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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA - UNIR
NÚCLEO DE CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE BACHARELADO EM ARQUEOLOGIA
FERRO, SONHOS, SUOR E SANGUE:
A ESTRADA DE FERRO MADEIRA-MAMORÉ E A
CONQUISTA DE UM NOVO PAPEL SOCIAL
Pedro Pedroza Cardoso
Porto Velho (RO)
2014
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA - UNIR
NÚCLEO DE CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE BACHARELADO EM ARQUEOLOGIA
FERRO, SONHOS, SUOR E SANGUE:
A ESTRADA DE FERRO MADEIRA-MAMORÉ E A
CONQUISTA DE UM NOVO PAPEL SOCIAL
Porto Velho (RO)
2014
Trabalho de conclusão referente à cadeira
de TCC-II, do curso de Bacharelado em
Arqueologia da Fundação Universidade
Federal de Rondônia - UNIR, orientado
pela Professora Doutoranda Marcelle
Pereira, realizado por Pedro Pedroza
Cardoso.
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA - UNIR
NÚCLEO DE CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE BACHARELADO EM ARQUEOLOGIA
A COMISSÃO EXAMINADORA, ABAIXO ASSINADA, APROVA A
MONOGRAFIA
FERRO, SONHOS, SUOR E SANGUE:
A ESTRADA DE FERRO MADEIRA-MAMORÉ E A
CONQUISTA DE UM NOVO PAPEL SOCIAL
ELABORADA POR:
PEDRO PEDROZA CARDOSO
COM O REQUISITO PARCIAL PARA OBTENÇÃO DA GRADUAÇÃO NO CURSO DE
BACHARELADO EM ARQUEOLOGIA
COMISSÃO EXAMINADORA
___________________________________________________________________________
Orientadora
Profª Ma. Marcelle Regina Nogueira Pereira – Departamento de Arqueologia – UNIR
Mestra em Museologia e Patrimônio
___________________________________________________________________________
1º Examinador
Ma. Mônica Castro de Oliveira – Superintendente do IPHAN – RO
Mestra em História
___________________________________________________________________________
2º Examinador
Profª Ma. Valéria Ferreira e Silva – Departamento de Arqueologia – UNIR
Mestra em Arqueologia
Porto Velho (RO)
28 de Julho de 2014
Paulo Freire - Pedagogia do Oprimido
“Se o trem é caipira, da Central, do subúrbio; se parte as sete ou as
onze, se é o maior, o melhor, o trem bala, a maria-fumaça ou a
locomotiva, pouco importa. Vale mesmo é a viagem pelas montanhas,
atravessando pontes, cruzando matas e florestas - no ar, no rio, no mar,
no Madeira, no Mamoré. Os passageiros também são gado, esperança,
minério, riqueza, cimento, desenvolvimento, borracha, decepção... O
destino será sempre a Estação. Feminina, guarda o dom da espera, do
acolhimento e da resignação. A bagagem é tudo ou é nada, é esperança,
grande que só... Fumaça, apito, vagão, maquinista, fornalha,
locomotiva. Louca motiva: colo moco como cova, mova-se caboclo.”
(Uma Viagem de Trem - Nair Ferreira Gurgel do Amaral)
DEDICATÓRIA
Este trabalho se oferece como homenagem aqueles muitos que perderam suas
vidas longe de casa, em uma terra estranha e indomada, tentando edificar os sonhos
megalomaníacos de poucos, bem como se inspira naqueles que, diuturnamente, estão com os
rostos voltados ao solo, com as mãos plantadas na terra e com os sonhos bailando no passado,
procurando construir o conhecimento acerca do que fomos, para quem sabe um dia podermos
afirmar, sem dúvidas e receios, o que somos.
AGRADECIMENTOS
À minha amada esposa Michelle e sapeca filha Maria Luiza, pela presença amorosa e pela
infinita paciência.
À minha mãe, professora Gigi Pedroza, eterna entusiasta e incentivadora.
À minha orientadora, Marcelle Pereira, pelo apoio, estímulo e, principalmente, pela justiça e
candura com que efetuou as correções neste trabalho.
Aos professores da UNIR, colegas de classe e amigos, pela companhia e bons conselhos nas
horas mais difíceis.
Ao IPHAN, pela presteza ao disponibilizar acesso aos projetos de restauração da Estrada de
Ferro Madeira-Mamoré.
À população do Município de Porto Velho/RO, pela gentileza com que recebeu e respondeu
os questionamentos acerca do complexo ferroviário.
Aos trabalhadores envolvidos na construção e manutenção da “Ferrovia do Diabo”, que ali
deixaram seus sonhos, suor e sangue...
MEMORIAL DE FORMAÇÃO ACADÊMICA
Nasci em 17 de abril de 1982. Um sábado comum, um ariano comum, em um
Brasil onde a liberdade, aos poucos, voltava a caminhar. Trôpega e em um fio de navalha, é
verdade, mas ainda sim liberdade. Voltava a sorrir, bela como uma manhã de sol de verão,
vinda após um longo inverno. Tive uma infância livre em uma cidade interiorana chamada Ji-
Paraná. Um paraíso aos olhos infantis. Foi uma época em que o tempo e as horas, abstratos,
concretizavam-se nas estações das frutas típicas, nos galhos de árvore em árvore e nas muitas
brincadeiras que sempre pareciam acabar cedo demais. Era arteiro de embranquecer os
cabelos da avó e extrovertido ao ponto de conversar com qualquer pessoa que passasse pela
porta de casa. Filho de professora de Literatura, entrei na pré-escola aos seis anos de idade já
sabendo ler e escrever, mas foi também aonde, segundo minha mãe, eu emudeci. As palavras,
uma vez tão naturais, leves e soltas, agora saiam aos poucos, necessárias apenas, tímidas até.
Soavam ásperas e desinteressantes se saídas de mim e ao mesmo tempo tão doces e suaves se
saídas dos “causos dos mais velhos”. Tornei-me um ótimo ouvinte. E as palavras? Elas ainda
fervilhavam em minha mente, queriam fluir, desabrochar, mas agora o seu caminho natural
era a caneta e não mais a boca.
Cursei todo o ensino fundamental e médio em uma escola estadual chamada
Gonçalves Dias. Lá fiz fortes e verdadeiras amizades, que rompem a barreira do tempo e do
espaço, pois os reencontros, mesmo após longos meses, fazem parecer que não se passaram
nem ao menos uns poucos dias desde a última conversa. Meu período escolar foi rico e
iluminado, pois graças aos meus dedicados e inspiradores professores, um deles minha mãe,
Professora Gigi Pedroza, que mesmo limitados pelas parcas condições de uma Escola Pública,
ensinaram-me a sensatez, a busca pelo conhecimento e o amor aos livros. Durante este
período fiz um curso de inglês, que me auxiliou a conseguir o meu primeiro emprego de
“carteira assinada”, podendo, finalmente, experimentar este sacerdócio, ou mesmo calvário,
que é a vida de professor. Foram quatro anos de intenso aprendizado, que me ajudaram a
dosar a introversão e o pouco tato com as convenções sociais.
No ano de 2001 comecei a cursar Direito na UNIR, campus de Cacoal, cerca de
110 km de Ji-Paraná. Percorria está distância todos os dias, indo cedo e voltado já tarde da
noite. Deparei-me com um curso frio e muitas vezes materialista, que se chocava com minha
visão esquerdista e idealista de mundo, motivada pela literatura e juventude. Não me
reportava mais, como antes no ensino secundário, aos Mestres com carinho, mas sim aos
Doutores com indiferença. Abandonei-o em 2006, em um rompante de liberdade escancarada
e irresponsável, no oitavo período, surpreendendo parentes e amigos, deixando este capítulo
inacabado e mal resolvido para o futuro.
Em 2004 passei no concurso da Polícia Civil de Rondônia, começando a
trabalhar como Agente de Polícia em 2005, profissão que exerço até os dias de hoje, tentando
servir à população da maneira mais humana e sensível possível. O dia-a-dia policial
apresentou-me novamente a frieza e materialidade do mundo, com todas as suas cruéis e
sádicas feições expostas, mas há a beleza de ajudar a quem mais precisa. Por isso sigo
procurando ser firme sem me embrutecer e guardando as Leis sem ser cego a elas, criticando
suas falhas e lacunas.
O ano de 2006 marcou-me com inúmeras mudanças, uma delas foi ter
conhecido minha esposa Michelle, a pessoa que me ajuda a perceber que os dias ruins
possuem poucas horas e que os dias bons são repletos de possibilidades. Mudei-me para a
cidade de Porto Velho e casamo-nos em 2007. Em 2008 nasceu minha filha Maria Luiza,
minha Malu, minha Menina Maluquinha. Agora era pai, marido e funcionário público, mas
faltava algo. Uma sementinha que havia sido plantada nos longos anos de estudo ainda não
tinha germinado. Faltava o curso superior e o fechamento de um ciclo.
Fiquei afastado dos estudos, mas não dos livros, entre os anos de 2006 e 2008.
Neste período li alguns contos, escrevi outros. Procurei entender o caminho que havia traçado
até então. Amadureci e tracei novas metas. Sabia que gostava de História e de Literatura,
identificava-me, principalmente, com as ciências sociais e humanas. Tinha que escolher, mas
não podia me dar ao luxo de errar novamente.
Em 2008 a UNIR divulgou edital de vestibular para novos cursos que seriam
oferecidos a partir de 2009, entre eles o de Arqueologia. Sabia pouco deste curso, apenas
conhecia o seu charme e encanto através dos filmes e documentários, mas como em uma
epifania, pareceu-me a única coisa lógica e certa a ser feita. Sempre fui um bom ouvinte e esta
era a oportunidade de escutar, através dos artefatos arqueológicos, uma história que nunca foi
contada, vozes nunca antes ouvidas, causos de pessoas realmente mais velhas.
RESUMO
CARDOSO, PEDRO PEDROZA. Ferro, Sonhos, Suor e Sangue: A Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré e a Conquista de um Novo Papel Social. 2014. Trabalho de Conclusão
de Curso – Bacharelado em Arqueologia, Fundação Universidade Federal de Rondônia
– UNIR, Porto Velho, 2014.
O complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré é um dos nossos principais
patrimônios históricos e culturais. Sua construção tornou-se uma saga épica onde centenas de
vidas de trabalhadores brasileiros e estrangeiros foram ceifadas devido às condições de
trabalho na floresta, conflitos com os índios Karipunas e inúmeras doenças tropicais. Trata-se
de uma epopeia amazônica cujo tão aguardado desfecho poderá ocorrer com a sua
restauração, conservação e entrega ao povo de forma adequada, ou seja, suprindo suas
expectativas e necessidades por lazer, cultura e educação. Este trabalho buscou sua razão de
ser nos seios e anseios da sociedade portovelhense. Interagimos com os moradores da nossa
Capital, através de um questionário, tentando analisar como estes se relacionam com seus
bens históricos e culturais e se possuem alguma intimidade com eles. A metodologia aplicada
foi a realização de uma pesquisa de campo onde trezentos voluntários foram abordados e
tiveram a oportunidade de responder se acham importante que haja uma restauração e
conservação da EFM-M, bem como se possuem lembranças ligadas ao referido complexo.
Estas respostas foram de vital importância, pois nos possibilitou analisar a interação entre a
sociedade e o patrimônio; se os preceitos da Arqueologia Pública estão sendo seguidos no
trato dos bens culturais em nosso município; e se a Educação Patrimonial praticada em Porto
Velho está sendo eficaz.
Palavras-chaves: Arqueologia Pública; Educação Patrimonial; Restauração e Conservação;
Pesquisa de Perfil e Opinião.
ABSTRACT
CARDOSO, PEDRO PEDROZA. Iron, Dreams, Sweat and Blood: The Madeira-
Mamore Railway and the Conquest of a New Social Role. 2014. Completion of Course
Work - Bachelor of Archaeology, Federal University of Rondônia Foundation - UNIR,
Porto Velho, 2014.
The complex of the Madeira-Mamoré Railway is one of our main historical and
cultural patrimonies. Its construction has become an epic saga where hundreds of lives of
Brazilians and foreign workers were lost due to working conditions in the forest, conflicts
with Indians Karipunas and numerous tropical diseases. This is an Amazon epic whose
awaited outcome may occur with its restoration, preservation and delivery to the people
properly, meeting their expectations and needs for leisure, culture and education. This study
sought his reason for being in the portovelhense society breasts and aspirations. We interact
with the residents of our Capital, through a questionnaire, trying to analyze how these relate
with their historical and cultural assets and if they have intimacy with them. The methodology
was applied to conduct a field survey where three hundred volunteers were approached and
had the opportunity to reply if think it is important that there is a restoration and conservation
of EFM-M, as well if they have memories connected to said complex. These answers were of
vital importance, because it allowed us to analyze the interaction between society and equity;
if the precepts of Public Archaeology are being followed in dealing with cultural property in
our city; and if the Patrimonial Education practiced in Porto Velho is being effective.
Keywords: Public Archaeology; Patrimonial Education; Restoration and Conservation;
Survey.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 14
1 – A ESTRADA DE FERRO EM UMA ERA DE INCERTEZAS 16
1.1 – Contexto histórico 16
2 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: PORTO VELHO E SUA IDENTIDADE 35
2.1 – Arqueologia Pública, Educação Patrimonial e a Restauração de Patrimônios 35
3 – A PESQUISA: UM TRILHAR EM FIO DE NAVALHA 42
3.1 – A Pesquisa Qualiquantitativa 42
3.2 – Objetivos 43
3.3 – O Questionário Aplicado 44
3.4 – Metodologia da Pesquisa em Campo 45
3.5 – Pesquisa e análise do projeto de restauração da EFM-M 47
3.6 – Entrevista com a Superintendente do IPHAN 52
4 – RESULTADOS: A FERROVIA DE DESILUSÕES E ESPERANÇAS 54
4.1 – Perfil dos Entrevistados 54
4.2 – A Importância da Restauração para a População 57
4.3 – Possuem Lembranças Relacionadas ao Complexo da EFM-M? 59
4.4 – Classificação das Faixas Etárias 61
4.5 – Análise dos Entrevistados por Escolaridade 63
4.6 – Análise dos Entrevistados por Renda Familiar 65
CONSIDERAÇÕES FINAIS 67
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 69
APÊNDICES
A – Questionário Acerca da Restauração da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré 73
B – Tabela de Resultados obtidos com os questionários 74
ÍNDICE DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES
AI-5 – Ato Institucional número cinco
BEC – Batalhão de Engenharia e Construção
DECOM – Departamento de Comunicação do Estado de Rondônia
DOU – Diário Oficial da União
EFM-M – Estrada de Ferro Madeira-Mamoré
EUA – Estados Unidos da América
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
PRCFEFM-M - Projeto de restauração do complexo ferroviário da EFM-M
PRONAPA – Projeto Nacional de Pesquisas Arqueológicas
PRONAPABA – Projeto Nacional de Pesquisas Arqueológicas na Bacia Amazônica
SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SENI – Serviço Social da Indústria
TR – Termo de Referência
UNIR – Universidade Federal de Rondônia
UPA – Unidade de Pronto Atendimento
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES E FIGURAS
Figura 01 - George Earl Church (1835-1910), pintura a oleo de Ethel Morlock. Local:
Brown University Portrait Collection, Brown University, Providence ............17
Figura 02 - Percival Farquhar foi um empresário estadunidense, nascido na abastada
família Quacre da Pensilvânia ..........................................................................19
Figura 03 - Trabalhadores da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré durante a sua construção
– foto de Dana Marril ...................................................................................... 20
Figura 04 - Fotografia do interior da enfermaria do Hospital da Candelária, entre Santo
Antônio e Porto Velho – Foto de Dana Marril .................................................21
Figura 05 - Pintura da Praça da República, em Paris, de Eugène Galien Laloue (1854 –
1941), pintor Francês que usualmente retratava cenas de ruas durante o outono
e inverno – La Belle Èpoque.............................................................................22
Figura 06 - As fábricas começaram a transformar o cenário Europeu. Onde antes havia
campos e árvores, agora há chaminés e fumaça................................................22
Figura 07 - A ação de atrito no Rio Somme, França, somava 360.000 baixas entre ataque e
defesa em 1916. A ofensiva aliada não tinha objetivo territorial, apenas
buscava dizimar os alemães...............................................................................23
Figura 08 - Ernst Ludwig Kirchner (1880-1938) - nasceu em Aschaffenburg, Alemanha e
foi um pintor expressionista influenciado principalmente pelo cubismo e
fauvismo............................................................................................................24
Figura 09 - A Comissão Rondon teve grande importância em se tratando de
desenvolvimento científico e comunicação viária, contudo são conhecidos
depoimentos de índios parecís que afirmam que foram vítimas do
desenvolvimento das linhas telegráficas, uma vez que seu território foi
adulterado e de certa forma foram forçados a integrar-se na “civilização”, com
o sacrifício da identidade cultural (LIMA, 2008)..............................................25
Figura 10 - Capa do catálogo da exposição da Semana de Arte Moderna de 1922,
desenhada por Di Cavalcanti (podem-se ver as iniciais "D.C." no centro da
figura)................................................................................................................26
Figura 11 - Locomotiva abandonada ao longo dos trilhos...................................................30
Figura 12 - Locomotiva abandonada ao longo dos trilhos...................................................30
Figura 13 - Mobília pertencente ao acervo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré sendo
transportada de maneira inadequada.................................................................30
Figura 14 - Mobília pertencente ao acervo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré sendo
transportada de maneira inadequada.................................................................30
Figura 15 - Tratamento inadequado do acervo da EFM-M: etiquetas fixadas diretamente
nos objetos ........................................................................................................30
Figura 16 - Tratamento inadequado do acervo da EFM-M: objetos colocados no chão sem
uma devida proteção e cobertos por óleo queimado ........................................30
Figura 17 - Pessoas visitando o museu da EFM-M ............................................................ 32
Figura 18 - Pessoas visitando a feira de artesanato na EFM-M ......................................... 32
Figura 19 - População interagindo com a ferrovia ..............................................................32
Figura 20 - Pôr do sol do Rio Madeira visto do complexo ferroviário ...............................32
Figura 21 - Complexo da EFM-M tomado pelas águas do Rio Madeira ........................... 33
Figura 22 - Locomotiva parcialmente inundada ................................................................ 33
Figura 23 - Sujeira e barro deixado no Museu da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré pelo
Rio Madeira, após a diminuição de seu nível d’água .......................................33
Figura 24 - Sujeira e barro deixado no Museu da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré pelo
Rio Madeira, após a diminuição de seu nível d’água .......................................33
Figura 25 - Início dos trabalhos de limpeza no Complexo Ferroviário ..............................34
Figura 26 - Início dos trabalhos de limpeza no Complexo Ferroviário ..............................34
Figura 27 - Trata-se de um mapa da cidade de Porto Velho, obtida através de satélite e
divulgada pelo programa Google Earth, onde utilizamos o programa Paint para
dividir o município em seis pontos de pesquisa................................................47
Figura 28 - Restauração dos galpões e Locomotiva 18 ...................................................... 48
Figura 29 - Restauração de veículos ferroviários ............................................................... 48
Figura 30 - Construção do Espaço Conforto, com a recuperação do piso, do anfiteatro,
limpeza e execução do paisagismo da área do pátio da ferrovia ..................... 48
Figura 31 - Construção de um deck para contemplação do rio Madeira ............................ 48
Figura 32 - Localização da Plataforma/Estação de Santo Antônio..................................... 49
Figura 33 - Localização da Plataforma/Estação da Candelária .......................................... 49
Figura 34 - Desenho de como ficará o Museu da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré após a
implantação dos blocos modulados ................................................................. 50
Figura 35 - Localização das TRs no percurso entre Porto Velho e Santo Antônio ............ 51
ÍNDICE DE GRAFICOS
Gráfico 01 – Faixa etária dos entrevistados ............................................................................ 55
Gráfico 02 – Escolaridade dos entrevistados .......................................................................... 56
Gráfico 03 – Renda familiar dos entrevistados ....................................................................... 56
Gráfico 04 – Opinião dos entrevistados sobre a restauração no complexo da EFM-M .......... 58
Gráfico 05 – Pessoas que possuem e que não possuem lembranças ....................................... 60
Gráfico 06 – Possuem lembranças (positivas ou negativas) - faixa etária em % ................... 63
Gráfico 07 – Comparação entre F. Etárias: possuem e não possuem lembranças em % ........ 63
Gráfico 08 – Pessoas que possuem lembranças x escolaridade em porcentagem ................... 64
Gráfico 09 – Pessoas que possuem lembranças x renda familiar em porcentagem ................ 66
14
INTRODUÇÃO
O presente trabalho versa sobre a relação e intimidade da população da cidade
de Porto Velho para com o Complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Acreditamos
que este patrimônio histórico e cultural pode ser considerado o tema de discussões mais
emblemático do nosso município, pois se trata de um espaço de história viva e dinâmica, que
após 100 anos da sua construção (1907 – 1912), ainda divide opiniões e gera fervorosos
debates acerca de sua requalificação. Repleta de personagens que dedicaram suas vidas, saúde
e fortuna para a sua edificação, a “Ferrovia do Diabo” desperta reações diversas, variando
entre indignação e esperança, deixando os nossos cidadãos com sentimentos à flor da pele
quando o assunto é mencionado. Cientes desse fato, realizamos uma pesquisa de campo sobre
a EFM-M, por meio de um questionário, com perguntas abertas e fechadas, que nos ajudou a
obter resultados esclarecedores acerca dos meandros desse relacionamento.
