Festa Espetáulo Reatualização Do Barroco

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    ENTRE RITOS E FESTAS: A REATUALIZAO DO BARROCONA REGIO DAS MINAS GERAIS - BRASIL

    Claudia Mariza BragaFundao de Ensino Superior de So Joo del-Rei. Brasil

    Colnia portuguesa at o incio o sculo XIX, grande produtor de ouro ediamantes durante os sculos XVII e XVIII, o Brasil foi palco privilegiado dainfluncia do pensamento missionrio jesutico, na qual a evangelizao sedava, entre outras formas, pela representao espetacular, entre festas erituais, do poder temporal da igreja, aliado magnificncia da metrpole.

    Entre os territrios do pas, a regio das Minas Gerais, na qual sedestacavam no perodo colonial as cidades de Vila Rica, principal produtora demetais preciosos, e So Joo del-Rei, centro de comrcio da produo, foi o alvopara onde se voltaram as preocupaes dos poderes temporais e espirituais.

    A preocupao de estabelecimento e manuteno de ambos os poderesnaquela regio traduziram-se, sobremaneira, pelo aparato de suas festas, nasquais a religio, intimamente ligada ao poder temporal, era vivenciada comoespetculo e buscava o despertar para a f atravs da sensibilizao dossentidos.

    Figura 1: Vista do centro histrico da cidade de So Joo del-Rei,onde se vem, da esquerda para a direita, as torres das igrejas do Rosrio, da Catedral

    Baslica de Nossa Senhora do Pilar e do Carmo.

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    Com sua arquitetura, onde o pensamento barroco se projeta emcaractersticas que se tornaram exclusivas da colnia, as cidades de Vila Rica eSo Joo del-Rei (ilustrao 1) foram um cenrio ideal para os festejos quecontavam, alm disso com a participao de praticamente toda a comunidade,como pode ser observado num comentrio da poca sobre o desfile do TriunfoEucarstico realizado em Vila Rica, no ano de 1733: No h lembrana, quevisse o Brasil, nem consta, que se fizesse na Amrica acto de mayor grandeza,sendo tantos, e to magnficos os que no espao de duzentos annos, comadmirao do mundo todo tem executado seus generosos habitantes1

    O carter espetacular da vivncia religiosa, entretanto, no se encerrou,para esta regio, nos rituais festivos do sculo XVIII. Na So Joo del-Rei dosculo XXI, os festejos religiosos como a Folia de Reis, o Carnaval, a SemanaSanta, a Pscoa e a festa de Corpus Christi, alm de continuarem a serextremamente populares, mantm ainda o aparato espetacular que oscaracterizou no perodo colonial.

    Ainda hoje, as festas religiosas tomam as ruas, transformando o espaopblico em cenrio para representao do poder da f, utilizando, em geral,recursos bastante teatrais em suas celebraes e podem ser apreciadosdurante todo o ano. Os maiores esforos da comunidade, todavia, so reservadospara as comemoraes referentes Quaresma, que culminam na procissofestiva do Santssimo Sacramento, realizada no domingo de Pscoa.

    No caso especfico dos festejos realizados na cidade de So Joo del-Rei, oque chama a ateno do pesquisador exatamente a ausncia detransformaes ocorridas nestas representaes espetaculares da f, suafidelidade s formas rituais estabelecidas, em alguns casos, no incio doprocesso de colonizao da regio, rituais estes mantidos por quase toda acomunidade, de fortes tradies catlicas.

    Se o espetculo barroco mantm-se vivo em suas representaesreligiosas festivas, no alvorecer do sculo XXI, nesta cidade mineira, suavitalidade comprova o poder do pensamento ideolgico ali embutido, assim comoseu carter a-temporal. No caso em estudo, pela relevncia dada pela prpriacomunidade aos festejos estudados, podemos inferir sua importncia noapenas religiosa, como histrica e acreditamos que sua anlise comparativa,que certamente no ser, aqui, definitiva, apresenta-se como uma contribuionecessria aos estudos do barroco na Amrica Latina.

