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Ficha Catalográfica Teixeira, Maria da Glória Lima Cruz. Dengue e espaços intra-urban transmissão viral e efetividade das ações de combate vetorial / Maria da Glória Lima Cruz Teixeira. - Salvador : 2000. 199 p. : il. ; 30 cm. Tese (doutorado) - Universidade Federal da Bahia. 1. Dengue. 2. Controle vetorial. I. Título.

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Ficha Catalográfica

Teixeira, Maria da Glória Lima Cruz. Dengue e espaços intra-urbanos: dinâmica detransmissão viral e efetividade das ações de combatevetorial / Maria da Glória Lima Cruz Teixeira. -Salvador : 2000.

199 p. : il. ; 30 cm.

Tese (doutorado) - Universidade Federal da Bahia.

1. Dengue. 2. Controle vetorial. I. Título.

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Universidade Federal da BahiaInstituto de Saúde Coletiva

Dengue e espaços intra-urbanos: Dinâmica de circulação viral e efetividade

de ações de combate vetorial

Tese de doutoramento apresentada ao Curso dePós-Graduação em Saúde Coletiva do Instituto deSaúde Coletiva da Unversidade Federal da Bahia

Aluna: Maria da Glória Lima Cruz Teixeira

Orientador: Prof. Dr. Maurício Lima Barreto

Salvador – Bahia2000

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A Dega e Flora, meus pais, ignorantes da ciência, masiluminados pela inteligência e força da vida. Depois de umárduo dia de luta nos colocavam para estudar em volta de

uma grande mesa à luz de um lampião, e, mais do que o quehavia nos livros, aprendíamos princípios fundamentais - o

valor do conhecimento, do trabalho, da honestidade, dasolidariedade e da honradez. No colo de Dega me alfabetizei,

ouvindo minha mãe tomar a lição dos mais velhos,crescendo em um ambiente em que ler e estudar eram parte

das obrigações diárias.

A meus nove irmãos, que absorveram aqueles valores e ostomaram como diretrizes para a vida, e cujo cuidado em me

orientar e sustentar permitiram-me trilhar o mesmocaminho.

Com grande amor, a meus filhos Rafa, Duda, Nando e Juju,aos quais tento transmitir os ensinamentos dos meus pais.

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A Tramm, meu companheiro, que fazda alegria uma estratégia de vidae tem o dom de acolher e apoiar

nas horas difíceis.

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A G R A D E C I M E N T OS

Ao corpo docente do Instituto de Saúde Coletiva, que me recebeu com entusiasmoe incorporou-me ao projeto de construção dessa nova instituição, da qual meorgulho em participar. A convivência com a riqueza de conhecimento e o fervilharde idéias desse conjunto de professores e pesquisadores impulsionaram o meucrescimento e redirecionaram minha vida profissional.

Ao meu orientador, Maurício Barreto, que tem como principal característicainstigar todos os que o rodeiam a formular questões científicas e a tentarrespondê-las. Sua capacidade para, generosamente, criar terreno favorável aocrescimento de sua equipe, doutorandos, mestrandos e alunos de iniciaçãocientífica, parece ser inesgotável. Discutir com Maurício e ouvir suas valiosassugestões foi e continua sendo de fundamental importância para minha formaçãoacadêmica e científica.

À amiga, companheira e colega de muitas jornadas, Conceição Costa, solidária edisponível a toda hora, que, com muita simplicidade, pôs sua vasta experiência naárea de epidemiologia e orientação de alunos à minha disposição. É autora principalde um dos artigos aqui apresentados e co-autora em outros três. Sua valiosacontribuição foi indispensável em todas as fases do meu curso de doutorado e deelaboração desta tese.

A Naomar, que, como professor, consegue apresentar de forma leve e clara temascomplexos - com os quais não custávamos lidar ou que nem sequer chegavam a serobjeto de nossas preocupações - descortinando uma outra forma de ver a práticacientífica. Obrigada ainda pela confiança que vem depositando na minha capacidadeprofissional.

A Jairnilson, que tanto contribuiu para que, no desenvolvimento das minhasatividades profissionais nos serviços de saúde, eu mantivesse a minha percepção eatitude acadêmicas e, na academia, eu não me distanciasse da sensibilidade própriado fazer cotidiano do serviço. O alicerce da minha formação em Saúde Pública veiodas suas orientações, sempre sábias.

A Vanize, Fabíola e a todos os outros que compartilharam o sonho, para muitos,utópico, de desenvolver no Brasil um programa de intervenção em Saúde Pública,considerando a importância de atuar nos fatores condicionantes e determinantesda produção da doença.

A Jarbas Barbosa, um dos poucos dirigentes do setor saúde a entender que oavanço das ações nesse campo passa pela interação entre os serviços e a pesquisacientífica. Ao propor uma avaliação independente do programa de combate aoAedes aegypti no Brasil, viabilizou a constituição de um amplo programa de

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pesquisa sobre dengue no país, que poderá contribuir para o aperfeiçoamento dasestratégias de intervenção.

A Jorge Travassos da Rosa, que se empenhou desde o primeiro momento para quese realizasse esta investigação, tendo disponibilizado a estrutura do InstitutoEvandro Chagas da Fundação Nacional de Saúde para sua execução.

A Pedro Vasconcelos e Amélia Travassos da Rosa, amigos e colegas do Laboratóriodo Serviço de Arbovírus do Instituto Evandro Chagas, pelas sugestões econtribuições ao projeto e pela realização, em tempo recorde, dos examessorológicos.

A Fabiano, Paulo Selera e Vilarinho, dirigentes do Programa de Erradicação doAedes aegypti (PEAa) na Fundação Nacional de Saúde, que não mediram esforçospara a liberação dos recursos necessários à investigação empírica em que sefundamenta este trabalho.

Aos Professores José Tavares Neto e Rita Barata Barradas que durante o examede qualificação incentivaram e trouxeram contribuições para o aperfeiçoamento doProjeto.

A Gerson Penna, chefe, companheiro e grande amigo. Mesmo distante, acompanhae sabe ficar perto, sempre presente para ajudar-me em muitos aspectos da vida.

A Lorene, pelo apoio e pela compreensão da importância deste trabalho para oconhecimento do dengue em nosso meio, oferecendo as condições para que pudesseser realizado.

A Marlene, chefe e grande amiga, que desempenha sua função comresponsabilidade, dedicação e criatividade. A cada reunião um novo desafio nos eraproposto e, obstinadamente, eram perseguidos os meios para enfrentá-los.

A Vilma Santana, pelo aporte de conhecimentos como professora e amiga, semprepronta a responder às questões formuladas. Devo-lhe ainda um grandeagradecimento pela carinhosa insistência no meu retorno a Salvador, efetivada nacontribuição para o estabelecimento das condições concretas que o permitiram.

A Leila, pela paciência em fazer e refazer as análises estatísticas e pelas valiosascontribuições na elaboração do artigo empírico.

A Regina e Margarita da COADE/CENEPI, pelos cuidadosos pareceres aos projetosenviados para solicitação de financiamento ao CENEPI, contribuindo paraaperfeiçoá-los.

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A Florisneide, que transmite paz e compreende que o trabalho não deve ser feitoapenas para o cumprimento de uma jornada. Sempre disponível, solidária eorganizada, possui virtudes fundamentais que superam a minha agitação edesorganização.

A Juarez, Zé Carlos, Matildes e Valda, equipe que operacionalizou os trabalhos decampo. Ao tempo em que resolviam os problemas operacionais, tinham os cuidadosnecessários para manter a qualidade dos dados.

A Vanessa, que apostou neste programa de investigação e, mesmo com prejuízo desua vida funcional de servidora pública, aí pôs sua experiência profissional nocampo das zoonoses.

À equipe da DIVEP/SESAB - Alcina, Gerluce, Orgali, Neci, Eduardo e Juca - pelasolidariedade e pela compreensão para com minhas ausências.

Às alegres colegas do CIS - Isani, Eliana, Estela, Zenaide, Márcia e Angela - pelasprontas informações e boas energias transmitidas, estimulando a continuidade dostrabalhos.

A Edite, que há alguns anos vem fazendo, sempre com competência e carinho, aeditoração de vários dos trabalhos de que participo e, pacientemente, também feze refez a desta tese.

À equipe do Projeto de Avaliação do Impacto Epidemiológico do Bahia Azul,sempre pronta a colaborar na disposição não só dos bancos de dados, mas de toda aestrutura material e apoio humano, sem os quais não teria sido possível realizar acoleta de dados.

A Erivaldo, Solange, Ivonete, Elvira e Geraldo, amigos do CENEPI, por todaatenção, carinho e empenho para superar os entraves burocráticos para a liberaçãode recursos.

Aos funcionários do ISC, por não medirem esforços para atender às nossassolicitações, conseguindo imprimir agilidade a uma instituição pública, com sériasdificuldades de infra-estrutura.

À população das “áreas sentinelas”, que concordou em contribuir para odesenvolvimento desta pesquisa, mesmo tendo sido esclarecida quanto ao fato deque não haveria nenhum ganho imediato com os resultados dos exameslaboratoriais. De alguma forma, todas essas pessoas entenderam que oconhecimento científico é construído lentamente e que muitos dos fragmentos queparecem se perder no presente podem ser importantes para gerações futuras.

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SUMÁRIO

Apresentação 1

Porque devemos, de novo, erradicar o Aedes aegypti ? 4Resumo 5Summary 6Introdução 7O Aedes aegypti e o Dengue 8Dengue nas Américas 12Dengue e Febre Amarela no Brasil 15Controle do Dengue nas Américas e no Brasil 18Aedes aegypti: Controle ou Erradicação? 22Considerações Finais 28

Referências Bibliográficas 29

A Concepção de “Espaço” na Investigação Epidemiológica 33Resumo 34Summary 35Introdução 36A Geografia e a Definição do seu Objeto 37O Espaço Geográfico, a Medicina e a Epidemiologia 40A Transcendência do Espaço Geográfico 44Limitações Metodológicas e Possibilidades de Superação 46

Referências Bibliográficas 50

Áreas Sentinelas: uma Estratégia de Monitoramento em SaúdePública 54

Resumo 55Summary 56Introdução 57Monitoramento Sentinela em Saúde 58Monitoramento de Áreas Sentinelas 62Pressupostos e Procedimentos para Constituição das “Áreas

Sentinelas” de Salvador 64Comentários Finais 68

Referências Bibliográficas 71

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Epidemiologia e Medidas de Prevenção do Dengue 73Resumo 74Summary 75Introdução 76O Vírus e seus Transmissores 78Dinâmica de Transmissão do Vírus do Dengue 81Epidemiologia 88Prevenção 103Desafios e Perspectivas 113

Referências Bibliográficas 118

Epidemiologia do Dengue em Salvador-Bahia,1995-1999 124Resumo 125Abstract 126Introdução 127Material e Métodos 128Resultados 130Discussão 135

Referências Bibliográficas 140

Dinâmica de Circulação do Vírus do Dengue em um ComplexoCentro Urbano 142

Resumo 143Summary 144Introdução 145Metodologia 147Resultados 155

Discussão 171 Referências Bibliográficas 180

Conclusões 184

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Apresentação

Em 1995, ao ingressar no Instituto de Saúde Coletiva, o meu campo de interesse

centrava-se na importância da reabertura do debate sobre as estratégias de intervenção

relativas a um dos mais graves problemas de saúde da atualidade na área de doenças

transmissíveis, a reemergência das infecções pelos vírus do dengue. Por sugestão da

ABRASCO, algumas iniciativas neste sentido estavam sendo adotadas, no cenário

nacional, pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), contando com o apoio de dirigentes

do Ministério da Saúde. Uma Comissão Técnica foi instituída por deliberação do CNS,

tendo como principal finalidade examinar a possibilidade de erradicação do Aedes

aegypti, transmissor urbano do dengue e da febre amarela.

Foi no contexto de uma participação ativa naquela comissão que ingressei no

Curso de Doutorado do ISC e, sob a tutela do meu orientador, elaborei o primeiro

artigo deste trabalho de tese, intitulado “Por que devemos, de novo, erradicar o Aedes

aegypti”. Dessa forma, foi sistematizada a discussão daquele momento, defendendo-se

e fundamentando-se a tese de que a estratégia de controle é pouco efetiva na maioria das

situações, e evidenciando-se as possibilidades técnicas da estratégia de erradicação e os

seus aspectos humanos e éticos, uma vez que o novo modelo desenhado naquela

oportunidade se alicerçava no saneamento ambiental e na educação em saúde, indo

muito além do combate específico ao vetor.

O Plano Diretor de Erradicação do Aedes aegypti do Brasil e o Projeto Piloto de

Erradicação do Aedes aegypti - Salvador/Bahia, elaborados em 1996, apontavam a

necessidade de desenvolver-se pesquisas visando ao aperfeiçoamento do conhecimento

científico e tecnológico e mecanismos de avaliação e acompanhamento da efetividade

dos trabalhos de erradicação, evidenciando uma outra necessidade: a de que se

aproximassem a área acadêmica e os órgãos executores do projeto de erradicação. Em

consonância com esse objetivo, o CENEPI/FNS solicitou ao Instituto de Saúde Coletiva

que elaborasse uma proposta de avaliação da efetividade das ações do Plano de

Erradicação do Aedes aegypti (PEA). Este havia sofrido um ajuste, em 1997 (PEAa),

que o afastava radicalmente da proposta original, em que pese se ter mantido o termo

“erradicação”’ no seu nome. Desse modo, foi-me apresentada pela direção do ISC a

oportunidade de elaborar e coordenar o projeto que resultou no “Programa de Avaliação

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da Efetividade das Ações de Combate ao Aedes aegypti-ISC/UFBA”, financiado pelo

CENEPI/FUNASA, devendo ser ressaltado que parte dos dados empíricos desse

programa integram esta tese.

O desenho desse programa de avaliação adotou a estratégia de monitoramento de

“áreas sentinelas”, que já vinha sendo utilizada para a “Avaliação de Impacto

Epidemiológico das Obras de Saneamento do Projeto Bahia Azul” . Esta abordagem

utiliza o espaço como categoria privilegiada de investigação de problemas de saúde,

tornando-se assim necessário explicitar este marco teórico de referência, o que veio a

resultar no segundo artigo desta tese, intitulado “A concepção de espaço na

investigação epidemiológica”, elaborado com a Professora Maria da Conceição

Nascimento Costa.

No terceiro artigo, “Áreas sentinelas: uma estratégia de monitoramento em

Saúde Pública”, encontram-se os pressupostos teóricos e práticos que norteiam a eleição

de espaços intra-urbanos para investigações e monitoramento, os delineamentos

metodológicos de sua constituição e as potencialidades do seu uso em saúde pública,

justificando-se a utilização dessa estratégia para o desenvolvimento desta pesquisa.

No quarto artigo apresenta-se uma revisão sobre dengue, nosso tema de

interesse, em que se discorre sobre os fatores determinantes da circulação do vírus, a

distribuição da doença no mundo, nas Américas e no Brasil, e sobre as medidas de

prevenção. Desenvolve-se e discute-se um modelo explicativo que incorpora a

organização do espaço social como elemento fundamental no processo de determinação

da circulação viral. Retoma-se, por fim, o debate sobre a pertinência da proposta de

erradicação de 1995, que não chegou a ser implantada no Brasil, ressaltando-se que o

ajuste realizado e sua posterior implementação, procedida em 1997 (PEAa), não vem

resultando em impacto sobre a ocorrência destas infecções, como evidenciado pelos

dados epidemiológicos de tendência da doença no país.

À guisa de introdução ao estudo prospectivo e para facilitar a compreensão do

leitor foi escrito um artigo, o quinto, apresentando-se o contexto epidemiológico da

cidade onde viria a se desenvolver a pesquisa empírica desta tese, para o que se contou

com dados secundários dos órgãos de saúde pública.

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À luz dos resultados apresentados no sexto artigo, a autora tem a oportunidade

de demonstrar, mediante o desenvolvimento de um estudo de coorte, que a intensidade

de circulação do vírus do dengue quase que não se reduz com a estratégia de combate

vetorial adotada. Essa estratégia não consegue alcançar índices de infestação próximos

de zero, tese defendida no primeiro destes artigos e efetivamente comprovada. Tais

achados, ponto central desta investigação, são amplamente discutidos neste artigo e

retomado no capítulo de conclusões, indicando a necessidade de continuar-se a

desenvolver este debate com a comunidade científica e a sociedade brasileira, com

vistas ao redirecionamento da atual política de intervenção.

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Artigo 1

PORQUE DEVEMOS, DE NOVO,ERRADICAR O AEDES AEGYPTI

Maria da Glória Teixeira*Maurício Lima Barreto*

Publicado na Revista Ciência & Saúde Coletiva, 1:122-135, 1996

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RESUMO

A ocorrência de epidemias de Dengue Clássico, Febre Hemorrágica do Dengue e

Síndrome de Choque do Dengue no Brasil e nas Américas coloca essa virose como um

dos grandes problemas de saúde pública do continente, o que impõe uma reflexão sobre

sua situação epidemiológica e as estratégias de seu enfrentamento. Neste sentido, um

importante debate nacional vem se processando, desde o início do ano de 1995 sobre, a

estratégia de prevenção que deve ser adotada no Brasil. O Conselho Nacional de Saúde

ao criar uma Comissão Técnica para analisar o problema, não descartou a readoção de

uma proposta de erradicação do Aedes Aegypti, que foi a estratégia adotada até 1985,

quando foi substituída por um programa de controle. Seminário promovido pelo

Conselho Nacional de Saúde e Ministério da Saúde em novembro de 1995, com a

participação da comunidade científica (ABRASCO, SBMT e SBP), CONASS,

CONASSEMS e de profissionais de saúde que desenvolvem trabalho nesta área, revelou

a existência de opiniões favoráveis e desfavoráveis à erradicação do Aedes aegypti. Este

artigo sistematiza esta discussão e a opinião dos autores é de que dentro das diretrizes

técnicas e políticas imprimidas ao Plano Nacional de Erradicação do Aedes aegypti do

Brasil emanadas do Conselho Nacional de Saúde, e referendadas pelos participantes do

Seminário, é de que os profissionais de saúde e a sociedade brasileira deva lutar para a

sua implantação, pois, apesar de todas as questões técnicas envolvidas o plano além de

factível, é defensável pelos seus aspectos humanos, éticos e pela capacidade de resgatar

questões essenciais como o próprio Sistema Único de Saúde e a luta pela equidade

social e inter-regional no país.

Palavras chave: dengue; febre hemorrágica; síndrome de choque; erradicação.

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SUMMARY

The occurence of epidemies of Classic Dengue, Dengue Hemorragic Fever and

Dengue Shock Syndrome in Brazil and other American countries put this viroses as in

important public health problem in the continent. This stressira the need of permanent

evaluation of its epidemiological picture and the developments of strategis to confront

it. Since 1995 an important national debate come out on the strategy of prevention that

must be adopted in Brazil. The National Health Council (CNS) in the act of creating a

task force to analyse the problem, do not exclude the readoption of erradication of the

Aedes aegypti. It was the strategy used until 1985 when it was replaced by a control

approach. A seminar promoved By CNS in November, 1995 with the participation of

members of scientific community, representatives of the State and Municipal Health

Secretaries Councils, and professional from several different public offices disclosed the

existence of favourable and unfavourable opinions, as far as, Aedes aegypti erradication

is concerned. This article aim to present a summary of such discussion. The authors

conclude the proposes Aedes aegypti National Erradication Plan that come out from

CNS and supported by the seminar participants must be implemented. Despite its

techinical and scientifical problems the plan is feasible, defensible by its capacity to

reintroduce essential questions such as the proposal of the Unified Health System (SUS)

and the struggle for a better social and inter-regional equity in the country.

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1. Introdução

O Brasil vem convivendo com epidemias de dengue desde o ano de 1981. A

presença do Aedes aegypti em grande parte do território nacional e a existência de

grandes contingentes populacionais com os requisitos imunológicos para desenvolver

formas severas da doença definem as condições epidemiológicas necessárias para a

eclosão de surtos de dengue em que as formas hemorrágicas e outras apresentações

severas da doença podem se constituir em proporções importantes do total de casos.

Desde 1990, a circulação de dois sorotipos do vírus (DEN-1 e DEN-2) tem sido

identificada, com a ocorrência de casos de dengue hemorrágico, inclusive levando a

óbitos. Até bem recentemente, a abordagem desse problema esteve limitada às

instituições de saúde responsáveis pelo controle do vetor e aos círculos acadêmicos.

Frente a gravidade da situação, o Conselho Nacional de Saúde provocou a abertura de

uma ampla discussão sobre a questão, na perspectiva da adoção de medidas mais

enérgicas de prevenção para resolução deste problema. Este debate tem sido rico e

inovador, desde quando uma doença epidêmica passou a ser entendida, não mais como

um problema restrito às instituições de saúde, mas como um problema a ser enfrentado

por toda a sociedade. Desde o início, entendeu-se que a solução desejada impõe ações

que ultrapassam o combate químico ao vetor, passando por propostas mais abrangentes

sobre os determinantes da sua existência e proliferação e que deveriam estar inseridas

no processo de luta pela descentralização das ações de saúde e pela melhoria da

qualidade de vida da população brasileira. Neste artigo, busca-se sumarizar essas

discussões e defender a tese de que a proposta de erradicação do Aedes aegypti, nascida

neste debate, (apesar de todas as questões técnicas envolvidas), além de factível, é

defensável pelos seus aspectos humanos, éticos e pela capacidade de resgatar questões

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essenciais, como o próprio Sistema Único de Saúde e a luta pela equidade social e inter-

regional.

2. O Aedes Aegypti e o Dengue

A Febre Amarela e o Dengue são viroses que embora tenham manifestações

clínicas e respostas imunológicas bastante diferenciadas, epidemiologicamente, se

entrelaçam, em virtude de apresentarem no seu ciclo um vetor comum que é o Aedes

aegypti. Possivelmente, este foi introduzido nas Américas, no início da sua colonização

proveniente do continente africano (Francisco,1983; Brés,1986). Desta forma, a

ocorrência destas viroses está intimamente relacionada à distribuição e a dispersão deste

mosquito e das formas como o mesmo foi combatido ao longo do tempo. Isso significa

que a história da erradicação da Febre Amarela urbana, nas Américas, contribuiu

significativamente para diminuir, ou mesmo impedir, a circulação dos vírus do Dengue

no continente até a década de 1960.

Até bem recentemente, nenhum país do continente americano desenvolvia

programas de prevenção especificamente voltados contra o Dengue. Todos os esforços

de controle ou de erradicação do Aedes aegypti tinham a perspectiva de impedir a

reurbanização da Febre Amarela. No Brasil, a primeira campanha sanitária instituída

contra a Febre Amarela data de 1690, quatro anos após o início de uma epidemia em

Recife, a qual teve sua origem em São Domingos, nas Antilhas (Franco,1976). Deve-se

notar que, nesta época, não se tinha o conhecimento do ciclo epidemiológico da doença,

nem que a mesma era transmitida por um vetor. Predominavam as concepções

miasmáticas e as medidas de controle recomendavam a purificação do ar, através da

queima de ervas cheirosas, tiros de artilharia, caiação das casas onde havia mortos,

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como também a limpeza das ruas. Estas recomendações, mesmo sem se fundamentar no

conhecimento da transmissão vetorial, tinham a potencialidade de reduzir a população

de mosquitos e o número de criadouros. Apesar disso, esta primeira epidemia durou

mais de dez anos.

Apenas em 1881, foi que Carlos J. Finlay relacionou o Aedes aegypti com a

transmissão da Febre Amarela (Rodríguez Exposito, 1971). Em 1906, Bancroft publicou

as primeiras evidências de que o Aedes aegypti estava também relacionado com a

transmissão do dengue. Em 1908, foi confirmado por Agromonte e outros autores

(Center for Disease Control, 1979).

Essas informações deram o suporte técnico-científico para o desenho das

campanhas de combate à Febre Amarela do início do século. No Brasil, as primeiras

campanhas foram instituídas por Emílio Ribas, nas cidades de Sorocaba, em 1901; em

São Simão, 1902 e Ribeirão Preto 1903. A base da campanha era a eliminação dos focos

de mosquitos, com a remoção das latas vazias, dos cacos de garrafas e de outros

receptáculos, que pudessem servir para a proliferação do vetor; e envolvia, ainda, a

extinção dos capinzais no perímetro urbano e o “expurgo” dos cômodos das casas dos

doentes. Estes eram internados ou alternativamente, isolados em seus domicílios, com o

uso de cortinados em torno de seus leitos (Franco,1976).

Em abril de 1903, Oswaldo Cruz iniciou, talvez a mais famosa campanha contra

a Febre Amarela, na cidade do Rio de Janeiro, cujas bases eram: evitar que os

mosquitos se infectassem ao picar os doentes (isolamento) e impedir a proliferação dos

mesmos. O sanitarista chamava a atenção para o fato de que o efeito da campanha

dependia da não interrupção dessas atividades. Para isso, lançou mão de instrumentos

jurídicos coercitivos “... que tornem efetivas as disposições regulamentares já existentes

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sobre a notificação compulsória, estabelecendo medidas repressivas contra os

sonegadores de doentes.” (Franco,1976, p.77). Oswaldo Cruz alicerçou-se no

conhecimento técnico-científico recém adquirido na época para desenhar sua campanha

e, ao mesmo tempo, lançou mão do aparato repressivo para garantir que as ações fossem

colocadas em prática, independente da opinião popular. Isto ocasionou muita reação da

classe política e também por parte da população, incluindo levantes violentos (Costa,

1985). Esta campanha conseguiu finalmente eliminar a Febre Amarela do Rio de

Janeiro, no ano de 1909.

Após as experiências de São Paulo e do Rio de Janeiro, várias outras cidades

brasileiras realizaram campanhas semelhantes contra a Febre Amarela. Em 1940, o

responsável pelo Serviço de Controle da Febre Amarela, em Recife, iniciou um trabalho

que chamou de “Marcha para a Erradicação do Aedes aegypti”, em que inspecionava e

tratava 100% dos domicílios dos municípios infestados (Ruanet, 1940). Os resultados

deste trabalho levaram o Governo Brasileiro, a estabelecer a meta de erradicação para o

vetor através do Decreto Nº 8645 de 4 de fevereiro de 1942. Pela primeira vez, foi

admitida a erradicação do Aedes aegypti em caráter oficial. O trabalho que o Brasil

desenvolveu foi reconhecido internacionalmente e a experiência absorvida por outros

países americanos (OPAS, 1942). Em 1947, o Brasil solicitou ao Conselho Diretor da

OPAS a erradicação do Aedes aegypti em todo o continente americano. A solicitação foi

acatada (OPAS, 1947), sendo iniciada campanha de âmbito continental. Neste mesmo

período, teve inicio a utilização do primeiro inseticida de ação residual, o DDT, no

combate ao vetor (Franco, 1976), o que provocou um grande impacto no conjunto das

lutas antivetoriais.

A Campanha de Erradicação Brasileira cobriu praticamente todo o território

nacional, tendo atingido 1882 dos 1894 municípios existentes. O mosquito foi

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identificado em 1187 municípios, ou seja 63% do total. Só foram excluídos 12

municípios, por estarem situados na selva amazônica e por acreditar-se que lá o vetor

não seria encontrado (Franco, 1976). A campanha de erradicação debelou o último foco

do mosquito, no ano de 1955, em Santa Terezinha, um município baiano. Em 1958 a

certificação da erradicação foi outorgada ao Brasil e a mais dez nações americanas

(OPAS, 1958), e posteriormente a outros países do continente (OPAS, 1960, 1961,

1963, 1965).

Entretanto, o fato de muitos países do continente não terem feito o esforço de

erradicação possibilitou, junto com outras causas, que o mosquito fosse reintroduzido

não só no Brasil, como em outros países que também o haviam erradicado. Hoje quase

todos os países do hemisfério já se reinfestaram com exceção de Bermuda, Canadá,

Chile e Uruguai (Nelson, 1996). Assim, em 1967 e 1969, foi constatada a presença do

vetor na cidade de Belém e as medidas de controle deste foco fizeram com que a cidade

estivesse novamente livre do Aedes aegypti em 1973 e que o mesmo não se dispersasse

para outros locais (Amaral, 1983; Marques, 1985).

Em 1976, o Aedes aegypti, foi novamente identificado no país, na área portuária

de Salvador (Amaral, 1983; MS/FNS, 1996). Em seguida, foram observados outros

focos no Rio de Janeiro e em outras cidades brasileiras (Amaral 1983). A epidemia de

Dengue em Boa Vista (Roraima), em 1981, surpreendeu as autoridades sanitárias

brasileiras, desde quando não havia a suspeita da presença do mosquito naquela área

(Osanai, 1984). Logo após, em 1986, explode a epidemia do Rio de Janeiro, e a partir

daí o Aedes aegypti rapidamente se dispersa por extensas áreas do território nacional.

Atualmente, o vetor já foi identificado em pelo menos 1754 municípios, distribuídos em

18 unidades federadas. Estes dados dizem respeito apenas às áreas cobertas pelas

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atividades da Fundação Nacional de Saúde, significando que um número ainda maior de

municípios podem estar infestados (MS/FNS, 1986).

3. Dengue nas Américas

O vírus do Dengue foi isolado, pela primeira vez, na década de 50. Antes desta

época, os registros de casos ou de epidemias eram baseados em critérios clínico-

epidemiológicos. Sabe-se que muitas são as infecções capazes de produzir sinais e

sintomas típicos do Dengue, os quais incluem febre, cefaléia, mialgias e exantemas. No

entanto, o Dengue é a única infecção capaz de apresentar-se sob a forma de epidemias

explosivas, que se correlacionam com a dispersão e a densidade do Aedes aegypti. Esta

característica súbita e maciça, possibilitou, com alguma segurança, a caracterização e

descrição de algumas epidemias de dengue, antes mesmo do conhecimento do vírus e

da disponibilidade dos diagnósticos virológico e sorológico (Ehrenkranz, 1971).

Considera-se que as primeiras epidemias de dengue, registradas na literatura,

tenham ocorrido na ilha de Java (Jakarta) e no Egito, ambas em 1779, e em Filadélfia

(USA), no ano seguinte (Torre, 1990). Ao longo dos três últimos séculos, tem-se

registrado a ocorrência de Dengue em várias partes do mundo, com pandemias e

epidemias isoladas, atingindo as Américas, a África, a Ásia, a Europa e a Austrália.

Por um longo período, essa virose foi considerada uma doença benigna e,

somente após a segunda guerra mundial, ocorreram surtos de uma febre hemorrágica

severa que posteriormente seria identificada como uma forma do Dengue. O primeiro

desses eventos, foi descrito nas Filipinas, em 1953, sendo confundido com a Febre

Amarela e com outras arboviroses do grupo B, e, só posteriormente, em 1958, com a

epidemia de Bankok (Tailândia), esta febre hemorrágica foi descrita como Dengue.

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Entretanto, através de diagnóstico retrospectivo, aceita-se hoje que a primeira epidemia

de Dengue Hemorrágico tenha ocorrido na Grécia em 1927/1928, alcançando incidência

alarmante e alta letalidade. A investigação de soros de sobreviventes indicou a

circulação dos vírus DEN-1 e DEN-2 (Papangelou & Halstead, 1977; Halstead &

Papangelou, 1980). Outros países do sudeste asiático que vêm apresentando o Dengue

Hemorrágico incluem o Vietnam do Sul (1960), Singapura (1962), Malásia (1963),

Indonésia (1969) e Birmânia (1970). Nesta região, sob a forma epidêmica ou endêmica,

milhares de casos e de óbitos ocorrem a cada ano, predominantemente em crianças.

Essa apresentação clínica tem sido associada à circulação dos vírus 1, 2 e 3.

Nas Américas, o vírus do Dengue circulou, desde o século passado até as

primeiras décadas do atual. Em seguida, houve um silêncio epidemiológico e considera-

se que a sua reintrodução deu-se nos anos sessenta (sorotipos 2 e 3), associando-se com

a ocorrência de várias epidemias de Dengue Clássico. Em 1963, registraram-se os

primeiros casos de Dengue na Jamaica (DEN-3) os quais proliferaram na Martinica, em

Curaçau, na Antigua, em Saint Kitts, em Sanguilla, na Venezuela e em Porto Rico; logo

após atingiu o Norte da América do Sul (Venezuela e Colômbia) e casos importados

foram notificados nos EEUU (Donalísio, 1995). Entre 1968 e 1970, epidemias com os

vírus 2 e 3 foram registradas no Caribe, na Guiana Francesa e na Venezuela. Na década

de setenta, também ocorreram na Colômbia, em Porto Rico e em Saint Thomas, com

isolamento dos mesmos vírus. Em 1977, o vírus sorotipo 1 se introduz na Jamaica e se

dissemina em todas as ilhas do Caribe e na América Tropical. Entre esse ano e 1980

foram notificados 702 mil casos de Dengue Clássico nas Américas, quase todos pelo

vírus sorotipo 1 (OPAS, 1995a).

A década de oitenta se destaca pel aumento da circulação dos vírus no continente

americano e os países que mais notificaram casos foram: Brasil, Colombia, Guatemala,

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Honduras, México, Nicarágua, Paraguai, Porto Rico e Venezuela. Também no início

desta década, foi isolado o vírus DEN-4.

Os primeiros casos de Dengue Hemorrágico nas Américas ocorreram em

Curaçau e na Venezuela na década de 60, e em Honduras, Jamaica e Porto Rico, nos

anos 70, com poucas confirmações laboratoriais (OPAS, 1995a).

O acontecimento epidemiológico mais relevante na história do Dengue nas

Américas foi a epidemia de Dengue Hemorrágico e Síndrome de Choque do Dengue

(DH/SCD) que ocorreu em Cuba no ano de 1981. Foram notificados 344.203 casos,

com 116.143 hospitalizações. Foram considerados graves 10.312 casos, e 158

resultaram em óbitos, dos quais 101 acometeram crianças (Kouri, 1986; OPAS, 1995a).

O vírus associado a essa epidemia foi associada ao vírus DEN-2 e precedida por outra

causada pelo vírus DEN-1 .

Em outubro de 1989, eclodiu na Venezuela um surto de DH /SCD com um total

de 8.619 casos e 117 óbitos. Foram isolados os vírus DEN-1, DEN-2 e DEN-4. Dois

terços dos casos constituíam-se de crianças menores de 14 anos. Este episódio é

considerado o segundo mais grave nas Américas. Desde 1981 casos de Dengue

Hemorrágico no continente americano têm ocorrido sistematicamente, registrando-se

até 1995, 37.030 casos, com 526 óbitos, o que corresponde a uma letalidade de 1,5%. O

país que mais contribuiu para aquele total foi a Venezuela (20.490 casos) seguido de

Cuba, Nicarágua, Colômbia e Brasil (Pinheiro, 1996).

Nos anos 90, o quadro epidemiológico das Américas e do Caribe se agravou. Os

quatro sorotipos do vírus passaram a circular e epidemias de Dengue Clássico tem sido

freqüentemente observadas em vários centros urbanos, muitas delas associadas a

ocorrência de casos de Dengue Hemorrágico. Em algumas áreas a virose já se apresenta

sob forma endêmica.

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4. Dengue e Febre Amarela no Brasil

Os primeiros registros de casos de Dengue no Brasil datam de 1916, em São

Paulo, e de 1923, em Niterói. Neste último ano, um navio francês aportou em Salvador

(Bahia) com casos suspeitos, porém não foram registrados casos autóctones na cidade

(Soares, 1928). Um inquérito sorológico realizado na Amazônia em 1953/1954

encontrou soro positividade para Dengue, sugerindo que o vírus havia circulado na

região (Causey & Theiler, 1962).

No país, a primeira epidemia de dengue confirmada clinica e laboratorialmente

aconteceu em 1981, em Boa Vista (Roraima) (Osanai, 1984). Estimou-se a ocorrência

de 12 mil casos, tendo sido isolados dois sorotipos dos vírus no curso do evento: DEN-1

e o DEN-4. A propagação viral, para o resto do país, não se deu à partir desse episódio,

pelo fato do mesmo ter sido rapidamente controlado.

O Dengue só reapareceu no Brasil cinco anos depois, na cidade de Nova Iguaçu

(Rio de Janeiro), tendo sido identificado o DEN 1. A partir daí a virose disseminou-se

para outras cidades vizinhas, inclusive Niterói e Rio de Janeiro. Foram notificados

93.910 casos entre abril de 1986 e julho de 1987. Figueiredo (1991) estimou, através de

um inquérito sorológico, em escolares, que a infecção atingiu mais de um milhão de

indivíduos no Rio de Janeiro.

De julho de 1987 até meados de 1990, a doença permaneceu endêmica no Rio de

Janeiro, quando nova epidemia de grandes proporções de Dengue Clássico ocorreu em

virtude da introdução do vírus 2. Em 1991, foram notificados 1316 casos graves, dos

quais 150, foram confirmados como Dengue Hemorrágico. Em 1995, voltou-se a

registrar casos de Dengue Hemorrágico no Rio de Janeiro, com 105 notificacões e dois

óbitos, além de 26.563 de Dengue Clássico (MS/FNS, 1995a).

