA, nos

    termos do qual a utilizao de meios de impugnao administrativa suspende o prazo de impugnao

    contenciosa do acto administrativo, aplicvel ao contencioso pr-contratual regulado nos arts. 100 e

    segs do CPTA cfr. acrdo do STA, de 24.09.2009, Processo n. 0702/09; No mesmo sentido se

    pronunciou o acrdo do STA, de 17.12.2008, Processo n. 0841/08.28PAULO OTERO,Impugnaes administrativas, CJA n. 28, p. 50.29MRIO AROSO DE ALMEIDA,Manual de Processo Administrativo, 2010, p. 314.

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    De resto, seguindo ainda o pensamento de MRIO AROSO DE ALMEIDA, deve

    considerar-se que o n. 4 do artigo 59. do CPTA tem o alcance imediato de revogar

    tacitamente o n. 2 do artigo 164. do CPA30, na parte em que esta no atribui

    apresentao de reclamao efeito suspensivo do prazo de impugnao contenciosaincentivando, assim, a utilizao de impugnaes administrativas tendo ainda o alcance

    mediato de criar condies para que futuramente sejam eliminadas ou reduzidas, por via

    legislativa, as impugnaes administrativas necessrias31.

    Apesar daquele aspecto inovador introduzido pelo n. 4 do artigo 59. do CPTA

    importa realar que este preceito apenas suspende o prazo de impugnao contenciosa e

    no os efeitos do acto impugnado, tendo sido j apontadas diversas sugestes 32 para

    garantir impugnao administrativa efeitos suspensivos em toda a linha, i.e, a

    suspenso do prazo de impugnao contenciosa bem como a suspenso de eficcia do

    acto.

    No obstante, MRIO AROSO DE ALMEIDA reala que o particular tem a

    possibilidade de articular os n.os4 e 5 do artigo 59. do CPTA que permitem, quando

    utilizados simultaneamente, retirar benefcios quer da impugnao administrativa quer

    da impugnao contenciosa do acto ficando, neste ltimo caso, sempre em aberto a

    possibilidade de requerer em juzo a competente providncia cautelar apta a impedir a

    produo de efeitos do acto impugnado33.

    Por outro lado, ISABEL CELESTE FONSECA prope uma alternativa de jure

    constituendo que v ao encontro de impugnaes administrativas facultativas que

    30No mesmo sentidoMARCELO REBELO DE SOUSA /ANDR SALGADO DE MATOS,Direito Administrativo

    Geral, Tomo III, 2. edio, 2009, pp. 220 e 224; e ainda MRIO ESTEVES DE OLIVEIRA / RODRIGO

    ESTEVES DE OLIVEIRA, Cdigo de Processo nos Tribunais Administrativos Estatuto dos TribunaisAdministrativos e Fiscais Anotados, Vol. I, 2004, p. 391.31MRIO AROSO DE ALMEIDA,O ovo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos,4. edio,

    2005, p.178.32Refira-se a este propsito ANDR SALGADO DE MATOS,Perspectivas de reforma dos procedimentos

    administrativos revisivos aps a reforma do contencioso administrativo, CJA n. 54, p. 51, que entende

    que necessrio ir mais alm, acolhendo a proposta, formulada por V.PEREIRA DA SILVA, de atribuio

    a todos os recursos hierrquicos de um efeito suspensivo, no apenas quanto aos prazo de reaco

    contenciosa, mas tambm quanto aos prprios efeitos do acto recorrido, o que actualmente est previsto

    apenas para o recurso hierrquico necessrio (arts. 170., n. 1 do CPTA)..33MRIO AROSO DE ALMEIDA,Manual de Processo Administrativo,2010, pp. 315 e 316.

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    determinem a suspenso de eficcia do acto, sugerindo que uma futura reviso do CPA

    consagre um modelo que acolha a regra da natureza facultativa dos mecanismos de

    reviso das decises administrativas, sendo certo que quanto aos tipos de efeitos

    considera-se adequado que se lhe atribua efeitos suspensivos, no s em relao aoprazo para deduo das impugnaes jurisdicionais (sendo certo que este aspecto da

    decorre da lei processual) como tambm em relao eficcia do acto

    administrativamente impugnado34

    Admitindo que esta hiptese chegou a ser considerada aquando da feitura do CPA,

    VASCO PEREIRA DA SILVAelenca as vantagens que podem advir daquela soluo sobre

    vrios pontos de vista, por um lado o do particular, que passava a ter um estmulo

    acrescido para utilizar as garantias administrativas, decorrente do efeito suspensivo

    automtico do acto administrativo, sem nunca ver prejudicado nem precludido o

    respectivo direito de acesso ao tribunal () e, por outro lado, o da Administrao

    que passaria a gozar, em termos mais alargados, de uma segunda oportunidade,

    para melhor cumprir a legalidade e realizar o interesse pblico, podendo tambm,

    sendo caso disso, satisfazer logo as pretenses do particular e pr termo ao litgio;

    proporcionando em ltima anlise o do bom funcionamento do sistema de justia

    administrativa pois o eficaz funcionamento das garantias administrativas poderia servirde filtro a litgios susceptveis de ser preventivamente resolvidos.35.

    Atente-se, por exemplo, naquela que foi a soluo do legislador consagrada

    actualmente no artigo 59. da Lei n. 58/2008, de 9 de Setembro, que aprovou o Estatuto

    Disciplinar dos Trabalhadores da Administrao Pblica (ED), aquele preceito veio

    estabelecer que Os actos proferidos em processo disciplinar podem ser impugnados

    hierrquica ou tutelarmente () prevendo ainda no n. 4 do artigo 60. do mesmo

    diploma que O recurso hierrquico ou tutelar suspende a eficcia do despacho ou da

    deciso recorridos.

    Resulta, assim, da conjugao do artigo 59. e do n. 4. do artigo 60. do ED que,

    regra geral, possvel reagir contra todos os actos lesivos proferidos no mbito de um

    34ISABEL CELESTE FONSECA,Repensar as impugnaes administrativas entre a efectividade do processo

    e a unidade da aco administrativa, CJA n. 82, p. 82; Em sentido favorvel a esta soluo, VASCO

    PEREIRA DA SILVA,O Contencioso Administrativo no Div da Psicanlise,2005, pp. 323 e 324.35VASCO PEREIRA DA SILVA,O Contencioso Administrativo no Div da Psicanlise,2005, p. 332.

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    processo disciplinar atravs de uma impugnao administrativa de carcter facultativo

    que permite a suspenso da eficcia do acto recorrido, bem como a suspenso do prazo

    de impugnao contenciosa.

    Mas apesar das vantagens que parecem emergir desta soluo h tambm quem

    continue a ver nos meios de impugnao necessria uma mais-valia que no deve ser

    abandonada em prol das garantias de defesa dos particulares.

    o caso de PAULO VEIGA E MOURA que critica o novo regime previsto no ED,

    constatando que Optou o legislador pela consagrao em sede disciplinar da natureza

    facultativa dos recursos administrativos, em conformidade com o estatudo nos n.os 4 e

    5 do art. 59 do CPTA, soluo esta que no nos parece a mais adequada at pelasvirtualidades que nesta matria podiam advir da consagrao de recursos hierrquicos

    ou tutelares necessrios., no obstante reconhecer que Todos os recursos

    hierrquicos ou tutelares interpostos contra actos praticados no processo disciplinar

    tm efeito suspensivo, pelo que at deciso de tais recursos os actos impugnados no

    produzem os efeitos a que tendem.36.

