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FICHA PARA CATÁLOGO · aluno falante, usuário da língua portuguesa e é inquestionável que a maioria dos ... desmistificando pré-conceitos, mitos, estigmas e posturas que estão

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FICHA PARA CATÁLOGO PRODUÇÃO DIDÁTICO PEDAGÓGICA

Título: Aluno surdo: implicações pedagógicas no contexto escolar inclusivo

Autor Cecília Teresinha Grigio Francisco

Escola de Atuação CEEBJA de Paranavaí

Município da escola Paranavaí

Núcleo Regional de Educação Paranavaí

Orientador Profª Dra. Tânia dos Santos Alvarez da Silva

Instituição de Ensino Superior Universidade Estadual de Maringá

Disciplina/Área (entrada no PDE) Educação Especial

Produção Didático-pedagógica Artigo

Relação Interdisciplinar

(indicar, caso haja, as diferentes disciplinas compreendidas no trabalho)

Não

Público Alvo

(indicar o grupo com o qual o professor PDE desenvolveu o trabalho: professores, alunos, comunidade...)

Corpo docente

Localização

(identificar nome e endereço da escola de implementação)

CEEBJA de Paranavaí

Rua Amador Aguiar, 939, Jardim Ipê

Apresentação:

(descrever a justificativa, objetivos e metodologia utilizada. A informação deverá conter no máximo 1300 caracteres, ou 200 palavras, fonte Arial ou Times New Roman, tamanho 12 e espaçamento simples)

É notória a falta de conhecimentos específicos do professor sobre a surdez na escola comum. Esse desconhecimento resulta na ausência de procedimentos metodológicos que privilegiem a experiência visual na condução do ensino do aluno surdo. Assim, esse aluno em processo de inclusão escolar é submetido aos mesmos recursos e procedimentos pedagógicos empregados no trabalho com os alunos ouvintes. Essa condução, equivocada do ensino, gera sérios prejuízos para a aprendizagem e desenvolvimento do aluno surdo que vive a experiência da inclusão. Dessa forma, buscando estudar e intervir nas questões apontadas, esse projeto será desenvolvido por meio de uma abordagem teórica e empírica. A investigação de campo

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será desenvolvida em três estabelecimentos de Ensino da Rede Pública Estadual do Ensino Fundamental e Médio na cidade de Paranavaí - PR, no ano de dois mil e onze. A referida pesquisa tem o propósito de investigar as práticas pedagógicas adotadas por professores que contam em suas turmas com alunos surdos em processo de inclusão. Serão realizadas entrevistas estruturadas, que conduzirão à busca de representações dos professores, acerca da surdez. Espera-se que os dados colhidos apontem para a identificação de ações formativas necessárias a consolidação de práticas pedagógicas cada vez mais adequadas às necessidades de alunos surdos.

Palavras-chave ( 3 a 5 palavras) Surdez, linguagem e inclusão

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1. IDENTIFICAÇÃO Professor PDE: Cecília Teresinha Grigio Francisco Área PDE: Educação Especial NRE: Paranavaí Professor Orientador IES: Tânia dos Santos Alvarez da Silva IES vinculada: Universidade Estadual de Maringá Escolas de Implementação: Centro Estadual de Educação Básica para Jovens Adultos de Paranavaí - CEEBJA de Paranavaí, Colégio Estadual Professor Bento Munhoz da Rocha Neto. EFMP e Colégio Estadual de Paranavaí. EFMNP. Público objeto de intervenção: Corpo docente

2. INTRODUÇÃO

Este artigo é resultante de estudos teóricos e metodológicos realizados

durante o período de agosto de 2010 a agosto de 2011 como uma das exigências do

Programa de Desenvolvimento Educacional-PDE, da Secretaria de Estado da

Educação-SEED-PR. Vinculado a um Projeto de Intervenção Pedagógica na escola,

a produção desse Material Didático Pedagógico: Aluno surdo: implicações

pedagógicas no contexto escolar inclusivo, visa à melhoria da Educação Básica

paranaense, concebendo que o elemento essencial para a superação dos

problemas identificados na escola é o saber pedagógico.

A relevância dessa pesquisa está em aprofundar conhecimentos teóricos e

metodológicos pertinentes à educação de alunos surdos, oferecendo aos

profissionais da escola inclusiva subsídios que possam fundamentar a sua ação

pedagógica na sala de aula. Dessa forma, pretende-se atender às necessidades

educacionais do aluno surdo incluso no sistema de ensino comum.

A pesquisa foi realizada em três estabelecimentos de Ensino da Rede Pública

Estadual que adotam a proposta de inclusão de aluno surdo, na cidade de

Paranavaí – Paraná. São eles: Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e

Adultos de Paranavaí (CEEBJA), Colégio Estadual Professor Bento Munhoz da

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Rocha Neto e Colégio Estadual de Paranavaí. Todos ofertam o Ensino Fundamental

e o Médio.

O corpus do trabalho foi constituído por quinze professores atuantes e que já

atuaram nestes estabelecimentos de ensino e que, no presente momento, têm ou

tiveram alunos surdos inclusos em suas salas de aulas. Foram feitos entrevistas

gravadas que buscaram junto aos docentes conhecer as representações a respeito

do ensino de surdos: valor da língua de sinais e língua portuguesa, ensino-

aprendizagem dos conteúdos acadêmicos, uso de estratégias diferenciadas e

adaptadas, conhecimento de mundo do aluno surdo, leitura e escrita, inclusão

escolar, presença e atuação do intérprete e equipe pedagógica.

O objeto desse estudo embasa-se na trajetória de longos anos de intérprete

de libras no Sistema Estadual de Ensino, em que se tem presenciado a fragilidade

dos professores em relação aos conhecimentos específicos sobre a surdez, em

especial os educadores que atuam diretamente com esses alunos. Esse

desconhecimento é resultante da falta de formação na área, assim os educadores

tendem a utilizar na sua prática os mesmos recursos e procedimentos pedagógicos

empregados no trabalho com os alunos ouvintes e não percebem as implicações e

os prejuízos ocasionados na adoção dessa conduta, instalando dessa forma uma

exclusão oculta e silenciosa.

A dinâmica educacional da sala de aula está organizada para atender ao

aluno falante, usuário da língua portuguesa e é inquestionável que a maioria dos

professores emprega como método de ensino a exposição oral. Assim, as situações

de interação entre professor e aluno são, via de regra, mediadas pela língua

portuguesa, que em geral, não é compreendida pelo aluno surdo usuário de libras.

Esse aluno surdo em processo de escolarização tem o anseio de se apropriar da

língua portuguesa, como segunda língua. Em razão disso, ensinar o aluno surdo

torna-se um objetivo tão desafiador, quanto difícil de alcançar.

Face a essa complexidade que envolve a educação do aluno surdo, a

intenção nesse estudo é pontuar algumas reflexões referentes às diferenças

linguística e cultural dessa população, tornando-se fundamental que os docentes

reconheçam a singularidade que é própria dela, desmistificando pré-conceitos,

mitos, estigmas e posturas que estão presentes na ação didática.

É notório que a qualidade da aprendizagem do aluno está intimamente

relacionada com a qualidade da mediação do professor e dos processos didáticos

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por ele utilizados. Portanto, assumir a educação de um aluno surdo requer que o

professor busque conhecimentos teóricos e metodológicos que possam minimizar os

problemas encontrados no cotidiano escolar.

Diante do exposto, questiona-se: Quais são os encaminhamentos de natureza

teórica e metodológica necessários ao atendimento pedagógico do aluno surdo,

sabendo-se que ele é usuário de libras e que vive a experiência de inclusão na

escola comum?

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA/REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

3.1- Educação de Surdos: aspectos históricos institucionais

A Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (Lei nº 9.394/96) estabelecem que a educação é direito de todos. Quando

se trata da educação especial, esse direito é garantido por legislação específica que

prevê o atendimento educacional “especializado aos educandos com necessidades

educativas especiais,” garantindo a matrícula “preferencialmente na rede regular de

ensino” como forma de incluir todos em um único sistema de ensino.

Respaldado na legislação vigente, o surdo nos grandes centros urbanos,

pode optar pela escola especial ou pela escola comum, porém, a realidade da

maioria dos municípios pequenos não é essa. Nessas cidades brasileiras, a única

forma de se ter acesso à escolarização é por meio das escolas comuns inclusivas,

as quais são compostas por uma maioria ouvinte, falante e usuária da língua

portuguesa.

A inclusão de alunos surdos no ensino comum impõe aos educadores uma

revisão profunda dos princípios e das práticas que envolvem as ações pedagógicas

no contexto escolar.

Estão presentes neste trabalho estudos realizados por diversos autores que

oferecem contribuições e reflexões nas áreas de linguística e educação. Dentre eles

destacam-se: Sacks (1998), Lacerda (2006), Eulália Fernandes (1990, 2003), Góes

(2000), Quadros (1997), Fernandes (2002) Ferreira Brito 1995 e outros.

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As pesquisas desenvolvidas no Brasil demonstram que ao longo do século

XX a instituição escolar não atendeu de forma adequada às necessidades de

aprendizagem e desenvolvimento do sujeito surdo. Essa realidade de fracasso é o

resultado de um complexo conjunto de representações sociais, culturais, linguísticas

e políticas, articuladas em determinado tempo histórico e tidas como verdadeiras.

Sabe-se que essas concepções equivocadas (ligadas à defesa radical de

oralização dos surdos), reforçam que o surdo necessita superar a sua deficiência,

impedindo-o assim, de construir sua identidade cultural.

Vários aspectos influenciaram negativamente a escolarização dos surdos.

Entre esses aspectos destaca-se a concepção de surdez como deficiência, que

deve ser combatida e “curada”. Por essa perspectiva o surdo é denominado

deficiente auditivo. Ao focar a deficiência auditiva, a escola tende a buscar métodos

de oralização, com vistas a desenvolver a fala e promover técnicas de leitura

orofacial. Esse olhar sobre o surdo leva educadores a buscarem assemelhar os

surdos aos ouvintes, em um ideal de sociedade homogênea. Nessa concepção, a

diferença linguística, decorrente da surdez, é negada.

O professor e pesquisador Carlos Skliar afirma que

foram mais de cem anos de práticas enceguecidas pelas tentativas de correção, normalização e pela violência institucional; instituições especiais que foram reguladas tanto pela caridade e pela beneficência, quanto pela cultura social vigente que queria uma capacidade para controlar, separar e negar a existência da comunidade surda, da língua de sinais, das identidades surdas e das experiências visuais, que determinam o conjunto de diferenças dos surdos em relação a qualquer outro grupo de sujeitos (SKLIAR, 1998, p. 07).

A maioria dos professores que trabalham com o aluno surdo acabam

desconsiderando as singularidades que o diferencia do ouvinte. Essa recusa em

considerar as singulares que envolvem a surdez decorre, via de regra, da falta de

conhecimentos. A prática pedagógica do professor que desconhece os fenômenos

que envolvem a surdez é marcada pela ausência de ações metodológicas que

priorizam a experiência visual. Desse modo, o professor conduzido por esse olhar,

tende a ministrar suas aulas sem buscar possibilidades alternativas para aproximar o

aluno surdo do conhecimento.

Segundo Ronice Muller de Quadros “[...] o ensino desenvolvido em muitas

cidades brasileiras por meio do oralismo sempre foi uma experiência desastrosa

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para o desenvolvimento da linguagem e para a aquisição dos conhecimentos pelos

sujeitos surdos”. A autora observa que nas escolas brasileiras, no período de

hegemonia do oralismo, foi comum a frequência de alunos surdos, por longos anos,

nas séries iniciais do ensino fundamental sem uma produção de escrita compatível

com a série. Além disso, os alunos da escola oralista consolidaram defasagens nas

diferentes áreas do conhecimento, se comparados ao aluno ouvinte de mesma série

(QUADROS, 1997, p. 22 e 23).

Os defensores da língua de sinais tecem sérias críticas aos resultados das

práticas oralistas, denunciando a ineficácia do método oral. Nessa direção, afirmam

que os surdos, mesmo submetidos aos métodos oralistas, dificilmente conseguem

utilizar a língua oral de maneira funcional. Observam que a maior parte dos surdos

que passaram pela escola oralista não se tornou participante da comunidade de

ouvintes e continua à margem do mundo dos mesmos, sem dominar a língua oral.

As indicações dos altos índices do fracasso escolar registrados na vigência

do método oral nas escolas de surdos conduziram educadores e pesquisadores à

revisão das teses concernentes à educação de surdos. Nesse sentido, na tentativa

de maximizar as possibilidades de aprendizado e de inserção social do surdo, por

meio da ampliação de recursos comunicativos, surge o movimento da Comunicação

Total.

A filosofia da comunicação total consiste em permitir o uso simultâneo de

múltiplos meios de comunicação (entre eles a língua de sinais), com vistas a criar no

contexto escolar oportunidades de convívio social sem barreiras comunicativas,

bem como o acesso ao conteúdo escolar. Contudo, a despeito das boas intenções

dos defensores da comunicação total, estudos linguísticos revelaram que as

práticas simultâneas de uso de diferentes línguas descaracteriza a estrutura das

línguas envolvidas, com predominância da língua na qual o sujeito tem maior

domínio e familiaridade.

