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1. Indicação bibliográfica Lipovetsky, Gilles – A felicidade paradoxal. São Paulo, Companhia das Letras, 2007. Primeira Parte - Capítulo 5 – Rumo a um turboconsumidor - páginas 98 a 127. 2. Tópicos principais A fase III da economia de massa surge no momento em que os lares conquistam alta taxa de equipamentos. No final dos anos 1970 a tecnologia se generaliza em todas as camadas sociais da vida cotidiana. Nos lares, o consumo da chamada “linha branca” atinge seu ponto de saturação. As empresas encorajavam o pluriequipamento das famílias. Até então, existia apenas a lógica do consumo partilhado. A pluralidade dos equipamentos permite o afrouxamento do controle familiar e maior independência. O consumo individualista surgiu a partir da difusão de objetos (automóvel, televisão, eletrodoméstico), do desenvolvimento da indústria cultural, o culto dos prazeres privados e aumento das opções de lazer. Estabeleceu-se uma economia de consumo maciço e houve uma elevação do nível de vida – a maioria das pessoas dispõe de um poder de compra discricionário (ilimitado), e possui rendimentos muito acima do mínimo necessário para satisfazer suas necessidades. O supérfluo tornou-se desejo e aspiração legítimos de todos os grupos sociais. Os grandes distribuidores proporcionaram um variado leque de produtos a serem utilizados sob o mesmo teto. A partir disso, foi criada uma forma revolucionária de venda – o auto-serviço se tornaria um dispositivo emblemático na segunda metade do século XX, um modelo dominante de comportamento individual. O contato entre oferta e procura é direto, livre da mediação do vendedor. O consumidor torna-se livre das pressões do comerciante. Não lhe vendem mais, ele compra. Uma nova estratégia de sedução foi ativada, baseada na autonomia do consumidor. A fase II não se reduz à difusão de massa dos bens de conforto. Ela criou uma cultura cotidiana dominada pela mitologia da felicidade privada e por ideais hedonistas. É a civilização do desejo, que presta culto aos bens materiais e aos prazeres imediatos. Tudo se vende com promessas de felicidade individual. Cultura que convida a apreciar os prazeres do instante, gozar a felicidade aqui e agora. Novas práticas de consumo: passou a ser uma das principais preocupações dos indivíduos. Eclosão da fase III: a gama das escolhas pessoais foi ampliada. As condutas individuais foram libertas dos enquadramentos coletivos e foi desenvolvida a industrialização dos bens de equipamento. É a passagem da era da escolha para a “hiperescolha”, do consumo “hiperindividualista”. Novos equipamentos eletrônicos provocam uma escalada na individualização dos ritmos de vida. Os usos do espaço, do tempo e dos objetos passam a ser personalizados, em todas as idades e todos os meios. Celulares, microcomputadores, câmeras fotográficas digitais, permitem que os indivíduos construam seu tempo-espaço de maneira autônoma. A fase III é definida pelo menor poder diretivo das regras coletivas e personalização das práticas cotidianas. Houve imensa desregulamentação do consumo, articulada em torno do referencial do indivíduo. Assim, o foco está no individual, em produtos personalizados. Enquanto a mobilidade se intensifica, as pessoas têm menos tempo de se dedicar às compras. Os locais de trânsito se tornaram centros comerciais – aeroportos e postos de combustível abrem espaços para lojas, restaurantes, lan houses, academias e até salões de beleza. Os “não-lugares” estão em vias de se tornar-se zonas comerciais com produtos básicos, de marcas, artigos de luxo e produtos culturais. Nas fases I e II, os consumidores iam às lojas; na fase III, o comércio vai até eles, e os locais de vendas estão sujeitos aos horários de frequência e dos fluxos de passagem.

Fichamento - A felicidade paradoxal - LIPOVETSKY, 2007

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A felicidade paradoxal - Edit. Cia. das Letras, 2007 - LIPOVETSKY, Gilles. Fichamento: Primeira Parte - Cap.5 – Rumo a um turboconsumidor - páginas 98 a 127 (livro).

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1. Indicação bibliográfica

Lipovetsky, Gilles – A felicidade paradoxal. São Paulo, Companhia das Letras, 2007.

Primeira Parte - Capítulo 5 – Rumo a um turboconsumidor - páginas 98 a 127.

2. Tópicos principais

� A fase III da economia de massa surge no momento em que os lares conquistam alta taxa de equipamentos.