    A observao da permanncia da festa barroca nesta comunidade,considerados os quase trezentos anos passados desde o incio de suacolonizao, determina algumas questes a serem discutidas: Se estacolonizao aprofunda-se, na regio, j no sculo XVIII, o que explicaria a foracom que o pensamento barroco se imps nas Minas Gerais, forjando o carter de

    1 Apud. TINHORO, J. R. (2000), p. 109

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    seus habitantes, sobretudo na regio em estudo? A partir desta situao jestabelecida, como se explica que os mesmos rituais ali inseridos peloscolonizadores mantenham-se, com pouqussimas diferenciaes, at poca todiversa quanto o alvorecer do sculo XXI?

    Buscando refletir sobre as questes apontadas, a proposta de trabalhoaqui apresentada , portanto, a de uma breve comparao entre o carterespetacular das manifestaes religiosas no Brasil do sculo XVIII e suareatualizao, registrando a sobrevivncia e existncia de ritos cuja tradioiniciou-se no perodo colonial, alm de procurar detectar as eventuaiscaractersticas de manifestaes religiosas especficas, descrevendo-as de modoa compreender sua significao cultural dentro da comunidade em queocorrem, nos dias atuais.

    O universo barroco da colonizaoO fato de a colonizao das Minas Gerais aprofundar-se j no sculo XVIII

    absolutamente no elimina a disposio barroca de sua ideologia, sobretudo sese considerar o barroco, no como um estilo de poca, mas como uma forma depensar o mundo tipicamente ibrica, aprofundada pela Contra-Reforma catlica,que vai caracterizar intrinsecamente, no apenas a formao cultural destapennsula europia, mas estender-se por toda a Amrica por ela colonizada.

    Na ibero-amrica, contudo, esta forma de pensamento no ser, como naEuropa, uma afirmao de tradies seculares, mas uma soluo decompreenso daquele universo particular, onde se encontravam raas eculturas inteiramente diferenciadas e, no dizer de Rubem Barboza Filho, emseu brilhante Tradio e artifcio, obrigadas a liquidar a coerncia de seussignificados metafsicos para conviverem e sobreviverem numa imensidohostil2.

    Grande responsvel pela expanso do catolicismo, assolado pelasreformas protestantes em toda a Europa ocidental, a pennsula Ibrica viverem suas conquistas americanas o paradoxo da imposio do poder terreno,aliado necessidade de divulgao da f crist catlica. Esta dupla funodeterminar a juno de ambos os poderes em todas as manifestaesprovindas de seu mpeto colonizador. Como Herdeira imediata da construosocial ibrica, a sociedade brasileira apresentar as mesmas dificuldades edesigualdades daquela que lhe deu origem, desigualdade esta aqui agravada pordesordenado processo migratrio e intensa importao de africanos para otrabalho escravo, o que tornara a comunidade ibero-americana imensamentemais diversificada e paradoxal do que seu modelo, imposto na colonizao. Nestecontexto, o barroco, ainda segundo Barbosa Filho, o barroco refletir esta

    2 BARBOZA FILHO, R. (2000), p. 15

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    fratura social, esta ciso entre a f que a todos envolvia e a crueldade de umaorganizao social cada vez mais desigual e fechada3.

    O espetculo na construo da sociedade mineiraA colonizao do Brasil deu-se, desde o incio do sculo XVI, sob a gide

    de duas das mais poderosas formas de induo comportamental da sociedadeocidental: o teatro e a religio. Com efeito, junto aos primeiros colonizadoresleigos foram enviados, tambm, os jesutas, que consigo trouxeram, alm daprpria religiosidade, a tradio dos autos bblicos, pois sabiam que o teatro eragrande arma de persuaso. J ento, aqui, como nas metrpoles ibricas daEuropa, a representao dramtica tambm extravasava das igrejas e dosrecintos fechados para as ruas4. Esta dramatizao da religiosidadecaracterizar a praxis religiosa da colnia at sua independncia e deixarmarcas profundas na construo de sua sociedade, sobretudo na regio dasMinas Gerais, principal palco das manifestaes daquele poder religioso duranteo sculo XVIII.