Quadros (1993), fundamentada em Ferreira Brito, critica o uso do português

sinalizado, adotado nas práticas de comunicação total. A autora salienta que as

expressões faciais e movimentos da boca na LIBRAS são impossíveis de serem

usados concomitantemente com a fala.

A inconsistência teórica do movimento de comunicação total e a

necessidade de superação do modelo oralista de educação de surdos conduz

pesquisadores e educadores à adoção do bilinguismo. Na filosofia bilíngue a surdez

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é concebida como diferença. Essa proposta se fortalece, no mundo, na década de

1980 e, no Brasil, na década seguinte.

Segundo Quadros (1997, p. 27), trata-se de uma proposta de ensino usada

por escolas que se propõem a tornar acessível à criança duas línguas no contexto

escolar. Assim, os autores adeptos da abordagem bilingue no Brasil defendem que

o surdo se aproprie o mais cedo possível da língua de sinais como primeira língua, e

da língua portuguesa na modalidade escrita, e se possível, também na modalidade

oral, como segunda língua.

Com relação à apropriação da escrita, Silva (2008) observa que alguns

autores adeptos da abordagem bilíngue, defendem que o surdo aprenda

primeiramente a escrita própria de sua língua de sinais. Assim, esses autores,

fundamentados na neuropsicologia cognitiva, propõem uma educação do surdo que

contemple a apropriação de um sistema para a representação gráfica das línguas

espaço-visuais, a escrita dos sinais. Esse sistema permite que a escrita se

materialize através de símbolos visuais que representam as configurações das

mãos, os movimentos, as expressões e os deslocamentos corporais próprios das

línguas de sinais. Essa forma de escrita é conhecida mundialmente como sistema

signwriting.

O advento da escrita dos sinais põe os educadores de surdos diante de uma

língua de base visogestual, bem como de uma forma gráfica de representação

dessa língua. Esse conhecimento corresponde a um grande desafio para a escola

que se pretende inclusiva uma vez que a escrita dos sinais aproxima o surdo da

escrita na medida em que considera a experiência visual diferenciada de sujeitos

surdos.

Documentos oficiais apontam para a necessidade de a escola romper com

as barreiras que se interpõem entre o aluno e o ensino (MEC, 2007, p. 20). Por tal

orientação, as escolas comuns devem respeitar as especificidades e a forma de

aprender de cada aluno.

A esse respeito Skliar afirma:

Um dos problemas, na minha opinião, é a confusão que se faz entre democracia e tratamento igualitário. Quando um surdo é tratado da mesma maneira que um ouvinte, ele fica em desvantagem. A democracia implicaria, então, no respeito às peculiaridades de cada aluno - seu ritmo de aprendizagem e necessidades (SKLIAR, 1998, p. 37)

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Perlin e Quadros (1997) advertem que ao promover a mediação de

conhecimentos científicos, por meio da língua oral, as condições oferecidas aos

alunos surdos se tornam desiguais, quando comparadas àquelas oferecidas aos

ouvintes. Segundo as autoras, a escola não respeita as especificidades do sujeito

surdo e trata-o como se fosse ouvinte. A língua portuguesa lhe é imposta como

língua de instrução e tal imposição traz sérias implicações e prejuízos ao aluno

surdo, permitindo assim que se instale uma exclusão silenciosa e velada.

3.2 - Surdez: língua de sinais e língua portuguesa

A língua brasileira de sinais (LIBRAS)1 é uma língua natural que flui da

necessidade de comunicação entre as pessoas que utilizam a modalidade

espacial-visual para se comunicar.

Segundo Quadros e Karnopp (2004, p.47) “as línguas de sinais são

denominadas línguas de modalidade gestual-visual, pois a informação linguística é

recebida pelos olhos e produzida pelas mãos.”

Essas línguas são desenvolvidas pelas comunidades surdas urbanas,

constituindo-se em línguas completas com possibilidades de expressão em

qualquer nível de abstração. Guarda crenças, valores sociais e culturais, marcas

que influenciam substancialmente na constituição e formação do sujeito surdo. Para

Sacks, os surdos possuem “identidade social e cultural, formam um povo com sua

própria cultura, como os judeus ou galeses” (1998, p. 150).

Todos os professores que trabalham com surdo incluso na escola comum,

que fizeram parte da pesquisa, conhecem a língua de sinais, porém não a usam e

não a compreendem, salvo alguns sinais isoladamente. Ao questionarmos o valor

que a língua de sinais ocupa na vida do surdo, os professores relataram:

[...] é tudo, é a maneira dele se comunicar (profª T.) [...] é o sistema de comunicação, é a forma que eles conseguem interagir com o mundo (profª R.) [...] é a forma que eles se comunicam, eu comunico com a voz e eles com as mãos. (profª N.) [...] é tudo, para eles é o mesmo valor que a língua portuguesa tem para nós. (profª S.) [...] é importantíssimo porque é a forma de comunicação do surdo. (profº M.) [...] entendo que é a língua materna dele [...] (profª S.)

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Os professores em seus depoimentos empregam evasivas e se limitam a

observar que a língua de sinais “ é tudo, é importantíssimo, é a maneira de se

comunicar...”, ou seja, o surdo tem sua língua da mesma forma que os ouvintes têm

a língua falada. Isso, segundo suas concepções, seria suficiente para o

aprendizado do conteúdo escolar, não percebendo que o processo de ensino e

aprendizagem dirigido ao surdo requer procedimentos específicos se comparados

ao ouvinte.

Na escola comum, que atende a uma maioria ouvinte, o trabalho com os

conhecimentos científicos é, em geral, precedido pelo domínio da língua materna

por parte dos alunos. Esse pré-requisito para a aprendizagem nem sempre está

presente no aluno surdo. Mesmo reconhecendo que a língua de sinais é a língua

natural do surdo, os professores não compreendem sua dimensão linguística

enquanto ferramenta para a instrução e, consequentemente, para a apropriação de

conhecimentos em um espaço onde predomina, com exclusividade, a língua

portuguesa.

É necessário ressaltar que a língua de sinais no espaço escolar, por si só,

não assegura o desenvolvimento dos conteúdos sistematizados, se assim fosse, o

ouvinte falante de uma língua materna não teria problemas relacionados à

aprendizagem, já que domina desde os anos iniciais de vida, sua língua oral. A

língua de sinais, na escola inclusiva, deve cumprir o papel de ferramenta para o

desenvolvimento do pensamento e deve veicular, de forma competente, o conteúdo

escolar.

A Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS)2,

liderada por surdos, realiza um importante trabalho de conscientização e reflexão

acerca da condição surda e da língua de sinais. Neste sentido, Souza (1998, p.108)

afirma: 1. A LIBRAS é uma língua e não deve ser confundida com mímica; 2. as

formas sinalizadas do Português não facilitam, mas dificultam a aprendizagem do Português pelo aluno surdo; 3. a LIBRAS está em evolução principalmente pelas criações que os mais jovens vêm realizando; 4. apesar de surdos e ouvintes terem línguas diferentes, podem conviver numa única comunidade... e uma boa convivência para ambos só será satisfatória se houver um esforço bilateral de se aproximarem reciprocamente pelas duas línguas (SOUZA, 1998, p.108).

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Nem todo o surdo utiliza a língua de sinais como forma de comunicação, isso

porque nem todo surdo tem contato com usuários fluentes em Libras. A privação

dessa leva-o a utilizar gestos e mímicas com a finalidade de ser compreendido. No

entanto, a mímica espontânea não corresponde à língua de sinais. Em passado

recente prevalecia a ideia de que a língua de sinais, ou a “mímica”, como era

denominada, só poderia conceituar objetos concretos, hoje, as línguas de sinais

são cientificamente reconhecidas como línguas genuínas, de modalidade espaço-

visual, com estruturas independentes da língua oral.

Nesse contexto, Quadros afirma que

[...] as línguas de sinais são sistemas lingüísticos que passaram de geração em geração de pessoas surdas. São línguas que não são derivadas das línguas orais, mas fluíram de uma necessidade natural de comunicação entre pessoas que não utilizam o canal auditivo-oral, mas o canal espaço-visual como modalidade linguística (QUADROS, 1997, p. 47).

.

Essa análise é compartilhada por Rosa (2005), para quem as línguas de

sinais são comparáveis, em complexidade e expressividade, a quaisquer línguas

orais. Essas línguas expressam ideias sutis, complexas e abstratas e seus usuários

podem discutir filosofia, literatura ou política, além de esportes, trabalho, moda e

utilizá-la com função estética para fazer poesias, teatro e humor (ROSA, 2005, p.

20).

Lacerda (2006, p.177) afirma que a língua de sinais é fundamental, pois sem

ela, as interações humanas profundas seriam impossíveis para o surdo. A língua de

sinais permite falar de sentimentos, de emoções, de dúvidas e de variados pontos

de vista.

Dessa forma, entendemos que a língua de sinais ocupa um papel central no

processo educacional do surdo como forma de se ter acesso ao conhecimento

sistematizado e, ainda, para sua formação enquanto sujeito crítico e autônomo na

sociedade em que vive.

Os professores do ensino comum foram indagados sobre o valor da língua

portuguesa na vida do surdo e obtivemos os seguintes relatos:

[...] como a nossa língua é o português, eu penso que eles têm que entender... (profª G.) [...] é importante porque ele vive no mundo dos ouvintes... (profª T.)

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[...] ele precisa ter conhecimento da língua portuguesa porque a maioria utiliza. .(profª S.) [...] para fazer parte do grupo ouvinte ele precisa do português... (profª C.) [...] eles precisam da língua portuguesa para poder caminhar melhor na sociedade. (profª F.)

As respostas acima nos levam a entender que é fundamental que os

professores compreendam que para o aluno surdo o português é uma língua

estrangeira e de difícil compreensão. É importante frisar que a língua de sinais, a

primeira língua internalizada pelo surdo, constitui-se como base para o

aprendizado da língua portuguesa e que, ao iniciar sua vida escolar, muitos não

dispõem de nenhuma das línguas. Assim, desconhecendo as implicações

envolvidas no processo acadêmico do aluno surdo, os professores seguem os

mesmos encaminhamentos e recursos utilizados com o ouvinte falante de

português.

Até pouco tempo a língua de sinais, por ser extremamente diferente da

língua oral - considerada padrão - era proibida aos surdos, na escola pelos

professores e, em casa, pelas famílias. Assim, o surdo era submetido e forçado à

aprendizagem da língua portuguesa como primeira língua. Como ele, na imensa

maioria das vezes, não correspondia ao esperado, era considerado como

“deficiente”. Partindo dessa concepção atribuía-se à surdez a culpa pelo insucesso

e não aos encaminhamentos teóricos e metodológicos utilizados para formação e

instrução do aluno surdo.

Apesar de todo o movimento contrário, a língua de sinais foi mantida em todo

o mundo. Sacks afirma que “havia proibição quase doentia da língua de sinais,

porém os sinais floresciam na escola, irreprimíveis apesar dos castigos e

proibições” (1990, p.26).

Pesquisas afirmam que 95% dos surdos nascem em famílias de ouvintes.

Assim, muitos não têm oportunidade de aprender a língua de sinais ou aprendem

tardiamente, quando passam a interagir com grupos que a utilizam fluentemente,

nas associações, nas escolas e outros espaços surdos. A orientação de estudiosos

da abordagem bilíngue de educação de surdos é a de que a Língua Brasileira de

Sinais seja adquirida por imersão com seus usuários, desde a infância, da mesma

forma que o ouvinte se apropria da língua materna.

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Para Fernandes, a língua brasileira de sinais apresenta algumas

singularidades que lhes são próprias, pois a mesma

[...] compõe-se de regras morfológicas sintáticas, semânticas e pragmáticas próprias, possibilitando o desenvolvimento cognitivo do sujeito surdo. Estudos linguísticos demonstram que a LIBRAS constitui-se de 46 configurações de mãos e de uma grande variedade de movimentos, e direções (linhas retas, curvas sinuosas e circulares), juntamente com as localizações em que os sinais são produzidos (ponto de articulação) e expressões corporais que podem ser realizados no espaço delimitado à frente do sinalizador. Todos esses aspectos indicam uma língua complexa, viva, passível de transformação como as demais línguas (FERNANDES, 1998, p. 36).

O emprego da língua de sinais requer mais do que apenas conhecer sinais.

É preciso compreender sua estrutura para combinar as configurações das mãos,

pontos de articulação, orientações, movimentos associados à expressão

facial/corporal, alfabeto datilológico, classificadores que articulados

simultaneamente compõem um sistema linguístico fundamentado na visão e no

espaço.