� No final dos anos 1970 a tecnologia se generaliza em todas as camadas sociais da vida cotidiana. Nos lares, o consumo da chamada “linha branca” atinge seu ponto de saturação.

� As empresas encorajavam o pluriequipamento das famílias. Até então, existia apenas a lógica do consumo partilhado.

� A pluralidade dos equipamentos permite o afrouxamento do controle familiar e maior independência. � O consumo individualista surgiu a partir da difusão de objetos (automóvel, televisão,

eletrodoméstico), do desenvolvimento da indústria cultural, o culto dos prazeres privados e aumento das opções de lazer.

� Estabeleceu-se uma economia de consumo maciço e houve uma elevação do nível de vida – a maioria das pessoas dispõe de um poder de compra discricionário (ilimitado), e possui rendimentos muito acima do mínimo necessário para satisfazer suas necessidades.

� O supérfluo tornou-se desejo e aspiração legítimos de todos os grupos sociais. � Os grandes distribuidores proporcionaram um variado leque de produtos a serem utilizados sob o

mesmo teto. A partir disso, foi criada uma forma revolucionária de venda – o auto-serviço se tornaria um dispositivo emblemático na segunda metade do século XX, um modelo dominante de comportamento individual.

� O contato entre oferta e procura é direto, livre da mediação do vendedor. O consumidor torna-se livre das pressões do comerciante. Não lhe vendem mais, ele compra.

� Uma nova estratégia de sedução foi ativada, baseada na autonomia do consumidor. � A fase II não se reduz à difusão de massa dos bens de conforto. Ela criou uma cultura cotidiana

dominada pela mitologia da felicidade privada e por ideais hedonistas. É a civilização do desejo, que presta culto aos bens materiais e aos prazeres imediatos.

� Tudo se vende com promessas de felicidade individual. � Cultura que convida a apreciar os prazeres do instante, gozar a felicidade aqui e agora. � Novas práticas de consumo: passou a ser uma das principais preocupações dos indivíduos. � Eclosão da fase III: a gama das escolhas pessoais foi ampliada. As condutas individuais foram

libertas dos enquadramentos coletivos e foi desenvolvida a industrialização dos bens de equipamento. É a passagem da era da escolha para a “hiperescolha”, do consumo “hiperindividualista”.

� Novos equipamentos eletrônicos provocam uma escalada na individualização dos ritmos de vida. Os usos do espaço, do tempo e dos objetos passam a ser personalizados, em todas as idades e todos os meios. Celulares, microcomputadores, câmeras fotográficas digitais, permitem que os indivíduos construam seu tempo-espaço de maneira autônoma.

� A fase III é definida pelo menor poder diretivo das regras coletivas e personalização das práticas cotidianas. Houve imensa desregulamentação do consumo, articulada em torno do referencial do indivíduo. Assim, o foco está no individual, em produtos personalizados.

� Enquanto a mobilidade se intensifica, as pessoas têm menos tempo de se dedicar às compras. Os locais de trânsito se tornaram centros comerciais – aeroportos e postos de combustível abrem espaços para lojas, restaurantes, lan houses, academias e até salões de beleza.

� Os “não-lugares” estão em vias de se tornar-se zonas comerciais com produtos básicos, de marcas, artigos de luxo e produtos culturais.

� Nas fases I e II, os consumidores iam às lojas; na fase III, o comércio vai até eles, e os locais de vendas estão sujeitos aos horários de frequência e dos fluxos de passagem.

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� Para fidelizar os clientes e superar a concorrência é preciso mais conforto, mais serviços e distrações.

� Atualmente, rádio e tv funcionam sem interrupção. Serviços operam 24 horas, sete dias por semana, e lojas abertas à noite se multiplicam.

� O tempo de consumo não tem mais interrupção ou pausa; é o desmantelamento de antigas regras limitadoras dos períodos de compras.

� Dilatação da organização temporal do consumo: alongamento dos horários e dias de abertura das lojas, eliminando sistematicamente tempos “vagos” e “protegidos”.

� Investindo no espaço noturno, a economia hipermercantil abole os períodos de pausa e constrói uma cidade aberta continuamente ao consumo. Isso mantém o sistema do desejo e do consumo mais desperto.

� A lógica do turboconsumismo encontra sua realização nas redes eletrônicas graças às compras pela internet. É um sistema de informação sem limite, sem coerção de tempo e de lugar.