Escolhemos este tema por acreditarmos que este trabalho pode contribuir e
estimular um debate diretamente relacionado à identidade social, memória, patrimônio,
valorização dos bens culturais e educação patrimonial. Procuraremos salientar a importância
de conhecermos nosso passado, para que assim possamos respeitar e preservar os vestígios
desse complexo ferroviário, considerando-o não apenas um patrimônio nacional custeado a
grandes somas de dinheiro e vidas, mas também uma fonte de saber.
No primeiro capítulo desta pesquisa, abordamos a ascenção e declínio dessa
estrada de ferro em um contexto histórico nacional e internacional. Efetuamos uma cronologia
onde relatamos desde os primeiros planos para a sua edificação no final do século XIX,
passando pela sua desativação em meados do século XX, até o início de sua requalificação no
início do século XXI. Todos os principais pontos e acontecimentos ligados à ferrovia foram
separados cronologicamente e apresentados com outros fatos históricos que aconteceram
simultaneamente no Brasil e no mundo. Nosso objetivo neste capítulo é demonstrar que este
complexo ferroviário não teve apenas importância para a nossa região, mas que também
esteve inserido em acontecimentos nacionais e globais como o Tratado de Petrópolis e a
Primeira Guerra Mundial.
O segundo capítulo deste trabalho foi utilizado para a realização de uma análise
sobre a gestão deste patrimônio, ou seja, se ele está sendo gerido de acordo com os preceitos
da Arqueologia Pública, onde o interesse da população vem em primeiro plano. Focamos
15
também a questão da Educação Patrimonial realizada em nosso município, bem como
estudamos os principais pensadores acerca da restauração e conservação de partimônios
históricos e culturais, como Eugène Emmanuel Viollet-Le-Duc, John Ruskin, Camilo Boito,
Cesare Brandi, Salvador Viñas e Françoise Choay.
O terceiro capítulo foi inteiramente dedicado à pesquisa de campo. Explicamos os
motivos de termos optado por uma pesquisa qualiquantitativa e estudamos os seus conceitos.
Apresentamos os nossos objetivos, onde um dos principais foi aferir os anseios e expectativas
da população deste município para com o Complexo Ferroviário em questão. Analisamos o
questionário aplicado ponto a ponto, explicando a metodologia que utilizamos em sua
aplicação junto ao público. Apresentamos também o projeto de requalificação da Estrada de
Ferro Madeira-Mamoré que se encontra protocolado no IPHAN e ainda uma entrevista com a
Superintendente do IPHAN, Monica Castro de Oliveira, que nos esclareceu alguns pontos
acerca do projeto de requalificação e da atuação do órgão que gerencia.
Por fim, no quarto capítulo, apresentamos e analisamos os resultados do
questionário aplicado. Efetuamos um perfil dos entrevistados levando em consideração a faixa
etária, a escolaridade e a renda familiar destes e também demonstramos a importância que a
população de Porto Velho dá a este patrimônio histórico por meio de gráficos comparativos.
Nossa principal intenção foi contribuir para a reflexão acerca da forma como os nossos
patrimônios históricos e culturais estão sendo geridos no Brasil e apontar os benefícios que
uma Educação Patrimonial, aplicada com seriedade e aliada aos preceitos da Arqueologia
Pública, podem gerar para uma sociedade.
16
1 – A ESTRADA DE FERRO EM UMA ERA DE INCERTEZAS
A nossa história passa-se, pois, naquela longínqua região da Amazônia onde a hileia,
a floresta equatorial apresenta-se como uma das mais soberbas e pujantes
manifestações da natureza na face da terra. (Ferrovia do Diabo, de M. R. Ferreira,
apud Estrada de Ferro Madeira-Mamoré: história, prosa e verso, p. 143).
1.1 – Contexto Histórico
A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré teve sua gênese nos sonhos e na coragem de
desbravadores que almejavam a realização de seus ideais políticos e econômicos. Para isso,
não se permitiram temer a floresta, ao contrário, tencionavam dominá-la, tentando domesticar
algo ainda hoje selvagem, o que culminou em gastos financeiros exorbitantes e na perda de
centenas de vidas humanas, como afirmou o engenheiro Alexandre Haag em 14 de agosto de
1885:
Não tenho confiança nas vantagens presentes ou futuras da Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré, tais considerem seus apologistas. Acredito, ao contrário, que
apenas servirá a uma região limitada, pobre e sem recursos para compensar os
sacrifícios das vidas e dos capitais avultados que a sua construção e conservação
exigem. (Estrada de Ferro Madeira-Mamoré: história, prosa e verso, p. 163).
Descreveremos neste capítulo a gênese, o ápice, a queda e a requalificação dessa
ferrovia. Utilizando uma cronologia histórica, relataremos os primeiros planos para a sua
construção no final do século XIX, a sua edificação, o seu auge e abondono pelo poder
público no seculo XX, e o começo do seu restauro no início do século XXI. Todos estes
acontecimentos serão separados de forma cronológica e apresentados com outros fatos
históricos que aconteceram em âmbito nacional e internacional. Nossa intenção é mostrar
como esta estrada de ferro foi importante para a região e para o país, uma vez que esteve
inserida em acontecimentos nacionais e globais, em um momento de grandes transformações
sociais no Brasil e no Mundo, como veremos a seguir:
Até antes do início da Guerra do Paraguai, em 1865, o Brasil ainda não tinha
necessitado escoar produtos pelo rio Madeira, uma vez que toda a produção chegava ao
Oceano Atlântico través do rio do Prata. Contudo, com o início do conflito, o Império
17
Brasileiro necessitou buscar novos caminhos, o que levou o Brasil e a Bolívia, que estava
isolada, sem uma saída para o mar, desde a sua independência do Peru, a assinarem, em 1867,
o “Tratado de Amizade, Limites, Navegação, Comércio e Extradição”, onde se viu a urgência
da construção de uma rota que superasse o trecho encachoeirado do rio Madeira,
primeiramente através de uma canalização, o que se provou inviável, e posteriormente com a
construção de uma ferrovia (OLIVEIRA, 2004: 45 e 46).
Foi então que o audacioso coronel George Earl Church fundou, em 1871,
autorizado pelos governos boliviano e brasileiro, a empresa The Madeira and Mamoré
Railway Company Ltd. A ferrovia deveria ser construída entre Santo Antônio e Guajará-
Mirim, com a parceria de Church e a construtora inglesa Public Works Construction
Company, que enviou, em 06 de julho de 1872, a primeira leva de trabalhadores a Santo
Antônio (OLIVEIRA, 2004: 46 e 47).
Figura 01 – Coronel George Earl Church (1835-1910) – www.wikipedia.org
Com o início dos trabalhos, a empreitada encontrou seu maior desafio: a floresta
Amazônica. Os trabalhadores iam chegando e sendo dizimados, aos poucos, pela fome,
doenças e ataques dos índios Karipunas. Os construtores não contavam com tamanha
18
adversidade para a realização desse projeto, fazendo com que a obra caminhasse a passos
lentos. Surgiram então várias dúvidas quanto à viabilidade da continuação da construção da
ferrovia. Em 09 de julho de 1873, cerca de um ano após o início da construção, a Public
Works recinde o contrato, alegando ter sido ludibriada sobre as condições de trabalho da
região e que era impossível construir uma ferrovia em um local tão hostil. Receando ter que
arcar sozinho com o pagamento dos empréstimos de uma obra que possivelmente nunca seria
concluída, o Governo Boliviano também se retira do projeto, deixando Church com o difícil
encargo (OLIVEIRA, 2004: 48).
Durante cerca de cinco anos houve inatividade no canteiro de obras da ferrovia.
Church, neste período, enfrentou vários entraves judiciais e dificuldades em encontrar
empresas construtoras dispostas a enfrentar a floresta. Rescindiu o contrato com a inglesa
Public Works, com a norte-americana Dorsey & Caldwel e novamente com uma britânica, a
Reed Bros & Company. A quarta empresa a ser contratada foi a P. & T. Collins, que partindo
da Filadélfia, EUA, em 1878, chega a Santo Antônio com navios carregados de aço,
ferramentas e operários. Após quatro meses de construção, a P. & T. Collins somente
conseguiu concluir três quilômetros de ferrovia, sendo que a previsão era de 10 quilômetros
por mês, pois também teve seus trabalhadores vitimados por doenças tropicais. Mesmo com
os poucos três quilômetros concluídos, estavam eufóricos e decidiram realizar uma pré-
inauguração, contudo a locomotiva, batizada de Church, descarrilou na sua primeira viagem.
A construtora P. & T. Collins foi mais uma a fracassar e com a catástrofe, a maioria dos
trabalhadores decidiu abandonar o trabalho e ir para Belém do Pará, passando a viver de
forma precária, sem emprego e doentes. Os que permaneceram em Santo Antônio, dentre eles
Thomas Collins, que aguardava Church reaver um empréstimo bloqueado em Londres,
sofreram com constantes febres e ataques dos índios Karipunas. Diante de tantas dificuldades,
no dia 19 de agosto de 1879, a construção da ferrovia foi suspensa e a concessão de Church é
cassada pelo Governo Brasileiro (OLIVEIRA, 2004: 49 e 50).
Por volta do ano de 1898, os brasileiros residentes no Acre negavam à República
da Bolívia a propriedade do local. Foi neste período que houve a chamada “Compra do Acre”,
que mesmo sendo território Boliviano, começou a ser ocupado por seringueiros brasileiros no
final do século XIX, para extraírem o látex, matéria prima da borracha – um dos principais
produtos de exportação do Brasil na época. O governo Boliviano reagiu a esta invasão
cedendo a exploração do território a uma empresa de capital norte-americano, inglês e
alemão, The Bolivian Syndicate. Este fato gerou a insatisfação da população brasileira, que
19
promoveu uma revolta armada em 1902, liderada por Plácido de Castro, levando a Bolívia a
vender o território do Acre ao Brasil (DIVALTE, 2005: 303).
Em novembro de 1903, os governos do Brasil e da Bolívia assinaram em
Petrópolis, Estado do Rio de Janeiro, o tratado que ficou denominado de Tratado de
Petrópolis. Os principais pontos foram a anexação do Acre ao território brasileiro e a
contrapartida do Brasil, que deveria pagar a quantia de 2 milhões de libras esterlinas à Bolívia
e construir uma ferrovia margeando o trecho encachoeirado dos rios Madeira e Mamoré. O
Brasil realiza então, em março de 1905, uma licitação para a construção da Estrada de Ferro.
Joaquim Catramby foi o vencedor da concorrência, mas logo em seguida transfere o contrato
da obra ao empresário norte-americano Percival Farquhar, que ordena o início da construção
em 1907. A construtora May, Jekyll & Randolph foi a escolhida para o empreendimento e
chega a Santo Antônio no mesmo ano para fazer um levantamento do material que ficou da
empresa P. & T. Collins, bem como avaliar as condições da região. Foi durante esta etapa que
decidiram transferir o ponto inicial da estrada de ferro para a localidade de Porto Velho
(OLIVEIRA, 2004: 52 e 53).
Figura 02 - Percival Farquhar (1864-1953) – Imagem Veja On-line
20
Percival Farquhar tinha grande interesse na construção da ferrovia, assim
mantinha contato com pessoas em várias partes do mundo, tentando conseguir trabalhadores
para o empreendimento. Foi dessa forma que estabeleceu um sistema de rodízio de operários,
tentando amenizar as perdas humanas no canteiro de obras. Uma nova leva de trabalhadores
chegava mensalmente, para que substituíssem os mortos e doentes. A grande aventura da
construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, que se iniciou com o bravo coronel Church
em 1872, teve seu fim em 1º de agosto de 1912, com a inauguração do seu último trecho
(Oliveira, 2004: 53).
Figura 03 – Trabalhadores durante a construção da EFM-M – Foto Dana Marril - www.panoramio.com
Trabalharam na sua construção cerca de 21.817 operários, provenientes de
diversos países. Destes, aproximadamente 1.593 faleceram, sendo 631 brasileiros, 366
espanhóis, 208 antilhanos, 148 portugueses, 52 alemães, 29 italianos, 30 colombianos, 20
norte-americanos e outros muitos de diversas nacionalidades. As doenças tropicais que mais
dizimaram os trabalhadores foram a febre amarela, malária, beribéri, ancilostomíase,
pneumonia, sarampo, hemoglobinúria e impaludismo. A repercussão negativa sobre a
construção da EFM-M na imprensa nacional e internacional fez com que os governos da
Espanha, Portugal e Itália impedissem a saída de seus cidadãos com destino à construção
desta estrada de ferro. No ano de 1910, o médico sanitarista Osvaldo Cruz e seu colega doutor
21
Belizário Pena chegam a Porto velho, contratados pela construtora da ferrovia, e relatam as
excelentes instalações do Hospital da Candelária, construído em 1907, com intuito de tratar as
doenças adquiridas na região. Contudo, o primeiro relatório médico sobre a região, foi
elaborado pelo Dr. H. P. Belt, em 1907. Norte-americano que possuía grande experiência em
doenças tropicais, afirmou que a região era uma das mais doentias do mundo (OLIVEIRA,
2004: 54 e 55).
Figura 04 – Interior da Enfermaria do Hospital da Candelária – foto Dana Marril – www.vfco.brazilia.jor.br
Neste período de construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (1907-1912),
a Europa vivia a chamada belle époque (1871-1914), ou seja, boa parte da população europeia
passava por um período de grande prosperidade, resultando num conforto nunca antes
experimentado, proporcionado pelo desenvolvimento da indústria e ciência (DIVALTE, 2005:
284). Contudo, com essa industrialização, cada vez mais pessoas saiam dos campos expulsos
pelas máquinas, sendo obrigadas a povoarem as movimentadas cidades a procura de emprego.
