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I nternacionalista Relações Internacionais, Notícias & Cultura Fichamento: Amado Cervo e Clodoaldo Bueno | História da Política Exterior do Brasil 1 de março de 2014 · por Patricia Galves Derolle · em Estudos para o CACD , História do Brasil , Política Internacional , Resumos & Fichamentos . · (http://pgderolle.files.wordpress.com/2014/03/amadocervo.jpg) As posses territoriais ou a intransigência negociada A política brasileira de limites A experiência brasileira correspondeu a uma das expeiências históricas mais significativas em termos comparativos, em função dos dados objetivos – cerca de 16km de fronteira com dez

Fichamento Amado Cervo

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Internacionalista

Relações Internacionais, Notícias & Cultura

Fichamento: Amado Cervo e Clodoaldo Bueno| História da Política Exterior do Brasil

1 de março de 2014 · por Patricia Galves Derolle · em Estudos para o CACD, História do Brasil,Política Internacional, Resumos & Fichamentos. ·

(http://pgderolle.files.wordpress.com/2014/03/amadocervo.jpg)

As posses territoriais ou a intransigência negociada

A política brasileira de limites

A experiência brasileira correspondeu a uma das expeiências históricas mais significativas emtermos comparativos, em função dos dados objetivos – cerca de 16km de fronteira com dez

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estado limítrofes;Em 1822, o Brasil herdou uma situação de facto confortável, de jure delicada;A expansão das fronteiras deu-se no período colonial, cedendo os textos jurídicos diante dosfatos: a Inter Coetera, os Tratados de Tordesilhas, de Madri (1750) e o tratado preliminar deSanto Ildefonso (1777);Não houve nem preocupação política nem doutrina de limites para orientar de forma decisivaa ação brasileira até meados do século XIX;O método da história comparada, associando fronteira, sociedade, cultura e política não foidesenvolvido pela historiografia latino-americana.

A ideia de nacionalidade foi um dado original, que triunfou sobre revoltas regionais e tentativasseparatistas, para consolidar-se desde o início do Segundo Reinado. As características danacionalidade brasileira diferem de todos os exemplos dos outros países da região. Construiu-se

com base na herança portuguesa, um legado histórico, e foi sustentada pelo Estado monárquico.A nacionalidade brasileira era introvertida, de suficiência congênita, voltada para si, amparada navastidão do espaço e na abundância dos recursos.

A política de limites, pela lógica dos elementos, haveria de ser a da preservação, da defesaintransigente do legado, do uti possidetis. Substituiu-se o mito da fronteira pelo da grandezanacional, e dessa forma reduziu-se o problema da fronteira ao problema político-jurídico doslimites, como ocorria no restante da América Latina.

No trato da questão, a processualística no século XIX estabeleceu-se, de modo geral, em quatrofases:

O ato da vontade bilateral, mediante o qual dois Estados aceitam regular suas fronteiras epara tanto nomeiam seus plenipotenciários, aos quais confiam instruções específicas;As negociações, geralmente árduas e prolongadas;O tratado de limites, que resulta da fase anterior e devolve aos Estados o poder decisório sobresua aceitação ou não;A demarcação sobre o terreno, feita por comissões mistas.

Em resumo, a política brasileira de limites no século XIX definiu-se como segue:

Hesitações doutrinais e práticas até meados do séculoDefinição de uma doutrina de limites, a do uti possidetis, pública e coerentemente mantida de1851 a 1889Opção pela negociação bilateral como método de implementá-laExclusão do arbitramento, a não ser em derradeira instânciaDeterminação ocasional de corolários à doutrina: a) referência aos tratados coloniais, naausência de ocupação efetiva; b) ocupação colonial prolongada à independência comogeradora do direito; c) permuta, cessão ou transação de territórios em favor da fronteira maisnatural e dos interesses do comércio e da navegação; d) vinculação da navegação e doincremento comercial à solução dos limitesDefesa intransigente e unilateral do uti possidetis assim definido

A doutrina do uti possidetis, que foi cunhada pelo Brasil colônia, vem geralmente acompanhada

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A doutrina do uti possidetis, que foi cunhada pelo Brasil colônia, vem geralmente acompanhadada defesa da doutrina hispano-americana do uti possidetis juris. Segundo esta, a política defronteira inter-hispano-americana devia guiar-se pelos títulos jurídicos emanados do soberanoespanhol, tais como as delimitações de vice-reinos, audiências, capitanias, etc. E os ajustes entre oBrasil e os Estados hispano-americanos, pelos tratado firmados entre as duas metrópoles coloniais,supondo-se em vigor na época da Independência, apenas o Tratado de Santo Ildefonso (1777).Pela tradição brasileira, o referido tratado era considerado inválido: a) por ter sido concluído pelaspotências coloniais; b) por ter sido juridicamente anulado pelo Tratado de Badajoz, que sucedeu àguerra de 1801 entre Espanha e Portugal.

A defesa da Amazônia e o conflito com os EUA

O EUA tinham dois objetivos no Rio Amazonas: arrancar um novo tratado de comércio econseguir a abertura do Amazonas para viabilizar o empreendimento de Maury. Recebeu porduas vezes um solene não ao tratado e acabou fracassando em seu segundo objetivo. Mas a açãonorte-americana parecia poder triunfar por volta de 1853, quando o Brasil fora totalmente isolado,tendo contra si os ribeirinhos amazônicos, os EUA, as nações europeias, particularmente aInglaterra, que apoiava a potência do Norte e exigia a livre navegação do Amazonas.

A estratégia brasileira seria, pois, defensiva, mas comportaria medidas positivas de ação interna eexterna: a) fortalecer o Amazonas e criar uma companhia brasileira de navegação, incumbidacom exclusividade do comércio e da colonização para impedir a ocupação estrangeira; b) estudara fundo o direito internacional dos rios para armar-se no campo jurídico; c) conceder a navegaçãoaos ribeirinhos superiores, mediante convenção, para excluir os não-ribeirinhos; d) confrontar acampanha norte-americana pela ação diplomática; e) protelar a abertura até desaparecer o riscode dominação estrangeira.

As relações Brasil-EUA, embora marcadas por atritos ocasionais, deveriam pautar-se peloentendimento de alto nível, porque se vinculavam interesses comuns. O comércio bilateral era omaior comércio continental, necessário e útil para ambos os lados. A entente cordiale Brasil-EUAfortalecia o ‘equilíbrio do poder’ Europa-América, uma das metas externas comuns.

Em 7 de dezembro de 1866, baixou o governo brasileiro o decreto de abertura incondicional atodas as nações, excluído apenas o trânsito de navios de guerra, chegava-se, portanto, a umdesfecho soberano no quadro externo. A percepção de um interesse nacional ditou uma políticafirme, sábia e flexível, que adiou a abertura em função de sua oportunidade. Manter o Amazonasfechado até cessar o perigo de dominação externa foi, portanto, uma variável da políticaindependente de então, calculada e auto formulada, como foi a abertura unilateral e sem risco de1866, útil em meio à guerra que se sustentava no sul do Brasil.

A política externa à época da Independência

O exercício da nova nação brasileira estava condicionado interna e externamente e requeria todahabilidade para vir a conformar-se com os interesses da nação. Assim, quatro variáveis, denatureza histórica e estrutural, iriam condicionar a elaboração e a execução da política externabrasileira nesse período inicial:

O jogo das forças que compunham o sistema internacional no início do século XIX e osobjetivos dos Estados dominantesA inserção do continente americano nesse sistema

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A herança colonial brasileira tanto socioeconômica quanto jurídico-políticaO precoce enquadramento luso-brasileiro no sistema internacional vigente, por meio daaliança inglesa

Contexto histórico internacional

1815: Congresso de Viena – declínio da influência que a Revolução Francesa exerceu sobre osistema internacional e a emergência de forças econômicas que iriam configurá-lo no séculoXIX

Absolutismo russoAdvento do capitalismoDestruição dos Impérios Português Espanhol nas Américas, assim como a manutenção doImpério Otomano ‘o grande enfermo’1815: Pacto da Santa Aliança – Rússia, Prússia e Áustria – proposta russa a todas as corteseuropeias, no sentido de regularem as relações internacionais pelos princípios do sistemaarcaico: o legitimismo monárquico, o intervencionismo destinado a esmagar as revoltaspopulares, a mística do cristianismo e o governo supranacional dos povos: 1. Desfez-se em1830, ante os movimentos de independência da Grécia e da Bélgica; 2. as ameaças daSanta Aliança sobre a América Latina foram ilusórias.1815: Quádrupla Aliança – - combater o princípio da intervenção, fortalecer movimentodas nacionalidades, não admitir totais garantias recíprocas, induzir as potências avigiarem-se mutuamente. Objetivo: enquadrar a Rússia, mas dirigiu-se teoricamentecontra a França.

A política externa brasileira à época da independência esteve ainda profundamente condicionadapela hegemonia inglesa sobre Portugal, estabelecida por meio de uma aliança histórica, cujosefeitos foram transferidos ao Brasil: a ingerência política inglesa nas decisões da corte do Rio deJaneiro e o modelo mais acabado de inserção dependente no sistema internacional produzido pelaRevolução Industrial, conforme os termos dos tratados de 1810. Obtidos em conjuntura favorávelà Inglaterra, em virtude de guerras napoleônicas, servirão eles posteriormente de modelo pararegulamentar as relações com a América Latina, sob o ângulo das pretensões europeias.

Pressões externas e metas nacionais

Definição da política externa brasileira após a independência:

Herança colonial com suas estruturas sociaisDo Estado bragantino com seus valores, conexões e desígnios da emergência de um sistemainternacional resultante da Revolução IndustrialDo peso das forças reacionárias aglutinadas na Santa AliançaDos estreitos vínculos ingleses transferidos pela metrópoleDa transformação do continente americano em área de competição internacionalConhecimento da realidade internacional, acumulados na corte do RJ, desde 1808Importância atribuída às questões externas, na própria organização do Estado nacional, após aruptura com Portugal

A primeira gestão dos Negócios Estrangeiros coube a José Bonifácio de Andrada e Silva, quedesmembrou, em maio de 1822, a Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros da Secretariade Estado dos Negócios da Guerra.

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A Constituição de 1824 definiu as atribuições do Poder Executivo quanto às relaçõesinternacionais, reservando ao Legislativo parcela restrita de responsabilidade nesse terreno, comoa aprovação de tratados somente quando envolvessem cessão ou troca de territórios.

O período mais significativo da política externa brasileira à época da Independência situa-se entre1822 e 1828. O jogo das relações evidencia um movimento inverso, segundo o qual prevaleceramde forma decrescente as metas nacionais e de forma crescente os objetivos externos, no que dizrespeito aos resultados esperados.