O surdo inserido numa sociedade, onde a maioria é usuário da língua

portuguesa, geralmente é discriminado pela sua condição, portanto, é determinante

tornar-se bilíngue, no sentido de usufruir de seu direito de cidadania e ser

respeitado em relação à sua diferença.

Estudos da área da linguística apontam que as interações dialógicas são

essenciais para o desenvolvimento e a aprendizagem. Sendo assim, a língua de

sinais – língua que não apresenta barreiras sensoriais ao surdo – se apresenta

como um caminho para o surdo ter acesso à língua portuguesa e aos

conhecimentos escolares e sociais

O surdo sempre teve prejuízos relevantes na comunicação oral. O fato de

não receber e processar as informações orais o impede de absorver as informações

básicas sobre o mundo. Esse aspecto precisa ser considerado, pois é dever da

escola propor condições e oportunizar a apropriação da sua língua e da língua

portuguesa. Os saberes específicos de cada língua exigem um processo formal

para sua aprendizagem.

Nessa perspectiva, Quadros enfatiza:

O ensino da língua portuguesa, como segunda língua para surdos, baseia-se no fato de que esses são cidadãos brasileiros, têm o direito de utilizar e

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aprender esta língua oficial que é tão importante para o exercício de sua cidadania ( QUADROS, 2006, p.17).

Dominar a língua portuguesa é imprescindível para que o surdo tenha

acesso aos conteúdos escolares nas diferentes disciplinas que compõem a grade

curricular, aos textos, às atividades, enfim, a todos os procedimentos próprios do

contexto escolar e que se materializam por meio da língua portuguesa. Por tal

raciocínio, a aquisição da língua oficial é fundamental para o desenvolvimento

escolar do aluno surdo, bem como para promover sua participação e integração nos

diferentes espaços sociais.

Ainda sobre o valor da língua portuguesa na vida do surdo, alguns

professores observaram:

[...]a língua portuguesa é importante porque para eles estarem comunicando a libras, precisam ter a língua materna que é a língua portuguesa, como acontece eu não sei. (profª F.) [...] eu não sei dizer, mas ele precisa saber ler e escrever... (profª A.) [...] eu não sei. (profª R.)

As declarações dos professores evidenciam desconhecimento quanto às

implicações pedagógicas que envolvem o uso de duas línguas no processo de

ensino e aprendizagem. Assim, por desconhecerem, acabam impondo o modelo e

as narrativas do ouvinte.

Cabe lembrar que a experiência de inclusão escolar do aluno surdo usuário

de língua de sinais é muito recente na história da educação no Brasil. Assim, é

compreensível que muitos professores que trabalham com esses alunos não

saibam dimensionar a importância da língua portuguesa, nem mesmo da língua de

sinais, na vida do aluno surdo. O desconhecimento do corpo docente acerca das

particularidades do aluno surdo que frequenta a escola comum acarreta sérios

prejuízos no processo escolar deste aluno.

Cabe à escola, junto aos professores, buscar alternativas e respostas

quanto às diferenças impostas pela surdez. É preciso que procure garantir ao

aluno surdo o acesso aos conhecimentos escolares. Esse acesso ao conhecimento

escolar é um direito conquistado pelo surdo conforme prevê o decreto federal nº

5626 de 22 de dezembro de 2005. A surdez não se configura como um

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impedimento à aprendizagem, desde que respeitadas as particularidades do aluno

surdo, sobretudo quando esse é usuário de uma língua viso-espacial.

O ingresso do aluno surdo num ambiente acadêmico inclusivo impede-o de

interagir com seus pares para fortalecimento de sua língua, identidade e cultura,

enfim, comportamentos que moldam seu modo particular de ser, ou seja, próprio da

cultura surda. Em síntese, a experiência de inclusão na escola comum, por vezes,

faz o aluno surdo sentir-se um estranho. Isso posto, é possível afirmar que é

imprescindível que o professor compreenda as consequências do processo de

inclusão escolar para a formação do sujeito surdo.

3.3 - Surdez: linguagem e pensamento

Eulália Fernandes (2003) afirma que a linguagem é determinante para o

desenvolvimento da cognição e da consciência do sujeito, porque o equipa com

recursos que possibilitam estruturar, organizar e interpretar a realidade, tornando

possível sua ação na transformação do meio em que vive.

Para a aquisição da linguagem o sujeito depende de seus sentidos e é

através deles que entra em contato com os estímulos que o cercam e, a partir das

informações e experiências captadas, passa a construir e elaborar conceitos,

pensamentos e saberes. A ausência de um dos sentidos, especificamente, a

ausência do sentido da audição - a surdez - priva o sujeito de uma infinidade de

informações. Dessa forma, a surdez implica numa série de dificuldades em

interpretar o meio, visto que o surdo está inserido em contexto social que privilegia

o uso da língua falada.

De acordo com Sacks,

[...] o ser deficiente na linguagem, para um ser humano, é uma das mais desesperadas calamidades, pois somente através da linguagem que ingressamos plenamente em nossa condição e cultura humana, comunicamos livremente com nossos semelhantes adquirimos e compartilhamos informações (SACKS, 1990, p. 22).

Fernandes, pelo mesmo raciocínio, aponta para as consequências da surdez

num ambiente extremamente pobre de interações sociais. Diz a autora:

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[...] quem está privado de audição, desde o nascimento ou a partir da tenra idade, não poderá ser a mesma de um ouvinte normal, visto serem muitos processos que dependem do sentido auditivo em termos de aprendizagem e constatações do universo, das pessoas e das coisas que o cercam (FERNANDES, 2003, p. 43).

Os professores que fizeram parte dessa pesquisa foram indagados sobre se o

aluno surdo apresenta conhecimento de mundo em nível semelhante aos colegas

ouvintes da mesma idade. De modo geral, constatam uma diferença, outros relatam

dúvidas, e alguns afirmam não saber responder. Mas, a maioria dos professores

entrevistados não estabelecem comparações entre desempenho de surdos e

ouvintes. Parecem não observar a existência desse descompasso do surdo em

relação ao ouvinte. Em outros termos, não estabelecem relação entre surdez e

dificuldades no desenvolvimento da linguagem. Além disso, esses professores

parecem não perceber que o atraso no desenvolvimento da linguagem exibido pelos

surdos gera prejuízos para o sujeito, com impacto direto na aquisição de

conhecimentos.

Vejamos os relatos perplexos dos professores, por desconhecerem a

importância da apropriação de uma língua materna para a formação e

desenvolvimento do aluno surdo:

[...] o ritmo [da aprendizagem do aluno surdo] é completamente diferente, coisa simples que eu achava que jamais teria que explicar, eles não sabiam. (profª T.) [...] eu vejo que tem muita diferença, coisas básicas eles não sabem, às vezes eu assustava com as perguntas que eles faziam, eu nunca imaginava que eles não sabiam determinados conceitos... (profª C.) [...] muitas explicações eles não compreendiam... coisas até simples que para nós é uma coisa natural, mas compreendi que era devido nunca terem tido contato com aquilo ... (profª P.)

Os relatos acima revelam que os professores da escola comum

desconhecem os efeitos da privação de uma língua na vida intelectual e social do

aluno surdo. É através da língua que o ser humano interage com as demais

pessoas construindo seu entendimento de mundo A apropriação da língua

apresenta-se como um dos principais responsáveis pelo processo de

desenvolvimento humano. Quanto mais intensas forem as interações com o meio e

a apropriação de conhecimentos a partir dessa interação, que só é suficientemente

intensa por meio da linguagem, melhores serão as estruturas cognitivas do sujeito

surdo. Assim, a privação linguística interfere significativamente na formação de

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conceitos, na estruturação e organização do pensamento desde os primeiros anos

de vida.

Frequentemente, na escola inclusiva, o surdo tem oportunidades reduzidas

de questionar e obter respostas naturalmente como o falante da língua portuguesa

oral. Desse modo, se comparado com o ouvinte, o surdo experimenta interações

comunicativas restritas, mesmo com a presença do intérprete. Para Tartuci (2008,

p. 2) a participação do aluno surdo fica restrita uma vez que, devido a maioria ser

ouvinte, “a falta de domínio de uma língua comum entre os surdos e ouvintes com

certeza dificulta ou mesmo impede a interação, a comunicação e a própria

construção de conhecimentos”.

Lacerda aborda como as discussões acontecem na sala de aula:

[...] o discurso do professor guia a atenção dos alunos para as tarefas relevantes avaliando suas respostas e sua adequação. Além disso, muito do que é dito para outro aluno em uma explicação ou discussão é ouvido pelo grupo e constitui um conhecimento adquirido, ainda que não diretamente voltado para este ou aquele sujeito; neste ambiente, onde um pergunta e outro ouve, se constroem muitas regras de conhecimento social e afetivo importante para seu desenvolvimento...”(LACERDA, 2006. P. 178).

Vilhalva, professora surda, retrata a inteligência aprisionada. Em decorrência

da surdez, confinada ao mundo imediato, não havia meio pelo qual pudesse adquirir,

compartilhar e trocar as informações visualizadas:

[...] o meu mundo era feito visualmente como se a caixinha que tinha dentro da minha cabeça estava ficando cheia, pois tudo que olhava era como se tirasse uma fotografia e ia guardando, assim ficava por muito tempo guardada as imagens paradas. ... [...] os meus olhos conseguiam registrar muitas coisas mesmo sem elaboração ou mesmo não sabia como utilizar tantas coisas que eu via... [...]. demorei muito para entender que eu, as pessoas, as coisas tinham nome. [...] eu tinha necessidade que me explicasse o mais simples detalhes da vida, como ela é e o porquê dela ser (Vilhalva, 2004, p 9-10-14.).

Os processos mentais elaborados pelos surdos não ocorrem diferentemente

do anteriormente descrito. Impedidos biologicamente de ouvir, antes da aquisição de

uma língua, ficam limitados tentando compor uma explicação visual para os

fenômenos que observam. Esse período que antecede a apropriação da língua se

configura como momento de isolamento intelectual e acarreta, na vida do surdo,

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perdas irreparáveis rumo à construção do conhecimento.

É importante que os professores de escola inclusiva compreendam que os

conteúdos ministrados na sala de aula são expostos por meio da oralidade em um

discurso elaborado por e para ouvintes e falantes do português. Para esses

interlocutores as interações ocorrem espontaneamente, permitindo efetiva e

permanentemente as trocas dialógicas. As reflexões até aqui propostas permitem

que se tenha uma mínima noção das experiências vivenciadas pelo surdo, na

família, grupo de amigos, escola e outros ambientes ocupados, predominantemente,

por ouvintes que não partilham com o surdo uma língua comum, obstaculizando

assim, continuamente, as interações com o outro.

Selecionamos, na sequência, mais algumas representações dos professores

acerca do conhecimento de mundo exibido pelo surdo e as comparações tecidas por

eles sobre as semelhanças e diferenças identificadas entre os colegas ouvintes e

surdos da mesma idade.

[...] eu acredito que eles têm um conhecimento maior do que os ouvintes, eles aprendem, não decoram... (profº M.) Acredito que seja só na comunicação é diferente, porque ele tem acesso e capta as informações do mundo equivalente a dos ouvintes. (profª J.) [...] dá para perceber uma diferença para mais ou para menos... eu acredito que pelo fato de estarem na frente da TV, internet... acho que caminham juntos. (profª I.)

Os depoimentos acima evidenciam a ausência de conhecimentos dos

professores sobre a surdez e suas implicações para o seu desenvolvimento. As

interações comunicativas na sala de aula são limitadas, não permitindo ao professor

perceber o distanciamento entre as experiências vividas pelo surdo e por seus

alunos ouvintes.

Sobre esse assunto, Vygotsky (1998) postula que a linguagem é o principal

instrumento de mediação do conhecimento e que essa ocorre nas interações sociais

que se estabelecem diariamente, e é nesse processo que ocorre a formação do

conhecimento e a possibilidade de superação da condição biológica.

A língua, seja oral ou visual, possibilita ao sujeito interagir, transformar e

ser transformado, permite agir sobre os objetos, as pessoas e sobre os símbolos.

Para Bakhtin (1981, p. 41), “as palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios

ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios”.

Conforme as discussões aqui apresentadas, constatamos a importância de

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uma primeira língua precocemente aprendida de tal forma que favoreça a

aprendizagem e desenvolvimento do aluno surdo. É imprescindível que o professor

que acompanha o aluno surdo em sala de aula pense em alternativas educacionais,

minimizando as dificuldades presentes na vida escolar. Partindo dos conhecimentos

já adquiridos pelo surdo, cabe ao professor, levando-se em conta a necessidade de

suprir as deficiências e lacunas decorrentes da falta de linguagem e de mediação,

promover o acesso do aluno surdo aos conteúdos acadêmicos que são necessários

e que não foram aprendidos. .