� Afirmam-se novos comportamentos, marcados pela exigência de eficácia e rapidez, pela preocupação obsessiva em ganhar tempo. Caixas rápidos e distribuidores automáticos se multiplicam.

� O hiperconsumidor é o indivíduo apressado, para quem o fator tempo se tornou um referencial importante, organizador de seu cotidiano. A economia de tempo é mais importante que a economia teatral dos signos; a corrida contra o tempo prevalece sobre a corrida à estima.

� A época do “saber esperar” – na qual a experiência da espera significava felicidade – cede espaço para uma cultura de impaciência e da satisfação imediata dos desejos.

� A compressão do tempo é um dos signos do advento de uma nova condição temporal do homem, marcada por um presente absoluto, autossuficiente, cada vez mais desligado do passado e do futuro.

� Mesmo com as imposições da velocidade, o consumidor ainda é o ator principal deste cenário, adotando estratégias individuais, fazendo escolhas pessoais, acelerando aqui para deixar tempo livre ali. Ganhar tempo passa a ser uma medida adotada para aproveitar melhor outros momentos da vida. O hiperconsumidor conquista a condição de organizar seu emprego do tempo e adotar ritmos diferentes de acordo com situações.

� Com a individualização das maneiras de gerir o tempo pessoal, há uma tolerância às práticas de “perda de tempo” quando se aproveita esse tempo para cuidar de si.

� O turboconsumidor não perdeu o interesse de todo pelo futuro; há uma progressão dos consumidores engajados, que se preocupam com o futuro do planeta e buscam dar um sentido às suas compras.

� No início da fase II, as classes populares eram dominadas pelo sentimento de inclusão em um mundo social estruturado por referências e estilo de vida homogêneo. O grupo exerce pressões e coerções simbólicas, construindo um forte conformismo de classe (por exemplo: “quem ela pensa que é para vestir-se, falar, agir assim?”, “de onde ele(a) saiu?”).

� Atividades simples e básicas (comer, beber, morar, vestir-se) eram reguladas pelas maneiras de classe. A fase III pôs fim a essa organização coletiva.

� O direito de construir nosso modo de existência só encontra obstáculo no nível do poder de compra. Não importa a classe de origem, é o dinheiro de que se dispõe que faz a diferença. Os gêneros de vida podem ser comprados.

� O turboconsumidor escolhe seu estilo de vida. Ele é o comprador móvel, livre da obrigação de moldar-se a este ou aquele padrão específico.

� A partir disso, os ideais de bem-estar, de viagem, novidades, magreza, são partilhados por todos os grupos sociais.

� As desigualdades econômicas se aprofundam, as aspirações consumistas se aproximam; as práticas sociais divergem, o sistema referencial é idêntico.

� As escolhas de consumo são determinadas pela oferta mercantil e midiática, tornando-se imprevisíveis, desunificadas. Desencadeia-se o “efeito Diva” – referência ao filme de Jean-Jacques Beineix, no qual um jovem empregado dos correios, de condição modesta, vive em um loft barroco, é apaixonado por ópera e possui um equipamento de gravação musical profissional.

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� Nos ciclos anteriores, os princípios organizadores do consumo eram ordenados de cima para baixo, ou seja, eram constituídos da divisão em classes e a oposição do superior e do inferior.

� Essa lógica piramidal se estilhaça na fase III. O modelo agora é horizontal e em redes: microgrupos que se identificam se justapõem em um espaço heterogêneo de gostos, de estéticas e práticas.

� As diferenças se efetuam a partir da multiplicidade de critérios (idade, música, esportes, projetos de vida, orientação sexual etc.).

� No hiperconsumo não há categoria de idade – todos participam da ordem do consumo. � Com o surgimento dos consumidores autônomos e a exaltação da juventude, os adolescentes

passaram a interferir nas compras. O dinheiro que ganhavam para as pequenas despesas tornou-os compradores-decididores.

� É a era da criança hiperconsumidora: com direito a escolhas, dispondo de uma parcela de poder econômico e controlando uma parte das despesas familiares.

� O consumo é pensado como instrumento de prazer, de despertar e desenvolvimento da autonomia da criança. Consumir é um modo de se “comprar a paz”; é a compensação por longas ausências, além de representar um direito do filho à felicidade, prazeres, individualidade.

� Nos anos 1990 surge uma nova classe: a sênior, que possui um poder de compra considerável. � A “Power age” tornou-se hiperconsumidora emocional de produtos e serviços. Com o aumento da

duração de vida e peso demográfico crescente, a importância econômica dos seniores irá progredir nas próximas décadas, aumentando a demanda por consumo de produtos dietéticos, itens para o bem estar, distrações, prazeres do turismo e cuidados pessoais.