A cadência do movimento assim caracterizado é marcada por quatro fases:

Rompimento político, jurídico e econômico com PortugalGuerra da independênciaIniciativa para obtenção de reconhecimento da nacionalidadeConcessões feitas aos interesses externos

A diplomacia brasileira não foi instituída e utilizada com a finalidade exclusiva de obter oreconhecimento. Outras incumbências ocuparam-na naqueles anos:

/ América Latina

A unidade nacional foi posta em risco pelas interferências externas na revolta de Pernambuco epela tentativa de revolucionar o Império, sob o pretexto da guerra na Banda Oriental e daincorporação da região boliviana de Chiquitos ao Brasil, decidida pelas autoridades locais. Oexpansionismo no Sul foi uma herança portuguesa mais do que uma meta política nacional.

Os interesses do comércio, do fornecimento do charque ao mercado brasileiros, do controle dasvias navegáveis, chocavam-se com as pretensões argentinas de construir sua nacionalidade sobreas dimensões do Vice-Reino do Prata e com os movimentos nacionais internos da Banda Oriental.

Cedo perceberam os estrategistas brasileiros a vantagem em obstar à constituição da grandenação rival no Prata: nesse sentido também devem ser analisadas tanto a política com relação àCisplatinas quanto a aproximação com o Paraguai.

/ Europa

Atender às necessidades de mão de obra para a economia agrícola brasileira, obstando, por umlado, à decisão inglesa de pôr fim à importação de escravos e tomando, por outro, iniciativas deimigração livre.

Abrir o mercado europeu aos produtos brasileiros, que não tinham acesso ao mercado inglês.

Proteger a navegação nacional, o comércio interno e externo, do domínio que eles exerciamportugueses e ingleses.

Obter empréstimos para fazer face às despesas da guerra de independência e das missõesdiplomáticas.

O enquadramento brasileiro no sistema internacional do capitalismo industrial sob a condiçãodependente: as precondições

O rompimento da independência apresentou três dimensões, como expressão original da política

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O rompimento da independência apresentou três dimensões, como expressão original da políticaexterna brasileira: uma político-jurídica, outra militar e um terceira diplomática.

Operou-se em duas fases:

Nacionalista, sob o comando de José Bonifácio, que converteu à causa o próprio príncipeContrarrevolucionária, a partir da queda de José Bonifácio, em 1823, com a dissolução daAssembleia Nacional Constituinte e Legislativa e contra o autoritarismo do imperadorPolítico-jurídica: partidos políticos português (aliados à tropa e à causa da recolonização) ebrasileiro (de onde emergiam a força nacional e a luta pela liberdade política).Militar: Guerra da Independência. Nessa guerra, a demonstração de força prevaleceu sobre ocombate, mas a Independência foi obviamente uma conquista das armas nacionais. Foifinanciada com recursos internos (impostos, donativos, rendas da alfândega…): sua dívidarecairia sobre o Banco do Brasil, que seria extinto em 1829.

Efeitos da guerra

Consolidação da soberaniaUnião das províncias

Substituição de governos coloniais por assembleias brasileirasConfisco de propriedade portuguesaExcesso de forças ociosas a seu termo

Dimensão diplomática: os textos que definem as primeiras diretrizes de política externa são OManifesto às Nações Amigas (1822), as instruções destinadas aos negociadores brasileiros e osblocos de tratados firmados entre 1825-1828.

Reconhecimento de nacionalidade por Portugal

Em julho de 1825 estabeleciam-se as negociações no RJ. Numa primeira fase, Stuart se comportoucomo defensor dos interesses portugueses, até a conclusão do tratado de 29 de agosto de 1825.Depois passou à defesa dos interesses ingleses. Sua habilidade triunfou por completo: no primeiromomento, fez o Brasil ceder quatro vezes, associando dom João ao título imperial, aceitando umaindependência outorgada livremente por Portugal, prometendo não se unir a colôniasportuguesas da África e pagando dois milhões de esterlinos pelo reconhecimento, medianteconvenção secreta.

O tratado de 29 de agosto de 1825, pelo qual o Brasil obteve o reconhecimento português enormalizou suas relações com a ex-metrópole, foi o primeiro fracasso formal da diplomaciabrasileira: só trouxe benefícios a uma das partes, mesmo considerando o comércio bilateral,indispensável somente aos portugueses.

O enquadramento Brasil-Inglaterra

O movimento pelo qual esse processo de subordinação se efetivou pode ser compreendido à luz detrês séries de fatores. Em primeiro lugar, as disposições do governo inglês e sua capacidade decontrolar o quadro internacional para atingir as metas estabelecidas. Em segundo lugar, asdisposições do governo brasileiro e sua inabilidade diplomática. Enfim, o conjunto de decisõespolíticas consentidas de ambas as partes.

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No Brasil, para onde veio a contragosto, dom João planejou uma desforra, tanto contra Espanha eFrança, mediante a ocupação de territórios de seus domínios, quanto contra a própria Inglaterranegando-lhe os privilégios do mercado. Sua ideia extrapolou a dimensão europeia dos fatos, desdeque concebeu a criação de um poderoso império americano. Assim deve-se entender a carta régiade 28 de janeiro de 1808, que abria os portos do Brasil às nações amigas, atendendo parcialmenteao desígnio inglês, e o decreto de 1º de abril do mesmo ano, que visava ao desenvolvimentoindustrial.

Os desígnios do governo inglês no Brasil à época da Independência permaneciam os mesmos de1808, porque idêntico era seu projeto de supremacia. São eles o comércio favorecido, areciprocidade fictícia, facilidade e privilégios para seus súditos, a extinção do tráfico de escravos,tudo a ser consentido politicamente, sem recurso à força, a cujo emprego até então se opusera.

A convenção sobre o tráfico de escravos, de 23 de novembro de 1826, prescrevia a extinção para 3anos após a troca de ratificações; revalidava no Brasil os tratados concluídos com Portugal em 22de janeiro de 1812 e 28 de julho de 1817 e criavam enfim as comissões mistas na forma desseúltimo. O Tratado de Amizade, Navegação e Comércio de 17 de agosto de 1827, válido por 15anos, era uma adaptação das concessões feitas em 1810 aos novos avanços do capitalismo inglês.

A ampliação do sistema

Uma das medidas contra o sistema da ‘Nação mais favorecida’ foi a lei 24 de setembro de 1828,pela qual o Parlamento estabeleceu a equalização dos direitos de todos os produtos importados,independentemente da procedência. Teve por intuito essa medida eliminar o monopólio,estabelecer a concorrência externa, destruir o privilégio comercial e reparar a injustiça contra asnações americanas, excluídas do mercado brasileiro, à exceção dos EUA. Era a universalização dosistema de tratados desiguais, abrindo-se o Brasil à concorrência do capitalismo industrial, deforma completa e perfeita, com o sacrifício dos instrumentos internos de defesa.

O espaço das relações periféricas

Zonas de pressão

Relações com a EuropaRegião do Prata

Espaços periféricos

O encontro do americanismo, em suas versões brasileira, bolivariana e monroístaRelações entre Brasil e EUAPossibilidade africanaUtilidade paraguaiaPrimeiro contato com os outros Estados hispano-americanos

Zona de pressão platina

Historicamente, a opção portuguesa fora o domínio das vias navegáveis, a procura das minas e ocontrole do contrabando e do comércio regionais. Forças que se posicionaram: Europa, EUA,Argentina e Uruguai. Reagindo diante delas, dom João restringiu sua ação à anexação daProvíncia Cisplatina, em 1821, depois incorporada ao Império Brasileiro.

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A convenção preliminar da paz, de 27 de agosto de 1828, obrigava Brasil e Argentina a garantir aindependência do Uruguai, conforme se disporia no tratado definitivo de paz. Em artigoadicional, assegurava-se a livre navegação do Prata e seus afluentes para os súditos das partes.Esse foi um triunfo brasileiro, que também interessava à Inglaterra e às outras potências.

As aberturas periféricas

As duas correntes principais do americanismo foram o pan-americanismo bolivariano emonroísmo norte-americano. Houve também um americanismo brasileiro. O americanismobrasileiro foi um ideário preciso e prático, que emergiu em dois momentos, por motivaçõesconcretas:

O primeiro corresponde ao pensamento, às intenções e iniciativas de José Bonifácio, em 1822-1823, e se explica pela necessidade de defender a Independência.

O segundo corresponde à reação que se delineia no Parlamento, a partir de 1828, contra o sistemade vinculações europeias estabelecido pelos tratados dos desiguais.

O americanismo de José Bonifácio caracteriza-se pelo sentimento de unidade continental e pelaconsciência de compartilhar com o sistema americano de instituições liberais.

Relações Brasil-EUA

A abertura dos portos, em 1808, foi o ponto de partida do interesse norte-americano pelo Brasil. Oreconhecimento ocorreu em 1824, e o Tratado de Amizade, Navegação e Comércio, com acláusula da nação mais favorecida, foi firmado em 1828. Enquadravam-se as relações bilaterais nosistema internacional do capitalismo industrial, sem nenhuma originalidade.

África

As colônias portuguesas da África, à época da independência, estavam mais ligadas ao Brasil quea Portugal. O comércio bilateral era intenso, como também os vínculos culturais, sociais ehumanos. Frustrou-se o movimento de união, pela firma oposição de Portugal e Inglaterra, cujosrepresentantes impuseram ao governo brasileiro, no tratado de paz de 1825, o distanciamentopolítico da África portuguesa. Desde então houve grande esforço no sentido de readaptar acolônia ao tipo de exploração diferente e adequado ao interesse da metrópole.

Paraguai

Salvar o Paraguai de Buenos Aires e impedir a constituição do grande país rival foi a políticaadotada por dom João e seguida com constância e capacidade pelos estadistas do Brasilindependente. Francia (ministro paraguaio) não desprezava o apoio brasileiro à independênciaparaguaia, mas estava descontente com atritos de fronteira, pelos quais responsabilizava ogoverno brasileiro. Não endossava o intervencionismo no Prata, porque sua política externadefendia com firmeza a autodeterminação dos Estados. Em suma, as relações originais entre oBrasil e o Paraguai não correspondiam a uma política de boa vizinhança, porque eram, aocontrário, ditadas por interesses estratégicos concretos, no quadro do subsistema regional.