Os professores entrevistados foram questionados sobre o desempenho dos

alunos surdos na escola. Os depoimentos coletados dividem-se em dois grupos: o

primeiro está centrado na narrativa de que os surdos são lentos para resolver as

atividades propostas na sala de aula e, o segundo, ancora-se nos resultados das

avaliações feitas pelo surdo. Esses são relatos obtidos na entrevista com os

professores do primeiro grupo: [...] são muito lentos, eles precisam de mais tempo e mais paciência. (profª I.) [...] as metodologias e recursos que eu usei percebi que não foram suficientes... eles precisam de mais tempo. (profª F.) [...] ainda é uma falácia, as salas estão lotadas... o aluno surdo precisa de um tempo maior... (profª C.) [...] da forma que está, não atinge os objetivos propostos... o ritmo dele é diferente ... eu não sei se é melhor eles estarem junto ou separados, tenho dúvidas... (profª E.)

Pelos depoimentos, os professores entrevistados declaram que o aluno surdo

não responde ao mesmo ritmo do aluno ouvinte. No entanto, os professores

parecem não atentar para o fato de que, nem sempre os procedimentos didático-

metodológicos elaborados para o ouvinte são adequados para o surdo, pois a

organização didática na escola comum ocorre a partir da estrutura da língua

portuguesa. Por essa organização do ensino, o surdo tem contato com duas línguas

simultaneamente. Essa condição impede o surdo de caminhar no mesmo ritmo que

o aluno ouvinte, que tem acesso direto à informação do professor que é transmitida

em língua portuguesa.

O intérprete de língua de sinais na sala de aula é um dos elementos que

possibilitarão acesso ao conhecimento formal. Os alunos surdos participam das

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aulas visualmente, e precisam de estratégias para olhar para o interlocutor principal (

o professor) e, simultaneamente, olhar para o tradutor intérprete de LIBRAS e ainda

para as anotações no quadro e para os materiais empregados pelo professor em

aula. O aluno surdo precisa decidir também como serão feitas as anotações

referentes aos conteúdos, uma vez que sua atenção estará voltada para a aula e

não disporá de tempo para realizá-las. Essas questões precisam ser discutidas com

a equipe pedagógica e especialmente com o professor e o intérprete.

.

Na sequência apresentamos relatos obtidos na entrevista com os professores,

referentes ao segundo grupo:

[...] eu percebia nas avaliações, às vezes eles escreviam coisas que não tinha nada relacionado com os conteúdos trabalhados. (profª F.) Nas avaliações que eu faço, observo que falta muito, eu não consigo ter uma visão geral da apropriação dos conteúdos... (profª E.) [...] até o momento não houve nenhum retorno, nem tentativas de se construir o trabalho, as produções que eu consegui foi com a ajuda do intérprete... (profº L.) [...] maioria dos conteúdos não são apropriados devido o grau de complexidade. (profª P.)

As atitudes dos professores, reveladas nas falas apresentadas, indicam que a

ausência de interação espontânea por meio da língua oral, com os alunos surdos,

durante o percurso das aulas impossibilita uma leitura mais aprofundada do

rendimento acadêmico. Assim, ancorados em uma concepção tradicional de

avaliação, os professores recorrem ao instrumento que conhecem para conferir a

aprendizagem do aluno surdo em relação aos conteúdos ministrados: a prova

escrita.

Fernandes (2006, p. 7) aponta que, pelo fato de o professor não estabelecer

uma comunicação efetiva com o surdo incluso, fica impossibilitado de realizar uma

análise do rendimento escolar deste aluno. Assim, o professor se “acomoda com o

produto apresentado a cópia” e segue em frente.

O depoimento que segue parece camuflar o fracasso, anunciando um

sucesso que a experiência e a bibliografia da área não confirmam, uma vez que não

refere queixas acerca de apropriação conceitual ou dificuldades linguísticas do aluno

surdo:

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(...) na minha disciplina eles aprendem mais ou menos 70% a 80% dos conteúdos trabalhados em sala, o caderno é uma perfeição, eles fazem bonito, maravilhoso. (profª I.)

Nesse relato percebe-se que o professor não observa as dificuldades

inerentes ao processo ensino-aprendizagem do aluno surdo imposto pelo sistema de

ensino comum. Mas isso não implica em aceitar qualquer trabalho, ou omitir e

simplificar os conteúdos em função da dificuldade de comunicação. As propostas

de ensino precisam ser equivalentes em qualidade ao do ouvinte, só que com

percursos diferenciados.

Vejamos as declarações dos professores sobre o assunto:

[...] trabalho de forma diferenciada com metodologia visual e dando uma atenção diferenciada para que isso ocorra. (profª A.) [...] toda vez que eu planejo a minha aula eu penso no aluno surdo. Trabalho com o mesmo conteúdo e material didático, mas diferencio nos encaminhamentos, algumas atividades que eu entendo que são possíveis de serem feitas e importantes para o aluno surdo eu trabalho igual... (profª S).

Verifica-se nessas representações que os professores mostram-se receptivos

e se esforçam para atender o aluno surdo incluso, a despeito do desconhecimento

teórico e prático para compreender e atuar nas diferenças. Schneider (2006) em sua

pesquisa a esse respeito, conclui que os professores que atendiam alunos surdos

tinham a vontade de propor um ensino inclusivo, no entanto, não tinham condições

de realizá-lo na prática. A autora sinaliza ainda que, em geral, o aluno surdo é

excluído do trabalho em grupo e da exposição oral.

Lacerda (2000 p. 56) ressalta que na busca de solucionar os problemas

decorrentes da inclusão, estudiosos defendem que “deve haver um reconhecimento

de que os alunos surdos necessitam de apoio específico, de forma permanente ou

temporária para alcançar os objetivos finais da educação...” e que as medidas

adaptativas e os recursos especiais precisam ser cuidadosamente selecionados

para que a inclusão resulte em aproveitamento escolar.

Vejamos a denuncia na fala de um professor:

[...] como esses alunos chegaram ao ensino médio, sem condições, foram empurrados por uma questão de coitados, ou por méritos próprios. Até onde estamos contribuindo realmente para o processo escolar de autonomia? ou será que com isso, vão ser mais prejudicados do que ajudados? O que

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vamos fazer, vamos empurrar, retê-lo, qual é o limite dele? Essa é uma questão complicada, e uma questão ética... (profº L.).

Por esse depoimento observamos a aflição do professor diante da escola

inclusiva atual. Faz-se necessário refletir sobre o tipo de prática que vem sendo

estabelecida e os resultados decorrentes dela. Isso implica em construir novos

encaminhamentos metodológicos que contemplem a ética e o respeito às

diferenças.

Os professores foram questionados quanto ao uso dos recursos didáticos,

estratégias diferenciadas e adaptadas ao aluno surdo nas suas aulas. As respostas

obtidas mostram que a maioria utiliza os mesmos recursos didáticos empregados

no trabalho com ouvintes, e outros buscam materiais ilustrativos mais ricos para

atender esse aluno. Eis alguns relatos:

[...] eu percebi que tem encaminhamentos didáticos que não funcionam com os surdos... (profº J.) [...] as metodologias e recursos que eu usei percebi que não foram suficientes... (profª F.) [...] com material ilustrativo eles conseguem visualizar melhor o conteúdo.

(profª A.)

Outras declarações revelam atitudes contraditórias, ao mesmo tempo em que

os professores afirmam que necessitam de processos diferenciados, não modificam

a prática por conceberem que o uso de recursos adaptativos se constituiria em

atitude discriminatória.

[...] será que eu posso fazer uma avaliação diferenciada, penso... como os demais alunos vão se sentir, excluídos pelo fato de dar atenção específica para o surdo. (profª E.) [...] apresentava o conteúdo de maneira geral para todos e utilizava os recursos que tinha disponível, nada adaptado e nada específico. (profª I.). [...] trato todos igualmente, não existe diferença nos encaminhamentos em sala , eu não quero discriminação. (profª M.) Eu apresento a aula de maneira geral... eu não mudo a metodologia só por causa do aluno surdo, como fica a inclusão, não posso tratá-los diferentes... (profª N.)

Mediante esses relatos, fica evidente a omissão da escola frente às

incertezas dos professores em relação aos procedimentos metodológicos

necessários à inclusão de alunos surdos. Essa postura equivocada tem efeito

direto na aprendizagem do aluno surdo. Nesse sentido, ao tratar o aluno surdo como

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se ele fosse ouvinte, acaba-se por negar-lhe o direito de aprendizagem na sala de

aula comum.

A fala a seguir requer atenção especial, pois trata do descompasso entre

professor, equipe pedagógica e proposta inclusiva:

Não modifiquei a minha prática, porque fui orientada pela equipe pedagógica que era para eu trabalhar o mesmo conteúdo e forma para todos... (profª T.)

O depoimento acima reforça a ideia de que o desconhecimento sobre o tema

em questão alcança os diferentes segmentos da escola. Dessa forma, as

necessidades escolares desse aluno são negligenciadas e suas dificuldades

acentuadas. A respeito do fracasso escolar do aluno surdo, Skliar (1998, p.18)

afirma que o fracasso escolar não é fracasso do surdo, é “... fracasso da instituição–

escola, das políticas educacionais [...]”.

Sabe-se que o conhecimento escolar transforma o aluno, e essa

transformação só é possível quando esse dispõe de uma língua e propostas

pedagógicas adequadas para atender às suas especificidades e necessidades. Por

esse raciocínio, o ensino não terá qualidade se não oferecermos condições

propícias para que o trabalho docente se efetive. Assim, a educação do aluno surdo

no mesmo ambiente que o ouvinte requer que a prática escolar seja analisada e

refletida por todos, no sentido de reverter ou minimizar os problemas aqui discutidos.

3.4 - Surdez e inclusão escolar: o papel do intérprete

A efetivação da proposta bilíngue no ensino comum exige a presença do

profissional intérprete de língua de sinais como ferramenta humana capaz de

promover a mediação entre o surdo e as pessoas que desconhecem a língua de

sinais. Sem a presença desse profissional, o surdo apresentará dificuldades para

apropriar-se dos conteúdos acadêmicos e ter acesso às informações veiculadas na

língua falada.

Documentos editados pela Federação Nacional para a Educação e Integração

do surdo (FENEIS, 1994) sinalizam que o intérprete deve se manter neutro na

interpretação da língua oral e escrita (português) para a língua de sinais e da língua

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de sinais para a língua oral e escrita (português). Além disso, os documentos

orientam que o intérprete tenha conhecimento sobre a cultura surda, sobre as

implicações da surdez no desenvolvimento do sujeito surdo, entre outros. Ao mediar

a comunicação, o tradutor-intérprete deve observar preceitos éticos, manter a

consciência sobre seu papel, sobre seu modo de agir e sobre seu compromisso com

o sigilo e com a fidelidade da mensagem interpretada.

Os professores entrevistados foram questionados a respeito de quem é o

responsável pela aprendizagem do aluno surdo na sala de aula. Os dados obtidos

revelam que a maioria desconhecem a função do intérprete educacional e dessa

forma, delegam parte da responsabilidade pela aprendizagem do aluno surdo a este

profissional conforme relatos a seguir: O intérprete e professor são responsáveis pela aprendizagem do aluno (profª N.) A responsabilidade é de todos os envolvidos professor, intérprete e aluno... (profª R.) [...] no caso do aluno surdo a aprendizagem se dá com o professor, com o intérprete e o aluno, se um não funcionar não ocorre a aprendizagem. (profª A.) [...] quem é o responsável é o professor, mas não é o único... se o intérprete não fizer a função e o aluno não tiver pronto e o professor não prover os meios... não acontece a aprendizagem (profª C.)

Sobre esse tema, Lacerda confirma que

[...] existe um conflito no espaço na sala de aula, o interprete ora é visto como aquele que interpreta simplesmente, ora como aquele que também responsável por aspectos educacionais, ocorre em geral em situações que o professor se sente incapaz de fazê-lo.” (2002, p. 10)

A escola inclusiva, de forma equivocada, tem por vezes sustentado a ideia de

que ao viabilizar o acesso à língua de sinais, por meio da presença do intérprete na

sala de aula, está oferendo os recursos suficientes para garantir que o surdo

aprenda os conteúdos escolares formais, em condições de igualdade com o aluno

ouvinte.

Lacerda (2000) esclarece que a presença do intérprete não assegura o

sucesso escolar do aluno surdo. Isso porque é preciso que a escola esteja atenta às

questões de ordem metodológica, levando em conta a surdez e os processos

especiais dela decorrentes, que singularizam as condições de acesso ao

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conhecimento dessa minoria linguística. Assim, é preciso que essas particularidades

sejam consideradas e que o currículo escolar sofra ajustamentos com vistas a

contemplar as peculiaridades intelectuais e culturais da comunidade surda. A autora

adverte ainda que o papel do intérprete na sala de aula não deve ser confundido

com o papel do professor. Por vezes, o professor opta por transferir ao intérprete a

responsabilidade sobre o aluno surdo. Dessa forma, delega ao intérprete a tarefa de

transmitir os conteúdos desenvolvidos em aula.