    Como afirma Affonso vila, em sua obra O ldico e as projees do mundobarroco I, a introduo no Brasil da festa institucionalizada deu-se, ao que sepode presumir, contemporaneamente formao dos primitivos ncleos defeio urbana5. Devido ao extrativismo de metais e pedras nas Minas, causadorde um intenso, apesar de desorganizado, processo de povoamento e urbanizao, entretanto, nesta regio que se afirmar de forma plena o projeto social dafesta enquanto expresso mxima, tanto da religiosidade, quanto do podertemporal da metrpole. Ainda segundo vila,

    ... o dispositivo festivo da sociedade mineradora era elstico e abrangente, nose limitando s comemoraes e celebraes de regozijo pblico ou concernentes aocalendrio da igreja. As populaes das vilas coloniais mineiras, afeitas a um estilo devida de colorao tipicamente barroca, incluam at mesmo a morte ou o motivo de lutocomo um ato, ainda que dramtico, da sua festa contnua e coletiva, um ensejo a mais deafirmao da sua inata disponibilidade ldica.6

    Esta disponibilidade ldica no sentido de estabelecer umacarnavalizao das relaes de poder, tanto temporal quanto espiritualmantidas pela metrpole, funcionar, todavia, no apenas enquantopossibilidade de ruptura da cristalizao social, como tambm como forma deexpresso espetacular do vazio existencial da comunidade que aqui se criava,transformando tambm o desespero causado por aquele trgico encontro de

    3 Idem, p. 914 SANTANNA, A. (2000), p. 1675 VILA, A. (1994), p. 1476 Idem, p. 169

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    raas e povos arrancados de suas origens7 em alegoria e espetculo. ParaBarbosa Filho, a festa barroca que se instaura enquanto constituio formalintrnseca da sociedade brasileira e, sobretudo, mineira, uma tentativa dereanimar o vazio provocado pela violncia da colonizao, tanto para os povosdominados quanto para os prprios colonizadores. Sendo assim, nestaconjuntura, para esta sociedade, tudo ser

    ... alegoricamente capturado, inclusive e principalmente a dor. O prprio luto ostentao, festa paradxica, e as igrejas se transfiguram em cenrios para asimultnea exaltao e humilhao da vida e do transcendente. O artifcio o sinal dacivilizao barroca, a artificializao da subjetividade, a teatralizao de seus dramas,que misturam tanto a procura da ordem quanto a impossibilidade de realiz-laplenamente. Teatralizao da vida como estratgia de suspenso e conteno dacatstrofe (...).8

    O barroco na constituio da sociedade em So Joo del-ReiAs linhas gerais que demarcaro a formao do carter da comunidade

    so-joanense explicam-se tambm como desdobramento das heranasseiscentistas anteriormente mencionadas. A vida urbana organizar-se-,portanto, sob o severo jugo da metrpole e sob primado da religiosidade, nestecaso com a proliferao e ascendncia das irmandades, sob cujos auspcios avida social adquire maior pluralidade comunitria e diversificao de atividadesou manifestaes coletivas9.

    Esta formatao primordial peculiarmente se manter na cidade de SoJoo del-Rei, onde, a congregao catlica encontra-se ainda subdividida emConfrarias e Irmandades diferenciadas hierarquicamente e cuja sucessointerna poderamos chamar de hereditria. Suas atribuies durante os festejosreligiosos, conferidas e/ou conquistadas ao longo de anos, mantm-se de certaforma inalteradas e seus membros procuram manter alguns comportamentoscujos cdigos foram definidos, em alguns casos, em meados do sculo XVIII.