    Veja-se que a impugnao administrativa dos actos proferidos em processo

    disciplinar prevista no ED equivale consagrao de um meio impugnatrio facultativoque, afinal, acaba por produzir o efeito que tradicionalmente decorre da utilizao de

    um meio de impugnao administrativa necessrio, ou seja, o efeito suspensivo da

    eficcia do acto.

    Assim, caso o ED tivesse imposto a utilizao de impugnao administrativa

    necessria dos actos praticados no processo disciplinar, da resultaria a suspenso de

    eficcia do acto recorrido em termos idnticos queles que se encontram previstos no n.

    1 do artigo 170. do CPA37e o prazo de impugnao contenciosa s se iniciaria aps a

    36PAULO VEIGA E MOURA,Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administrao Pblica, 2009, p.

    186.37Em anotao quele artigo JOS MANUEL SANTOS/AMRICO PIRES ESTEVES/JOS CNDIDO DE PINHO,

    Cdigo do Procedimento Administrativo Anotado e Comentado 5. edio, Coimbra, Almedina, 2002, p.

    1001,esclarecem que A interposio de recurso hierrquico necessrio suspende a eficcia do acto, a

    no ser que a lei disponha em contrrioou o autor do acto considere, em despacho fundamentado, que a

    no execuo imediata cause grave prejuzo ao interesse pblico. Trata-se de um regime em tudo igual

    ao dos efeitos da reclamao do acto de que no caiba recurso contencioso (cfr. art. 163., n. 1).

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    utilizao da via administrativa, sem a qual o particular nunca conseguiria alcanar a via

    contenciosa.

    Pelo contrrio o regime do actual ED permite, em regra, que o particular ao utilizar

    um meio de impugnao facultativo beneficie da suspenso do acto recorrido por fora

    do n. 4 do artigo 60. daquele diploma e, ainda, da suspenso do prazo de impugnao

    contenciosa prevista no n. 4 do artigo 59. do CPTA, sem prejuzo de poder a qualquer

    momento desencadear de imediato os meios contenciosos ao seu alcance.

    Isto para dizer que, a consagrao de impugnaes administrativas facultativas que

    permitam a suspenso dos efeitos do acto impugnado tal como acontece no regime

    previsto no ED aliada suspenso do prazo de impugnao contenciosa previsto non. 4 do artigo 59. do CPTA, permitir um novo paradigma na articulao entre os

    meios de impugnao administrativa e contenciosa, ficando para j em aberto a

    possibilidade de esta soluo poder vir a ser consagrada como regra geral numa futura

    reviso do CPA.

    1.4.

    O reforo da utilidade do uso de meios de impugnao administrativa.

    ecorrendo aos ensinamentos de PAULO OTEROconclui-se que o n. 4 do artigo 59.

    do CPTA transformou a impugnao administrativa facultativa em impugnao

    recomendvel: se o particular usar a via graciosa, a suspenso legal do prazo de

    impugnao contenciosa dos actos administrativos conferir sempre ao recorrente um

    tempo suplementar de preparao da petio inicial.

    38

    .

    Como bem nota aquele autor, estamos perante um mecanismo jurdico que permite

    incentivar os particulares a utilizar meios de impugnao administrativa39, podendo at

    38PAULO OTERO,Impugnaes administrativas, CJA n. 28, p. 52.39Em sentido contrrio, tendo em conta que por via de regra as impugnaes administrativas tm carcter

    facultativo SRVULO CORREIA,Direito do Contencioso Administrativo, vol. I, 2005, p. 788 considera que

    Ao contrrio do que alguns pensaro, tem pouco de modernidade a soluo agora adoptada,

    consistente na eliminao das vias administrativas prvias necessrias. A verdade que, sem carcter

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    suceder que a Administrao mude a sua posio anterior e decida favoravelmente a

    pretenso formulada em sede de reclamao ou recurso administrativo40, evitando dessa

    forma que a questo controvertida seja apreciada judicialmente.

    Por outro lado, sempre o particular utilize devidamente um meio de impugnao

    administrativa vai beneficiar de um prazo alargado de impugnao contenciosa do acto

    administrativo, cuja contagem se suspende desde a utilizao da reclamao ou do

    recurso administrativo at ao momento em que notificada a deciso que recaia sobre

    aquelas formas de reaco graciosa ou com o decurso do respectivo prazo legal de

    deciso.

    H ainda que ter em conta que, com a entrada em vigor do Decreto-Lei 34/2008, de26 de Fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custa Processuais (RCP) o legislador

    foi claro ao referir no prembulo daquele diploma

    a inteno de continuar os

    objectivos da reforma de 2003, no sentido de se obter uma maior igualdade processual

    entre os cidados e o Estado, reduziu-se significativamente a possibilidade de dispensa

    prvia do pagamento da taxa de justia..

    Ora, tendo em conta que os rgos do Estado semelhana dos particulares est

    sujeito ao pagamento de taxas de justia41, a utilizam de impugnaes administrativaspodem revelar-se uma oportunidade de resolver um diferendo entre a Administrao e o

    particular sem recorrer aos tribunais administrativos, permitindo a resoluo do litgio

    de uma forma mais e econmica, com o evidente beneficio de no congestionar a via

    necessrio (ainda que sob condio de efeito suspensivo), as impugnaes administrativas sero pouco

    utilizadas..

    40 Como refere LUS FILIPE COLAO ANTUNES,A Teoria do Acto e a Justia Administrativa O ovoContrato atural, 2006, p. 271.41A este respeito SALVADOR DA COSTA,Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado,2.

    edio, 2009, p. 412, em anotao ao artigo 38. do RCP refere que () este artigo, absolutamente

    inovador no nosso ordenamento jurdico, sob a epgrafe responsabilidade do Estado por custas, diviso

    de responsabilidade, entre os vrios rgos do Estado, pelo pagamento de custas processuais, multas e

    juros de mora, independentemente de previso de receitas prprias nas respectivas leis estatutrias ()

    Do que se trata, na realidade, de assegurar que todos os rgos do Estado pagam as custas, as multas

    e os juros relativos aos processos que, nos servios que dirigem, foram originados, naturalmente sob o

    desiderato do equilbrio e da proporcionalidade nesta matria, desonerando o oramento do Ministrio

    da Justia e, eventualmente, o do Ministrio das Finanas.

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    judicial42 com processos que podem ter pouca ou nenhuma utilidade se entretanto a

    questo ficar resolvida em sedegraciosa.

    Na verdade, qualquer particular que decida impugnar administrativamente um

    determinado acto do qual discorde pode aspirar a ter uma deciso da Administrao em

    trinta dias teis de forma gratuita, contudo, se optar logo pelo recurso aos tribunais

    administrativos ter, em regra, de suportar de imediato o pagamento de taxas de justia

    e seguramente qualquer deciso, mesmo em sede cautelar, pode vir a ser bastante mais

    morosa do que aquela que venha a ser proferida no mbito da utilizao de um meio de

    impugnao administrativa.

    Efectivamente, pode ser mais vantajoso para os particulares aguardar que aAdministrao se pronuncie sobre a impugnao administrativa uma vez que a forma

    mais clere e econmica de resoluo do seu problema.