[...] o professor consulta o intérprete a respeito do desenvolvimento do aluno surdo, como sendo a pessoa mais indicada a dar um parecer a respeito [...] os alunos dirigem questões diretamente ao intérprete, comentam e travam discussões em relação aos tópicos abordados com o intérprete e não com o professor. (LACERDA, 2000, p.60)

O espaço da sala de aula pertence ao professor que tem função central na

mediação do processo de aprendizagem, sendo de sua responsabilidade a decisão

sobre os encaminhamentos pedagógicos. Ao intérprete cabe assumir as funções

comunicativas, intermediando as duas línguas com competência. Os papéis são

absolutamente diferentes e precisam ser distinguidos e respeitados.

Sobre esse assunto é importante ressaltar que houve diferentes concepções

relatadas. No depoimento que segue o professor afirma que cabe exclusivamente ao

intérprete a função de resolver os entraves pedagógicos inerentes à educação do

surdo.

O responsável pela aprendizagem do aluno surdo é o intérprete, eu não sei língua de sinais. (profª E.)

A afirmação do professor citado revela desconhecimento sobre o seu papel e

sobre os limites da atuação do intérprete. Assim, ao identificar a presença do

intérprete na sala, pressupõe que este tem o mesmo preparo do professor para

ensinar, permitindo a ele interferir no processo acadêmico do aluno, sem que esse de

fato esteja revestido dessa autoridade.

3.5 - O tradutor intérprete de sua atuação

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Um dos depoimentos chama a atenção para a responsabilidade que tem o

intérprete de favorecer a aprendizagem do aluno, por meio de uma interpretação

eficiente. Vejamos:

No meu ponto de vista o intérprete também é responsável pela aprendizagem do aluno, quanto a veracidade da tradução, por exemplo... (profº L.)

Assegurar essa tradução eficiente não é tarefa fácil. No depoimento o

professor menciona a “veracidade da tradução”, sabemos que a tradução e

interpretação não são ações mecânicas, de palavra para palavra. A interpretação

envolve processos altamente complexos, exigindo do profissional habilidades

específicas para o domínio de suas funções. As pesquisas nessa área têm mostrado

graves problemas relacionados às estruturas linguísticas utilizadas, omissão ou

acréscimo de informações dadas na língua fonte, distorções semânticas e

pragmáticas e escolhas lexicais inapropriadas, entre outras. (BRASIL - MEC, 2002).

Nos últimos congressos brasileiros em que os surdos estiveram presentes

houve relatos consistentes de que no meio escolar tem ocorrido problemas graves na

tradução e interpretação. Esse dado aponta para a necessidade do desenvolvimento

de estudos e pesquisas sobre o alcance da interpretação dos sinais, pois a

interpretação imprecisa ocasiona prejuízos significativos para a aprendizagem do

aluno surdo.

Em termos históricos, considera-se recente a atuação do profissional

intérprete na comunicação entre surdo e ouvinte na instituição escolar. Percebe-se

de forma quase inexistente no mercado de trabalho a presença de intérpretes

qualificados em nível superior para essa função.

Segundo Lacerda (2002), esse profissional, pela falta de formação específica,

aliada a um trabalho isolado na instituição escolar, restringe sua formação à

aquisição de habilidades básicas, mas insuficientes, para o desempenho de sua

função, não atendendo às necessidades e dessa forma, gerando mais transtorno

para o aprendizado do aluno surdo.

[...] no modelo inclusivo a maioria dos intérpretes trabalham sozinhos, não possibilitando trocas, geralmente esse não é avaliado por ninguém, e [...] erroneamente os problemas relacionados a aprendizagem acabam sendo atribuídos ao surdo (LACERDA, 2002, p .4)

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São muitos os desafios impostos ao intérprete. Entre leigos, sustenta-se a

ideia de que interpretar para surdos, corresponde a usar duas línguas transpondo as

palavras ou expressões de uma língua para a outra. Contudo, esse processo não é

tão simples assim, pois uma interpretação eficiente exige amplo conhecimento das

duas línguas interpretadas, o que implica na exigência de saberes fundamentados.

Como exemplo desses saberes citamos as diferenças culturais, a visão de mundo, as

expressões idiomáticas, os dialetos e as variantes que compõem a língua. O

intérprete não pode limitar-se a interpretar mecanicamente os conteúdos, mas deve

efetivar nesse processo escolhas lexicais que sejam pertinentes, com sentido e

significado, para que possam ser compreendidas pelo aluno surdo.

Outro aspecto a ser destacado é quanto à formação do intérprete que atuará

em segmentos escolares mais elevados da educação básica e que exigem o domínio

de sinais precisos para representação de conceitos científicos como é o caso dos

que atuam no ensino médio. A interpretação de conteúdos científicos, e de grande

complexidade das diversas áreas do conhecimento exige que se tenha

conhecimentos teóricos suficientes para comunicá-los com competência. Sabe-se

que ninguém interpreta aquilo que não é compreendido. A interpretação requer

conhecimento antecipado e entendimento dos temas que serão interpretados. A

despeito dessa necessidade, geralmente, professores não disponibilizam o material a

ser interpretado em tempo que permita o estudo e o preparo com antecedência.

Cabe ressaltar que o ato interpretativo exigirá anos de disciplina nos estudos

por parte do intérprete. Uma interpretação insatisfatória apresenta-se como obstáculo

para o trabalho e a aprendizagem do aluno surdo. Nesse sentido, Rosa (2005, p.

180) enfatiza que “a presença do intérprete pode mascarar a inclusão que exclui”,

3.6- A inclusão escolar de alunos surdos sob o olhar dos professores

entrevistados

Os professores entrevistados nessa pesquisa ao serem indagados sobre como

analisam a inclusão do aluno surdo no sistema de ensino comum, expressam as

dificuldades vivenciadas quotidianamente na sala de aula. Diante dos relatos

percebemos que a inclusão tem gerado intensos conflitos nas instituições escolares.

Apresentamos algumas falas a esse respeito:

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[...] apesar de dez anos de inclusão nessa escola, ainda vejo que não estamos preparados... eu acredito que dificilmente o professor modifica sua prática diante do aluno surdo, ainda é o quadro e o giz. Sou contra (profª N.) A inclusão quer tratar todos iguais, eu não aceito, mesmo contrariada eu tenho que trabalhar com esse aluno... (profª G.) [...] por conta da inclusão, tive situações delicada com um colega de trabalho, ele questionava minha postura em sala de aula que eu dava mais atenção ao surdo, assim o desenvolvimento da aula não rendia... (profª B.)

Os relatos apresentados mostram que mesmo não compactuando com a

proposta inclusiva, alguns professores se submetem contrariados a essa

determinação, pela força da lei. Essa resistência, em certo sentido, reflete-se na

sala de aula, onde as práticas não se modificam. O aluno tem o acesso à escola,

porém sem beneficiar-se dela. Ocorre que, no processo de escolarização, por falta

de conhecimentos acerca de encaminhamentos metodológicos próprios para suas

necessidades de aprendizagem, o aluno surdo é, por um lado, privado de

informações e, por outro, poupado de uma série de exigências, que segundo a

concepção de alguns professores são muito e complexas. A conduta adotada é a

promoção do aluno de uma série para outra, sem que esse tenha o conhecimento

adequado, consolidando o fracasso escolar e social.

Por vezes, diante das dificuldades elencadas, os alunos simulam a

aprendizagem como estratégia para a sobrevivência no contexto escolar, ou seja,

fingem para participarem e serem aceitos no grupo dos ouvintes.

Góes e Tartuci (2002) investigaram como alunos surdos incluídos na rede

escolar participam dos acontecimentos da sala de aula. Constataram que, devido à

ausência de uma língua comum, o professor não consegue estabelecer diálogo,

efetivando os procedimentos pedagógicos uniformes para toda classe, como se

todos fossem ouvintes. Salientam ainda que, o surdo é induzido a comportar-se

como a maioria dos alunos ouvintes. O fato é que, a escola ignora as necessidades

visuais do alunado surdo e revela na prática a falta de conhecimento que envolve a

questão da surdez. A inserção do aluno surdo nas classes comuns não resulta

necessariamente em aprendizagem e desenvolvimento

Segundo Perlin (2006), a pedagogia da diferença contempla as

necessidades educacionais dos surdos promovendo a inclusão nas diferenças. Em

contrapartida, a inclusão escolar significa excluir a deficiência e trazer para a

normalidade. A autora ainda pontua que, sem a pedagogia da diferença, não haverá

inclusão e sim exclusão.

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O espaço escolar inclusivo não garante ao surdo aspectos relevantes para

sua formação, como sua cultura, a sua língua e a convivência com seus pares de

referência. No entanto, essas interações favorecem e consolidam a identidade

surda, que é diferente da identidade ouvinte.

As autoras Silva e Favorito pontuam que o surdo incluso não se beneficia de

interações comunicativas como os ouvintes.

[...] a construção do conhecimento demanda um processo de trocas discursivas entre os participantes (professores e alunos) e, nesse esquema interacional (professor/intérprete/aluno), a participação do aluno está impedida ou sofre restrição. Os surdos precisam fixar os olhos no intérprete para não perderem informações e, na prática, é muitas vezes difícil concatenar o fluxo para atender às possíveis interferências dos alunos surdos (SILVA E FAVORITO, 2008, p.35 -36).

Nesse processo inclusivo, a comunicação estabelecida entre professor e

aluno surdo não é suficiente em razão da ausência de uma língua comum. As

interações dialógicas acontecem artificialmente limitando a participação dos surdos

no processo educacional, ficando, assim, muito a desejar. As discussões que

naturalmente ocorrem na sala de aula com os ouvintes, ou seja, esse jogo na

comunicação, não alcançam o surdo, que fica excluído. As dúvidas, os desejos, as

conversas nas entrelinhas, os posicionamentos maliciosos e até sutis, não se

efetivam ou, se ocorrem, é muita com restrição e precariedade para o surdo.

Lacerda tece críticas ao modelo de inclusão do surdo, praticado por parte

expressiva das escolas. Nesse sentido afirma:

Os dados deste estudo indicam o quanto um modelo, ainda que considerado inclusivo por seus participantes, pode não ser nada inclusivo. O aluno surdo, apesar de presente (fisicamente), não é considerado em muitos aspectos e se cria uma falsa imagem de que a inclusão é um sucesso. As reflexões apontam que a inclusão no sistema de ensino é muito restritiva para o aluno surdo, oferecendo oportunidades reduzidas de desenvolvimento, desconsiderando aspectos fundamentais (lingüísticos, sociais, afetivos, de identidade, entre outros) que se desenvolvem apoiados nas interações que se dão por meio da linguagem. A não partilha de uma língua comum impede a participação em eventos discursivos que são fundamentais para a constituição plena dos sujeitos (LACERDA, 2006, p.181).

Face ao exposto é possível perceber que a educação do surdo e em

especial a educação inclusiva enfrenta sérios conflitos. O surdo é inserido na sala de

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aula comum, onde as interações linguísticas e cognitivas são bastante limitadas. A

despeito dessa situação, cria-se a ideia de que a inclusão, como denuncia Lacerda

(2006), é um sucesso. Afirmar o sucesso da inclusão do surdo no ensino regular é,

em grande medida, o resultado de uma interpretação superficial, enganosa e

bastante ingênua. Contrariando o temor referido pela autora, alguns professores

entrevistados apostam na proposta inclusiva, como podemos confirmar nos relatos a

seguir:

[...] a inclusão de surdos eu acho normal, eles estão sempre ensinado sinais para os ouvintes. (profª P.) [...] um dos avanços na educação foi a inclusão, ele faz parte desse processo como cidadão. Nada de serem separados! (profº L.)

Para Lacerda (2000),

[...] o aluno surdo continua à deriva, apreendendo aquilo que lhe é possível, em meio às diversidades. ... Continua sendo um aluno incluído diferenciado, não por ser atendido por um projeto educativo especial, mas por sua posição de estrangeiro em sala de aula (LACERDA, 2000, p.82).

Corroboramos o pensamento de autores da área da surdez que percebem na

inclusão obrigatória um desrespeito aos direitos do alunado surdo, mesmo com a

disponibilização do profissional intérprete Nessa direção Lacerda (2000) afirma que

o processo de inclusão é possível desde que haja um projeto educacional que

assuma as particularidades próprias da surdez, norteando as ações didáticas e

metodológicas às necessidades da comunidade surda. Já para Skiar, “os surdos têm

o direito a passar por um processo educativo natural que valorize sua identidade

enquanto surdo. Isto tudo só é possível em uma escola de surdos” (1998, p.190).

3.7 - Equipe pedagógica e a inclusão do surdo no ensino comum

Conforme o artigo 31 do regimento escolar do Estado do Paraná, a equipe pedagógica:

é responsável pela coordenação, implantação e implementação no Estabelecimento de Ensino, do Projeto Político Pedagógico em consonância com a política educacional e as Diretrizes Curriculares emanadas da Secretaria de Estado da Educação ( 2010, p. 27).

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Ainda, segundo esse mesmo documento da rede de ensino básico vigente, a

equipe pedagógica assume o papel de mediadora e articuladora de procedimentos

didático-pedagógicos, subsidiando teórica e metodologicamente as discussões e

reflexões acerca da organização do trabalho pedagógico.