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Em 1986, casos de Dengue foram ainda observados em Alagoas e Ceará, onde

foram notificados, respectivamente, 12.608 e 26.932 casos. No ano seguinte, houve

epidemias em Pernambuco (2.118 notificações), na Bahia (em Ipupiara, pequena cidade

do interior, com 623 casos) e em Minas Gerais (na cidade de Pirapetinga, com 527

notificações).

Após estas primeiras epidemias, o vírus do dengue propagou-se rapidamente por

outras áreas do território brasileiro e, até meados de 1996, sua transmissão já foi

registrada em 638 municípios de 18 Unidades Federadas (MS/FNS, 1996). Cabe

destacar a epidemia de 1994 do Ceará, com 47.221 notificações, registro de 185 casos

suspeitos de Dengue Hemorrágico com 25 confirmações e 12 óbitos (MS/FNS, 1995a).

O Quadro 1 apresenta um sumário dos casos de dengue no Brasil acumulados desde

1986, por Unidade Federada e sorotipos circulantes (MS/FNS, 1996).

Os últimos casos de Febre amarela Urbana no Brasil foram registrados em Sena

Madureira (ACRE), em 1942. Entretanto, o ciclo silvestre se mantém em extensas áreas

com florestas nas regiões Norte, Centro Oeste e Nordeste (restrita ao oeste do

Maranhão), onde o vírus amarílico circula entre primatas não humanos. Surtos

esporádicos ou casos isolados ocorrem no homem, afetando madeireiros, agricultores,

caçadores, pescadores e outros indivíduos que mantém contato com a mata da área

enzoótica (Amaral, 1983; Marques, 1985). Nos últimos anos, o número de casos tem

variado de 2 casos em 1990 a 66 casos em 1993. Entre 1982 e 1994, a taxa de

letalidade média foi de 55,2%, sendo 100% em 1983 e de 27,3 % em 1993 (MS/FNS,

1995b).

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Quadro 1 - Número de Municípios com Aedes Aegypti e com Transmissão deDengue, Sorotipos Circulantes e Número de Casos por Unidade Federada.

Brasil – 1995

EstadosNº de Municípioscom Aedes Aegypti

Nº deMunicípioscom Dengue

SorotipoCirculante

Nº de CasosNotificados

01. Alagoas 54 8 DEN II 79402. Bahia 149 119 DEN II 34.50703. Ceará 113 12 DEN II 1.99104. Espírito Santo 19 16 DEN II 99505. Goiás 153 41 DEN II 8.19106. Rio G. Norte 46 14 DEN II 5.18107. Rio de Janeiro 49 36 DEN I e II 26.56308. Mato Grosso 63 34 DEN I e II 11.62809. Mato G.do Sul 73 53 DEN I 5.11510. Pernambuco 42 20 DEN I e II 9.29511. Paraná 259 112 DEN I 3.11612. Piauí 46 10 DEN I 3.26013. Minas Gerais 126 16 DEN I e II 2.66514. São Paulo 416 97 DEN I 4.88815. Tocantins 67 22 DEN I 3.19316. Paraíba 49 3 DEN II 1.70117. Pará 6 2 DEN I 2818. Maranhão 24 23 DEN I e II 1.776Total 1.754 638 124.887

Fonte: MS/FNS/DEOPE/CCDTV/GT-FAD

O Programa de Controle de Febre Amarela vem trabalhando na perspectiva de

impedir a sua reurbanização. Até 1994, a vacinação anti-amarílica era feita apenas nos

habitantes da zona enzoótica e em viajantes que se dirigiam para estas regiões. Com o

avanço da infestação do Aedes aegypti para áreas próximas a zona enzoótica, essa

vacina tem sido aplicada, rotineiramente, na população de todos os municípios, a partir

de um ano de idade. Face a rapidez dos deslocamentos humanos, através dos meios de

transportes atuais, tem-se discutido a necessidade de se ampliar a cobertura vacinal para

outros estados brasileiros, já que existe a possibilidade de introdução do vírus amarílico

em qualquer local infestado pelo Aedes aegypti, com risco de ocorrência de epidemias

de Febre Amarela urbana (CNS / MS, 1995; MS, 1996). Pelas suas interrelações, essa

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questão tem sido objeto de interêsse nas discussões sobre o Dengue e a erradicação do

Aedes aegypti.

5. Controle do Dengue nas Américas e no Brasil

Como já visto, o Brasil e vários outros países americanos adotaram com sucesso

a estratégia de erradicação do Aedes aegypti em 1948, conseguindo-se eliminar a Febre

Amarela urbana e impedir a circulação dos vírus do dengue durante muitas décadas. A

OPAS, até 1982, reiterava a política de erradicação para o continente. Em 1985, foi

oficialmente alterada a estratégia de erradicação, dando-se a opção aos países pelo

controle ou pela erradicação (OPAS, 1985). O Brasil, apesar da resistência da área

técnica dos órgãos responsáveis pela erradicação (Amaral, 1982; Marques, 1985),

também modificou a sua estratégia, criando o Programa de Controle de Dengue e Febre

Amarela.

Nos últimos onze anos, as experiências de controle nas Américas, mostram que

esse é um objetivo possível de ser alcançado, porém difícil de ser sustentado por longos

períodos de tempo, em parte, devido, às modificações climáticas sazonais que ocorrem

em grandes áreas da América Tropical, pois em determinadas épocas do ano a umidade

e a temperatura favorecem consideravelmente a proliferação do Aedes aegypti. Isto

significa que, com a estratégia de controle os recursos e esforços dispendidos, por não

lograrem a completa eliminação do Aedes aegypti nas suas várias formas evolutivas são,

em parte, desperdiçados, com a rápida elevação dos índices de infestação do Aedes

aegypti. A isto se soma as descontinuidades no suprimento de recursos a tais programas,

prática comum com relação às intervenções no campo social nos vários países do

continente. É importante ressaltar que, em algumas áreas, a estratégia de controle

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consegue diminuir a infestação para níveis que impedem a circulação viral; entretanto,

observa-se que as atividades desenvolvidas em tais áreas têm caráter diferenciado, com

metodologias e intensidade que as aproximam das campanhas tradicionais de

erradicação.

A semelhança entre a gravidade da situação epidemiológica, em diferentes

tempos, do Sudeste Asiático, das Américas e do Brasil encontra-se sumarizada no

Quadro 2. Em nosso continente, os acontecimentos relacionados ao Dengue vêm

ocorrendo com um intervalo de aproximadamente vinte anos, quando comparado aos

eventos registrados no Sudeste Asiático. Os esforços feitos por muitos dos países

americanos, ao perseguirem a meta de erradicação do Aedes aegypti impulsionados pela

possibilidade de reurbanização da Febre Amarela, dificultaram também a circulação dos

vírus do Dengue por um longo período, justificando essa diferença de tempo nas

histórias epidemiológicas do Dengue nos dois continentes. Nessa perspectiva podemos

projetar para o futuro do continente americano a possível continuidade das epidemias,

com o aumento gradativo ou súbito das formas severas da doença.

Nessa linha de preocupação, o Conselho Nacional de Saúde, após análise da

situação epidemiológica nacional e do Plano de Intensificação das Ações de Controle do

Dengue da FNS (MS/FNS, 1995b), por proposta da representante da Sociedade

Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) / Associação Brasileira de Saúde

Coletiva (ABRASCO), criou uma Comissão Técnica (CNS, 1995) que teve a tarefa de

examinar a possibilidade de transformar a intensificação do controle em um projeto de

erradicação do Aedes aegypti. Esta ação inédita do Conselho estimulou a mobilização

de setores da comunidade científica brasileira vinculados à ABRASCO, Sociedade

Brasileira de Medicina Tropical e Sociedade Brasileira de Parasitologia e a discussão

tem extrapolado para incluir setores mais amplos da sociedade brasileira.

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Neste sentido, em novembro de 1995, em Brasília, foi realizado o seminário

“Erradicação do Aedes aegypti: um desafio para as Américas”, organizado pelo

Conselho Nacional de Saúde e Ministério da Saúde por recomendação da Comissão

Técnica (CNS), tendo como principal objetivo ampliar a discussão e ouvir a opinião da

comunidade acadêmica e científica da área. Discutiu-se sobre a viabilidade,

factibilidade e oportunidade do Brasil elaborar e implantar um plano de erradicação do

vetor do Dengue. A Comissão Técnica apresentou, nesse seminário, um documento para

discussão (MS/CNS, 1995) que levava em consideração os argumentos favoráveis e

desfavoráveis a idéia de erradicação e apontava os princípios e diretrizes técnico-

políticas para a construção de um projeto de erradicação para o país: ter a participação

da sociedade; fortalecer a descentralização, segundo princípios e diretrizes do SUS; e

contribuir para a melhoria da qualidade de vida das populações urbanas.A maior parte

dos seus 120 participantes entenderam, após intensas discussões, que o país deveria

elaborar um programa de erradicação do Aedes aegypti e buscar apoio dos outros países

americanos no sentido disto vir a ser adotado como uma estratégia continental

unificada.

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Quadro 2 - Semelhança na Seqüência de Fatos que Causam Febre Hemorrágica doDengue (Fhd) no Sudoeste Asiático e nas Américas.

(Adaptado de Gluber, 1987)

Fatos Sudeste Asiático Américas* Brasil**

Aumento dadistribuição edensidade do Aedesaegypti

Durante e depois daII Guerra Mundial

1940 - 1970

Depois do insucessodo programa de

erradicação

1970 - 1990

Após a reintroduçãodo Aedes aegypti em

1976.

1976 - 1996

Aumento datransmissão dodengue

1950 - 1970 1970 - 1990 1982 - 1996

Vários sorotiposdengueconfirmados

1950 - 1970 1970 - 1990 1982 - 1996

Aumento dafrequência deepidemias

1950 - 1970 1970 - 1990 1986 - 1996

Casos esporádicosda FHDconfirmados

1950 - 1970 1970 - 1990 1991 - 1996

Primeira epidemiada FHD 1950 1981 1991

Diversas epidemiasda FHD comcentenas demilhares de casosnotificados emilhares de óbito

1950 - 19701960 - 1980

1980

1990 - 1996Milhares de casos ecentenas de óbitos.

1996 ... ?Risco de graves

epidemias da FHD

Fonte: Eric Martinez Torres. Dengue Hemorrágico em Crianças. Editora José Martí, 1990*Acrescentada a situação das Américas 1990 -1996. ** Acrescentada a situação do Brasil em todo operíodo.

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Com esse respaldo, o CNS/MS intensificou os trabalhos da comissão técnica e

ampliou o número de técnicos e pesquisadores envolvidos no processo, culminando com

a elaboração do Plano Diretor de Erradicação do Aedes aegypti (MS, 1996) que teve a

sua aprovação e regulamentação definido pelo Presidente da Republica e 16 Ministros

de Estado, através do Decreto no. 1934, de 18 de junho de 1996.

No plano externo, o Conselho Diretor da OPAS criou um Grupo Técnico

Assessor (OPAS, 1995c), com o objetivo de examinar a questão da erradicação do

Aedes aegypti nas Américas. Este grupo, reunido pela primeira vez em abril de 1996,

concluiu positivamente pela factibilidade, oportunidade e conveniência da erradicação

(OPAS, 1996). No plano interno tem-se intensificado a discussão do Plano Diretor com

amplos segmentos da sociedade, conselhos de saúde e técnicos e profissionais da área

da saúde. Enquanto o Plano de Erradicação em nível nacional está planejado para

iniciar-se no próximo ano, Projetos Pilotos estão sendo elaborados para serem

implantados em curto período de tempo, visando construir e acumular experiências com

relação as estratégias propostas.

6. Aedes aegypti: Controle ou Erradicaçäo?

Ao longo do tempo, a Saúde Pública vem desenvolvendo conhecimentos e

experiências para a prevenção de doenças e agravos específicos, que são idealmente

aplicados, de acordo com o desenvolvimento científico e tecnológico disponível para o

seu enfrentamento. Payne (1967) define vários estágios no processo de prevenção. O

primeiro nível é a prevenção aplicada ao indivíduo. O segundo nível é o controle

aplicado a uma comunidade, seja pequena ou grande; nesse patamar aceita-se a

ocorrência da doença com freqüência e/ou severidade reduzida, as quais podem variar

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com o problema de saúde e com a atitude da comunidade. O terceiro patamar é a

eliminação do agravo: neste estágio, seu efeito no homem é reduzido de modo a não

mais se constituir em um problema de saúde pública, pois a doença clínica é ausente ou

extremamente rara, embora o agente causal químico, físico ou biológico permaneça. O

quarto e último nível é a erradicação. Esta palavra é derivada da raiz latina “radix”, e

literalmente significa “arrancando-se pela raiz”. Trata-se de processo mais completo

que o da eliminação, pois pressupõe a extinção tanto da doença clínica como de sua

causa. É o último estágio de resolução do problema, o mais difícil de ser alcançado, mas

sem dúvida, o mais efetivo e eficaz.

Os parâmetros técnicos que mais têm sido utilizados na priorização de doenças e

agravos como objetos de intervenções são a magnitude, a transcendência, a

vulnerabilidade e o custo (Teixeira & Risi, 1995). Mede-se a magnitude pela

prevalência e pela incidência; a transcendência, pela gravidade e pelo valor social, ou

seja, seu impacto atual ou potencial e suas repercussões no desenvolvimento sócio-

econômico; e a vulnerabilidade pela existência de recursos tecnológicos para a

prevenção e controle. A análise desses parâmetros, bem como o cotejamento do volume

de recursos necessários e disponíveis, em tese, definem a meta final a ser alcançada pelo

programa: prevenção individual, controle, eliminação ou erradicação. Entretanto, no

mundo real, observa-se que a concretização das prioridades das ações de saúde resulta,

em ultima instância, de decisões de ordem política, com maior ou menor grau de

fundamentação nos conhecimentos técnicos científicos disponíveis. Estas decisões nem

sempre expressam os interesses ou necessidades dos grupos sociais atingidos pelo

problema em foco.

Por ser o dengue uma doença infecciosa e de transmissão vetorial, associado ao

fato da inexistência, até o momento, de uma vacina e de drogas antivirais, a questão da

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sua prevenção situa-se em torno de intervenções que limitem a população do Aedes

aegypti, podendo-se optar pelo controle, eliminação ou erradicação. O controle tem sido

definido como o uso integrado e seletivo dos diferentes métodos de combate vetorial de

forma eficaz, econômica e segura para reduzir o vetor e a transmissão a níveis aceitáveis

(OPAS, 1996b). Esses níveis não têm sido definidos quantitativamente. As

intervenções, para o controle, vêm sendo centradas em dois conjunto de ações: o

combate químico e o manejo ambiental (OPAS, 1995b, 1996). O combate químico

permite atuar nas formas larvárias ou adultas do vetor. As larvas são eliminadas em seu

habitat (coleções de água acumuladas) através do uso de larvicidas de poder residual e

as formas aladas através da pulverização do meio ambiente com inseticidas piretróides

ou organo-fosforados a ultra baixo volume (UBV). Tem-se experimentado, com

perspectivas promissoras, a utilização de métodos biológicos de controle de larvas

(OPAS, 1995b). O manejo ambiental, nos atuais programas de controle, tem, em geral,

ficado restrito à destruição de potenciais criadouros no ambiente domiciliar e peri-

domiciliar sem intervir em outros elementos da infra-estrutura urbana (coleta de lixo,

suprimento de água etc.) e do modo de vida das populações.

Apesar de vários países das Américas terem sido considerados como livres do

Aedes aegypti, em passado recente, existe a discussão sobre as dificuldades ou mesmo a

impossibilidade de se erradicar uma espécie biológica de uma extensa área geográfica.

Entretanto, este vetor não é autóctone desse hemisfério e sim do continente Africano, e

no nosso meio adaptou-se a ambiente estritamente humano, no domicílio e

peridomicílio (Amaral, 1983). Deste modo, por não ser encontrado em nicho natural,

possibilita uma maior eficácia das medidas de combate aplicadas, o que facilita a sua

erradicação.

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Com relação ao Dengue constata-se que o seu atual quadro de ocorrência no

Brasil define uma situação que poderíamos considerar de elevada magnitude, devido às

freqüentes e explosivas epidemias em importantes centros urbanos. Por sua vez, o

Dengue Hemorrágico e a Síndrome do Choque do Dengue, já estão presentes em

algumas áreas, associando-se a uma alta letalidade no estado do Ceará (MS/FNS,

1995a). A possibilidade do desencadeamento de epidemias explosivas dessa forma da

doença torna sua transcendência inquestionável. Por outro lado, a incidência do Dengue

Clássico tem sido muito elevada em várias capitais brasileiras, com repercussões na área

do absenteísmo ao trabalho e às escolas, pois em uma grande parte dos indivíduos

acometidos impede o desempenho das atividades habituais, durante vários dias. A

vulnerabilidade do dengue às ações preventivas se restringe ao impacto das ações de

combate ao mosquito transmissor, o Aedes aegypti. Neste contexto é que se deve

orientar a discussão sobre as alternativas: controle ou erradicação?

Argumentos favoráveis e desfavoráveis com relação a ambas alternativas têm

sido apresentados. Alguns estão sendo superados, construindo-se um consenso, outros

vêm causando dificuldades ou mesmo impasses no campo das idéias e das práticas a

serem estabelecidas. Os principais fatores que têm sido levantados como impeditivos

para o alcance da meta de erradicação incluem o fato do vetor já encontrar-se disperso

em quase todo o continente e em grande área do território brasileiro; a complexidade da

malha dos grandes centros urbanos; as dificuldades dos agentes sanitários e das ações de

saúde em atingirem as áreas de difícil acesso, como as favelas; e a inexistência de um

pacto continental de erradicação. Os defensores do controle argumentam ainda que este

só tem falhado em virtude das dificuldades administrativas e operacionais, e não por ser

tecnicamente incorreta. Por outro lado, teme-se que a opção por uma estratégia de

erradicação possa favorecer a retomada do modelo campanhista, no estilo de operação

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militar com comando único central, e como este modelo vertical se contrapõe às

diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), constitua-se em um novo obstáculo ao seu

desenvolvimento.

Em contrapartida, vários têm sido os argumentos dos defensores da erradicação.

O primeiro relaciona-se à necessidade de uma mudança de estratégia face à gravidade

da situação epidemiológica do Brasil e das Américas, com risco de ocorrência de

grandes epidemias de dengue hemorrágico e de Febre Amarela urbana, desde quando,

durante os últimos onze anos, período de existência dos programas de controle, não tem

sido registradas vitórias contra o avanço do dengue e do vetor. Destacam que o Brasil e

outros países americanos já erradicaram o Aedes aegypti, o que aponta para a

viabilidade de se repetir com êxito esta proposta e que, por outro lado, os meios de

comunicação, informação e educação evoluíram significativamente nos últimos anos,

possibilitando o enfrentamento das dificuldades relacionadas à complexidade da malha

urbana e o desenvolvimento dos trabalhos em áreas de difícil acesso. Apontam para a

possibilidade de construção de um consenso entre os países do continente americano

em torno de uma proposta de erradicação, como o exemplo recente da poliomielite, cuja

erradicação foi conquistada a partir de um pacto continental e de ações efetivas e

contínuas, cobrindo toda a extensão territorial dos países do hemisfério.

A reflexão sobre a epidemiologia do Dengue e os seus determinantes recoloca o

problema em uma esfera político - social mais abrangente, pois a reinfestação, pelo

Aedes aegypti,do continente e particularmente do Brasil, foi favorecida pelas péssimas

condições sanitárias dos centros urbanos, fruto da ocupação desordenada dos espaços e

dos insuficientes investimentos em saneamento básico. A despeito do desenvolvimento

industrial e urbano, as atuais condições de higiene das grandes cidades brasileiras, se

assemelham em muitos aspectos àquelas do início do século quando ocorreram as

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grandes epidemias de Febre Amarela. Os aglomerados populacionais, sob a forma de

favelas ou de habitações em palafitas, onde inexiste, em muitas áreas, a coleta de

resíduos sólidos; o acúmulo desses resíduos dentro e fora dos domicílios; os deficientes

sistemas de abastecimento de água levando ao seu armazenamento em condições

propícias ao desenvolvimento das formas evolutivas do vetor, são fatos que devem ser

considerados nesse debate atual, pois enfatizam a complexidade e a importância da

determinação social na ocorrência do Dengue. A inexistência de uma vacina eficaz e de

tratamento específico, diferencia o problema da erradicação do Dengue de outras

doenças anteriormente erradicadas. A necessidade de centrar-se o processo de

eliminação da circulação viral no combate ao vetor implica a impossibilidade de

dissociar-se o seu processo de prevenção de ações sobre os fatores condicionantes e

determinantes, o que significa intervenções que melhorem a qualidade de vida das

populações.

A simples proposta de controle vetorial tem sido alicerçada fundamentalmente

no combate químico, com intervenções restritas na área ambiental, organizadas ainda

em um modelo vertical e portanto sem nenhum poder de motivação da sociedade e

mesmo das populações envolvidas. As descontinuidades administrativas e operacionais

desses programas não são mais do que reflexos da sua baixa capacidade de gerar

compromissos sociais e da pouca priorização por parte do sistema político-

administrativo.

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7. Considerações Finais

A construção de um projeto nacional de erradicação, com as características

acima apresentadas, traz novos elementos que o tornam defensável, tanto do ponto de

vista técnico como político e social, além de se constituir em um experimento para

futuras inovações na área da saúde pública no país. Do ponto de vista técnico, ele é

inovador por considerar a questão da determinação da doença e apontar para uma

estratégia técnico-científica de enfrentamento, não apenas fundamentado em ações

sobre a base biológica do problema, mas, principalmente, sobre a sua base ambiental e

social. Do ponto de vista político, este é um projeto que nasceu fora da burocracia

estatal, na medida em que foi uma proposta de iniciativa do Conselho Nacional de

Saúde e que rapidamente mobilizou parcelas significativas da inteligência nacional e da

sociedade como um todo. A sua execução trará benefícios sociais de grande monta, pois

além da eliminação da circulação dos vírus do Dengue, terá impacto sobre a incidência

de doenças associadas à falta de saneamento básico como as diarréias, leptospirose,

hepatite A e cólera. O seu desenho impõe um desafio para a saúde publica no

continente, pois assume a maioria dos princípios e diretrizes que nortearam as reformas

sanitárias gestadas dentro dos movimentos populares e de profissionais de saúde: por ser

descentralizado, fortalece o processo da municipalização das ações de saúde; exige

ampla participação e compromisso social; envolve as três esferas de governo e vários

setores das suas organizações político-administrativa. Além disso, esse novo modelo de

erradicação estimula o desenvolvimento e a aplicação de novos conhecimentos

científicos e tecnológicos, ao tempo em que procura resgatar as experiências anteriores

de erradicação e de controle, enfatizando seus elementos positivos. Por fim, entende que

as ações químicas e de saneamento domiciliar e peri-domiciliar são relevantes, porém

insuficientes para a sustentabilidade dos resultados alcançados, a qual só se dará em

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função de ações estruturais sobre o espaço urbano em sua globalidade somadas às

iniciativas dos indivíduos de manter e preservar a qualidade do seu ambiente. A

convergência de todas essas ações deverá resultar na melhoria da qualidade de vida das

cidades brasileiras e do nível de educação sanitária de suas populações.

Pelo exposto acima, a concepção técnica, política e organizativa do Plano

Diretor de Erradicação do Aedes aegypti do Brasil deve ser defendida e a sua

implantação acompanhada e avaliada pelos profissionais da área de saúde pública e pela

sociedade em geral. Como tem ocorrido com a própria implantação do SUS e outras

conquistas sociais no país, possivelmente, no decorrer desse processo, muitas

dificuldades podem susrgir, particularmente no campo político - administrativo. A

comunidade científica, os profissionais de saúde e a sociedade, em geral, devem estar

mobilizados para lutar pela sua execução e pela observância das suas diretrizes.

Emanado do Conselho Nacional de Saúde, o Plano repõe questões essenciais para o

próprio SUS e, mais do que isto, para a própria saúde publica, ao possibilitar a

recuperação desta, como parte dos grandes movimentos pela melhoria da qualidade do

viver. As eventuais deficiências e insuficiências, devem ser entendidas como parte do

processo de sua construção e, na medida em que sua estrutura democrática e

participativa seja garantida e a gestação de alternativas seja estimulada, tais obstáculos,

por certo, poderão ser superados.

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Artigo 2

A CONCEPÇÃO DE “ESPAÇO” NAINVESTIGAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA

The Conception of Space in Epidemiological Investigation

Maria da Conceição Nascimento Costa Maria da Glória Lima Cruz Teixeira

Publicado nos Cadernos de Saúde Pública 15(2):271-279, abr-jun, 1999.

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RESUMO

As atuais fragilidades conceituais e metodológicas da epidemiologia são fatores

que têm restringido o estudo dos fenômenos de saúde que atingem as coletividades

humanas, e se constituído em um desafio para esta disciplina. Neste artigo alguns

princípios básicos são apresentados como resultado da observação do percurso da

geografia na definição do seu objeto - o espaço - e da sua aplicação na medicina e na

epidemiologia. Esses princípios fundamentam a pertinência da estratégia conceitual e

metodológica que tem como perspectiva a abordagem do espaço geográfico, já que este,

revestido do caráter social e humano, é entendido como expressão das condições de vida

da população. A aplicação desse conceito na prática da investigação epidemiológica

ainda é limitada, embora em outras áreas do conhecimento já se tem desenvolvido

algumas propostas de superação. Os estudos de agregados, cuja unidade de análise é o

grupo, mais freqüentemente os agregados espaciais, e o modelo ecológico que se baseia

na idéia de interrelação de fatores, se aperfeiçoado, podem vir a ser uma alternativa

promissora nesta direção. Os autores destacam que os investigadores devem ter a

totalidade como referência científica, visando garantir o não afastamento dos complexos

processos interativos determinantes dos fenômenos de saúde na população.

Palavras Chaves: Epidemiologia e Espaço; Geografia Médica; Epidemiological

Investigation.

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SUMMARY

Epidemiology’s conceptual and metodological weakness have been restricting

the study of health phenomena concerning to human communities and come to

constitute a disciplinary challenge. In this paper some basic principles are presented as a

result of observing the trajectory of Geography in the definition of its object – space –

and the application of this object to medicine and epidemiology. These principles state

the pertinence of a conceptual and methodological strategy wich has as perspective the

approach of geographic space meaning the living conditions of the population. The

application of this concept in the practice of epidemiological studies is still limited

although in orther areas of knowledge such proposals have already been developed.

Ecological studies, whose unit of analysis is the group and ecological model that is

based on the idea of the inter-relationship of factors, if improved, can come to be one

promising alternative in this direction. The authors emphasise that the investigators

should have wholeness as a scientific reference, aiming to guarantee the non-saparation

of the complex interactive determining processes of the phenomena of health in the

population.

Key Words: Epidemiology and Space; Medical Geography; Epidmiological

Investigation.

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1. Introdução

A existência humana é marcada pelas características biológicas dos indivíduos e

pela construção das interações sociais que compõem a história das sociedades. Por sua

vez, a formação destas abrange um mosaico de relações que as tornam estruturalmente

heterogêneas e estabelecem distintas condições econômicas e sociais para os diversos

grupos populacionais. Assim, a saúde e a oença devem ser entendidas como um

processo integrante da vida, pois no sentido mais amplo do conceito de enfermidade não

se vive absolutamente livre de algum tipo de doença (Castellanos, 1991). A investigação

da saúde-doença nas populações é complexa, envolvendo uma série de variáveis, o que

no atual estado da arte dificulta a apreensão da realidade.

A epidemiologia, disciplina cujo propósito fundamental é estudar a saúde-

doença enquanto fenômeno coletivo, tem sido desafiada a desenvolver bases conceituais

e metodológicas capazes de integrar o conhecimento biológico aos fenômenos sociais

(Possas,1989). Contudo, tem-se que se considerar que nenhum campo do saber, ou

qualquer categoria de estudo isolada, tem dado conta da pluralidade de fatores

implicados no processo saúde/doença, o que exige um esforço conceitual e

metodológico para a identificação de recortes mais adequados e de métodos mais

sensíveis para apreendê-los concretamente na prática investigativa. Assim, é necessário

o aporte de outros campos do conhecimento, adotando-se uma perspectiva inter (ou

trans) disciplinar.

Neste sentido, este ensaio tem como objetivo apresentar os fundamentos que

colocam o espaço, objeto da geografia, como uma categoria de estudo privilegiada para

a investigação do processo saúde-doença nas populações.

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2. A Geografia e a Definição do seu Objeto

Por ser considerada uma disciplina de síntese entre as ciências da natureza e as

ciências do homem, a geografia teve grandes dificuldades no campo epistemológico. A

imprecisão e conseqüente retardamento na definição do seu objeto de estudo, tornou

problemática a sua aceitação no meio acadêmico. Buscando um caráter científico, os

geógrafos apoiaram-se de início no modelo das ciências naturais (Vasconcelos, 1995),

calcado apenas na contemplação da natureza física do espaço, que em seu sentido mais

amplo e determinista corresponde a toda a superfície terrestre e a biosfera.

Somente no início do século XIX, na Alemanha, o conhecimento deste campo

do saber passou a ser sistematizado. Mantendo ainda a idéia de ciência de síntese, o

geógrafo alemão Humboldt restringiu a geografia ao estudo dos aspectos visíveis da

paisagem, porém avançou no sentido de procurar identificar a associação entre os

fenômenos da natureza buscando conexão entre os elementos. Por sua vez, Ritter, um

seu contemporâneo, enfatizava a individualidade do lugar, considerado um conceito

mais restritivo do pensamento geográfico, porém mais generalizador e explicativo da

natureza, porque tinha como finalidade entender o caráter particular de cada local, onde

o homem era seu elemento principal (Moraes, 1994). Fortalecendo ainda mais a visão

naturalista, Ratzel, nas últimas décadas do século XIX, define como objeto da geografia

o estudo da influência da natureza sobre os indivíduos e na sociedade, na qual sua ação

seria mediada pela riqueza que propicia. Para ele a natureza era fundamental para a

expansão de um povo e na formação do Estado, onde o território representava as

condições de trabalho e de existência de uma sociedade (Santos, 1980; Moraes, 1994).

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A concepção determinista da relação entre o homem e a natureza só foi rompida

quando o francês Vidal de La Blache, no final do século XIX e início do século XX,

ainda mantendo o pensamento positivista, define como objeto da geografia a relação

homem-natureza, entendendo o primeiro como um ser ativo que sofre a influência e ao

mesmo tempo atua sobre o meio. A natureza passou a ser vista como possibilidades para

a ação humana, razão pela qual tal movimento recebeu o nome de Possibilismo. A partir

de La Blache o conceito de região, originário da Geologia, foi explicitado e

humanizado, correspondendo a uma unidade de análise geográfica, sujeita a

delimitação, descrição e explicação, o que retrataria a forma dos homens organizarem o

espaço terrestre (Santos, 1980; Moraes, 1994).

Procurando compreender a manutenção e a ruptura do equilíbrio entre o homem

e a natureza, Max Sorre, na década de trinta, aperfeiçoou as concepções de La Blache, e

para isto, buscou relacionar conhecimentos de ciências afins como a biologia, sociologia

e a medicina, o que representou um avanço significativo na constituição da ecologia

humana. Ao formular a teoria de Complexo Patogênico (Sorre, 1955), criou o conceito

de habitat, apresentando a interrelação existente entre o homem, o agente biológico,

seus vetores e o ambiente. Este cientista destacou as conseqüências da relação dos

indivíduos com o meio, e a necessidade da geografia apreender tal processo (Ferreira,

1991; Moraes, 1994).

Além do Determinismo e do Possibilismo, a “Geografia Racionalista”

constituiu-se no outro grande movimento da “Geografia Tradicional”, diferenciando-se

dos anteriores por seu menor peso empiricista e maior ênfase no raciocínio dedutivo.

Para seu criador, o alemão Hettner, cujas obras foram publicadas entre 1890 e 1910, a

Geografia era a ciência que explicava as diferenças entre as porções da superfície

terrestre - as áreas. Possivelmente o domínio do Possibilismo e/ou o isolamento cultural

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da Alemanha naquela ocasião tenham sido os responsáveis pela pouca divulgação de

suas idéias, o que só ocorreu após as mesmas terem sido desenvolvidas e publicadas por

Hartshorne entre 1939 e 1959. Os conceitos básicos formulados por este americano

foram “integração” e “área”, sendo esta considerada como uma parcela da superfície

terrestre diferenciada pelo observador, construída no processo da investigação. Uma das

diferenças de sua proposta reside no fato de que para ele não seriam os objetos

singulares que definiriam as ciências e sim os métodos próprios, devendo a Geografia

nos seus estudos trabalhar o real na sua complexidade, lidar com suas inter-relações não

isolando os elementos (Santos, 1980; Moraes, 1994).

A globalização dos fluxos e das relações econômicas resultantes do

desenvolvimento do capitalismo, tornou a realidade muito mais complexa, fazendo com

que o planejamento territorial passasse a ser considerado como um instrumento

privilegiado para a organização do espaço, tal como o planejamento econômico era para

a intervenção do estado. As demandas decorrentes desse processo, aliadas às

fragilidades internas da própria disciplina, como a imprecisão do seu objeto,

contribuíram para o desencadeamento de uma crise na geografia, já que os seus

pressupostos cada vez mais tornavam-se insuficientes para responder e explicar as

mudanças que vinham ocorrendo (Santos, 1980; Moraes, 1994).

Neste contexto, surge o movimento denominado Geografia Pragmática, que,

mantendo as bases conceituais dominantes, apresenta-as numa feição tecnológica,

concretizada através da Geografia Quantitativa e da Geografia Sistêmica, que se

fundamentavam nos princípios da quantificação e no uso de modelos genéricos e teoria

dos sistemas, respectivamente. Outra vertente da Geografia Pragmática, a Geografia da

Percepção busca entender o valor subjetivo do território (Santos, 1980; Moraes, 1994).

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Embora os paradigmas da Geografia Tradicional já estivessem sendo

questionados desde os anos cinqüenta, foi na década de setenta que se tornou dominante

um novo movimento, a Geografia Crítica, com oposições radicais, que ultrapassavam os

limites acadêmicos, incorporando explicitamente a política no discurso científico e

estabelecendo suas raízes nas questões sociais. O espaço passa então a ser considerado

fruto da dinâmica de sua complexa organização e interações, incluindo todos os

elementos, inclusive o físico (Santos, 1980; Carmo et al, 1995) ou seja, é concebido

como espaço geográfico humanizado pelas relações sociais.

3. O Espaço Geográfico, a Medicina e a Epidemiologia

Atribui-se à Hipócrates (480 A.C.) os primeiros registros sobre a relação entre a

doença e o local/ambiente onde ela ocorre. No seu livro Ares, Águas e Lugares, além de

enfatizar a importância do “modo de vida” dos indivíduos, analisou a influência dos

ventos, água solo e localização das cidades em relação ao sol, na ocorrência da doença

(Trostle, 1986; Pessoa, 1978). Porém este enfoque analítico e ambiental foi logo

suplantado pela teoria da causa divina da doença (Trostle, 1986).

A aproximação entre o saber médico e a geografia só foi impulsionada a partir

do século XVI com os grandes descobrimentos, que colocaram a necessidade de se

conhecer as doenças nas terras conquistadas, visando a proteção de seus colonizadores e

o desenvolvimento das atividades comerciais. Esse período corresponde ao predomínio

da concepção determinista da geografia sobre a relação homem/natureza, de modo que

as características geográficas principalmente o clima eram colocadas como responsáveis

pela ocorrência das doenças. Tal movimento favoreceu o nascimento da Medicina

Tropical, especialidade médica que adota a concepção de que parte das doenças

infecciosas e parasitárias eram específicas de uma faixa do globo terrestre, os trópicos,

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onde o clima quente debilitaria o organismo humano expondo-o a estas enfermidades

(Pessoa, 1978). Durante os dois séculos seguintes predominaram na literatura médica

trabalhos eminentemente descritivos destacando a influência do meio ambiente sobre o

homem.

No século XIX, observa-se um intenso embate entre aqueles que acreditavam

que as doenças resultavam de miasmas (teoria miasmática) e os que consideravam que

estas eram causadas por organismos contagiosos propagados pelo contato ou objetos

contaminados (teoria do contágio). Na busca dos efeitos do ambiente sobre a saúde, os

trabalhos produzidos nessa época distinguiram-se por uma maior ênfase

biológica/contagionista, geográfica ou sociológica (Trostle, 1986).

Identifica-se como exemplo da corrente contagionista, o estudo de Snow em

1855, considerado um marco na constituição da epidemiologia, que, através da

distribuição espacial dos casos de cólera na cidade de Londres, consegue identificar o

veículo de transmissão da doença antes mesmo da descoberta dos micróbios. Os

trabalhos de Hirsh em 1860, representam a vertente geográfica com o privilegiamento

das categorias “tempo”e “lugar” nas suas análises enfatizando as comparações em

escala internacional. Por sua vez, os estudos de Virchow em 1847 e os de Durkheim em

1897, destacavam que os fatores sociais também desempenhavam um papel etiológico

causal (Trostle, 1986 ). Estes, ao lado dos estudos de Villermé em 1840, sobre a saúde

dos trabalhadores da indústria textil demonstrando a relação entre a saúde e os

processos produtivos em diferentes setores de Paris, e dos de Chadwick em 1842, sobre

a situação de saúde das classes trabalhadoras na Inglaterra, são considerados como

alguns dos principais representantes do movimento da Medicina Social originário da

França, que resultou em uma importante reforma sanitária nos estados republicanos da

Europa.