Um balanço negativo e pedagógico: as interpretações disponíveis

O sistema de tratados resultou, segundo o pensamento parlamentar, de uma disposição

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O sistema de tratados resultou, segundo o pensamento parlamentar, de uma disposiçãoinjustificável do governo de mendigar o reconhecimento da nacionalidade. As concessõesextrapolavam os limites da racionalidade política, sacrificando o comércio nacional, a navegação,o direito dos cidadãos, as indústrias, a soberania. Os tratados restringiram as funções doParlamento, instituíram uma reciprocidade fictícia, igualando nações desiguais. Em suma, ostratados impuseram o liberalismo ao Brasil, mas salvaguardavam a proteção necessária aotrabalho nas economias avançadas.

Não houve o apregoado conluio entre os grupos hegemônicos da nação industrial e da naçãoagroexportadora, que teriam firmado um pacto de compromisso, gerador das condições dedependência. Tampouco o Estado intermediou o referido compromisso, como agenciadorautomático da determinação econômica.

A sociedade brasileira foi alijada do processo decisório, em termos de política externa. Por essarazão, fundamentalmente, prevaleceram os interesses unilaterais das nações mais avançadas,comandadas por governos que faziam uma leitura objetiva dos respectivos interesses nacionais. Omercado externo para os produtos brasileiros teve de ser procurado depois, enquanto os setores demodernização interna em que se poderia estabelecer a concorrência com o capitalismo avançado,como o comércio, a navegação e a indústria, foram bloqueados.

Administrando o imobilismo

A política externa na estrutura do Estado

Entre os anos finais da década de 1820 e os anos iniciais da de 1840, o Estado brasileiro passou porcrises de redefinição institucional. Fragilidade e fortalecimento eram condições que afetavamobviamente política externa.

Com a Regência, o quadro institucional apresentava avanços e recuos, conforme triunfassem osimpulsos vindos das forças liberais, democráticas, descentralizadoras, ou das forças de ordem,centralizadoras. Ações:

Criação da Guarda Nacional, em 1831Aprovação do Código Criminal, em 1832Ato Adicional, elaborado na reforma constitucional, em 1834

- Partido conservador, que ascendeu ao poder, em 1837, sob o comando de Bernardo Pereira deVasconcelos, tinha como ideário o regresso centralizador do governo brasileiro.

Proclamação da maioridade de dom Pedro IIRestauração do Conselho de Estado e a reforma do Código de Processo Criminal, em 1841Erradicação das revoltas regionais, em 1848-1849Lei de Terras e a Reforma da Guarda, em 1850

- Os liberais ocuparam o poder entre 1843 e 1848, mas não conseguiram levar adiante umprograma de reformas coerente com seu ideário político e tiveram de cedê-lo aos conservadores,propensos a completar a obra iniciada em 1837.

Em termo de política externa, o significado da evolução institucional não deve ser procurado noembate entre os partidos liberal e conservador, mas no processo de fortalecimento do Estadonacional.

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A organização do Ministério dos Negócios Estrangeiros acompanhava o reordenamentoinstitucional do país; em 1834, foram aprovados por decreto o primeiro regimento consular e oprimeiro regimento das legações.

O jogo das regras

O imobilismo e a política passiva estendia-se às relações com o Prata, ficando o governador deBsAs em condições de agir com desenvoltura na região.

O liberalismo das baixas tarifas não foi favorável ao comércio exterior brasileiro, não foicompensado por investimentos ingleses no Brasil e não induziu o progresso interno.

A diplomacia brasileira esforçou-se para abrir mercados externos, utilizando seus agentes eenviando missões especiais, particularmente à Europa:

Caldeira Brant foi a Londres pedir a revogação do artigo 19 do tratado de comércio, quefixava a tarifa de 15% para os produtos ingleses, mas nada se alcançou.Entre 1842 e 1844, uma outra exigência do tratado era a admissão dos produtos brasileiros nomercado inglês.

Em dois terrenos teve a diplomacia brasileira de enfrentar a prepotência das nações mais fortesque recorriam a ameaças imperialistas:

Conflito com a Inglaterra sobre o tráfico de escravos: estava proibido desde 13.03.1830, nostermos da convenção de 1826. Prosseguia por 3 razões fundamentais:

A opinião pública, entendendo sua extinção como imposição inglesa feita sob pressãoComércio negreiro, que objetivavam grandes lucros do empreendimentoPorque o governo brasileiro seria acusado se subserviente

Reclamações de natureza diversa, prevalecendo as exigências de indenizações pelas presasfeitas à época do bloqueio do Prata (1825-1828)

Entre a independência do Uruguai, em 1828, e a fracassada aliança com Rosas, em 1843, apolítica platina do Brasil pautou-se pela neutralidade, ou seja, a não-intervenção em assuntosinternos dos Estados do Prata. Essa orientação, aludidas em documentos oficiais, baseava-se emcálculos políticos: a guerra da Cisplatina fora enfim perdida, com pesados custos que seprolongavam por meio de indenizações; enquanto se mantivesse a independência do Uruguai e alivre navegação, não convinha intervir novamente; Francia fechara o Paraguai e mantinha-secontrário a qualquer aliança; a intervenção nos conflitos que opunham as facções platinas entre siteria de definir-se pela composição ou pelo confronto com Rosas.

É difícil concluir se a neutralidade brasileira foi uma decisão autônoma ou uma imposição defora. A revolta separatista do Rio Grande do Sul (1835-1845) buscava Rivera, porque Rosas,um concorrente saladerista, nunca apoiara abertamente sua independência. A neutralidade doBrasil, que não era uma política ortodoxa, correspondia, pois, ao isolamento do Brasil, impostopelas lideranças platinas, quando em posição de força.Em 1843 estava Rivera na presidência do Uruguai. O presumível aliado do Brasil indispôs-secontra o império, pelo apoio aos farrapos e pela reivindicação de limites de Santo Ildefonso, de1777, que significariam a devolução ao Uruguai das missões rio-grandenses.

A reação no discurso

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O período corresponde entre a política de submissão e de erros de cálculo da época daIndependência e a política de afirmação nacional, que se inicia em 1844.

Um dos maiores inconvenientes fora a impossibilidade de definir uma política de comércioexterior que preservasse a autonomia do Tesouro e pudesse influir sobre o sistema produtivointerno. Somente no início dos anos de 1840, ocupou-se o meio político com a questão da indústrianacional, visto que todo debate anterior teria sido inócuo. Também não se empenhou o meiopolítico de então em enfrentar a questão das fronteiras, apesar dos incidentes no Sul e da invasãodo território brasileiro ao norte, por ingleses e franceses. A própria neutralidade nas questõesplatinas acabava sendo interpretada por alguns como prova de impotência.

Economia, população e política externa

A ruptura do anos 1840 e a nova política externa

Essa nova política externa orientou-se por quatro grandes parâmetros e uma estratégia:

Controle da política comercial, por meio da autonomia alfandegáriaEquacionamento o fortalecimento de mão de obra externa, pela extinção do tráfico de escravose estímulos à imigraçãoSustentação de posses territoriais, por meio de uma política de limites que regulamentasse emdefinitivo as fronteiras nacionais (defesa da Amazônia)

Defesa decisiva nos destinos do subsistema platino de relações internacionais, tendo em vistainteresses econômicos, políticos e de segurança.

O Estado brasileiro de então criara condições quase ideais para definição e sustentação dediretrizes externas:

instituições estáveis, de funcionamento equilibradoconservadorismo políticoconciliação dos partidosprocesso de elaboração e execução da política externa, envolvendo o conjunto das instituições.

Dois grupos complementavam em termos de concepções de política externa:

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Embora oriundo do segundo grupo, José Maria da Silva Paranhos (visconde do Rio Branco)realizou como diplomata e político a síntese das duas tendências. Sua proposta de política externabaseava-se numa avaliação global da realidade internacional e se apresentava comoeminentemente brasileira. Perseguia objetivos permanentes: livre navegação, limites, comércio,moralização do Prata, soberania, que significava coesão interna, superação das querelas internasna ação externa, estratégia maleável e inteligente de ação, abertura ao debate público para obter oconsenso e a força, análise em círculo fechado para acertar a decisão, soluções alternativas decálculo para a política externa, como resultado.

Quatro fatos eram relevantes como variáveis do quadro internacional: o liberalismo econômico, apenetração ocidental na Ásia, o expansionismo norte-americano e, enfim, as distintas visõesgeopolíticas do Brasil e da Argentina de Rosas.

As relações econômicas com o exterior: as dúvidas da opção

O projeto de 1844 abrangia as seguintes propostas:

Preservar a autonomia alfandegária a fim de se poder controlar a política comercial e asrendas públicasResistir às pressões externas que viessem ferir a autonomia da política econômica medianteacordos bilateraisEstabelecer os princípios da reciprocidade real nas relações econômicas com o exteriorLançar as bases da indústria nacional por meio do protecionismo

Dimensões das origens do projeto de 1844:

A tradição antitratados: a defesa do interesse nacional. Tal defesa provocou o fracasso dasnegociações com a Inglaterra para a renovação de seu tratado. A cláusula da nação maisfavorecida dos produtos britânicos em troca da entrada de produtos brasileiros em solo inglês.A fidelidade aos princípios do projeto de 1844 levou o Conselho de Estado a rejeitar, em 1845,os termos do tratado com o Zollverein, arduamente negociado com a Prússia.O ensaio da autonomia: Sem experiência, mas com força de vontade, os homens públicospretendiam ensaiar uma nova política alfandegária, industrial, empresarial, nacional eautônoma.O pensamento industrialista: O pensamento industrialista flui nos debates parlamentares e noConselho de Estado, quando se examina a lei do orçamento, as propostas de tratados, aspautas da alfândega e outras matérias pertinentes. Os defensores desse pensamento viriam doPartido Conservador, embora alguns liberais de expressão a eles se associassem. BernardoPereira reivindicava a entrada do Brasil na era da ‘Revolução Industrial’.

A ideia de se construir uma potência econômica, lançada pelos homens da década de 1840,definhou com o tempo, evoluindo para um projeto de ambições bem mais limitadas. Duascaracterísticas explicam esse declínio:

A vontade de inovar cedeu diante da percepção segundo a qual a situação interna erasuficientemente confortável e aconselhava não arriscar mudanças profundasA alienação das elites políticas em ideologias desviantes

A modernização brasileira foi lenta e contínua, uma reforma social, e não uma revolução, como se

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A modernização brasileira foi lenta e contínua, uma reforma social, e não uma revolução, como seobservou no Japão a partir de 1868. A vontade do Estado brasileiro de 1844 não se manteve, e asociedade não manifestou o dinamismo necessário, porque carecia de capital, de técnicos, deespírito empresarial e de vontade de inovar. Dependeu o país do estrangeiro em quase tudo, tendoa economia sido beneficiada pelos excedentes do comércio e pelo crédito.

A balança comercial foi deficitária desde a Independência até 1860.