    Mas, ainda que a Administrao nunca chegue a pronunciar-se sobre a impugnao

    administrativa do particular este sabe que o tempo que aguardou pela deciso em regra

    30 dias teis nos termos do n. 1 do artigo 175. do CPA no pode ser considerado

    para efeitos de contagem de prazo de impugnao contenciosa.

    42SRVULO CORREIA,Direito do Contencioso Administrativo, vol. I, 2005, p. 788, considera que () o

    recurso aos tribunais tem de ser mantido como possibilidade, mas como ltimo recurso, dada,

    nomeadamente, a contradio entre a massificao da justia administrativa e o imperativo da obteno

    de decises em tempo razovel. .

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    2 Enquadramento do n. 4 do artigo 59. do CPTA no pressuposto processual da

    tempestividade.

    De acordo com JOS CARLOS VIEIRA DE ANDRADE Dizem-se pressupostos

    processuais (tambm designados tradicionalmente no contencioso administrativo por

    condies de possessibilidade) os elementos de cuja verificao depende, num

    determinado processo, o poder-dever do juiz de se pronunciar sobre o fundoda causa,

    isto , de apreciar o mrito do pedido formulado e de sobre ele proferir uma deciso,

    concedendo ou indeferindo a providncia requerida.

    43

    , assim, atendendo a estadefinio aquele autor agrupa os pressupostos processuais consoante eles digam

    respeito ao tribunal, s partes ou ao processo.

    Seguindo esta linha de pensamento, o estudo da matria de que nos ocupamos

    integra-se no grupo dos pressupostos processuais relativos ao processo: trata-se do

    pressuposto processual da tempestividade que encontra dentro da estrutura do CPTA

    especial relevo no Ttulo III que regula a aco administrativa especial, nomeadamente,

    nos artigos 58. (prazos) 59. (incio dos prazos de impugnao) e 60. (Notificao oupublicao deficientes) daquele diploma.

    2.1. O prazo de impugnao contenciosa de actos administrativos

    O n. 1 do artigo 58. do CPTA comea por estabelecer que os actos nulos ou

    inexistentes no esto sujeitos a prazo no existindo nestes casos qualquer limitao

    temporal para que o particular possa fazer valer a sua pretenso em juzo, na verdade

    pode faz-lo a todo o tempo e nestas circunstncias mesmo que sejam utilizados meios

    de impugnao administrativa no existe qualquer suspenso do prazo de impugnao

    43JOS CARLOS VIEIRA DE ANDRADE,Justia Administrativa (Lies), 10. edio, 2009, pp. 294 e 295.

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    contenciosa uma vez que seria intil, na justa medida em que no se pode suspender um

    prazo que nem sequer existe44.

    De resto, o regime contido no n. 1 do artigo 58. do CPTA vai ao encontro do

    regime da nulidade regulado no artigo 134. do CPA que determina que o acto nulo no

    produz quaisquer efeitos jurdicos podendo a nulidade ser invocvel a todo o tempo.

    Pelo contrrio, s quando o acto meramente anulvel ganha particular importncia a

    contagem dos prazos bem como o regime de suspenso a que os mesmo podem estar

    sujeitos, nomeadamente, quando os particulares utilizam meios de impugnao

    administrativa.

    Na verdade a impugnao de actos anulveis a mais comum nos tribunaisadministrativos, o que fica a dever-se em grande parte ao disposto no artigo 135. do

    CPA que consagra no nosso ordenamento jurdico o regime regra da anulabilidade,

    podendo o Ministrio Pblico reagir contra este tipo de invalidade no prazo de um ano

    nos termos da alnea a) do n. 2 do artigo 58 do CPTA, sendo contagem daquele prazo

    regulada nos termos do n. 6 artigo 59. do mesmo diploma.

    J os particulares podem arguir a anulabilidade de um acto administrativo no prazo

    de trs meses45nos termos da alnea b) do n. 2 do artigo 58. do CPTA.

    Quer o prazo seja de ano quer seja de apenas trs meses a sua contagem para efeitos

    de propositura de aco vai obedecer ao regime previsto no n. 4 do artigo 144. do

    44De acordo com a opinio de MRIO AROSO DE ALMEIDA,Vacatio legis e prazo de Impugnao de actos

    administrativos, Revista O.A., Ano 65, n. 3, 2005, p. 798, As regras sobre o modo de contagem dos

    prazos de impugnao so regras que, pela natureza das coisas, se no podem deixar de subordinar s

    regras de fixao desses prazos, que, por sua vez, se tm de subordinar s prprias regras deimpugnabilidade dos actos administrativo: se a impugnao de um acto no estiver sujeita a prazo, no h

    na verdade, que aplicar as regras de contagem de prazos; e se um acto no for, sequer, impugnvel, no h

    prazo de que dependa a sua impugnao, nem, por conseguinte, que contar esse prazo.45Em comparao com o regime anterior ao CPTA a alnea b), n. 2, do artigo 58. amplia de dois para

    trs meses o prazo regra de impugnao anteriormente previsto na alnea a), n. 1, do artigo 28., da

    LPTA, fixando assimem trs meses o prazo-regra de impugnao, estabelecendo o prazo de um ano

    para o exerccio da aco pblica, o qual por ser o mais longo dos prazos admissveis, aquele de que

    depende a revogabilidade dos actos administrativos invlidos, nos termos previstos no artigo 141. do

    CPA. cfr. MRIO AROSO DE ALMEIDA /CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA,Comentrio ao Cdigo

    de Processo nos Tribunais Administrativos, 3. edio revista, 2010, p. 387.

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    Cdigo de Processo Civil (CPC) 46 por fora da remisso do n. 3 do artigo 58. do

    CPTA

    Quer isto significar que na prtica se reconhece no contencioso administrativo a

    aplicao da regra da continuidade dos prazos, bem como a sua suspenso em frias

    judiciais quando a sua durao no for igual ou superior a seis meses ou se tratar de

    actos a praticar em processos que a lei considere urgentes, como o caso daqueles que

    se encontram previstos no artigo 36. do CPTA.

    Convm, no entanto, salientar que a referida suspenso do prazo nas frias

    judiciais47s se aplica nos casos em que o prazo de trs meses, por isso, uma vez que

    o Ministrio Pblico goza do prazo de um ano para a impugnao contenciosa de actosadministrativos ter de aplicar-se o disposto no n. 1 do artigo 144. do CPC, ex vi, n. 3

    do artigo 58 do CPTA.

    No obstante, h ainda uma outra forma de suspenso do prazo de impugnao

    contenciosa que deriva da utilizao de meios de impugnao administrativa previsto no

    n. 4 do artigo 59. do CPTA48.

    Estamos, assim, perante duas causas de suspenso distintas que podem verificar-se

    em simultneo desde que o prazo de impugnao judicial seja de trs meses e tenha sido

    utilizado um meio de impugnao administrativa.

    Importa ainda salientar que, quando o prazo de impugnao de actos

    administrativos de um ano, parece no estar excluda a aplicao do n. 4 do artigo

    46Ibidem, p. 388, de acordo com os autores () afigura-se que o prazo de impugnao mantm a sua

    natureza de prazo substantivo, ficando, todavia, sujeito a um novo regime de contagem..