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O desenvolvimento da microbiologia no final do século XIX, trouxe como uma

de suas conseqüências a concepção da etiologia infecciosa da doença que privilegiava o

agente e considerava como secundário o papel de outros fatores inclusive os da

natureza. Contrapondo-se à hegemonia desta teoria neste período, destacam-se os

trabalhos de Max Von Pettenkofer, nos quais, sem negar a importância do agente

biológico, este higienista alemão considera a influência de elementos da geografia física

como o solo e a água na ocorrência e distribuição da cólera em Londres, fato que tem

sido interpretado como indicativo de ser o mesmo adepto da teoria da multicausalidade

na determinação da doença. Porém o paradigma da unicausalidade era hegemônico e foi

responsável pela estagnação da medicina quanto a compreensão da dinâmica das

doenças e das causas de sua distribuição geográfica (Pessoa, 1978).

É neste cenário que, apoiada na Clínica e na Estatística nasce a Epidemiologia,

preocupada em explicar a ocorrência das doenças transmissíveis, prevalentes na época.

Também ela adota o paradigma dominante da unicausalidade, e, apesar de ser a ciência

que pretendia estudar a ocorrência da doença nas coletividades, o seu foco central era o

indivíduo (8 1995).

Os estudos enfatizando o impacto do ambiente, especialmente o clima, sobre as

condições de saúde do homem voltaram a ser produzidos e valorizados no início do

século XX (Pyle, 1979), mas é entre as décadas de trinta e cinqüenta que se situa o

início da crise da teoria unicausal, com a constatação de que somente a presença do

agente não era suficiente para a produção de enfermidade, e do aparecimento de

determinadas nosologias nas quais não era possível a identificação de um agente

etiológico. Estes fatos aliados ao desenvolvimento das teorias do Complexo Patogênico

de Max Sorre e do Foco Natural de Pavlovsky favoreceram o florescimento da

concepção da doença como resultado do desequilíbrio ecológico. Para Sorre, o clima

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tinha um papel especial entre os elementos da natureza. Ele também se preocupava em

fornecer à geografia médica uma base conceitual que permitisse investigações

interdisciplinares, e além disso, apresentava os hábitos, as condições de habitação e a

ocupação como gêneros de vida, representando as possibilidades de constituição de

complexos patogênicos (Silva,1985). Apesar da maior capacidade explicativa desta

teoria, foram as idéias de Pavlovsky as mais debatidas e divulgadas no Brasil. Elas

pressupunham a interação homem-ambiente onde o desequilíbrio poderia produzir,

alterar ou transformar os focos de transmissão de doenças (Ferreira, 1991), porém

mostrou-se insuficiente para explicá-las enquanto fenômeno que se incorpora ao espaço

organizado pelo homem (Martins Júnior, 1997). Esta tendência ecológica mantém-se, e

principalmente nos anos sessenta observa-se o seu fortalecimento na medicina e na

epidemiologia. Os conceitos da ecologia são incorporados nos estudos do processo

saúde-doença contribuindo para o desenvolvimento da História Natural das Doenças e

do modelo da multicausalidade (Barreto, 1982). Os trabalhos realizados por Daggy

(1959), Manceau et al (1960), Kurland & Reed (1964) são alguns exemplos nos quais

pode ser observada a ênfase nos fatores ambientais, principalmente o clima, nas análises

sobre ocorrência das doenças.

A diferenciação social e cultural mais uma vez volta a ser considerada como

determinante da variabilidade espacial da saúde doença (Pyle, 1979), agora apoiada

principalmente nos recursos da epidemiologia (Almeida Filho, 1998). Entretanto, tais

fatores são encarados apenas como uma das características do ambiente, e portanto

colocados no mesmo patamar que o clima e o solo, entre outras.

Vale salientar que a epidemiologia, assim como a clínica, utilizava os conceitos

da geografia sem contudo estabelecer-se um diálogo entre estes campos de

conhecimento, existindo apenas esforços isolados não hegemônicos neste sentido.

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Os avanços alcançados pela matemática e pela estatística a partir das décadas de

sessenta e setenta, bem como o desenvolvimento da computação eletrônica, contribuem

para que a epidemiologia encontre sua identidade provisória e é também através desta

disciplina que se processa o esforço para a matematização da área da saúde (Almeida

Filho, 1998). Concomitantemente vai se acentuando neste campo um debate sobre a

importância dos fatores econômicos e sociais na determinação dos fenômenos coletivos,

que passam a ser entendidos não apenas como atributos individuais ou um elemento do

ambiente físico. Tal movimento já vinha sendo incorporado ao discurso da geografia

desde o início dos anos cinqüenta, conforme referido anteriormente. Estas ciências

questionam a abordagem reducionista até então adotada, apontando para a importância

de se estudar os fenômenos populacionais através de uma visão mais totalizadora,

considerando a historicidade de sua determinação. Nesta linha de investigação podem

ser citados os trabalhos de Barreto (1982), Silva (1985), Silva Júnior (1995), Paim et al

(1997; 1998); Barata et al. (1998).

4. A Transcendência do Espaço Geográfico

O espaço como uma totalidade, é uma instância da sociedade, ao mesmo título

que as instâncias econômica e cultural-ideológica. Os seus elementos - homens,

instituições, meio ecológico e as infra-estruturas - estão submetidos a variações

qualitativas e quantitativas, embora como realidade sejam uno e total (Santos, 1992). O

homem porém, não é apenas o habitante de um determinado lugar, mas é também o

produtor, o consumidor e membro de uma classe social, que ocupa um lugar específico

e especial no espaço, e isto também define o seu valor (Santos, 1993).

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O processo de ocupação do espaço, desde o seu início (passado) até o momento

(presente) se refletirá no futuro, e é parte inerente dos determinantes das condições de

vida (Santos, 1992). Assim, o espaço humano é necessariamente produto de uma série

de decisões que orientam sua organização, segundo os critérios hegemônicos em uma

dada formação econômica e social, seja pela movimentação do capital, seja pela ação

organizada e planejada da sociedade através do Estado, sendo um processo cheio de

densidade histórica. Conseqüentemente, o estudo do espaço presta-se a enfoques

interdisciplinares, envolvendo a sociologia, a história, a economia e o urbanismo, que

exigem da geografia um permanente intercâmbio cultural com as ciências do homem e

da vida (Ferreira, 1991).

O perpétuo processo de reorganização das formas que apresenta e o seu

conteúdo cultural, impõe que os estudiosos desse campo recorram ao conhecimento

histórico e cronológico. Este fato, induz uma maior aproximação entre a geografia e a

história, porque para explicar a organização atual do espaço, externada em grande parte

na paisagem, é necessário reconhecer a sua interrelação com o tempo (Andrade, 1994).

Este porém, nunca será diretamente percebido ou apreendido, desde que é filtrado pelos

agentes sociais - históricos (Almeida Filho, 1998). Um reflexo concreto desta

historicidade é o recente fenômeno da globalização oriundo da difusão generalizada das

técnicas e das informações, onde as cidades continuam combinando um grande número

de variáveis típicas desta época e de épocas passadas. Logo, na realidade, as metrópoles

não devem ser consideradas espaços homogeneamente globalizados e modernizados,

pois contêm elementos de diversas origens e idades com multiplicidade de relações de

capital, trabalho e cultura (Santos, 1997).

O esforço para atingir uma visão global, coloca para o investigador a

necessidade de utilizar não só sua capacidade de observação e reflexão como também

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investir na busca de inovações que facilitem o conhecimento da realidade (Andrade,

1994). As generalizações não podem ser feitas, já que as pessoas não são atingidas igual

e linearmente pelas transformações sociais (Santos, 1993), impondo-se interpretações

mais profundas e multilaterais das realidades.

Assumido nessa concepção, o espaço geográfico apresenta-se para a

epidemiologia como uma perspectiva singular para melhor apreender os processos

interativos que permeiam a ocorrência da saúde e da doença nas coletividades. De

acordo com Silva (1997), pelo fato da geografia marxista e da epidemiologia terem

como objeto o centro de uma rede de relações ampla e complexa que não se adequa a

uma visão metodológica estreita, tornou-se bastante interessante para esta última

disciplina o modo como aquela corrente da geografia trabalhou a categoria espaço,

valendo-se da análise do processo de sua organização como esteio das referidas

relações, dando coerência a um aparente caos.

O estudo da constituição dos diferentes espaços recuperando a sua historicidade

permite uma aproximação da realidade sem minimizar a sua complexidade. Entendendo

que a produção e distribuição da doença e a constituição do espaço têm os mesmos

determinantes, este último, enquanto expressão das condições de vida dos segmentos

que o ocupa, representa a mediação passível de informar certas relações entre a

sociedade e a saúde (Paim, 1997).

5. Limitações Metodológicas e Possibilidades de Superação

Mesmo reconhecendo que as abordagens individuais e populacionais não são

excludentes, a epidemiologia ao investigar a saúde e a doença continua dando mais

crédito às correlações individuais (Castellanos, 1998), quando deveria adotar uma

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abordagem contextual para estar em consonância com a estrutura epidemiológica dos

coletivos humanos (Almeida Filho, 1998). As fragilidades conceituais e metodológicas

no estudo desse processo enquanto fenômeno coletivo têm sido mascaradas pela

interpretação do coletivo como uma associação estatística de dados individuais (Breihl,

1991).

Essa disciplina tem sido então desafiada a aportar os conhecimentos necessários

à superação da crise atual de modo que realmente possa subsidiar o planejamento e

consequentemente, as ações de saúde (Rabello, 1996; MS/CENEPI, 1993). Para isto,

será preciso que novos modelos interpretativos da saúde/doença sejam construídos, de

uma maneira que os torne capazes de integrar conceitos sistêmicos e causas

independentes, pela historicidade do processo e seus determinantes. Concomitantemente

deverão ser buscadas alternativas metodológicas para a pesquisa de processos e práticas

sociais ligadas à saúde (Almeida Filho, 1998). Como salienta Krieger (1994), a rede de

causalidade não atende a esta necessidade por ser orientada pelo pensamento biomédico

e individualista, pois a mesma foi elaborada apenas para dar conta da interrelação

simultânea dos vários fatores envolvidos na produção das doenças. Para se adequar a

uma teoria que realmente integre os conhecimentos biológico e social, a autora sugere

ao invés da rede, uma metáfora a qual denomina de “ecosocial” que corresponderia a

uma estrutura de um objeto de natureza fractal, vez que a interrelação entre os fatores

deve ser entendida como existindo em todos os níveis, do sub-celular ao social,

repetindo-se indefinidamente.

Inicialmente utilizado pela epidemiologia como uma tentativa de integrar o

biológico ao não biológico (Silva, 1985), o espaço geográfico era considerado um lugar

estático, isolado, sem dimensão histórica (Carmo et al, 1995). Ao revestir-se de caráter

social, ele passa a atender também as necessidades explicativas da concepção de

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determinação social da doença visto permitir que os diferentes fatores que compõem a

estrutura epidemiológica sejam analisados numa perspectiva dinâmica e histórica

(Barata, 1985), estando a sua compreensão diretamente articulada à formação

econômico-social (Laurell, 1983).

O conceito de espaço social recupera a historicidade, incorpora a dinâmica de

sua organização, a complexidade das interações e a totalidade de sua constituição

(Carmo et al, 1995). Desta forma, a distribuição espacial da doença representa a

realização manifesta ou empírica dos processos geradores subjacentes (Mayer, 1983), e

o seu estudo capta a dinâmica da estrutura epidemiológica (Silva, 1985), já que o perfil

epidemiológico dos diferentes espaços é criado pela interação das relações sociais que

caracterizam a sua organização, e modifica-se através do tempo conforme o momento

histórico em que se encontre o estágio de desenvolvimento das forças produtivas e das

relações sociais, as quais são os fatores definidores da organização do espaço (Breilh,

1991).

Apesar do conceito de espaço social adequar-se enquanto formulação teórica

para a explicação da ocorrência e da distribuição da doença, para que se alcance a

construção do coletivo, é indispensável, além do referencial teórico, o emprego de

métodos e técnicas competentes (Breilh, 1991). Nesta sentido, o antigo instrumento da

cartografia vem sendo utilizado com mais freqüência através das modernas técnicas de

computação eletrônica (Medronho, 1995; Barreto, 1993) e servindo como uma

ferramenta auxiliar de maior precisão e capacidade operacional na apresentação e

intrepretação de informações espaciais.

No momento atual a epidemiologia defronta-se com a incapacidade de

operacionalizar os seus novos paradigmas que têm nos objetos totalizados e na

determinação não linear algumas de suas propriedades fundamentais (Almeida Filho,

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1998). Alguns esforços nessa direção vêm sendo desenvolvidos por autores latino

americanos, tanto no campo teórico como prático. Samaja (1996), discute as limitações

dos tipos de amostras que vêm sendo tradicionalmente utilizada na epidemiologia

sugerindo sua substituição por uma “representatividade qualitativa” sustentada em

tipologias espaço-populacionais. Outros (Silva Júnior, 1995; Barata, 1998; Paim, 1997 e

1998), vem trabalhando objetivamente em alternativas para a operacionalização da

vigilância da situação de saúde segundo condições de vida, como proposto por

Castellanos (1991; 1998) cuja abordagem privilegia a categoria espaço desenvolvendo

uma metodologia específica, que se encontra em processo de validação.

O modelo ecológico, por se basear na idéia de interrelacionamento entre fatores,

tem sido apontado como o precursor teórico mais avançado para o estudo da

determinação da doença na perspectiva de integrar o conhecimento biológico e social

(Barata,1985; Almeida Filho, 1998), porém ainda não permite a interpretação fiel da

realidade para transformá-la (Barata, 1985). Apesar de já se encontrar quase esquecido

pelos epidemiologistas, este modelo, se melhor fundamentado através da incorporação

da dinâmica do processo, poderá ser aperfeiçoado e se constituir em uma alternativa

(Almeida Filho, 1998).

Na prática investigativa, os desenhos de estudos de agregados, são considerados

pela epidemiologia clássica como de segunda linha (Kleinbaum et al, 1982; Rothman,

1986). Todavia, este tipo de estudo, apresenta-se como a mais adequada ou talvez a

única estratégia metodológica para a apreensão da complexidade desses fenômenos,

pelo fato de usar mais freqüentemente os agregados espaciais como unidade de análise,

e portanto, tomar rigorosamente a dimensão coletiva (Castellanos, 1998; Almeida Filho,

1998; Possas, 1989; Schwartz, 1994). Assim, os efeitos resultantes da agregação nesses

estudos devem ser valorizados ao invés de julgados como restrição, pois os mesmos

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tornam evidentes processos que muitas vezes produzem efeitos imperceptíveis no

âmbito individual (Almeida Filho, 1998).

Apesar das possibilidades que representa, a abordagem que tem como referência

a concepção de “espaço social”, não vem sendo adequadamente operacionalizada visto

que ainda emprega variáveis, indicadores e medidas de um modo que termina por

reduzir esse conceito. Logo, torna-se necessário o desenvolvimento de um instrumental

metodológico capaz de abordar esta questão entendendo a saúde e a doença enquanto

totalidade, ou que se faça uma apropriação competente daqueles já desenvolvidos em

outras áreas do conhecimento, a exemplo da Química e da Economia (Almeida Filho,

1998).

A complexidade do enfoque conceitual de espaço, proposto pela Geografia

Crítica e posteriormente desenvolvido por vários autores, tem levado a uma

perplexidade ou mesmo a uma imobilidade para a sua operacionalização face a

intrincada dimensão que assume a questão. Entretanto, este impasse deve ser superado

pois por mais complexa que seja a situação, historicamente sempre que se verifica a

insuficiência de um paradigma estabelecido, o homem é instigado a identificar novos

caminhos que aportem aspectos essenciais da solução. O importante no atual estágio do

conhecimento é se ter a totalidade como referência científica, para garantir o não

afastamento dos complexos processos interativos determinantes dos fenômenos que

ocorrem em cada espaço social.

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Artigo 3

ÁREAS SENTINELAS: UMA ESTRATÉGIADE MONITORAMENTO EM SAÚDE

PÚBLICA

Maria da Glória Lima Cruz Teixeira1

Maurício Lima Barreto1

Maria da Conceição Nascimento Costa1

Agostino Strina1

David Martins Júnior1

Matilde Prado1

Encaminhado para ser submetido a apreciação do Conselho Editorial da Revista da OrganizaçãoPanamericana de Saúde

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RESUMO

Eventos, redes de profissionais e unidades de saúde selecionados como

sentinelas têm sido utilizados para alertar o sistema de saúde quanto a necessidade de

intervenção e aportar subsídios ao diagnóstico e análise de situação e de agravos

específicos. Este artigo tem o objetivo de apresentar as bases metodológicas de uma

estratégia para monitoramento de problemas de saúde que emprega espaços intra-

urbanos denominados de “áreas sentinelas” para coleta de informações sociais,

econômicas e comportamentais para uso em Saúde Pública que permitam uma maior

aproximação com a realidade de espaços sociais complexos. Estes espaços

populacionais para monitoramento devem representar as características de uma

determinada situação ou problema e possibilitar a identificação de necessidades sociais.

A inferência a partir desta estratégia não está necessariamente embasada na

“representatividade quantitativa” mas incorpora o elemento da “representatividade

qualitativa” fundamentada em amostras caracterizadas por tipologias prévias de

unidades espaçiais representando distintas realidades. A seleção das áreas deve observar

critérios consonantes com as finalidades para as quais se propõe e com a factibilidade

das atividades a serem desenvolvidas. Os autores apresentam uma experiência que está

sendo desenvolvida em Salvador-Bahia/Brasil, para avaliação de impacto

epidemiológico resultante da implantação de um programa de saneamento ambiental –

Programa Bahia Azul. Destacam os critérios de seleção das áreas e as potencialidades

de uso desta estratégia por possibilitar o emprego dos recursos epidemiológicos pelos

serviços de saúde de forma ágil e a aplicação de seus resultados na reorientação e

aprimoramento das práticas de intervenção em saúde.

Palavras Chaves: áreas sentinelas; monitoramento; saúde pública, vigilância

sentinela.

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SUMMARY

Sentinel events, health professionals or health care units networks and sentinel

health facilities have been used to alert the health care system for needed interventions

and to provide data for information systems, allowing for more appropriate health

diagnostic or health problems analysis. In this article, methodological fundamentals of a

health monitoring strategy are presented, based on collecting social, economic and

behavior information, to be used by public health workers. This monitoring strategy

comprises the follow-up of inner cities sections named sentinel areas. With this data, it

will be possible to obtain information that represents a closer insight of high complexity

contexts. Inferences do not rely on the concept of "quantitative representativeness", but

in the "qualitative representativeness", drawn from a previous created tipology that

permits the identification of distinct realities. Using sentinel-areas we intend to have a

better understanding of contextual characteristics or problems, and the identification of

social needs. The sentinel-areas selection needs to be coherent with the objectives and

the feasibility of the activities to be implemented. A health impact evaluation project,

which has been carried out in Salvador-Bahia, Brazil, as part of an environmental

sanitation program, the "Bahia Azul Program", is presented as a case-example.

Emphasis is given to selection criteria of the sentinel-areas and in the potential benefits

of this approach, that uses rapid assessment epidemiology tools.

Key Words: sentinel areas, monitoring, public health, and sentinel surveillance.

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1. Introdução

A coleta sistemática de informações epidemiológicas é fundamental para o

diagnóstico de situações, análise de tendências, predição de situações futuras,

identificação de grupos populacionais ou espaços geográficos com maior

vulnerabilidade, identificação dos fatores determinantes dos problemas que afligem as

populações, avaliação do impacto de programas de intervenção, dentre outros. Os sub-

sistemas que compõem o Sistema de Informações em Saúde (SIS), existentes no Brasil e

em muitos países latino americanos, são compartimentalizados e não se compatibilizam

(morbidade por doenças de notificação compulsória, morbidade hospitalar, mortalidade,

nascidos vivos, etc) o que dificulta as análises de situação de saúde, principalmente

pelos profissionais da rede de serviços.

A conformação destes sub-sistemas têm obedecido a uma lógica centralizadora e

vertical, cujos dados coletados a nível periférico são consolidados nos níveis centrais do

aparelho de estado, formando grandes bases de dados nacionais1. A desagregação das

informações a partir destas bases para se proceder a análises epidemiológicas

territorialmente estratificadas, particularmente, quando se trata de grandes centros

urbanos, é complexa, ou muitas das vezes não exequível.

Atualmente, a disseminação das ferramentas computacionais e analíticas e a

disponibilização desses bancos de dados via CD-Rom e Internet tem facilitado, em

parte, o uso mais sistemático dos dados pelos sistemas locais de saúde. Entretanto, as

informações existentes não são adequadas para a captação dos contextos sociais,

econômicos e culturais nos espaços onde os eventos ocorrem, mesmo quando se acresce

dados oriundos de sistemas extra setoriais como de saneamento, demográficos e

educacionais.

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2

2,3,4

Este artigo apresenta as bases metodológicas de uma estratégia para

monitoramento de problemas de saúde que emprega espaços intra-urbanos delimitados,

denominados de “áreas sentinelas”. Os autores discutem as potencialidades do uso

desta estratégia como forma complementar aos sistemas existentes de coleta de

informações com vistas ao aperfeiçoamento das práticas de diagnóstico e análise de

situação e do planejamento e avaliação de impacto das ações de saúde, particularmente

no nível local de grandes centros urbanos.

2. Monitoramento Sentinela em Saúde

O termo monitoramento é utilizado em vários campos do conhecimento com

diversos significados, como acompanhar e avaliar, controlar mediante

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acompanhamento, olhar atentamente, observar ou controlar com propósito especial5. A

estratégia apresentada neste artigo assume uma das definições para monitoramento no

campo específico da saúde pública apresentadas por Last6: “elaboração e análise de

mensurações rotineiras visando detectar mudanças no ambiente ou no estado de saúde

da comunidade” (grifos dos autores). Seguindo esta linha, descreve-se princípios e

procedimentos fundamentais para se instituir um sistema de coleta de dados para o

acompanhamento de alguns problemas de saúde típicos de grandes cidades, na

perspectiva de aportar subsídios ao diagnóstico e análise de situação de saúde.

Uma técnica de monitoramento clássica da saúde pública é a vigilância

epidemiológica, desenvolvida com o objetivo de acompanhar e analisar,

sistematicamente, um elenco de doenças predefinidas, com o propósito de orientar as

intervenções necessárias ao seu controle, eliminação ou erradicação7. Essa sistemática,

quando bem conduzida, possibilita, no mais das vezes, a intervenção oportuna sobre

eventos para os quais se destina e que, em geral, são vulneráveis a instrumentos de

prevenção8. Trata-se de um sistema inicialmente condicionado ao conhecimento das

notificações universais das doenças sob vigilância, as quais são obtidas por meio da

coleta contínua de dados que, para ser útil deve estar articulada à condução e avaliação

dos Programas de Prevenção e Controle em Saúde Pública. Estes, por sua vez, utilizam

as informações oriundas da vigilância epidemiológica e de vários sistemas de

informações, e coletam outros dados epidemiológicos e operacionais de acordo com a

especificidade de cada agravo, as metas estabelecidas, e os mecanismos e estratégias de

acompanhamento e avaliação.

Para a vigilância epidemiológica, o conhecimento de todos os casos suspeitos ou

confirmados de uma doença ou agravo é de fundamental importância, principalmente

para doenças que dispõem de instrumentos de intervenção capazes de interromper a

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cadeia de transmissão dos agentes. Exemplos clássicos que se enquadram nesta

condição são as infecções causadas pelo C. diphteriae e as situações de suspeita de

exposição de indivíduos ao vírus da raiva. Reconhece-se todavia, que muitos dos

problemas de saúde das populações prescindem do conhecimento de todos os casos para

o planejamento e execução de efetivas intervenções coletivas, e portanto, demandam a

organização de outras formas de coleta de dados e de monitoramento, operacionalmente

mais ágeis.

O termo “sentinela”, quando utilizado em saúde pública, vem antecedido de

diversos substantivos como sítios, eventos, populações, que têm como eixo comum a

coleta de um campo restrito de informações com sensibilidade para monitorar um certo

universo de fenômenos9. Esta designação foi empregada pela primeira vez pela

vigilância epidemiológica quando, em 1976, Rutstein e colaboradores10, chamaram a

atenção para a necessidade de se identificar “eventos sentinelas” em saúde, definindo-os

como doença prevenível, incapacidade ou óbito evitável, a exemplo de casos de difteria

e cegueira em pacientes com glaucoma crônico. Estes autores defendiam o princípio de

que a ocorrência de um evento sentinela deveria ser seguido da pergunta - por que isto

aconteceu? - e imediata investigação epidemiológica. A partir deste princípio foi

elaborada uma seleção de doenças ocupacionais de fácil reconhecimento clínico, que

dispunham de instrumentos de prevenção ou tratamento e que, portanto, justificava uma

cuidadosa pesquisa para identificar as falhas na atenção médica e adoção de medidas

para impedir novas ocorrências11. Nos anos seguintes, este conceito foi sendo ampliado

passando a incluir não só eventos únicos, como também, eventos raros localizados, e

mudanças em padrões lógicos de ocorrência12.

Com esta conotação, os sistemas de vigilância epidemiológica de doenças

transmissíveis vêm utilizando hospitais especializados como “unidades de saúde

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sentinelas”, que, na sua maioria, são os antigos hospitais de isolamento, existentes em

muitas grandes cidades, e que ainda mantêm a tradição de internar, quase que

exclusivamente, doenças infecciosas. Deste modo, a elevação no número de casos de

doença grave que exige atenção hospitalar, tem reflexo imediato no número de

internamentos destas unidades, funcionando como alerta para investigação e adoção de

medidas de controle13.

Nas duas últimas décadas têm sido desenvolvidas em vários países novas

estratégias com o propósito de instituir modalidades especiais de coleta de informações

de morbidade de doenças transmissíveis e não transmissíveis e de padrões

comportamentais, que são organizados de modo diversificados de acordo com os

problemas que se quer monitorar14,15. Entre elas encontram-se os sistemas que coletam

dados mediante informantes chaves, especialistas ou clínicos gerais, que formam redes

de profissionais sentinelas. Uma recente avaliação de algumas dessas redes de coleta de

dados constatou a validade das informações geradas por este método, apontando

inclusive para a possibilidade de estender seu uso para estudos epidemiológicos

analíticos além dos descritivos para os quais já vinham sendo aplicados16.

A área de saúde ambiental também se apropriou da estratégia de identificação de

eventos sentinelas, a exemplo de malformações congênitas, tipos específicos de

cânceres, alergias não usuais, visando investigar a associação com riscos ambientais e

conseqüentes intervenções. Os requisitos definidos para a instituição de um sistema de

vigilância sentinela ambiental também são a pré-definição e registro de uma lista de

agravos e análises epidemiológicas para identificação de padrões e de suas alterações12.

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3. Monitoramento de Áreas Sentinelas

Na América Latina vem sendo desenvolvidas experiências localizadas de uma

nova estratégia de acompanhamento de problemas de saúde mediante a seleção e

delimitação de espaços intra-urbanos, denominados de “áreas sentinelas”, diferenciados

entre si, de modo a representarem as características de uma determinada situação,

problema, ou mesmo a identificação de necessidades sociais, particularmente de saúde.

Em analogia com a escolha de pontos estratégicos para o monitoramento de

poluição ambiental, as áreas sentinelas lança mão de pontos hierárquicos de observação,

representados pelos espaços populacionais, onde se acompanha traçadores específicos

de problemas de saúde, econômicos e sociais com potencial para gerar conhecimentos

que contribuam para o entendimento da estrutura epidemiológica das populações sob

vigilância, em cada contexto9. Essa dinâmica alimenta a formulação de diagnósticos dos

problemas de saúde e conseqüentes definições dos processos de intervenção para cada

situação particular.

A generalização ou extrapolação a partir de informações geradas com o emprego

desta estratégia é possível, na medida em que se incorpore ao conceito de “áreas

sentinelas” a noção de ”representatividade qualitativa”, que, para possibilitar a

inferência, ao invés de utilizar argumentos formais baseados em probabilidades

estimadas a partir das propriedades das distribuições estatísticas obtidas de grande

número de amostras como acontece na “representatividade estatística”, sustenta-se em

argumentos substantivos, pois são considerados os conhecimentos pré-existentes sobre o

universo e as unidades espaço-populacionais estudadas para formar elementos de juízo

sobre diferenças e semelhanças encontradas. A pertinência deste argumento encontra-se

no fato desta estratégia não estar direcionada para o conhecimento quantitativo, e sim,

para a detecção de indícios de alterações nos padrões normais ou de ocorrência de novos

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problemas de saúde. As modificações dos padrões epidemiológicos devem servir como

“vozes de alerta” para motivar e orientar a intervenção, detectar impacto, ou mesmo

indicar a necessidade de execução de estudos especiais9.

Estratégia desta natureza foi implantada, em 1986, pelo UNICEF na Guatemala

e posteriormente na Nicarágua e Honduras, para estudar tendência de mortalidade

infantil, cobertura vacinal, conhecimento e uso de terapia de rehidratação oral, grau de

alfabetização, dentre outros, cujos resultados vêm se constituindo em fonte

complementar e elemento irradiante do sistema rotineiro de informações17.

Em uma grande e complexa cidade brasileira - Salvador/Bahia - também foram

constituídas “áreas sentinelas” com o objetivo de avaliar o impacto sobre a saúde da

população resultante da implantação de um extenso projeto de intervenção ambiental

centrado em esgotamento sanitário, ampliação da rede de abastecimento de água e

melhoria do sistema de coleta de lixo, denominado de Programa Bahia Azul18. No curso

desta experiência, cujo desenho será apresentado a seguir, foi-se constatando a riqueza

de informações que estavam sendo obtidas e as possibilidades de utilização destes

espaços para responder a algumas perguntas demandadas pela equipe de vigilância desta

cidade. Os resultados deste trabalho, ainda que preliminares, já estão se constituindo em

fonte complementar de informações para as análises de situação de saúde e propiciando

o desenvolvimento de estudos epidemiológicos especiais desenhados pela equipe de

investigadores.

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4. Pressupostos e procedimentos para constituição das “áreassentinelas” de Salvador

As discussões sobre o desenho para avaliação do impacto do Programa Bahia

Azul sobre a saúde da população, resultaram na indicação de um estudo longitudinal

com dois componentes: o primeiro de acompanhamento de morbidade e mortalidade de

doenças relacionadas com o saneamento utilizando-se de dados oficiais secundários; e,

o segundo, sobre os episódios e duração de diarréias infantis agudas, prevalência de

geohelmintoses e influência destas condições sobre o crescimento e desenvolvimento

infantil. A inexistência de registros sistemáticos destas últimas informações apontaram

para a necessidade de coleta de dados primários, mas a extensão geográfica e densidade

populacional da cidade não permitia a implantação de um sistema universal. Elegeu-se

então a utilização de espaços intraurbanos - “áreas sentinelas”- para se efetuar o

monitoramento do segundo componente por ser mais simples, apresentar sensibilidade

para avaliação de impacto no padrão de saúde e ser de custo operacional compatível

com o disponível para a avaliação.

Os critérios para a seleção e delimitação das “áreas sentinelas” de Salvador

foram consonantes com o propósito da sua implantação e com a factibilidade das

atividades a serem desenvolvidas. Para uma primeira aproximação com a realidade de

saúde e saneamento da cidade foi feito um levantamento dos dados oficiais e de

publicações científicas existentes sobre a estrutura social e econômica da cidade, sua

extensão geográfica; freqüência dos problemas que se pretendia monitorar, recursos

disponíveis para o empreendimento, dentre outros. Decidiu-se que, para a caracterização

e delimitação inicial das áreas, poder-se-ia utilizar fontes de informações secundárias

formais ou informais, mesmo que não fossem rigorosamente precisas, pois aquelas

consideradas mais relevantes para os problemas que se desejava estudar, poderiam ser

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levantadas no início ou no curso do acompanhamento para aperfeiçoamento dos

critérios de classificação dos espaços, de acordo com novos padrões identificados.

Para a constituição destas “áreas sentinelas” e para os estudos de

monitoramento, alguns requisitos básicos foram atendidos, tais como, registro de

número suficiente de variáveis para possibilitar o enriquecimento das análises sem

perder de vista a sua operacionalidade e seleção de eventos (fatores de risco, doenças,

agravos, etc) com freqüência suficientemente alta cujas modificações pudessem ser

observadas em amostras pouco numerosas.

Para a seleção das “áreas sentinelas”, foi considerado que o acesso a saneamento

básico e nível de renda constituiam-se em um proxy relativamente válido e objetivo das

condições de vida19. Utilizando-se dados do Censo Demográfico de 1991, os 1765

Setores Censitários (SC) de Salvador foram classificados em 3 níveis de saneamento

(predominantemente saneados, quando 80% ou mais dos domicílios do setor eram

saneado; moderadamente saneados, quando a proporção de domicílios saneados era de

50-70%; não saneados, quando menos de 50% dos domicílios eram saneados), e três

níveis de renda familiar (alta, quando em mais de 50% dos domicílios a renda familiar

era maior que 5 salários mínimos; média, quando não havia predomínio de domicílios

onde a renda familiar era alta ou baixa; baixa, quando em mais de 50% dos domicílios a

renda familiar era inferior a 1 salário mínimo). Como no estrato de renda familiar alta

não houve nenhum setor que se enquadrasse nos níveis de moderadamente saneado ou

não saneado foram constituídos apenas sete tipos de estratos: a) renda familiar alta e

predominantemente saneado; b) renda familiar média e predominantemente saneado; c)

renda familiar média moderadamente saneado; d) renda familiar média e não saneado;

e) renda familiar baixa e predominantemente saneado; f) renda familiar baixa e

moderadamente saneado; g) renda familiar baixa e não saneado. Cada um dos SCs foi

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classificado em seu respectivo estrato de renda e saneamento para em seguida,

identificar-se em qual Bacia de Esgotamento (BE) e Zona de Informação (ZI) pertencia.

Esta última corresponde a cada uma das 75 áreas em que a cidade foi subdividida pela

Companhia de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Salvador (CONDER), de

acordo com critérios físico-urbanísticos, administrativos, de planejamento, e de

compatibilização com os SC da cidade19.

Para maximizar a capacidade de apreensão do impacto epidemiológico que

porventura venha a ocorrer em função da implementação progressiva do Programa

Bahia Azul, optou-se por privilegiar condições extremas, quando dos procedimentos da

escolha destes sítios. Definiu-se então que seriam estudadas 30 unidades amostrais, três

para cada BEs, sendo 27 selecionadas nos espaços geográficos superponíveis a 9 das 18

bacias a serem beneficiadas pelo referido programa, e três em uma área (Barra), que

apesar de não incluída no programa já se encontrava saneada. Foram sorteadas 24

unidades amostrais nos estratos “e”, “f “, e “g”, localizadas em 8 BEs (Calafate, Cobre,

Lobato, Mangabeira, Médio Camurujipe, Paripe, Periperi e Tripas), e três foram

selecionadas em diferentes estratos na Bacia de Armação, também pertencente ao grupo

que seria beneficiado, mas que no início da investigação, já se encontrava com as obras

de esgotamento sanitário em fase de implantação. O “padrão ideal” de referência foi

constituído pelas três unidades localizadas na bacia da Barra, área nobre da cidade,

correspondentes a SCs escolhidos no estrato “a”. Para a delimitação destas áreas

utilizou-se mapas fornecidos por instituições oficiais que continham a definição dos

limites dos SCs e das ZIs e a localização das BEs19,20.

Após a conclusão desta fase de constituição das “áreas sentinelas”, foi realizado

um censo populacional em cada uma delas, que serviu para a formação de um banco de

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dados das famílias e dos indivíduos residentes, que vem viabilizando a construção de

amostras específicas para estudos de várias naturezas.

Esta experiência vem apresentando algumas importantes contribuições ao

sistema de saúde, como o acompanhamento de ocorrência de diarréia na população de 0

a 3 anos nas “áreas sentinelas”, que mostram a não uniformidade na distribuição da

“prevalência longitudinal” e da incidência destes episódios nas diferentes áreas, sendo

os valores mais baixos observados em crianças residentes nas áreas com melhores

condições de saneamento. A comparação destes resultados com aqueles que serão

obtidos após a implantação da intervenção ambiental irá indicar o impacto alcançado

pelas obras de saneamento20,21. Também estão sendo conduzidos estudos de prevalência

de parasitos intestinais e de taxas de reinfecção em populações de escolares20,22; sobre a

situação de saneamento ambiental; soroprevalência e incidência das infecções pelos

vírus do dengue23; fatores de risco da soronegatividade para anticorpos IgG contra o

sarampo24; prevalência de diabetes e doenças cardiovasculares; estudo antropológico do

processo perceptivo quanto a situação ambiental, dentre outros.