Balança comercial do Brasil até meados de 1860

(http://pgderolle.files.wordpress.com/2014/03/imagem2.png)

‘O comércio é o primeiro elemento das relações internacionais, e para nós quase a base exclusivaem que elas assentam atualmente’.

O barão de Penedo (Francisco Inácio de Carvalho Moreira), em Londres, solicitou 6 dos 12empréstimos solicitados ao governo britânico.

Entre 1824 e 1843, o governo brasileiro contraiu empréstimos em 5 milhões de libras.Brasil, neste contexto, inicia intervencionismo no Prata, desagradando ao gabinete britânico.Entre 1852 e 1889, tais empréstimo elevaram-se a 40 milhões de esterlinos, sem contar aconversão dos empréstimos anteriores.Em 1889, o Brasil contrai empréstimo de aproximadamente 19.837 libras à cobertura dedéficit, ao serviço da dívida, à modernização interna e à sustentação da política platina.

O fornecimento externo de mão de obra

Existem duas grandes fases envolvendo as relações entre os governos brasileiro e inglês, ante opropósito de extinguir o tráfico de escravos:

Independência a 1845: cooperação difícil, de pressões e decisões entre 1826 e 1831 e de fracassoposterior.A partir de 1845: ruptura e conflito, marcada pela ação inglesa unilateral e ineficiente eviolenta, entre 1845 e 1850, pela ação brasileira unilateral e eficiente em 1850 e pelas sequelasdo conflito com a Inglaterra.

Os brasileiros protestavam contra os julgamentos de Serra leoa, considerados em grande parteilegais e unilaterais, contra apresamentos injustos e contra a retaliação de seus produtos nomercado inglês.

O tráfico prosseguia, tendo contra si as leis, as lideranças nacionais e a repressão inglesa; e, ao seufavor, os lucros da operação e o apoio das lideranças locais e dos fazendeiros.

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Para o Brasil, o bill contra o tráfico de escravos:

Estendia-se na ordem jurídica (não cabia à Inglaterra aplicar leis internas para estrangeiros)Política (atentado à soberania, ação imperialista)Econômica (confronto entre escravismo brasileiro e colonialismo inglês)Diplomática (o bill violava o direito internacional e correspondia à imposição da vontade domais forte por métodos violentos)

Nos cálculos de Paulino José Soares de Sousa, ministro de Estrangeiros, convinha extinguir otráfico por razões sociais e humanitárias, mas igualmente por razões estratégicas: dissipar ocontencioso com a Inglaterra, que parecia evoluir para o confronto armado; viabilizar seus planosde intervenção contra Rosas, que tinha apoio do representante de Londres em BsAs; eliminar oprincipal obstáculo ao incremento da imigração livre.

A política migratória

Alguns métodos dispersivos de imigração (Vergueiro)

Contratar tropas europeias para acabar com as revoltas internas e incorporá-los em núcleoscoloniaisAtrair imigrantes e direcioná-los para a formação de colônias autônomasIntroduzir os imigrantes no sistema de parcerias, nas fazendas de caféContratar o serviço de imigrantes nas lavouras

O controle do Prata

Entre 1822 e 1889, a política brasileira para os países da Bacia do Prata passou pelas seguintesfases: a) tentativa de cooperação e entendimento para a defesa das independências (1822-1824); b)guerra da cisplatina (1825-1828); c) política de neutralidade (1828-1843); d) passagem daneutralidade à intervenção (1844-1852); e) presença brasileira ativa (1851-1864); f) retorno àpolítica intervencionista (1864-1876); g) retraimento vigilante (1877-1889).

O período que vai de 1844 a 1876 caracterizou-se pela ascensão, apogeu e declínio de uma políticabrasileira de potência periférica regional, autoformulada, contínua e racional, na medida em quese guiava por objetivos próprios, aos quais subordinavam-se os métodos e os meios. O Prata foi aárea em que correu solta a política de potência do Estado-Império brasileiro, ensaiadainternacionalmente a partir de 1844, com resistência à hegemonia interna da Inglaterra e àspretensões norte-americanas no Amazonas, com a elaboração do projeto industrial e adeterminação de assegurar o território disponível.

Panorama histórico

Entre 1851 e 1871, a Europa enfrentava três guerras internas, Estados Unidos e China ocuparam-se com guerras civis, e o Japão, com sua revolução modernizadora. As repúblicas latino-americanas do Pacífico envolviam-se na guerra contra a Espanha, e o México estava à mercê da

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aventura francesa. Dessa forma, a dispersão das forças do cenário internacional abriu no Prataum espaço de manobra para o Brasil.

Da hesitação à intervenção

Onze ministros ocuparam a pasta entre 1843 e 1849, o que contribuiu com a instabilidade dapolítica exterior brasileira. O período, entretanto, é decisivo para se definirem as condições demudança.

Quatro alternativas entravam em linha de conta, nos meios políticos brasileiros, sem que por umaou pela outra combinação de várias de orientasse decisivamente a política:

A reaproximação com RosasMarchar contra ele, por meio da aliança paraguaiaMarchar contra ele, juntamente com França e InglaterraConfrontá-lo diretamente, com ou sem aliança de terceiros.

Era exigência brasileira para um possível entendimento duradouro com Rosas a satisfação dasseguintes exigências:

Obtenção de tratado definitivo de paz, decorrente da convenção de 1828, para garantia daindependência do Uruguai;Reconhecimento da independência do ParaguaiLiberdade de navegaçãoNeutralização da ilha de Martín García, que dominava o estuárioReconhecimento dos limites sulinos, conforme o uti possidetis da época da independênciaEstabelecimento do comércio regular regionalAproveitamento das pastagens uruguaias para o abastecimento do charque, cuja demandainterna crescia com a importação de escravos.

A intervenção contra Oribe e Rosas, decidida por Paulino, após a retirada europeia do Prata,correspondeu a uma política nacional autônoma, cuidadosamente preparada:

Na avaliação brasileira, Rosas saíra tão fortalecido do confronto com os europeus que nãohesitaria em levar adiante seu expansionismo regional. Paraguai e Bolívia seriam suaspróximas presas e, quiçá, parte do Rio Grande do Sul.Uma condição prévia para o êxito da operação era a eliminação do estado de quase-guerraentre o Brasil e a Inglaterra por causa do tráfico de escravos. O ministro de Estrangeiros

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decidiu a aprovação da lei de extinção, em julho de 1850, por motivos próprios, a extinçãoestava vinculada a sua política platina, como uma decisão útil.Outro obstáculo a vencer era o apoio do governo inglês a Rosas.Paulino rompeu com o governo de Buenos Aires, entregando a seu representante ospassaportes, como solicitara.Obteve do Senado autorização para nomear o senador Conde de Caxias como presidente daprovíncia do Rio Grande do Sul.Paulino aceitou a oferta do barão de Mauá, que se dispôs a sustentar financeiramente a praçade Montevidéu contra Oribe, após a retirada dos franceses em 1850.Enviou representantes ao Pacífico para contra-arrestar Rosas, e ao Prata para concluir aliançascontra Rosas, obtendo-as de Carlos Antônio López

A batalha de Monte Caseros (3 de fevereiro de 1852) foi grandiosa pelo número de homensengajados, cerca de 50 mil, e pelo significado histórico: a derrota de Rosas, que já nem lutou, suaretirada para a Inglaterra, a derrota de uma política inglesa para o Prata e a ascensão do Brasilcomo nova potência regional, temporariamente hegemônica.

A presença brasileira e seus fins

A eliminação de Oribe e Rosas não levou à superação das contradições locais, que repercutiamainda sobre a vida política e sobre a formação dos Estados.

Coordenando uma ação diplomática intensa com as finanças e o comércio, exercia o Estadobrasileiro sua hegemonia, obtendo ganhos sem ter de fazer a guerra, à sombra de sua força, cujoemprego estava reservado somente a soluções de última instância. Movia-se o Brasil, noPrata,pelos motivos descritos a seguir:

Finalidades econômicas: importação do charque, já que a produção rio-grandense eradecadente e insuficiente para alimentar a massa escrava que movia o sistema produtivo.Menos dependente era o Prata de produtos brasileiros, embora não fosse um mercadodesprezível.Finalidades estratégicas e de segurança: os objetivos que guiavam a ação brasileira nessesdomínios eram a defesa intransigente das independências locais, condição favorável aoexercício de sua hegemonia, o acesso ao Mato Grosso pelo estuário, tanto para os navios decomércio quanto de guerra, a definição jurídica das fronteiras, a segurança das fronteiras e aliberdade de trabalho dos brasileiros residentes no Uruguai.Finalidades políticas: era do interesse brasileiro o funcionamento normal de instituiçõesliberais, condição para a manutenção das relações duradouras e construtivas e para oincremento do liberalismo econômico. Não foi capaz, entretanto, o governo brasileiro deconduzir-se com imparcialidade ante as facções uruguaias (blancos e colorados) e argentinas(unitários e confederados), por ser impossível um tal desígnio, estando os interesses brasileirosfatalmente vinculados a lideranças antagônicas.

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Desejava o governo paraguaio a fixação dos limites com o Brasil, que exigia previamente aliberdade de navegação. Convênios e acordos se sucediam, eram violados, ameaças edemonstrações de força ocorriam de lado a lado. A substituição de Carlos Antônio López por seufilho, Francisco Solano López, em 1862, acentuou o radicalismo. Aconselhado por seu pai, a nãorecorrer à guerra contra o Brasil para superar as pendências, encaminhará sua políticaprecisamente rumo contrário.

O retorno às soluções de força (1864)

A vitória de Mitre sobre Urquiza, em 1861, e sua ascensão à presidência da nova RepúblicaArgentina, no ano seguinte, significavam enfim o triunfo dos unitários sobre os federalistas, doliberalismo buenairense sobre a economia natural e pré-capitalista do interior. Seu aliado naturalera o Brasil, com cuja ideologia de governo afinava-se por inteiro.

Francisco Solano López, mais que seu pai, estava determinado a marcar presença efetiva no rumodos acontecimentos regionais, contruindo, em conformidade com o pensamento blanco uruguaio,a teoria do ‘equilíbrio dos Estados’. Significava, na prática, a intenção de preservas os pequenos,Uruguai e Paraguai, das intervenções imperialistas dos grandes, Argentina e Brasil. Significava,em teoria, a possibilidade de se construir o terceiro Estado, de dimensão e potência similar aos doisgrandes, reunindo Uruguai, Paraguai, Corrientes, Entre-Rios e, quiçá, as missões rio-grandenses.