    A explicao para a proliferao dessas associaes encontra-se,possivelmente, na ausncia de conventos e misses na regio, o que tornavanecessria a existncia de instrumentos complementares da ao oficial daIgreja, nas Minas Gerais. Segundo Affonso vila,

    ... agrupando em princpio fiis identificados pelo culto de uma mesma devoo,essas associaes extrapolavam na verdade a sua destinao confessional, assumindo,s vezes, no enunciado do prprio estatuto, carter de representao social classista,corporativa ou racial, com atribuies no s religiosas como assistenciais, muturias oude seguridade funeral. A Irmandade do Santssimo, de cerrada feio elitista evinculada sempre s igrejas matrizes, e as Ordens terceiras do Carmo e de So

    7 BARBOZA FILHO, R. (Op. cit.) p. 158 Idem, p. 3299 VILA, A. (op. cit.) p. 164

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    Francisco reservavam-se aos homens brancos e estamentos superiores da sociedade;as Irmandades do Amparo, das Mercs, de So Jos e a Arquiconfraria do Cordo deSo Francisco reuniam geralmente pardos e mulatos livres e homens de ofcios; aIrmandade do Rosrio, por sua vez, agremiava os negros escravos, que atravs delalogravam uma via possvel de transferncia social.10

    Um dos atrativos da existncia de confrarias na sociedade que ento sedesenhava residia no papel que os seus membros desempenhavam nos rituais, oque reforava o sentimento de comunidade e aproximava os seus membros11. Estaera tambm a funo das procisses organizadas e realizadas pelos gruposassim formados, durante o dia ou durante a noite, nas quais seus membros,usando vestes paramentais, nas cores de cada associao, carregavam as suasvelas ou instrumentos de flagelao. Estas procisses e rituais religiosos,grande parte dos quais se realizava na rua, possibilitava populao, sobretudoquelas pessoas ligadas a uma associao leiga, desempenhar na vida comunalum papel ativo, em vez de simplesmente assisti-la.

    Ainda hoje, as entidades associativas leigas funcionam como fator deaproximao e identidade na comunidade de So Joo del-Rei. Cada uma dasdiferentes comemoraes religiosas ocorridas na cidade ao longo do ano,portanto, est relacionada em maior ou menor grau a uma destas associaes,que, por sua vez, est ligada a uma das diversas igrejas da cidade. Comomodelo, poderamos citar, por exemplo as Irmandades do SantssimoSacramento (Ilustrao 2) e do Senhor Bom Jesus de Passos, co-responsveispela administrao e realizao de todos os eventos relativos CatedralBaslica de Nossa Senhora do Pilar, ou a Irmandade do Carmo, ligada igrejade Nossa Senhora do Carmo.

    10 Idem, pp. 30-3111 BURKE, Peter (1992), p. 120

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    Figura 2 - Membros da Irmandade do Santssimo Sacramento, ligada Catedral Baslica deNossa Senhora do Pilar, participando da procisso do Senhor morto ou do Enterro, durante

    os festejos pascais.

    Entre ritos e festas... o barroco se reatualizaSegundo Mircea Eliade, participar religiosamente de uma festa implica a sada

    da durao temporal ordinria e a reintegrao no Tempo mtico reatualizado pelaprpria festa12, esta recuperao do Tempo sagrado, onde tudo o que o tempohavia manchado se aniquilava, onde os pecados do ano eram redimidos, exatamente o que buscava o homem barroco dos seiscentos e, como se observa,ainda move o homem moderno e se reatualiza atravs da mesma linguagemritual na cidade de So Joo del-Rei.

    O que explica a atrao exercida pelo barroco sobre o homem moderno ,sem dvida, o fato de que inmeras das tenses e angstias ali identificadasmantiveram-se irresolvidas na sociedade crist ocidental o que proporciona aobservao de diversas semelhanas entre os valores, postos em crise,vivenciados pelos habitantes destes mundos to distanciados no tempo. Nestascircunstncias, como afirma Affonso vila,

    O homem barroco e o do sculo XX so um nico e mesmo homem agnico,perplexo, dilemtico, dilacerado entre a conscincia de um mundo novo - ontemrevelado pelas grandes navegaes e as idias do humanismo, hoje pela conquista doespao e os avanos da tcnica - e as peias de uma estrutura anacrnica que o alienadas novas evidncias da realidade - ontem a contra-reforma, a inquisio, o

    12 ELIADE, M. (1992) p. 64

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    absolutismo, hoje o risco da guerra nuclear, o subdesenvolvimento das naes pobres,o sistema cruel das sociedades altamente industrializadas. Vivendo aguda eangustiosamente sob a rbita do medo, da insegurana, da instabilidade, tanto o artistabarroco quanto o moderno exprimem dramaticamente o seu instante social e existencial,fazendo com que a arte tambm assuma formas agnicas, perplexas, dilemticas.13