� O consumo passa a ser um tipo de terapia direcionada para reduzir o sentimento íntimo do envelhecimento (sensação de inutilidade, angústia da solidão e do tempo que passa rapidamente).

� O marketing ganha um nicho que necessita ser seduzido e fidelizado, com uma comunicação específica e a oferta de produtos/serviços adequados a sua situação e necessidades específicas.

� Nenhuma idade escapa às redes do consumo, nenhum limite deve deter expansionismo comercial. � Enquanto a sociedade e o mercado tendem a reconhecer os seniores, eles mesmos querem cada

vez mais se sentir jovens, experimentar novas emoções, livrar-se dos estigmas da idade. O juvenilismo não morre: é ampliado, variado ao infinito, interiorizando-se nos seres.

� O advento do “consumidor empreendedor” marca uma nova época. Ele substitui o individual pelo familial, o efêmero pelo durável, o inútil pelo essencial.

� No entanto, o individualismo triunfante não é superado. As excessivas preocupações destinadas à estética e à saúde, as despesas destinadas a atrair o olhar do outro são expressamente individualistas.

� O turboconsumidor se aproxima tanto do que é essencial à vida quanto do que é mais frívolo. � A tendência ao consumo “cidadão”, por sua vez, também mantém o cidadão na constelação de

indivíduo, enquanto engajamento opcional, mínimo e indolor. Ela significa que o individualismo não é sinônimo de egoísmo absoluto, que possui responsabilidade e preocupação com certos valores.

� A multiplicação das informações e a elevação do nível de instrução favoreceram a profissionalização das atividades consumidoras. Por outro lado, observa-se um descontrole: vítimas da moda, compras compulsivas, superendividamento familiar, viciados em games, ciberdependentes, toxicomanias, distúrbios alimentares (bulimia, obesidade).

� O estágio III lança um consumidor emancipado das imposições e ritos coletivos. Porém, essa autonomia traz consigo novas formas de servidão – o turboconsumidor está mais subordinado reino monetizado do consumo.

� A influência consumista sobre os modos de vida e os prazeres amplia-se tanto mais quanto impõe menos regras sociais coercitivas.

3. Citações

� “Os eleitores e a elite – uma ampla classe média nos Estados Unidos – poderiam ter enfrentado a escolha de apoiar a política governamental para eliminar a pobreza, administrar a competição étnica e integrar a todos em instituições públicas comuns. Escolheram, em vez disso, comprar

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proteção, estimulando o crescimento da indústria da segurança privada. Endurecer contra o crime construindo mais prisões e impondo a pena de morte são as respostas mais corriqueiras à política do medo. [...] Outra resposta é a privatização ou militarização do espaço público – fazendo das ruas, parques e mesmo lojas lugares mais seguros, mas menos livres.” (ZUKIN, 1995). Pág. 110.

� “À medida que se amplia o princípio de pleno poder sobre a direção da própria vida, as manifestações de dependência e de impotência subjetivas se desenvolvem num ritmo crescente. O que se representa na cena contemporânea do consumo é tanto Narciso libertado quanto Narciso acorrentado.” (Pág. 127).

4. Comentários

Em sua obra, Lipovetsky aponta o bem-estar como uma paixão de massa, o objetivo supremo das sociedades democráticas. Adentramos uma nova fase do capitalismo, a qual o autor denomina “hiperconsumo”. O turboconsumidor é individualista, hedonista, e está sempre em busca de satisfações emocionais imediatas e de demonstrações de condição social. O consumismo infiltra-se nas relações do indivíduo com a família, o trabalho, a religião, o lazer. É o domínio do império do consumo em tempo integral, servido por um mercado diversificado, que satisfaz e ao mesmo tempo induz a novos prazeres. No capítulo 5, especificamente, Lipovetsky aborda a fase III da economia, que se inicia no final da década de 1960 e vai se delineando nas décadas seguintes por meio do consumo individual. O autor fala sobre o período do “boom” de produtos e serviços que proporcionam a criação de espaços individualizados dentro da casa, onde cada um tem seu equipamento, sua vida, seu mundo. É o fim do consumo coletivo, dos bens familiares e dos modos tradicionais de realizar as compras. Surge uma nova fase de regulação das sociedades mercantis, determinando o destino do neoconsumidor.