Os resultados preliminares de alguns destes estudos, já estão apontando para a

riqueza e oportunidade de uso desta estratégia, subsidiando a vigilância epidemiológica

da cidade com informações acerca da elevada soroprevalência de dois sorotipos dos

vírus do dengue e da sua intensa circulação em período considerado de baixa

endemicidade, até então desconhecidas, e na identificação dos determinantes da

distribuição desigual da diarréia infantil, além de possibilitar a realização de um estudo

caso-controle para identificação de fatores de risco para soronegatividade para

anticorpos IgG contra o sarampo em uma situação de cobertura vacinal próxima a

100%.

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5. Comentários finais

A essência desta estratégia está na possibilidade de permitir uma maior

aproximação com a realidade concreta onde ocorrem os fenômenos interativos que

permeiam o processo saúde doença por privilegiar o “espaço” enquanto categoria de

estudo, incorporado do caráter histórico e social do seu processo de ocupação, parte

inerente aos determinantes das condições de vida. Especialmente quando se trata de

grandes metrópoles a importância do “espaço” reveste-se de maior significado por estas

conterem elementos de diversas origens e idades com multiplicidade de relações de

capital, trabalho e cultura25.

Considerando que a cada perfil de necessidade corresponde um perfil de

problemas e que estes podem estar expressos diferentemente em distintos espaços

sociais compreendidos como expressão das condições de vida da população26, o estudo

em profundidade de áreas delimitadas pode possibilitar procedimentos de análises de

um grande número de variáveis, importantes para a orientação dos processos de

intervenção no campo da saúde pública.

São inerentes às “áreas sentinelas” duas características fundamentais que

evidenciam as potencialidades desta metodologia como estratégia complementar para

superação de alguns limites e deficiências dos sub-sistemas de informações em saúde. A

primeira diz respeito a sua própria concepção, que permite a identificação dos

problemas de saúde em uma escala temporal mais próxima da ocorrência dos eventos;

possibilita proceder levantamentos e análises de informações nos diferentes contextos

sociais representados pelas distintas tipologias de cada “área sentinela”; contribui para o

estudo de processo e condições que estão fora do alcance das estratégias tradicionais; e

viabiliza a incorporação de outros elementos (percepção, comportamentos e atitudes)

nas análises e intervenções. A segunda, refere-se a sua operacionalidade e custo que são

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passíveis de serem absorvidos pelos níveis locais do sistema de saúde, desde quando

utiliza a infra estrutura de recursos humanos e materiais pré-existentes e por se limitar a

um pequeno universo localizado no interior dos seus territórios de abrangência.

Entre as aplicações desta estratégia destacam-se o acompanhamento de eventos

de elevada magnitude que compõem a relação das doenças sob vigilância; levantamento

oportuno de dados sobre assistência à saúde individual e coletiva; inquéritos específicos

abrangendo desde informações sobre a percepção dos problemas de saúde até as

estimativas de prevalência de marcadores biológicos específicos; e levantamentos de

dados sobre o contexto ambiental e sócio-econômico das populações. No quadro

seguinte encontra-se uma relação com algumas situações e sugestões de abordagens nas

quais o uso de “áreas sentinelas” poderá contribuir para a melhoria da qualidade do

sistema de saúde quando associado às práticas institucionais rotineiras. Nas

aproximações apresentadas incluem-se desenhos de estudos epidemiológicos que podem

ser desenvolvidos pelos profissionais da rede de serviços associados aos das instituições

acadêmicas, facilitados pela constituição das “áreas sentinelas” .

Por oferecer oportunamente outros elementos que o sistema de informações

tradicional não capta, aliado a possibilidade de utilização do potencial facultado pelos

recursos da epidemiologia, esta estratégia possibilita o desenvolvimento de estudos de

maneira mais simples mantendo-se contudo o rigor científico, rapidez na incorporação

das inovações, tecnologias e informações geradas no sistema de produção técnico -

científico, além de informar sobre fatores de exposição, freqüência, distribuição espacial

dos fenômenos de saúde-doença, viabilizando o delineamento de um quadro mais

próximo da realidade. Entende-se então, que esta estratégia poderá contribuir para o

redirecionamento e aprimoramento das práticas de intervenção em saúde.

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70

Potencialidades de Aplicação do Monitoramento de “Áreas Sentinelas”*

Campo de Aplicação Aporte de Informações**Sugestões de abordagens

metodológicasDoenças de veiculaçãohídrica

Incidência (por episódios e por pessoa);variações temporais; cuidados domiciliaresaos pacientes; percepção de gravidade doproblema qualidade da assistência médica;principais agentes etiológicos circulantes;detecção precoce de surtos; etc

Inquéritos de morbidade,coprológicos, soroprevalênciae antropológicos;Estudos de coortes ou caso -controle;Estudos ecológicos

Vigilância de doençasfebris

Maximização do conhecimento de casossintomáticos e oligo-sintomáticos de doençasfebris exantemáticas ou não, marcadores deexposição, efetividade de programas decontrole, absenteísmo escolar e laboral, etc

Inquéritos de morbidadeInquéritos de soroprevalênciaEstudo de coorteEstudos de caso controle

Doenças transmitidaspor vetores

Incidência e gravidade da doençaImpacto de medidas de controleQualidade da assistênciaEfetividade de intervenções

Inquéritos de morbidadeEstudo de coorteEstudo caso controleEstudo ecológicoEstudo quasi-experimental

Infecções respiratóriasagudas

Incidência e gravidadeImpacto da assistênciaQualidade da assistência

Inquéritos de morbidadeEstudo de coorteEstudo caso controle

Helmintoses eProtozooses

Incidência /prevalênciaAssociação com doenças carenciais

Inquéritos de morbidadeInquéritos coproscópicos

Doenças Reumáticas PrevalênciaGrau de incapacitaçãoNecessidades de serviços especializados

Inquéritos de morbidade

DoençasCardiovasculares

IncidênciaPrevalênciaFatores de riscos associados aodesenvolvimen-to da doença nos diferentescontextosPercepção sobre fatores de riscos enecessidade de atenção médica

Investigação de eventossentinelas (AVC)Inquéritos de morbidadeEstudos EcológicosEstudos de caso-controle

Diabetes Incidência na comunidadeFatores de riscos associados aodesenvolvimento da doença nos diferentescontextosPercepção sobre os riscosPercepção da necessidade de atenção médicaPercepção da qualidade da assistência médicaPercepção sobre riscos potenciais da doença

Investigação de eventossentinelas (comas, pédiabético)Levantamentos nacomunidadeEstudos de coorteEstudos de caso controle

Carências nutricionais PrevalênciaFatores de riscosGravidade

Inquéritos de morbidadeEstudos ecológicosEstudos de coorte

Avaliação de impactoepidemiológico deintervenções

Alterações na freqüência de eventos objeto deintervenção

InquéritosEstudos de coorteEstudos quasi-experimental

Avaliação daqualidade/quantidadede serviços de saúde ede outros serviçosbásicos

Cobertura vacinaisCobertura de consultas ambulatoriais e deleitos hospitalares; Percepção quanto aqualidade da assistênciaPercepção sobre necessidades de atençãoPercepção dos problemas relacionados com afalta de infra estrutura

InquéritosEstudos antropológicos

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Artigo 4

EPIDEMIOLOGIA E MEDIDAS DEPREVENÇÃO DO DENGUE

Maria da Glória Lima Cruz TeixeiraMaurício Lima Barreto

Zouraide Guerra

Aceito para publicação no Informe Epidemiológico do SUS 8:4, 1999.

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RESUMO

O dengue apresenta-se nos grandes centros urbanos de várias regiões do mundo

inclusive do Brasil, sob a forma de epidemias de grande magnitude, quando ocorre a

introdução de um novo sorotipo do vírus, e sob a forma hieperendêmica, nos lugares

onde um ou mais sorotipos circularam anteriormente. Mesmo considerando-se as

lacunas dos conhecimentos disponíveis para se predizer sob firmes bases científicas as

futuras ocorrências de epidemias das formas graves desta enfermidade, a atual situação

epidemiológica e entomológica de extensas áreas de vários continentes, evidenciam

grandes possibilidades para agravamento do cenário atual, pois os fatores que

determinam a reemergência destas infecções são difíceis de serem eliminados. O

acompanhamento da atual situação de circulação dos quatro sorotipos dos vírus do

dengue, o conhecimento das dificuldades que estão sendo enfrentadas para impedir a

ocorrência destas infecções e do risco potencial do reflexo destes acontecimentos para

as populações, são fundamentais para que dirigentes e profissionais da rede de serviços

do SUS possam discutir, posicionar-se e orientar suas estratégias de intervenção neste

campo. Este artigo tem como objetivo fazer uma revisão dos fatores determinantes

destas infecções, da distribuição da doença, assim como, apresentar e discutir as

medidas de prevenção disponíveis, apontando algumas reflexões para o debate.

Palavras Chaves: dengue; fatores determinantes; epidemiologia; prevenção.

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SUMMARY

In the past years dengue has been present in epidemic or endemic form in a large

number of urban centers worldwide. The epidemiologic and entomological situation

found in those centers, the technical difficulties or the lack of political determination to

change the situation as well as the gaps in the knowledge to predict on scientifical basis

new epidemics of the severe form of dengue, are evidences of the potential to increase

the occurence of dengue and, in special, the hemorragic dengue fever in the near future.

The surveillance of the occurrence and spread of each of the four serotypes of the

dengue virus, the problems related with its control and the potential risks to the

population of the country, in general, or from each municipality, in particular, are

fundamental to generate informations to increase the competence of professionals and

managers of the health network of the Unified Health System (SUS) to discuss and take

positions towards the strategies of intevention to tackle this problem. The aim of this

article is present a commented review of the several aspects of the dengue pandemia,

that is considered one of the most restlessness problem for the future of the population’s

health in all the continents.

Key Words: Dengue; determinants factors; epidemiology; prevention.

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1. Introdução

O processo dinâmico e progressivo de seleção adaptativa para a sobrevivência

das espécies que ocorre cotidianamente na natureza, envolve importantes fenômenos

que interferem no estado de saúde das populações humanas. Isto pode ser bem

evidenciado na força da reemergêencia das infecções causadas pelos vírus do dengue,

pois as agressões dos quatro sorotipos destes agentes às populações humanas, vêm

crescendo em magnitude e extensão geográfica, desde meados do século XX1, em

função da velocidade de circulação e replicação viral, facilitada pela extraordinária

capacidade de adaptação das populações de mosquitos que lhes servem como

transmissores, e pela incapacidade do homem, neste momento, de se proteger contra

estas infecções.

Por questões econômicas, sociais e políticas os países das Américas que

erradicaram o Aedes aegypti, principal transmissor do vírus do dengue, nas décadas de

cinqüenta e sessenta, em virtude da necessidade de eliminar a febre amarela urbana,

não utilizaram oportunamente e com o rigor necessário, os conhecimentos técnicos e

científicos adquiridos durante a execução daquela campanha, quando detectaram nos

anos setenta a reinfestação de algumas áreas, por este vetor. Como o ambiente dos

atuais centros urbanos favorece sobremaneira a dispersão e a elevação da densidade das

populações desse mosquito, e as estratégias de combate que vêm sendo instituídas têm

sido falhas, a circulação dos vírus do dengue se estabeleceu e se expandiu, passando a

se constituir em um grave problema de Saúde Pública neste final de século.

Estima-se que cerca de 3 milhões de casos de Febre Hemorrágica do Dengue e

Síndrome do Choque do Dengue, e 58 mil mortes já foram registradas nos últimos

quarenta anos1. Os mecanismos que definem a ocorrência das formas graves destas

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infecções ainda não estão reconhecidos integralmente, e estudos populacionais e

individuais devem ser conduzidos para que se possa esclarecer os pontos obscuros.

Neste sentido, tem-se que buscar aliar esforços de epidemiologistas, virologistas e

clínicos na perspectiva de trabalhos inter-disciplinares capazes de contribuir para o

avanço do conhecimento dos mecanismos envolvidos na circulação viral nas populações

humanas, visando identificar os fatores que influenciam nesta dinâmica, e que

modulam a transição entre o aparecimento do Dengue Clássico e Febre Hemorrágica do

Dengue.

Mesmo considerando-se as lacunas dos conhecimentos disponíveis para se

predizer sob firmes bases científicas as futuras ocorrências de epidemias das formas

hemorrágicas do dengue, a atual situação epidemiológica e entomológica de extensas

áreas de vários continentes, evidencia maiores possibilidades para um agravamento

deste cenário, pois os fatores que determinaram a reemergência destas infecções são

difíceis de serem eliminados. A Organização Mundial da Saúde, desde 1984, colocou

em sua pauta de prioridades o apoio a pesquisas direcionadas para a produção de

imunobiológicos capazes de conferir proteção contra os quatro sorotipos dos vírus do

dengue, como parte do seu programa para desenvolvimento de vacinas, todavia, apesar

de alguns avanços, ainda não se tem disponível nenhum imunoprotetor para uso em

populações2.

Tendo em vista a magnitude e relevância deste problema este artigo tem como

propósito fazer uma breve revisão comentada dos fatores identificados como

determinantes destas infecções, da distribuição da doença no mundo com especial

destaque para as Américas e Brasil, assim como, apresentar e discutir os instrumentos e

estratégias de controle disponíveis, apontando algumas reflexões para debate.

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2. O Vírus e seus Transmissores

Os agentes etiológicos da febre amarela e do dengue foram os primeiros

microorganismos a serem denominados vírus, em 1902 e 1907, respectivamente,

descritos como agentes filtráveis e submicroscópicos. Só 36 anos depois desta precoce

observação, foi que se alcançou o conhecimento e tecnologia necessários para o

desenvolvimento de pesquisas laboratoriais com estes agentes. Em 1906, as primeiras

evidências do ciclo de transmissão do dengue foram publicadas por Bancroft, que

levantou a hipótese do Aedes aegypti ser o vetor da infeçcão, o que, logo depois, foi

confirmado por Agramonte e outros pesquisadores3. Com isto, foi possível estabelecer

os elos epidemiológicos envolvidos na transmissão da doença resumidos na cadeia:

Mosquito infectado homem susceptível homem infectado mosquito infectado.

O isolamento dos vírus só ocorreu na década de quarenta, por Kimura em 1943 e

Hotta em 1944, tendo-se denominado Mochizuki a esta cepa. Sabin e Schlesinger, em

1945, isolaram a cepa Havaí, sendo que o primeiro, neste mesmo ano, ao identificar

outro vírus em Nova Guiné, observou que as cepas tinham características antigênicas

diferentes e passou a considerar que eram sorotipos do mesmo vírus. Às primeiras cepas

ele denominou sorotipo 1 e à da Nova Guiné sorotipo 2. Em 1956, no curso da epidemia

de dengue hemorrágico no Sudeste Asiático foram isolados os vírus 3 e 4, definindo-se

a partir daí, que o complexo dengue é formado por quatro sorotipos: DEN-1, DEN-2,

DEN-3 e DEN-43.

Esses vírus, que pertencem à família Flaviviridae, são sorologicamente

relacionados mas antigênicamente distintos e têm sido isolados in natura de mosquitos

do gênero Aedes, subgênero Stegomya espécies aegypti, albopictus e polynesiensis. Na

África e na Ásia, tem-se demonstrado que os vírus circulam entre os macacos, não

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estando claro se é um ciclo primitivo ou um ciclo humano retrógrado4. Recentemente,

Silva et alli5 realizaram um inquérito sorológico que diagnosticou uma epizootia focal

em macacos no Sri Lanka.

Nas Américas, o Aedes aegypti é o único transmissor desses vírus, com

importância epidemiológica. Esta espécie de mosquito é originária da África sub-

sahariana, onde se domesticou e se adaptou ao ambiente criado pelo homem, tornando-

se antropofílico, sendo suas larvas encontradas em depósitos artificiais. Estas

características de adaptação permitiram que se tornassem abundantes nas cidades e

fossem facilmente levados para outras áreas, pelos meios de transporte, o que aumentou

sua competência vetorial, ou seja, a sua habilidade em tornar-se infectado por um vírus,

replicá-lo e transmiti-lo6. Da África, o Ae. aegypti se dispersa, para todo o hemisfério

ocidental no século XVII, para o Mediterrâneo no século XVIII, para a Ásia tropical no

século XIX e para as Ilhas do Pacífico no final do século XIX e início do século XX4.

O Ae. Aegypti foi erradicado do Mediterrâneo, na década de 50, e de grande

parte das Américas, nos anos 50 e 60. No entanto, houve reinfestação na maioria das

áreas de onde havia sido erradicado e, hoje, este vetor é considerado uma espécie

“cosmotropical”4, observando-se que sua capacidade de adaptação está se ampliando,

pois, em 1987, foi registrada a sua sobrevivência em áreas situadas a 1.200 metros

acima do nível do mar7. Além disto, ao contrário do que se pensava anteriormente, o Ae.

Aegypti tem a capacidade de fazer ingestões múltiplas de sangue durante um único ciclo

gonadotrófico, o que amplia a sua possibilidade de infectar-se e de transmitir os vírus8.

O Aedes albopictus é uma espécie oriunda das selvas asiáticas e até

recentemente restrita a este continente. Nos últimos quatorze anos, em conseqüência do

intenso comércio intercontinental de pneus, por intermédio dos transportes marítimos se

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dissemina para as Américas, sendo incialmente detectado nos Estados Unidos, em 1985,

onde já está presente em 25 estados. Logo depois, em 1986, é identificado no Brasil, já

tendo se disseminado para 1465 municípios distribuídos em 14 unidades federadas.

Atualmente, está presente também em mais seis países da América Central e do Sul, na

África, na Nigéria, em algumas Ilhas do Pacífico e no Sul da Europa4.

O Ae. albopictus não é doméstico como o aegypti, prefere os ocos de árvores

para depositar seus ovos e tem hábitos antropofílicos e zoofílicos diurnos e fora dos

domicílios. Sua competência vetorial vem sendo objeto de investigação, vez que tais

hábitos podem estabelecer um elo entre o ciclo dos vírus do dengue nos macacos e no

homem, além de haver referência quanto à sua responsabilidade pela transmissão de

surtos epidêmicos de dengue clássico e hemorrágico na Ásia9, 10.

Ibanez-Bernal et al11, de outro lado, em 1997, registram, pela primeira vez nas

Américas, a infecção natural do Aedes albopictus pelos vírus do dengue, em espécimes

coletadas durante um surto que ocorreu na cidade de Reynosa no México. Estes autores

chamam a atenção para o fato de que os sorotipos 2 e 3 foram detectados em um “pool”

de dez mosquitos machos, o que indica haver transmissão transovariana nesta espécie,

como acontece com o Ae. aegypti. Este novo achado é de grande importância

epidemiológica pelo potencial de transmissão dos vírus do dengue para outras áreas

geográficas livres do Ae. aegypti, mas que estão infestadas pelo Ae. albopictus, a

exemplo do sul da Europa e dos Estados Unidos.

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3. Dinâmica de Transmissão do Vírus do Dengue

3.1. Condicionantes da Circulação Viral

É muito complexa a interrelação dos fatores envolvidos na dinâmica da

circulação dos quatro sorotipos dos vírus do dengue, o que gera confusão e incertezas

em vários campos do conhecimento, principalmente no que diz respeito aos

determinantes das suas apresentações clínicas e epidemiológicas que são pleomórficas.

Assim, observam-se epidemias graves, como as ocorridas no Sudeste Asiático, onde as

formas hemorrágicas têm sido freqüentes12,13; as epidemias clássicas consideradas

benígnas, como a de 1979, em Cuba, causada pelo sorotipo DEN-1, e que logo foi

seguida por outra, em 1981, vinculada ao sorotipo DEN-2, surpreendentemente grave,

com milhares de casos hemorrágicos14. Em contraponto, as primeiras epidemias dos

grandes centros urbanos brasileiros foram seguidas de outras, nas mesmas áreas e

provocadas por agentes pertencentes a sorotipos diferentes, com poucos registros de

dengue hemorrágico, não confirmando, desta forma, as previsões de gravidade feitas a

partir dos eventos de Cuba15.

A capacidade de predição e de explicação das apresentações epidemiológicas e

clínicas, no atual estado da arte, ainda é muito limitada, o que demanda esforços de

pesquisadores de todas as áreas do conhecimento, para a elucidação dos intricados

fenômenos envolvidos. Dentre estes, deve-se destacar a importância do estudo dos

fatores que influenciam na dinâmica da circulação viral, ou seja, dos determinantes e

condicionantes da produção das infecções no que diz respeito a sua freqüência,

distribuição e gravidade que se expressam em distintas apresentações epidemiológicas,

ressaltando-se as epidemias explosivas ou mais limitadas com ou sem casos graves; os

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períodos endêmicos com maior ou menor incidência de casos aparentes; as epidemias

com exacerbação de formas clínicas graves16,3,17,15.

Em 1995, Kuno17, chama a atenção para o fato de que, nas últimas décadas, as

investigações sobre dengue estão centradas no controle vetorial, na biologia molecular

dos vírus, no desenvolvimento de vacinas e na patogênese do dengue hemorrágico e da

síndrome do choque do dengue. São poucos, segundo este autor, os esforços dirigidos

para a compreensão dos fatores que modulam a dinâmica da transmissão viral, cuja

análise tem sido negligenciada, embora seja fundamental do ponto de vista científico e

para a adoção das estratégias de controle.

Os principais fatores que têm sido apontados como condicionantes das

apresentações epidemiológicas e clínicas do dengue, são relacionados na Figura 1. No

modelo explicativo de produção das infecções que apresentamos (Figura 2) além dos

fatores listados, inclui-se com destaque e considera-se como fundamental na

determinação da circulação dos vírus, a forma em que se organiza o espaço geográfico

dos centros urbanos, do modo de vida de suas populações, os seus reflexos no ambiente,

que criam as condições para a proliferação dos vetores18,19. O espaço social organizado

influencia na interação sinérgica dos três elementos da cadeia biológica e

epidemiológica. Entretanto, o dengue distingue-se das outras doenças infecciosas e

parasitárias, desde quando a ocorrência da maioria delas está estreitamente relacionada

com as más condições sociais e econômicas das populações, produzindo diferenciais na

sua freqüência e distribuição, refletindo as desigualdades de cada sociedade20,21. Já a

distribuição e freqüência das infecções pelos vírus do dengue estão intrinsecamente

relacionadas com a plasticidade e poder de adaptação do Ae. aegypti ao ambiente

habitado pelo homem, principalmente, aos espaços com grandes adensamentos

populacionais como os encontrados nas metrópoles modernas, pois a transmissão e

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Figura 1 - Fatores que Modulam a Transmissão e Circulação dos Vírus do Dengue

Vetor

Dinâmica das populações

Distribuição

Dispersão

Movimento do vetorRaio de dispersãoTransporte (terrestre, marítimo, aéreo)

Densidade

Taxa de reprodução e longevidadeClima: chuvas umidade temperaturaSaneamento ambiental

(criadouros potenciais): Domiciliar Peridomiciliar Logradouros públicos

Quantitativo de mosquitosRelação entre adultos machos e fêmeas

Ovos depositados

A INTERAÇÃO DESTESFATORES DETERMINAM ACOMPETÊNCIA VETORIAL

Hospedeiro (Homem)

Susceptibilidade (universal)

Imunidade – individual

Den 1Den 2 Várias combinaçõesDen 3 possíveisDen 4

Imunidade – coletiva

Den 1Den 2 Várias combinaçõesDen 3 possíveis com diferentesDen 4 graus de imunidade de grupo

Fatores individuaisRaça?Estado nutricional?Doenças pré existentes?Intervalo entre as infecções?

Organização do espaço socialDensidade populacionalHábitos e modo de vida

PROBABILIDADE DE ADQUIRIRINFECÇÕES (BENÍGNAS OU GRAVES)

Vírus

Sorotipos

Den 1

Den 2

Den 3

Den 4

Diferenças genéticas

Topotipos associados a origem geográfica

Virulência das cepas

Quantidade de vírus inoculado no hospedeiro

Circulação prévia de outros vírus nas populações

Intervalo de tempo ocorrido entre as infecções noindivíduo e nas populações

Ordem sequencial das infecções dos 4 sorotipos(combinações possíveis)

Transmissão transovariana

PROBABILIDADE DE TRANSMISSÃO

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circulação destes vírus são condicionadas pela densidade e dispersão deste mosquito.

Cada sorotipo específico dos vírus do dengue quando introduzido em grandes cidades

indenes, com elevada densidade vetorial se transmite rapidamente, provocando

epidemias explosivas. De acordo com Rodhain & Rosen4 a persistência destas infecções

nas populações humanas só ocorre nos espaços urbanos que mantém elevados índices de

infestação de Ae. aegypti e grandes adensamentos populacionais que, aliado as taxas de

nascimentos, vai repondo o estoque de indivíduos susceptíveis à infecção. Isto porque, a

principal ou talvez única fonte de infecção do vetor é o homem, e a viremia humana

persiste por apenas sete dias na fase aguda da infecção e nunca foi demonstrada viremia

recurrente com o mesmo sorotipo.

Figura 2 – Dengue: Modelo Explicativo de Produção das Infecções

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Estas condições descritas acima são propiciadas pela forma de organização

social do espaço, pois são inerentes a estes centros urbanos a grande densidade

populacional. O modo de vida de suas populações, gera, em escala exponencial, os

habitats para a ovoposição e conseqüente proliferação do Ae. aegypti22,18, tanto em

locais onde as condições sanitárias são deficientes, quanto em outros, onde se considera

que existe adequada infra-estrutura de saneamento ambiental. Nas áreas mais pobres,

que correspondem àquelas deficientes em estrutura urbana, os criadouros potenciais

mais encontrados são vasilhames destinados ao armazenamento de água para consumo,

devido à freqüente intermitência ou mesmo inexistência dos sistemas de abastecimento,

e recipientes que são descartados mas permanecem expostos ao ar livre no peri-

domicílio, por não se dispor de coleta de lixo adequada. Os hábitos culturais das

populações de classe mais elevada também mantém no ambiente doméstico, ou próximo

a este, muitos criadouros do Ae. aegypti, mas que têm diferentes utilidades, pois, em

geral, são destinados à ornamentação (vasos de plantas com água) ou tanques para

armazenamento de água tratada sem tampas. Por outro lado, o processo de apropriação

do espaço destas metrópoles favorecem a proximidade espacial das populações de

diferentes classes sociais, seja pela favelização de áreas situadas dentro de bairros

nobres, seja pela ocupação de prédios antigos onde se instalam moradias sob a forma de

cortiços23.

Ainda nestes centros, outro aspecto que permite a manutenção da infestação

vetorial são as dificuldades para o desenvolvimento das intervenções sobre a população

de mosquitos, que também decorrem de distintos hábitos de vida. Como exemplos

marcantes e antagônicos observa-se que em muitas residências de bairros nobres, por

questões de segurança, não se consegue a permissão dos moradores ou síndicos para a

atuação intra e peri-domiciliar dos agentes de saúde dos programas de controle do

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mosquito, básica para a atuação química e físico contra o vetor, e, em algumas áreas de

favelas com registro maior de violências, particularmente, quando dominadas pelas

quadrilhas do narcotráfico, onde os agentes têm receio de trabalhar, preocupados com

sua própria segurança ou são impedidos de fazê-lo. Desta forma, as taxas de recusas

nestas áreas são muito elevadas, constituindo-se verdadeiras ilhas de difícil intervenção,

que não só permanecem infestadas, como prejudica a eliminação do vetor nas áreas em

torno, mesmo onde o programa alcança cobertura próxima ao ideal, qual seja o

tratamento com larvicida de 100% dos domicílios com presença das formas imaturas do

Ae. aegypti. Isto prejudica sobremaneira a eficiência e efetividade destas ações nos

complexos urbanos.

Assim, os contrastes que resultam da organização social dos espaços urbanos

modernos favorecem a proliferação dos mosquitos transmissores do dengue tanto por

fatores ligados ao conforto, bem estar, e suposta segurança, como por outros associados

a suas mazelas expressos em grandes adensamentos populacionais, violência,

precariedade de infraestrutura de saneamento, produção desenfreada e disposição no

meio ambiente de recipientes descartáveis e pneus, dentre outros. Assim, pode-se

observar em nível macro que os depósitos predominantes de Ae. aegypti na região

nordeste, a mais pobre do país, são aqueles que se destinam ao armazenamento de água

no domicílio, enquanto na mais rica, região sudeste, são vasos de planta (Figura 3).

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Pesquisa NegativaPneuTambor/Tanque/barril/Tina/Tonel/Dep. de BarroVaso de PlantaMaterial de Construção/Peça de CarroGarrafa/Lata/PlásticoPoço/Cisterna/CacimbaCaixa d´águaSem Informação

Fonte: CR’s/FNSCENEPI/GTDVA/GT-FAD

Figura 3 – Tipos de criadouros potenciais predominantes de Aedes aegyptipor município. Brasil, 1999

Alguns inquéritos soroepidemiológicos nacionais que utilizaram amostras

populacionais, evidenciaram que a distribuição das infecções dos vírus circulantes em

grandes capitais não pouparam os bairros nobres24,25,26, entretanto, estes achados não

são concordantes com outros que utilizaram inquéritos de alunos de escolas públicas

27,28 ou taxas de incidência dos dados oficiais do sistema de notificação compulsória29,30.

Entende-se que estas discrepâncias se devem ao fato de que alunos da rede pública de

ensino e grande parte dos registros de notificação compulsória de doença, são de

indivíduos que residem em áreas mais pobres das cidades, o que pode propiciar

distorções nas análises de freqüência da distribuição espacial.

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3.2. Condicionantes das Formas Hemorrágicas

Algumas teorias têm sido desenvolvidas para explicar a ocorrência das formas

hemorrágicas do dengue. A primeira, denominada teoria imunológica de Halstead30,31,32,

associa a ocorrência destas formas a duas infecções seqüenciais, por diferentes

sorotipos, após ter transcorrido um tempo mínimo entre as mesmas de,

aproximadamente, três anos, quando, então, a resposta imunológica do indivíduo

sensibilizado seria ampliada pela segunda infecção, em função da existência prévia de

anticorpo heterotípico (Antibody dependent enhancement-ADE). A segunda, defendida

por Rosen33,34, relaciona as formas graves a uma maior virulência de determinadas

cepas dos vírus. Watts et alli35 em estudo de vigilância das características clínicas e

sorológicas de casos de dengue no Peru, que tiveram como agente etiológico o genotipo

Americano do vírus DEN-2 concluem, que, possivelmente esta cepa não detém as

propriedades necessárias para causar formas severas da doença, que, em parte, reforça o

pensamento de Rosen. A terceira teoria, reconhece que as duas primeiras não explicam

de forma isolada os eventos epidemiológicos que vêm ocorrendo no mundo, e propõe

uma teoria integral de multicausalidade, segundo a qual se aliam vários fatores de risco:

individuais - idade, sexo, raça, estado nutricional, pré-existência de enfermidades

crônicas, presença de anticorpos, intensidade da resposta imunológica a infecções

anteriores (ADE) -; fatores virais - virulência da cepa circulante, sorotipo(s) viral(is)

envolvido(s) em cada evento epidemiológico -; e os fatores epidemiológicos -

imunidade de grupo, competência vetorial, densidade vetorial, intervalo de tempo entre

as infecções por diferentes sorotipos; intensidade da circulação viral36,37,3. Esta última

teoria é uma tentativa de explicação mais totalizadora, ao reconhecer que o resultado

das apresentações epidemiológicas e clínicas no indivíduo e nas populações, depende de

todos os elos e fatores interligados, aproximando e considerando a complexidade dos

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fenômenos envolvidos na determinação destas infecções. O esquema explicativo

proposto (Figura 2) adota esta como referencial teórico, por ser mais abrangente e

articular as três espécies de seres vivos envolvidos no processo de transmissão, ao

tempo em que coloca em maior evidência o papel da organização social do espaço.

Todavia, as investigações epidemiológicas e/ou biológicas, por fragmentar o

processo de estudo, buscando associações lineares, e em virtude dos limites

metodológicos e técnicos disponíveis, não fornecem subsídios suficientes para a

compreensão das condições em que se dá o aparecimento das formas graves da doença,

mesmo quando se adota como referencial a terceira teoria. Discussões continuam acerca

do potencial explicativo de cada uma destas três teorias com relação ao aparecimento de

epidemias de dengue hemorrágico. Os conhecimentos biológicos e epidemiológicos são

insuficientes para o estabelecimento de previsões, sob firmes bases científicas, qualquer

que seja a teoria que nos referencie.

4. Epidemiologia

A descrição das epidemias atribuídas ao dengue ocorridas antes da identificação

dos microrganismos causadores da doença, dá margem a dúvidas quanto ao fato de

todas terem os vírus do dengue como agentes, se foram causadas pelo mesmo sorotipo

ou pela mesma cepa. Relatos clínicos e epidemiológicos potencialmente compatíveis

com dengue são encontrados em uma enciclopédia chinesa datada de 610dc, não

havendo precisão quanto ao ano exato desta ocorrência. São descritos, também, surtos

de uma doença febril aguda no Oeste da Índia Francesa, em 1635, e no Panamá, em

1699, não existindo consenso quanto a terem sido febre do dengue ou Chikungunya12.

Os eventos de melhor documentação na literatura, neste período anterior à identificação

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dos agentes, são as da ilha de Java, em Jakarta, e as do Egito, ambas em 1779, além da

de Filadélfia, USA, no ano seguinte3.

Ao longo dos três últimos séculos, tem-se registrado a ocorrência do dengue em

várias partes do mundo, com pandemias e epidemias isoladas, atingindo as Américas, a

África, a Ásia, a Europa e a Austrália. De acordo com Howe38, no mundo ocorreram

oito pandemias, com duração de três a sete anos, no período compreendido entre 1779 e

1916.

Um inquérito sorológico retrospectivo indicou que o sorotipo DEN-1

predominou nas Filipinas, na década de vinte e durante uma intensa circulação nas

regiões do Pacífico Sul e na Ásia, iniciada nos anos trinta e que perdurou por todo o

período da segunda guerra. Existem algumas evidências de que no século XIX e

primeiras décadas do século XX, quando os meios de transporte ainda não eram tão

rápidos, um sorotipo único persistia circulando em determinadas regiões, por alguns

anos, causando surtos epidêmicos periódicos, devido a alterações na coorte de

susceptíveis12.

Por um longo período essa virose foi considerada doença benigna e somente

após a segunda guerra mundial, que favoreceu a circulação de vários sorotipos em uma

mesma área geográfica, ocorreram surtos de uma febre hemorrágica severa que,

posteriormente, seria identificada como uma forma do dengue. O primeiro destes

eventos, é descrito nas Filipinas, em 1953, sendo confundido com a febre amarela e

com outras arboviroses do grupo B, e, só depois, em 1958, com a epidemia de Bankok,

Tailândia, a febre hemorrágica é associada ao dengue3. De acordo com Gubler12 esta

forma clínica já ocorria antes do século XX, pois, desde 1780, há relatos esporádicos de

doença hemorrágica associada a severas epidemias de dengue. Na Grécia, em

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1927/1928, por meio de diagnóstico retrospectivo, identificou-se a ocorrência de uma

grave epidemia de dengue hemorrágico de incidência alarmante e alta letalidade. A

investigação de soros de sobreviventes indicou a circulação dos vírus DEN-1 e DEN-

239.

Progressivamente, outros países do Sudeste Asiático foram apresentando surtos

de dengue hemorrágico: Vietnã do Sul (1960), Singapura (1962), Malásia (1963),

Indonésia (1969) e Birmânia (1970). Nesta região, nos anos oitenta, a situação agrava-

se e a doença expande-se para a India, Sri Lanka, Maldives e leste da China.

Atualmente, sob a forma de epidemia ou endemia milhares de casos e de óbitos vêm

ocorrendo a cada ano, predominantemente em crianças12.

Em 1964, após 20 anos sem registro da doença, um pequeno surto de DEN-3 é

diagnosticado no Tahiti, ilha do Pacífico Sul, o qual não se dissemina para as outras

ilhas próximas. Cinco anos após, um novo episódio causado pelo mesmo vírus

evidencia que este permaneceu circulando no local, sob a forma endêmica. Nos anos

seguintes, epidemias de DEN-2 ocorreram em várias ilhas do Pacífico, e em 1975 o

DEN-1 foi introduzido nesta Região. Na Austrália, registros de dengue vêm sendo feitos

desde 1800, com múltiplas epidemias ocorrendo até 1955. Em 1981 a virose reaparece

provocando severas epidemias em várias cidades. A circulação dos vírus DEN-1 e

DEN-2 vem se mantendo até o momento atual12.

4.1. Dengue nas Américas

Nas Américas, o vírus do dengue circula desde o século passado até as primeiras

décadas do século XX, quando então há um silêncio epidemiológico, registrando-se nos

anos sessenta a reintrodução dos sorotipos 2 e 3, associada à ocorrência de várias

epidemias de dengue clássico. Em 1963, detectam-se os primeiros casos na Jamaica

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relacionados ao DEN-3, que depois se dissemina para a Martinica, Curaçau, Antigua,

Saint Kitts, Sanguilla, e Porto Rico. Logo após atinge o Norte da América do Sul,

Venezuela e Colômbia, e são notificados nos Estados Unidos casos importados15. Entre

1968 e 1970, epidemias com os vírus 2 e 3 são registradas no Caribe, na Guiana

Francesa e na Venezuela.

