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Festa do Livro em Dili, Timor-Leste Daniel De Lucca Reis Costa1
Presidente de Portugal, Aníbal Cavaco Silva (esquerda), e presidente de Timor-Leste, Taur Matan Ruak (direita), com o último romance do escritor timorense, Luís Cardoso, em mãos. Foto in: http://10anosindependencia.blogs.sapo.tl/15063.html
Entre os dias 22 e 27 de maio Timor-Leste recebeu a V Feira do Livro de Dili.
Evento que integrou as comemorações iniciadas no dia 20 de maio, data da restauração
da independência do primeiro país a nascer no século XXI. Organizada pelo Ministério
da Educação de Timor-Leste, com o apoio do Instituto Camões e do BNU, a feira tinha
como principal objetivo tornar acessível aos timorenses livros a baixos preços.
Literatura ficcional, poética, histórica, técnica, administrativa, religiosa e infantil. Mas,
sobretudo, literatura lusófona. Uma verdadeira preciosidade na ilha, visto a dificuldade
de aqui se adquirir obras em língua portuguesa.
A abertura oficial do evento, na segunda-feira, contou com a presença do
presidente de Portugal, senhor Aníbal Cavaco Silva, acompanhado pelo Primeiro
Ministro de Timor-Leste, Xanana Gusmão, e o novo presidente Taur Matan Ruak. A 1 Antropólogo, Geógrafo e professor-visitante da Faculdade de Ciências Sociais – Universidade Nacional de Timor-Leste (UNTL).
presença das excelentíssimas autoridades consagrou e reconheceu a importância do
evento. Nos dias que seguiram as crianças brincaram e ganharam revistas. O ensaiado
coral da escola portuguesa apresentou um belo repertório musical para o público
presente. Algumas poesias foram declamadas em alta voz.
Ao malae foi vetada a compra de livros durante os cinco primeiros dias da feira.
E por boas razões. As obras não eram para os estrangeiros, mas para os cidadãos da ilha
de lusofonia emergente. Porém, num país que vivencia o primeiro esforço histórico de
alfabetização em massa da língua portuguesa, e considerando que tal esforço consiste
num dos principais objetivos atuais da política educacional da nação, talvez fosse
produtivo preocupar-se não só com a acessibilidade de compra das obras literárias. Até
porque, mesmo com bons preços, as obras continuaram caras para os padrões de
consumo timorenses.
Visitei a feira vários dias e lá verifiquei a presença de várias obras sobre Timor-
Leste que poderiam ser utilizadas em contextos educacionais. Também fiquei muito
preocupado com a ausência de estudantes universitários timorenses na feira. Perguntei
então para meus alunos da UNTL: “porque vocês não foram à feira de livros?”. A
resposta geral foi: “porque não tínhamos dinheiro para comprar. Os livros são muito
caros”. Ao dizerem isso os alunos demonstravam dois problemas básicos. Um é que eles
permaneciam afirmando a impossibilidade de comprar livros mesmo sem irem à feira
consultarem os preços e calcularem seus orçamentos. Lá era possível adquirir alguns
trabalhos de reconhecida qualidade por preços baixíssimos. Entre outras obras, A
Guerra de Manufahi, do premiado Nobel da Paz Dom Carlos Filipe Ximenes Belo, por
menos de 1,50 dólares. Um segundo problema, e muito mais importante, é que os
alunos demonstraram uma concepção limitada e, de fato, errônea sobre o que é ou
deveria ser uma feira de livro. Concepção esta compartilhada por muitas outras pessoas.
Que fique claro, as feiras de livro não têm como principal objetivo a
comercialização de livros! No mundo inteiro estas feiras são festas da cultura e das
letras onde se busca exaltar, explorar e apresentar a um público mais amplo a
importância e os valores ligados à experiência literária. E os modos de se fazer isso são
muitos, não se limitando à exposição de livros para vender em prateleiras. As atividades
de uma feira de livros podem englobar debates sobre autores, sobre a relação entre
literatura escrita e oral, sobre a tradição literária de um país ou de uma língua específica,
e também oficinas para contar histórias.
Gostaria, então, de colocar uma pergunta muito importante: para que servem os
livros? Pode-se fazer inúmeras coisas com os livros. Inclusive dinheiro, principalmente
se pensarmos do ponto de vista das editoras. Mas ler e escrever são, para dizer de modo
muito simples, práticas fundamentais que definem o próprio valor existencial dos livros.
Por que, então, não investir na formação de leitores timorenses? E porque também não
na preparação de escritores? Sabemos que o povo timorense possui muitas histórias para
contar. E histórias muito boas! Talvez uma aposta de confiança na livre interpretação e
expressão escrita dos timorenses, possa produzir efeitos mais interessantes que as
gramáticas normativas que hoje ainda parecem aprisionar a imaginação dos estudantes
(e professores) de língua portuguesa. E essa é outra função dos livros: estimular nossa
capacidade de pensar mais livremente. Não por acaso livre e livro são palavras que
combinam.
Parece, então, que a organização de oficinas de leitura e de criação literária na
feira poderia contribuir ainda mais com os objetivos educacionais do governo timorense
e das cooperações lusófonas que aqui atuam, tal como a portuguesa e a brasileira. Sendo
que esta última, por sua vez, também poderia ter participado mais na feira, ainda que
seu solitário estande, o único distribuindo gratuitamente palavras cruzadas, tenha virado
ponto obrigatório de visitação na festa de crianças e jovens. Nenhuma censura. Apenas
a demarcação do aprendizado necessário para melhores planejamentos futuros.
No entanto, o texto que mais me chamou a atenção na feira não estava em
nenhum livro. Do lado de fora do Centro de Convenções de Dili (CCD) podia-se ler em
grandes letras: “Português a língua mais falada no Hemisfério Sul”. Muito original o
efeito textual produzido. Como que, por óptica geográfica, a mensagem lançava luz
sobre uma evidência nem sempre clara: a de que a grandiosidade da língua de camões
tem menos a ver com seu território de origem e mais com aqueles em que aportou. Pois,
se é no Sul Global que a língua portuguesa mais reina, deste reinado os próprios ex-
metropolitanos organizadores da feira estavam um pouco deslocados, nortistas que são.
Bidau Mota-Klaran
Dili, Maio de 2012.