Aquelas que não conseguiam trabalho acabavam vagando pelas ruas sem as mínimas
condições de vida. Mulheres e crianças também passaram a fazer parte da mão de obra nas
fábricas. Houve uma grande acentuação da distinção entre classe média (burguesia) e classe
trabalhadora ou proletariada (ABAURRE, FADEL e PONTARA, 2003: 72). Émile Zola,
escritor naturalista francês, soube captar bem essa realidade em seu romance Germinal, que é
22
minucioso ao descrever as condições de vida sub-humanas de uma comunidade de
trabalhadores de uma mina de carvão no norte da França.
Figura 05 – Place de la République de Eugène Galien Laloue – La Belle Èpoque - www.es.wahooart.com
Figura 06 – Campo Escuro de Constantin Meunier - www.jacquelinewaechter.blogspot.com.br
Com o advento da Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), chega ao fim a belle
èpoque na Europa. Pela primeira vez na história o planeta estava em guerra. Houve grande
mobilização de aparato bélico e destruição devastadora, com uma rápida fase de movimento
23
de tropas, logo substituída pela “guerra de trincheiras”, onde os exércitos ficavam em buracos
no chão por cerca de três anos. As novas armas, fruto do desenvolvimento industrial, deram
aos países capitalistas o poder de destruição quase absoluto. Os principais motivos para o
início do conflito eram a insatisfação dos países europeus que chegaram tarde à partilha da
África e Ásia; a disputa ostensiva por novos mercados e fontes de matérias-primas; e as
tensões nacionalistas e disputas imperialistas, que originaram a formação de dois blocos de
nações: A Tríplice Aliança (Alemanha, Austro-Hungria e Itália) e a Tríplice Entente
(Inglaterra, Rússia e França). Os dois blocos estavam prontos para a guerra e o pretexto foi o
assassinato do herdeiro do trono austríaco, o arquiduque Francisco Ferdinando, por um
estudante sérvio, em 28 de junho de 1914. O Brasil entrou neste conflito em 1917, no último
ano, ao lado da Tríplice Entente. Também participaram do conflito o Japão, Portugal,
Romênia, Estados Unidos e Grécia (DIVALTE, 2005: 285 e 287).
Figura 07 – Rio Somme, França - Soldado britânico entrincheirado – www.veja.abril.com.br/historia.
Após a Guerra, em 1917, a Rússia foi sacudida por duas revoluções. A primeira,
em fevereiro – a população insatisfeita destruiu o regime czarista; a segunda, em outubro –
Lenin e Trotski comandando os bolcheviques (comunistas) tomaram o poder com o apoio da
população, utilizando o lema “pão, paz e terra”. Surge assim a União Soviética, o primeiro
Estado do mundo a adotar o sistema socialista, que marcou grande parte do século XX pela
rivalidade com o capitalismo (DIVALTE, 2005: 291).
24
Foi neste ambiente turbulento da primeira metade do século XX que surgiram as
vanguardas europeias, movimento que iniciou uma ruptura com as estéticas precedentes,
como o Simbolismo. Os progressos industriais, avanços tecnológicos, descobertas científicas
e médicas, bem como a disputa pelos mercados financeiros, que foi um dos motivos para o
início da Primeira Guerra Mundial, criaram um clima propício para o surgimento das novas
concepções artísticas sobre a realidade. Surgiram inúmeras tendências na arte, principalmente
manifestos advindos do contraste social: de um lado a burguesia eufórica pela emergente
economia industrial e, de outro lado, a marginalização e descontentamento da classe proletária
e a intensificação do desemprego, especialmente após a queda da bolsa de Nova Iorque em
1929. Os principais movimentos culturais desse período são: Futurismo, Expressionismo,
Cubismo, Dadaísmo e Surrealismo (ABAURRE, FADEL e PONTARA, 2003: 104 a 106).
Figura 08 – Erna com Cigarros de Ernst Ludwig Kirchner – 1915 – Expressionismo - www.wikipaintings.org
No Brasil, vivíamos as aventuras do desbravador Marechal Cândido Rondon. As
expedições na Amazônia no fim do século XIX e princípio do século XX surgiram da
necessidade de integrar as regiões pouco exploradas do Brasil. Devido a isso, o governo
brasileiro iniciou uma política de ocupação e povoamento. Essa política abrangia uma grande
região, desde o Mato Grosso ao Amazonas. A ideia era colonizar estas áreas com população
não indígena, construir estradas, educar os índios, instalar meios de comunicação, etc. Com
25
este intuito, o Exército reorganizou, em 1880, o Batalhão de Engenheiros, que se dedicava à
construção de linhas de caminhos de ferro e de linhas telegráficas. O Marechal Rondon
pertenceu e chefiou algumas das comissões criadas para a construção das linhas telegráficas.
Em 1900, Cândido Mariano da Silva Rondon, jovem oficial do Exército, tornou-se chefe da
Comissão de Linhas Telegráficas do Estado do Mato Grosso e, em 1907, comandou a
Comissão de Linhas Telegráficas do Mato Grosso ao Amazonas. Sendo ela conhecida como
Comissão Rondon, que aconteceu entre 1907 e 1915. Os principais objetivos eram a
integração dessas áreas desconhecidas à nação brasileira, expandir a autoridade do Estado
Central e o reconhecimento, demarcação de terras, exploração dos rios, entre outros
(OLIVEIRA, 2004: 63 e 64).
Durante um discurso em que demonstra ser partidário de Getúlio Vargas, Rondon
expressa claramente qual era a visão e política do Governo para com a Amazônia:
Por este conduzir a bandeira política e administrativa da Marcha para o Oeste,
visando ao alargamento do povoamento do sertão e de seu aproveitamento
agropecuário com fundamentos econômicos mais sólidos e eficientes. Homenagem
pela sua expressão de simpatia para com os indígenas e disposição de ocupar o vazio
do território que permanecia despovoado.
Logo após a conclusão da rede de linhas telegráficas do Mato-Grosso ao
Amazonas, surgiu o rádio, que de imediato suplantou por completo o lugar do telégrafo nas
comunicações. Neste período, o telégrafo com fio já se encontrava obsoleto.
Figura 09 – Integrantes da Comissão Rondon - www.comissaorondon.blogspot.com.
26
Sobre as artes, neste período o Brasil, especialmente a cidade de São Paulo,
presenciou a Semana da Arte Moderna de 1922. Aproveitando as comemorações do
centenário da independência, o grupo modernista, dentre eles os escritores Mario de Andrade
e Oswald de Andrade; os artistas plásticos Anita Malfatti, Di Cavalcante e os músicos Heitor
Villa-Lobos, Guiomar Novaes e outros artistas, organizaram e participaram do evento, que
serviu como grito de independência cultural, transformando de forma definitiva as artes no
Brasil (ABAURRE, FADEL e PONTARA, 2003: 119).
Figura 10 - Capa do catálogo da exposição, desenhada por Di Cavalcanti - www.itaucultural.org.br
Quanto à Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, seus tempos áureos não foram
duradouros. Inaugurada dois anos antes do início da Primeira Guerra Mundial, passou a
trabalhar com déficit financeiro já em 1914, ocasionado pelo baixo preço da borracha nos
mercados nacional e internacional. Problema que piorou com a queda da bolsa de valores de
Nova Iorque, em 1929, acabando com qualquer esperança da ferrovia de superar a crise
financeira, culminando no enxugamento da folha de pagamento e também na paralisação da
estrada de ferro, o que gerou inúmeros protestos por parte dos trabalhadores, governo e
população local (OLIVEIRA, 2004: 56).
O Brasil, que também participou da Segunda Grande Guerra, passava pela
Repúbica Populista (1930-1964), com Getúlio Vargas no poder de 1930 até 1945. A
27
população acompanhava pelos jornais e rádio as notícias da “Coluna Prestes” e de “Lampião e
seu Cangaço”, assim como a Revolução Constitucionalista de São Paulo em 1932
(DOMINGUES e FIUSA, 1996: 212, 213 e 255).
A Amazônia vivia o Segundo Ciclo da Borracha (1939-1945). No vale do
Madeira, um dos principais acontecimentos foi a criação do Território Federal do Guaporé,
em 1943. Porto Velho foi elevado à categoria de Capital, recebendo grandes obras, como a
construção do Palácio Getúlio Vargas, Escola Estadual Carmela Dutra, Prédio da
Administração da Ferrovia, aeroporto e o Porto Velho Palace Hotel (atual prédio da UNIR
centro). Contudo, a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré ia de mal a pior. A crise da bolsa de
valores de Nova Iorque em 1929 pôs fim a qualquer esperança de vencer a crise. Em 1931, o
Presidente Getúlio Vargas publicou o Decreto Lei nº 20.200, intervindo na administração da
ferrovia (OLIVEIRA, 2004: 44 e 56).
O colapso do Populismo ocorreu em 1964, devido ao golpe militar. Temendo a
implantação de um governo comunista no país, militares brasileiros, amplamente apoiados
pelos EUA, com armas e estratégias, depuseram o presidente João Goulart, como observamos
a declaração do embaixador norte-americano no Brasil, Lincoln Gordon, logo após o golpe,
citado por Carlos Lacerda em “Depoimento”:
Vocês fizeram uma coisa formidável! Essa revolução sem sangue e tão rápida! E
com isso pouparam uma situação que seria profundamente triste, desagradável e de
consequências imprevisíveis no futuro de nossas relações; vocês evitaram que
tivéssemos que intervir no conflito.
A República Militar que comandou o Brasil entre 1964 e 1985 foi responsável por
inúmeras perseguições políticas, torturas, sequestros e assassinatos. O Ato Institucional nº 05
(AI-5) de dezembro de 1968, que foi o mais violento e restringiu vários direitos civis, puniu
cerca de 1.600 pessoas, incluindo parlamentares, professores, advogados, médicos,
engenheiros, arquitetos, juízes, jornalistas, artistas, estudantes e militares. Ficou marcado
também por políticas econômicas desastrosas onde a inflação arrochava os salários dos
assalariados que viam seu dinheiro cada vez mais desvalorizado (DOMINGUES e FIUSA,
1996: 336, 340, 345 e 364).
A situação da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré piorou ainda mais quando um
acordo realizado entre o Ministério da Viação e Obras Públicas com o Ministério da Guerra,
acabou transferindo-a para o 5º Batalhão de Engenharia e Construção (5º BEC), que recebeu
ordens para dar início à sua paralisação, que só efetivamente aconteceu em 10 de julho de
28
1972, com o termino da construção da BR-364 e BR-425. As locomotivas fizeram ressoar
seus apitos pela última vez, ficando no abandono por muitos anos e tendo parte do seu acervo
vendido como sucata para uma empresa siderúrgica de Mogi das Cruzes, Estado de São Paulo
(OLIVEIRA, 2004: 56 e 57).
Às 19h30 do dia 10 de julho, as velhas locomotivas a lenha da Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré acionaram seus apitos durante cinco minutos, pela ultima vez,
num adeus aos 50 mil habitantes de Porto Velho. Elas encerram naquele instante, 50
anos de atividades ao longo de 366 km que ligam a capital do território de Rondônia
a Guajará-Mirim, na fronteira com a Bolívia. (O Estadão de São Paulo, 15/07/1972,
apud Estrada de Ferro Madeira-Mamoré: história, prosa e verso, p. 174).
Mesmo passados longos anos de abandono e má gerência, a estrada de ferro vinha
sendo utilizada por boa parte da população do município de Porto Velho. Havia passeios de
trem, os cidadãos iam até o local para desfrutar de momentos de lazer e consumir alimentos e
artesanatos regionais, bem como visitar o Museu que funcionava em um dos galpões. Ela
tinha voltado a operar em 1981 num trecho de apenas 7 quilômetros dos 366 do percurso
original, ligando Porto Velho ao distrito de Santo Antônio, mas apenas para fins turísticos,
vindo novamente a ser paralisada, desta vez por completo, em 2000.
Em 10 de novembro de 2005, O IPHAN, que é uma autarquia federal pertencente
ao Ministério da Cultura, responsável por preservar elementos que compõem a sociedade
brasileira, tendo como uma de suas atribuições a promoção e coordenação do processo de
preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro para fortalecer identidades, garantir o direito à
memória e contribuir para o desenvolvimento socioeconômico do país, cuja responsabilidade
está em preservar, divulgar e fiscalizar os bens culturais brasileiros (www.iphan.gov.br),
decidiu pelo tombamento do complexo ferroviário da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré,
sendo homologado pelo Ministério da Cultura como Patrimônio Cultural Brasileiro, através
da Portaria 108, em 28 de dezembro de 2006. O pedido para esse tombamento foi
encaminhado por uma associação de ex-ferroviários preocupados em evitar a venda de peças
da ferrovia e também por se tratar de um patrimônio que tem elevado valor cultural para a
população da Capital e do Estado de Rondônia (www.labjor.unicamp.br).
DOU 19.07.2007 - Define os critérios para controle de intervenções sobre o
conjunto Histórico, Arquitetônico e Paisagístico do Pátio Ferroviário da Estrada de
Ferro Madeira-Mamoré, na Cidade de Porto Velho/RO, tombado pelo IPHAN nos
termos do Decreto-Lei nº 25/37, e dá outras providências.
29
O PRESIDENTE DO INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E
ARTÍSTICO NACIONAL - IPHAN, no uso das atribuições que lhe confere o inciso
V do art. 21 do Decreto nº 5.040, de 07 de abril de 2004, e considerando:
Que o Conjunto Histórico, Arquitetônico e Paisagístico da Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré (EFMM), formado pelo Pátio Ferroviário, os oito quilômetros de
estrada de ferro que vai da Estação Central até a Estação de Santo Antônio, as três
Caixas d'água e o Cemitério da Candelária, na Cidade de Porto Velho-RO, em razão
de possuírem um excepcional valor cultural, são monumentos integrantes do
Patrimônio Cultural Brasileiro, na forma e para os fins do Decreto-Lei 25/37 e do
Processo IPHAN nº 1220-T-87.
No mês de setembro do ano de 2008, se iniciou a contrução da usina hidrelétrica
de Santo Antônio. Este grande e polêmico empreendimento teve suas duas primeiras turbinas
em funcionamento em 30 de março de 2012 e atualmente 26 turbinas estão em operação
comercial, gerando aproximadamente 1.853,74 megawatts de energia. O término das obras
está previsto para o mês de novembro de 2016 (www.santoantonioenergia.com.br).
Localizada há cerca de 10 quilômetros do perímetro urbano da cidade de Porto Velho,
aproveitando as fortes corredeiras da cachoeira de Teotônio, no Rio Madeira, a contrução
dessa usina acarretou graves problemas sociais para a Capital, como o crescimento
demográfico desordenado, aumento do fluxo de pessoas nos hospitais, aumento da violência
urbana, alterações bruscas no trânsito e aumento no preço dos imóveis e aluguéis, gerando
uma especulação imobiliária (BRITO e ROCHA, 2013). Contudo, também injetou volumosas
somas de dinheiro nos cofres do município e do Estado de Rondônia, possibilitando um maior
investimento em saúde, educação, segurança e cultura.
Com parte da verba das compensações advindas da contrução da Usina
Hidrelétrica de Santo Antônio, O IPHAN autorizou o início dos trabalhos de restauração da
Estrada de Ferro Madeira-Mamoré em 2009, com o restauro dos galpões, oficina, veículos
ferroviários e a pavimentação da praça. Houve também a construção de um deck, a limpeza e
execução do paisagismo da área do pátio da ferrovia. Porém, mesmo com estas obras
realizadas, ainda há um grande descaso com o patrimônio do referido complexo ferroviário,
uma vez que podemos encontrar várias locomotivas, além de outros artefatos do acervo
patrimonial da EFM-M, abandonados ao longo dos trilhos e a sua mobília, bem como outros
objetos e documentos de valor histórico, não são tratados com o devido cuidado durante o
transporte e armazenamento, como atestam as fotografias a seguir:
30
Figuras 11 e 12 – locomotivas abandonadas ao longo dos trilhos da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré
www.gentedeopiniao.com.br e www.transportandoavida.blogspot.com.br
Figuras 13 e 14 – Mobília da EFM-M sendo transportada sem os devidos cuidados –
www.gentedeopiniao.com.br e www.girocentral.com.br
Figuras 15 e 16 – Tratamento inadequado dos objetos do Museu da EFM-M: etiquetas fixadas diretamente nos
objetos, peças espalhadas pelo chão e cobertas com óleo queimado – Fotos Pedro Pedroza Cardoso
31
O descaso com o patrimônio, observado nas figuras acima, é uma afronta à
história da população de Porto Velho e do Estado de Rondônia, pois a construção da Estrada
de Ferro Madeira-Mamoré foi de grande importância para o crescimento e desenvolvimento
do vale do Madeira, que até o ano de 1907, só possuía um povoado, conhecido como Santo
Antônio do Rio Madeira. Com o efetivo início da construção da ferrovia, na segunda metade
do ano de 1907, surge o povoado de Porto Velho, hoje a Capital do Estado, e ao término da
obra, surge no seu ponto final, a vila de Esperidião Marques, hoje, a cidade de Guajará-
Mirim. Esses dois povoados foram os primeiros centros a se desenvolverem na região,
principalmente por serem os pontos inicial e final da ferrovia. Ao longo dos trilhos,
acompanhando as muitas viagens que as locomotivas fizeram, surgiram ainda os povoados de
Jaci-Paraná, Mutum-Paraná, Abunã, Iata e Vila Murtinho, onde foram instaladas algumas
estações. Tratavam-se de pontos de abastecimento das Marias-Fumaças, suprindo-as com
água e lenha. Nas proximidades das estações, edificaram moradias para os trabalhadores e
barracões para o comércio de diversas mercadorias. Estas pequenas vilas pouco se
desenvolveram, mas ainda hoje possuem bens históricos ligados à ferrovia, e também
precisam ser restaurados e preservados (OLIVEIRA, 2004: 55).