Na década de setenta, da mesma forma, ocorrem epidemias na Colômbia, em

Porto Rico e em Saint Thomas, com isolamento dos mesmos vírus. Em 1977, o

sorotipo 1 é introduzido na Jamaica disseminando-se por todas as ilhas do Caribe e na

América Tropical. No início da década de oitenta é isolado o vírus DEN-4, no entanto

este período se destaca pela intensa circulação dos vírus no continente americano e os

países que mais notificaram casos foram: Brasil, Colombia, Guatemala, Honduras,

México, Nicarágua, Paraguai, Porto Rico e Venezuela40.

O acontecimento epidemiológico mais relevante na história do Dengue nas

Américas é a epidemia de dengue hemorrágico e síndrome de choque do dengue

(DH/SCD) que ocorre em Cuba, no ano de 1981, quando são notificados 344.203 casos,

com 116.143 hospitalizações. Dentre os 10.312 casos considerados graves, 158

resultaram em óbitos, e destes 101 foram em crianças. O vírus DEN-2 é associado a esta

epidemia, que foi precedida por outra, causada pelo vírus DEN-1, em 197714. Este país

implantou um programa de erradicação do Ae. aegypti a partir de 1982 e manteve

índices de infestação próximos a zero, até primeiros anos da década de noventa. Em

1997, uma nova epidemia explode em Santiago de Cuba quando se confirmam 2.946

casos, com 102 da Febre Hemorrágica do Dengue, e 12 óbitos. Observou-se que os

casos hemorrágicos foram em adultos em quase sua totalidade, sendo a menor idade 17

anos, em um único indivíduo. O vírus circulante foi o DEN-2, e os casos hemorrágicos

apresentavam anticorpos para duas infecções. A análise destas informações associadas a

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história das duas epidemias anteriores permitiu concluir que os casos hemorrágicos

ocorreram em indivíduos que foram infectados em 1977, pelo vírus 141. O estudo desta

epidemia revelou que o fenômeno da imunoamplificação pode se manter durante muitos

anos ou talvez toda a vida41, e não de seis meses até cinco anos, como se pensava

anteriormente, em função do padrão de intervalo das epidemias de dengue hemorrágico

no Sudeste Asiático30.

Em outubro de 1989, eclode na Venezuela um surto de DH /SCD com um total

de 8.619 casos e 117 óbitos, com isolamento dos vírus DEN-1, DEN-2 e DEN-4. Dois

terços dos casos ocorrem em crianças menores de 14 anos, sendo considerado o segundo

episódio mais grave nas Américas40.

Nos anos 90, o quadro epidemiológico das Américas e do Caribe vem se

agravando, e epidemias de Dengue Clássico são freqüentemente observadas em vários

centros urbanos, muitas delas associadas a ocorrência de casos de Dengue Hemorrágico.

Atualmente, os quatro sorotipos estão circulando neste continente e só não há registro

de casos no Chile, Uruguai e Canadá (Figura 4), com ocorrência sistemática de casos

de dengue hemorrágico. Até 1998, 54.248 casos, com 689 óbitos, o que corresponde a

uma letalidade média de 1,3%. Os países que mais vêm contribuindo para este

quantitativo são Venezuela com 28.479 casos, México 12.422, Cuba 10.517, Colômbia

8.236, Nicarágua 2.709, e Brasil 82142.

Em 1998, dezessete países notificaram casos de dengue nas Américas (Tabela

1), com proporção muito variável de casos hemorrágicos (de 0,002% a 15,2%). Estas

variações podem ser imputadas a múltiplos fatores, destacando-se o número de

sorotipos e o tempo em que estão circulando em cada espaço; a magnitude das

epidemias de dengue clássico anteriores e atuais que determinam o estado imunológico

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das populações expostas a novas infecções; às diferenças genéticas entre as cepas; os

atributos pessoais como idade e raça dos indivíduos; diferenças nos critérios de

classificação diagnóstica das formas de dengue o que confere maior ou menor

sensibilidade ao sistema de detecção de casos, bem como qualidade e cobertura dos

sistemas de saúde de cada país.

Estados Unidos *1234Costa Rica13Equador124México1234Peru12Suriname124Bolívia 12Colômbia124Venezuela234Trinidad Tobago12Guyana Francesa124Guyana1214Paraguay1Brasil12Panamá13El Salvador124Nicarágua123Guatemala1234Belice134RepúblicaDominicana124IlhasVirgenesS. Vicente yGranadinas1GuadalupeMontserrat12Barbados111Dominica12Jamaica124Honduras1234Puerto Rico12Haiti124Cuba2

Figura 4 – Dengue nas Américas

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Tabela 1 - Número de casos de dengue e febre hemorrágica do dengue nasAméricas segundo país, 1998

País Casos de dengue Casos DH/SCD* %

Brasil 559.285 105 0,02

Colômbia 63.182 5.171 8,2

Venezuela 37.586 5.723 15,2

México 23.639 372 1,6

Honduras 22.218 18 0,08

Porto Rico 17.241 173 1,0

Nicarágua 13.592 432 3,2

Rep. Dominicana 3.049 176 5,8

Trinidad 3.120 136 4,4

Jamaica 1.551 42 2,7

Guatemala 4.655 2 0,04

El Salvador 1.688 2 0,12

Outros1 4.411 15 0,34

* Dengue Hemorrágico e Síndrome de Choque do Dengue1 Panamá, Belice, Guiana Francesa, H. Lucia, Suriname.

4.3. Dengue no Brasil

Algumas evidências apontam para a ocorrência de epidemias de dengue no

Brasil desde 1846, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Outros surtos

relacionados a esta virose em São Paulo, no período compreendido entre 1851 e 1853,

também estão referidos43. Entretanto, as primeiras referências a casos de dengue na

literatura médica datam de 1916, naquela cidade, e de 1923, em Niterói44. Neste último

ano, um navio francês com casos suspeitos aportou em Salvador, Bahia, mas não foram

registrados casos autóctones nesta cidade45.

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Um inquérito sorológico realizado na Amazônia em 1953/1954, encontrou soro-

positividade para dengue, sugerindo que houve circulação viral na Região46. Entretanto,

a primeira epidemia de dengue com confirmação laboratorial acontece em 1982, na

cidade de Boa Vista, capital do estado de Roraima, com a ocorrência de 11 mil casos

segundo estimativas, o que correspondeu a aproximadamente uma incidência de 22,6%,

e foram isolados dois sorotipos dos vírus no curso do evento: DEN-1 e o DEN-447.

Estes agentes estavam circulando em diversos países do Caribe e no norte da América

do Sul e sua introdução, possivelmente, se deu por via terrestre, pela fronteira da

Venezuela15. A propagação viral para o resto do país, não se dá a partir desse episódio,

pelo fato do mesmo ter sido rapidamente controlado e porque o Ae. aegypti não estava

ainda disperso no território brasileiro.

O dengue só reaparece no Brasil cinco anos depois, na cidade de Nova Iguaçu,

estado do Rio de Janeiro, com identificação do sorotipo DEN-1. A partir daí, a virose

dissemina-se para outras cidades vizinhas, inclusive Niterói e Rio de Janeiro,

notificando-se 33.568 casos em 1986 e 60.342 em 1987, com taxas de incidência de

276,4 e 491,1 por 100 mil habitantes, respectivamente. Também em 1986, registram-se

casos de dengue em Alagoas e em 1987 no Ceará, com elevadas taxas de incidência de,

respectivamente, 411,2 e 138,1 por 100 mil habitantes. Ainda em 1987, ocorre epidemia

em Pernambuco com 31,2 casos por 100 mil habitantes, e surtos localizados em

pequenas cidades de São Paulo, Bahia, e Minas Gerais.

Após essas primeiras epidemias de dengue clássico, observa-se um período de

dois anos que se caracteriza pela baixa endemicidade. Em 1990, ocorre um

recrudescimento de grandes proporções, conseqüente ao aumento da circulação do

DEN-1 e da introdução do DEN-2 no Rio de Janeiro, onde a incidência atinge 165,7

por 100 mil habitantes, naquele ano e em 1991, 613,8 casos por 100 mil habitantes. É

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neste período que surgem os primeiros registros de dengue hemorrágico, com 1.316

notificações, 462 confirmações diagnósticas, e oito óbitos48.

Nos dois primeiros anos da década de noventa a incidência da doença se

manteve quase que inteiramente restrita aos estados citados anteriormente,

acrescentando-se poucas notificações oriundas do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Nos anos subseqüentes, a circulação viral (DEN-1 e DEN-2) se expande rapidamente

para outras áreas do território brasileiro (Figura 5). Cabe destacar a gravidade da

epidemia de 1994 no Ceará, com 47.221 notificações e uma taxa de incidência de

711,88 por 100 mil habitantes. São registrados 185 casos suspeitos de dengue

hemorrágico, com 25 confirmações e 12 óbitos49.

Na Tabela 2 observa-se que a transmissão já se estabeleceu em 2.756 municípios

situados em 23 estados, e existe circulação simultânea dos sorotipos DEN-1 e DEN-2

em 19 das 27 Unidades Federadas brasileiras. Santa Catarina e Rio Grande do Sul só

notificaram casos importados, e apenas o Acre e o Amapá não têm nenhum registro de

dengue. O número de notificações acumuladas no período de 1981 a 1998 ultrapassa

mais de um milhão e meio de indivíduos. Todos os estados têm municípios infestados

85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99*

0

100

200

300

400

500

600

Por

100

.000

hab

.

BRASIL NORTE NORDESTE SUDESTE SUL CENTRO-OESTEFonte: CENEPI/FNS/MS*Dados preliminares até setembr 1999.9.

ANO

Figura 5 – Taxa de incidência de dengue segundo ano de ocorrência.Brasil e Regiões, 1986 – 1999*

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perfazendo um total de 2.910. As epidemias de maior magnitude estiveram

concentradas nos grandes centros urbanos, e a intensidade da circulação viral coloca sob

risco milhões de brasileiros a adquirirem as formas mais graves da doença50.

Entre 1990 e 1999 foram diagnosticados 888 casos de Dengue Hemorrágico com

39 óbitos, letalidade média de aproximadamente 4,4% (Figura 6). Esta incidência

relativamente baixa quando comparada à de dengue clássico e o fato de haver circulação

de dois sorotipos no país há mais de oito anos, tem levado a considerar que os rígidos

critérios diagnósticos estabelecidos para confirmação de caso podem estar subestimando

a incidência das formas graves da doença. Possivelmente, alguns casos de DH/SCD

estão passando despercebidos, mas infere-se que a incidência não deve ser de grande

magnitude, visto não haver registro de óbitos com quadro clínico compatível com

dengue hemorrágico. A elevada letalidade esperada para esta forma da doença, na

ausência de diagnóstico e tratamento adequado, certamente chamaria a atenção da

população e das autoridades sanitárias. Possivelmente, a cepa de DEN-2 que está

circulando no Brasil também não exibe as condições necessárias para produzir grande

quantidade de casos de doença hemorrágica35, mesmo na vigência de infecções

seqüenciais.

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Tabela 2 – Número de municípios com Aedes aegypti e com transmissão de dengue,sorotipos circulantes e número acumulado de casos notificados

por Unidade Federada

REG/UFNº de

municípios comAedes aegypti

Nº de municípioscom transmissão de

dengue

SorotiposCirculantes

Nº de casosnotificados e

acumulados dedengue(1)

BRASIL 2.910 2.756 1.672.883

NORTE 151 155 82.168

RO 14 14 DEN-1 891

AC 1 -

AM 11 21 DEN-1 32.746

RR 3 3 DEN-2 4.329

PA 35 51 DEN-1 e 2 33.547

AP 2 -

TO 85 66 DEN-1 e 2 10.655

NORDESTE 1.146 1.173 848.775

MA 95 57 DEN-1 e 2 29.931

PI 53 86 DEN-1 e 2 28.823

CE 92 110 DEN-1 e 2 135.241

RN 147 121 DEN-1 e 2 65.195

PB 174 195 DEN-1 e 2 137.063

PE 130 178 DEN-1 e 2 188.559

AL 90 87 DEN-1 e 2 36.773

SE 68 61 DEN-1 e 2 51.456

BA 297 278 DEN-1 e 2 175.734

SUDESTE 899 856 627.617

MG 323 315 DEN-1 e 2 179.094

ES 50 45 DEN-1 60.920

RJ 70 65 DEN-1 e 2 296.254

SP 456 431 DEN-1 e 2 91.349

SUL 356 252 13.167

PR 321 171 DEN-1 e 2 12.848

SC(*) 6 174

RS(*) 29 DEN-1 e 2 145

CENTRO-OESTE 358 320 101.156

MS 77 67 DEN-1 e 2 31.728

MT 92 94 DEN-2 35.296

GO 188 158 DEN-1 e 2 30.006

DF 1 1 DEN-1 e 2 4.126Fonte: MS/FNS/CENEPI/CCDTV/GT-FAD(*) Casos importados(1) Total acumulado 1982 a 1998

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99

Fonte: CRs/FNS e SES.

Casos(888)

Óbitos(39)

659RJ

CE 28

PE 71

RN33

ES8

BA 2

GO1

MA2

MG9

MS

2 PI

4SE

1

RJ15

MG4

CE

11

PE

1RN8

Figura 6 – Número de casos e de óbitos de dengue hemorrágico.Brasil, 1990 - 1999

4.2.1 Os padrões epidemiológicos no Brasil

O vírus do dengue altera seu potencial epidêmico e as suas apresentações

clínicas quando se move entre as populações12 o que faz com que as apresentações

epidemiológicas das infecções se expressem de modo muito variadas. Assim, as

epidemias podem ser explosivas evoluindo em curto período de tempo seguidas de

circulação endêmica, outras delineiam dois picos epidêmicos em anos consecutivos e só

depois é que se estabelece um período de baixa endemicidade, também de maior ou

menor duração. Estas distintas apresentações dependem da interação entre os fatores

relacionados nas Figuras 1 e 2. Contudo, alguns padrões podem se repetir,

particularmente quando se trata da introdução de um sorotipo do vírus em populações

virgens de exposição em locais com grandes densidades populacionais e com índices

elevados de infestação pelo Ae.aegypti. Nestas situações, tem-se observado que durante

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100

algumas semanas a epidemia se anuncia com o aparecimento de alguns casos, próximos

entre si, para logo depois se configurar uma epidemia explosiva de duração variável51.

No Brasil, no período compreendido entre 1986 e 1993, as epidemias atingem

mais os grandes centros urbanos, e em alguns estados (Rio de Janeiro, Ceará e Alagoas)

delineiam-se duas ondas epidêmicas, em anos consecutivos, com intervalos de alguns

meses entre elas15. Em seguida, observava-se um período de dois anos com baixa

incidência da doença. A partir de 1994 esta tendência de elevação bienal se altera

significativamente.

Na Figura 7, observa-se que excluindo-se o episódio isolado de 1982 ocorrido

em Boa Vista, três ondas epidêmicas foram delineadas nos últimos 13 anos. A primeira,

biênio 86/87, corresponde a introdução do vírus DEN-1 em grandes centros urbanos dos

quais se destacaram as cidades que compõem a grande região metropolitana do Rio de

Janeiro (incluindo Niterói), Fortaleza e Maceió. A incidência para o país como um todo

atinge um pico de 65,1 casos por 100 mil habitantes. Com o recrudescimento da

circulação do DEN- 1 e a introdução do vírus DEN-2 uma segunda alça foi registrada

em 1990 e 1991, com níveis epidêmicos semelhantes a anterior, e registros de casos nas

cidades citadas anteriormente, acrescido de outras nos estados de Pernambuco, Minas

Gerais e São Paulo. Nota-se que logo após dois anos de altas incidências estas se

reduzem bruscamente a menos de 5 casos por 100 mil habitantes.

Diferentemente, a terceira onda epidêmica do Brasil, iniciada em 1994, vai se

elevando nos anos subseqüentes, sem apresentar o declínio das anteriores. Os vírus

DEN-1 e DEN-2 vão rapidamente sendo introduzidos e circulam em muitas outras

cidades intensamente infestadas pelo Ae. Aegypti, e seqüencialmente as epidemias vão

se sucedendo. A circulação se estabelece não só por contiguidade, como, também, pela

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101

introdução de casos índices importados em áreas indenes, distantes dos centros onde os

vírus foram isolados anteriormente. Este crescimento e expansão acompanha a

dispersão do Ae. aegypti que progrediu de modo também exponencial, como pode ser

notada na superposição da curva de tendência temporal da doença à progressão do

número de municípios infestados (Figura 8).

Em 1998, algumas unidades federadas registram taxas de incidência superiores a

1000 por 100 mil habitantes, sendo mais elevada na Paraíba, com 1807,4 por 100 mil

habitantes. A região Nordeste (Figura 5) é a que apresenta o maior risco de adoecer

desde 1996, e neste ano atinge 556 por 100 mil habitantes, mais de 60% acima da média

nacional (341 por cem mil habitantes).

Em 1999, vem se observando (Figura 5) um declínio significativo na incidência

do dengue no país (121,6 por 100 mil habitantes até 20/10) que possivelmente se deve

Figura 8 – Incidência de dengue e número de municípios com Aedes aegypti.Brasil, 1986 - 1998

8687888990919293*94959697980100200300400Tx. Inc./100.0000500100015002000250030003500Nº de Munic. Infest.Tx. Inc.35,1865,120,143,7528,0866,12,154,6836,8382,54116,38159,73350,88Nº Munic. Infest.2583483844564546407678689691791277127802910FONTE:GT-Dengue e Febre Amarela/CENEPI/FNS//MS* Número de municípios com Aedes aegypti em 1993 = média de 1992 e 1994.

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102

ao esgotamento de susceptíveis nas áreas onde a circulação viral foi muito intensa nos

últimos anos, e a algum efeito na redução nos índices de infestação do vetor,

conseqüente ao seu combate que vem sendo implementado em muitos municípios.

A sazonalidade das infecções (Figura 8) pelos vírus do dengue é bem evidente

no Brasil, na maioria dos estados. A sua incidência se eleva significativamente nos

primeiros meses do ano, alcançando maior magnitude de março a maio, seguida de

redução brusca destas taxas a partir de junho. Este padrão sazonal, que nem sempre é

observado em outros países, tem sido explicado pelo aumento na densidade das

populações do Ae aegypti, em virtude do aumento da temperatura e umidade, que são

registradas em grandes extensões de nosso território, durante o verão e outono.

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Meses

0

20

40

60

80

100

Anos

94

95

96

97

98

Fonte: CRs/FNS e SES.Gerência Técnica de Febre Amarela e Dengue.

Por 100.000 hab.

Figura 8 – Incidência mensal de casos notificados de dengue.Brasil, 1984 - 1998

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103

4.2.2. Magnitude dos eventos epidêmicos

São muito freqüentes as infecções oligosintomáticas e inaparentes causadas

pelos vírus do dengue. Em conseqüência a sub-notificação de casos é muito expressiva

mesmo quando o indivíduo apresenta a forma clássica sintomática da doença, em

virtude do quadro clínico ser confundido com muitas viroses febris e/ou exantemáticas,

ou por ser considerada pela população como uma virose benígna, o que nem sempre

impõe a busca de atenção médica. Deste modo, os dados oriundos das notificações

oficiais são muito subestimados e não revelam a força da circulação viral, embora

apontem a tendência de incidência da doença.

Para se estimar esta magnitude, são realizados inquéritos sorológicos que

determinam a soroprevalência de anticorpos para os vírus do dengue. No Brasil, vários

inquéritos foram realizados e os principais, nas grandes cidades, revelam soro-

prevalência média muito elevada como Rio de Janeiro (44,5%)27, Niterói (66%)28,

Salvador (67%)26, Fortaleza (44%)24 e São Luís (41,4%)25, indicando que centenas de

milhares de indivíduos foram infectados em cada um destes centros, o que evidencia

que as epidemias foram de magnitude surpreendente, e que para cada caso notificado

dezenas de infecções deixaram de ser conhecidas. Chama a atenção a taxa reduzida

encontrada em Ribeirão Preto (5,4%)52, cidade de médio porte, que podem ser

decorrentes de medidas de combate vetorial mais efetivas que já vinham sendo

implementadas antes e durante a epidemia.

5. Prevenção

Por não se dispor de vacina, a prevenção primária do dengue só pode realmente

ser efetivada nas áreas sob risco quando a vigilância entomológica ou o combate ao

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104

vetor antecede a introdução do vírus. Quando a circulação de um ou mais sorotipos em

uma região já está estabelecida, as medidas de combate ao vetor e a vigilância

epidemiológica da doença tem baixa efetividade e os órgãos responsáveis pela

prevenção do dengue enfrentam uma série de dificuldades técnico-científicas e

operacionais, relacionadas à complexidade epidemiológica dessa doença.

5.1. Combate ao Aedes aegypti

As ações de combate ao Ae. aegypti, único elo vulnerável da cadeia

epidemiológica do dengue, estão centradas em duas estratégias, controle ou erradicação,

que se diferenciam quanto às suas metas, o que implica em distintas extensões de

cobertura, estrutura e organização operacional. Entretanto, ambas incluem três

componentes básicos: saneamento do meio ambiente; ações de educação, comunicação

e informação; e combate direto ao vetor (químico, físico e biológico)51,53,54,55,56.

O componente de saneamento visa reduzir os criadouros potenciais do mosquito

mediante: aporte adequado de água para evitar o seu armazenamento em recipientes que

servirão para ovoposição; proteção (cobertura) de recipientes úteis; reciclagem ou

destruição de recipientes inservíveis; tratamento ou eliminação de criadouros naturais.

Dependendo da estratégia e meta do programa este componente pode ser restrito às

atividades específicas que são desenvolvidas pelos recursos humanos do próprio

programa por meio de orientações aos moradores de cada residência para promoção de

saneamento intra e peri-domiciliar, ou mesmo limitado apenas a estas últimas, ou ser

mais amplo, com envolvimento dos órgãos setoriais de saneamento responsáveis pela

melhoria do sistema de abastecimento de água e coleta de resíduos sólidos55, 57.

Da mesma forma, o segundo componente varia conforme as definições

estratégicas e a importância que é dada às ações de educação, comunicação e

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informação, que podem ser confinadas apenas à atuação dos agentes de saúde em cada

residência, associada ou não a algumas campanhas pontuais de educação e/ou

comunicação de massa, ou ser bem mais abrangente com participação efetiva de setores

sociais e governamentais; busca da participação das comunidades no processo de

prevenção, implementação de metodologias pedagógicas capazes de proporcionar

mudanças de comportamento no que diz respeito aos cuidados individuais e coletivos

com a saúde, com ênfase na necessidade de redução e eliminação dos criadouros

potenciais do mosquito transmissor da dengue55,57.

O combate físico e químico ao vetor inclui: a) tratamento focal que é a

eliminação das formas imaturas do Ae. aegypti, por meio aplicação de larvicidas nos

recipientes de uso doméstico que não podem ser destruídos, eliminados, ou tratados por

outras formas e a flambagem da parede de recipientes não elimináveis que contém ovos

deste vetor, em focos estratégicos; b) tratamento perifocal, que é polêmico quanto a

sua eficácia, por utilizar aspersão de inseticidas em torno do foco, sem ação residual e

sujeita às intempéries. A justificativa para seu uso é a eclosão do inseto adulto e seu

pouso nas imediações do foco. Este procedimento, é feito mediante rociadores manuais

ou a motor, nas paredes internas e externas dos recipientes preferencias para ovoposição

das fêmeas do vetor, e, no seu entorno.; c) aplicação espacial de inseticidas a ultra baixo

volume (UBV), para redução das formas aladas do Ae. aegypti. Esta técnica, só indicada

em situações epidêmicas, pode ser feita por aplicação no intra e peridomicílio,

empregando-se equipamentos portáteis, ou nas ruas, com máquinas pulverizadoras mais

pesadas montadas em veículos. A efetividade desta última forma de combate é bastante

questionada, mesmo quando são observados cuidadosamente todos os critérios técnicos

preconizados, por se constatar pouco efeito na redução da população das formas

adultas51. As normas e procedimentos técnicos e operacionais das atividades de combate

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químico, nos diversos países, têm fundamentos comuns, e as variações observadas,

atendem a realidade de cada área, ou a seleção de técnica ou rotina específica com a

qual se tem maior experiência55,56.

O controle biológico, é baseado no uso de organismos vivos capazes de

competir, eliminar ou parasitar as larvas ou formas aladas do vetor, e ainda não se tem

experiência de aplicação em larga escala. O Bacillus thurighiensis H-14(BTI), e peixes

larvicidas das espécies Gambusia afinis e Poecilia spp, têm sido os mais utilizados, e

preconiza-se o seu uso mais amplo nos programas de combate. Ensaios com larvas de

outros mosquitos (Toxorhynchites) e algumas pulgas d’água (Mesoscyclops;

Macrocyclops), também vêm sendo experimentados55.

Atualmente, tanto nas estratégias de erradicação como nas de controle, tem sido

orientado o uso integrado das várias técnicas de combate ao Ae. aegypti disponíveis,

associadas aos outros dois componentes descritos (saneamento e IEC). O que as

diferencia é que na primeira tem-se uma meta estabelecida a ser alcançada (índice de

infestação zero), a implantação é planejada para ser executada em quatro fases bem

definidas (ataque, consolidação, manutenção e vigilância entomológica), e, preconiza-se

que os componentes de saneamento e educação, comunicação e informação, sejam o

mais amplo possível e antecedam o início da fase de ataque, permanecendo em todas as

outras fases, para não criar condições mais propícias à reinfestação. Além disso, alguns

princípios técnicos científicos fundamentam a organização dos programas de

erradicação, que são o da universalidade da implantação das atividades em cada

território; o de sincronicidade de ações dos três componentes; e a continuidade

programática para que não haja desperdícios de recursos e/ou atraso na consecução da

meta. Distintamente, os programas de controle, além de não definir qual a meta a ser

alcançada, indicando apenas que deve-se reduzir e manter as populações de vetores a

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“níveis aceitáveis”, não são obrigatoriamente organizados dentro dos princípios e

fundamentos acima referidos55.

5.2 Vigilância Epidemiológica

O principal objetivo da vigilância epidemiológica de uma doença é a detecção

precoce de casos para indicar a adoção das medidas de controle capazes de impedir

novas ocorrências. A única forma de prevenção do dengue é a drástica redução da

população do mosquito transmissor (a zero, ou níveis muito próximos de zero), e desse

modo as vigilâncias entomológica e epidemiológica devem ser indissociáveis, e,

idealmente, aliadas às ações de combate ao vetor do dengue. Portanto, estas atividades

devem se constituir em um programa global em cada território, sob responsabilidade de

uma única instituição, mesmo que operacionalizados por profissionais com distintos

perfis de capacitação.

Como são bastante variadas as situações entomológicas e de ocorrência de casos

e/ou circulação viral em cada local, particularmente no Brasil, para efeito de orientação

das condutas de investigação epidemiológica e adoção de medidas de controle, após a

notificação de caso(s) suspeitos e/ou confirmados de dengue, considera-se as diferenças

entre áreas: não infestadas; infestadas porém sem transmissão; no curso de epidemia;

com transmissão endêmica; infestada com ou sem transmissão mas com maior risco de

urbanização da febre amarela58. Os propósitos da vigilância epidemiológica e dos

programas de controle são definidos de acordo com esta estratificação e vão desde o

impedimento de introdução de circulação dos vírus do dengue em áreas indenes, até a

simples redução do número de casos em áreas epidêmicas e endêmicas. Além disso,

institui-se o acompanhamento dos vírus circulantes e monitoramento das formas clínicas

graves.

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Esta diversidade de situações aliada ao pleomorfismo das apresentações

epidemiológicas e clínicas do dengue impõe uma vigilância ativa da doença em virtude

da baixa sensibilidade da vigilância passiva. Várias são as maneiras de se implementar

uma vigilância ativa sendo quatro os componentes fundamentais: notificação, busca

ativa e investigação de casos; vigilância laboratorial; vigilância das formas clínicas; e

vigilância entomológica. As dificuldades da vigilância se iniciam desde a suspeita e/ou

diagnóstico clínico - epidemiológico já que a forma clássica da doença pode ser

clinicamente confundida com muitas doenças febris, exantemáticas ou não, e as formas

hemorrágicas graves são ainda pouco conhecidas, para a maioria dos profissionais de

saúde dos países americanos, o que leva a sub-notificação e/ou diagnóstico de casos

graves, só após o aparecimento de óbitos. Por outro lado, a não existência de terapia

específica faz com que muitos pacientes não busquem atenção médica, principalmente,

quando apresentam quadros leves. Deste modo, epidemias explosivas assim como a

detecção dos sorotipos circulantes, em muitas situações só são diagnosticadas

tardiamente59,54,58,55.

Neste sentido, o apoio laboratorial, tanto sorológico como o isolamento viral, é

considerado pedra angular da vigilância ativa do dengue, em virtude da necessidade de

confirmação diagnóstica, particularmente logo aos primeiros casos suspeitos em uma

área indene, e, também para a determinação da extensão geográfica da circulação;

identificação dos sorotipos presentes; e informar sobre a possibilidade de ocorrência de

formas severas de acordo com os sorotipos circulantes59. A coleta de material para

isolamento viral e exames sorológicos deve ser feita de todos casos suspeitos de área

indene, e em amostra de indivíduos com manifestações clínicas compatíveis com

dengue, nas áreas onde já se estabeleceu a circulação58.

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Além desta vigilância ativa que visa conferir maior sensibilidade ao sistema,

tem-se buscado incluir estratégias alternativas que visam superar as deficiências dos

sistemas. A vigilância especial de formas clínicas graves, particularmente nas áreas de

circulação de mais de um sorotipo dos vírus, tem como propósito a emissão de “sinais

de alerta” logo aos primeiros casos suspeitos para instituição de terapêutica adequada, e

conseqüente redução da letalidade. Para facilitar a detecção das formas severas tem-se

indicado a eleição de unidades de saúde sentinelas (básicas e hospitalares) ou redes de

profissionais sentinelas, que são selecionados de acordo com o perfil de enfermidades

que atendem (clínica geral, infecciosas, hematológicas, emergências, etc), base

geográfica, conveniência e cooperatividade54. Para a detecção precoce de aumento de

incidência em áreas endêmicas e introdução de um novo sorotipo, principalmente, em

locais onde o sistema de notificação é deficiente, as unidades de saúde e/ou os

profissionais sentinelas devem ser sensibilizados para solicitar os exames laboratoriais

de um quantitativo de pacientes que apresentarem doenças febris. Para otimizar os

recursos da rede de diagnóstico recomenda-se articulação com os programas de

eliminação de doenças febris exantemáticas, acrescentando-se ao rol de exames

laboratoriais os de dengue, de acordo com rotina e critérios pré definidos54. Em áreas

populosas onde a transmissão já se estabeleceu, e a doença está se manifestando com

baixa endemicidade a estratégia de delimitação de “áreas sentinelas” para instituição de

sistema de monitoramento especial de doenças febris agudas, com implantação de

diagnóstico laboratorial pode ser útil no acompanhamento das alterações de freqüência.

Estes espaços servirão como “áreas de alerta” de modificações da situação

epidemiológica do dengue60,26. Nos países indenes, principalmente onde já se detectou a

presença de vetores potenciais, programas de vigilância de viajantes que apresentam

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enfermidades febris têm sido implantados54, visando adoção de medidas que impeçam o

estabelecimento da circulação viral.

Inquéritos soro-epidemiológicos podem ser realizados no curso ou após as

epidemias, com técnicas de detecção de IgM e/ou IgG. O desenho amostral deve ser

feito de acordo com os objetivos do estudo considerando-se a situação epidemiológica

da área, no momento da coleta de material. Estes inquéritos fornecem informações mais

acuradas de incidência (quando se usa teste para detecção de IgM) e de soro-prevalência

(IgG) que os dados de notificação de demanda espontânea, ou mesmo, de busca ativa de

casos; quantifica a ocorrência das infeçcões nos indivíduos na vigência de circulação de

mais de um sorotipo dos vírus; identifica as áreas de maior intensidade de circulação,

possibilitando o estudo dos fatores de risco associados às taxas de infeçcão. A

determinação das taxas de soro-prevalência das populações dimensionam a imunidade

de grupo, que associadas a outros indicadores, podem ser utilizadas como parâmetro de

avaliação da efetividade das atividades de controle desenvolvidas em cada região26,25.

5.3. Vacinas

A produção de uma vacina contra os 4 sorotipos do dengue, que seja segura e

efetiva, tem sido apontada pela OMS como prioridade face a gravidade da situação

epidemiológica e a baixa efetividade da maioria dos programas de combate ao Ae.

Aegypti. Em 1984, foi criado um comitê específico com o objetivo de facilitar as

investigações para o desenvolvimento de vacinas contra o dengue e a encefalite

japonesa2. Importantes fatores são limitantes deste objetivo, dentre os quais pode-se

destacar: a existência de quatro diferentes sorotipos e o fenômeno da

imunoamplificação viral, implicando na necessidade de se obter um imunógeno efetivo

para todos os vírus simultaneamente; a presença de anticorpos nas populações onde um

ou mais sorotipos já circulou; baixas produções de partículas virais após a passagem do

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agente em diferentes sistemas celulares; possibilidade de inversão da virulência quando

se usa vírus atenuado; não se dispor de um modelo animal experimental que desenvolva

as formas graves da doença, o que implica na necessidade de se incorrer em riscos ao se

utilizar voluntários humanos para a verificação definitiva de atenuação da cepa2.

Atualmente, existem vacinas candidatas convencionais ou de primeira geração,

atenuadas ou inativadas; de segunda geração que incluem a expressão de proteínas

recombinantes em diferentes sistemas; e as de terceira geração que são as de DNA61. No

primeiro grupo tem-se monovalente de vírus vivo atenuado e tetravalente Esta segunda,

está sendo considerada bastante promissora por: conter os 4 sorotipos dos vírus do

dengue; já ter sido testada em ratos apresentando baixa neurovirulência, e em macacos

Rhesus produzindo baixa viremia com desenvolvimento de anticorpos neutralizantes

sorotipo específicos; conferir imunidade por mais de 5 anos; ter níveis de viremia pós-

vacinal baixos; apresentar soroconversão em humanos em torno de 95%; manter os

marcadores de atenuação depois de passar pelo homem e mosquito62,63. As vacinas de

proteína recombinante utiliza como modelo animal macacos cynomolgus (macaca

fascicularis), é específica contra o DEN-2, cêpa Jamaica 1409, preparada em Aedes

pseudoscutellaris (AP61). Os estudos vêm demonstrando que esta vacina tem potencial,

por induzir resposta humoral e celular. Embora só tenha sido testado em 6 macacos, os

dados apresentados mostram que este animal pode se constituir em um modelo

experimental adequado64. As de terceira geração são de material genético purificado e

infere-se que seja possível a imunização com uma mescla de seqüências de DNA65.

As vacinas candidatas estão em diferentes estágios de desenvolvimento. Apesar

das investigações serem bastante promissoras ainda não se tem nenhuma vacina

disponível para uso em populações. Entretanto, a tetravalente de vírus vivo atenuado já

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112

está em fase avançada e deverá, em breve, entrar em fase III, o que coloca alguma

perspectiva de nos próximos anos dispormos de uma vacina eficaz.

5.4. Efetividade das Intervenções

Dificilmente se consegue a interrupção da transmissão do vírus do dengue

quando o combate ao vetor é instituído após a introdução primária de um ou mais

sorotipos, em grandes e populosos centros urbanos, com elevada densidade de

mosquitos. Isto ocorre ainda que se disponha de uma vigilância ativa da doença e o

diagnóstico de casos seja feito precocemente. Nestas situações, mesmo que se reforçe as

atividades de combate ao vetor, o tempo que decorre até a redução das populações de

mosquito é muito maior que a velocidade de circulação viral, pois a população de

hospedeiros encontra-se quase que universalmente susceptível66. É uma concepção

errônea de que a simples redução da população do Ae. aegypti pode impedir a

ocorrência de casos, pois mesmo na vigência de baixa densidade vetorial (1 ou 2% de

Índice de Infestação Predial) a transmissão dos vírus se processa, se a população não for

imune ao(s) sorotipo(s) circulante(s), e muitas das vezes, a redução da incidência em

uma área tropical epidêmica ocorre “naturalmente”, mais em função da imunidade de

grupo que vai se estabelecendo, do que pelos resultados obtidos com as ações de

controle estabelecidas51.

Desta forma, a epidemia quando se instala segue seu curso e as ações de

combate vetorial mostra pouca ou nenhuma efetividade66. A vigilância epidemiológica,

mesmo quando ativa, não consegue exercer sua principal função que é a de impedir a

ocorrência e disseminação da doença através da orientação das medidas de controle.

Exerce apenas as funções de coleta de informações para estimativa da magnitude e

gravidade do evento e de organização da rede de serviços de saúde, para evitar a

ocorrência de óbitos na vigência de casos de dengue hemorrágico.

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A vigilância epidemiológica é mais efetiva e necessária nas áreas livres de

circulação viral, ou que estão em fases interepidêmicas. Nestas últimas, onde o risco de

ocorrência de formas graves é muito alto, quando da introdução de um novo sorotipo,

ações contínuas de combate visando a eliminação do vetor e a vigilância ativa da

doença, não podem ser negligenciadas.