As tropas brasileiras penetraram no território uruguaio, aliaram-se à sublevação e só nãobombardearam Montevidéu porque lá fora estabelecido Flores, com quem Paranhos, o novoenviado brasileiro, concluíra um convênio, em 20 de fevereiro de 1865, restabelecendo a paz ecompondo a primeira aliança contra o Paraguai.

No Brasil e na Argentina, alimentava-se a ingenuidade de que o Paraguai não faria a guerra, epor isso era desqualificado internacionalmente sem receios. Três erros básicos cometeu López, aodesencadear a guerra: acreditar na dissidência de Urquiza, que acabou colocando sua espada àdisposição de Mitre; contar com os blancos, que debandaram ante as tropas brasileiras; dispersaro exército, em vez de tomar Montevidéu e Buenos Aires e negociar em posição de força. Tambémnão calculou a facilidade com que se concluiria a tríplice aliança de 1º de maio de 1865, emboranão lhe faltassem informações para perceber que vinha essa aliança sendo gestada, pelo menos,desde 1857.

Um balanço de resultados

A ostentação ou o emprego da força amparavam os objetivos econômicos e geopolíticos;A presença brasileira contribuiu para a expansão do capitalismo, promovendo a liberalizaçãodas instituições e das relações de produção.Do ponto de vista econômico, as repercussões internas da aventura platina foram muitonegativas: os custos desviaram da modernização interna um enorme volume de capital. Osempréstimos concedidos ao Uruguai não foram ressarcidos, e as dívidas de guerra doParaguai, tanto públicas quanto privadas, jamais foram liquidadas.

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Distensão e universalismo: política externa ao final do Império

Duas tendências, interagindo uma sobre a outra, caracterizam a política externa brasileira, desdeo término da guerra no Sul, até a queda da monarquia, em 1889.

A distensão externa, desejada e administrada pelo Estado, convinha por inúmeras razões: a) osefeitos da guerra somente foram positivos por que a vontade nacional atingiu seu fim; de resto,desviaram recursos e provocaram grave crise política interna, a primeira manifestação domilitarismo e o protesto de todo o continente; b) apaziguaram-se velhos atritos do lado daInglaterra, do Amazonas, das fronteiras em geral; c) a distensão era condição para conduzir asrelações com a República Argentina sem nova guerra.

Pretendia-se imprimir maior prestígio e extensão para a ação externa, e nesse sentido, eramprogramadas importantes viagens do Imperador pelo mundo, o Brasil marcava presença emcongressos, feiras e foros de arbitramento internacionais, buscava o contato com o Oriente eaceitava, enfim, juntamente com os Estados Unidos, envolver-se com o pan-americanismo.

Negociando as pendências externas

Interesses econômicos unilaterais postularam o bom relacionamento político, como instrumentoútil: ingleses dependiam do Brasil para suas exportações de manufaturados e máquinas, para seusinvestimentos e retornos; brasileiros dependiam dos Estados Unidos para suas exportaçõesagrícolas; norte-americanos olhavam para o mercado brasileiro e se dispunham a enfrentar odomínio britânico e a concorrência.

A retirada brasileira do Prata deixou sequelas de tensão apenas do lado argentino. As dívidas daguerra do Paraguai, conforme os convênios firmados em 1872, eram de duas naturezas: a dívidapública, de governo a governo, e as dívidas privadas, do Paraguai para com os brasileirosprejudicados em seus bens com as invasões de Mato Grosso e Rio Grande do Sul.

Somente os limites com a Argentina mereciam da diplomacia brasileira, após acordos de BuenosAires de 1876, o cuidado e a firmeza de outrora. Mesmo assim, modificava-se a doutrina brasileirade limites, ao ritmo da distensão da política externa. Caracterizara-se desde os meados do séculopelos seguintes princípios: a) rejeitar a expansão territorial; b) guiar-se pelo uti possidetis e pelostratados já firmados; c) não ceder território; d) engajar a ação diplomática para alcançar oentendimento bilateral. Ao final do império, delineava-se entre os estadistas brasileiros uma

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tendência no sentido de desradicalizar os princípios anteriores, atenuando-os com a‘generosidade’, as ‘vistas largas’, a disposição de ‘ceder’, ‘transar’ e até mesmo a aceitação doarbitramento, tradicionalmente rejeitado em nome da soberania das decisões externas.

Encerrado o caso paraguaio, as relações bilaterais com a Argentina evoluíram por impulso depressões contraditórias. Os reais interesses de ambos os povos eram representados no Brasil pelasconcepções políticas de Paranhos e na Argentina pelas concepções de Alberdi. Ambos indicavamo caminho para superação das rivalidades históricas por meio do desenvolvimento interno da‘civilização’ e da cooperação econômica bilateral. Paranhos entendia que a cooperação, pela viado comércio regular e útil, contribuía para o desenvolvimento nacional e era a base sólida derelações pacíficas na esfera política.

Nos anos finais do Império, depois de concluída a questão paraguaia pelo protocolo de 1877, aspendências ou atritos com a Argentina decorriam dos seguintes fatos: em primeiro lugar, o litígiofronteiriço, na zona de Palmas; além desse contencioso, comprometiam as boas relações bilateraisa questão do armamentismo, a concorrência para receber imigrantes europeus, a guerra deimagem, as retaliações comerciais, a inflamação da opinião pública e as antigas concepçõesgeopolíticas.

A versatilidade da política externa e seu êxito no fortalecimento de novos contatos contribuírampara administrar a rivalidade com a Argentina, no contexto de distensão programada. Atingia-seo fim da política que era evitar o confronto direto, sem desgaste da dignidade nacional, e trazer aArgentina à vontade brasileira pela negociação. Para tanto, isolou-se-a pela construção de novoseixos, desarmou-se a hostilidade platina pelo sacrifício das dívidas, pelo abandono dos métodos deintervenção imperialista, pela defesa do território paraguaio e abriu-se o Prata para nova investidadas potências capitalistas, desviando os países da região para intensificação de novos contatos.

Dom Pedro II e sua diplomacia de prestígio

Nas duas últimas décadas do Império, quando as relações internacionais se ampliavam sob efeitoda expansão colonial europeia e dos primórdios do novo imperialismo, dom Pedro II investiu seuprestígio pessoal, muito elevado tanto na Europa quanto na América, com a finalidade deresguardar o interesse brasileiro no exterior. Empreendeu três importantes viagens pelo Ocidente(1871, 1875 e 1887), durante as quais estabeleceu contatos de alto nível com governos einstituições dos Estados Unidos, de quase todos os países europeus, incluindo a Rússia dos czares,o Império Otomano, a Grécia, a Terra Santa e o Egito. O chefe do Estado brasileiro tornava assimo país mais conhecido e respeitado no exterior.

Por duas vezes dom Pedro II foi convidado pelas partes para nomear o terceiro juiz em comissõesinternacionais de arbitramento: seus representantes integraram dessa forma as comissões mistastripartites constituídas para julgar as reclamações entre a França e os Estados Unidos, decorrentes

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da guerra de secessão, e entre a Itália, Grã-Bretanha, Alemanha, Bélgica, França e Chile,decorrentes da guerra do Pacífico.

No seio dessa ampliação do horizonte externo, veio enfim a decisão de participar dos congressospan-americanos, quando se ponderou não mais convir ao Brasil o isolamento tradicional.

Dentre as iniciativas que marcam a expansão da política externa brasileira, nesse período dedistensão, merece particular destaque o estabelecimento de relações diplomáticas regulares com aChina, decidida em 1879, pelo tratado de 3 de outubro de 1881. A missão à China, decidida em1879e conduzida por Eduardo Callado e Arthur Silveira da Mota, tinha por objetivo inicialpromover uma corrente de imigração chinesa para atender às necessidades da lavoura, ressentidapela escassez crescente de braços escravos e insuficiência de imigração europeia. Três grandesobstáculos iriam entretanto comprometer a realização daquele objetivo: a) surgiu no Parlamentebrasileiro opinião contra a iniciativa, combatida por Joaquim Nabuco e Alfredo d’EscragnolleTaunay, que se opunham à vinda de chineses com argumentos sociais e raciais porque supunhamque iria desenvolver-se no Brasil uma nova escravidão e efetuar-se uma nova contaminaçãobiológica; b) internacionalmente, era quase idêntica a avaliação feita pelos governos e pela opiniãopública acerca das experiências migratórias chinesas; c) insurgira-se o próprio governo chinêsdiante da situação humilhante em que se encontravam pelo mundo seus emigrados, chamados decoolies, e decidira bloquear a saída. O governo brasileiro não obteve pelo tratado a autorizaçãoexplícita desejada, mas apenas um dispositivo facultando aos súditos de ambos os impérios aliberdade de comerciar e transitar pelo outro país.

As relações entre o Brasil e os Estados Unidos e o pan-americanismo

A sustentação do processo modernizador interno, nas décadas finais do Império, dependia docomércio com os Estados Unidos. Isto porque os superávits da balança comercial permitiamacumular excedentes em conta corrente, utilizados tanto para amortizações e serviços dosempréstimos obtidos em Londres, quanto para custear o complexo exportação-importação-transporte-seguro, em mãos dos ingleses.

Os grandes excedentes obtidos nessas trocas desiguais explicam a conjuntura: a) os empréstimosbrasileiros em Londres podem ser reduzidos, ficando até em nível inferior aos de outros paíseslatino-americanos, como o Peru e a Argentina, que não produziam idênticos excedentes econtraíam dívidas relativamente superiores; b) apesar do relativo desenvolvimento industrialbrasileiro, a partir de 1880, a economia tende a manter-se primária, em razão das condiçõesexternas favoráveis: assim, os excedentes auxiliam e ao mesmo tempo criam obstáculos àdiversificação pela indústria; c) os ingleses avaliam positivamente os fatos e mantêm investimentosdiretos e empréstimos públicos, alienando-se novos setores da atividade, como estradas de ferro,indústrias alimentícias (moinhos, engenhos de açúcar), têxtil e siderurgia; d) o conflito comercialentre norte-americanos e ingleses não vai se estabelecer ainda no mercado brasileiro, senão em

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pequenas escala real, mas no próprio mercado norte-americano, cujas tarifas protetoras em favorda indústria elevam-se de forma crescente vigorosa em 1861, 1874, 1883, 1890 e 1898; e) osEstados Unidos buscam com redobrado interesse a América Latina, particularmente o Brasil, como intuito de abrir mercados e equilibrar suas contas.