A má gestão desse patrimônio também prejudica a Economia regional, pois graças
à sua história e beleza, a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré tem um elevado potencial
turístico. Ela já era naturalmente utilizada pela população do município de Porto Velho, e
também por visitantes de outras cidades e Estados, como um local de visitação, consumo de
produtos regionais e lazer, gerando dividendos, movimentando e dando vida ao comércio,
mesmo com pouco incentivo e investimento do poder público. Se fosse restaurada de maneira
adequada, com a participação do povo, ouvindo e respeitando as suas opiniões, a EFM-M se
transformaria em um dos grandes complexos turísticos da nossa região, um complexo de
cultura, lazer, cidadania e educação patrimonial. Seria um local onde o povo de Rondônia
poderia se reencontrar, visitar as suas raízes, se repensar, aprender com os erros do passado,
ampliar sua visão de mundo e exigir e vislumbrar um futuro melhor.
Enquanto o complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré permanecer sem os
devidos cuidados, a maior prejudicada será a população local, pois ela abraçou e tomou para
si este Complexo Ferroviário. Costumava visitá-lo todos os finais de semana, se reunindo na
estrada de ferro para conhecer e reconhecer a sua história no museu (que funcionava em um
dos galpões), para adquirir produtos artesanais e indígenas, para experimentar comidas típicas
da região, vendidas nas muitas barraquinhas montadas por moradores da Capital, ou mesmo
32
para desfrutar de simples prazeres, como sentar-se a grama para contemplar a natureza e ter
momentos de reflexão ou observar o pôr do sol, que todos os dias, carinhosamente, beija o
Rio Madeira, como que desejando uma boa noite de sono a um filho querido. O nosso povo
merece ver o seu principal monumento restaurado, ele quer vê-lo restaurado! Mas não deve
ser deixado de lado no ato da elaboração do projeto de requalificação, deve ser consultado e
ter a sua opinião valorizada e respeitada, pois se os nossos governantes não entenderem que a
restauração do Complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré deve ser voltada para a
população e para suas necessidades, o projeto de requalificação terá perdido o seu fim. Como
então saber o que os cidadãos necessitam sem antes consultá-los?
Figuras 17 e 18 – Pessoas visitando o complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré
Fotos - www.newsrondonia.com.br e www.cabresto.blogspot.com.br
Figuras 19 e 20 – Interação entre a população e o complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e o pôr do sol
do Rio Madeira visto da ferrovia – Fotos Pedro Pedroza Cardoso
No ano de 2014, a desastrosa combinação de fortes chuvas e as barragens das
Usinas Hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, tornaram as águas do Rio Madeira ainda mais
33
indomáveis, causando a pior enchente que a Capital já presenciou em muitos anos. O
complexo da EFM-M foi inundado, cobrindo de água e sujeira as locomotivas, o museu, o
gramado, as residências próximas e as esperanças da população em ver este complexo
ferroviário devidamente revitalizado. Uma tragédia anunciada que acabou danificando a
restauração que já havia sido feita entre os anos de 2009 e 2013. Os estragos ainda estão
sendo avaliados, mas algo é certo, todo o projeto de requalificação tem que ser revisto, toda a
atual forma de lidar com esse patrimônio tem que ser repensada. O povo de Rondônia não
pode ficar órfão de sua história, de sua cultura, de suas raízes. Não podemos mais ser omissos
e permitir que submetam a nossa ferrovia a uma nova Era de Incertezas...
Figuras 21 e 22 – Enchente na Estrada de Ferro Madeira-Mamoré - www.fotospublicas.com
Figuras 23 e 24 – Camada de lama deixada pelo Rio Madeira nos galpões - www.rondoniaovivo.com
34
Figuras 25 e 26 – Início dos trabalhos de limpeza do complexo ferroviário - www.rondoniaovivo.com
No próximo capítulo estudaremos as perspectivas teóricas que nortearam esta
pesquisa, pois acreditamos que elas podem contribuir para o entendimento da importância de
se trabalhar em conjunto, divulgando e difundindo o patrimônio cultural em benefício dos
povos e comunidades. Assim, traremos para a discussão algumas bases conceituais sobre
educação patrimonial, arqueologia pública e conservação e restauro. O objetivo é discutir as
premissas de um trabalho científico que leva em consideração a opinião da sociedade
diretamente envolvida pelo patrimônio histórico e cultural da Estrada de Ferro Madeira-
Mamoré.
35
2 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: PORTO VELHO E SUA IDENTIDADE
Porto, velho e seguro porto! / Chega de trevas, de lassidão. / Sentimentos e
patrimônios unidos, / raízes firmando os pés ao nosso chão. / (...) Porto, meu porto
destino... / Marcos, prédios, monumentos, dotes, o passado fluindo, / exalando
cultura, língua, costumes, mesclando tudo: / a essência simbólica e imortal da alma
coletiva existindo. (W. H. Martins, apud Estrada de Ferro Madeira-Mamoré:
história, prosa e verso, p. 208).
2.1 –Arqueologia Pública, Educação Patrimonial e a Restauração de Patrimônios
Esta pesquisa trata-se de um trabalho de conclusão de curso de bacharelado em
Arqueologia, cujo tema é a preservação do patrimônio histórico e cultural do Complexo
Ferroviário da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e a relação deste com a sua população, no
caso, os moradores da cidade de Porto Velho. A Arqueologia Pública e a Educação
Patrimonial, que também são objetos de estudo desta graduação, são de grande importância
para esta pesquisa, pois versam sobre a interação de determinando povo com os seus bens
históricos e culturais. São áreas do estudo científico que estão diretamente preocupadas com
as comunidades e com a forma como lidam com o seu patrimônio, e por isso serão abordadas
neste capítulo.
Uma forma de sabermos se o patrimônio da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré
está sendo gerido de acordo com os anseios da população local, é estudarmos os preceitos da
Arqueologia Pública, que é uma área da Arqueologia voltada especificamente para o interesse
público em geral (MERRIMAN, 2004: 2). Sabemos que ela passou a ser discutida mais
aprofundadamente a partir da segunda metade do século XX e os debates com intuito de
definir os seus objetivos e metodologias, muitas vezes acirrados, ainda são frequentes e estão
distantes de se encerrarem. Aqui no Brasil, o termo Arqueologia Pública, traduzida do inglês
Public Archaeology, ainda pode levar a erros de entendimento. É notório que público, em sua
origem inglesa, significa “voltada para o público, para o povo”, diferentemente do sentido em
português que é sinônimo de “estatal”. Afastando esse erro de entendimento e tradução do
termo para a língua portuguesa, perceberemos que o aspecto público da Arqueologia está
intimamente ligado à relação com as pessoas, todas elas: indígenas, quilombolas, estudantes,
36
professores, cientistas, ribeirinhos, empregados, empregadores, ou seja, a população em geral
(FUNARI e GONZÁLEZ, 2006:1).
Com as inovações tecnológicas, principalmente na área da comunicação, como a
internet, podemos ter acesso a várias pesquisas arqueológicas efetuadas em todo o Brasil.
Contudo, o principal problema sobre essa disseminação de pesquisas e informação está
relacionado à participação das pessoas comuns na prática e no discurso arqueológico. Quando
falamos em pessoas comuns, estamos incluindo os grupos locais, as comunidades étnicas, os
alunos, os professores, ou seja, a sociedade como um todo, que costuma ver programas
populares sobre ciência em revistas, jornais, televisão e na internet. Sabe-se que as pesquisas
arqueológicas produzem conhecimento científico, contudo este conhecimento é geralmente
burocrático e, principalmente, voltado para a academia e não para a comunidade (FUNARI e
GONZÁLEZ, 2008).
Acreditamos que esta realidade está mudando, pois não é mais aceito que a
arqueologia e a educação sejam indissociáveis. Não são apenas os grupos dominantes que
possuem um passado digno de ser estudado. As "maiorias silenciosas" também necessitam ter
acesso as informações e ter voz, pois estão sim representadas nos registros arqueológicos
materiais, contudo não o sabem, pois são pouco ou nunca foram informadas sobre esse
passado material, que raramente está presente nos livros didáticos secundaristas (FUNARI e
GONZÁLEZ, 2008).
Márcia Bezerra se aprofunda ainda mais nesse relacionamento conturbado, um
triângulo não muito amoroso entre o patrimônio, o cientista e a população. Ela fala da
“fruição tátil”, ou seja, a proximidade literal entre o povo e o seu patrimônio, o bem cultural
ao alcance das mãos. Afirma que são os especialistas – arqueólogos, museólogos,
restauradores, conservadores – quem tomam para si o direito de fruição com os objetos e os
que se encontram fora desse seleto grupo são orientados a não tocar nas coisas do passado. O
patrimônio se torna uma “tecnologia do governo”, algo formal, um dom precioso recebido do
passado e por isso é inquestionável, passível apenas de ser restaurado e preservado. Isso
impede que a população frua com o passado, depreciando assim a interpretação e experiência
popular com o registro arqueológico, ou seja, o reencontro com a sua cultura e com o seu
patrimônio (BEZERRA, 2013).
Acreditamos então que o lado mais salutar da Arqueologia Pública é possibilitar a
interação entre a Academia, o Patrimônio e a Sociedade. Trata-se de um diálogo de grande
significância, principalmente quando estudamos a Arqueologia como uma ciência que
37
caminha ao lado da sociedade e não distante ou, pretensiosamente, acima dela. Devemos
então, ao falar de pesquisas científicas no complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré,
conciliar os interesses da comunidade pesquisada x pensamento científico, pois ambos são
considerados importantes no processo de fortalecimento de identidades culturais e
consequente inclusão social. A Arqueologia, ciência humana e social por natureza, quando
transformada em ferramenta de inclusão social, ao proporcionar a oportunidade de dar voz às
minorias que foram apagadas no curso da história, está sendo empregada da forma mais
correta e eficaz possível. Está cumprindo o seu papel de devolver o homem ao homem, em
toda a sua amplitude e complexidade, ouvindo os pequenos e os grandes, o simples e o
implexo, a monumentalidade e a austeridade, sem distinção e sem preconceitos. Como então
fazer com que a academia, o patrimônio e a sociedade saiam do monólogo e atuem em
conjunto no teatro da cidadania?
Uma das melhores soluções para esta questão é a Educação Patrimonial. Desde a
década de 1980, muitas empresas e instituições tem buscado empreender ações neste sentido,
contudo, sabemos que essas ações, de naturezas diversas e concepções muitas vezes
divergentes sobre o tema, fazem com que determinadas atividades sejam consideradas
práticas efetivas para uns, mas não para outros. Sabemos que este campo não está pacificado,
e que muitas vezes a educação patrimonial, quando reduzida a uma única metodologia, pode
se tornar uma espécie de domínio hegemônico, ou mesmo um tipo de controle e eliminação
das diferenças (CHAGAS, 2004). Diante dessas informações, passaremos a estudar os
trabalhos de Paulo Freire, Mario Souza Chagas e Maria de Lourdes Parreira Horta, acerca de
Educação e Educação Patrimonial, com intuito de comprendermos esta relação tão conturbada
que há entre o povo e o seu patrimônio.
Sobre Educação, Paulo Freire a vê impregnada de esperança, tanto que não
hesitou em chamá-la de Pedagogia da Esperança, pois acredita que ela pode mudar muito a
realidade, dependendo de como a aplicamos e da maneira que a concebemos (FREIRE, 1997).
Contudo, segundo o autor, não é só de esperança que vive a Educação:
Saibamos que, sem certas qualidades ou virtudes como amorosidade, respeito aos
outros, tolerância, humildade, gosto pela alegria, gosto pela vida, abertura ao novo,
disponibilidade à mudança, persistência na luta, recusa aos fatalismos (...) abertura à
justiça, não é possível a prática pedagógico-progressista, que não se faz apenas com
ciência e técnica (FREIRE, 1997:136).
38
Todas estas características, ou virtudes, como prega Paulo Freire, transformam a
Educação em um processo humanizante, social, político, ético, histórico e cultural.
Brilhantemente enxergou essa forma de Educação como prática de liberdade, ou seja, ela deve
refletir sobre o homem situado no seu tempo histórico e suas relações com o mundo e
possibilitar ao sujeito se perceber na sua condição histórica e como construtor do seu
caminhar, tornando-o consciente de sua presença atuante e transformadora no mundo,
(FREIRE, 2011).
Esta visão humanizadora e social da educação de Paulo Freire, também
compartilhada por Maria de Lourdes Parreira Horta e Mario de Sousa Chagas, nos possibilita
trabalhar a Educação Patrimonial de uma forma mais ampla e dinâmica. Incentiva a utilização
de várias metodologias, analisadas caso a caso, objetivando o maior e melhor alcance
possível, trazendo efetivamente a sociedade para perto de seus bens históricos e culturais.
Para o IPHAN, Educação Patrimonial trata-se de todos os processos educativos
que primam pela construção coletiva do conhecimento, pela dialogicidade entre os agentes
sociais e pela participação efetiva das comunidades detentoras das referências culturais onde
convivem noções de patrimônio cultural diversas (www.portal.iphan.gov.br). Trata-se
também de um processo permanente e sistemático de labor educacional voltado e focado no
Patrimônio Cultural como fonte principal de conhecimento, bem como de enriquecimento
individual e coletivo (HORTA, 1999).
Partindo das experiências obtidas com o contato direto com as manifestações
culturais, em todos os seus aspectos, o trabalho de Educação Patrimonial busca levar as
pessoas em geral a um processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de sua
herança cultural, dando-lhes o discernimento e capacidade para melhor usufruí-la. Propicia
ainda a geração e a produção de novos conhecimentos, num processo contínuo de criação
cultural (HORTA, 1999).
A Educação Patrimonial é uma ferramenta de “alfabetização cultural” que
possibilita ao indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do
universo sociocultural e da trajetória histórico-temporal em que está inserido. Este processo
reforça a autoestima dos indivíduos e comunidades e também leva à valorização da cultura
brasileira, em toda a sua multiplicidade e pluralidade (HORTA, 1999).
Devemos pensar a Educação Patrimonial como algo que não se faz sem se ter em
mente certo patrimônio cultural e ainda alguns aspectos da memória social. Devemos também
compreendê-la como pratica social aberta a novas ideias e criações, bem como ao surgimento
39
de valores que podem nos capacitar a enxergar a felicidade e o anseio de lidar com as
diferenças (CHAGAS, 2004).
Esta forma libertária de entender o patrimônio e a sua relação com a população,
deveria ser aplicada antes mesmo de falarmos em restauração e conservação do Complexo da
Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Os cidadãos deveriam ser previamente preparados para
esta requalificação, possibilitando assim a compreensão deste restauro e a possibilidade de
opinarem, expressando assim os seus anseios e expectativas para com esta ferrovia. Há várias
formas de se efetuar uma restauração e conservação de um patrimônio histórico. Várias linhas
de pensamento, cada uma com o seu pensador principal, que se estudadas a fundo, podem ser
de grande auxílio na forma de se lidar com esta relação entre o bem e a população. A
possibilidade de se encontrar uma rota comum onde a Educação Patrimonial, a Arqueologia
Pública e a Restauração e Conservação de um patrimônio possam caminhar de mãos dadas,
deveria ser considerada e aplicada na requalificação deste complexo ferroviário. Estudaremos
então seis grandes teóricos da restauração e conservação, sendo eles: Eugène Emmanuel
Viollet-Le-Duc, John Ruskin, Camilo Boito, Cesare Brandi, Salvador Viñas e Françoise
Choay. Seis mestres que, com posicionamentos muitas vezes antagônicos, contribuíram
significantemente para o desenvolvimento desta ciência, como veremos a seguir:
Eugène Emmanuel Viollet-Le-Duc (1814 – 1879), restaurador de monumentos
francês, nascido em Paris, buscava restabelecer a “situação original do monumento”, “o
momento de sua concepção”, “a ideia original do artista”, os acréscimos e intervenções
ocorridos ao longo da história do monumento normalmente são desprezados em função da
busca pela unidade estilística, ou seja, fala-se que a historicidade do monumento ficava em
segundo plano, em função da prioridade da reconstituição estilística (CHOAY, 2009). Assim,
deveríamos restaurar o complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré de forma a
restabelecer todas as características originais do projeto inicial, incluindo cores e matéria-
prima, posicionamento este que podemos observar na forma como a oficina e os galpões
foram restaurados.
John Ruskin (1819 – 1900), escritor e crítico britânico, apresentava ideias opostas
às de Le-Duc. Defendia a não intervenção nos monumentos antigos, por considerar que
quaisquer interferências imprimem novo caráter à obra, tirando sua autenticidade. A partir da
visão de Ruskin, a história e a condição atual devem ser maximamente respeitadas,
admitindo-se somente intervenções de conservação (CHOAY, 2009). Neste sentido,
deveríamos apenas conservar o que resta da EFM-M, pois, Segundo Ruskin, a melhor forma
40
de destruir um monumento é restaurá-lo. Estes preceitos não serão seguidos, uma vez que há
planos de construir um Museu dentro da oficina, duas estações ferroviárias entre Porto Velho
e Santo Antônio, a reconstrução do Hospital da Candelária, etc.