6. Desafios e Perspectivas

Como pode ser observado, os desafios para a prevenção das infecções causadas

pelos vírus do dengue são complexos visto ainda ser centrada na eliminação do seu

principal transmissor - o Ae. aegypti - que até os dias atuais se constitui no único elo

vulnerável da cadeia epidemiológica. Esta eliminação envolve agressão ao meio

ambiente pelo uso de inseticidas; investimentos substanciais em saneamento ambiental;

necessidade de participação das comunidades com indução de modificações

comportamentais; permissão da população para o tratamento químico de depósitos de

água intra e peridomiciliares não elimináveis; atividades programáticas contínuas até a

completa eliminação desta espécie de mosquito; manutenção de vigilância

entomológica; e problemas inerentes à biologia do próprio vetor.

Mesmo com todas estas dificuldades, experiências vitoriosas de erradicação do

Ae. aegypti foram conduzidas neste século, em vários países americanos, em função das

epidemias de febre amarela urbana o que contribuiu significativamente para diminuir,

ou mesmo impedir, a circulação dos vírus do dengue neste continente até a década de

sessenta. Entretanto, a reinfestação de muitos destes países nos anos setenta não foi

combatida com eficiência, e como as condições ambientais dos centros urbanos estavam

mais favoráveis à proliferação do vetor, rapidamente ocorreu a sua dispersão por

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extensas áreas territoriais. A grande preocupação até a década de sessenta era apenas

com a febre amarela urbana, que passou a dispor de uma potente vacina, pois

equivocadamente o dengue era considerado uma doença benígna. Com a erradicação da

febre amarela urbana, os programas de prevenção da sua forma silvestre centraram suas

atividades na vacinação das populações residentes em áreas de risco, onde havia

circulação viral, ou próximas a estas.

A vigilância entomológica do Ae. aegypti foi então descuidada, a estrutura do

programa de erradicação foi sendo paulatinamente desmontado, e as reinfestações das

grandes cidades coincide com um momento de grandes restrições dos recursos

destinados aos programas de Saúde Pública, tanto no Brasil, como em grande parte dos

países latino americanos. Esta limitação, e a crença na benignidade do dengue fizeram

com que a estratégia de erradicação dos programas de combate vetorial fosse

substituída, em 1985, pela de controle55.

De acordo com a OPS55, o reconhecimento da impossibilidade de todos os países

adotarem uma estratégia de erradicação, e que passassem a organizar programas de

controle se constituía em um avanço na política de prevenção do dengue. Entretanto,

considera-se incorreta a concepção de que a redução da densidade vetorial, pressuposto

básico dos programas de controle, diminui a incidência do dengue51,66. Evidências desta

má concepção podem ser constatadas nas sucessivas epidemias dos países americanos

que mantém programas de controle. Também em Singapura, cidade onde o programa de

controle é considerado muito eficiente e vinha mantendo índices de infestação do Ae.

aegypti abaixo de 1%, com o declínio da imunidade de grupo, epidemias de dengue

voltaram a ocorrer66,67. Fatos semelhantes a este têm sido registrado em cidades

brasileiras15.

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Mesmo os países que adotaram a estratégia de erradicação tiveram problemas

nos últimos anos, sendo o exemplo mais marcante o de Cuba, que instituiu um forte

programa de erradicação do vetor desde 1981, mantendo-se índices de infestação

próximos a zero e livre de circulação viral por 15 anos. Em 1997, este país registrou

uma epidemia em um centro urbano, logo após uma elevação da densidade populacional

do Aedes aegypti41. Assim, torna-se evidente a importância de se estabelecer metas de

redução da população vetorial, que devem ser permanentemente de zero ou próxima a

zero, para evitar a transmissão do dengue, pois índices superiores criam as condições

necessárias a ocorrência de epidemias onde as populações não apresentam elevada

imunidade de grupo para o vírus introduzido.

Existem grandes evidências de que as condições atuais e as perspectivas futuras

das Américas e particularmente do Brasil favorecem a expansão e agravamento dos

eventos relacionados com o Dengue, visto estar se estabelecendo uma situação de

hiperendemicidade, e a circulação de vários sorotipos aumenta a probabilidade de

imunoamplificação53. Grandes contingentes populacionais residentes em dezenas de

centros urbanos brasileiros já possuem anticorpos contra os vírus DEN-1 e/ou DEN-2, e

os índices de infestação pelo Ae. aegypti se mantém elevados. Outros centros, onde

ainda não se estabeleceu a circulação viral estão expostos a infecções massivas em

função das situações entomológicas que exibem. Por outro lado, o processo de

globalização com os intercâmbios internacionais torna iminente a introdução dos outros

dois sorotipos, que já estão circulando em países americanos. Ou seja, as condições

epidemiológicas e entomológicas são muito favoráveis para a ocorrência das formas

hemorrágicas destas infecções, mesmo considerando-se a hipótese de ser baixa a

virulência da cepa do sorotipo DEN-2 que circula nas Américas35.

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Como em outras regiões, no Brasil, a atual estratégia de combate ao vetor não

tem demonstrado estar tendo efetividade na maioria das áreas onde vem sendo

implementada, e muitos municípios infestados não estão sendo contemplados com

recursos para o combate vetorial. Por outro lado, nas cidades onde os vírus circularam

intensamente está se recompondo a coorte de indivíduos susceptíveis, o que significa

que as populações de lactentes estão expostas tanto às formas clínicas benígnas, pela

circulação endêmica dos vírus presentes, quanto às mais graves, em virtude da

transmissão vertical de anticorpos contra um ou mais sorotipos dos vírus do dengue, o

que favorece o fenômeno da imunoamplificação (ADE), na vigência de introdução de

outro sorotipo ou de cepas mais virulentas dos que já circulam.

A possibilidade do Ae. albopictus se tornar um transmissor destes vírus no

continente americano, como o é no Sudeste Asiático, agrava a situação continental pela

sua presença em amplas faixas territoriais de países indenes e livres do Ae. aegypti. O

desenvolvimento e testagem de vacinas tetravalentes considerada por muitos como

único instrumento capaz de modificar o grave curso da circulação dos vírus do dengue,

apesar dos avanços das vacinas candidatas, ainda levará alguns anos para exibirem os

requisitos para uso massivo.

Deste modo, tem-se que se debruçar na única alternativa de prevenção

disponível que é o combate vetorial. A definição de estratégias técnicas e operacionais

efetivas para sua utilização deve se constituir em prioridade dos governos dos países

infestados. Tem-se que ter como pressuposto que ações de controle mal conduzidas

devem ser abandonadas, por não produzir nenhum impacto epidemiológico, desperdiçar

recursos, promover o desenvolvimento de resistência aos inseticidas, poluir o meio

ambiente sem qualquer benefício para a população, além de abalar a credibilidade dos

serviços de Saúde Pública.

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O reduzido impacto das ações do programa de combate ao Ae. aegypti que vem

sendo implementado desde a segunda metade da década de oitenta, nos países

americanos e particularmente no nosso, evidenciado pela evolução da incidência da

doença e mais ainda pelos resultados dos inquéritos sorológicos realizados em várias

capitais brasileiras, indica a necessidade dos dirigentes dos órgãos governamentais

refletirem sobre a pertinência da sua manutenção. Os recursos públicos que vêm sendo

alocados para este combate, embora sejam insuficientes para o desenvolvimento de

todas as atividades necessárias à erradicação, são de grande vulto, quando se considera

o total do montante destinado aos programas de Saúde Pública. Os dados entomológicos

apresentados e o curso e percurso das epidemias indicam o agravamento da situação

(Figuras 5 e 8) e, que optando-se por manutenção desta estratégia, não se vislumbra

qualquer perspectiva de controle das infecções, o que não justifica os dispêndios para

este tipo de combate vetorial.

Embora seja objeto de grandes controvérsias a possibilidade de erradicação do

Ae. aegypti51,57 a comunidade científica brasileira por convocação do Conselho

Nacional de Saúde57 e um comitê de especialistas da OPS68 discutiu esta questão,

considerando-a factível. As bases técnicas e científicas foram apresentadas culminando

na elaboração do Plano Diretor de Erradicação do Ae. aegypti (PEA), para o Brasil57.

Este plano não vem sendo executado, e, em substituição foi implementada outra

proposta69, denominado PEAa, baseada na estratificação de risco dos municípios, que

privilegia o repasse de recursos onde as condições epidemiológicas são mais graves,

desconsiderando princípios e pressupostos básicos ao combate vetorial que são: a

universalidade, a sincronicidade, e a continuidade das ações70. Além disso, não

incorporou os três pilares propostos no plano de erradicação elaborado para o Brasil

(saneamento ambiental, educação, informação e comunicação), estando centrado apenas

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no combate químico e eliminação de alguns criadouros dos mosquitos (saneamento

domiciliar). O componente de educação, informação e comunicação também foi

bastante restringido.

Na impossibilidade de se implantar na totalidade as ações definidas no plano de

erradicação de 1996, a revisão das bases da atual estratégia se impõe, com

estabelecimento de metas regionais mínimas, que se aproximem da eliminação do vetor,

respeitando-se os princípios das quatro fases de programas de combate vetorial,

implantação de vigilância entomológica ativa em áreas geográficas livres do Ae.aegypti.

Desta forma, utilizar-se-á os conhecimentos técnicos - científicos que já estão bem

estabelecidos e das experiências vitoriosas, atuais e passadas, tanto do Brasil como dos

outros países.

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Artigo 5

EPIDEMIOLOGIA DO DENGUE EMSALVADOR-BAHIA, 1995-1999

Maria da Glória TeixeiraMaria da Conceição Nascimento Costa

Maurício L. BarretoFlorisneide R. Barreto

Artigo a ser enviado para publicação na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical

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R E S U MO

Desde 1982, o Brasil tem registrado epidemias de dengue de grande magnitude,

e atualmente já se estabeleceu a circulação simultânea dos sorotipos DEN-1 e DEN–2

em mais de 2700 municípios. Em Salvador, capital do Estado da Bahia, situado na

Região Nordeste do país, ocorreram duas ondas epidêmicas nos anos de 1995 e 1996,

com posterior endemização da doença. Este estudo analisa a incidência desta virose

nesse município, no período de 1995 a 1999, considerando entre outras variáveis, sua

distribuição nos Distritos Sanitários e a situação de densidade do Aedes aegypti. Utiliza

como fonte de dados os registros de casos notificados do Sistema de Informação de

Agravos de Notificação (SINAN) e do Programa de Controle Vetorial da cidade. A taxa

de incidência de casos notificados de dengue que foram de 691,4 e 393,5 por 100.000

habitantes, respectivamente, em 1995 e 1996, reduziu-se para 65 por 100.000 em 1998.

Nos Distritos Sanitários constituídos em sua maioria por bairros mais carentes, este

indicador alcançou valores superiores a 800 por 100.000 habitantes, no primeiro ano da

epidemia. O Índice de Infestação Predial pelo Aedes aegypti apresentou grande

variabilidade nos espaços da cidade, e no ano de 1997, chegou a atingir 54,1% em um

dos seus bairros. Tendo em vista a importância da reemergência do dengue no mundo,

considerado um dos principais problemas de saúde da atualidade em função da

potencialidade de produção de formas graves e letais da doença, os autores discutem os

possíveis fatores que condicionaram a introdução do vírus, as suas apresentações

epidemiológicas no curso de 4 anos, e a efetividade do programa de combate vetorial.

Palavras chaves: dengue; epidemiologia; Aedes aegypti; epidemia.

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ABSTRACT

Since 1982, Brazil has registered large scale dengue epidemic surges, and the

simultaneous circulation of the DEN-1 and DEN-2 sorotypes has been established in

over 2,700 counties (municipalities). In Salvador, the capital of the State of Bahia,

located in the Northeastern region of the country, two epidemic surges occurred in the

years of 1995 and 1996, with further endemic spread of the desease. This study analyses

the incidence of the virosis within this municipal area. from 1995 to 1999, considering,

among other variables, its distribution in the Sanitary Districts and the density setting of

the Aedes aegypti. Registers of notified cases in the Aggravation Notifying Information

System (SINAN) and of the city’s Vectorial Control Program were used as data source.

The incidence rate of notified cases of the dengue in 1995 and 1996, which were of

691,4 and 393,5 per 100.000 inhabitants, respectively, decreased to 65 per 100.000

inhabitants in 1998. In the Sanitary Districts, basically constituted of poorer

neighborhoods, this index reached figures over 800 per 100.000 inhabitants in the first

year of the epidemics. The Predial Infestation Index by the Aedes aegypti presented

great variability in the different spaces of the city, and in 1997, it reached 54% in one of

the districts. Bearing in mind the relevance of the re-emergence of the dengue in the

world, and considering it one of the main health problems of today’s world due to the

potentiality of its severe and lethal forms of production, the authors discuss the

possible factors which condition the virus introduction, its epidemiological

presentations in the course of four years, and the effectiveness of the vectorial combat

(eradication) program

Key words: dengue; epidemiology; Aedes aegypti; epidemics.

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1. Introdução

O sorotipo DEN-1 do vírus do dengue passou a circular no Brasil no ano de

1986, em três grandes centros urbanos, Rio de Janeiro, Niterói, e Maceió, colocando em

alerta as instituições públicas de saúde. Os órgãos de vigilância epidemiológica das

Secretarias Estaduais de Saúde e das Coordenações Regionais da Fundação Nacional de

Saúde das áreas não afetadas passaram então a investigar casos de doenças febris

agudas, provenientes das áreas acometidas, e realizar pesquisas entomológicas nos

locais de ocorrência de casos suspeitos. Neste período, o sistema de vigilância

entomológica do Aedes aegypti, que foi criado, em função da estratégia de manutenção

da erradicação da Febre Amarela Urbana, encontrava-se desestruturado19. Naquele ano

epidêmico o Aedes aegypti foi detectado em 256 municípios brasileiros e embora ações

de combate vetorial tenham sido instituídas, sua extensão e intensidade foram

insuficientes para a eliminação deste vetor20.

Na Bahia, a primeira epidemia de dengue foi detectada em fevereiro do ano

seguinte em Ipupiara, pequeno município do Sudoeste do Estado. O sorotipo

identificado também foi o DEN-1, e cerca de 623 casos foram notificados como

suspeitos, o que correspondeu a uma taxa de incidência em torno de 24.000 casos por

100.000 habitantes. Ações intensas de combate ao Aedes aegypti foram imediatamente

implantadas, e como a cidade era muito pequena em 90 dias o vetor foi completamente

eliminado do território daquele município, e casos da doença deixaram de ser

registradas no início de maio21. Neste mesmo ano, também foram notificados 12 casos

em Santo Antonio de Jesus, recôncavo baiano, todos procedentes do Rio de Janeiro6.

O dengue só voltou a ser detectado na Bahia sete anos após, quando em 1994 o

DEN-2 foi introduzido em um pequeno município situado no extremo Sul do Estado,

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disseminando-se em seguida, e ainda neste ano atinge centros urbanos de 8 Diretorias

Regionais de Saúde (DIRES). Cerca de 1.988 casos foram notificados sendo a taxa de

incidência de 15 por 100 mil habitantes5,6.

Esta situação se agrava consideravelmente em 1995, havendo registro da doença

em 23 das 30 DIRES (259 casos por 100.000 habitantes), e casos autóctones são

encontrados na maioria dos municípios atingidos. O maior pico epidêmico no Estado

ocorreu em 1996, quando a incidência atingiu 502 por 100.000 habitantes. A seguir,

observa-se um declínio e, em 1998 esta taxa foi de 170 por 100.000 habitantes5. Entre

1994 a 1996 o único sorotipo isolado foi o DEN-2, e somente em 1997 o DEN-1

também passou a circular intensamente.

Tendo em vista a importância da reemergência dos vírus do dengue no mundo, e

a escassez de estudos epidemiológicos sobre esta doença na Bahia, este artigo tem como

objetivo analisar a ocorrência desta virose e a situação de densidade e dispersão do

Aedes aegypti, seu agente transmissor, em Salvador, capital deste Estado.

2. Material e Métodos

Salvador, é a terceira maior cidade brasileira em população, estimada em torno

de 2.307.797 habitantes, em 1997. Essa capital vem sofrendo um processo de

crescimento acelerado e desordenado conseqüente das correntes migratórias do campo

para as áreas metropolitanas, sem um correspondente desenvolvimento de atividades

produtivas e de infra estrutura básica15.

Embora cerca de 90% dos domicílios de Salvador encontrem-se ligados a rede

de abastecimento de água, o seu aporte é intermitente em parte das residências dos

bairros populares. A rede de esgotamento sanitário beneficia apenas 26% das

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residências, e em 7% não se dispõe de nenhum tipo de instalação sanitária. A coleta

regular de lixo alcança 76,8% da área da cidade1.

O presente estudo foi desenvolvido com dados secundários referentes ao período

de 1995 a 1999, provenientes do Sistema Nacional de Agravos de Notificação (SINAN)

da Secretaria Estadual de Saúde2 (SESAB), dos relatórios do programa de combate

vetorial desenvolvido pelo Centro de Controle de Zoonoses da Secretaria Municipal de

Saúde de Salvador17,18, em articulação com a Coordenação Regional da Fundação

Nacional de Saúde/BA, e do Projeto Piloto para erradicação do Aedes aegypti de

Salvador/ Bahia11.

Os dados do SINAN são coletados rotineiramente pelas unidades de saúde da

rede de serviços da cidade, consolidados na Divisão de Vigilância Epidemiológica da

SESAB e, dentre os quais foram selecionados para o presente estudo aqueles relativos a

identificação dos indivíduos, endereço e semana epidemiológica de início dos sintomas

da doença.

Os relatórios do CCZ/SMS incluem dados consolidados por ciclo de trabalho

trimestral, das atividades desenvolvidas pelos agentes de saúde que operam no

programa de combate vetorial, denominado de Plano de Erradicação do Aedes aegypti

no Município de Salvador. Desta fonte de dados foram levantadas informações acerca

do número de bairros onde se desenvolvem as ações do programa e os valores dos

Índices de Infestação Predial (IIP), que vêm sendo obtidos no período de 1997 a 1999.

As estimativas populacionais total e por faixas etárias empregadas como

denominadores para o cálculo dos indicadores de ocorrência da doença foram

fornecidas pelo Departamento de Informação e Comunicação Social da SESAB.

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A análise dos dados foi efetuada a partir das freqüências absolutas, percentuais e

taxas de incidência da doença. Os dados do SINAN foram exportados para o Epi-info

versão 6.0, procedendo-se a limpeza no banco para exclusão de duplicidade de registros.

Os valores dos Índices de Infestação Predial foram digitados em planilha Excel, versão

97, estimando-se a seguir as suas médias e medianas, para os anos de referência deste

estudo.

3. Resultados

Observa-se na Tabela e Figura 1, que em 1995, foram registrados 15.458 casos

de dengue no município de Salvador, correspondendo a uma incidência 691,4

notificações por 100 mil habitantes. O maior pico desta epidemia ocorreu na semana

epidemiológica 18 (abril), quando a incidência semanal atingiu 75,1 por 100 mil

habitantes, e até o final deste mês cerca de 8.500 casos já haviam sido registrados. A

partir de maio observa-se uma brusca redução da curva que se acentua no final de junho

quando a incidência semanal decresce para 7,1 casos por 100 mil habitantes. Nas duas

primeiras semanas do mês de julho registra-se uma elevação (23,2 casos por 100 mil

habitantes) e a incidência volta a patamares semelhantes ao mês de maio que eram em

torno de 27 por 100 mil habitantes. A partir deste período delineia-se uma tendência

consistente de redução até a semana epidemiológica 45, que corresponde ao início do

mês de novembro daquele ano. Nas últimas semanas de 1995, verifica-se discretas

elevações de incidência, quando comparadas ao período anterior (de julho até a segunda

semana de novembro).

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Tabela 1 – Número de casos de dengue e incidência anual por 100.000 habitantes.Salvador-Bahia, 1995 – 1999*

Ano No Incidência

1995 15.458 691,4

1996 10.988 393,5

1997 1.256 44,6

1998 1.478 65,0

1999* 608 16,2

Fonte: SESAB/DIVEP* Dados preliminares até a semana 42.

Figura 1 – Taxa de incidência de dengue (por 100.000 hab.) por semanaepidemiológica. Salvador-Bahia, 1995-1999

Em 1996, registra-se uma nova onda epidêmica em Salvador, que em janeiro

atinge 1.158 casos, e já nos quatro primeiros meses totaliza 7.095 dos 10.988 registros

daquele ano, e a incidência anual atinge 393,5 por 100.000 habitantes. O maior pico

ocorreu entre os meses de abril e maio, alcançando na semana epidemiológica 17 o

FONTESESAB/DIVEP* Dados preliminares.135791113151719212325272931333537394143454749510,0020,0040,0060,0080,00Tx. IncidênciaSemana Epidemiológica 9596979899*

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valor máximo de incidência semanal que correspondeu a 26,3 casos por 100 mil

habitantes. No segundo semestre deste ano também observa-se uma queda progressiva

da curva epidêmica que mostra discretas elevações nas semanas epidemiológicas 41, 46

e 47.

No ano seguinte, a taxa de incidência de dengue em Salvador reduziu-se

drasticamente, quando comparada a dos dois anos anteriores, ocorrendo apenas 1.256

notificações (44,6 casos por 100.000 habitantes). A mais alta taxa semanal de incidência

em 1997, foi de 2,9 por 100.000 habitantes na semana epidemiológica 18. Mesmo com a

redução de ocorrência da doença pode-se observar que no segundo semestre as taxas de

incidência foram menores que no primeiro.

Em 1998, a taxa de incidência da doença manteve-se em patamares considerados

reduzidos, se são tomados como parâmetros os valores observados nos dois anos

epidêmicos, 1995 e 1996, mas seu valor de 65 casos por 100 mil habitantes, foi superior

ao alcançado em 1997. Os valores das taxas também foram menores nos últimos meses

do ano.

Observou-se em 1999 as menores incidências de dengue durante o período deste

estudo. Até a semana epidemiológica 42, haviam sido registrados 608 novos casos, e

taxa de incidência de 16,2 por 100.000 habitantes. O valor máximo foi na semana 18

quando atinge 1,3 casos notificados por 100.000 habitantes.

No primeiro ano de epidemia as áreas da cidade que apresentaram maiores riscos

para esta doença foram os Distritos Sanitários Sanitários da Liberdade (1.657,8 casos

por 100.000 habitantes) e o Cabula/Beiru (882,8 por 100.000 habitantes) nos quais se

situam muitos dos bairros carentes da cidade (Figura 2). No primeiro semestre do

segundo ano todas as áreas da cidade apresentaram altas incidências, com destaque para

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os Distritos Sanitários da Liberdade, Pau da Lima e Itapagipe, com incidências que

variaram de aproximadamente 873 a 1560 por 100 mil habitantes.

Nos três primeiros anos desta série de estudo a maior incidência de dengue foi

entre os indivíduos acima de 15 anos de idade, principalmente, na faixa dos 20 aos 29

anos. Em 1998, este padrão se altera, sendo os menores de 10 anos, particularmente a

faixa de 0 a 4 anos, os que apresentaram os maiores riscos (Figura 3). Enquanto entre

1995 e 1997 a incidência desta doença foi significativamente (p=0,0000) maior entre os

indivíduos com idade igual ou superior a 15 anos que os menores de 15 anos (0,21 e

0,86; 0,26 e 0,58; 0,04 e 0,06 respectivamente). Em 1998 esta distribuição se inverte

(0,06 e 0,04 respectivamente; p=0,0000).

Figura 2 – Incidência de casos notificados de dengue de acordo com distritossanitários. Salvador - Bahia, 1995

Fonte: SESAB/DIVEP

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Figura 3 - Incidência de casos notificados de dengue (por 100.000 hab.) por faixaetária, Salvador - Bahia, 1995 – 1999

No início da epidemia não se dispunha de dados sobre os IIP da maioria dos

bairros de Salvador e entre aqueles para os quais existia registro desta informação,

53,1% estavam infestados e em 25,5% deles os IIP encontravam-se acima de 2%.

Em fevereiro de 1997, um levantamento deste índice (1o ciclo) foi feito em 141

bairros da cidade correspondendo a 70,7% do total existentes (208). Apenas três não se

mostraram infestados pelo Aedes aegypti e cinco apresentaram IIP abaixo de 2%.

Excluindo-se os bairros não infestados observou-se uma grande variabilidade desses

índices (0,3% a 54,1%), sendo a média de 12,6% e mediana de 11,75%).

O IIP médio encontrado no levantamento realizado em 119 bairros em 1998, foi

de 6,5% e a mediana de 4,9 %. Em seis bairros não se encontrou formas imaturas de

Aedes aegypti e em 14 o IIP estava abaixo de 2%. Os valores variaram de 24,7% a

0,3%, excetuando-se os seis bairros onde não foram detectadas formas imaturas de

Aedes aegypti.

0 a 45 a 910 a 1415 a 1920 a 2930 a 3940 a 4950 a 5965 e +0,00200,00400,00600,00800,001000,001200,00Tx. IncidênciaFaixa Etária9596979899*FONTESESAB/DIVEP* Dados preliminares.

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No levantamento que se procedeu em janeiro de 1999, em apenas 81 bairros

(39% dos existentes) onde foram desenvolvidas atividades de combate vetorial,

encontrou-se um IIP médio de 6,3% com mediana de 5,8%. Em junho deste mesmo ano

(terceiro ciclo de trabalho) a média foi de 5,8% e mediana 5,0% (Figura 4). Não se

encontrou nenhum bairro sem Aedes aegypti neste último levantamento e em apenas

sete este índice foi inferior a 2%, mínimo de 0,6% e máximo 26,2%

Figura 4 – Índice de Infestação Predial (IIP) pelo Aedes aegypti em três ciclos detrabalho. Salvador – Bahia, 1999.

4. Discussão

A introdução do vírus do dengue em Salvador em 1995, produziu em anos

consecutivos duas ondas epidêmicas de grande magnitude, da forma clássica da doença.

Este padrão foi semelhante ao que ocorreu em muitas capitais brasileiras em anos

anteriores 7. O risco de ocorrência destas epidemias era previsto haja visto a intensa

circulação dos sorotipos DEN-1 e DEN-2 em outros centros urbanos do país.

Entretanto, não se desenvolveu uma intervenção capaz de evitar estas ocorrências pois

eram inexpressivas as ações de combate ao Aedes aegypti que vinham sendo

Gráfico 2 - Índice de Infestação Predial (IIP) deAedesaegypti deacordo com ciclos de trabalho. Salvador, 19991o Ciclo2o Ciclo3o Ciclo01234567I.I.P.%Fonte: SMS/CCZ

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implementadas na cidade. O número de agentes de saúde disponíveis para este

programa de controle era de apenas 197, quando se estimava ser necessário 1637,

considerando-se a situação entomológica apontada no levantamento parcial de IIP,

realizado naquele ano11,16.

A intensa infestação pelo mosquito transmissor do vírus do dengue aliada a

elevada densidade populacional de Salvador e a inexistência de imunidade de grupo

contra este agente podem ser apontados como possíveis fatores que propiciaram a

ocorrência das epidemias, principalmente da primeira onda que assumiu um caráter

explosivo. O decréscimo de incidência observado entre as duas curvas epidêmicas em

Salvador retrata a sazonalidade da doença no Brasil12, decorrente da redução da

densidade da população de vetores em função da queda de temperatura e umidade que

se registra no período entre julho a outubro, particularmente na Região Nordeste.

Embora o diagnóstico com comprovação laboratorial dos primeiros casos de

dengue em Salvador tenha sido feito em janeiro de 1995, 14 casos foram confirmados

em dezembro de 1994, retrospectivamente, mediante história clínica e vínculo

epidemiológico Similarmente, a segunda onda epidêmica também teve seu início no

mês de dezembro. Estas observações são sugestivas de que a circulação viral está

estreitamente relacionada com o início da estação mais quente do ano e que a

transmissão do agente pode ter sido iniciada meses antes de ser detectada pela vigilância

epidemiológica. Como um surto de rubéola foi registrado em 1994, pode-se aventar a

hipótese de que casos de dengue tenham sido confundidos com esta doença

exantemática3.

As oscilações nas incidências observadas no final do mês de dezembro de 1995,

podem estar associadas a menor demanda aos serviços de saúde devido as festas

natalinas, fazendo com que as taxas de sub-notificação se elevem. Da mesma forma, a

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redução de incidência correspondente ás últimas semanas do mês de junho de 1995,

pode ser imputada às festas juninas, quando é tradição no nordeste brasileiro a

população se deslocar da capital para o interior do Estado.

As curvas delineadas pelas duas epidemias mostraram-se diferentes não só

quanto a magnitude como também quanto a forma. Em 1995, o pico concentrou-se em

abril e maio, pois a circulação viral foi se estabelecendo na cidade nos primeiros meses

do ano e a inexistência de imunidade de grupo propiciou a explosão da epidemia. Em

1996, após a transmissão ter sido detectada na grande maioria dos bairros o que resultou

em uma parcial imunidade de grupo, as taxas de incidência não alcançaram os mesmos

patamares do ano anterior. Este comportamento, não pode ser atribuído a medidas de

combate vetorial, já que estas ações que eram praticamente inexistentes, não sofreram

alterações, nem tão pouco à subnotificação pois o sistema de informações para dengue

foi intensificado na rede de seviços de saúde e a população estava alerta devido ao

desencadeamento de ações especiais de educação e informação em saúde. Estas foram

desenvolvidas de forma articulada ou independente pelo conjunto de instituições

responsáveis pela área de saúde pública da cidade13,14, mas por não terem sido

acompanhadas de combate direto ao transmissor, possivelmente não contribuíram para a

redução da população de mosquitos, conforme pode ser constatado no levantamento de

IIP realizado em janeiro de 199717.

Nos anos que se seguiram às duas epidemias, as taxas de incidência de casos

notificados de dengue estiveram bastante reduzidas, exceto no mês de abril de 1997. É

importante destacar que foi em março deste ano que foi isolado o sorotipo DEN-1 na

cidade, mas é possível que este sorotipo já estivesse circulando anteriormente em

Salvador.

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Apesar de nas duas ondas epidemicas as áreas mais afetadas terem sido as mais

densamente povoadas onde se concentra parte da população carente da cidade (Distritos

Sanitários da Liberdade e Cabula/Beiru), é possível que as elevadas taxas de incidência

destes espaços geográficos não representem um risco desigual de acometimento da

doença em função das diferentes características sócio econômicas de sua população,

mas sim o reflexo do viés das notificações. Cabe assinalar que cerca de 90% destes

registros são oriundos de unidades públicas da rede de serviços de saúde (SINAN), que

atendem com maior freqüência camadas mais pobres da população.

Não se tem um comportamento único de ocorrência por idade no dengue,

entretanto, a maior incidência da doença nas faixas etárias mais elevadas é um padrão

observado em áreas indenes logo após a introdução de um sorotipo do vírus9,10, como a

que foi observada neste estudo e em um inquérito sorepidemiológico realizado em São

Luís do Maranhão19, área de circulação viral recente. Em geral, este padrão de

ocorrência se modifica na medida em que se instala o processo de endemização da

doença. A diferença nas faixas etárias encontradas em 1998, já estão apontando nesta

direção.

Em muitos países as ações de combate ao Aedes aegypti vêm apresentado baixa

efetividade8,9, devido a complexidade da biologia deste vetor e sua capacidade de

adaptação ao ambiente humano, além de dificuldades técnicas e operacionais para

execução das atividades para se alcançar níveis de infestação compatíveis com a

eliminação da transmissão que devem ser zero ou muito próximos a zero. Circulação

viral tem sido estabelecida em situações de densidade próximas a 1% de IIP8.

Em Salvador, o insucesso das ações de combate vetorial estão mais relacionadas

à problemas operacionais. Tais ações só foram intensificadas em 1997 após o

estabelecimento da transmissão viral e da ocorrência das epidemias. Ademais, o

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programa não implantou todos os componentes (saneamento, educação e informação em

saúde e combate químico físico e biológico ao vetor) preconizados no Plano Diretor de

Erradicação do Aedes aegypti do Brasil4. As atividades que têm sido desenvolvidas

referem-se quase que exclusivamente ao combate químico e físico ao mosquito, sem

caráter universal pois não beneficia todos os espaços do território de Salvador, nem

sempre cumprem os ciclos de trabalho no tempo adequado e sofrem solução de

continuidade em virtude de não haver repasse automático de recursos financeiros18.

A decisão dos dirigentes do Programa de Erradicação de Salvador, de beneficiar

parte dos bairros da cidade e fazer um esforço para cumprir todas as atividades dentro

do período estabelecido para cada ciclo de trabalho, vem resultando em uma gradativa

redução dos IIP destas áreas, como pode ser observado em 199918. Entretanto, a

situação entomológica das outras áreas não cobertas pelas ações programáticas podem

estar contribuindo para a lentidão de redução destes índices, e mesmo para sua elevação

em alguns bairros onde as ações são desenvolvidas, devido a grande mobilidade do

vetor.

A ocorrência de casos desta doença pelos sorotipos DEN-1 e DEN-2 durante

todos os meses dos últimos anos, mesmo com baixa incidência, indica que estes agentes

estão circulando já sob a forma endêmica na cidade. Entretanto, a diminuição da

morbidade não pode ser imputada apenas a redução dos IIP conseqüente às ações de

combate vetorial. Tem-se que se considerar que a imunidade de grupo para estes

sorotipos que foi estabelecida na cidade desempenha um importante papel neste

processo.

Entende-se que a estratégia de combate vetorial adotada não vem favorecendo a

obtenção do impacto epidemiológico desejado, que é o de interrupção da circulação dos

vírus circulante, e nem mesmo assegura a redução do risco de introdução de outros

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sorotipos do vírus do dengue. Os níveis de infestação do mosquito que hoje são

registrados em Salvador, ao contrário, apontam para a possibilidade de ocorrência de

novas epidemias, inclusive com formas graves da doença.

5. Referências Bibliográficas

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20. Teixeira MG, Barreto ML; Guerra Z. Epidemiologia e medidas de prevenção dodengue. A aceito para publicação no Informe Epidemiológico do SUS.8(4),1999.

21. Vasconcelos, PFC; Mota, K; Travassos da rosa, A; Tavares Neto, J. Epidemia dedengue em Ipupiara e Prado, Bahia: inquérito soro-epidemiológico. RevistaSociedade Brasileira de Medicina Tropical 33(1) 61-67, 2000.

22. Vasconcelos PFC, Lima JW, Raposo ML, Rodrigues S.G, Travassos da Rosa, JFS,Amorim SMC, Travassos da Rosa ES, Moura CMP, Fonseca AN, Travassos daRosa, PA. Inquérito soro-epidemiológico na Ilha de São Luís durante epidemia dedengue no Maranhão. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 32(2):171-179, mar./abr., 1999.

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Artigo 6

DINÂMICA DE CIRCULAÇÃO DO VÍRUS DODENGUE EM UM

COMPLEXO CENTRO URBANO

Maria da Glória TeixeiraMaria da Conceição Nascimento Costa

Maurício Lima BarretoLeila Denise Alves Ferreira

Pedro Vasconcelos

Este artigo será sub-dividido para ser submetido a publicação.

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RESUMO

A dinâmica de circulação do vírus do dengue em espaços intra-urbanos de

grandes metrópoles e os fatores de risco destas infecções ainda não são bem conhecidos,

embora sejam importantes para o avanço do conhecimento sobre o controle da doença.

A idéia de que a pobreza é um dos determinantes da maioria das doenças infecciosas e

parasitárias não é nova, entretanto, no caso do dengue este é um assunto controverso. As

tecnologias de prevenção disponíveis não vêm se mostrando suficientes para conter a

expansão e força de reemergência destas infecções. Este estudo teve como objetivos

descrever a distribuição da soroprevalência e incidência de infecções pelo vírus do

dengue em distintos espaços intra-urbanos de uma grande e complexa cidade do Brasil,

verificar a existência de relação entre a intensidade de circulação viral e as condições de

vida da população, bem como com as ações de combate vetorial. Utilizou-se um

desenho de estudo prospectivo de base ecológica e individual, procedendo-se a

inquéritos sorológicos de uma população amostral de indivíduos residentes em 30

distintos espaços da cidade - “áreas sentinelas” - selecionados de acordo com diferenças

extremas de condições de vida. Os resultados revelaram elevadas soroprevalência

(67,7%) e incidência (70,6%) para os sorotipos circulantes (DEN-1 e DEN-2), com

grande variabilidade nos valores entre as 30 áreas estudadas, e que a efetividade das

medidas de combate vetorial é muito reduzida. Conclui-se que a circulação viral ocorreu

em todo o território da cidade e que mesmo adequadas condições de vida não foram

capazes de impedir a ocorrência de elevados riscos de transmissão. Estimou-se que em

um período de apenas 4 anos cerca de 85% da população de Salvador foi infectada, o

que evidencia a força e rapidez de transmissão deste agente.

Palavras chaves: Dengue; epidemiologia; distribuição espacial; efetividade;

controle.