    47Como se alcana do acrdo do STA, de 8.11.2007, Processo n. 703/07, Quando abranja perodo emque decorram frias judiciais, deve o referido prazo de trs meses ser convertido em (90) dias, para

    efeito da suspenso imposta pelo artigo 144, nmeros 1 e 4 do Cdigo de Processo Civil, aplicvel por

    fora do citado artigo 58, nmero 3, do Cdigo de Processo nos Tribunais Administrativos.48MRIO AROSO DE ALMEIDA /CARLOS FERNANDES CADILHA,Comentrio ao Cdigo de Processo nos

    Tribunais Administrativos, 3. edio revista, 2010, p. 389, esclarecem que entretanto, no disposto no

    artigo 59., n. 4, que constitui uma outra modalidade de suspenso do prazo: a utilizao, ainda que a

    ttulo meramente facultativo, de qualquer modalidade de impugnao administrativa (reclamao,

    recurso hierrquico, recurso hierrquico imprprio ou recurso tutelar) tem o alcance de suspender a

    contagem do prazo de impugnao contenciosa, que s retoma o seu curso com a resposta por parte da

    autoridade requerida ou o decurso do prazo legalmente estabelecido para a emisso de resposta .

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    59. do CPTA. Na verdade, a lei no exclui expressamente esta hiptese, podendo at

    suceder que o Ministrio Pblico para exercer o seu direito de aco tempestivamente,

    isto , para alm do prazo de um ano estabelecido na lei, beneficie de uma impugnao

    administrativa de um particular que, por qualquer motivo, se tenha desinteressado deimpugnar o acto judicialmente.

    ainda de realar que o n. 4 do artigo 58. do CPTA introduziu uma importante

    inovao que permite a impugnao de actos administrativos para alm do prazo de trs

    meses mas desde que ainda no tenha expirado o prazo de um ano, quando a tempestiva

    apresentao da petio no era exigvel a um cidado normalmente diligente sempre

    que a conduta da Administrao tenha induzido o interessado em erro, bem como em

    situaes que o atraso possa ser considerado desculpvel devido existncia no caso

    concreto de um quadro normativo ambguo que cause especiais dificuldades,

    nomeadamente, quanto identificao do acto impugnvel49, ou ainda quando se

    verifiquem situaes de justo impedimento.

    Este ento o quadro normativo geral que regula a tempestividade da impugnao

    de actos administrativo, sendo que a suspenso do prazo de impugnao contenciosa s

    tem aplicao quando se trate de actos anulveis e no quando estejam em causa actos

    nulos ou inexistentes.

    No se deve, porm, perder de vista que o prazo de impugnao contenciosa apenas

    se suspende no se interrompe.

    Efectivamente a suspenso a que alude o n. 4 do artigo 59. do CPTA implica

    apenas que o prazo de impugnao contenciosa deixe de contar a partir do momento em

    49Acerca desta matria o STA teve oportunidade de se pronunciar no acrdo, de 16.04.2008, proferidono Processo n. 0743/07 no considerou que Tendo o recorrente impugnado a pena disciplinar que lhe foi

    aplicada junto do Ministro da Cincia Tecnologia e Ensino Superior, a interposio desse recurso tutelar

    ilegal, por no estar expressamente previsto na lei (art. 177/2 CPA), no opera a suspenso do prazo

    de impugnao contenciosa prevista no art. 59/4 CPTA () Porm, verificando-se que nas

    circunstncias do caso concreto, a interposio do recurso tutelar inadmissvel no releva de desleixo ou

    pertincia e que a escolha oportuna do adequado meio reactivo foi particularmente dificultada ao

    interessado pela grande impreciso do quadro normativo aplicvel e pela irregular notificao do acto

    que, no cumprindo o disposto no art. 68/1/c) do CPA, concorreu para o seu erro, deve, ao abrigo do

    disposto no art. 58, n 4, alneas a) e b) do CPTA considerar-se desculpvel o atraso na apresentao

    da impugnao contenciosa dando dessa forma provimento ao recurso.

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    que foi utilizado um meio de impugnao administrativa para logo ser retomado

    aquando da notificao da deciso que sobre ela seja proferida ou com o decurso do

    respectivo prazo legal.

    Se, pelo contrrio, a utilizao de meios de impugnao administrativa

    interrompesse o prazo de impugnao contenciosa, tal circunstncia implicaria a

    contagem de dois prazos autnomos: um prazo que se contaria desde a notificao de

    um determinado acto at ao momento em fosse utilizado um meio de impugnao

    administrativa e, um outro prazo, completamente novo que se iniciaria logo aps a

    notificao da deciso sobre a impugnao administrativa ou o decurso do respectivo

    prazo legal.

    Tudo se passaria, afinal, como se o prazo de impugnao contenciosa comeasse a

    contar ex nuovoa partir como se a sua contagem nunca se tivesse iniciado, mas, no foi

    essa, porm, a opo legislativa nesta matria que optou por consagrar o regime da

    suspenso do prazo50.

    2.2.

    Aplicao do n. 4 do artigo 59. do CPTA apenas quando estejamem causa impugnaes administrativas facultativas.

    Chegados aqui, importa apurar quais so os meios de impugnao administrativa

    que so aptos a desencadear o mecanismo de suspenso do prazo de impugnao

    contenciosa previsto no n. 4 do artigo 59. do CPTA.

    Sero todos os meios de impugnao administrativa? indiferente que se trate

    de meios de impugnao facultativos ou necessrios? Far sentido aplicar o n. 4 do

    50Aludindo distino entre os dois conceitos o acrdo do TCAS, de 18.01.2007, Proc. n. 02156/06,

    veio explicitar que De acordo com o artigo 59. n. 4 do CPTA a utilizao dos meios de impugnao

    administrativa suspende o prazo de impugnao contenciosa, que retoma o seu curso com a notificao

    da deciso proferida sobre a impugnao ou com o decurso do respectivo prazo legal diverso da

    interrupo em que o prazo se iniciaria de novo a contar desse decurso ; tambm numa chamada de

    ateno para a distino entre a suspenso e interrupo do prazo de impugnaoJOS CARLOS VIEIRA DE

    ANDRADE,Justia Administrativa (Lies), 10. edio, 2009, pp. 229 e 230.

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    artigo 59. do CPTA quanto o particular utiliza uma impugnao administrativa

    necessria?

    Adianta-se desde j que propendemos para uma resposta negativa quelas

    questes.

    De acordo com o n. 1 do artigo 167. do CPA O recurso hierrquico

    necessrio ou facultativo, consoante o acto a impugnar seja ou no insusceptvel de

    recurso contencioso, assim, se um acto ou uma omisso da Administrao

    susceptvel de ser impugnado imediatamente junto dos tribunais administrativos, poder

    ser objecto de uma impugnao administrativa de carcter meramente facultativo51.

    Por outro lado, se for requisito de acesso impugnao contenciosa a

    impugnao administrativa prvia do acto que lesa os direitos ou interesses legalmente

    protegidos do particular, estar em causa um recurso hierrquico necessrio52.

    Para efeitos de destrina entre as duas figuras, MARCELO REBELO DE SOUSA e

    ANDR SALGADO DE MATOS,entendem que A necessidade a que os conceitos fazem

    referncia est, portanto, relacionada com o pressuposto de acesso dos particulares

    aos tribunais administrativos: o recurso hierrquico necessrio ou desnecessrio

    para que os interessados possam reagir jurisdicionalmente contra uma determinada

    conduta administrativa.53.