Para Libâneo, a equipe pedagógica tem como “principal atribuição a

assistência pedagógico-didática aos professores, para chegar a uma situação ideal

de qualidade de ensino” (2002, p.181).

Destarte, o que está registrado na proposta curricular, no projeto político

pedagógico, no regimento escolar da instituição, em relação ao atendimento ao

aluno surdo incluso, não acontece na prática, fica somente nos documentos legais.

Rosa (2005) esclarece que:

[...] a escola não se modifica, como prevê os documentos de inclusão em razão da presença do aluno surdo; ao contrário, esse aluno “ajusta” ao modelo educacional vigente. Ao se transformar o aluno surdo em “igual”, cria-se a ilusão de que a inclusão não demanda uma situação especial dentro da escola regular (ROSA, 2005, p.187).

Muitas vezes o professor é uma figura solitária nesse processo de inclusão,

recaindo sobre ele a responsabilidade sobre o ensino e a aprendizagem do aluno

surdo, como se ele tivesse o poder para, sozinho, resolver os percalços desse

processo.

O desconhecimento da equipe pedagógia em relação à surdez e suas

implicações pedagógicas em geral se assemelha ao que é exibido por parte

expressiva dos professores.

Os professores entrevistados foram questionados se, ao entrarem em sala de

aula, tinham conhecimento da presença do aluno surdo e se foram orientados pela

equipe pedagógica sobre como proceder em relação ao aluno. A maioria dos

entrevistados afirma que desconheciam a matrícula do aluno surdo ou que ficaram

sabendo por meio do colega de trabalho e que não receberam nenhum

encaminhamento diferenciado.

A esse respeito, obtivemos as seguintes declarações:

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[...] não tive nenhum encaminhamento, quem passou a novidade foi a intérprete. (profª F.) [...] só foi comunicado que eu teria aluno surdo em minha sala. (profª S.) [...] cheguei na sala e encontrei o aluno surdo, não recebi nenhuma orientação. (profª C.) [...] fiquei sabendo porque meus colegas de trabalho, falaram e quando entrei na sala me deparei com o intérprete. (profª P.) [...] não fomos informados que havia aluno surdo na sala de aula. (profº J.) [...] a equipe pedagógica se esquiva, a nossa realidade hoje está difícil, não temos apoio. (profº M.)

Os relatos destes professores demonstram que se sentem abandonados pela

equipe pedagógica. É certo que as dificuldades enfrentadas pela equipe pedagógica,

e que se refletem nas possibilidades de trabalho dos professores, estão atreladas a

diversos fatores, como estrutura organizacional do sistema educacional e da escola.

Contudo, isso não os impede totalmente de articular encaminhamentos para

minimizar os obstáculos enfrentados na prática escolar. Na compreensão dos

professores, a equipe pedagógica não tem assumido suas responsabilidades de

mediadora e articuladora no processo inclusivo do surdo. A rigor, a escola comum

enfrenta uma gama imensa de dificuldades que obriga os profissionais a protelarem

soluções de alguns problemas, para resolver outros que se apresentam mais

urgentes. Assim, os problemas que envolvem o aluno surdo, nem sempre se

apresentam na ordem de prioridades.

Um grupo os professores declarou que não foram orientados sobre as

implicações pedagógicas que envolvem o surdo no contexto escolar. Conforme

relatos a seguir:

[...] ao encontrar o aluno surdo na sala fui questionar com a equipe pedagógica e disseram que isso fazia parte... não era para se preocupar porque tinha intérprete... (profº J.) [...] na semana pedagógica eles comentaram a respeito, quanto aos encaminhamentos não recebi nenhum, aprendi do meu jeito no dia a dia... (profª I.) [...] nas reuniões pedagógicas temos discutido, o que é possível nós estarmos atento para não fazermos aquilo que não devemos e aquilo que devemos fazer, levando em conta que exige um tratamento diferenciado nesse processo de inclusão. (profº L.)

Pelos relatos é possível constatar que, a comunicação pela equipe sobre a

presença do aluno surdo na sala de aula, quando acontece, não é acompanhada de

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sugestão de encaminhamentos pedagógicos. O que se fornece são informações que

não dão conta da complexidade do ato de ensinar e aprender. Não queremos com

essas considerações culpabilizar a equipe pedagógica, ou transferir a ela, toda a

responsabilidade pelas dificuldades vividas pelos surdos e por seus professores. No

entanto, o sucesso de qualquer proposta de ensino implica na reflexão conjunta e

na busca colegiada de soluções. Tal princípio se aplica igualmente à educação de

surdos e ouvintes.

Quadros resgata as palavras de Sanches (1997) e enfatiza que a escola

deve oferecer um ambiente linguístico adequado no sentido de garantir o

desenvolvimento da língua e do pensamento uma vez que “a importância da escola

para os surdos é muito maior do que para os ouvintes porque possibilita no ambiente

escolar o desenvolvimento do surdo” (1997, p.36).

Para redimensionar essa realidade é fundamental que todos, sem exceção

assumam a parte de responsabilidade que lhes cabe. Assim, direção, equipe

pedagógica, professores, enfim, todo o corpo de educadores da escola necessita

refletir sobre a realidade e as necessidades do aluno surdo incluso. Isso implica

buscar conhecimentos de natureza específica e os procedimentos didáticos e

metodológicos a eles associados para que o processo percorrido na sala de aula

seja menos doloroso para professor e aluno surdo.

Cabe ressaltar que não existem receitas prontas, caminhos únicos para a

definição e elaboração de propostas, esse processo se constrói coletivamente na

busca compartilhada e iluminada por estudos sólidos. Cabe à equipe pedagógica

organizar, articular e dar suporte por meio de um processo de ação-reflexão-ação,

efetivando reuniões sistemáticas para discutir concepções sobre surdez, deficiência,

língua de sinais, a função do intérprete e outros. Ao identificar as dificuldades e as

dúvidas dos professores, é preciso assumir a tarefa de unir a equipe de trabalho e,

conjuntamente, elaborar mecanismos que permitam reflexões, estudos, discussões,

pesquisa, cursos, enfim, tudo direcionado às necessidades específicas da escola, no

sentido de dar sustentação à prática do professor na sala de aula.

Ao incorporar novas posturas e abordagens é preciso que estas estejam

atreladas a um projeto que não se restrinja ao cumprimento de determinações

legais. Novos encaminhamentos requerem práticas pedagógicas que se efetivem

com princípios didáticos pertinentes ao modo de aprender de cada aluno. Isso não

significa que todos os problemas serão imediatamente resolvidos, mas serão

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certamente minimizados, resguardando-se assim o direito do aluno surdo de ter

acesso aos conhecimentos escolares como qualquer pessoa.

Medidas como a ampliação do tempo de hora-atividade do professor,

formação de turmas com menor número de alunos, adoção de materiais didáticos

que privilegiem o canal visual, a oferta de aulas no contra-turno, são algumas das

medidas necessárias à tentativa de mudar, para melhor, a realidade do aluno surdo.

3.8 - Surdez: leitura, interpretação e escrita

A instrução escolar do surdo durante quase um século ficou subordinada à

aquisição da linguagem oral e, por conseguinte, ao domínio da língua portuguesa,

em detrimento aos conteúdos escolares. O ensino da fala, além de ser árduo para o

surdo, ocupou quase todo o tempo destinado ao ensino da educação formal. Dessa

forma, o surdo foi submetido intensamente a treinos de fala e, na hegemonia da

abordagem oralista, não se considerou as especificidades de sua diferença.

Muitas pesquisas indicam que o aluno surdo, mesmo após anos de

escolaridade, apresenta sérias dificuldades nas habilidades de ler e escrever de

forma autônoma. Além disso, em decorrência das dificuldades de ordem linguística,

apresenta também defasagens em termos de conteúdos escolares . Nessa direção,

a FENEIS1 (1995) fornece dados a respeito do desempenho escolar dos surdos.

Através da pesquisa realizada por profissionais da PUC do Paraná em convênio com o CENESP (Centro Nacional de Educação Especial) publicada em 1986 em Curitiba, constatou-se que o surdo apresenta muitas 2dificuldades em relação aos pré-requisitos quanto à escolaridade, e 74% não chega a concluir o 1o grau. Segundo a FENEIS, o Brasil tem aproximadamente 5% da população surda total estudando em universidades e a maioria é incapaz de lidar com o português escrito (FENEIS, 1995, p. 7).

Pesquisadores da abordagem bilíngue afirmam que a ausência da língua oral

no surdo não se constitui em impedimento para que ele se aproprie do sistema de

escrita da língua portuguesa. Essa aquisição não pode ser compreendida à luz dos

mesmos pressupostos e métodos adotados para os usuários da língua oral, a surdez

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impõe condições próprias para a aprendizagem desse sistema convencional de

escrita.

Fernandes (2006), ao estudar a aquisição da língua escrita por surdo, afirma

que

[...] há que repensar as metodologias atualmente utilizadas na escola que ignoram as singularidades linguísticas dos surdos e seguem reproduzindo as estratégias baseadas na oralidade e na audição como referenciais para a apropriação da leitura e escrita (FERNANDES, 2006, p.8).

A autora destaca ainda que o ensino do português escrito é equivocadamente

dirigido ao aluno surdo por meio das mesmas estratégias utilizadas para o ensino de

língua materna para falantes nativos, pressupondo uma experiência linguística

anterior baseada na modalidade oral da língua. Quando o surdo entra na escola, as

diferenças são ignoradas, a língua oficial é imposta e ele é submetido aos processos

pedagógicos originariamente planejados para ouvintes. Quando esse aluno não

apresenta rendimento escolar satisfatório, é rotulado de deficiente. Os modelos

baseados na representação da fala ocupam lugar de destaque nas metodologias

para o ensino da língua portuguesa.

Vejamos como os professores entrevistados nessa investigação avaliam a

leitura e interpretação do aluno surdo incluso. Nos depoimentos, alguns expressam

inquietações, outros demonstram tranquilidade, não pontuando os obstáculos

decorrentes da surdez.

[...] nas avaliações elas não respondiam o que era perguntado, então acredito que estavam com problemas de leitura e interpretação. (profª F.) [...] é um dilema, eles têm muita dificuldade de interpretar o enunciado dos problemas de matemática... em relação aos cálculos fazem muito bem. (profª I.). [...] não sei como cobrar ou até que ponto posso exigir deles o conhecimento da língua portuguesa. (profª S.) [...] têm muitos termos que eles não conhecem em virtude da deficiência... (profº J.) [...] observei que eles não conseguem ler um texto, têm muitas palavras que não conhecem o significado. (profª C.). [...] falta vocabulário devido à dificuldade na leitura... (profª B.)

De acordo com Brito (1993), no ensino inclusivo o aluno terá acesso limitado

às informações, que são transmitidas basicamente através da fala, e assim

enfrentará dificuldades reais em concluir o percurso escolar.

A esse respeito Lacerda observa que

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a questão fundamental para a qual preciso chamar atenção é a forma como o conceito pretendido não foi trabalhado com o aluno surdo. Nem sempre uma atividade pensada/proposta para ouvintes é apropriada para o surdo. É preciso... uma atenção às suas características e uma organização de atividade que inclua o surdo e não o deixe à margem (LACERDA, 2007, p.9).

Nota-se que a maioria dos professores entrevistados relata que as

dificuldades acadêmicas do surdo incluso centralizam-se no desconhecimento do

léxico da língua portuguesa.

Cabe considerar que, seja qual for o conteúdo acadêmico a ser desenvolvido

em sala de aula o professor recorre a apostilas, livros didáticos, literaturas diversas,

enunciados de atividades, resolução de problemas de matemática, produções

escritas e outras situações que ocorrem no espaço escolar, todas elas constituem-se

em textos estruturados, em língua portuguesa escrita, elaborados para usuários da

língua falada. Para além do uso da escrita do português, as várias áreas do

conhecimento, cada uma de modo particular, expressa uma linguagem com termos

próprios da disciplina, configurando mais uma dificuldade para o aluno surdo

incluso.

No espaço escolar, o conhecimento linguístico que o aluno possui é pré-

requisito para a execução de tarefas de interpretação dos textos trabalhados.

Porém, para o surdo, por ser aprendiz da língua portuguesa como segunda língua, a

leitura se apresenta comprometida em razão da já referida privação linguística.

Esses conhecimentos linguísticos para o ouvinte emergem de forma espontânea nas

interações sociais que estabelecem diariamente nos contextos sociais, nos quais

tornam-se possíveis as associações, comparações e generalizações.

Diferentemente desses, o surdo está impedido em decorrência das dificuldades de

linguagem, do aprendizado informal próprio das trocas comunicativas espontâneas

que ocorrem durante as brincadeiras na escola, na família, na comunidade, em

frente à TV, enfim, na vida cotidiana. Essa diferença deve ser considerada pela

escola.