Camillo Boito (1936 – 1914), italiano que defendia uma intervenção mínima, “a
essencial para que o edifício mantivesse a unidade de estilo, com a preservação da pátina,
mas, se necessário, também a demolição de elementos acrescentados com o tempo” (BOITO,
2002). Considerava, numa linha mais centralizada, que toda adição de recomposição deveria
ser claramente identificável, “consolidando uma via, conhecida na Itália como ‘restauro
filológico’, que dava ênfase ao valor documental da obra” (KÜHL, 2008), ou seja, admitiria a
restauração da EFM-M, contudo deixaria evidente todo o trabalho de restauro efetuado.
Cesare Brandi (1906 – 1988) é um dos principais nomes do restauro moderno. Em
1966 escreveu a Teoria da restauração, obra baseada nas diretrizes da Carta de Atenas, muitas
vezes classificada como um texto teórico e pouco prático. Aplica o fundamento de que na
obra de arte deve haver prevalência do critério estético sobre o histórico, por ele considerá-lo
sua função primordial. Verifica-se ainda nesta consciência, o critério que permitia ao artesão-
restaurador experimentar uma relação de criação com a obra, ao mesmo tempo em que
desenvolvia a prática das intervenções, possibilitando, contudo, reflexões sobre a disciplina
que estava se estabelecendo, mas é claro com o cuidado de não cometer um “falso histórico”
ou um “falso artístico” (BRANDI, 2004). Também permitiria a restauração da EFM-M e até
daria uma maior liberdade de questionamento ao restaurador.
Já Françoise Choay, nascida em 1925, historiadora das teorias e formas urbanas e
arquitetônicas, levanta interessantes questões acerca da cultura perder seu caráter de
realização pessoal para tornar-se empresa e indústria. Analisa a transformação do monumento
em espetáculo, a transformação de seu valor de uso em valor econômico (CHOAY, 2009).
Lições estas que são importantíssimas e que devem ser levadas em consideração durante a
requalificação da EFM-M.
Quanto a Salvador Muñoz-Viñas, nascido em Valência em 1963, a conservação
seria realizada para as pessoas para as quais o objeto tem significado, substitui a verdade pela
comunicação, ou seja, leva em consideração os anseios da população diretamente interessada
no objeto (VIÑAS, 2003), ou no nosso caso, o patrimônio histórico, posição esta que
acreditamos ser a mais acertada ao lidarmos com o legado material deixado pela EFM-M.
Acreditamos ser imprescindível que uma consulta popular caminhe
concomitantemente com estas discussões teóricas, com intuito de não cairmos no erro de
41
priorizarmos os meios, esquecendo-nos dos fins. Efetuar algo tão relevante como a
requalificação do Complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, sem consultar a
população, e, principalmente, sem seguir os preceitos da Arqueologia Pública e a realização
de uma devida Educação Patrimonial, seria claramente um desvio do fim, do ideal: a real
necessidade e vontade do povo (DEMO, 2005).
O capítulo a seguir será inteiramente dedicado à pesquisa de campo e à análise do
projeto de requalificação da EFM-M que se encontra protocolado no IPHAN. Procuraremos
Explicar os motivos de termos optado por uma pesquisa qualiquantitativa e estudaremos os
seus conceitos. Apresentaremos os nossos objetivos e uma reflexão do questionário ponto a
ponto, explicando a metodologia utilizada em sua aplicação ao público. Ao final,
transcreveremos uma entrevista realisada com a superintendente do IPHAN, Mônica Castro
de Oliveira, que nos auxiliará no entendimento do papel deste órgão neste enredo.
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3 – A PESQUISA: UM TRILHAR EM FIO DE NAVALHA
Por Deus! Matam-te jovem, / milhões de força ainda chovem / de ti, e não sei por
que, / tiveram tal desventura, / cavando tua sepultura, / para desaparecer. / Te
matam, caneta e papel, / e uma ideia cruel / vai-se agora confirmar. / Pra que
morreram os heróis, / se hoje nos cabe (a nós!), / ver teus dias terminar? / Matam-te
jovem, pequena, / ainda amor de morena / que dá, e nada recebe. / Grita forte teu
direito... / Explode lá dentro do peito, / hurra, ordena, chora, pede. (P. S. Neto, apud
Estrada de Ferro Madeira-Mamoré: história, prosa e verso, p. 220).
Neste terceiro capítulo do trabalho, apresentaremos a pesquisa que realizamos em
campo. Quando fomos para as ruas da nossa Capital, tínhamos uma pequena noção do que
estava a nossa espera e muitas dúvidas. Seríamos bem recebidos pelos cidadãos? Esta
pesquisa é realmente relevante? A população se interessaria pelo tema? Sim, fomos bem
recebidos. Nossos pesquisados, em sua esmagadora maioria, mesmo algumas vezes
constrangidos pelo teor íntimo de uma ou duas perguntas, prontamente responderam os
questionamentos de forma cordial e prestativa. Sim, a pesquisa é relevante. Veremos nos
últimos capítulos desta monografia que a população quer ser ouvida, quer estar a par e
participar desse projeto de requalificação, só não sabe como. E sim, a população se interessou
pelo tema. Mesmo aqueles que afirmaram não ter nenhuma intimidade com o seu patrimônio,
disseram que é importante a sua restauração. Seguem abaixo os aspectos e parâmetros que
nortearam esta pesquisa:
3.1 – A Pesquisa Qualiquantitativa
Sabemos que as ciências sociais e humanas rotineiramente utilizam pesquisas
sociais com a intenção de obterem melhores entendimentos dos objetos que pesquisam.
Geralmente são utilizados dois métodos: o quantitativo, que se baseia em paradigmas
positivistas e racionais, tendo a vantagem de ser palpável, visível e manipulável (DEMO,
2005: 2), onde o seu maior propósito é explicar a ocorrência de um determinado fenômeno,
apresentando o questionário como uma de suas principais ferramentas; e o qualitativo, que é
norteado por paradigmas interpretativos, sendo que a racionalidade cede espaço à
43
subjetividade, ou seja, trata-se de um conjunto de diferentes técnicas interpretativas com a
intenção de descrever e decodificar os componentes de um sistema complexo de significados,
objetivando traduzir e expressar o sentido dos fenômenos do mundo social (MAANEN, 1979
in NEVES, 1996: 1).
Contudo, de acordo com DEMO (2005: 3), não devemos estabelecer entre
qualidade e quantidade uma polarização radical, como se uma fosse o lado ruim da outra, até
mesmo porque existe um terceiro método chamado qualiquantitativo, mais recente e utilizado
principalmente pelas ciências sociais e humanas, onde o ideal é a utilização de aspectos de
ambas as perspectivas.
A nossa pesquisa acerca do complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré
procurou romper com os dois paradigmas, interpretativo e positivista. Ao utilizarmos o
método qualiquantitativo, tentamos caminhar em direção ao centro, reconhecendo a
fragilidade das verdades radicalmente afirmadas. Buscamos trabalhar aspectos e visões
diferentes, mas que se necessitam, pois a quantidade não é uma dimensão inferior à qualidade
e vice-versa. Elas são ambas as faces da mesma realidade (DEMO, 2005: 3).
3.2 – Objetivos
Nosso objetivo, ao realizar esta pesquisa, é promover um estudo qualiquantitativo,
com possibilidade de utilização pedagógica, apresentando dados que permitirão visualizar e
aprofundar o perfil e a opinião dos moradores da cidade de Porto Velho sobre a Estrada de
Ferro Madeira-Mamoré. Este estudo, que tem a intenção de fomentar uma discussão ampla e
aberta, visa contribuir e incentivar os nossos concidadãos a perceberem a grande importância
e necessidade de se restaurar e conservar os nossos patrimônios históricos materiais, em
especial o Complexo da EFM-M. Acreditamos que, uma vez havendo esta relação mais íntima
entre povo e patrimônio, esse Pátio Ferroviário poderá ser salvaguardado, gerando assim
educação, cultura, lazer, ações sociais e o crescimento do turismo histórico na região,
colocando assim o Estado de Rondônia no roteiro nacional de turismo e também, o que é mais
importante, o surgimento de uma geração de cidadãos engajados na luta pela preservação do
patrimônio histórico do nosso Estado.
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Efetuaremos ainda um cruzamento dos dados obtidos durante a pesquisa, onde
definiremos o perfil dos nossos entrevistados, levando em consideração a faixa etária, a
escolaridade e a renda familiar, para tentarmos entender quais são os motivos para a
população abraçar ou não um patrimônio. São razões sociais? Educacionais? Culturais?
Tentaremos obter uma resposta no decorrer das análises.
Enfatizaremos também a importância de dialogar com a educação patrimonial
como alternativa para a conservação do patrimônio e a necessidade de estudos que levem em
consideração a arqueologia pública, ou seja, a difusão do patrimônio cultural e a consequente
apropriação deste por parte da sociedade. Por meio dos resultados encontrados da pesquisa e
aplicação dos questionários, poderemos aferir os anseios e expectativas da população deste
município para com o Complexo da EFM-M.
3.3 – O Questionário Aplicado
Durante a elaboração do questionário empregado nesta pesquisa (apêndice A),
tomamos certos cuidados com a sua metodologia e aplicabilidade. No seu planejamento,
decidimos coletar os dados, através de uma série ordenada de perguntas previamente
elaboradas, de forma sistemática e dispostas sequencialmente em itens dentro do foco da
pesquisa, para serem respondidas pelos pesquisados, sem a influência do pesquisador. Quanto
ao que foi mensurado, procuramos evidenciar os objetivos e definir o assunto da pesquisa em
seu corpo (MORESI, 2003).
Na primeira parte do questionário deixamos espaços para que o pesquisado
informasse o seu nome, idade (importante para a classificação da faixa etária), sexo e bairro.
Nossa intenção com estas primeiras informações é, principalmente, estudar os dados
referentes à idade e bairro, pois assim veremos se há diferenças na maneira de pensar e de
tratar o patrimônio entre as pessoas mais jovens e as mais velhas, bem como se também há
diferenças entre os bairros considerados periféricos e os centralizados. Em seguida há os
campos acerca da sua escolaridade, atividade que exerce atualmente e renda familiar. Estas
informações foram levadas em conta durante a formulação dos gráficos comparativos dos
resultados e são importantes para sabermos se há problemas sociais e educacionais envolvidos
na importância que a população dá ou não ao seu patrimônio.
45
Quanto à segunda parte, elaboramos duas perguntas objetivas, onde a primeira que
é dicotômica, respostas sim ou não, (MORESI, 2003), o pesquisado responderá se acha ou
não importante que a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré seja restaurada. A segunda, que está
de certa forma encadeada à primeira, é de múltipla escolha e objetiva saber o que deve ser
feito com as locomotivas, galpões e pátio da referida estrada de ferro. Nesta segunda parte do
questionário, tencionamos saber se este patrimônio é caro à população do município de Porto
Velho e se for, o que a sua restauração deve levar em conta: o lazer, a cultura, a educação,
outra opção?
Já sobre a terceira parte do questionário, elaboramos uma questão dicotômica e
semiaberta (MORESI, 2003), onde o objetivo foi aferir se o pesquisado possui alguma
lembrança relacionada ao complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Em caso
afirmativo, de forma livre, respondeu que lembrança é esta. Com esta pergunta, analisamos se
há alguma intimidade entre a população de Porto Velho e o seu patrimônio, pois sem esta
intimidade a preocupação com a preservação fica mais distante. Em caso de uma resposta
afirmativa, buscamos identificar se esta lembrança está relacionada a momentos de lazer, de
cultura, de educação ou a experiências negativas, como insegurança, uso de drogas, poluição,
desorganização, etc.
3.4 – Metodologia da Pesquisa de Campo
Realizamos a pesquisa de campo entre os dias 03 e 13 de abril de 2014, onde foi
observado o conceito de amostragem probabilística, que ocorre quando os membros de uma
determinada população tem a probabilidade conhecida, maior que zero, de serem incluídos em
uma amostra. Utilizamos o método de amostragem aleatória simples, que se caracteriza pelo
fato de todos os indivíduos, no caso a população do município de Porto Velho maior de
quatorze anos de idade, terem a mesma probabilidade de participar do questionário. Com esse
método, eliminamos a subjetividade e obtivemos resultados imparciais e representativos
(DÜPPRE, 2012).
Dividimos o município em seis zonas distintas (Figura 27), sendo elas: zona sul,
zona leste, zona norte, zona centro norte, zona central e pátio da EFM-M. Cinquenta pessoas
foram entrevistadas em cada uma dessas seis zonas, somando-se trezentos voluntários da
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Capital, totalizando 0,07% da população que é de 428.527 habitantes (Fonte IBGE – Censo
2010). Dois pesquisadores, plantados em locais fixos, abordaram de forma aleatória, uma
pessoa a cada duas que passaram por seu ponto, entrevistando vinte e cinco pessoas, cada um,
por zona. Segue abaixo a descrição dos locais e dias das pesquisas:
No dia 03 de abril de 2014, a pesquisa foi realizada na Zona Sul (Figura 27), entre
as 15 e 18 horas, onde o Pesquisador 01, posicionado na Av. Jatuarana, em um ponto de
ônibus próximo ao Banco Itaú e o Pesquisador 02, posicionado também na Av. Jatuarana, em
um ponto de ônibus próximo ao Shopping Popular, abordaram os nossos concidadãos acerca
do tema. As pessoas pesquisadas se mostraram receptivas e interessadas. Não houve
contratempos neste dia de pesquisa.
No dia 04 de abril de 2014, a pesquisa foi realizada na Zona Leste (Figura 27),
entre as 13 e 17 horas. O Pesquisador 01 foi posicionado na Av. Mamoré, em frente ao Banco
do Brasil e o Pesquisador 02 também na Av. Mamoré, em frente a UPA-Zona Leste. O único
contratempo ocorrido neste local foi o calor, pois o sol neste horário do dia está a pino,
causando resistência dos entrevistados em responder as questões.
No dia 07 de abril de 2014, a pesquisa foi realizada na Zona Norte (Figura 27),
entre as 13 e 17 horas. O Pesquisador 01 ficou posicionado na Rua Santa Bárbara, em frente a
CIRETRAN-RO e o Pesquisador 02 na Av. dos Imigrantes, em frente aos CORREIOS. Mais
uma vez o único contratempo ocorrido foi o calor, novamente causando certa resistência dos
entrevistados em parar para responder o questionário, levando os pesquisadores a demorar
uma hora a mais para cumprir a meta de vinte e cinco entrevistados, cada um, por dia. Este
fato fez com que decidíssemos efetuar as pesquisas nos outros locais, sempre que possível, na
parte final da tarde. Observamos ainda que as pessoas mais velhas foram as que mais
resistiram em parar nestes dois dias (04 e 07 de abril).
No dia 09 de abril de 2014, realizamos a pesquisa na Zona Centro Norte (Figura
27), entre as 15 e 18 horas, onde o Pesquisador 01 foi posicionado na Av. Rio Madeira, em
frente ao Porto Velho Shopping e o Pesquisador 02 na Av. Rio de Janeiro, em frente ao
Supermercado Irmãos Gonçalves. Não houve contratempos neste dia.
No dia 10 de abril de 2014, efetuamos a pesquisa na Zona Central (Figura 27),
entre as 15 e 18 horas. O Pesquisador 01 ficou posicionado na Av. 7 de Setembro, em um
ponto de ônibus próximo a loja Avenida e o Pesquisador 02 também na Av. 7 de Setembro,
em frente a loja Marisa. Também não houve contratempos neste dia.
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Por fim, no dia 13 de abril de 2014, a pesquisa foi realizada no Pátio da EFM-M
(Figura 27), onde os Pesquisadores 01 e 02 foram posicionados nas dependências do referido
patrimônio, na Av. Farquhar. Este foi o dia em que os entrevistados se mostraram mais
abertos aos questionamentos e a resistência em parar para respondê-los foi quase zero, talvez
pela influência de estarem tão perto do patrimônio pesquisado. Mais uma vez não houve
contratempos.
Figura 27 - Imagem Google Earth
Ao término da pesquisa de campo, apesar de alguns transtornos, como os que
descrevemos acima, concluímos que os resultados foram imparciais e satisfatórios. As
perguntas objetivas foram suficientes para a obtenção dos dados e formulação dos gráficos e a
pergunta aberta correspondeu perfeitamente com as nossas expectativas, pois mais de 50%
dos entrevistados responderam, deixando suas opiniões e experiência vividas na Estrada de
Ferro Madeira-Mamoré.
3.5 – Pesquisa e análise do projeto de restauração da EFM-M
Apresentaremos agora o projeto de restauração da Estrada de Ferro Madeira-
Mamoré que se encontra protocolado no IPHAN desde o dia 18 de fevereiro de 2011. O
complexo ferroviário em questão começou a ser revitalizada no ano de 2009 como
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contrapartida imposta pelo IPHAN para a liberação da Licença Ambiental da Usina
Hidrelétrica de Santo Antônio. Na primeira etapa, concluída no ano de 2013, foram
recuperados três veículos ferroviários, sendo uma litorina, utilizada para o pagamento e
transporte de diretores; uma cegonha, veículo de tração manual para locomoção de
trabalhadores; um kalamazo, transporte de quatro lugares para recuperação de linhas e a
locomotiva 18, que foi parcialmente restaurada. Também foram revitalizados os galpões e
oficina, obra executada com o cuidado de preservar todo o aspecto original, como tinta de cor
semelhante e fabricação de parafusos e peças específicas da época. Houve ainda a construção
do Espaço Conforto, com a recuperação do piso, a limpeza, a execução do paisagismo da área
do pátio da ferrovia e a construção de um deck para contemplação do rio Madeira (Fonte
IPHAN).