    No perdendo de vista, no entanto, que a regra geral no nosso ordenamento

    jurdico a impugnao administrativa de carcter facultativo, ter de se verificar

    casuisticamente se existe uma qualquer previso legal, contida em legislao especial,

    que imponha uma impugnao administrativa prvia da qual ir depender a impugnao

    51Assim sendo, o recurso hierrquico aqui funciona apenas como tentativa de resolver o assunto fora

    dos tribunais, no como passo indispensvel de acesso via contenciosa tal como referem JOS

    MANUEL SANTOS BOTELHO / AMRICO PIRES ESTEVES / JOS CNDIDO DE PINHO, Cdigo do

    ProcedimentoAdministrativo Anotado e Comentado, 5. edio, 2002, p. 985.52 Neste caso A interveno do superior hierrquico necessria para que, obtida a sua deciso, o

    particular a possa impugnar contenciosamente de acordo com JOS MANUEL SANTOS BOTELHO /

    AMRICO PIRES ESTEVES /JOS CNDIDO DE PINHO,Cdigo do ProcedimentoAdministrativo Anotado e

    Comentado, 5. edio, 2002, p. 984.53MARCELO REBELO DE SOUSA /ANDR SALGADO DE MATOS,Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2.

    edio, 2009, pp. 221 e 222.

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    contenciosa de um determinado acto54, no obstantes existirem situaes muito

    particulares de recursos hierrquicos necessrios cuja necessidade apenas

    implicitamente afirmada pelo legislador e nem por isso deixam de ser admitidas pela

    jurisprudncia

    55

    .

    A impugnao administrativa necessria constitui, afinal, de acordo com MRIO

    AROSO DE ALMEIDAum pressuposto processual atpico ou adicional em relao ao da

    impugnabilidade do acto, alm disso, trata-se ainda de um pressuposto processual

    autnomo de cujo preenchimento a lei, em certos casos entende fazer depender a

    possibilidade de um acto administrativo que, do ponto de vista substantivo, , em si

    mesmo, impugnvel, de ser objecto de impugnao imediata perante os tribunais

    administrativos56.

    Assim, caso o particular no utilize uma impugnao administrativa necessria

    sempre que esta esteja expressa ou implicitamente prevista na lei, a impugnao

    contenciosa deve ser rejeita por falta de interesse processual, uma vez que no houve da

    parte do particular iniciativa para fazer uma tentativa, ainda que infrutfera, para obter a

    resoluo do litgio junto da Administrao antes de recorrer aos tribunais

    administrativos57.

    No obstante, como nota JOS CARLOSVIEIRA DE ANDRADE existem vantagens a

    assinalar na utilizao de reclamaes e recursos administrativos necessrios na justa

    medida em que os meios de impugnao administrativa, quando a lei os considere

    necessrios, suspendem a eficcia do acto(no havendo que necessidade nem nus

    de pedir a respectiva suspenso), so informais (e, portanto, de fcil, barata e rpida

    54Neste sentido, considerando que a impugnao administrativa necessria constitui um nus quando sepretende alcanar a via contenciosa, MRIO AROSO DE ALMEIDA,Manual de Processo Administrativo,

    2010, p. 302.55 A titulo de exemplo pode referir-se o artigo 6. do Decreto Regulamentar n. 45/88, de 16.12, que

    alterou a disciplina de classificao de servio do pessoal da administrao autrquica e que se encontra

    actualmente revogado. Neste caso em particular o acrdo do STA, de 6.05.2010, Processo n. 01255/09

    entendeu que aquela norma previa um recurso imprprio necessrio considerando que () a ndole

    necessria de um recurso hierrquico no depende da consagrao expressa da necessidade, a qual,

    embora silenciada pode ser inequivocamente deduzida do contexto da previso ().56MRIO AROSO DE ALMEIDA,Manual de Processo Administrativo,2010, p. 305.57Ibidem, p. 306.

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    interposio) e proporcionam diversas vantagens prticas, incluindo a de obrigar uma

    autoridade administrativa mais qualificada a pronunciar-se sobre o caso, para alm de,

    estando sujeitas a deciso em prazo curto, at facilitarem (sobretudo para os

    pessimistas) a preparao da petio da aco e do pedido de suspenso judicial daeficcia, permitindo que sejam apresentadas logo que o acto se torne eficaz, se a

    impugnao no tiver xito.58

    Daqui se retira que apesar de a lei colocar sobre o particular o nus de recorrer

    aos meios de impugnao administrativa necessrios estes no deixam de ser teis,

    podendo inclusive ser suficientes para que o particular veja reconhecido um direito ou

    interesse legalmente protegido, sem que para isso tenha de lanar mo dos meios

    judiciais ao seu alcance.

    Assim, nos casos em que os particulares tenham de se socorrer de uma

    impugnao administrativa necessria sabem que podem contar, desde logo, com a

    suspenso de eficcia do acto administrativo nos termos do n. 1 do artigo 170. do

    CPA, at que a mesma seja decidida ou, quando no haja deciso expressa, logo que

    tenha decorrido o prazo de deciso que em regra de 30 dias para as reclamaes e

    recursos administrativos (artigo 165. e n. 3 do artigo 175. do CPA), mas,

    independentemente de ter sido proferida deciso expressa ou de ter decorrido o prazo de

    deciso sem que a Administrao se tenha pronunciado sobre ela, comea a correr o

    prazo de impugnao judicial que ter sempre por objecto o acto do subordinado59.

    Contudo, no quer isto dizer que nos casos de impugnaes administrativas

    necessrias acabados de referir tenha havido suspenso do prazo de impugnao

    contenciosa, na verdade o prazo para recorrer aos tribunais administrativos s se inicia a

    partir do momento em que a Administrao se pronuncie no mbito da impugnaoadministrativa necessria ou at que, sem que tenha havido uma deciso expressa, tenha

    decorrido o prazo legal para decidir que , em regra, de 30 dias.

    58JOS CARLOS VIEIRA DE ANDRADE,Justia Administrativa (Lies), 10. edio, 2009, p. 318.59MRIO AROSO DE ALMEIDA,Manual de Processo Administrativo,2010, p. 307; a mesma posio pode

    ser consultada em comentrio ao Acrdo do STA, de 24.11.2004, Processo n. 903/04, MRIO AROSO DE

    ALMEIDA,Recurso hierrquico, acto tcito e condenao prtica de acto devido, CJA n. 53, pp. 20 e

    21; no mesmo sentido SRVULO CORREIA,O incumprimento do dever de decidir, CJA n. 54, p. 19.

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    Tal justifica-se na medida em que a utilizao dos meios de impugnao

    contenciosa esto dependentes de uma impugnao administrativa prvia de carcter

    necessrio.

    Ora, constituindo a utilizao da impugnao administrativa necessria um nus

    para alcanar a via contenciosa, s depois de ele ser satisfeito que esta via ser aberta

    em toda a sua extenso, nomeadamente no que tange ao inicio da contagem do prazo de

    impugnao judicial de actos administrativos, at porque, o acto administrativo cuja

    impugnao contencioso est dependente de prvia impugnao necessria no , ainda,

    eficaz60.

    Por outro lado, conforme ensina MRIO

    AROSO DE

    ALMEIDA

    o prazo deimpugnao contenciosa no corre, de todo em todo, se a impugnao administrativa

    necessria no for utilizada dentro do prazo para ela estabelecido61.