Goldfeld afirma que

a pior realidade é que grande parte dos surdos brasileiros e seus familiares nem sequer conhecem a língua de sinais. Muitas crianças, adolescentes e até adultos surdos não participam da comunidade surda, não utilizam a língua de sinais e também não dominam a língua oral (GOLDFELD, 1997, p.42).

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De acordo com a literatura, o desconhecimento e a falta de experiência

didático-metodológica voltada para o ensino do surdo incluso na escola comum se

torna inadequado o ensino da leitura e escrita, resultando em prejuízos relevantes

na aquisição dessas práticas da língua portuguesa.

Segundo Fernandes,

[...] a atividade de leitura se dá em contextos linguísticos mais amplos, em que as palavras são combinadas para a formação de sentenças utilizando regras sintáticas, semânticas e pragmáticas (FERNANDES, 2003, p.147).

A habilidade de leitura é essencial e dá suporte para o estudo de outras

áreas do conhecimento, portanto, ler não significa decodificar as palavras

separadamente, mas implica compreender o sentido global do texto. É preciso

considerar que os processos de ensino inadequados não favorecem o aprendizado

da segunda língua pelo aluno e essa dificuldade se reflete na aquisição da língua

escrita, e, por consequência, reforçam a prática do português sinalizado (leitura

linear termo-a-termo, pulando os termos desconhecidos).

A leitura de palavras isoladas não permite perceber as diferentes

possibilidades de significados de uma palavra e distorce o sentido no contexto. O

uso da soletração datilológica seguindo o padrão linear da leitura, também não

obtém significação por não possuir equivalentes em língua de sinais, dessa forma,

a leitura não se concretizará, o que impede a apropriação de novos conhecimentos.

Góes (1996) aponta que não é possível transitar entre a língua de sinais e a

língua portuguesa palavra por palavra ou frase por frase, porque a estrutura

gramatical é completamente diferente: uma auditivo-oral e a outra visual-espacial. A

leitura não é uma ação simples de identificação e atribuição de significados às

palavras, ela exige processos cognitivos altamente complexos.

Conforme Souza (1998), o aluno surdo apresenta dificuldade em todas as

áreas do conhecimento em razão da falta de domínio da língua portuguesa. As

marcas deixadas pela falta de interação linguística impedem que os conhecimentos

sejam apropriados adequadamente durante sua escolarização. Ao trabalhar com o

texto escrito, cabe ao professor antecipar e mediar o que é desconhecido pelo surdo

para que se efetive a compreensão de sentido do texto e internalize os

conhecimentos que são expressos nos conteúdos sistematizados.

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Alguns professores mencionam que não sabem como avaliar a compreensão

em leitura do surdo e outros nunca exigiram esse procedimento por não saberem

como agir. Sobre esse assunto, os professores entrevistados fizeram as seguintes

declarações:

[...] eu não sei se há compreensão da leitura (profª E.) [...] eu nunca solicitei uma leitura individual e depois o que entendeu do texto lido. (profº J.) [...] somente as atividades e quase não houve retorno, nunca solicitei leitura e para mim tudo é muito novo. (profº L.) [...] eu em nenhum momento solicitei a leitura, somente a escrita com trabalhos em sala e em grupo ou individual. (profª N.

As declarações revelam a necessidade de formação dos professores

entrevistados com relação às especificidades da escrita de alunos surdos. No

espaço destinado ao aluno usuário da língua falada, o surdo encontra enormes

dificuldades na aquisição da escrita em decorrência de um ensino inconsistente do

português, que para ele corresponde a uma segunda língua ou uma língua

estrangeira. Face às dificuldades enfrentadas, o aluno surdo tende a desenvolver

atitudes de resistência às atividades que envolvem a escrita. Essa relação

conflituosa entre o surdo e a escrita interfere na aquisição e domínio das estruturas

da língua portuguesa. A experiência visual precisa ser considerada na organização

do ensino da escrita a essa população de usuários da língua de sinais.

Na sala de aula, a leitura do surdo geralmente é centrada na decodificação

das palavras por meio do português sinalizado. Utilizam para isso mecanismos de

comparação entre as palavras da pergunta e as palavras presentes no texto que

sugerem compor a resposta e fazem a cópia integral do parágrafo correspondente,

no entanto, na maioria das vezes, sem compreender o sentido geral dos textos

abordados.

As autoras Tartuci e Góes relatam que

[...] os surdos mais experientes em sua vida acadêmica desenvolvem na sala de aula estratégias de “sobrevivência”, “...já haviam aprendido e continuavam aprendendo a ocupar o lugar de aluno, bastava seguir o ritual da sala... no qual pode simular a situação de um aprendiz (TARTUCI e GÓES, 2002, p.118).

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Nesse sentido, os professores que entrevistamos observaram:

[...] as produções escritas só consegui com a ajuda do intérprete, não tive da parte deles nem tentativas para que eu pudesse ter em mãos para analisar se perceberam o conteúdo... (profº L.) [...] eles não conseguem colocar suas ideias numa frase formal, geralmente só copiam... tenho muita dificuldade para sanar essas dificuldades. (profº L.)

Tartuci e Góes ressaltam que há também uma simulação do professor e

prosseguem:

[...] os efeitos prejudiciais não se referem apenas à limitação do processo de se fazer aprender e leitor-escritor; estende-se à formação da pessoa, pois essa experiência escolar está constituindo modos de significar o mundo, significar a si, construir a subjetividade, incorporar referências de identidade e assim por diante (TARTUCI e GÓES, 2002, p.119).

A leitura do surdo ocorre de forma ideográfica, ele reconhece a palavra pela

imagem integral que a constitui, sem fazer análise de suas partes menores. A leitura

não ocorre pela vinculação letra e som, em virtude da impossibilidade de ouvir os

sons, mas sim pelo reconhecimento visual das palavras em sua forma de escrita

que serão processadas mentalmente como uma idéia completa. A leitura se

processa de forma simultânea e analítica, a palavra é vista como uma unidade do

todo para o todo.

Para Fernandes, no caso dos surdos,

[...] todo sistema gráfico deverá seguir a rota lexical... desde os primeiros contatos com a escrita, devemos ter em mente que as palavras serão processadas mentalmente em sua forma ortográfica e “ fotografadas” mentalmente, encaminhadas à memória de trabalho e armazenadas ou não no léxico mental (FERNANDES, 2003, p.147).

Na concepção de Fernandes, cabe ao docente a seleção e análise prévia dos

textos a serem trabalhados no sentido de articular as informações relevantes,

criando diversas situações de aprendizagem. É fundamental que os textos

selecionados sejam ricos em elementos visuais, que forneçam pistas que conduzam

à compreensão do que está escrito.

Vários conteúdos da matriz curricular devem ser adaptados às possibilidade

de compreensão dos surdos. Por exemplo, o ensino de conteúdos como acentuação

tônica, discriminação de fonemas, ditados ortográficos, pontuação, estudos

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ortográficos entre as letras e os fonemas: s com som de z, x, sc... estão diretamente

relacionados a processos auditivos

De acordo com Quadros (1997), um dos grandes entraves para o aprendizado

da leitura e escrita pelo surdo resulta na carência de uma base linguística

consistente.

Outro aspecto a ser contemplado nessas reflexões diz respeito ao

componente curricular do ensino comum que prevê o estudo da primeira língua, que

para os ouvintes é a língua portuguesa. Pela lógica dos argumentos, que

possivelmente justificam a necessidade de aprender, em profundidade, uma língua

escrita, o surdo, de modo equivalente, deveria ter acesso ao ensino de libras e à

forma de representação escrita a ela correspondente.

As representações dos professores entrevistados estão sintonizadas com o

que é mencionado na literatura especializada. Ou seja, inconscientemente os

professores atribuem o fracasso no desempenho em escrita para o aluno e não para

as metodologias inadequadas destinadas ao ensino da língua na modalidade escrita.

Góes (1999) ressalta que as produções escritas reproduzem modelos frasais

ensinados, resultando escritas sem criatividade e sem sentido. Diante disso,

apresentamos os relatos dos professores:

Alguns já têm uma escrita bem próxima da língua portuguesa, lógico faltando conectivos, conjunções... alguns escrevem e conseguimos ler...eu não sei como proceder. (profª S.) [...] eu tento analisar a escrita, mas tenho dificuldades, eu observo que eles não colocam artigos, conectivos... só sei que falta muito... faltam palavras para a escrita, eu não vejo texto, vejo frases... partes... (profª E.) [...] eu trabalho com tentativas de acertos e erros... não sei exatamente como ele aprende... só sei que o processo é diferente. (profª S.) [...] eu não sei, porque não sou professora da língua portuguesa, mas sei que faltam conectivos, não dando clareza ao texto, eu tenho dificuldade de fazer esse processo... (profº J.)

O estranhamento manifestado por parte dos entrevistados com relação à

qualidade das produções escritas de seus alunos surdos decorre das características

próprias da escrita alfabética, quando produzidas por usuários de línguas de base

visogestual. Nessas produções, geralmente os enunciados são curtos, com poucas

orações, sem flexão correta dos verbos, problemas relacionados à ordenação não-

convencional e escolha lexical inadequada, produções com características de

construções que limitam a compreensão do leitor.

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A concepção de ensino centrada na língua como código, como já foi dito,

resultou em práticas pedagógicas centradas em um ensino padronizado, com

estruturas frasais simples e rígidas, desprovidas de significados, pensando a

linguagem como um aglomerado de vocábulos, tendo em vista a aquisição da

escrita. Nesta proposta artificial, a expectativa era de que o surdo pudesse

generalizar essas produções para estruturas cognitivas mais complexas. Ou seja, ao

apropriar-se dos códigos da língua portuguesa concebiam que automaticamente, no

ato de leitura e escrita, o surdo expressaria o aprendido.

Nesse sentido, Souza constata que [...] a propalada dificuldade de aprendizagem do aluno surdo era fabricada por uma prática pedagógica decorrente do pressuposto, assumido pela escola de que a conduta pedagógica pode estar dissociada, ou ser independente do exercício efetivo da linguagem (SOUZA, 1998, p.23).

Para Fernandes,

a única via de acesso à língua portuguesa para os surdos é a escrita. Para os surdos, aprender a escrita significa aprender a língua portuguesa: escrita e língua se fundem em um único conhecimento vivenciado por meio da leitura (FERNANDES, 2006, p.16 ).

Fernandes esclarece que “o surdo apresenta características em sua escrita

que são próprias de usuários exclusivos de língua de sinais”, assim, sugere “o uso

de estratégias diferenciadas para o ensino da modalidade escrita da língua

portuguesa para o surdo, que devem ser pautadas nas teorias de aquisição e

aprendizado de línguas estrangeiras” (1999, p.66).

Fernandes propõe ainda um roteiro para o trabalho com a leitura que contribui

para sistematização das ações do professor na sala de aula. Esse roteiro segue

alguns passos, a saber: “contextualização visual do texto, exploração do

conhecimento prévio e de elementos intertextuais, identificação de elementos

textuais e paratextuais, leitura individual e discussão das hipóteses de leitura, e (re)

elaboração com vistas à escrita” (FERNANDES, 1999, p. 150-151).

Segundo Quadros (1997), o aprendiz da língua portuguesa exigirá ambiente

artificial e sistematização através de metodologias próprias de ensino, o que implica

efetivar processos de comparação e contraste entre as duas modalidades de

línguas: a visual e a auditiva. A escola deve embasar-se em ações didáticas

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diversificadas de natureza visual, como forma de possibilitar o acesso aos

conhecimentos científicos por meio da língua de sinais.

No depoimento que destacamos na sequência, o professor busca valorizar o

traçado da letra do aluno surdo e nega a existência de dificuldades. Vale dizer que,

essa visão otimista do professor não corresponde ao desempenho em escrita que a

absoluta maioria dos surdos exibe.

(...) eu sei que eles respondem as questões corretamente e eles ainda perguntam se a resposta é aquela mostrando no texto. (profº J.) Normal, a maioria tem letra legível, muito bonita, não tem letra garrancho, são letras fabulosas... muito bem feitas... são caprichosos .(profº J.)

Tartuci e Góes retratam uma situação na sala de aula na qual o professor

autoriza ao aluno participar dos acontecimentos por meio da cópia, que é uma das

principais atividades.

O aluno surdo, que parece ter dúvida procura a professora... mostra a ela que não consegue responder. Ela pega o livro, folheia-o e marca alguns parágrafos. Não busca explicar, apenas devolve o livro. O aluno volta... para copiar os trechos apontados. Copiar da lousa, copiar do colega, copiar do livro, copiar de seu próprio caderno – o aluno surdo aprende e acaba por fortalecer esse tipo de estratégia: copiar para manter “vivo” no ambiente (TARTUCI e GÒES, 2002, p. 114).

As práticas em sala de aula que acolhem alunos surdos, permanecem, em

grande parte, inalteradas e as experiências escolares nesses ambientes são

insuficientes e por vezes causam danos irreversíveis. Essa condição produz

extrema desigualdade do surdo em relação ao ouvinte, causando uma exclusão,

sem voz, em todos os segmentos da vida escolar do aluno surdo.