As relações entre os Estados Unidos e a América Latina passaram no século XIX por três fases:

Da época da independência, em que a presença norte-americana foi relativamente intensa nosentido de fortalecer vínculos políticos e comerciais, em flagrante desafio à preponderânciaeuropeia;A desilusão, de ambos os lados, foi tal que, desde 1826 até o final da guerra de secessão,prevaleceria um distanciamento, como que desejado por todos;Com a vitória do Norte sobre o Sul, o fim da escravidão e o extraordinário progresso interno, aimagem dos Estados Unidos foi recriada entre intelectuais e políticos latino-americanos,ressurgindo o ideal pan-americano, que os estados Unidos logo tentarão usar para fim real,que era seu comércio de exportação.

O movimento pan-americano, contou, no século XIX, com duas vertentes originais: a norte-americana, consubstanciada no monroísmo, e a bolivariana, explicitada no Congresso doPanamá. O governo brasileiro avaliou-as positivamente no início do século, mas seu destino seriao enfraquecimento a longo prazo.

O monroísmo deixou de ser interpretado como uma doutrina de interesse continental, porquantojamais o governo norte-americano decidiu engajar-se externamente em seu nome, e passou a serconsiderado como uma doutrina de interesse nacional. Tal percepção latina fortaleceu a partir de1845, quando o presidente James Polk restringiu sua aplicação ao continente norte-americano,para servir ao expansionismo territorial em curso. Em consequência, o pan-americanismoconverteu-se em pan-latinismo, movimento cuja finalidade seria a união do continente, excluindo-se os Estados Unidos.

Enquanto o pan-americanismo restringiu-se aos ideais bolivarianos e aos interesses de segurançados Estados hispano-americanos, o governo dos Estados Unidos, como ocorria com o brasileiro etambém com o argentino, dedicou-lhe uma atenção displicente. Não compareceu a nenhumcongresso pan-americano, até reunir o seu próprio, em 1889. O monroísmo não o encontrava e seconvertia numa doutrina difusa, de glorificação interna, alimentadora da auto-imagem, basesentimental e ideológica para apoiar o expansionismo civilizador, preconceituoso porémtriunfante, ao estilo europeu. Após a guerra de secessão, com a recuperação da imagem dosEstados Unidos na América Latina, as condições para o casamento de ambos os movimentospareciam propícias. Tanto mais que o governo norte-americano era percebido como defensor docontinente e promotor da paz, pelas atitudes assumidas diante da expedição francesa ao México,das guerras do Paraguai e do Pacífico.

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Conclusão

A época da regência correspondeu ao período de gestação da política externa brasileira, queacompanhava o ritmo da nacionalização do Estado. Esse processo consolidou desde o início doSegundo Reinado. A partir de então, a política externa tendeu à racionalidade e à continuidade,adquiriu o caráter autônomo e era referida sem obstáculos à nova leitura do interesse nacional.

Em suma, a política exterior do Império esteve acima das forças da nação, teve condições dearrastá-la para a criação da verdadeira potência pelo desenvolvimento material, mas preferiuacomodar-se a uma relativa mediocridade, imposta em parte pelo modo escravista de produção.Obteve sucesso parcial -, a defesa do território nacional, a manutenção do crédito externo e aabertura de mercados. A política exterior do Império produziu reservas de energia, que no futurotanto poderiam ser aplicadas quanto liquidadas, dependendo dos homens que encampariam oEstado, de suas percepções do interesse nacional e de sua vontade. É possível, enfim, questionaralguns mitos que influenciam as interpretações disponíveis, como por exemplo:

O fatalismo da dependência e do atraso em função de leis mecânicas do desenvolvimentocapitalista. O governo cedeu aos interesses britânicos à época da Independência e sacrificou osinteresses da economia fundiária e escravista brasileira. Depois, por um tempo, se voltoucontra ambos, numa demonstração de independência possível e acabou se conformando aambos, parcialmente, porque lhe faltou o suporte ideológico e social para levar adiante umapolítica prospectiva. Viabilizou-se, no Brasil do século XIX, uma dependência conveniente, nãonecessária nem inevitável.A destruição, pelo Brasil, da organização socioeconômica paraguaia, para atender aosinteresses britânicos. Essa meta nunca esteve nas intenções dos que decidiam e nãocorrespondia a nenhum aspecto de interesse nacional, pois Paraguai era aliado estratégico doBrasil.O intervencionismo benévolo e civilizador brasileiro no Paraguai. Tal estratégia não existe.Expansionismo das fronteiras. Não era um desígnio político nem necessidade econômica, eraapenas a manutenção da herança histórica do espaço geográfico.A insuperável rivalidade Brasil-Argentina. As duas nações possuíam economia complementare rivalizavam apenas em suas percepções geopolíticas regionais.

A política exterior da República (1889-1902)

Uruguai e Argentina foram os primeiros países a reconhecer a República brasileira, o primeiro em20 e o segundo em 29 de novembro de 1889. O reconhecimento do Chile ocorreu logo depois, em13 de dezembro do mesmo ano. Apesar de, a certa altura, ter havido discrepância entre oLegislativo e o Executivo norte-americanos, em 29 de janeiro de 1890 o governo dos EstadosUnidos reconheceu a República e em 20 de fevereiro foi aprovada unanimemente pelo Congressodaquele país moção de congratulação ao povo brasileiro pela adoção da nova forma de governo.

A Grã-Bretanha, logo após o Quinze de Novembro, continuou mantendo relações oficiosas. O

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A Grã-Bretanha, logo após o Quinze de Novembro, continuou mantendo relações oficiosas. OForeign Office aceitou a República como fato consumado, mas protelou o reconhecimento formala fim de evitar cometer ato precipitado. Por isso preferiu aguardar a estabilização do quadropolítico interno, adotando uma atitude legalista e, ao mesmo tempo, cautelosa que recomendavaobservar a reunião do Congresso Constituinte, bem como o desenvolvimento de seus trabalhos. AGrã-Bretanha reconhece o Brasil apenas em maio de 1891.

A França retardou seu reconhecimento em razão de escrúpulos políticos (não desagradar asmonarquias europeias), em razão do decreto brasileiro de naturalização ainda nãosuficientemente esclarecido e porque tentou resolver de maneira rápida a questão de limites daGuiana com o Brasil. Em junho de 1890, a França reconheceu o governo provisório, após este ter-lhe assegurado que retomaria as negociações sobre a referida questão de limites.

Em geral, o Velho Mundo esperou a realização de eleições para o reconhecimento do Brasil.Apenas a Rússia foi uma exceção, que esperou a morte de dom Pedro II, em 1892, parareconhecer.

A imagem externa

Em 1891, a grave crise política interna que se instalou, causada pelos desentendimentos entre oCongresso e Deodoro, e pelas acusações de favorecimento imputadas a este, foi atentamenteacompanhada pela imprensa londrina. Com a renúncia de Deodoro e a ascensão de Floriano,renovaram-se as visões sombrias acerca do futuro do Brasil. Mas, comparada à dissolução doCongresso levada a efeito por Deodoro, a solução de 23 de novembro de 1891, por ter sido legal,não foi tão mal acolhida, descontando-se os exageros e respectivos desmentidos.

Mesmo após o término da Revolta Armada e já eleito Prudente de Morais, o influente The Timesda edição de 21 de maio de 1894, fez julgamento severo a respeito do Brasil, demonstrandoceticismo no que se referia a sua tranquilidade política e antevendo a possibilidade depronunciamento, pois poderia surgir um novo ‘salvador da sociedade’ no Rio de Janeiro.

A ‘republicanização’ da diplomacia e o Legislativo

Na discussão do primeiro orçamento republicano pelo Legislativo, em 1891, percebe-se que, àsvezes, o motivo para a supressão de legações no exterior não era apenas por razão de economianos gastos públicos, mas também pela tentativa de deslocar parte dos diplomatas vindos doImpério, sobretudo porque alguns deles, dizia-se, manifestavam-se abertamente monarquistas.

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A redação final do projeto de 1894 (oriundo da Câmara dos Deputados e emendado pelo Senado),que reorganizava o corpo diplomático, dá ideia de quais eram as áreas que o Legislativo tinhacomo prioritárias nas relações do Brasil com o exterior. As legações na Grã-Bretanha e na Françacontinuavam a ser vistas como mais importantes, seguidas pelas situadas nos EUA, Argentina,Uruguai, Portugal, Alemanha e Itália. A América do Sul passava a ser objeto de mais atenção,com a criação de legações no Equador e Colômbia e a supressão da situada no México.

Em consulados importantes para as relações comerciais do país, como, por exemplo, o deLiverpool, não houve qualquer alteração. Não se questionava as relações estreitas do Brasil com ospaíses centrais do mundo capitalista, como Grã-Bretanha, França, Alemanha e EUA.

Reorientação da política externa

A primeira impressão que se tem sobre a política exterior republicana, ou, mais precisamente, dainauguração do novo regime ao início da gestão Rio Branco (1889-1902), é a de que faltou umadiretriz. Essa impressão é reforçada pelo elevado número de ministros que se sucederam nadireção da pasta das Relações Exteriores: 11.

Governo Período Ministro

Marechal Deodoro 1889-18911. Quintino Bocaiúva2. Justo Leite Chermont

Floriano Peixoto 1891-1894

1. Fernando Lobo LeitePereira

2. Serzedelo Corrêa3. Antônio Francisco de

Paula Souza4. Felisbelo Freire5. João Felipe Pereira6. 6. Carlos Augusto de

Carvalho7. Cassiano do Nascimento

Prudente de Morais 1894-1898

1. 1. Carlos Augusto deCarvalho

2. Dionísio Evangelista deCastro Cerqueira

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Campos Sales 1898-1902 1. Olinto de Magalhães

Não há dúvida de que a República provocou ruptura na política externa que vinha sendo postaem prática pelo Império. Imediatamente após sua instalação, procurou se pan-americanista aobuscar aproximação das nações hispano-americanas e nomeadamente dos Estados Unidos.

‘A americanização’

O pronunciamento do deputado (supressão de legações na Europa) simbolizava o desejo que boaparte dos integrantes do Legislativo manifestava de afastar o país da Europa e americanizar asrelações da República recém-inaugurada. A ‘americanização’ não se dava apenas no aspecto daorganização das novas instituições, sob a influência de Rui Barbosa, mas também no concernenteà política exterior. Reagia-se à preeminência inglesa e aproximava-se dos Estados Unidos, o seuparadigma. A abolição da escravatura e a adoção do regime presidencialista diminuíam adiferença entre os dois países, que tinham também em comum prevenções contra o imperialismoeuropeu.

O país também voltou suas atenções para o contexto sul-americano, inaugurando uma política defraternidade americana, segundo seus críticos que teve no Tratado das Missões, firmado com aArgentina no alvorecer do novo regime, o exemplo mais eloquente.