    Na verdade, se o particular no utilizar ou fizer uso intempestivo da impugnao

    administrativa necessria a que por lei est obrigado, a impugnao contenciosa do acto

    no passar de uma miragem, isto , nunca poder ser alcanada e o respectivo prazo

    nunca chegar, por isso, a iniciar-se62.

    Chamando a ateno para este aspecto do regime jurdico das impugnaes

    administrativas necessrias, ISABEL CELESTE FONSECA entende ser inexplicvel

    problema da precluso do direito de aco impugnatria do acto administrativo e

    respectiva caducidade do direito de aco impugnatria, quando, a dever existir

    recurso hierrquico (ou outra forma de garantia administrativa necessria), tal recurso

    60Relativamente contagem de prazos de impugnao de actos administrativos ineficazes M RIO AROSO

    DE ALMEIDA,Vacatio legis e prazo de Impugnao de actos administrativos, Revista O.A, Ano 65, n. 3,2005, p. 798, considera que () a um acto administrativo ineficaz no so aplicveis as regras de

    contagem de prazos de impugnao, que tm exclusivamente em vista a impugnao dos actos

    administrativos produtores de efeitos e so, portanto redigidas por referncia a esses actos.61MRIO AROSO DE ALMEIDA,Manual de Processo Administrativo,2010, p. 314.62 JOS MANUEL SANTOS BOTELHO / AMRICO PIRES ESTEVES / JOS CNDIDO DE PINHO, Cdigo do

    Procedimento Administrativo Anotado e Comentado 5. edio, 2002, p. 993, consideram que ()sendo

    extemporneo administrativamente extemporneo ser, consequentemente, o recurso contencioso que se

    interpuser do acto pelo qual, apesar de tudo, o superior hierrquico tenha decidido o recurso

    hierrquico interposto. A extemporaneidade do recurso hierrquico necessrio arrasta consigo de forma

    automtica a extemporaneidade do recurso contencioso subsequente.

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    ou garantia no foram tempestivamente desencadeados63 sendo, alis, este um

    entendimento pacfico na jurisprudncia64.

    Por outro lado, MRIO AROSO DE ALMEIDA identifica ainda os casos em o prazo

    de impugnao contenciosa no corre, em virtude de o particular ter feito um uso

    regular de uma impugnao administrativa necessria, referindo a este respeito que

    tendo ela sido utilizada, enquanto ela no for decidida ou no decorrer o prazo dentro

    do qual, nos termos da lei, ela teria de ser decidida: o prazo de impugnao

    contenciosa s comea, pois, a correr, desde o inicio, a partir do momento em que a

    impugnao administrativa seja decidida ou expire o prazo dentro do qual ela o

    deveria ter sido.65.

    Importa realar que aquele autor sustenta ainda que quando a lei diz que o

    recurso hierrquico se considera indeferido em determinado momento, ela est a

    identificar o preciso momento em que se deve presumir que o superior hierrquico se

    rev na conduta do seu subordinado, com os efeitos automticos que, em princpio, da

    resultam: cessao do efeito suspensivo dos efeitos do acto recorrido e constituio do

    nus de reaco contenciosa contra esse acto. , pois, a partir desse momento que

    comea a correr o prazo de recurso via judicial.66.

    Daqui se retira que o n. 4 do artigo 59. do CPTA no passvel de ser aplicado

    nos casos em que sobre o particular impende o nus de utilizao de uma impugnao

    administrativa necessria como requisito de que depender a impugnao contenciosa

    de um acto administrativo.

    Na verdade s faz sentido aplicar-se o previsto no n. 4 do artigo 59. do CPTA

    se o prazo de impugnao contenciosa j estiver a correr relativamente a um acto que,

    desde a sua prolao podia, desde logo, ser impugnado.

    63ISABEL CELESTE FONSECA,Repensar as impugnaes administrativas entre a efectividade do processo

    e a unidade da aco administrativa, CJA n. 82, p. 79;64Neste contexto paradigmtica a situao analisada no acrdo do STA, de 28.12.2006, Processo n.

    01061/06.65MRIO AROSO DE ALMEIDA,Manual de Processo Administrativo,2010, p. 314;66Em comentrio ao acrdo do STA, de 24.11.2004, Processo n. 903/04, MRIO AROSO DE ALMEIDA,

    Recurso hierrquico, acto tcito e condenao prtica de acto devido, CJA n. 53, p. 19.

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    Efectivamente s se pode suspender um prazo em relao ao qual j se tenha

    iniciado a respectiva contagem, sendo, de resto, impossvel suspender um prazo que

    nem sequer se iniciou e que s se iniciar se for regularmente utilizado o meio de

    impugnao administrativa necessrio que em cada caso haja lugar

    67

    .

    Fica assim afastada a possibilidade de o n. 4 do artigo 59. do CPTA ser

    aplicado aos casos em o particular tem de utilizar uma impugnao administrativa

    necessria para chegar via contenciosa uma vez que nestes casos ainda no se iniciou

    a contagem de qualquer prazo de impugnao contenciosa, ao contrrio das situaes

    em que so utilizadas impugnaes administrativas de carcter facultativo68cujo prazo

    para os particulares recorrerem aos tribunais administrativos j se iniciou podendo ento

    ser suspenso.

    2.3. O dever legal de decidir: A previso legal e a tempestiva da utilizao de

    meios de impugnao administrativa.

    Se, por um lado, em certos casos a lei faz depender a impugnao contenciosa de

    um acto administrativo de uma prvia impugnao necessria, por outro lado, no deixa

    de fazer depender a suspenso do prazo de impugnao contenciosa da regular

    utilizao dos meios de impugnao administrativa facultativa.

    Torna-se, assim, evidente que a aplicao do regime de suspenso do prazo de

    impugnao contenciosa do acto previsto no n. 4 do artigo 59. do CPTA fica a

    depender da correcta utilizao que os particulares faam dos meios de impugnao

    administrativa facultativa que tenham ao seu dispor, para tanto, preciso em primeiro

    lugar que o meio de impugnao administrativa facultativo seja passvel de ser utilizado

    porque legalmente admitido e, em segundo lugar, fundamental que a respectiva

    utilizao seja tempestiva69.

    67Neste sentido o acrdo do TCA Sul, de 4.12.2008, Processo n. 04079/08.68Cfr. acrdo do STA, de 24.09.2009, Processo n. 0702/09.69MRIO AROSO DE ALMEIDA,Manual de Processo Administrativo, 2010, p. 315.

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    Sucede, no entanto, que as impugnaes administrativas previstas como

    garantias impugnatrias dos particulares encontram o seu regime geral previsto no CPA

    e tm especificidades consoante se trate de uma reclamao, recurso hierrquico,

    recurso hierrquico imprprio ou de um recurso tutelar.

    De acordo com JOS EDUARDO FIGUEIREDO DIAS /FERNANDA PAULA OLIVEIRA

    as impugnatrias administrativas () tm um importante papel na fiscalizao da

    legalidade e ainda da convenincia e oportunidade administrativas (mrito), bem como

    na garantia dos direitos e interesses dos particulares que dispem deste modo da

    possibilidade de fazer o autor reflectir sobre a deciso que tomou ou de convocar, para

    uma eventual reviso do acto, um rgo superior, supostamente mais habilitado.70

    Neste contexto, para que o particular possa, afinal, aproveitar do regime de

    suspenso de contagem do prazo, que lhe oferece em termos inovadores o n. 4 do

    artigo 59. do CPTA, pode sempre e em qualquer caso deduzir reclamao do acto que

    pretende impugnar contenciosamente71.