Figuras 28 e 29 – Recuperação dos Galpões, Locomotiva e Veículo Ferroviário
www.portovelho.ro.gov.br
Figuras 30 e 31 - Espaço Conforto, recuperação do piso, paisagismo e a construção de um deck
www.portovelho.ro.gov.br
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A continuação do Projeto de Restauração do Complexo Ferroviário da Estrada de
Ferro Madeira-Mamoré (PRCFEFM-M) está protocolada no IPHAN com as diretrizes para as
próximas obras. Os trabalhos serão realizados pela empresa SVS – Consultoria e Projetos
Ltda., contratada pela SAE – Santo Antônio Energia. A coordenação está sob a
responsabilidade da arquiteta Simone Viana de Siqueira, tendo como consultores o arquiteto
Fernando Madeira e os engenheiros João Bosco Setti e Walter Vilhena. A priori, a SVS
deverá realizar seis ações culturais no trecho compreendido entre o município de Porto Velho
e o distrito de Santo Antônio, ações essas detalhadas em Termos de Referências – TRs,
elencadas a seguir:
TR-1 – Elaboração de projeto básico da recuperação da via permanente, da
estação da candelária, da estação de Santo Antônio e da pêra ferroviária da vila de Santo
Antônio. Pretende reativar os 7,3km de linha férrea existentes entre Porto Velho e Santo
Antônio e implantar duas estações ferroviárias, uma em Santo Antônio, que será o ponto final,
com plataforma para embarque e desembarque, bilheteria, banheiros públicos e uma pequena
sala de controle, que provavelmente será enriquecida com alguma oferta cultural através de
ambientes específicos para esta finalidade, e uma estação intermediária, que se chamará
Candelária, poucos metros antes do acesso ao cemitério da candelária, que também possuirá
plataforma para embarque e desembarque, bilheteria, banheiros públicos e copa para
funcionários (Fonte PRCFEFM-M).
Figuras 32 e 33 – Localização das Plataformas/Estações de Santo Antônio e da Candelária
Fonte – Projeto de Requalificação da EFM-M protocolado no IPHAN em 18/02/2011
TR-2 – Elaboração do projeto do Museu da EFM-M com levantamento cadastral,
projeto de restauração da estrutura metálica do galpão e projeto executivo do Museu. Esta
etapa foi dividida em duas partes: a restauração conservativa do conjunto girador, rotunda e
50
oficinas e o projeto arquitetônico para a implantação do museu. Na proposta para a
implantação do museu há o desejo de manter o mesmo princípio da intervenção conservativa
aplicada na etapa de restauro dos galpões, restabelecendo as suas características originais. O
Museu será implantado nos galpões do conjunto das oficinas que já foram restaurados. Haverá
a inserção de blocos modulados de fácil montagem e reversibilidade. A cobertura desses
módulos receberá placa cimentícia na parte superior da estrutura e revestimento de gesso
acartonado por dentro dos ambientes (Fonte PRCFEFM-M).
Figura 34 – Desenho de como ficará o museu após a inserção dos módulos
Fonte – Projeto de Requalificação da EFM-M protocolado no IPHAN em 18/02/2011
TR-3 – Projeto de resgate e conservação dos bens móveis remanescentes do
patrimônio da EFM-M na área da impactação da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio. Este
termo de referência prevê a construção de um Centro Técnico de Conservação para
quarentena, triagem e demais intervenções de conservação e utilização dos bens resgatados,
mas ainda está em fase de negociação e por isso não faz parte do escopo da empresa SVS
(Fonte PRCFEFM-M).
TR-4 – Elaboração de projeto executivo de recuperação e requalificação da área
onde se encontram as ruínas do hospital e cemitério da candelária, projeto esse que terá como
uma de suas fontes as fotografias de Dana Merril, fotografia essas que serão adquiridas junto
ao Museu Paulista (Fonte PRCFEFM-M).
TR-5 – Elaboração de projeto executivo de recuperação e requalificação do
entorno da Igreja de Santo Antônio, buscando as características originais (Fonte PRCFEFM-
M).
51
TR-6 – Elaboração do projeto executivo para construção e implantação de um
Centro de Memória dos povos indígenas, onde haverá a construção de um complexo de
módulos, dispostos no terreno de modo a formar uma aldeia indígena, interligados por uma
passarela. Serão edificados cinco módulos e suas respectivas passarelas e ainda uma oca com
cobertura de palha. A intenção é que neste espaço haja um local para exposições e mostras
temporárias, uma biblioteca, sala para administração, café, sanitários e depósito. A oca
poderá abrigar oficinas, palestras e eventos diversos. O pátio localizado entre os módulos será
destinado à realização de exposições e celebrações ao ar livre (Fonte PRCFEFM-M).
TR-7 – Elaboração do projeto executivo para construção e implantação de um
Centro de Memória dos trabalhadores vitimados pela construção da Estrada de Ferro Madeira-
Mamoré. Este projeto terá como fonte alguns jornais e revistas da época da construção da
ferrovia, trabalhos acadêmicos desenvolvidos por pesquisadores de todo o Brasil e imagens
fotográficas, onde será possível identificar trabalhadores brasileiros e de diversas outras
nacionalidades. Estes trabalhadores foram submetidos a duras jornadas de trabalho, baixos
salários, péssima alimentação e várias doenças tropicais, principalmente a malária (Fonte
PRCFEFM-M).
Figura 35 – Localização das TRs
Fonte – Projeto de Requalificação da EFM-M protocolado no IPHAN em 18/02/2011
52
Analisando estas propostas para a requalificação do complexo da Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré e as suas atuais circunstâncias, principalmente após a devastação causada
pela enchente do ano de 2014, acreditamos que novas medidas devem ser tomadas e que este
projeto deve ser repensado. Um novo plano de restauração deve ser apresentado à população
da cidade de Porto Velho, pois além da preocupação com a opinião dos cidadãos acerca do
que eles realmente almejam com relação ao seu patrimônio, há também a urgência de serem
inseridos planos para a prevenção e proteção dos bens móveis, em caso de novas cheias do
Rio Madeira. Dessa forma, estes bens de incalculável valor histórico e cultural estarão seguros
e bem preservados, não correndo novamente o risco de serem resgatados tarde demais, com as
águas já dentro dos galpões, como vimos na figura 14.
3.6 – Entrevista com a Superintendente do IPHAN
No dia 24 de junho de 2014, a Superintendente do IPHAN em Rondônia, Mônica
Castro de Oliveira, gentilmente nos concedeu uma entrevista, que foi de grande ajuda para o
entendimento de certas questões acerca da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e
principalmente o papel desse órgão para com o nosso patrimônio, cujo teor está transcrito
abaixo:
1- Com as cheias do Rio Madeira, que acabaram por inundar boa parte do Complexo
Ferroviário da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, haverá alguma mudança no projeto de
restauração, ou seja, o Museu da EFM-M ainda será construído no galpão das oficinas?
Resposta: “Não trabalhamos, no momento, com esta possibilidade. IPHAN e outras
instituições vem dialogando acerca das alternativas de transferência deste museu para um
local próximo, que esteja inserido no contexto da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, mas
que não esteja sujeito as enchentes do Rio Madeira.”
53
2- O IPHAN realizou alguma consulta popular para informar e saber a opinião da população
de Porto Velho sobre o projeto de restauração da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré?
Resposta: “Não houve consulta com relação ao projeto de restauração. Mas já havia um
entendimento consensual acerca da necessidade de se promover o restauro das edificações e
a requalificação do espaço da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré para uso da população.
Neste sentido o IPHAN procurou analisar os projetos propostos dentro dos ditames das
modernas práticas de preservação do patrimônio cultural.”
3- Sabemos que o IPHAN tem enfrentado grandes dificuldades para fiscalizar os patrimônios
históricos e culturais de Rondônia. Como está o quadro de funcionários do IPHAN em nosso
Estado?
Resposta: “Atualmente a superintendência conta apenas com três funcionários concursados
no quadro, uma arquiteta; uma historiadora, que no momento responde como
superintendente da unidade; e uma administradora, que exerce a chefia da Divisão
Administrativa. Todos com uma carga excessiva de trabalho, tendo a responsabilidade de
atender as demandas internas e externas do Instituto, com atribuições relacionadas ao
patrimônio cultural já protegido pela União no estado de Rondônia, bem como por efetuar a
identificação do patrimônio cultural.”
Observando a resposta da última questão, podemos observar como a tarefa do
IPHAN se tornou hercúlea em nosso Estado. O abandono desse órgão fiscalizador, que tem a
missão de zelar pelos nossos patrimônios históricos e culturais tombados pela União,
infelizmente reflete a retrógrada política dos nossos governantes para com a cultura em nosso
País. É humanamente impossível que apenas três funcionários consigam gerenciar uma
Superintendência, cumprir com as atribuições relacionadas aos bens culturais e ainda efetuar a
identificação do patrimônio, prejudicando assim o direito a cultura de nossos cidadãos.
O capítulo seguinte, onde se dá o desfecho deste trabalho, será inteiramente
dedicado às análises dos resultados da pesquisa de campo. Efetuaremos um perfil dos
entrevistados levando em consideração a faixa etária, a escolaridade e a renda familiar.
Também tentaremos demonstrar, através de gráficos comparativos, a intimidade e importância
que a população de Porto Velho dá a este patrimônio histórico.
54
4 – RESULTADOS: A FERROVIA DE DESILUSÕES E ESPERANÇAS
(...) Agora, volto a ouvir teu doce apito / como eco resultante de meu grito / pra te
ver, novamente, como acabo, / sem o tal nome – de Ferrovia do Diabo. / Eu ouço teu
longo apito / como resposta deste apelo e grito / pra reviver o valor que tu encerras /
como glória dos homens desta terra. (J. Ferreira, apud Estrada de Ferro Madeira-
Mamoré: história, prosa e verso, p. 233).
4.1 – Perfil dos Entrevistados
No decorrer desta pesquisa realizada em campo sobre a restauração da Estrada de
Ferro Madeira-Mamoré, nos deparamos com uma grande heterogeneidade de pessoas e
opiniões. Sabemos que o processo de formação da sociedade portovelhense ocorreu de forma
parecida com o que aconteceu no Brasil, pois é notório que a nossa nação é formada por uma
vasta miscigenação de culturas de outros países, assim como a nossa Capital, que também
absorveu traços culturais de outros lugares, mas neste caso, alguns países e quase todos os
outros Estados da Federação. Essa diversidade, ou mesmo apoteose cultural que falamos,
nascida das necessidades bolivianas e brasileiras por rotas comerciais alternativas, financiadas
pelo capital europeu e norte-americano, gerando uma ferrovia em terras que uma vez foram
indígenas e construída com muito sangue e suor de trabalhadores nacionais e estrangeiros, nos
legou um grande complexo ferroviário, hoje patrimônio histórico e cultural, caro aos
descendentes desta Ilíada amazônica, que em nosso questionário encontraram um meio de
expressar seus sentimentos e opiniões sobre o que deve ser feito com os bens que lhes foram
herdados (OLIVEIRA, 2004).
Iniciaremos então as análises dos resultados desta pesquisa definindo o perfil das
trezentas pessoas que entrevistamos. Utilizaremos três parâmetros para comparação: a faixa
etária, a escolaridade e a renda familiar, tripé social este que abordaremos até o final deste
trabalho.
Primeiramente definimos a faixa etária dos voluntários com base nos dados
obtidos, onde verificamos que 52%, ou 156 pessoas, possuem entre 14 e 17 anos; 27,3%, ou
82 pessoas, possuem entre 18 e 29 anos; 18,7%, ou 56 pessoas, possuem entre 30 e 59 anos e
2%, ou 6 pessoas, possuem mais de 60 anos. Estes dados não são muito diferentes dos dados
55
fornecidos pelo IBGE no Censo realizado em 2010, onde a maioria dos brasileiros ainda são
jovens, sendo que a média nacional de idade é de 29 anos. Quanto ao fato de que um pouco
mais da metade dos entrevistados possuem idade entre 14 e 17 anos (52%), acreditamos que
não se deve apenas ao acaso, coincidência ou uma das inúmeras possibilidades de resultados
de análises combinatórias. Toda pesquisa de campo tem suas particularidades e contratempos,
neste caso, acreditamos que três fatores contribuíram para isso: a pesquisa foi realizada em
horários onde geralmente os estudantes estão entrando ou saindo das escolas; alguns pontos
onde os entrevistadores foram fixados são relativamente próximos a escolas; nos dias 04 e 07
de abril, onde os questionários foram aplicados entre as 13 e 17 horas, horário de sol a pino na
nossa região, as pessoas mais velhas foram as que mais se negaram a parar para serem
entrevistadas. Contudo, não acreditamos que estes três fatores tenham corrompido a lisura da
pesquisa, uma vez que cada faixa etária, quando foi dividida e analisada separadamente,
tornou-se uma nova amostra, ou seja, a redução da população a dimensões menores sem perda
das características essenciais (GONÇALVES, 2013).
15-17 anos - 156 pessoas - 52%
18-29 anos - 82 pessoas - 27,3%
30-59 anos - 56 pessoas - 18,7%
60 ou + anos - 6 pessoas - 2%
Gráfico 01 – Faixa etária dos Entrevistados
Em seguida pesquisamos a escolaridade das pessoas. Utilizando todo cuidado
possível, uma vez que se trata de dados íntimos dos pesquisados, averiguamos que 8%, ou 24
pessoas, iniciaram/concluíram o ensino fundamental; 72,7%, ou 218 pessoas,
iniciaram/concluíram o ensino médio e 19,3%, ou 58 pessoas, iniciaram/concluíram o ensino
superior. Durante as abordagens, informamos aos pesquisados que o fornecimento do nome
era opcional e que, se desejassem, poderíamos entregar a eles a prancheta para que
respondessem por si mesmos as questões ou então leríamos as perguntas em voz alta. De
maneira geral, neste quesito, só notamos certa dose de constrangimento por parte das pessoas
56
mais velhas que só possuíam o ensino fundamental, mas nenhuma deixou o espaço em
branco, se negando a fornecer os dados.
Ensino Fundamental - 24 pessoas - 8%
Ensino Médio - 218 pessoas - 72,7%
Ensino Superior - 58 pessoas - 19,3%
Gráfico 02 – Escolaridade dos Entrevistados
Por fim, a renda familiar dos entrevistados. Mais uma vez nos deparamos com um
aspecto delicado do questionário. Notamos que as pessoas que pegaram a prancheta e
responderam sozinhas as perguntas, ficaram menos constrangidas em dar as informações
acerca de sua vida financeira do que os entrevistados que preferiram responder em voz alta
para o entrevistador, em especial as pessoas que possuíam renda familiar abaixo de dois
salários mínimos. Apesar disso, não houve contratempos e ninguém se negou a prestar as
informações. Constatamos que 31,6%, ou 95 pessoas, possuem renda familiar de 1 ou mesmo
que 1 salário mínimo; 42%, ou 126 pessoas, possuem renda familiar de 2 a 3 salários
mínimos; 21,7%, ou 65 pessoas, possuem renda familiar de 4 a 7 salários mínimos e que
4,7%, ou 14 pessoas, possuem renda familiar de mais de 8 salários mínimos.
1 ou -1 SM = 95 pessoas, 31,6%
2 a 3 SM = 126 pessoas, 42%
4 a 7 SM = 65 pessoas, 21,7%
+8 SM = 14 pessoas, 4,7%
Gráfico 03 – Renda Familiar dos Entrevistados
57
4.2 – A Importância da Restauração para a População
Durante a nossa pesquisa, a primeira pergunta que fizemos no questionário foi:
Você acredita que a restauração do Complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (pátio,
galpões, locomotivas, trilhos, etc.) é importante? Obtivemos uma resposta positiva de 97%
dos trezentos entrevistados, ou seja, 291 pessoas, disseram que sim. Diante deste resultado, à
primeira vista, e concordando com as metodologias de pesquisas qualiquantitativas, esta não
seria um pergunta importante devido à sua suposta obvialidade. Mas, olhando a questão de
forma macro, também é obvio o descaso com que a nossa população e patrimônios são
tratados pelos governantes e detentores do poder. Então, decidimos preservá-la no corpo deste
trabalho como forma de aviso, ou mesmo protesto, para que não se esqueçam: SIM, nós
achamos importante que a EFM-M seja restaurada. Contudo, nos deparamos com um
paradoxo. 49,7% dos entrevistados afirmaram não possuir lembranças relacionadas ao
referido complexo ferroviário. E quanto aos 97% de respostas afirmativas sobre a importância
do restauro desse patrimônio? Trata-se de um senso comum? Ou seja, ouviram em algum
lugar e através de alguém que é importante ou realmente sentem que é importante? Será que
atuam e realmente demonstram interesse por essa preservação?
Essa primeira pergunta não necessitava de uma resposta subjetiva, apenas sim ou
não para a importância da restauração. Porém, espontaneamente, alguns entrevistados fizeram
questão de expressar suas opiniões, norteando-nos acerca das dúvidas elencadas acima:
Entrevistado n. 07, morador do bairro Embratel, respondeu que sim e comentou – “Faz parte
da cultura do município, da história, vale a pena ser restaurada para as próximas gerações”;
Entrevistado n. 08, morador do bairro Areal Centro, respondeu que sim e comentou – “Vai
abrir benefícios (...) empregos e lazer para a população de Porto Velho”; Entrevistado n.
240, morador do bairro Tancredo Neves, respondeu que sim e comentou – “Pois Porto Velho
não tem pontos turísticos, se a estrada não for restaurada, não terá nada além do Madeira”;
Entrevistado n. 131, morador do bairro Nacional, respondeu que sim e comentou – “Porque
aquele local está sendo usado para o uso de drogas e tráfico de entorpecentes” e por fim o
Entrevistado n. 145, morador do bairro Nacional, respondeu que não e comentou – “Pois é
preciso casas para os desabrigados”.