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SUMMARY

The process of dengue circulation in intra-urban spaces of great metropolis and

the risk factors of these infections are not well know yet, although they are very

important to the control and prevention of this infection. Despite of poverty be a

determinant for most of the infectious and parasitic diseases, it is still controversial as a

determinant of dengue. The available technologies for control of its agent transmission

has not been capable to avoid the expansion and reemergence strength of dengue

infection. Therefore, the objectives of the study are: to describe the seroprevalence and

incidence of dengue in different intra-urban spaces of a complex city in Northeast

Brazil; to investigate the relationships between viral circulation intensity and life

conditions of the study population and the vectorial combat actions. Ecological and

individual prospective studies were design to investigate a sample of the population who

lives in 30 different areas of the city- “sentinel areas”- selected according to different

social-economic status. The results reveal a low effectiveness of the vectorial combat

measures and high seroprevalence (67,7%) and incidence of infection (70,6%) for the

circulating serotypes (DEN-1 and DEN-2) in the 30 studied areas with great variability

of the rate estimates. The authors concluded that there was viral circulation in the whole

territory of Salvador and that high rates of transmission was also observed among areas

of high social-economic status. It was also estimates that 85% of the population was

already infected by the dengue virus within a time period of only four years, indicating

the strength and velocity of dengue transmission in Salvador.

Key-words: Dengue; prospective; serological survey; spatial distribution;

effectiveness vectorial combat.

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1. Introdução

Os determinantes do ressurgimento do dengue como um dramático problema

para o mundo nos últimos anos são complexas e ainda não conhecidas totalmente. O

crescimento desordenado dos centros urbanos, a produção desenfreada de descartáveis

que são dispostos no meio ambiente, a rapidez dos transportes aéreos que estabelece

oportunidades para os vírus e o vetor moverem-se entre os países e, a falência dos

programas de controle do Aedes aegypti, são alguns entre aqueles que mais

frequentemente têm sido apontados (Gubler, 1997). A dinâmica de circulação viral nos

espaços intra-urbanos, particularmente das grandes metropóles, e dos fatores que

interferem nos riscos de ocorrência destas infecções também não estão bem

estabelecidos e, de acordo com Kuno (1995), estudos epidemiológicos em torno desta

questão vêm sendo negligenciados, embora sejam importantes para o avanço no campo

do controle e prevenção do dengue.

Em geral, quando um sorotipo do vírus do dengue é introduzido em pequenas

comunidades isoladas, após um período de transmissão com elevadas taxas de infecção

o ciclo se interrompe, como aconteceu em algumas ilhas do Pacífico depois da segunda

grande guerra (Gubler, 1997), por ser a viremia humana a principal e talvez única fonte

de infecção para o Aedes aegypti, mosquito transmissor de maior importância

epidemiológica para estas infecções. Já nos grandes centros urbanos infestados por este

vetor, a persistência da circulação destes agentes é bastante favorecida devido às

elevadas densidades populacionais, taxas de nascimentos, migração, que continuamente

repõem o estoque de indivíduos susceptíveis criando as oportunidades para perpetuar o

ciclo de transmissão destes vírus (Rodhain & Rosen, 1997).

Ainda é um assunto controverso a distribuição dos riscos de exposição às

infecções pelos vírus do dengue em relação às distintas situações sociais e econômicas

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de grandes cidades, que têm sido relacionados tanto a áreas onde residem populações

com precárias condições de vida quanto àquelas com situações mais favoráveis

(Medronho, 1995; Vasconcelos, 1998). A idéia de que a pobreza é um dos fatores

associados a ocorrência de doenças infecciosas e parasitárias não é nova, e já desafiava

grandes sanitaristas do século XVIII como Chadwick, em 1842 (Chadwick, 1945) e

Vilermé, em 1942 (Vilermé, 1988), mostrando-se como um expressivo problema para

ser equacionado nas próximas décadas.

A redução da mortalidade por este grupo de causas, principalmente em função

do advento de agentes terapêuticos, da implantação dos programas de imunização e

campanhas de combate vetorial e saneamento ambiental, parecia indicar que esta seria

uma questão resolvida com o conhecimento científico e tecnológico disponível, o que

não se concretizou diante da reemergência de novos e velhos agravos pertencentes a

este grupo de enfermidades (Barreto, 1996; Barata,1997). O dengue é um destes

problemas, cuja tecnologia para controle foi desenvolvida na primeira metade do século

XX, mas vem se mostrando insuficiente para conter a sua expansão na atualidade

(Reiter, 1992; Gubler, 1997), de modo que a força de reemergência destas infecções se

mantém, observando-se o agravamento do curso desta pandemia. Por ser o único

instrumental de prevenção disponível, as campanhas de combate vetorial continuam

sendo desenvolvidas por muitos países, com custos operacionais elevados além de

contribuir para a poluição ambiental, em conseqüência da utilização de inseticidas em

larga escala.

A realização de investigações prospectivas de soroprevalência e incidência de

infecções pelos vírus do dengue em populações humanas aliadas ao acompanhamento

dos índices de infestação do mosquito transmissor e do levantamento das condições

econômicas e do ambiente onde se processa a interação entre estes seres, poderá

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contribuir para a identificação do papel que cada um deles desempenha na manutenção

da circulação viral. O conhecimento dos fatores que regulam a circulação viral poderá

acrescentar elementos para o debate desta questão e das estratégias de controle mais

adequadas.

Este estudo teve como objetivos descrever a distribuição da soroprevalência e

incidência de infecções pelo vírus do dengue em distintos espaços intra-urbanos de uma

grande e complexa cidade e verificar a existência de relação entre a intensidade de

circulação viral e as condições de vida da população, bem como, com as ações de

combate vetorial em curso.

2. Metodologia

2.1. População e Área de Estudo

Trata-se de um estudo prospectivo ecológico e individual, realizado em Salvador

- Bahia, cidade do Nordeste do Brasil que em 1998 possuía mais de 2,3 milhões de

habitantes. Teve como unidades de análise o agregado espaço-populacional denominado

de “Área Sentinela” e, indivíduos residentes nestas áreas. Para a seleção das áreas

sentinelas, foi considerado que o acesso a saneamento básico e nível de renda

constituíam-se em um proxy relativamente válido e objetivo das condições de vida (ISC,

1997). Utilizando-se dados do Censo Demográfico de 1991, os 1765 Setores Censitários

(SC) de Salvador foram classificados em 3 níveis de saneamento (predominantemente

saneados, quando 80% ou mais dos domicílios do setor eram saneados; moderadamente

saneados, quando a proporção de domicílios saneados era de 50-70%; não saneados,

quando menos de 50% dos domicílios eram saneados), e três níveis de renda familiar

(alta, quando em mais de 50% dos domicílios a renda familiar era maior que 5 salários

mínimos; média, quando não havia predomínio de domicílios onde a renda familiar era

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alta ou baixa; baixa, quando em mais de 50% dos domicílios a renda familiar era

inferior a 1 salário mínimo). Como no nível de renda familiar alta não houve nenhum

setor que se enquadrasse nos níveis de moderadamente saneado ou não saneado foram

constituídos apenas sete tipos de estratos: a) renda familiar alta e predominantemente

saneado; b) renda familiar média e predominantemente saneado; c) renda familiar média

moderadamente saneado; d) renda familiar média e não saneado; e) renda familiar baixa

e predominantemente saneado; f) renda familiar baixa e moderadamente saneado; g)

renda familiar baixa e não saneado. Cada um dos SCs foi classificado em seu respectivo

estrato de renda e saneamento para em seguida, identificar-se em qual Bacia de

Esgotamento (BE) se situava. Para maximizar a capacidade de apreensão do impacto

epidemiológico optou-se por privilegiar condições extremas, quando dos procedimentos

da escolha destes sítios. Definiu-se então que seriam estudadas 30 unidades amostrais -

áreas sentinelas (Mapa) - três para cada Bacia, sendo 24 selecionadas nos estratos “e”,

“f “, e “g” (Calafate, Cobre, Lobato, Mangabeira, Médio Camurujipe, Paripe, Periperi e

Tripas), três na Bacia de Armação classificadas nos estratos “b” e “c”, e três unidades

localizadas na Bacia da Barra, correspondentes a SCs escolhidos no estrato “a”. Para a

delimitação destas áreas utilizou-se mapas fornecidos por instituições oficiais que

continham a definição dos limites dos SCs e das ZIs e a localização das BEs (ISC,

1997).

2.2. Procedimento Amostral

Para se determinar a proporção de indivíduos infectados pelos vírus do dengue

em Salvador, estimou-se uma soroprevalência de 50% para maximizar o tamanho da

amostra . Essa estimativa encontra-se dentro das variações (66% e 44%) dos valores

médios encontrados anteriormente em dois grandes centros urbanos brasileiros

(Figueiredo et al, 1991; Vasconcelos et al, 1998). Um censo realizado nos domicílios

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nas "áreas sentinelas", em 1997, computou um total de 68.749 habitantes, que se

constituiu na população de referência deste estudo. Desta retirou-se a amostra estimada

em 1503 indivíduos (Epi Info v.6), através da técnica de amostragem aleatória simples

sem reposição, com realização de pós-estratificação (Cochran, 1977), admitindo-se um

valor máximo para o erro amostral absoluto igual a 2,5% e um nível de confiança de

0,05. Após o acréscimo de 30% para compensar as possíveis perdas este número passou

para 2149 indivíduos, dos quais 1515 participaram do estudo.

2.3. Inquéritos Sorológicos

2.3.1. Procedimentos Éticos

De acordo a Resolução N0 196/96 do Conselho Nacional de Saúde que dispõe

sobre as Normas e Procedimentos para pesquisa biológica envolvendo seres humanos, o

protocolo desta investigação foi submetido e aprovado pela Comissão de Ética em

Pesquisa Científica do Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz/Fundação Oswaldo

Cruz/Bahia. O consentimento informado era entregue nos domicílios dos indivíduos

sorteados, com antecedência mínima de 48 horas, por visitadoras de campo de cada área

sentinela, que já conheciam as respectivas comunidades. O sangue só era coletado após

este consentimento informado ter sido lido e assinado pelos indivíduos sorteados ou

pelos responsáveis, em caso de menores de 14 anos. Os resultados dos exames foram

entregues em cada residência, também pela visitadora de campo.

2.3.2. Coleta de Amostras

Entre maio e julho de 1998 a primeira amostra de sangue foi coletada na

população desta coorte utilizando-se tubos a vácuo esterilizados de 10 ml. O soro foi

separado das células por centrifugação 2000g, armazenados a -200C, no Laboratório

Avançado de Saúde Pública - LASP/FIOCRUZ-BA, e, posteriormente, enviados por via

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aérea em caixas térmicas contendo gelo seco para o Laboratório do Serviço de

Arbovírus do Instituto Evandro Chagas (Belém, Pará). Neste laboratório, foram

pesquisados os anticorpos nos espécimens séricos contra os quatro sorotipos dos vírus

do dengue e mais quatro flavivírus associados a doença humana no Brasil: Febre

Amarela (FA), Rocio (ROC), Ilhéus (ILH) e Encefalite Saint Louis (SLE).

O teste de escolha foi o de Inibição de Hemaglutinação (IH) de Clarke & Casals

(1958) usando a microtécnica modificada por Shope (1963). Por ser simples e de

elevada sensibilidade este teste é recomendado para rotina ou triagem, e,

principalmente, em inquéritos sorológicos em virtude dos anticorpos IH persistirem por

longo tempo (Vasconcelos, 1999).

Entre maio e julho de 1999, procedeu-se ao segundo inquérito sorológico

utilizando-se os mesmos procedimentos do primeiro, no qual foram incluídos apenas os

indivíduos que haviam apresentado reação de IH negativa para os dois sorotipos (DEN-

1 OU DEN-2), ou positiva para apenas um deles, estando portanto susceptíveis a uma

nova infecção por um dos agentes circulantes na cidade do Salvador.

2.4. Critérios de Positividade

Foram consideradas como soro-positivas todas as amostras que apresentaram

reações com títulos iguais ou maiores que 1:20 para os antígenos dos sorotipos DEN-1 e

DEN- 2. As respostas imunes heterotípicas foram também assim consideradas, quando

os soros reagiram com mais de um antígeno dos flavivírus em títulos recípocros igual ou

maior que 1:20. Portanto, os títulos menores que 1:20 foram definidos como negativos.

Recentemente, Vasconcelos (1999) reviu amplamante as características das respostas

mono e heterotípicas em exames sorológicos envolvendo a pesquisa de anticorpos

contra flavivírus, tendo também assumido estes critérios de positividade em seus

estudos.

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2.5. Características das Respostas Sorológicas dos Flavivírus em Testes deInibição de Hemaglutinação

Mesmo sabendo-se que a resposta sorológica para flavivírus é complexa, a

utilização de um painel de antígenos de vírus sabidamente circulantes no Brasil, reduz

as probabilidades de falsas interpretações sorológicas. Em Salvador, não há transmissão

epidêmica de outros flavivírus, exceto do dengue dos sorotipos DEN- 1 e DEN-2

(Teixeira et al, 2000), embora recentemente tenha sido aventada a possibilidade de

ocorrência de circulação do vírus Rocio, não houve isolamento viral (Stratmann et al,

1997). Ademais, a vacina contra a febre amarela não era utilizada nem na rotina do

programa de imunização (PNI) nem sob a forma de campanhas até 1999. Desta forma,

entendeu-se que haveria poucas chances das reações heterotípicas serem por outros

flavivírus que não os do dengue sorotipos DEN-1 e DEN-2.

2.6. Coleta de Dados Biológicos e Sociais

Um questionário estruturado foi aplicado a todos os indivíduos incluídos no

estudo no momento da primeira coleta de sangue, quando se registrou dados de

identificação, sexo, idade, grau de instrução, renda, referência a ter sido acometido por

dengue nos anos anteriores e uso de vacina anti-amarílica.

Durante os meses de abril e maio de 1999 procedeu-se a transcrição das datas

das visitas dos agentes de saúde do programa de combate vetorial do Centro de Controle

de Zoonoses de Salvador, e ao levantamento dos Índices de Infestação Predial de larvas

de Aedes aegypti (IIP) em 100% dos domicílios das 30 áreas sentinelas, utilizando-se os

mesmos procedimentos da Fundação Nacional de Saúde (Brasil/FNS,1997). Este índice

é obtido multiplicando-se o número de imóveis encontrados com larvas de Aedes

aegypti por 100, e dividindo-se o resultado pelo total de imóveis inspecionados.

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A partir da informação sobre o número de residentes e da extensão territorial de

cada setor censitário que compõem as áreas sentinelas obtidas no Censo Demográfico

de 1996, foram estimadas as densidades populacionais de cada um destes espaços.

2.7. Processamento e Análise

Apesar da imunidade produzida pelo vírus do dengue ser sorotipo específica, e

portanto indivíduos do estudo poderem ter sido acometidos ou vir a apresentar mais de

uma infecção pelos agentes circulantes em Salvador (DEN-1 e DEN-2), optou-se por se

estimar as soroprevalência e incidência de pessoas infectadas e não por número de

infecções.

Na abordagem ecológica a unidade de análise foi a área sentinela para a qual

foram estimadas as medidas de frequência referidas. Realizou-se análise exploratória

para descrição das principais características das áreas do estudo e verificou-se a

existência de associação entre as variáveis de interesse através de diagramas de

dispersão e cálculo dos coeficientes de correlação de Pearson. Procedeu-se ainda a

padronização por idade das soroprevalências e incidência de infecção devido às

diferentes estruturas etárias verificadas nas amostras por área sentinela (Rothman,

1986). Essa padronização foi realizada pelo método indireto para as 30 áreas sentinelas

tomando-se como referência os valores da soroprevalência e da incidência por faixa

etária dos indivíduos componentes do total da amostra estudada. A partir das

informações coletadas no questionário, estimou-se os indicadores de freqüência

considerando a proporção de indivíduos por sexo, idade igual ou superior a quinze anos,

e escolaridade (assumindo-se como risco ter idade igual ou superior a quinze anos e não

possuir o primeiro grau completo), e renda média familiar igual ou menor que dois

salários mínimos. Já a densidade populacional média foi obtida do censo de 1996

realizado pelo FBIGE.

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Foram estimadas as Razões de Prevalência (RP) e Risco Relativo (RR) tomando

como padrão de referência para a primeira a área sentinela de número 427, e para a

segunda a 7, ambas situadas na Bacia da Barra. Considerando os sete estratos originais

de renda e saneamento (ítem 2.1) as áreas sentinelas foram reagrupadas em três

categorias (1 - estratos “a” “b”; 2 - “e” e “f”; e 3 - estrato “g”), calculando-se as

respectivas soroprevalências e incidências de infecção brutas e padronizadas por idade

pelo método direto (Rothman, 1986) e aplicando-se o teste de Qui-quadrado de

Tendência.

Não se encontra estabelecido o índice de infestação mínimo capaz de impedir a

transmissão do vírus do dengue, havendo referências de que este valor deva estar

próximo a IIP igual ou menor que 1%, baseado nas experiências de transmissão da febre

amarela urbana no Senegal (WHO, 1972). Entretanto, não foi possível assumir este

valor como ponto de corte para cálculo da Fração Prevenível, medida empregada para

avaliação de impacto, em virtude de terem sido poucas as áreas (571 e 575) que

poderiam ser incluídas neste tipo de agrupamento e do reduzido número de indivíduos

que participaram do segundo inquérito sorológico residentes nestas unidades de análise,

o que poderia comprometer os valores das estimativas. Optou-se então por estimar-se a

Fração Prevenível considerando-se como local de residência de indivíduos não expostos

ao risco de infecção: as áreas sentinelas com IIP £ 3,1%.

Mediante análise de covariância (ANACOVA) (Montgomery, 1991) obteve-se

as incidências de infecção para os vírus do dengue para cada grupo de Indice de

Infestação Predial (£3%; 3,1% a 5%; 5,1% a 10%; e >10%), ajustadas para os

confundidores, idade e soroprevalência médias dos residentes das áreas sentinelas, esta

última, por determinar o estoque de susceptível em uma população, e portanto modular

a incidência de infecções.

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Na abordagem individual, também realizou-se análise exploratória, e avaliou-se

simultaneamente os fatores de risco para ocorrência de infecções pelos vírus do dengue

pelo emprego da regressão logística ponderada, obtendo-se as medidas de associação

(Razões de Prevalência/RP) e Risco Relativo/RR) pelo método Delta (Oliveira et al,

1997). A ponderação deveu-se à correção necessária ao procedimento amostral

empregado. Considerou-se como expostos indivíduos que: tinham idade igual ou

superior a quinze anos; não possuiam o primeiro grau completo (apenas para aqueles

com idade igual ou superior a quinze anos); tivessem renda familiar igual ou menor que

dois salários mínimos.

Foram ainda calculados Sensibilidade, Especificidade e Valores Preditivos (VP)

da informação referida pelos indivíduos sobre ter sido acometido por dengue, nos três

anos anteriores ao inquérito de soroprevalência.

Todos os dados foram digitados no programa Epi-info 6.0 e as análises

realizadas tanto neste Software, como no STATA, e no SAS.

3. Resultados

3.1. Características da Amostra

Dos 1515 indivíduos que participaram do inquérito de soroprevalência 57,9%

eram do sexo feminino e 71,4 % pertenciam a faixa etária acima de 15 anos,

principalmente 15 a 29 (33,3%) e 30 a 49 (29,3%) (Tabelas 1 e 2). A maioria (68,3%)

possuía 8 anos ou menos de escolaridade, e cerca de 25% referia renda familiar inferior

a dois salários mínimos e 50% entre dois e menos de cinco salários mínimos. No

inquérito de incidência estas características mantiveram-se semelhantes (Tabela 2).

Participaram desta etapa do estudo 595 indivíduos, dentre os 860 elegíveis segundo os

critérios estabelecidos, o que representou uma perda de 30,8 %. A grande maioria destas

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perdas se deveu a mudança de endereço (80%) e os outros 20% por não terem sido

localizados ou por recusa.

Tabela 1 - População do primeiro e segundo inquéritos sorológicos para Dengue,segundo faixa etária e sexo. Salvador - Bahia, 1998 e 1999.

1º inquérito(soroprevalência)

2º Inquérito (incidência deinfecção)Sexo/

Faixa etáriaMasc. Fem. Total Masc. Fem. Total

0-4 43 34 77 5,1 18 21 39 6 ,6

5-9 63 64 127 8,4 34 35 69 11,6

10-14 107 82 189 12,5 47 41 88 14,8

15-19 89 123 212 14,0 37 49 86 14,4

20-29 118 175 293 19,3 38 70 108 18,1

30-39 116 164 280 18,5 30 60 90 15,1

40-49 48 115 163 10,8 13 38 51 8 ,6

50 e mais 54 120 174 11,5 23 41 64 10,8

Total 638 877 1.515 100,0 240 355 595 100,0

Tabela 2 – Características da população do primeiro e segundoinquéritos sorológicos para dengue. Salvador - Bahia, 1998 e 1999

Variáveis 1º Inquérito 2º InquéritoNo % No %

Sexo Masculino 638 42,1 240 40,3Feminino 877 57,9 355 59,7

Idade ≥ 15 anos 1081 71,4 378 63,5< 15 anos 434 28,6 217 36,5

Escolaridade Analfabeto 55 3 ,6 17 3,81o grau incompleto 816 53,9 341 63,31º grau completo 163 10,8 58 10,82o grau incompleto 145 9 ,6 57 10,62o grau completo 164 10,8 49 9,1Superior incompleto 18 1 ,2 6 1 ,1Superior 32 2 ,1 11 2,0

Renda < 2 salários mínimos 378 25,0 156 26,32 a < 5 salários mínimos 757 50,0 298 50,15 a < 8 salários mínimos 147 9 ,7 51 8,68 e + salários mínimos 233 15,4 90 15,1

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157

3.2. Abordagem Ecológica

A soroprevalência encontrada foi de 68,7% e, nesta ocasião, 43,2% dos

indivíduos já apresentavam sorologia positiva para duas infecções (DEN-1 e DEN-2)

(Tabela 3).

Tabela 3 - Soroprevalência para dengue na amostra de indivíduosresidentes em 30 áreas sentinelas. Salvador - Bahia, 1998.

Sorologia Nº Prevalência (%)

Positiva para um sorotipo 386 25,5

Positiva para dois sorotipos 655 43,2

Negativa 474 31,3

Total 1.515 100,0

Observou-se uma grande variação nas soroprevalências para um e dois sorotipos

entre as 30 áreas sentinelas. Em 16,7% dessas áreas este valor foi superior a 90%

destacando-se uma localizada em Paripe que atingiu 97,6%, e as menores

soroprevalências foram encontradas em Periperi (16,2% e 38,5%), Armação (42,9%) e

Barra (44,4%). Os valores máximos da soroprevalência para dois sorotipos (87,9% e

87,5%)) foram observados nas áreas sentinelas 243 e 315situadas na Bacia de Tripas,

seguidos de 86,3% na área 263 (Calafate). Nas áreas 1054 (Paripe) e 1011 (Periperi) não

se detectou indivíduo com anticorpos para os dois sorotipos do vírus do dengue, e na

área 191 (Cobre) encontrou-se apenas um (3,3%). As soroprevalências para uma

infecção também revelaram grande variabilidade entre as áreas sentinelas, com valor

mínimo de 3,0 % na bacia de Tripas (área 243) e máximo em Paripe 97,6% (1054). A

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158

distribuição das soroprevalências nas áreas sentinelas pouco se alterou após a

padronização por idade (Tabela 4).

As Razões de Prevalência/RP estimadas para a soroprevalência para um e dois

sorotipos tendo como padrão de referência a área sentinela 427, localizada na Bacia da

Barra, por ser a de menor soroprevalência dentre aquelas que pertenciam ao estrato “a”,

indicaram um risco de positividade que variou de 0,36 na área sentinela 1011 (Perperi)

a 2,20 na área 1054 na Bacia de Paripe (Tabela 5).

Observa-se na Tabela 6, que após se reagrupar as 30 áreas sentinelas em três

categorias segundo nível de renda familiar e de saneamento, a soroprevalência para um

ou dois sorotipos (74,0%) foi maior no grupo de piores condições de vida, mantendo-se

esta distribuição após a padronização por idade. O teste de Qui-quadrado de tendência

mostrou que esta diferença era estatisticamente significante (c2 = 8,386 p= 0,004). Para

as infecções por dois sorotipos, a categoria 2, que corresponde às áreas de

intermediários níveis de saneamento e renda familiar foi a que apresentou a menor

soroprevalência (38,2%), e não se observou tendência estatisticamente significante (c2 =

0,179 p= 0,672).

Houve uma fraca correlação negativa entre as soroprevalências brutas (r= -

0,2598; p=0,166) e padronizadas (r = - 0,2778; p=0,137), para um ou dois sorotipos do

dengue e a proporção de indivíduos com idade igual ou superior a 15 anos com menos

de oito anos de escolaridade, mas sem significância estatística. Também não se

encontrou associação estatísticamente significante entre a renda média e as

soroprevalências brutas ( r= - 0,0374; p= 0,845) ou padronizadas (r= 0,0571; p=0,764),

para um ou dois sorotipos do vírus do dengue (Tabela 7).

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159

Tabela 4 - Soroprevalência para dengue (bruta e padronizada),população do estudo, densidade populacional, estrato de condições devida de acordo com áreas sentinelas e bacias de esgotamento sanitário.

Salvador - Bahia, 1998.

Soroprevalência (%)

1 e 2 sorotipos (global) 1 sorotipo 2 sorotiposBacia

ÁreasSentin.

Estrato

Dens.Populac

Hab/Km2

Pop.Amost.

No.posit.

Bruta Padr.No.

posit.Bruta Padr.

No. posit.

Bruta Padr.

Barra 7 a 13200,25 70 40 57,1 54.4 8 11,4 11,8 32 45.7 41,7

444 a 7597,34 50 35 70,0 66.6 10 20,0 20,7 25 50.0 45,4

427 a 27093,30 27 12 44,4 42.2 2 7,4 7,4 10 37,0 34,1

Armação 571 b 3074,11 21 9 42,9 42.3 2 9,5 9,4 7 33,3 38,9

575 b 49745,21 11 9 81,8 80.9 2 18,2 19,4 7 63.6 60,3

595 b 38879,46 114 85 74,6 73.9 12 10,5 14,8 73 64.0 83,8

Tripas 243 f 21247,13 33 30 90,9 90.5 1 3,0 3,0 29 87.9 87,9

309 f 17638,42 31 15 48,4 49.2 4 12,9 13,1 11 35,5 36,1

315 f 25369,13 64 59 92,2 88.9 3 4,7 4,9 56 87.5 79,1

Calafate 204 f 37591,05 63 50 79,4 80.2 8 12,7 13,0 42 66.7 66,8

263 f 48578,09 51 47 92,2 92.1 3 5,9 6,0 44 86.3 85,2

323 f 26206,60 46 33 71,7 72.8 3 6,5 6,5 30 65.2 66,8

Camaragibe 327 g 36910,85 42 32 76,2 77.1 4 9,5 9,1 28 66.7 69,6

322 g 33375,85 44 27 61,4 61.3 4 9,1 9,1 23 52.3 52,0

330 g 49979,27 40 26 65,0 64.3 7 17,5 17,3 19 47.5 46,8

Paripe 1.054 f 23770,24 42 41 97,6 99.0 41 97,6 96,8 0 - -

1.057 f 14810,25 65 39 60,0 58.8 31 47,7 46,6 8 12,3 12,0

1.072 g 28459,30 49 42 85,7 86.4 15 30,6 30,1 27 55,1 56,4

Periperi 1.026 e 16320,92 117 45 38,5 38.1 28 23,9 23,3 17 14.5 14,6

1.025 e 6526,08 63 37 58,7 61.2 29 46,0 45,3 8 12,7 13,7

1.011 e 11953,18 37 6 16,2 16.4 6 16,2 16,0 0 - -

Cobre 191 f 28733,91 30 25 83,3 84.2 24 80,0 76,1 1 3,3 3,5

961 f 17748,87 53 41 77,4 75.9 26 49,1 49,2 15 28.3 27,4

962 f 5698,25 55 39 70,9 69.4 25 45,5 44,6 14 25.5 24,9

Mangabeira 672 f 7363,17 56 28 50,0 53.0 10 17,9 17,9 18 32,1 35,3

677 f 26419,39 55 51 92,7 91.8 11 20,0 19,8 40 72.7 72,0

678 f 1833,97 32 19 59,4 62.8 4 12,5 12,7 15 46.9 50,9

Lobato 118 g 38062,73 33 27 81,8 87.3 10 30,3 31,2 17 51,5 56,1

205 f 26461,79 44 35 79,6 78.8 19 22,7 41,4 25 56.8 57,4

208 f 26558,52 77 57 74,0 77.7 43 55,8 56,2 14 18.2 19,6

a) Renda familiar alta e predominantemente saneado; b) Renda familiar média e predominantemente saneado; e)Renda familiar baixa e predominantemente saneado; f) Renda familiar baixa e moderadamente saneado; g)Renda familiar baixa e não saneado.

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Tabela 5 - Razão de Prevalência (RP), Razão e Risco (RR) e Intervalosde Confiança (IC) para infecções por 1 e 2 sorotipos do vírus do

dengue, segundo áreas sentinelas. Salvador-Bahia, 1998 e 1999.

Ba cia1º inqué rito ( sor opr eva lência ) 2º Inqué rito ( inc idê ncia de infe cçã o)Ár ea

se ntinelaRP ( 1 ) IC 9 5 % RR ( 2 ) IC 9 5 %

7 1,29 0,81 - 2 ,0 5 1 1,00

Ba rra 44 4 1,58 1,00 - 2 ,49 1,23 0,75 - 2 ,03

42 7 1,00 - 1 ,38 0,89 - 2 ,16

57 1 0,96 0,50 - 1 ,85 0,64 0,24 - 1 ,66Armaç ão 57 5 1,84 1,11 - 3 ,05 - -

59 5 1,68 1,09 - 2 ,59 1,35 0,91 - 2 ,02

24 3 2,05 1,32 - 3 ,16 1,12 0,47 - 2 ,70Tr ipa s 30 9 1,09 0,62 - 1 ,90 1,08 0,61 - 1 ,90

31 5 2,07 1,35 - 3 ,18 1,69 1,20 - 2 ,40

20 4 1,79 1,15 - 2 ,77 1,48 0,96 - 2 ,29Ca lafate 26 3 2,07 1,35 - 3 ,19 1,12 0,58 - 2 ,19

32 3 1,61 1,02 - 2 ,55 0,85 0,45 - 1 ,59

32 7 1,71 1,09 - 2 ,70 1,35 0,85 - 2 ,16Ca maragibe 32 2 1,38 0,85 - 2 ,24 1,04 0,65 - 1 ,70

33 0 1,46 0,91 - 2 ,36 1,04 0,60 - 1 ,81

1.054 2,20 1,44 - 3 ,36 1,42 0,97 - 2 ,08Pa rip e 1.057 1,35 0,85 - 2 ,15 0,95 0,60 - 1 ,51

1.072 1,93 1,25 - 2 ,99 1,33 0,85 - 2 ,07

1.026 0,87 0,54 - 1 ,40 1,12 0,76 - 1 ,63Pe rip eri 1 .025 1,32 0,83 - 2 ,11 1,29 0,88 - 1 ,90

1.011 0,36 0,16 - 0 ,85 1,05 0,67 - 1 ,65

19 1 1,88 1,19 - 2 ,94 1,32 0,88 - 1 ,99Co bre 96 1 1,74 1,11 - 2 ,72 1,19 0,78 - 1 ,82

96 2 1,60 1,01 - 2 ,51 1,03 0,64 - 1 ,66

67 2 1,13 0,68 - 1 ,85 1,42 0,97 - 2 ,08

Ma nga bei ra 67 7 2,09 1,36 - 3 ,20 1,38 0,89 - 2 ,16

67 8 1,34 0,80 - 2 ,22 1,52 1,02 - 2 ,28

11 8 1,84 1,17 - 2 ,89 0,91 0,49 - 1 ,68

Lo bato 20 5 1,79 1,14 - 2 ,80 1,27 0,79 - 2 ,05

20 8 1,67 1,07 - 2 ,59 1,37 0,94 - 1 ,99

(1) 1998; (2) 1999.

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Tabela 6 - Soroprevalência para dengue de acordo com categorias de saneamentoe renda familiar de 30 Áreas Sentinelas. Salvador - Bahia, 1998.

Soroprevalência

1 ou 2 sorotipos 2 sorotiposCategorias

Bruta Pad* RP IC95 % Bruta Pad* RP IC95 %

1 64,8 62,8 1,0 - 52.6 49,0 1,0 -

2 68,7 69,2 1,06 0,96 - 1 ,16 38,2 38,5 0,73 0,64-0,83

3 74,0 78,4 1,19 1,07 – 1,33 54,8 55,6 1,04 0,88- 1,23

Os estratos originais foram reagrupados da seguinte maneira: 1) estratos “a”, “b”: renda familiar alta epredominantemente saneado; renda familiar média e predominantemente saneado; 2)“e” e “f”: rendafamiliar baixa e predominantemente saneado; renda familiar baixa e moderadamente saneado; 3) “g”:renda familiar baixa e não saneado.*padronizada por idade.

A densidade populacional máxima foi de 49.979,27 e a mínima de 1.833,97 por

Km2, mostrando grande variabilidade entre as áreas sentinelas (Tabela 4). Este índice

apresentou os mesmos valores de correlação (r= 0,4914 e p= 0,006) com as

soroprevalências brutas e padronizadas para um ou dois sorotipos. (Tabela 7 e

Gráfico1).

Gráfico 1 – Relação entre a soroprevalência padronizada para 1 e 2 sorotipos dovírus do dengue e a densidade populacional de 30 áreas sentinelas. Salvador –

Bahia 1998.

Densidade populacional (hab/Km2)

6000050000400003000020000100000

Sor

opre

valê

ncia

( %)

100

80

60

40

20

0

r= 0,4913; p= 0,006

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Tabela 7 - Coeficientes de correlação ( r ) para as soroprevalênciasbruta e padronizada pelos sorotipos 1 e 2 do vírus do dengue e algumasvariáveis selecionadas de residentes em 30 áreas sentinelas. Salvador -

Bahia, 1998.

Bruta Padronizada(1 )

Variável r p-valor r p-valor

Escolaridade ( prop. ≥ 15anos com 10 grau

incompleto)-0,2598 0,166 -0,2778 0,137

Renda média -0,0374 0,845 -0,0571 0,764

Densidade populacional(hab/km2 )

0,4914 0,006 0,4913 0,006

(1) por idade

A incidência para um e dois sorotipos foi de 70,6% (Tabela 8) com risco de

infecção variando de 50% (área 323) a 90% (678), não se considerando três áreas onde

o tamanho da amostra foi inferior a quatro. Naquelas onde as soroprevalências para um

e dois sorotipos foram mais baixas, a incidência de infecção mostrou-se elevada à

exceção da área 571 (Armação). Em apenas uma área (575) não se encontrou indivíduos

infectados neste segundo inquérito, entretanto, o número de participantes deste espaço

foi de apenas dois, e correspondeu ao mais baixo (0,27%) IIP (Tabela 9). Entre os

indivíduos que no inquérito de soroprevalência haviam sidos negativos, 37,5%

apresentaram risco de se infectar pelos dois sorotipos em um período de

aproximadamente um ano, e dentre os que foram positivos para um dos sorotipos no

primeiro exame, 83,0% tiveram uma segunda infecção, no período (Tabela 8).

Neste segundo inquérito, ao se tomar como referência a área 7 localizada na

Bacia da Barra, por ser dentre as áreas sentinelas do estrato “a” aquela que apresentou

menor incidência de infecção pelos vírus do dengue (tabela 9), o Risco Relativo (RR)

variou de 0,64 a 1,52 excluindo-se a área 575 (Armação) onde não houve novos casos

(Tabela 5).

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Tabela 8 - Incidência de infecções pelo vírus do Dengue emindivíduos residentes em 30 áreas sentinelas de acordo com a situação

imunológica anterior. Salvador-Bahia, 1999.

Incidência de Infecção1 Sorotipo 2 SorotiposSituação imunológica

anterior NNº % Nº %

Negativos 331 77 23,3 124 37,5

Positivos para 1 sorotipo 264 219 83,0 - -

Total 595 296 49,8 124 20,8

Verificou-se correlação negativa estatisticamente significante entre as

incidências de infecções bruta e padronizada para o dengue e a proporção de indivíduos

com idade igual ou superior a 15 anos que não haviam completado o primeiro grau de

escolaridade (Tabela 10 e Gráfico 2). Para a renda média e densidade populacional

também se encontrou correlações negativas, mas sem significância estatística (Tabela

10).

Durante o levantamento de Índices de Infestação Predial pelo Aedes aegypti

(IIP) constatou-se que todas as 30 áreas sentinelas estavam sendo beneficiadas pelas

ações de combate vetorial que vêm sendo desenvolvidas em Salvador pelo Centro de

Controle de Zoonoses. O IIP médio estimado (Tabela 9) a partir dos dados obtidos neste

levantamento foi de 7,4% (variação de 0,27% a 25,6%) e mediana de 5,2%. As fracas

correlações positivas entre os valores de IIP e a incidência de infecções para dengue

(bruta e padronizada) não se mostraram estatisticamente significantes (Tabela 10 e

Gráfico 3).