    Ao regime da reclamao foram consagrados os artigos 161. a 165. do CPA e

    enunciado com princpios geral a possibilidade de se reclamar de qualquer acto

    administrativo, excepto se existir disposio legal em contrrio, o que de resto, deacordo com a opinio de PAULO OTERO deve ser entendido de muito duvidosa

    constitucionalidade os casos legais de excluso de exerccio de tal, salvo quando os

    mesmos se destinam a evitar sucessivos actos meramente confirmativos de anteriores

    decises.72.

    Outra excepo quele princpio geral surge quando se pretende reclamar de um

    acto administrativo que tenha decidido anterior reclamao ou recurso administrativo,

    nestes casos entendimento de MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDR SALGADO DE

    MATOS,que uma restrio que se justifica pela necessidade de evitar a instaurao

    70 JOS EDUARDO FIGUEIREDO DIAS / FERNANDA PAULO OLIVEIRA,oes Fundamentais de Direito

    Administrativo, 2. edio, 2010, p. 316.71Tal como se constata no acrdo do STA (Pleno), de 17.01.2001, Processo n. 40567.72 PAULO OTERO, As Garantias Impugnatrias dos Particulares no Cdigo do Procedimento

    Administrativo, Scientia Iuridica, XLI, 1992, n.os235/237, p. 63.

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    sucessiva de procedimentos de controlo que visem a apreciao das mesmas questes

    jurdicas j objecto de deciso administrativa.73.

    Se o acto reclamado puder desde logo ser objecto de impugnao contenciosa a

    reclamao, em regra, no ter efeito suspensivo, excepto se este feito decorrer

    expressamente de lei especial ou quando o autor do acto considere, oficiosamente ou a

    pedido dos interessados, que a execuo imediata do acto pode causar prejuzos

    irreparveis ou de difcil reparao ao seu destinatrio (n. 2 do artigo 163. do CPA).

    Neste caso, mesmo que no se verifique o efeito suspensivo do acto

    administrativo, sempre ser possvel a suspenso do prazo de impugnao contenciosa

    do acto desde que sejam observados os pressupostos legais de que depende areclamao, isto , a competncia do rgo ad quem, a legitimidade do reclamante, a

    reclamabilidade do acto ou da omisso e a tempestividade da reclamao74.

    Assim desde que verificados aqueles pressupostos o particular poder obter, pelo

    menos, a suspenso do prazo de impugnao contenciosa a que a alude n. 4 do artigo

    59. do CPTA.

    semelhana do que sucede com a reclamao tambm a legal interposio de

    recurso administrativos, i.e., de um recurso hierrquico, de um recurso tutelar ou de um

    recurso hierrquico imprprio, apta a suspender a contagem de prazo de impugnao

    contenciosa de um acto administrativo.

    Aos recursos administrativos previstos nos CPA foi dedicada uma parte mais

    extensa do que reclamao, encontrando-se o respectivo regime jurdico previsto nos

    artigos 166. a 177. daquele diploma.

    Daquelas normas possvel extrair um regime comum a todos os recursos

    administrativos, que o do recurso hierrquico, cuja aplicao se estende ao recurso

    hierrquico tutelar e ao recurso hierrquico imprprio com as devidas adaptaes em

    conformidade com o n. 3 do artigo 176. e n. 5 do artigo 177. do CPA.

    73MARCELO REBELO DE SOUSA /ANDR SALGADO DE MATOS,Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2.

    edio, 2009, p.219.74MARCELO REBELO DE SOUSA /ANDR SALGADO DE MATOS,Direito Administrativo Geral, Tomo III,

    2. edio, 2009, p. 219.

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    A Utilizao de Meios de Impugnao Administrativa Luz do n. 4 do Artigo 59. do CPTA

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    Tal como acontece em relao reclamao, desde que sejam observados os

    pressupostos75 de que depende a interposio do recurso hierrquico facultativo

    desencadeado o mecanismo de suspenso da contagem do prazo de impugnao judicial

    de um acto administrativo nos termos do n. 4 do artigo 59. do CPTA.

    O artigo 166. do CPA estabelece que Podem ser o objecto de recurso

    hierrquico todos os actos administrativos praticados por rgos sujeitos aos poderes

    hierrquicos de outros rgos, desde que a lei no exclua tal possibilidade..

    Resulta, portanto, desta norma a possibilidade de o particular poder recorrer de

    qualquer acto ou omisso de um rgo subalterno, no sendo, porm, isenta de crticas a

    opo do legislador de admitir que a lei possa afastar esta importante garantia dosparticulares, considerando a este respeito MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDR

    SALGADO DE MATOSporquanto uma lei que exclua a recorribilidade hierrquica de

    actos ou omisses de subalternos ser mesmo de duvidosa constitucionalidade, por

    violao do direito fundamental de petio e por implicar um enfraquecimento

    injustificvel da supremacia do superior e do princpio democrtico em que esta

    assenta76.

    Mas se aquele o regime geral do recurso hierrquico, h algumasespecificidades quando se trate de um recurso tutelar ou de um recurso hierrquico

    imprprio.

    Quanto ao recurso hierrquico imprprio, abrange aqueles casos em que no

    existe hierarquia entre o rgo a quo e o rgo ad quem, por isso a designao de

    recurso hierrquico neste meio de impugnao administrativa no deve ser entendido

    como tal de forma rigorosa.

    No obstante o existe a possibilidade de lanar mo deste recurso dirigindo-o ao

    delegante ou subdelegante dos actos praticados pelo delgado ou subdelegado cfr.

    75Ibidem, p. 223, MARCELO REBELO DE SOUSA / ANDR SALGADO DE MATOS consideram que Os

    pressupostos procedimentais especficos do recurso hierrquico, ou que nele assumem uma configurao

    especifica, so a competncia do rgo ad quem, a legitimidade do recorrente, a recorribilidade do acto

    ou da omisso e a tempestividade do recurso..76MARCELO REBELO DE SOUSA /ANDR SALGADO DE MATOS,Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2.

    edio, 2009, pp. 223 e 224.

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    alnea b) do n. 2 do artigo 158. e n. 1 do artigo 176. do CPA no sendo necessria

    previso legal expressa77.

    ainda admissvel o recurso hierrquico imprprio para os rgos colegiais de

    actos praticados pelos seus membros cfr. n. 2 do artigo 176. do CPA mas desde

    que tal hiptese se encontre especialmente prevista78.

    Alm disso, pode ainda ser qualificado como recurso hierrquico imprprio

    aquele que interposto de actos proferidos pelo rgo incompetente para o rgo

    competente em virtude do poder de revogao que lhe assiste79.

    Elencadas em termos genricos quais os meios de impugnao administrativa

    que podem ser utilizados pelos particulares, importa agora identificar os moldes em que

    aqueles meios tm de ser utilizados para ser desencadeado o mecanismo de suspenso

    do prazo de impugnao judicial previsto no n. 4 do artigo 59. do CPTA.