A segunda questão versa sobre o que deveria ser feito com as locomotivas, os
galpões, a oficina e o pátio, ou seja, se a restauração destes patrimônios deveria voltar-se para
58
atividades de lazer, cultura ou educação. Foram fornecidas várias opções de respostas de todas
estas áreas. Averiguamos que das 291 pessoas que acham importante esta restauração, 72,5%
(211 pessoas) preferem que ela seja voltada para atividades de lazer, como: passeio de trem,
casa de shows, restaurantes, quiosques, lanchonetes, parque com brinquedos para crianças,
parque de skate, cinema popular, construção de uma praça maior, construção de uma quadra
poliesportiva e bosque com plantas regionais. Contudo, 25,8% (75 pessoas) preferem que seja
voltada para atividades culturais, como: restauração para exposição, teatro municipal, casa do
artesão, museu, galeria de arte e ampliação do anfiteatro. Apenas 1,7% (5 pessoas) gostariam
de vê-la priorizando atividades educacionais, como: faculdade, cursos técnicos, escola
secundária e cursos gratuitos. Esses resultados refletem claramente a realidade de nossa
capital, pois a cidade possui poucas atividades voltadas para o lazer e cultura, atividades estas
que são essenciais para o bem-estar de uma sociedade. Nesta questão, deixamos espaços em
branco para que os entrevistados, se assim o desejassem, pudessem dar sugestões e usos
diferentes para os referidos bens. Segue algumas das respostas que obtivemos: Entrevistado n.
69, morador do bairro São Francisco – “Melhoria na proteção para não ser invadida (...)
oficinas de libras; Entrevistado n. 82, morador do bairro São Francisco – “Aulas de dança”;
Entrevistado n. 153, morador do bairro Cohab – “Transformar em um espaço multieventos”;
Entrevistado n. 213, morador do bairro Pedrinhas – “Visitas com historiadores para contar a
história da estrada de ferro” e o Entrevistado n. 297, morador do bairro Eletronorte, que
sugeriu – “Poderia ter um passeio a pé, percorrendo os trilhos que vão da estação até a
Usina de Santo Antônio”.
Lazer - 211 Pessoas, 72,5%
Cultura - 75 Pessoas, 25,8%
Educação - 5 Pessoas, 1,7%
Gráfico 04 – Opinião dos Entrevistados acerca do que deve ser feito com o complexo da EFM-M
59
Analisando os resultados destas primeiras questões, foi possível constatar que a
preocupação dos moradores da nossa Capital quanto à importância ou não de se realizar uma
restauração apropriada no complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, é uma questão de
senso comum, quase automática. 97% dos entrevistados acreditam ser importante a realização
desta requalificação. Contudo, não é objetivo desta pesquisa a anuência com o senso comum.
Queremos ir mais a fundo neste problema. Os nossos concidadãos estão realmente
interessados e engajados na luta pela preservação do nosso patrimônio? Parece está havendo
uma apatia geral e entorpecida dos portovelhenses e um silêncio cômodo por parte dos nossos
governantes, onde estes pouco investem na educação e preservação do patrimônio, e aqueles,
(in)conformados, apenas murmuram reclamações, de cabeça baixa, pelas esquinas. Há pouca
movimentação, ou mesmo combate por parte da população. Será que esta ferrovia realmente
tem alguma significância para o cidadão? Será que ele é íntimo de seu patrimônio? Como a
utiliza? Tentaremos responder alguns destes questionamentos no tópico a seguir.
4.3 - Possuem Lembranças Relacionadas ao Complexo da EFM-M?
Este tópico trabalha a relação do cidadão portovelhense com o seu patrimônio, ou
seja, a sua intimidade com os bens culturais locais. Trata-se da terceira questão, onde
perguntamos se o entrevistado possui alguma lembrança que esteja relacionada ao Complexo
da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Caso a resposta fosse sim, deveria dizer, em algumas
palavras, que lembrança seria esta: 151 pessoas ou 50,3% dos entrevistados responderam que
se recordam de algum momento que tenham passado no referido local; 149 ou 49,7%
disseram que não, que não possuem na memória momentos vividos no Complexo da EFM-M.
Este resultado pode ser considerado um empate técnico, contudo nos preocupamos,
principalmente, com os 49,7% da população que não possuem lembranças, pois está claro que
o complexo ferroviário não está incluso como prioridade cultural dentro da nossa Capital. Há
pouco investimento e divulgação. Este espaço de grande importância histórica, rico em
possibilidades, não está sendo explorado adequadamente, deixando assim de ser uma parte
importante da história do cidadão comum.
60
100
110
120
130
140
150
50,3% Possuem
Lembranças
49,7% Não Possuem
Lembranças
50,3% Possuem Lembranças
49,7% Não Possuem Lembranças
Gráfico 05 – Pessoas que possuem e que não possuem lembranças
Averiguamos ainda que estes preocupantes 49,7% de pessoas sem lembranças
passadas na EFM-M, são uma luz de alerta para os nossos governantes e também para o
percentual da população que se preocupa com este patrimônio, pois acabam enfraquecidos em
quantidade de entusiastas, uma vez que mais pessoas poderiam estar engajadas na luta pela
preservação. Se há um número tão alto de pessoas que não possuem experiências vividas no
local, isso significa que a ferrovia não está diretamente ligada à vida de uma boa parcela dos
portovelhenses, ou seja, nem todos se identificam com este patrimônio e por isso não o
frequentam. Não são íntimos. Parte desta culpa se dá pela falta de uma política séria voltada
para a educação patrimonial e também pela má gerência desse monumento, uma vez que
poderia estar sendo melhor aproveitado com iniciativas e projetos voltados para o interesse
coletivo, atraindo assim esse percentual da população que está alheia ao seus bens culturais,
como o Entrevistado n. 134, morador do bairro Nacional, que acha importante a restauração,
mas respondeu não ter lembranças relacionadas ao referido complexo ferroviário e ainda
comentou: “Com a restauração seria um ponto turístico, hoje não o considero como um”.
Observamos também que das 151 pessoas que possuem lembranças, 131
(86,75%), afirmaram que tiveram momentos positivos durante a estadia nas dependências do
complexo da EFM-M, pois desfrutaram de momentos de lazer, educação e cultura na
companhia de amigos e parentes. Como o Entrevistado n. 206, morador do bairro Eldorado
que disse: “Na verdade até o apito do trem arrepia”. Contudo, 20 pessoas (13,25%),
disseram que a experiência foi negativa, pois se depararam com o descaso, abandono, sujeira,
enchente, insegurança e usuários de drogas. Como foi o caso do Entrevistado n. 13, morador
do bairro Escola de Polícia, que desabafou: “Vi o trem em péssimas condições, inapropriado
para o uso”. Examinando estas informações, podemos concluir que a Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré é um lugar onde boa parte da população do município de Porto Velho
61
costuma frequentar, pois se identifica e criou uma relação de intimidade com o local. Esses
moradores de nossa cidade saíram de lá com boas lembranças e culturalmente enriquecidos.
Porém, é certo que ainda está longe do ideal, pois o complexo carece de maior infraestrutura e
uma logística e planejamento para receber os visitantes, com eventos e atrações, bem como
investimentos em limpeza e segurança para os visitantes.
4.4 – Classificação das faixas etárias
Para este tópico, utilizaremos três classificações de faixa etária: as pessoas de 14
a 17 anos serão chamadas de adolescentes (Faixa etária 01); as pessoas de 18 a 29 anos serão
chamadas de jovens (Faixa etária 02) e pessoas com mais de 30 anos serão chamadas de
adultos (Faixa etária 03), como veremos a seguir:
Faixa etária 01 - Entrevistamos 156 adolescentes, totalizando 52% dos
pesquisados. A maioria absoluta, ou seja, 154 (98,7%) acreditam que é importante que a
Estrada de Ferro Madeira-Mamoré seja restaurada. Já quanto ao que priorizar durante esta
requalificação, 117 (75%) preferem atividades de lazer, contra 35 (22,4%) que preferem
iniciativas voltadas para a cultura e apenas 4 (2,6%) optaram por atividades educacionais. A
nossa maior preocupação em relação aos adolescentes, é o fato de que a maioria, ou seja, 92
(59%) afirmaram não possuir nenhuma lembrança que tenha ocorrido no referido complexo
ferroviário. Como veremos no decorrer desta análise, esta é a única faixa etária onde o
número de entrevistados sem lembranças relacionadas ao complexo da EFM-M supera o
número de entrevistados com lembranças. Essa faixa etária é composta, em sua quase
totalidade, por estudantes secundaristas. Percebemos então que há algo de errado com a
Educação Patrimonial aplicada nas nossas escolas, pois claramente não estão formandos
cidadãos preocupados com o seu patrimônio histórico cultural. Quanto aos 64 (41%)
adolescentes que possuem lembranças, 54 (84,4%) disseram que desfrutaram de boas
experiências no local e apenas 10 (15,6%) relataram episódios negativos vividos lá.
Faixa etária 02 - Pesquisamos 82 jovens, totalizando 27,3% dos entrevistados. A
grande maioria, 78 (95,1%), acredita que é importante que a Estrada de Ferro Madeira-
Mamoré seja restaurada. 70,7% dos jovens também preferem que a restauração da EFM-M
seja voltada para atividades de lazer. 51,2% deles possuem lembranças, contra 48,2% que não
62
possuem. Percebemos que a maioria dos jovens tem alguma relação com o seu patrimônio.
Contudo, a diferença de percentual também é preocupante, pois prova que os jovens saem das
escolas, adentram as faculdades e o mercado de trabalho sem esta preocupação patrimonial,
que pode, ou não ser adquirida com a maturidade. 90,5% dos jovens que possuem lembranças
afirmaram terem passado por boas experiências no local.
Faixa etária 03 - Entrevistamos 62 adultos, totalizando 20,7% dos pesquisados.
95,5% deles, ou seja, 59 pessoas acreditam que é importante que a Estrada de Ferro Madeira-
Mamoré seja restaurada. 58,1% dos adultos preferem que a restauração da EFM-M seja
voltada para atividades de lazer, 35,5% preferem iniciativas voltadas para a cultura e 1,6%
optaram por atividades educacionais. Uma considerável porcentagem dos adultos, 72,6%,
afirmou possuir lembranças relacionadas à ferrovia, sendo 86,7% lembranças positivas.
Em todas as faixas etárias analisadas, as lembranças positivas superam em muito
as negativas. Isso nos leva a concluir que não há muita diferença entre as idades, quando se
trata das experiências vividas no local, ou seja, a grande maioria das pessoas que vivenciaram
momentos no referido patrimônio, saíram de lá com uma boa impressão, apesar das
deficiências em infraestrutura. Entretanto, a maior diferença entre faixas etárias que
encontramos está na intimidade com este patrimônio, onde vemos que as pessoas mais velhas
possuem uma maior afinidade com a ferrovia do que as mais jovens. Podemos inferir,
baseando-nos nestes resultados, que os adultos, com sua maturidade e experiência adquirida
ao longo dos anos, que puderam ver as locomotivas funcionando, que realizaram o passeio até
a Igreja de Santo Antônio, que visitaram o museu em seu auge, estes sim possuem intimidade
com o seu patrimônio, e é este tipo de intimidade que as pessoas mais jovens também
precisam estabelecer com os seus bens culturais, proximidade esta que somente será adquirida
com ações conjuntas das escolas, com uma Educação Patrimonial séria, e dos governantes,
investindo na restauração do complexo em questão, levando em conta todos os anseios da
população, principalmente os ligados ao lazer, à cultura e à educação. Seguem abaixo dois
gráficos comparativos entre as faixas etárias analisadas, tendo como base as pessoas que
possuem lembranças e que viveram experiências negativas e positivas no complexo da
Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, bem como àquelas que afirmaram não terem lembranças:
63
0102030405060708090
100
14 - 17 anos, 64 pessoas
possuem lembranças
18 - 29 anos, 42 pessoas
possuem lembranças
+ 30 anos, 45 pessoas
possuem lembranças
Lembrança Positiva, em %
Lembrança Negativa, em %
Gráfico 06 – Pessoas que possuem lembranças (positivas e negativas) em percentagem - faixa etária
0102030405060708090
100
Faixa Etária 01 Faixa Etária 02 Faixa Etária 03
Possuem Lembranças, em %
Não Possuem Lembranças, em %
Gráfico 07 – Comparação entre Faixas Etárias: possuem e não possuem lembranças em percentagem
4.5 – Análise dos entrevistados por escolaridade
Quanto à escolaridade das pessoas pesquisadas, também utilizaremos três
classificações: pessoas que concluíram ou não o ensino fundamental (Escolaridade 01);
pessoas que concluíram ou não o ensino médio (Escolaridade 02) e pessoas que concluíram
ou não o ensino superior (Escolaridade 03). Neste tópico, apenas analisaremos a questão
número três do questionário (apêndice A). Seguem os resultados:
Escolaridade 01 – Entrevistamos 24 pessoas, totalizando 8% dos pesquisados.
Quanto ao fato de possuírem ou não lembranças relacionadas ao Complexo da Estrada de
Ferro Madeira-Mamoré, obtivemos um empate, onde 12 afirmaram possuir lembranças e 12
não. Não nos delongaremos nesta parte da pesquisa, uma vez que entrevistamos pessoas
64
maiores que 14 anos, excluindo assim boa parte da população que cursa o ensino
fundamental. Contudo, o fato de 50% terem afirmado não possuir lembranças é preocupante e
será analisado posteriormente, quando cruzarmos os dados da escolaridade x faixa etária.
Escolaridade 02 – A grande maioria, ou seja, 218 pessoas, somando 72,7% dos
entrevistados, afirmaram estarem cursando ou terminaram o ensino médio. Dentre elas, 119
(54,6%) disseram que não possuem lembranças vinculadas à EFM-M. Mais uma vez podemos
detectar a falha na Educação Patrimonial na nossa base escolar. Sobre as 99 pessoas que
possuem lembranças, totalizando 45,4% do total desta escolaridade, 84 (88,8%) afirmaram
que viveram momentos positivos no referido patrimônio e apenas 15 (15,2%) tiveram
experiências negativas.
Escolaridade 03 – As 58 pessoas que disseram cursar ou já terminaram o ensino
superior, somam 19,3% do total. Este é o tópico que possui maior percentagem de
entrevistados que afirmaram possuir lembranças relacionadas ao Complexo da EFM-M, ou
seja, 40 pessoas (69%). Delas, 92,5% possuem lembranças positivas para com a ferrovia.
Analisando os três tópicos (ensino fundamental, ensino médio e ensino superior),
podemos, a priori, supor que à medida que a escolaridade do indivíduo vai aumentando,
também vai aumentando a seu interesse pelos bens culturais de sua cidade e, por sua vez, a
vontade de usufruí-los e preservá-los. Contudo, até que ponto a necessidade de ter contato e
preservar o patrimônio está ligado à escolaridade? O gráfico a seguir, nos revela a frieza dos
números, mas é claro que esta questão é bem mais profunda e complexa que os resultados dos
cálculos estatísticos apresentados:
0102030405060708090
100
Escolaridade 01 Escolaridade 02 Escolaridade 03
Possui Lembranças em %
Não Possui Lembranças em %
Gráfico 08 – Pessoas que possuem lembranças x escolaridade em porcentagem
65
4.6 – Análise dos Entrevistados por Renda Familiar
Neste último tópico de análises dos resultados, estudamos a renda familiar dos
entrevistados. Desta vez utilizamos quatro classificações: pessoas que recebem 01 ou menos
que 01 salário mínimo (Renda Familiar 01); pessoas que recebem de 02 a 03 salários mínimos
(Renda Familiar 02); pessoas que recebem de 04 a 07 salários mínimos (Renda Familiar 03) e
pessoas que recebem mais de 8 salários mínimos (Renda Familiar 04). Apenas analisaremos a
questão número três do questionário (apêndice A), devido ela ser a de maior relevância para
este ponto. Seguem os resultados:
Renda Familiar 01 – Pesquisamos 95 pessoas que recebem apenas 01 ou mesmo
que 01 salário mínimo em família, totalizando 31,6% dos entrevistados. Quanto ao fato de
possuírem ou não lembranças relacionadas ao Complexo da Estrada de Ferro Madeira-
Mamoré, 61 deles (64,2%) afirmaram não possuir lembranças que ocorreram no referido
local. Das 34 pessoas (35,8%) que afirmaram possuir lembranças, 30 (88,2%) disseram que
tiveram momentos satisfatórios na ferrovia e apenas 4 (11,8%) saíram de lá com uma má
impressão.
Renda Familiar 02 - Entrevistamos 126 pessoas que recebem de 02 a 03 salários
mínimos em família, totalizando 42% dos pesquisados. Quanto ao fato de possuírem ou não
lembranças relacionadas à EFM-M, a maioria, ou seja, 71 pessoas (56,3%) afirmou ter alguma
lembrança passada no local, sendo que 62 (87,3%) disseram que vivenciaram momentos
positivos durante a sua estadia no complexo ferroviário.
Renda Familiar 03 - Pesquisamos 65 pessoas que recebem de 04 a 07 salários
mínimos em família, totalizando 21,7% dos entrevistados. Quanto ao fato de possuírem ou
não lembranças relacionadas à Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, a maioria, ou seja, 38
pessoas (58,5%) afirmou ter alguma lembrança passada no local, sendo que 31 (81,6%)
disseram que vivenciaram momentos positivos durante a sua estadia na ferrovia.