As relações com a Argentina

Durante o período de 1889-1902, as comunicações entre o MRE e a legação em Buenos Airescentraram-se, basicamente, em três assuntos:

Relações comerciaisPreocupação com o rearmamento naval da ArgentinaEventual hegemonia desta na região platina

A marinha de guerra do Brasil, ao final do Império, não era das melhores, mas de qualquermaneira ainda era a primeira da América do Sul. A República foi instaurada pelo Exército. Amarinha teve um papel secundário, apenas aderindo. No momento em que Argentina e Chileestavam armados em razão da possibilidade de conflitos entre ambos por questões de fronteira, o

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governo Campos Sales evitava ligar o país a compromissos de desarmamento. Isso foi bem visívelquando o Brasil declinou do convite para participar da conferência sobre o desarmamento,realizado em 1899, em Haia.

Junto com questões tarifárias havia conflito de natureza sanitária, uma verdadeira ‘guerra equarentenas’. A Argentina, ao declarar infestados os portos do Brasil, não só impunha ônus àsexportações dirigidas ao Prata, como também causava prejuízos ao comércio e à imigração emgeral, pois contribuía para divulgar na Europa a imagem do país como ‘foco pestilencial’. Osjornais portenhos eram frequentes em veicular matérias tendentes a prejudicar a imigração para oBrasil, o que levou o referido representante diplomático a rebatê-las junto aos principais órgãos daimprensa.

Estados Unidos

I Conferência Internacional Americana (1889-1890), em Washington:

Posição do Império (Lafaiete Rodrigues Pereira): A posição da diplomacia imperial em face doarbitramento obrigatório era praticamente singular em relação à das demais nações dohemisfério, pois aceitava apenas o arbitramento facultativo. A respeito da conferência em si, osdiplomatas do Império vislumbraram ser ela ‘exclusivamente americana e o seu plano parececonduzir até certo ponto a uma limitação das relações políticas e comerciais dos Estadosindependentes da América com os da Europa, dando ao governo americano um começo deprotetorado que poderá crescer em prejuízo de outros Estados’.Posição da República (Salvador de Mendonça): Ingressar o Brasil numa fase de aproximaçãoíntima com os países da América, especialmente os EUA, mudando, dessa forma, a atitude doImpério, que era de reticência, cautela e não envolvimento. Quintino e Salvador conseguirama aprovação dos projetos de arbitramento obrigatório e da abolição de conquista, graças aoapoio conseguido, no final, dos EUA e da abstenção do Chile. Outra mudança de atitude foi aaproximação dos pontos de vista entre as delegações do Brasil e da Argentina.

Com referência às relações bilaterais com os Estados Unidos, basta reforçar que a instauração daRepública inaugurou uma nova fase, marcada por ampla cordialidade e entendimento. Para osnorte-americanos afigurou-se o ensejo de aumentar sua influência sobre o Brasil, até então ligadoao Concerto Europeu, mais exatamente à Grã-Bretanha, em razão de interesses financeiros ecomerciais.

O café era o principal produto da exportação brasileira e os EUA eram seu principal comprador.Assim, os homens da República buscavam colocar num mesmo patamar as relações econômicas epolíticas entre as duas nações. Os EUA, a partir de 1898, exercitavam-se na política mundial,

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procuravam dar corpo ao seu subsistema internacional de poder e, ao mesmo tempo, buscavamampliar sua presença comercial na América Latina. A hegemonia britânica sobre esta passou a serdesafiada pelos norte-americanos, que ainda concorreram com o emergente imperialismo alemão.

A intervenção estrangeira na Revolta da Armada (1893-1894)

A crise política do Brasil nos primeiros anos do novo regime, o militarismo e o agravamento darivalidade entre a Marinha e o Exército, a partir da ascensão de Floriano Peixoto à presidência,formaram o quadro para a eclosão da revolta da força naval contra o governo legal, em 6 desetembro de 1893, liderada pelo almirante Custódio José de Melo.

A intervenção norte-americana foi decisiva para a vitória de Floriano, pois deu-se no precisomomento em que a diplomacia das potências da Europa ensaiava retirar seu apoio ao governolegal. Os Estados Unidos, assim, contribuíram para a ‘consolidação’ levada a efeito por FlorianoPeixoto e, ao mesmo tempo, consolidaram a sua influência sobre o governo brasileiro.

Rio Branco: prestígio, soberania e definição do território (1902-1912)

As grandes linhas da política externa do patrono da diplomacia brasileira foram: a busca de umasupremacia compartilhada na área sul-americana, restauração do prestígio internacional do país,intangibilidade de sua soberania, defesa da agroexportação e, sobretudo, a solução dos problemaslindeiros. Foi nesta conjuntura que Rio Branco, em continuidade com o que fora inaugurado pelaRepública (1889), desenvolveu uma política que tinha como um dos principais componentes aíntima aproximação aos Estados Unidos. Tal aproximação não significou ‘alinhamentoautomático’ e serviu aos propósitos políticos do chanceler no plano sub-regional.

O barão integrou os ministérios de Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes daFonseca.

Rio Branco e o Corolário Roosevelt

Rio Branco teve conduta distinta da Argentina, apesar de ter acabado de assumir o ministério, nãoteve qualquer hesitação a respeito do bloqueio à Venezuela (vide abaixo). Além de aceitar aposição norte-americana, não acompanhou o ministro argentino Drago, no seu protesto contra acobrança coercitiva de dívidas, por entender que não estava em causa a Doutrina Monroe.

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Segundo manifestações da opinião brasileira, desaprovava-se a atitude do general CiprianoCastro, presidente da Venezuela, e aceitava-se a punição que os EUA viessem a impor ao seu país.A Doutrina Monroe não podia ‘instituir em favor dos povos americanos o privilégio de faltarimpunemente a compromissos de honra e ainda zombando dos credores’.

Desde que esteve em missão especial junto ao governo da Suíça para defender a causa brasileirano litígio com a França pela posse do Amapá, Rio Branco receava a agressividade europeia. Talreceio levava-o a valorizar o caráter defensivo da Doutrina Monroe e a entendê-la como aplicávelàs questões de limites entre as nações latino-americanas e as potências europeias que aindaconservavam colônias no continente americano.

O Brasil e o subsistema norte-americano

O agrupamento político das nações americanas seria, assim, um dos sistemas que com os demaisdividiam o mundo. E ia mais longe: a Doutrina Monroe e o prestígio norte-americano garantiriama integridade da América Latina. Descontados os exageros, próprios de um doutrinador, sentiu,como Rio Branco, a mudança de direção do poder mundial. Este, embora sem a mesma ênfase,entendia que o papel de leadership do continente cabia aos Estados Unidos.

A política externa brasileira, ao tempo de Rio Branco e Joaquim Nabuco, contribuiu para aconsolidação do bloco de poder internacional liderado pelos EUA, mas também procurou tirarproveito da nova situação mundial que então se delineava.

Para o nosso primeiro embaixador em Washington (1905, Joaquim Nabuco), a Doutrina Monroetinha caráter defensivo, pois serviria para afastar cobiças estrangeiras. A aliança com os EUA, porconseguinte, só poderia proporcionar benefícios.

A questão do Acre

A viagem clandestina da canhoneira norte-americana Wilmington, que aportou em Belém em 10de março de 1899 e foi até Ioquitos, afora o incidente diplomático que ela em si provocou, estarialigada a um acordo que o ministro da Bolívia no Brasil, Paravicini, procurou firmar com osEstados Unidos a respeito do Acre, então boliviano, por meio do cônsul norte-americano K.K.Kennedy; tal acordo visaria à manutenção de sua soberania sobre os territórios do Acre, Purus eIaco, em troca de concessões aduaneiras e territoriais.

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O incidente da Wilmington foi o prelúdio dos aborrecimentos que o Bolivian Syndicate iria causarà diplomacia brasileira. A região do Acre foi ocupada sobretudo por nordestino e em 1899 tornou-se conflagrada quando autoridades da Bolívia querendo impor sua soberania, estabeleceram umaaduana em Puerto Alonso (hoje conhecido como Porto Acre). O governo boliviano, todavia, nãoconseguindo fazer valer sua autoridade, em 11 de julho de 1901 arrendou, por trinta anos, aregião a um consórcio de capitalistas, que pretendia explorar as riquezas naturais daquela áreapor meio de uma chatered company. Tal consórcio, denominado Bolivian Syndicate, integradopelas firmas Cary & Withridge, United States Rubber Company e Export Lumber, contava comfiguras de expressão na City e Wall Street.

A diplomacia brasileira procurou impedir o estabelecimento de uma companhia daquela naturezaem região limítrofe do país, pois abrir-se-ia perigoso precedente que envolvia riscos, uma vez queo território arrendado só tinha acesso ao Atlântico pelos rios da Amazônia. Para evitar eventuaisembaraços, o governo retirou do Congresso o tratado de comércio e navegação firmado com aBolívia em 1896. Todavia, indagava-se a possibilidade de o Brasil suportar eventual pressãodiplomática de potências estrangeiras na hipótese de fechamento dos rios.

Em 1899, liderados por José de Carvalho, os brasileiros do Acre rebelaram-se e conseguiram aretirada do delegado da Bolívia do território. Logo depois, Luiz Galvez Rodrigues de Ariasfundou, em 14 de julho de 1899, o Estado Independente do Acre. O Brasil apoiou a Bolívia contraGalvez, que assinou armistício em 15 de março de 1900.

Rio Branco, ao assumir o Ministério das Relações Exteriores, deu outro rumo à questão e colocou oExecutivo em sintonia com a opinião pública. Interpretou de outra forma o artigo 2º do já citadotratado de 1867 e, em consequência, transferiu a linha divisória do território em questão nosentido leste-oeste para o paralelo latitude sul. A área tornou-se oficialmente litigiosa. Como outrosde seu tempo, Rio Branco antevia desdobramentos do estabelecimento de soberanias estranhasnas fronteiras nacionais, pois temia que, na hipótese de capitalistas ingleses participarem com osnorte-americanos do consórcio, os interesses políticos e as rivalidades levariam ‘outros governoseuropeus a não perder a ocasião de concorrer para o enterro da Doutrina Monroe’.

Meses antes de tornar-se ministro, Rio Branco, quando ainda chefiava a legação brasileira emBerlim, recebera de Assis Brasil a sugestão de afastar o Syndicate por meio da indenização, a fimde não se reforçar ainda mais a influência norte-americana. Rio Branco entendeu da mesmaforma, pois, ao encaminhar a questão, tratou de primeiro isolar o sindicato, por meio daindenização.