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Tabela 9 - Incidência de infecção para dengue (bruta e padronizada),população do estudo, estratos de condições de vida, Índice de Infestação

Predial (IIP), segundo Áreas Sentinelas e Bacias de EsgotamentoSanitário. Salvador - Bahia 1999.

Incidência de infecção(%)1 e 2 sorotipos 1 sorotipo 2 sorotipos

IIP

BaciaÁreasSenti

n.

EStrato

Pop.Amos

t. N0

posit. BrutaPadr.

N0

posit. Bruta Padr. N0

posit. Bruta Padr.

Barra 7 a 22 13 59,1 57,5 6 27,3 26,3 7 43,8 43,9 5,40

444 a 11 8 72,7 73,0 4 36,4 34,0 4 57,1 49,9 1,46

427 a 11 9 81,8 80,4 5 45,5 43,8 4 40,0 37,5 5,14

Armação 571 b 8 3 37,5 38,2 2 25,0 25,7 1 16,7 18,8 0,36

575 b 2 - - - - - - - - - 0,27

595 b 25 20 80,0 82,8 9 36,0 37,2 11 61,1 58,9 5,53

Tripas 243 f 3 2 66,0 65,9 - - - 2 66,7 75,0 5,25

309 f 11 7 63,6 67,1 4 36,4 35,6 3 33,3 37,5 6,95

315 f 3 3 100,0 100,0 2 66,7 68,7 1 33,3 37,5 3,46

Calafate 204 f 8 7 87,5 91,9 5 62,5 63,0 2 40,0 37,5 8,06

263 f 6 4 66,7 64,9 3 50 49,8 1 33,3 37,5 2,54

323 f 14 7 50,0 49,6 6 42,9 43,6 1 8,3 9,4 2,48

Camaragibe 327 g 10 8 80,0 83,9 4 40,0 40,5 4 57,1 49,9 4,04

322 g 21 13 61,9 62,3 7 33,3 33,4 6 35,3 37,5 4,14

330 g 13 8 61,5 61,5 3 23,1 23,0 5 45,5 46,9 2,90

Paripe 1.054 f 31 26 83,9 85,0 26 83,9 82,6 - - - 15,83

1.057 f 32 18 56,3 54,3 16 50 49,4 2 11,8 12,4 12,90

1.072 g 14 11 78,6 78,0 8 57,1 58,8 3 60,0 56,3 14,81

Periperi 1.026 e 82 54 65,9 64,5 36 43,9 36,5 18 29,0 29,3 16,73

1.025 e 42 32 76,2 76,5 27 64,3 64,9 5 29,4 31,1 4,75

1.011 e 29 18 62,1 61,8 5 17,2 17,8 13 52,0 54,0 16,06

Cobre 191 f 23 18 78,3 75,8 17 73,9 73,7 1 33,3 37,5 14,40

961 f 27 19 70,4 68,8 17 63,0 62,0 2 28,6 25,1 25,63

962 f 23 14 60,9 59,8 13 56,5 56,0 1 11,1 12,4 5,57

Mangabeira 672 f 31 26 83,9 86,4 15 48,4 49,9 11 47,8 51,8 4,22

677 f 11 9 81,8 83,2 7 63,6 62,3 2 66,7 75,0 4,72

678 f 10 9 90,0 91,1 4 40,0 41,2 5 62,5 62,6 10,02

Lobato 118 g 13 7 53,8 56,8 6 46,2 49,8 1 20,0 18,8 4,49

205 f 12 9 75,0 78,4 7 58,3 56,5 2 40,0 37,5 10,15

208 F 47 38 80,9 81,3 32 68,1 68,8 6 40,0 37,5 3,00

Os estratos originais foram reagrupados da seguinte maneira:a) Renda familiar alta e predominantemente saneado; b) Renda familiar média e predominantemente saneado;e) Renda familiar baixa e predominantemente saneado; f) Renda familiar baixa e moderadamente saneado; g) Renda familiar baixae não saneado.

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165

Tabela 10 - Coeficientes de correlação ( r ) para as incidências bruta epadronizada pelos sorotipos 1 e 2 do vírus do dengue e algumas

variáveis selecionadas de residentes em 30 áreas sentinelas. Salvador -Bahia, 1999.

Bruta PadronizadaVariável r p-valor r p-valor

Escolaridade ( prop. ≥ 15Anos com 10 grau incompleto)

- 0,4961 0,005 - 0,4995 0,005

Renda média - 0,0923 0,628 - 0,1216 0,522

Densidade populacional(hab/km2 )

- 0,1723 0,363 - 0,1513 0,425

Índice de InfestaçãoPredial (IIP) 0,2103 0,265 0,1747 0,356

Gráfico 2 -Relação entre incidência padronizada* para 1 e 2 sorotipos do vírus dodengue e proporção de indivíduos com idade igual ou superior a 15 anos que

completaram o 10 grau de escolaridade, residentes em 30 áreas sentinelas.Salvador- Bahia 1999.

r= -,4995; p= ,005

Baixa escolaridade (%)

120100806040200

Inci

dênc

ia p

adro

n iza

da (%

)

120

100

80

60

40

20

0

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166

Gráfico 3 - Relação entre a incidência padronizada para 1 e 2 sorotiposdo vírus do dengue e o Índice de Infestação Predial de Aedes aegypti de 30 áreas

sentinelas. Salvador - Bahia, 1998.Í ndicedeInfestaç ãoPredial(%)302724211815129630100806040200

r= 0,1747; p = 0,356

Reagrupando-se as 30 áreas sentinelas em três categorias segundo as

características sócio econômicas utilizadas, observou-se que diferentemente do

inquérito de soroprevalência as maiores taxas de incidências brutas ou padronizadas,

tanto para 1 e 2 sorotipos quanto para quem apresentou infecções para os dois sorotipos,

estavam na categoria 1, que se refere as áreas sentinelas com melhores condições sócio

econômicas (Tabela 11). O Qui-quadrado de tendência não mostrou significância

estatística tanto para a incidência de infecções para 1 ou 2 sorotipos (c2 = 1,332 e p-

valor= 0,2484) quanto para 2 sorotipos (c2 = 0,41 e p= 0,5229).

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Tabela 11 - Incidência de infecção (bruta e padronizada) pelosvírus do dengue, Risco Relativo (RR) e intervalos de confiança (IC) de

acordo com categorias de saneamento e renda familiar de 30 áreassentinelas. Salvador - Bahia, 1998.

Incidência

1 e 2 sorotipos 2 sorotiposCategorias

Bruta Pad* RR IC95 % Bruta Pad* RR IC95 %

1 75,0 76,6 1,0 - 46,6 46,1 1,0 -

2 70,6 70,3 0,94 0,81 – 1,09 34,2 34,0 0,73 0,53-1,02

3 66,2 66,7 0,88 0,71 – 1,09 42,2 41,9 0,91 0,58-1,41

Os estratos originais foram reagrupados da seguinte maneira:a) Renda familiar alta e predominantemente saneado; b) Renda familiar média e predominantemente

saneado; e) Renda familiar baixa e predominantemente saneado; f) Renda familiar baixa emoderadamente saneado; g) Renda familiar baixa e não saneado.

A comparação entre as incidências ajustadas por idade e soroprevalências

médias das áreas sentinelas quando agrupadas segundo os gradientes de IIP

considerados (Gráfico 4), revelou que a menor incidência 55,1% esteve no grupo de IIP

igual ou menor que 3% e a maior (76,7%) no de 3,1% a 5%, só havendo diferença

estatisticamente significante a nível de 5% entre o primeiro e o segundo grupos de IIP

(p= 0,0067) e entre o primeiro e o quarto (p= 0,0205).

Gráfico 4 – Incidência de infecção pelos sorotipos 1 e 2 do vírus do dengue,ajustada pela soroprevalência e idade média de residentes em 30 áreas sentinelas ,por grupos de Índices de Infestação Predial (IIP) de Aedes aegypti e respectivosintervalos de confiança. Salvador-Bahia, 1999.

£

3.03.1 - 5.05.1 - 10.0> 10.0020406080100

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168

Para se proceder a estimativa de impacto das ações de combate vetorial sobre a

trnsmissão viral, considerou-se como não expostos os indivíduos residentes em áreas

sentinelas onde o IIP era igual ou menor que 3%, encontrando-se Fração Prevenível de

29,7%.

3.4. Abordagem Individual

A distribuição por idade revela que os valores da soroprevalência são menores

nas faixas etárias mais baixas, sendo de 39% para 0 a 4 anos, elevando-se até atingir o

máximo (76,4%) na faixa de 30 a 39 anos. Este padrão se mantém quando se trata de

duas infecções sendo a faixa etária de 40 a 49 anos (43,6%) a de maior risco (Gráfico

5). A incidência para uma e duas infecções foi mais baixa no grupo etário de 0 a 4 anos

(46,2%), mas se eleva consideravelmente a partir da faixa de 5 a 9 anos (78,3%),

mantendo-se em patamares entre 62,7 a 82,8% nas idades mais avançadas. Este padrão é

semelhante para a incidência com dois sorotipos, entretanto os valores são menores

(gráfico 6). Ao se considerar dois grupos etários, menor que 15 anos e igual e maior de

15 anos, observou-se que tanto para a soroprevalência (p=0,000) quanto para incidência

(p=0,03) havia diferença estatísticamente significante entre os dois grupos de idade.

Entretanto, diferença entre estes valores foi menor no segundo inquérito (73,3% e

81,0%) que no primeiro (57,4% e 76,1%) correspondendo a uma variação percentual de

10,5% e 28,6%, respectivamente. A soroprevalência foi maior no sexo feminino

(57,5%) mas não houve diferença significativa entre as proporções de casos positivos

segundo sexo.

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Gráfico 5 – Soroprevalência do virus do dengue por faixa etária, em 30 áreassentinelas. Salvador-Bahia, 1998

0 a 45 a 910 a 1415 a 1920 a 2930 a 3940 a 49>50020406080Soroprev.1 e 23958,360,872,271,776,471,873,6Soroprev. 2 sorot.19,518,1284140,338,943,631,6

0-045-910-1415-1920-2930-3940-49>50020406080100Incid. 1 e 2 infec.46,278,36770,97568,962,782,8Incid. 2 sorotipos33,363,851,159,361,156,752,971,9

Gráfico 6 – Incidência de infecções pelo virus do dengue por faixa etária, em 30áreas sentinelas. Salvador-Bahia, 1999

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De acordo com a tabela Tabela 12 verifica-se que tanto a soroprevalência quanto

a incidência de infecções para o vírus do dengue não se mostraram associados nem com

a escolaridade nem com a renda.

Tabela 12 – Soroprevalência, Incidência,Razão de Prevalência (RP),Razão de Risco (RR) e Intervalos de Confiança (IC) segundo fatores derisco para os sorotipos 1 e 2 do vírus do dengue em 30 áreas sentinelas.

Salvador- Bahia, 1998 e 1999.

Fator de Risco Prev.%

RP1 IC95 % Inc.%

RR IC95 %

Escolaridade baixa (prop. ≥ 15anos com 10 grau incompleto)

75 ,0 1,09 0,99-1,18 77,0 0,92 0,84-1,02

Escolaridade alta (prop . ≥ 15anos com 10 grau completo)

69 ,0 83,7

Renda baixa (£ 2 salár iosmínimos)

75 ,4 1,06 0,99-1,14 84,4 1,08 0,99-1,19

Renda < 2 salários mínimos71,0 77,8

(1) 1998 (2) 1999.

A sensibilidade da informação relativa ao conhecimento do indivíduo quanto a

ter sido acometido por dengue foi muito baixa (35,4%), enquanto a especificidade foi

maior, estando em torno de 74,5%. Os Valores Preditivos positivo e negativo foram,

respectivamente, 79,1% e 36,0% (Tabela 13).

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Tabela 13 - Número de reações positivas e negativas para vírusdo Dengue de acordo com informação do entrevistado quanto a ter sido

acometido por esta doença. Salvador - Bahia, 1998.

SorologiaRespostas

Positiva Negativa

Total

Sim 336 89 425

Não 613 345 958

Total 949 434 1.383

Valor Predi tivo: Positivo = 79,1% Negativo = 36,0%; Sensib ilidade: 35,4%; Especificidade:79 ,5%

4. Discussão

4.1. Intensidade da circulação viral

Foram surpreendentes os elevados valores da soroprevalência (68,7%) e,

particularmente, da incidência (70,6%) de infecções pelos vírus do dengue encontrados,

tendo em vista o curto período de tempo, cerca de 4 anos, decorrido entre a introdução

deste agente em Salvador e a realização deste estudo. Do mesmo modo, quando se

procedeu ao primeiro inquérito (baseline) ainda não havia confirmação de que o

sorotipo DEN-1 já estava circulando na cidade, pois o mesmo só havia sido isolado em

amostra de um único indivíduo, e a investigação do caso foi inconclusiva quanto a sua

autoctonia. Entretanto, a elevada soroprevalência encontrada (42,3%) para os dois

sorotipos, naquela ocasião, indicou que o DEN-1 já circulava na cidade há algum

tempo, intensa e simultaneamente com o DEN-2 .

O valor encontrado de soroprevalência no primeiro inquérito deste estudo foi

superior a de outros realizados em diferentes capitais brasileiras a exemplo de Fortaleza

(44%) (Vasconcelos et al, 1998), Rio de Janeiro (44,5%) (Figueiredo et al, 1991) e São

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172

Luís do Maranhão (41,5%) (Vasconcelos et al, 1999), e comparável apenas ao

encontrado por Cunha (1993) em Niterói (66%), evidenciando a força de transmissão

destes vírus durante curto período de tempo da sua introdução em Salvador. Uma

explicação plausível para esta elevada soroprevalência pode ser a quase inexistência de

ações de combate vetorial no início da transmissão viral, em virtude dos recursos para

estas atividades só terem sido liberados em 1997, após o declínio das duas alças

epidêmicas (1995 e 1996) registradas na cidade (Teixeira et al, 2000).

As taxas de incidência de infecções estimadas cerca de doze meses depois do

primeiro levantamento revelaram, que tanto o DEN-1 como DEN-2 permaneciam

circulando intensamente em todos os espaços da cidade, ao contrário do que se poderia

esperar, desde quando o número de casos notificados (360) no período compreendido

entre os dois inquéritos foi bastante reduzido. Supunha-se que as atividades de combate

vetorial instituídas no município desde 1997, e que a imunidade de grupo da população,

mesmo parcial, revelada pelas soroprevalências encontradas no inquérito de 1998,

influenciassem na redução da circulação viral entre os susceptíveis, o que não foi

constatado.

Esta acentuada velocidade de transmissão viral encontrada em Salvador, permite

supor que situação semelhante pode estar ocorrendo em muitos outros grandes centros

urbanos brasileiros que sofreram epidemias pelos sorotipos DEN-1 e DEN-2 e que

permanecem infestados pelo mosquito transmissor. Isto significa que existem grandes

contingentes populacionais expostos ao risco de acometimento de formas graves da

doença, e que epidemias explosivas de dengue clássico poderão vir a eclodir, caso o

DEN-3 e/ou DEN-4 passem a circular.

Os resultados desta investigação também permitiram estimar que no período

compreendido entre 1995 e primeiro semestre de 1998, cerca de 1,5 milhão de

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indivíduos em Salvador, foram infectados por um ou dois sorotipos dos vírus do

dengue, e que nos doze meses seguintes, aproximadamente 560 mil novas infecções

ocorreram. Entende-se que esta extrapolação tem fundamento e deve se aproximar da

realidade, tendo em vista que o sistema oficial de notificação vem registrando casos em

todos os bairros (Bahia, 2000); que os órgãos responsáveis pelo controle vetorial

declararam que em 1996 toda a cidade estava infestada pelo Aedes aegypti (ISC/UFBA,

1996); que os IIP mantém-se elevados variando de 0,6 a 26,2% nos bairros

beneficiados pelo PEAa (Salvador, 1999), e que a amostra desta investigação incluiu

população residente em espaços com distintas situações de condições de vida.

As estimativas apresentadas evidenciam que a sub-notificação de casos de

dengue é muito alta, mesmo que se considere que 50% das infecções sejam inaparentes

(Cunha, 1993), pois o total acumulado de casos registrados pelo sistema de Vigilância

Epidemiológica desde o início da epidemia até a realização do segundo inquérito, não

ultrapassou 30.000 notificações (Bahia, 2000). A não especificidade do quadro clínico

do dengue clássico que freqüentemente é confundido com muitas outras doenças febris

(Clark, 1995; Rigau-Perez & Gubler, 1997), a não ocorrência de casos graves dando

uma falsa aparência de benignidade da doença. e as falhas do sistema passivo de

vigilância epidemiológica, são alguns dos fatores que podem estar contribuindo para

este sub-registro. A baixa sensibilidade quanto a morbidade referida para dengue

observada nesta investigação, também fortalece estas observações. A rigor, o

diagnóstico só poderia ser realizado mediante auxílio de exames laboratoriais (Clark,

1995; Rigau-Perez & Gubler, 1997), mas na atual situação epidemiológica e nível de

organização da rede de serviços de saúde do SUS, é operacionalmente inviável como

procedimento de rotina a ser indicado diante de todos os casos suspeitos.

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174

No período epidêmico, particularmente quando o dengue é uma doença ainda

pouco conhecida em uma área, a população e a rede de serviços de saúde ficam mais

alertas incluindo no critério de suspeição um maior número de quadros clínicos

sugestivos da enfermidade, tornando assim o sistema de registro mais sensível. Quando

o processo de endemização se estabelece, a doença deixa de ficar em evidência, e em

geral o sistema de notificação torna-se ainda mais deficiente. No espaço de tempo

compreendido entre os dois inquéritos foram notificados apenas 360 casos (Bahia,2000)

que correspondem a menos de 0,1% das infecções estimadas pela taxa de incidência.

A questão que se coloca com estas considerações não é a subnotificação em si,

pois não é necessário notificação universal para se perceber a magnitude e gravidade de

um problema de saúde, mas sim, que a redução de incidência de casos que se verifica

após as explosivas epidemias possa ser indevidamente interpretada, particularmente

pelas autoridades de saúde, como se a situação estivesse sob controle. Em geral, nestas

circunstâncias a vigilância e as medidas de prevenção são mais negligenciadas,

desconhecendo-se que nos períodos hiperendêmicos o risco de ocorrência de formas

graves da doença é mais elevado, pela possibilidade concreta de introdução de um novo

sorotipo (Gubler & Clark, 1994). Tem sido observado relativamente poucos registros de

casos hemorrágicos no Brasil, nenhum em Salvador, o que possívelmente possa ser

explicado pela baixa virulência do sorotipo DEN-2 em circulação em muitos países das

Américas (Watts, et al,1999). Entende-se que dificilmente a ocorrência de dengue

hemorrágico passaria despercebida, devido a sua gravidade na ausência de tratamento

adequado. Mesmo que os casos não fossem diagnosticados no início da doença, os

óbitos chamariam a atenção da população e das autoridades de saúde. Todavia, o risco

de vir a ocorrer casos isolados ou epidemias explosivas de dengue hemorrágico na

vigência de introdução de um novo sorotipo, ou mesmo de um DEN-2 mais virulento, é

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175

real. Esta possibilidade indica a necessidade de discussão da estratégia de prevenção

que vem sendo adotada e a instituição de um sistema de vigilância ativa tanto de casos,

como do vírus, associado a alerta e treinamento dos profissionais da rede de serviços de

saúde para que se capacitem a realizar pronto diagnóstico e tratamento oportuno do

dengue.

Em Salvador, assim como em São Luís do Maranhão (Vasconcelos et al, 1999),

os indivíduos das faixas etárias mais elevadas apresentaram um risco maior de ter sido

infectado pelo vírus do dengue. Distintamente, em Fortaleza esta diferença não foi

encontrada (Vasconcelos et al, 1998). Esta desigualdade de padrões pode ser explicada

pelo tempo de circulação viral, pois enquanto nas duas primeiras cidades a introdução

do agente é mais recente, na última tem-se registro de epidemias desde 1987. É possível

que o processo de endemização dos sorotipos circulantes, que reduz o estoque de

susceptíveis adultos, resulte em alteração do padrão inicial. Em Salvador, os resultados

da incidência de infecções permitiram evidenciar este processo na medida em que os

adultos continuaram apresentando uma maior taxa, entretanto foi menor a diferença de

risco entre os indivíduos abaixo de 15 anos e aqueles das demais idades, que o

observado no inquérito de soroprevalência.

4.2. Circulação viral e espaço social

As soroprevalências encontradas embora tenham variado, foram bastante

elevadas em quase todas as Bacias de Esgotamento Sanitário estudadas, inclusive em

áreas sentinelas situadas em espaços com condições sócio-econômicas favoráveis. A

análise da evolução do risco de infecção de acordo com os agrupamentos sócio-

econômicos mostrou que as taxas de incidência praticamente se igualaram entre as

categorias de diferentes condições de vida, na medida em que a transmissão viral foi se

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estabelecendo, deixando de se observar a tendência inversa encontrada no inquérito de

soroprevalência .

Estes achados diferenciam-se daqueles encontrados por Medronho (1995) que,

ao utilizar uma técnica de geoprocessamento (SIG) para fazer a distribuição dos casos

notificados de dengue no espaço da cidade do Rio de Janeiro, concluiu que a doença

atinge mais as populações residentes em áreas de maior adensamento populacional e de

baixa infra-estrutura urbana, o que segundo o autor, corresponderia a populações com

nível sócio econômico mais precário. Fabbro (1997) e Costa & Natal (1998) observaram

correlação entre renda e escolaridade e os coeficientes de incidência de dengue em

Ribeirão Preto e São José do Rio Preto, duas cidades de médio porte do interior do

Estado de São Paulo, e Pontes (1992) também registrou na epidemia de 1990/1991 em

Ribeirão Preto, uma grande concentração de bairros com alta incidência de dengue,

situados nas áreas com condições de vida mais desfavoráveis. Distintamente,

Vasconcelos et al (1998; 1999) em inquéritos sorológicos realizados em duas capitais

do nordeste brasileiro verificaram que as soroprevalências foram maiores nas áreas com

melhores índices sócio econômicos.

As discordâncias entre os resultados destes estudos podem ser explicadas pelo

fato das três primeiras investigações terem utilizado dados dos sistemas de notificações

oficiais. Estes, em geral, registram os casos que buscam assistência médica nos serviços

públicos, que são mais freqüentados pelas classes populares, não incluindo grande parte

dos casos que ocorrem nos bairros da cidade com melhores condições de vida, o que

pode levar a distorções no conhecimento da distribuição da circulação dos vírus do

dengue. O nosso estudo, a semelhança do de Vasconcelos et al (1998; 1999) refere-se a

inquéritos sorológicos de amostra populacional aleatória, e portanto seus resultados

devem aproximar-se mais da real circulação viral.

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177

Apesar das associações estatísticamente significante encontradas entre a

soroprevalência e a densidade populacional e, a incidência de infecção e gradientes de

IIP e escolaridade, pode-se observar que os riscos de infecção nas diferentes áreas foram

elevados em sua grande maioria, inclusive nos espaços com boas condições de vida. É

provável que esta dinâmica, pelo menos em parte, deva-se ao fato de que em Salvador

sejam encontrados densidade populacional e IIP altos tanto em áreas de precárias como

naquelas com melhores condições de vida. Quanto à escolaridade, apesar da relação

inversa verificada no inquérito de incidência, significando que para os maiores índices

de escolaridade correspondem valores mais baixos de incidência de infecção, estes

valores não foram tão reduzidos, e além disso não se observou qualquer tendência entre

as três categorias sócio-econômicas estudadas e a taxa de incidência.

Acontece que, do ponto de vista formal, nas áreas mais privilegiadas os índices

de escolaridade são mais elevados mas nem sempre estes correspondem a uma educação

também direcionada para a conservação do meio ambiente. Se áreas sub-normais

(favelas e cortiços) estão espacialmente próximas de áreas mais ricas, na perspectiva da

classe privilegiada o principal problema a ser enfrentado é a segurança, e os

investimentos privados são aplicados neste sentido. Não há uma preocupação em se

mobilizar a sociedade e os poderes públicos para discutir e oferecer melhores condições

de vida e de infra-estrutura urbana àquelas populações, porque estas classes não se

sentem ameaçadas por este tipo de situação. Por outro lado, embora disponham de

coleta de lixo mais adequada, deixam dispostos nas suas residências inúmeros tipos de

criadouros potenciais do mosquito. Entende-se que se a educação formal das populações

fosse aliada a um maior conhecimento sobre a importância da higiene ambiental de toda

a cidade, possivelmente se ampliaria o potencial de redução dos riscos de transmissão

tanto para o dengue, quanto para todas as outras doenças relacionadas às condições

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178

sanitárias. Evidencia-se assim, a importância da forma de organização social das

grandes metrópoles modernas dos países do terceiro mundo na determinação da

transmissão dos vírus do dengue, como apresentado no modelo explicativo do terceiro

artigo desta tese.

A constatação desta possível semelhança de exposição ao risco de se infectar

pelos vírus do dengue nos diferentes espaços intra-urbanos, diferencia este agente

daqueles da grande maioria das doenças infecciosas e parasitárias, particularmente, dos

microorganismos que estão ligados pelo seu ciclo epidemiológico ao meio ambiente.

Mas, observou-se que o grupo de indivíduos com maior incidência foi aquele que já

havia apresentado sorologia positiva para uma infecção no primeiro inquérito, o que

sugere a necessidade de se investigar outras variáveis ambientais, sociais e econômicas

além das que foram aqui consideradas. A continuidade desta linha de pesquisa poderá

discriminar melhor os estilos de vida que propiciam uma maior exposição ao risco de se

infectar pelo vírus do dengue. Estes podem estar relacionados tanto ao domínio público

quanto ao privado, desde quando o ambiente domiciliar e peri-domiciliar influenciam

decisivamente na ocorrência da transmissão.

As informações obtidas com estas investigações poderão fornecer subsídios

adicionais para o aprimoramento das ações de combate vetorial, pois se por um lado a

constatação de que o vírus do dengue em nosso meio não respeita espaços sociais

fortalece o princípio de que as ações de combate vetorial devem sempre ter caráter

universal em cada território, por outro, a discriminação de fatores de risco localizados

em micro ambientes específicos do domínio da vida privada, poderá indicar formas

direcionadas de ação com vistas a sua eliminação.

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4.4. Efetividade das ações de combate vetorial

A elevada incidência de infecção pelo vírus do dengue entre os indivíduos

susceptíveis da população amostral que participaram do segundo inquérito por si só já é

sugestiva de que o impacto que vem sendo obtido pelo programa de combate ao Aedes

aegypti em Salvador é bastante reduzido. O encontro de valores destas taxas superiores

a 50% em todos os gradientes de IIP considerados no estudo, revela que a transmissão

viral é muito intensa apesar da imunidade de grupo pré-existente e das ações de combate

vetorial que foram desenvolvidas durante cerca de 30 meses.

Esta intensa circulação viral sugere que no decorrer do tempo quase toda a

população será infectada, o que demonstra a baixa efetividade das medidas que vêm

sendo implementadas. Este achado está de acordo com o modelo teórico de transmissão

de dengue baseado na experiência de Singapura, desenvolvido que Reiter et al (1992),

segundo o qual a simples redução da população de vetores que não alcance índices

muito próximos a zero não é capaz de alterar a força de transmissão viral.

A estimativa de impacto também confirma esta reduzida efetividade do

programa de combate vetorial de Salvador, pois mesmo a população residente nas áreas

com IIP igual ou menor que 3% apresentou um baixo nível de proteção, em torno de

30%, contra as infecções pelos vírus do dengue. Vale salientar que em apenas 6 (20%)

das 30 áreas o IIP alcançou este valor. Dois anos e meio após a implantação das

atividades de combate vetorial na cidade, o valor médio de foi de 5, 8%, e também só

em 20% deles este índice encontra-se abaixo de 3%. Além disso, infere-se que este

indicador pode estar mais elevado nos bairros onde estas atividades não são

desenvolvidas, conforme registrado no relatório do próprio Centro de Controle de

Zoonozes da cidade (Salvador,1999).

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Este baixo impacto possivelmente resulta da estratégia inadequada de prevenção

que vem sendo implementada em Salvador, a qual também vem sendo adotada em

muitas outras cidades do país. Ao Programa de Erradicação do Aedes aegypti, ajustado

(PEAa), não foram incorporados o saneamento do meio ambiente e a

educação/informação da população como eixos centrais de atuação, privilegiando-se

apenas o combate direto ao mosquito transmissor (Brasil, 1997). Os repasses de

recursos têm sido intermitentes e insuficientes mesmo para se executar as atividades

deste último componente, em toda a extensão territorial de cada município infestado. A

modalidade de liberação de recursos do PEAa também desconsidera a questão da

regionalização para desenvolvimento de ações, mesmo em áreas conurbadas como nas

regiões metropolitanas, onde se observa freqüentemente que apenas alguns municípios

são beneficiados. Deste modo, tem sido difícil alcançar níveis de infestação pelo Aedes

aegypti compatíveis com a eliminação da circulação viral, resultando em baixa

efetividade das ações, o que indica a urgente necessidade de revisão desta estratégia.

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CONCLUSÕES

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A reemergência das infeções pelo vírus do dengue tem contribuído para alterar

acentuadamente a tendência do perfil de morbidade, e em alguns países também o de

mortalidade por doenças infecciosas, nas regiões onde este agente está circulando, e as

perspectivas futuras apontam para o agravamento deste problema com importantes

conseqüências para o quadro nosológico mundial nas próximas décadas.

No Brasil, esta doença ainda não alterou significativamente os indicadores de

mortalidade, entretanto, a magnitude da incidência da doença nos últimos quatro anos

tem superado todas as outras doenças infecciosas e parasitárias de notificação

compulsória, modificando consideravelmente a tendência de morbidade que o país

vinha apresentando nos últimos 15 anos, para este grupo de causa.

Insucessos no controle do dengue vêm sendo registrados em todo o mundo,

inclusive nos locais cujos programas de combate aos mosquitos transmissores até bem

pouco tempo eram considerados exitosos, a exemplo de Singapura e Cuba. Esta

tecnologia, única disponível para a prevenção do dengue, não vem causando o impacto

desejado nas áreas onde é aplicada, e a velocidade de disseminação da circulação viral

intra e inter países e continentes é um fenômeno sem perspectiva de solução.

Esforços para o combate vetorial, vêm sendo desenvolvidos por todas as três

esferas de governo no Brasil, mas a sua baixa efetividade, foi evidenciada tanto pelos

resultados encontrados na investigação empírica apresentada, como também nas

revisões e análises de dados secundários disponíveis no Ministério e Secretaria Estadual

de Saúde, conforme descrito nos artigos 4 e 5 desta tese.

Estes resultados sugerem que o custo-benefício do Programa de Erradicação do

Aedes aegypti do Brasil, ajustado (PEAa) não é compatível com o dispêndio de recursos

que vêm sendo aplicados. Mesmo considerando-se que estes são insuficientes para a

execução de todas as ações preconizadas, este quantitativo é elevado se comparado com

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o total que vêm sendo disponibilizado para o conjunto de programas de Saúde Pública

no Brasil.

Reconhece-se que são limitados os conhecimentos atuais para o enfrentamento

desta situação, e que a conjuntura biológica, ecológica e social dos centros urbanos

modernos é bastante diferente de quando se erradicou o Aedes aegypti das Américas na

década de cinqüenta. Mas, percebe-se também, que os mecanismos de prevenção

disponíveis estão sendo utilizados de forma inadequada no nosso país, desconsiderando-

se princípios técnicos fundamentais para o alcance de alguma efetividade. Problemas

políticos, administrativos, financeiros e técnicos necessitam ser equacionados, e alguns

critérios atualmente definidos devem ser substituídos, visando principalmente garantir

um maior impacto epidemiológico e a otimização da aplicação dos recursos disponíveis.

A concepção de que qualquer redução da população vetorial reduz a incidência

do dengue não pode mais fundamentar o PEAa. O nosso estudo revelou elevadas

incidências de infecções em quase toda a população de Salvador na vigência de

imunidade de grupo e de ações de combate vetorial, independente das condições de vida

e mesmo em áreas com baixos índices de infestação predial. O vírus circulou intensa e

velozmente em índices de infestação abaixo de 3%. O nível de proteção que

teoricamente possa ser imputado às ações de combate vetorial que vêm sendo

desenvolvidas, possivelmente deixará de existir na medida em que não ocorre

interrupção da transmissão ao longo do tempo, pois pelo visto, com este tipo de

estratégia de combate ao Aedes aegypti, não se vislumbra perspectivas de alcance de

Índices de Infestação capazes de impedir a transmissão viral. Esta investigação

demonstrou que em apenas quatro anos cerca de 85% da população de Salvador deve ter

sido infectada por um ou dois sorotipos do dengue que são encontrados nesta cidade.

Deste modo, estão presentes no momento as condições concretas para a transmissão

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intensa de outros sorotipos, o que representa a possibilidade de ocorrência de epidemias

da Febre Hemorrágica do Dengue.

Atualmente, a discussão sobre a hipótese de se abandonar o combate vetorial,

em função de que, paradoxalmente, a redução de população de mosquitos não impede a

ocorrência de epidemias explosivas das diversas formas clínicas do dengue, já está posta

na literatura. Cabe portanto refletir-se sobre a pertinência de manutenção de um

programa que para ter alguma efetividade exige um volume de recursos considerado

vultoso por um longo período de tempo. Este é um debate controverso, ao tempo em

que extremamente delicado, por envolver questões éticas, devido a inexistência de

outros instrumentos de prevenção. Entretanto, é preciso ser enfrentado não só pelos

cientistas, dirigentes e técnicos dos Órgãos de Saúde Pública, mas, principalmente, pela

sociedade brasileira. Informações detalhadas sobre a epidemiologia da doença, das

dificuldades para o seu controle tanto do ponto de vista técnico quanto social e dos

danos causados ao meio ambiente, têm que ser repassadas para dar substância a esta

iniciativa.

A abertura deste debate só terá sentido na perspectiva de uma tomada de

posição, e caso a decisão seja em favor da continuidade do combate vetorial tem-se que

também indicar as soluções concretas para as dificuldades já identificadas,

particularmente àquelas referentes a complexidade dos grandes centros urbanos e ao

quantitativo de recursos orçamentários e financeiros para todas as áreas geográficas

infestadas. As classes dominantes, em particular, necessitam fazer uma reflexão quanto

a inocuidade de suas formas de enfrentamento dos riscos à saúde, que não levam em

conta a melhoria da qualidade de vida de todas camadas das populações. É importante

alertá-las que o risco de desenvolvimento de formas graves do dengue pode ser igual ou

mesmo maior para as populações com condições sócio-econômicas mais favoráveis, já

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que experiências em outros países têm demonstrado que o Dengue Hemorrágico atinge

com maior freqüência indivíduos de raça branca e crianças bem nutridas. O avanço

científico e tecnológico ainda não disponibilizou um instrumento de prevenção

individual para esta doença, e o tratamento das formas graves depende do diagnóstico

precoce, que mesmo quando instituído de modo adequado pode resultar em êxito letal.

Na impossibilidade de se adotar a metodologia e estratégia de erradicação

proposta em 1996 no Plano Diretor de Erradicação do Aedes aegypti do Brasil, pelo

CNS e que o governo brasileiro opte por dar continuidade à implementação do PEAa,

deve-se considerar a possibilidade de combate vetorial regionalizado, assegurando-se a

contiguidade e universalidade de ações em cada território, e condições mínimas para

que estas resultem em algum impacto epidemiológico sobre as populações humanas, e

não apenas sobre a população vetorial. Além disso, estudos pilotos devem ser

desenvolvidos de acordo com as modificações técnicas e operacionais definidas para se

verificar da possibilidade concreta de eliminação de circulação viral, o que significa

alcance de Índices de Infestação muito próximos a zero. Assim, só a partir dos

resultados destes estudos, é que se deve proceder a sua implantação em larga escala,

visando impedir o desperdício de recursos e a poluição ambiental sem benefícios à

saúde das populações humanas.

No nosso entendimento, mesmo diante das elevadas magnitude das epidemias de

dengue, o seu controle é uma questão que ainda não conseguiu mobilizar

suficientemente a sociedade brasileira. Apesar das iniciativas do Conselho Nacional de

Saúde (CNS), descritas no primeiro artigo, e da proposta formulada ter como um dos

seus eixos centrais um amplo debate com todos os setores da sociedade, providências

nesta direção não foram adotadas. Como as atuais condições políticas objetivas para se

retomar a iniciativa do CNS não se fazem presente, ao que tudo indica, providências

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mais enérgicas só serão adotadas na vigência de graves epidemias das formas

hemorrágicas do dengue.

Historicamente os profissionais de saúde pública, tanto da área acadêmica

quanto da rede de serviços de saúde, nunca deixaram de buscar soluções para os

problemas de saúde da população brasileira. Neste sentido, cabe neste momento não só

estimular o embate dos consensos e dissensos das concepções existentes, na perspectiva

do avanço de propostas alternativas, como também considerar que o risco real impõe

alerta e capacitação técnica para a prestação de atenção médica oportuna e correta à

população com vistas à redução das taxas de letalidade, caso epidemias mais graves de

dengue hemorrágico venham a atingir o Brasil.