Renda Familiar 04 - Entrevistamos 14 pessoas que recebem mais que 8 salários
mínimos em família, totalizando 4,7% dos pesquisados. Quanto ao fato de possuírem ou não
lembranças relacionadas ao complexo ferroviário da EFM-M, a maioria, ou seja, 8 pessoas
(57,1%) afirmou ter alguma lembrança passada lá. Todos (100%) disseram que t iveram bons
momentos vividos no local.
66
Analisando os dados obtidos neste tópico, verificamos que à medida que a renda
familiar das pessoas vai aumentando, também vai aumentando o seu interesse pelos seus
patrimônios e bens históricos e culturais. É preocupante saber que a maioria das pessoas de
baixa renda não possui um vínculo com a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Percebemos
então, que os problemas com a Educação Patrimonial fornecida aos cidadãos do nosso
município são mais graves e bem mais densos, pois não se tratam apenas de um problema
educacional, mas também social. Temos que fazer com que os nossos governantes entendam
que as nossas necessidades não se restringem a saúde, educação e segurança. A população da
nossa Capital está sedenta por cultura e os detentores do poder precisam estar sensíveis a isto,
pois a cultura ajuda na formação da identidade de um povo, que ciente de sua identidade
expande sua visão e passa a enxergar os seus patrimônios históricos e a necessidade de
preservá-los. Segue abaixo um gráfico ilustrativo comparando a renda familiar dos
portovelhenses com o seu interesse pela EFM-M:
01020
3040
5060
7080
90100
Renda 01 Renda 02 Renda 03 Renda 04
Possui Lembranças em %
Não Possui Lembranças em %
Gráfico 09 – Pessoas que possuem lembranças x renda familiar em porcentagem
Acreditamos que os resultados obtidos neste trabalho fornecerão importantes
informações para pesquisas vindouras, principalmente as que versam sobre a Educação
Patrimonial, uma vez que analisamos as falhas que acontecem na cidade de Porto Velho e
apontamos soluções. Serve também de alerta aos arqueólogos e a outros pesquisadores que
trabalham com o patrimônio, pois é necessário que boa parte do tempo e recursos investidos
em projetos, em especial aqueles onde os bens patrimoniais são o objeto de estudo, sejam
destinados à educação patrimonial da população, que é a razão de ser da existência de um
patrimônio histórico e cultural. Assim sendo feito, estes profissionais estariam trabalhando de
forma ética e voltada para o social, que é um dos preceitos da Arqueologia Pública.
67
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa sobre a restauração do complexo da Estrada de Ferro Madeira-
Mamoré não é pretensiosa ao ponto de tentar tornar-se conclusiva e definitiva. Apenas
acendemos uma fagulha, uma pequena faísca de ideia, que poderia tornar-se uma fogueira de
opiniões com os recursos certos e uma campanha abrangendo um percentual bem maior da
população de nossa cidade. Nossos trezentos voluntários fizeram a sua parte, opinaram! Cabe
agora aos nossos governantes ouvirem o restante de seus eleitores, pois com toda a certeza
eles têm muito que dizer. O entrevistado número 156, por exemplo, morador do Bairro
Agenor de Carvalho afirmou: “a Praça da EFM-M é muito bonita, porém deveria ser
ampliada e melhorada, afinal ela é nosso patrimônio e símbolo dos rondonienses”. A
entrevistada de número 202, moradora do Bairro Igarapé também opinou: “em 2001 fui ao
complexo visitar a exposição, lembro-me de ter ficado apaixonada pela história e, na época,
o galpão continha peças que hoje não existem mais” ou ainda a voluntária de número 267,
moradora do Bairro Nova Floresta que tem recordações de: “quando ainda se fazia o passeio
até o casarão amarelo. Foi a única vez que andei de trem. Eu era criança e isso ficou
marcado, pois não conhecia ainda a história de Porto Velho. Melhor que ler em um livro é
ver bem de perto”.
Estamos cansados de ver os nossos patrimônios históricos e culturais se
deteriorando, pois não são apenas os objetos que ficam enferrujados, este descaso oxida
também a nossa história, identidade, consciência, cidadania, enfim, a nossa alma. Como
veremos nos depoimentos a seguir, o entrevistado 292, morador do Bairro Cidade do Lobo
afirmou: “tive uma péssima impressão, não sou de Porto Velho. Só consegui ver usuários de
drogas e muita sujeira. Não consegui entrar no museu”. A entrevistada de número 66,
moradora do Bairro Lagoinha disse: “quando eu era pequena, a estrada de ferro tinha muitas
exposições, eventos legais e segurança”. A pesquisada 72, moradora do Bairro Socialista
também afirmou: “eu adorava ir à praça com meu pai e meus irmãos, todos os finais de
semana, mas isso não é mais possível”. São três declarações pesarosas, cheias de desânimo,
saudades e desesperança. Essas pessoas que visitaram o complexo da Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré e saíram de lá com uma má impressão ainda são uma minoria. Contudo, se
nada for feito, esse pessimismo pode tornar-se a visão geral da população do município de
Porto Velho.
68
Outro ponto que mereceu nossa atenção neste trabalho foi a questão da Educação
Patrimonial. Com a obtenção dos resultados, percebemos que a maioria das pessoas que não
possuem um vínculo com este patrimônio são jovens e de baixa renda. Claramente nossas
escolas estão falhando nesse aspecto. Estão permitindo que os alunos concluam o ensino
médio sem o mínimo de consciência quanto à necessidade de se preservar os seus bens
históricos. As instituições de ensino tem que entender que a educação não pode estar disso-
ciada da história, da memória, da cultura e, por sua vez, do seu patrimônio. Esta questão, se
bem trabalhada nas escolas, torna-se uma das mais eficazes possibilidades de interpretação de
nossa história cultural e, consequentemente, o entendimento das experiências cotidianas. Se a
Educação Patrimonial fosse bem trabalhada durante os anos escolares, a sociedade receberia
todos os anos cidadãos conscientes, engajados na luta pela preservação do patrimônio e,
principalmente, cidadãos formadores de opinião. Teríamos mais adolescentes, como a
entrevistada de número 30 de dezesseis anos, moradora do Bairro Caladinho, que afirmou ter
vivido: “momentos de lazer, de contato com a natureza. Desejo que as próximas gerações
desfrutem desse espaço que compõe nosso cenário regional”, e adultos sensíveis às pequenas,
mas não menos importantes, coisas do dia-a-dia, como o entrevistado de número 271,
morador do Bairro Tancredo Neves, que lembrou-se: “antes o vai e vem das locomotivas, o
embarque e desembarque no tempo que era usado como meio de transporte para o povo que
habitava as margens da estrada, transportando farinha, milho, ovos, etc.”
A centenária Estrada de Ferro Madeira-Mamoré precisa ser preservada! Esse é o
desejo da população. Porém, sem uma Educação Patrimonial apropriada, que estimule o
diálogo permanente entre as comunidades e os agentes responsáveis pela preservação e estudo
dos bens culturais, que possibilite a troca de conhecimentos e a formação de parcerias para a
proteção e valorização desses bens, perderemos de presenciar experiências emocionantes
como a da pesquisada de número 155, moradora do Bairro Socialista, que disse: “quando
minha irmã estava grávida, sentiu as primeiras dores lá na estrada de ferro”, ou experiências
singelas como a da entrevistada de número 159, moradora do Bairro Três Marias, que
afirmou: “lá eu conheci o amor da minha vida”. Este é o tipo de vivência que as gerações
vindouras não poderão desfrutar caso a EFM-M não seja tratada com o devido respeito. A
população da nossa Capital anseia pela sua preservação, quer arrepiar-se novamente com o
apito da Maria Fumaça, sentar-se à grama e ver o pôr do sol. Não quer mais uma “Ferrovia
do Diabo”.
69
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73
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA - UNIR
CURSO DE ARQUEOLOGIA – 8º PERÍODO
Questionário sobre a Restauração do Complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré
Nome (Opcional):___________________________________________________ Idade: ____ Sexo: ( )M ( )F
Bairro: _____________________________________________________________ Data: ____/____/____
Escolaridade: ( ) Ensino Fundamental Incompleto ( ) Ensino Fundamental Completo
( ) Ensino Médio Incompleto ( ) Ensino Médio Completo
( ) Ensino Superior Incompleto ( ) Ensino Superior Completo
Atividade que Exerce atualmente: ( ) Estudante ( ) Aposentado
( ) Funcionário de Empresa Privada ( ) Autônomo
( ) Funcionário Público ( ) Dona de Casa
( ) Desempregado ( ) Outros
Renda Familiar: ( ) 01 ou menos de 01 salário mínimo ( ) 02 a 03 salários mínimos
( ) 04 a 05 salários mínimos ( ) 06 a 07 salários mínimos
( ) 08 a 09 salários mínimos ( ) Mais de 10 salários mínimos
01) Você acredita que a restauração do Complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (pátio, galpões,
locomotivas, trilhos, etc.) é importante? ( ) Sim ( ) Não
Se a resposta for sim...
02) O que deveria ser feito com os seguintes patrimônios durante a restauração?
Locomotivas: (marque mais de uma opção se desejar)
( ) Restauração visando o passeio de trem ( ) Restauração para exposição
( ) Outro, dê a sua opinião________________________________________________________
Galpões e oficina: (marque mais de uma opção se desejar)
( ) Museu ( ) Casa de Show ( ) Restaurante ( ) Faculdade ( ) Curso Técnico ( ) Escola
Secundária ( ) Casa do Artesão ( ) Teatro Municipal ( ) Cursos Gratuitos ( ) Cinema Popular
( ) Galeria de Arte ( ) Outro, dê a sua opinião_____________________________________________
Pátio (praça): (marque mais de uma opção se desejar) ( ) Quiosques e lanchonetes ( ) Parque de Skate ( ) Ampliação do Anfiteatro
( ) Construção de uma praça maior ( ) Construção de uma quadra poliesportiva
( ) Parque com brinquedos para crianças ( ) Bosque com plantas regionais
( ) Outro, dê a sua opinião _______________________________________________________
03) Você tem alguma lembrança que esteja relacionada ao Complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré
(pátio, praça, museu, locomotiva, etc.)? ( ) Sim ( ) Não
Se a resposta for sim, que lembrança é esta? _________________________________________________
______________________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________
Muito obrigado pela colaboração!
ENTREVISTADO
LOCAL DA
ENTREVISTA
FAIXA
ETÁRIA ESCOLARIDADE ATIVIDADE
RENDA EM SALÁRIOS
MÍNIMOS
ACHA IMPORTANTE A
RESTAURAÇÃO?
DEVE VOLTAR-SE
PARA:
POSSUÍ ALGUMA
LEMBRANÇA?
LEMBRANÇA RELACIONADA
A:
TIPO DE
LEMBRANÇA
1 4 1 3 3 2 1 2 1 2 1
2 4 3 5 1 4 1 1 1 1 1
3 4 3 6 1 4 1 2 1 4 1
4 4 3 6 1 4 1 1 1 1 1
5 4 2 4 1 2 1 1 1 3 1
6 4 2 5 3 2 1 1 2 0 0
7 4 2 5 1 5 1 2 1 2 1
8 4 2 5 1 1 1 1 1 3 1
9 4 1 3 3 5 1 1 1 1 1
10 4 1 3 3 2 1 2 1 3 1
11 4 1 3 3 2 1 1 1 1 1
12 4 1 3 3 2 1 1 2 0 0
13 4 1 3 3 2 1 1 1 4 2
14 4 1 3 3 2 1 1 1 4 2
15 4 1 3 3 1 1 1 1 1 1
16 4 1 3 3 2 1 2 1 3 1
17 4 1 3 3 2 1 1 1 1 1
18 4 1 3 3 2 1 1 1 3 1
19 4 1 3 3 3 1 1 2 0 0
20 4 1 3 3 2 1 1 1 3 1
21 4 1 3 3 2 1 2 2 0 0
22 4 1 3 3 2 1 1 1 2 1
75
23 4 1 3 3 2 1 1 1 2 1
24 4 1 3 3 2 1 1 1 2 1
25 4 3 4 1 2 1 2 1 3 1
26 4 2 4 1 1 1 1 1 3 1
27 4 3 3 1 1 1 2 1 2 1
28 4 3 6 1 2 1 1 1 3 1
29 4 3 2 1 2 1 1 1 3 1
30 4 1 3 3 1 1 2 1 3 1
31 4 2 3 3 2 1 1 1 3 1
32 4 1 3 3 3 1 1 2 0 0
33 4 1 3 3 5 1 1 2 0 0
34 4 3 4 1 3 1 2 1 3 1
35 4 2 4 1 2 1 2 2 0 0
36 4 1 3 3 2 1 1 2 0 0
37 4 1 3 3 2 1 1 2 0 0
38 4 1 3 3 2 1 1 2 0 0
39 4 1 3 3 2 1 1 2 0 0
40 4 3 4 1 2 1 1 1 3 1
41 4 4 2 1 2 1 2 1 2 1
42 4 3 4 4 3 1 1 1 4 2
43 4 3 4 1 2 1 1 2 0 0
44 4 2 5 3 3 1 1 2 0 0
45 4 4 1 4 2 1 1 1 3 1
46 4 2 2 2 2 1 1 1 1 1
47 4 4 1 4 3 1 1 1 3 1
48 4 1 3 3 2 1 2 2 0 0
49 4 1 2 2 5 1 2 2 0 0
50 4 3 5 1 3 1 2 1 3 1
51 6 1 3 3 1 1 1 2 0 0
52 6 1 3 3 2 1 2 2 0 0
53 6 1 3 3 2 1 1 1 2 1
76
54 6 1 3 3 2 1 1 2 0 0
55 6 1 3 3 2 1 1 2 0 0
56 6 1 3 3 3 1 1 1 3 1
57 6 1 3 3 2 1 1 2 0 0
58 6 1 3 3 1 1 1 2 0 0
59 6 1 3 3 1 1 1 1 1 1
60 6 1 3 3 1 1 1 1 1 1
61 6 1 3 3 2 1 1 1 1 1
62 6 1 3 3 1 1 1 1 3 1
63 6 1 3 3 1 1 1 2 0 0
64 6 1 2 3 3 1 1 2 0 0
65 6 1 3 2 1 1 1 2 0 0
66 6 1 3 3 1 1 2 1 2 1
67 6 1 3 3 1 2 3 2 0 0
68 6 1 3 3 2 1 1 2 0 0
69 6 1 2 3 2 1 1 1 3 1
70 6 1 2 3 2 1 1 1 1 1
71 6 1 2 3 1 1 1 2 0 0
72 6 1 3 3 2 1 1 1 1 2
73 6 1 3 3 2 1 2 1 3 1
74 6 1 3 3 2 1 2 2 0 0
75 6 1 3 3 2 1 2 1 2 1
76 6 1 3 3 1 1 3 2 0 0
77 6 1 3 3 1 1 1 2 0 0
78 6 1 1 3 1 1 1 2 0 0
79 6 1 3 3 2 1 2 2 0 0
80 6 1 3 3 3 1 1 2 0 0
81 6 1 3 3 3 1 1 2 0 0
82 6 1 3 3 1 1 2 2 0 0
83 6 1 3 3 1 1 2 1 2 1
84 6 3 6 1 3 1 2 1 3 1
77
85 6 2 5 1 4 1 1 1 3 1
86 6 3 6 1 2 1 2 1 3 1
87 6 4 4 1 2 1 2 1 3 1
88 6 3 5 1 2 1 1 2 0 0
89 6 4 3 1 2 1 1 1 3 1
90 6 2 4 1 6 1 1 2 0 0
91 6 2 6 1 5 1 1 1 1 1
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78
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79
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197 5 2 4 1 1 1 1 1 3 1
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199 5 1 3 3 2 1 1 2 0 0
200 5 1 3 3 1 1 1 2 0 0
201 2 2 5 3 3 1 2 2 0 0
202 2 2 5 3 3 1 2 1 2 1
203 2 2 5 3 3 1 1 1 3 1
204 2 2 5 3 3 1 2 1 4 2
205 2 2 5 1 1 1 1 2 0 0
206 2 3 5 1 2 1 1 1 3 1
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81
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299 1 2 5 3 2 1 2 1 3 1
300 1 3 5 1 5 1 1 2 0 0
84
NOTA EXPLICATIVA
LOCAL DA ENTREVISTA: 1 - EFMM; 2 - Zona Central; 3 - Zona Norte; 4 - Zona Sul; 5 - Zona Centro-Norte; 6 - Zona Leste.
FAIXA ETÁRIA: 1 - (15 -17 anos); 2 - (18 - 29 anos); 3 - (30 - 59 anos); 4 - (60 ou mais anos).
ESCOLARIDADE: 1 - EFI; 2 - EFC; 3 - EMI; 4 - EMC; 5 - ESI; 6 - ESC.
ATIVIDADE: 1 - Trabalha; 2 - Desempregado; 3 - Estudante; 4 - Aposentado.
RENDA EM SALÁRIOS MÍNIMOS: 1 - Um ou menos; 2 - Dois a três; 3 - Quatro a cinco; 4 - Seis a sete; 5 - Oito a nove; 6 - Mais de dez.
ACHA IMPORTANTE A RESTAURAÇÃO?: 1 - Sim; 2 - Não.
DEVE VOLTAR-SE PARA: 1 - Lazer; 2 - Cultura; 3 - Educação; 4 - Outros.
POSSUI ALGUMA LEMBRANÇA?: 1 - Sim; 2 - Não.
LEMBRANÇA RELACIONADA A: 1 - Familiares, Amigos; 2 - Educação, Cultura; 3 - Lazer; 4 - Violência, descaso; 5 - Outros.
TIPO DE LEMBRANÇA: 1 - Positiva; 2 - Negativa.