    Outra das caractersticas barrocas vivenciadas pelo homem moderno demodo geral a presena do espetculo, da comunicao visual baseada emimagens, formas e cores, sobrepondo-se a qualquer outra forma decomunicao. Esta caracterstica ser marcante nos festejos aqui mencionados,em diferenciadas instncias: Tanto na dramaticidade de cada imagem utilizada(Ilustrao 3), quanto nas diversas formas de expresso empregadas paraacentuao do significado dos festejos ali realizados.

    Figura 3 - Detalhe da esttua do Senhor Morto,carregada pelos membros desta Irmandade durante a Procisso do Enterro.

    Com claras razes nos pageants medievais, so armados, na SemanaSanta so-joanense, cenrios extticos com cenas da paixo de Cristo(Ilustrao 3), forma de visualizao persuasiva e de compreenso imediata.

    13 VILA, A. (op. cit.) p. 26

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    Figura 4 - Cena da crucificao montada anualmente, durante a Semana Santa no altar daIgreja de So Francisco de Assis - So Joo del-Rei. Observe-se que os manequins utilizadospara a montagem do quadro so adereados com cabelos humanos, fruto de promessas de

    antigas fiis.

    Por outro lado, nas procisses organizadas por cada uma das irmandadesno mesmo perodo, que ainda guardam as mesmas caractersticas dos desfilesaqui realizados no sculo XVIII, encontro da religiosidade com algumasrepresentaes pags herdadas da mitologia clssica14, com evidentes marcascarnavalizadoras, observa-se, por exemplo, o costume de apresentar com placasescritas cada uma das personagens, bblicas ou no, (Ilustrao 4) a exemplo doque se fazia nas procisses barrocas realizadas na regio, descritas porinmeros documentaristas.

    14 SANTANNA, A. (2000), p. 170

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    Figura 5 - A personagem bblica Dbora, uma das representaes contidas na Procisso doEnterro, realizada na cidade de So Joo del-Rei, anualmente, na Sexta-feira Santa. Observe-

    se que tanto esta personagem quanto a que lhe posterior trazem frente crianasportadoras de suas identificaes.

    O que se observa, finalmente, na apreciao de algumas dasmanifestaes religiosas realizadas na cidade de So Joo del-Rei que, defato, grande parte da populao participa dos festejos e rituais ali cumpridos,sendo revitalizados, assim, boa parte dos antigos costumes catlicos cujainsero se deu, no pas, ao longo do processo de colonizao.

    A presena massiva, por outro lado, de pequenos e grandes grupamentoscomo as Ordens, Irmandades e Confrarias remete-nos, sem grande dificuldade,s Irmandades cavaleirescas e religiosas originrias da Alta Idade Mdia. Emdiversos momentos, alis, sobretudo nas procisses noturnas ou em alguns doseventos realizados no perodo anterior Semana Santa, o participante-observador, certamente, sente-se transportado a um mundo de 500 anos atrs,no qual a fora dos dogmas e ritos catlicos fazia parte dos alicerces de toda

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    uma sociedade, mundo este que vem a ser reafirmado pela ideologia barroca,transplantada para o solo americano atravs dos colonizadores ibricos.

    Esta reatualizao contempornea dos ritos, alm de reafirmar o conceitodo Tempo sagrado circular, reversvel, recupervel15, de Eliade, traz tona asobrevivncia, na cidade, de um viver em comunidade que j se tornou pretritoem diversas outras regies do pas e demonstra as similitudes do homempassado e presente, ambos envoltos na mesma perplexidade existencial, ambosbarrocos, portanto alm de fazer com So Joo del-Rei se nos oferea visocomo uma verso moderna do paradoxo barroco, onde o sagrado e o profano, amodernidade e a tradio, o temporal e o espiritual esbarram-se e imbricam-seconstantemente.

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    15 ELIADE, M. (op. cit.), p. 64

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