Silva investigou o modo pelo qual a criança surda usuária da língua de sinais

se apropria da escrita e quais os trajetos cognitivos que ela percorre. Assim,

verificou que

[...] a especificidade sensorial e linguística de crianças surdas usuárias de língua de sinais determina o processo de aquisição da escrita também específico e singular. O caminho trilhado pela criança surda é marcado por características sensivelmente diferentes daquelas que definem o itinerário percorrido por crianças ouvintes usuárias de línguas orais (SILVA, 2008, p. 202).

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A pesquisadora destaca uma nova perspectiva para a aquisição da língua

escrita pela criança surda, tomando como base a própria língua de sinais. Ressalta

que para a educação do surdo, a escrita de sinais, também conhecida como sistema

signwriting, deve ser oportunizada como primeira língua escrita, por permitir o

desenvolvimento de habilidades linguísticas, intelectuais e sociais.

Conforme Quadros e Shmiedt (2006), os alunos primeiramente precisam que

as bases já estejam consolidadas como “leitores” na língua de sinais, para

posteriormente erigirem-se em “leitores” na língua portuguesa. Nesse sentido, já

existem publicações produzidas pela comunidade surda: literatura em língua de

sinais, dicionários, filmes, documentários, lendas, piadas, entre outros.

Para Silva (2008), a defesa do ensino da escrita de sinais aos surdos não

corresponde a desistir de ensinar-lhes a escrita do português. Isso porque a não

apropriação da língua portuguesa escrita coloca o surdo em extrema desvantagem,

pois esse grupo está imerso numa sociedade grafocêntrica que exige esse sistema

nas diferentes situações de vida. Além disso, a língua é um poderoso instrumento

para a apropriação do conhecimento, organização de ideias e também um meio de

expressão e comunicação que o surdo pode utilizar para facilitar a convivência com

o ouvinte.

3.9 - Surdez e Desafios educacionais

As representações sobre a surdez sempre foram fundamentadas por mitos e

crenças com base na religião e na ideologia do grupo dominante. Em tempos

remotos os surdos eram exterminados e com o passar dos tempos conquistaram o

direito à vida, porém foram abandonados em asilos e hospitais psiquiátricos. Por

longos anos a sociedade nutriu a concepção paternalista pela qual o surdo foi visto

como incapaz de prover por si só a própria sobrevivência, bem como de pensar,

contrair matrimônio e herdar os bens da família.

Com o movimento do tempo e da cultura, estudos e pesquisas científicas

desenvolvidas na área médica criaram classificações e terminologias voltadas ao

surdo, como: “doentes” , “deficientes”, “deficiente auditivo” e outras variações. Pelo

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enfoque médico, o objetivo no atendimento ao surdo sempre foi a cura para o

ingresso na sociedade.

O termo surdo-mudo é antigo e incorreto, porém vigente, entre leigos, até os

nossos dias. Segundo Sacks, o velho termo “surdo-mudo” implica uma suposta inadequalidade dos que nascem surdos para falar. Obviamente, os natissurdos são perfeitos capazes de falar, possuem aparelho fonador idêntico ao demais, o que lhe falta é a capacidade de ouvir a própria fala e portanto de monitorar com o ouvido o som de sua voz (SACKS, 1990, p. 38).

A terminologia surdo-mudo remete o usuário à representação de

incapacidade e inferioridade. A expressão “deficiência auditiva” é utilizada com

frequência na área médica para classificar a surdez em seus diferentes graus: leve,

moderado, severo e profundo. Já a designação “surdo” é aceita pela comunidade

surda, usuária de LIBRAS, como um reconhecimento à especificidade linguística

desse grupo minoritário.

Nas entrevistas que realizamos, a maioria dos professores entrevistados

ignorava as particularidades culturais da minoria surda. Na concepção de estudiosos

da área, sintonizados com um enfoque sócio-antropológico da surdez, como Skliar

(1998), a surdez é vista como diferença e não como deficiência.

Entre as lutas da minoria surda destacam-se a busca de reconhecimento

pelos direitos linguísticos e de cidadania a presença do intérprete em

estabelecimentos públicos e a garantia de legendas em programas televisionados.

Os professores entrevistados relataram o sentimento de temor quando do

primeiro contato com o aluno surdo, como se pode verificar nos depoimentos que

seguem:

[...] fiquei angustiada quando soube que ia trabalhar com aluno surdo, eu não sabia como fazer (profª T.) [...] confesso que fiquei assustada, não sabia por onde começar... (profª S.) [...] tive medo de não saber como agir com o surdo, senti que precisava de um preparo para enfrentar essa nova realidade... (profº J.) [...] não assustei tanto, porque tinha a intérprete... profª R.) [...] senti medo, porque eu não tinha nenhuma preparação específica, você ouve falar a respeito da surdez, mas não sabe como é a experiência com ele ... e no decorrer do processo há angústia, nós entramos num mundo sobre o qual não temos conhecimento. (profª G.) [...] é verdade que dá aquela angustia, porque não temos acesso ao mundo deles... eu nunca tive experiência com o surdo, então esse mundo se torna invisível ... uma coisa é se relacionar no campo informal e outra é estar apto para trabalhar com os conteúdos acadêmicos. (profº L.)

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[...] encarei com naturalidade, fazer o quê ... o aluno já estava na sala (profª N.)

Os relatos permitem inferir que a representação sobre a surdez, por parte dos

entrevistados, reveste-se de mitos e crenças, efetivamente ancorados em discursos

socialmente construídos. Assim, os professores põem em evidência a urgência de

formação específica para educadores da escola comum que pretende matricular

alunos surdos.

Indagamos aos professores o que significava, para eles, “ser surdo”. Os

depoimentos obtidos variam de acordo com as concepções internalizadas pelo

professor na sala de aula. A condição de ser surdo foi assim definida pelos

entrevistados:

[...] não ouvir o som, as outras habilidades são normais (profª I.). [...] é complicado porque não consegue ter contato com grande parte do mundo, perde o contato com o mundo dos ouvintes... (profª S.). [...] acho difícil de explicar, mas penso que é uma pessoa como outra, só a forma de comunicação é que diferente (profª E.). [...] é não ter contato com o som do mundo externo, mas o resto é tudo igual (profª A.). [...] estar nesse mundo e sentir diferente, eu acho que é isso. (profª R.). [...] acho difícil demais viver num mundo em pleno silêncio... (profº J.). [...] só usar sinais deve ser algo estranho, doloroso, eu não sei como é, eu acho péssimo (profº J.). [...] uma pessoa que não ouve o som, não recebe as informações do mesmo jeito que o ouvinte ... acredito que seja um caminho árduo (profª A.).

A concepção sobre a surdez, certamente, determina os encaminhamentos

didáticos do professor. Esses encaminhamentos podem contribuir ou limitar os

processos de apropriação de conhecimentos do surdo no espaço escolar.

Os professores manifestaram dificuldades ao definir e conceituar a surdez. A

maioria sinalizaram a necessidade de prover encaminhamentos metodológicos

diferenciados para atender ao surdo nas suas especificidades.

Laborit (1994), atriz e autora surda, relata que vivia no silêncio entre zero e

sete anos devido a sua impossibilidade de interagir com as pessoas do seu meio.

Creio que nada havia em minha cabeça, nesse período. Futuro, passado, tudo estava em uma linha do espaço-tempo. Mamãe dizia ontem... e eu não entendia onde estava ontem, o que era ontem. Amanhã também. E

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não podia perguntar-lhe. Sentia-me impotente.... Havia a luz do dia, a escuridão da noite, mais nada. (LABORIT, 1994, p.14-15).

Vilhalva relata o que significa para o surdo viver num mundo onde predomina

a língua portuguesa.

O que mais me chamava a atenção era quando as pessoas falavam (abrindo e fechando a boca) principalmente os professores da escola... o professor desenhava uma bola e escrevia bola, eu não ouvia mas prestava atenção quando ele falava, fiz minha primeira descoberta que o desenho exposto tinha nome... era isso que saia da boca do professor (VILHALVA (2004, p. 15 - 16).

Para Sacks a concepção do ouvinte acerca do “ser surdo” fundamenta-se em experiências próprias, o que é um equívoco:

Essa idéia estereotipada, que não corresponde inteiramente à verdade. Os surdos congênitos não vivenciam o “silêncio” nem se queixam dele. Essas são as nossas projeções, nossas metáforas para os estados deles ( OLIVER SACKS, 1990, p. 21).

É fundamental que os professores reflitam sobre as concepções que têm

permeado as práticas escolares sobre o aluno surdo. O desconhecimento sobre a

surdez e sobre as representações dos próprios surdos contribui para o

desenvolvimento de condutas sentimentalistas que obstaculizam a ação docente

sensata.

Para finalizar, gostaríamos de afirmar nosso desejo de que a educação eficaz

do surdo torne-se uma realidade. Esse desejo impõe compromisso e

responsabilidades. É certo que ainda temos muito que aprender, contudo

acreditamos que, ao socializar nossas reflexões, oportunizando o estudo aos

diferentes parceiros que conosco vivem a educação dos surdos, esse desejo será

multiplicado. Dessa forma, o sonho coletivo nos conduzirá ao encontro dos melhores

caminhos para a educação do aluno surdo.

4. Conclusão

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A educação do surdo na atualidade é um assunto polêmico que envolve

questões pedagógicas e linguísticas extremamente complexas, no entanto, as

propostas educacionais inclusivas têm por finalidade promover o desenvolvimento

do aluno surdo, mas na verdade têm determinado uma série de limitações, pois

continuam ignorando as diferenças no modo de ensinar e aprender desse aluno.

Portanto, a tônica desse estudo está em oferecer conhecimento teórico-

metodológico para os professores pensarem uma prática que contemple

procedimentos pedagógicos que privilegiem a experiência visual do aluno surdo,.

visto que esse é dotado das mesmas possibilidades de desenvolvimento que o

ouvinte, porém, as ações educativas direcionadas a ele perpassam por processos

de aprendizagem de uma segunda língua. Essa questão exige um olhar diferenciado

na compreensão das necessidades educacionais para o aluno surdo inclusivo no

Sistema de Ensino Comum. Também, torna-se esse estudo ponto de partida para

reflexões e aprofundamento nos conhecimentos acerca da surdez.

Diante dos resultados obtidos verificou-se que a inclusão imposta por

instâncias superiores torna-se um obstáculo para o aprendizado do aluno surdo.

Ficou clara a falta de formação do professor, aliada ao preconceito e mitos

construídos no contexto social e escolar. Além disso, há ainda muitos professores

com atitude de resistência à inclusão, não rompem com práticas

educacionais ultrapassadas e tradicionais. Porém, notou-se que mesmo o professor

com boa vontade é limitado em seus conhecimentos acerca da surdez, o que não

tem contribuído para a aprendizagem e desenvolvimento. Tudo isso e outros

aspectos geram sérios prejuízos para a aprendizagem e desenvolvimento do aluno

surdo que vive a experiência do ensino inclusivo.

As questões aqui mencionadas estão atreladas a um conjunto de

representações sociais, culturais, linguísticas e políticas, os prejuízos acadêmicos,

geralmente recaem sobre o surdo como a própria história educacional mostra ao

longo dos anos. Em nome de uma inclusão que celebra uma educação para todos

no mesmo espaço escolar, deixa evidente a desigualdade de condições e a

ineficácia do modelo inclusivo, como advertem os autores citados na pesquisa.

Não estamos marcando as impossibilidades de ação e sim pontuando

questões fundamentais que necessitam urgentemente serem enfrentadas com o

propósito de minimizar os danos educacionais vivenciados pelo surdo no sistema de

Ensino Comum. No entanto, a sala de aula é um espaço que com disciplina, respeito

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e ética se materializa em pequenas iniciativas e que faz a grande diferença na vida

do surdo que está em plena formação, caso contrário as perdas continuarão se

perpetuando e o fracasso escolar se consolidando.

Diante dos dados obtidos no estudo, foi possível analisar e confirmar que a

escola inclusiva não tem garantido uma condição educacional adequada para o

surdo porque a dinâmica escolar da sala de aula foi organizada exclusivamente

para atender ao aluno falante usuário da língua portuguesa. Dificilmente da forma

que está articulada poderá atender de modo equivalente o surdo, mesmo tendo a

presença do intérprete,.

Para minimizar essas questões aqui colocadas, exige-se dos profissionais

envolvidos um esforço coletivo para debruçar em estudos que possibilitem a

compreensão das necessidades e processos educativos voltados para o surdo,

vinculado a uma proposta curricular que contemple língua, identidade social e

cultural do surdo conforme discussões de autores como Lacerda (2006), Eulália

Fernandes (1990, 2003), Góes (2000), Quadros (1997), Fernandes (2002), Ferreira

Brito (1995) e outros, respeitando o seu modo particular de ser e aprender.

5. REFERÊNCIAS

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