    No que respeita ao recurso tutelar os respectivos pressupostos da sua utilizao a

    existncia de uma relao de tutela entre dois rgos de pessoas colectivas diferentes, a

    faculdade (v.g. revogatria ou substitutiva) de o rgo tutelar intervir no exerccio das

    competncias do rgo tutelado, alm disso ainda necessrio que o recurso tutelar se

    encontre expressamente previsto.

    Nos termos do n. 5 do artigo 177. do CPA aplica-se ao recurso tutelar as

    disposies do recurso hierrquico desde que no contrariem a sua natureza prpria e

    seja respeitada a autonomia da entidade tutelada80.

    No obstante, Aqueles meios de impugnao administrativa facultativa s sero

    aptos a suspender o prazo de impugnao contenciosa se impuserem Administrao o

    77DIOGO FREITAS DO AMARAL,Conceito e atureza do Recurso Hierrquico, 2. edio, 2005, p.136; no

    mesmo sentido MARCELO REBELO DE SOUSA /ANDR SALGADO DE MATOS,Direito Administrativo Geral,

    Tomo III, 2. edio, 2009, p. 228.78MARCELO REBELO DE SOUSA /ANDR SALGADO DE MATOS,Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2.

    edio, 2009, p. 228.79Tal como referem MRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONALVES/J.PACHECO DE AMORIM,

    Cdigo do Procedimento Administrativo Comentado, 2. edio, 2007, p. 685.80 MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDR SALGADO MATOS,Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2.

    edio, 2009, p. 229

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    dever legal de decidir, assim, de acordo com DIOGO FREITAS DO AMARALO recurso

    facultativo para o particular, mas a sua deciso deve ser obrigatria para a

    Administrao: o recurso hierrquico, mesmo o facultativo, uma garantia do

    particular e por isso deve envolver para este um direito deciso.

    81

    .

    Alis, como j havia sido aflorado anteriormente, de acordo com a

    jurisprudncia do STA82o n. 4 do artigo 59. do CPTA apenas ter aplicao quando

    estejam em causa impugnaes administrativas facultativas e somente naqueles casos

    em que configurem uma verdadeira impugnao que constitua a Administrao no

    dever legal de decidir.

    Desde logo, um argumentos a ter em conta assenta no elemento literal da normae pode ser extrado do n. 4 do artigo 59. do CPTA in fine, mais concretamente da

    referncia expressa ao decurso do respectivo prazo legal, daqui se retirando que

    apenas o dever legal de deciso implica o decurso de um prazo legalmente estabelecido

    para que esta seja proferida.

    Por outro lado, s h dever legal de deciso quando a possibilidade de

    utilizao dos meios de impugnao administrativa se encontre previsto na lei.

    Assim, de acordo com a jurisprudncia, haver dever legal de deciso nos

    termos do CPA nas seguintes situaes:

    - reclamao, dirigida ao prprio autor do acto impugnado. Sempre

    admissvel salvo disposio legal em contrrio e quando tenha por objecto

    acto que decida anterior reclamao ou recurso administrativo, salvo com

    fundamento em omisso de pronncia (art. 161);

    - recurso hierrquico, dirigido ao superior do autor do acto impugnado,

    pressupondo pois uma relao de hierarquia. Sempre admissvel desde que a lei

    o no exclua (art. 166);

    81DIOGO FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, IV, Policop., 1988, pp. 46 e 47; tambm neste

    sentido JOS MANUEL SANTOS BOTELHO /AMRICO PIRES ESTEVES /JOS CNDIDO DE PINHO, Cdigo do

    Procedimento Administrativo Anotado e Comentado, 5. edio, 2002, p. 1013.82Acrdo do STA, de 24.09.2009, Processo n. 0702/09.

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    - recurso hierrquico imprprio, dirigido ao rgo que, dentro da mesma

    pessoa colectiva, exera poder de superviso ou, se tal estiver expressamente

    previsto, dirigido a um rgo colegial por qualquer dos seus membros (art.

    176, n 2);

    - recurso tutelar, dirigido a rgo de pessoa colectiva pblica sujeita a tutela

    ou superintendncia, s possvel nos casos expressamente previstos na lei (art.

    177, ns 1 e 2).

    Ou seja, s haver dever legal de deciso quando for utilizado um dos indicados

    meios de impugnao administrativa, e nos termos acima expostos83.

    Fora daquelas situaes, tal como nota PEDRO MACHETE, A jurisprudncia do

    TCA Sul, j havia entendido que a suspenso do prazo de impugnao contenciosa

    prevista no n. 4 do artigo 59. do CPTA no opera se a Administrao no estiver

    constituda no dever legal de decidir a impugnao administrativa, por exemplo, quando

    a impugnao administrativa tenha sido deduzida intempestivamente, quando se trate de

    reclamao que decida anterior reclamao ou recurso administrativo (cfr. n. 2 do

    artigo 161. do CPA) e ainda quando se verifique a utilizao de um recurso tutelar nos

    casos no expressamente previstos na lei (cfr. n. 2 do artigo 177. do CPA)84.

    Tal entendimento foi ainda reforado pelo STA85 tendo considerado que sob

    pena de a reaco administrativa degenerar em mero expediente para obter a dilao

    injustificada do prazo de impugnao contenciosa, o efeito suspensivo previsto no art.

    59/4 do CPTA, no ocorre () quando o meio de impugnao administrativa utilizado

    no estiver legalmente previsto86.

    Ora, no caso em apreo, o recorrente lanou mo, como vimos, de um recursotutelar ilegal, por no estar expressamente previsto por lei (art. 177/2 CPA).

    83 Acrdo do STA, de 24.09.2009, Processo n. 0702/09, na esteira do que j havia sido decidido

    anteriormente no acrdo do STA, de 17.12.2008, Processo n. 841/08.84 PEDRO MACHETE, otificao deficiente do acto administrativo a articulao entre meios

    administrativos e contenciosos, CJA n. 75 p. 15.85Ibidem, p. 15.86 Cfr. Acrdo do STA, de 16.04.2008, Processo n. 0743/07, que acolheu assim o entendimento de

    MRIO ESTEVES DE OLIVEIRA / RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Cdigo de Processo nos Tribunais

    Administrativos Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais Anotados, Vol. I, 2004, p. 392.

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    Assim, dada a inadmissibilidade legal do meio utilizado e a falta de poder dispositivo

    da entidade tutelar, na matria em causa, no h justificao racional para que, no

    caso concreto, opere a suspenso do prazo de impugnao contenciosa prevista no art.

    59/4 CPTA..

    Pretende-se assim que a utilizao do n. 4 do artigo 59. do CPTA tenha lugar

    apenas se a Administrao estiver constituda no dever legal de decidir, evitando que os

    particulares possam usar os meios de impugnao administrativa como mero expediente

    processual no intuito de protelar injustificadamente o prazo de impugnao contenciosa.

    Do ponto de vista das impugnaes administrativas foram j indicados os

    pressupostos de que depende a aplicao do n. 4 do artigo 59. do CPTA, no entantoeste preceito pode ter o seu alcance limitado em funo do meio processual que se

    pretenda utilizar, mesmo nos casos em que a Administrao se encontra vinculada ao

    dever legal de decidir.

    Veja-se que, num procedimento de primeiro grau, o particular que dirija um

    requerimento Administrao poder vir a confronta-se com vrios cenrios que

    passam pelo deferimento ou indeferimento da sua pretenso, podendo mesmo suceder

    que seja recusada a apreci