Isolado o sindicato, Rio Branco passou às negociações com a Bolívia depois de afastado o risco deconfronto e cessados os movimentos de tropas de ambos os lados em direção à área conflagrada.Um modus vivendi (21 de março de 1903) estabilizou a situação, após o que se ingressou na fasede entendimento.

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Rio Branco e Assis Brasil concluíram com os plenipotenciários da Bolívia, as negociações queresultaram no Tratado de Petrópolis (17 de novembro de 1903), remetido à apreciação doCongresso Nacional pela mensagem presidencial de 29 de dezembro. Com esse, o Brasil fazpermuta com a Bolívia, cedendo-lhe cerca de 3200 km2 e a indenização de 2 milhões de libras-ouro, em troca de 191 km2. Além da indenização e da compensação de território, o Brasilcomprometeu-se a construir, em território brasileiro a ferrovia Madeira-Mamoré, na qual a Bolíviateria livre trânsito, juntamente com os rios, para acesso ao oceano, confirmando uma faculdadeprevista em tratados anteriores.

O contexto sul-americano

O alarmismo de La Prensa, que via o Brasil transformando-se em potência militar, aumentoucom a elevação da legação brasileira em Washington à categoria de embaixada, em 1905. O atoadquiria alcance político e diplomático. O diário portenho via no episódio o desejo de ‘ocupardiplomaticamente nos EUA uma posição superior às demais repúblicas sul-americanas’, além deaspirar ser a primeira potência militar na América do Sul e de querer assumir a primeira posiçãona diplomacia sul-americana, almejando, ao mesmo tempo, a simpatia das nações menores doPrata.

Rio Branco sempre que tinha oportunidade procurava desmanchar suspeita das nações vizinhas.Dentro dessa linha, pode ser vista a aproximação das três maiores nações sul-americanas(Argentina, Brasil e Chile), buscada por Rio Branco desde os primeiros anos de sua gestão junto aoMRE. A aspiração chegou a ser consubstanciada em um projeto de cordial inteligência,geralmente conhecido como ABC, que aliás, não foi concretizado no período de Rio Branco. OABC seria para atuar de acordo com o governo de Washington, numa espécie de condomíniooligárquico de nações.

Do apogeu ao declínio da Primeira República: a ilusão de poder (1912-1930)

O traço principal desse período foi o cultivo da amizade com os Estados Unidos. Política posta emprática pelo barão do Rio Branco e mantida por seus sucessores, sobretudo Lauro Muller, AzevedoMarques, Felix Pacheco e Otávio Mangabeira. Houve, todavia, quem a questionasse, comoDomício da Gama, ex-discípulo e homem de confiança de Rio Branco, que divergiu na embaixadado Brasil em Washington, da forma de solidariedade que vinha sendo praticada por LauroMuller, sucessor direto de seu mestre.

Importante fator para a consolidação da amizade com os Estados Unidos foram as relações

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Importante fator para a consolidação da amizade com os Estados Unidos foram as relaçõeseconômicas. Este país era o principal centro propulsor da economia agroexportadora do Brasil,notadamente como comprador de café. Além disso, teve participação crescente ao longo doperíodo, nas importações brasileiras de manufaturados e de produtos alimentícios, como a farinhade trigo. Os norte-americanos substituíram os ingleses como investidores no Brasil.

Em 1922, teve início a cooperação militar entre os dois países. A política de cooperação com osEUA foi além do período em exame, chegando até a década de 1950, o que a torna a maissignificativa das mudanças advindas da instalação da República.

Da Primeira Guerra ficaram, praticamente, apenas três questões, cujas soluções dariam maior oumenor satisfação ao Brasil: a da dívida do café do Estado de São Paulo; a dos navios ex-alemãesafretados à França; e a do recebimento do montante da dívida da Alemanha a título de reparaçõesde guerra. A expansão do mercado externo era a principal tarefa da diplomacia.

Para os EUA, a missão naval no Brasil teve uma função estratégica de longo alcance, na qual seinseria, entre outros objetivos, a manutenção do equilíbrio entre as principais nações da Américado Sul. Renovado em 1926, o contrato da missão naval terminou no final de 1930. A notícia damissão naval teve repercussão negativa na Argentina, sendo entendida, inclusive, como umaaliança Brasil-EUA.

O Brasil sentia-se prestigiado na Europa, mas isolado no seu continente, conforme sentimentoexternado ao final da V Conferência Internacional Americana, em razão da controvérsia relativaao desarmamento.

Declínio da influência inglesa e presença norte-americana

Os Estados Unidos eram o maior consumidor mundial de café e sua economia estava em fase deexpansão para além de suas fronteiras, em busca de mercado para as exportações e para oscapitais. Tais fatores acentuaram entre os dois maiores países do continente uma duradouracomplementariedade econômica. O intercâmbio comercial do Brasil com os EUA foi semprecrescente na época considerada. No período de entreguerras, aqueles passaram a ser tambémnosso principal vendedor, suplantando a Grã-Bretanha. No processo brasileiro deindustrialização, via substituição de importações, os norte-americanos marcaram presença nosinvestimentos. Tal refluxo da Grã-Bretanha deveu-se não apenas à concorrência, mas também àperda da posição de primeira potência do mundo capitalista (início da Primeira Guerra Mundial).

O protecionismo alfandegário norte-americano foi reafirmado na Tarifa Dingley, de 1897, mas o

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O protecionismo alfandegário norte-americano foi reafirmado na Tarifa Dingley, de 1897, mas oBrasil foi o único país da América Latina a manter convênio aduaneiro de redução de direitosalfandegários com os Estados Unidos. Tal sistema de convênio estendeu-se durante o dilatadoperíodo de 1904 a 1922. Durante boa parte da Primeira República o Brasil teve seu café isento detarifas no mercado dos EUA. Estes desempenharam, portanto, importante papel comopropulsores do pólo dinâmico de agroexportação brasileira. Conhecendo-se a primazia do setorcafeeiro sobre o conjunto da economia, pode-se avaliar o nível de vinculação econômica que seestabeleceu entre os dois países, bem como o reforço da condição do Brasil como paísessencialmente agrícola.

Apesar da queda dos preços do café no mercado norte-americano no final do século XIX e iníciodo século XX, a produção brasileira não se retraía. Nesse contexto, surgiu, nos Estados Unidos, amanobra altista de 1912-1913, que ficou conhecida como ‘a questão do truste do café’.

A lei do orçamento para 1915 manteve a redução: 30% para a farinha de trigo e 20% para outrosprodutos norte-americanos como compensação de reduções concedidas a produtos brasileiros,desta

Feita dando ênfase à borracha. A mesma renovação foi dada para 1916, 1917 e 1918, sob ofundamento da isenção dos direitos do café e da redução de direitos de outros produtos brasileirosconcedidas pelo governo norte-americano, ressaltando-se o fumo, além da borracha. A convençãopara a redução de direitos alfandegários continuou em vigor até 1922, interrompendo-se no anoseguinte. Nessa altura, os EUA suplantavam a Grã-Bretanha e tornavam-se, simultaneamente, osprincipais fornecedores e compradores do Brasil. No que se refere a investimentos, cresceusensivelmente a presença norte-americana na década de 1920.

O Brasil e a Primeira Guerra Mundial (1914-1918)

Iniciada a guerra na Europa, o governo brasileiro adotou completa neutralidade. Ocorreu intensodebate interno. Havia germanófilos (Monteiro Lobato e Lima Barreto), pró-aliados (Rui Barbosa eOlavo Bilac) e aqueles que não se inclinavam para nenhum dos lados.

A razão imediata da entrada na guerra foi a ação dos submarinos alemães contra naviosmercantes brasileiros. O governo alemão notificou o brasileiro que faria bloqueio naval àpotências da Europa sem aviso prévio. O Brasil recebe notícia por meio de telegramaretransmitido à Embaixada na Haia.

A ruptura de relações com o Império Alemão ocorreu após o torpedeamento, sem aviso prévio, do

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A ruptura de relações com o Império Alemão ocorreu após o torpedeamento, sem aviso prévio, dopaquete brasileiro Paraná, que navegava em mar largo, na noite de 3 para 4 de abril de 1917, naaltura da ponta Barfleur. O submarino alemão não prestou qualquer ajuda às vítimas.

A declaração do estado de guerra contra a Alemanha ocorreu após o torpedeamento e prisão docomandante do vapor mercante Macau, em outubro de 1917. O presidente fez comunicação aoCongresso Nacional em 25 daquele mês. No dia seguinte, votou-se a resolução reconhecendo eproclamando estado de guerra. Wenceslau Brás sancionou-a no mesmo dia. O Brasil foi o únicopaís sul-americano a entrar na guerra.

A participação brasileira

O governo brasileiro comunicou ao da Grã-Bretanha a decisão de dar ‘expressão prática’ à suacolaboração com os aliados. Uma vez aceita, o Brasil enviou 13 oficiais aviadores, que, depois detreinados, fizeram parte do 16º Grupo da RAF; uma missão de 100 médicos-cirurgiões à França;um corpo de estudantes e soldados do Exército para dar guarda ao Hospital do Brasil, quecontinuou prestando assistência aos feridos mesmo depois de encerrado o conflito.

Isso contribuiu para o Brasil angariar simpatias nas negociações de paz. A contribuição maisexpressiva porém, foi a formação da Divisão Naval em Operações de Guerra (DNOG),inicialmente composta pelos cruzadores Bahia e Rio Grande do Sul e pelo contratorpedeiros Piauí,Rio Grande do Norte, Paraíba e Santa Catarina.

A entrada do Brasil no conflito deu-se não muito tempo depois que os Estados Unidos nele seengajaram.

Reflexos no comércio exterior

Dentre as dificuldades criadas pela guerra, ressaltavam a guerra submarina e a Statutory List (oulista negra) criada pela Inglaterra em 1915. Tal lista afetava as atividades das casas comerciaisestabelecidas no Brasil, o que provocou a nota de 9 de agosto de 1916 do governo brasileiro aochefe da legação britânica no Rio de Janeiro. A guerra nos mares levou as companhias nacionaisa interromperem as viagens para a Europa. A exportação de café teve ainda uma dificuldadeespecífica, pois o produto foi declarado contrabando de guerra pela Grã-Bretanha e,consequentemente, teve sua entrada proibida naquele país pelo fato de não ter sido, juntamentecom outros produtos, inclusive oriundos de suas colônias, considerado gênero de primeiranecessidade. O governo brasileiro tentou negociar e a negociação obteve relativo sucesso, poisseria admitida a entrada de certas quantidades de café, quando o governo desistiu por não aceitarrestrição inglesa (transporte feito por meio de navios alemães confiscados pelo Brasil).

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Durante a Primeira Guerra Mundial e imediatamente após seu término, o saldo da balançacomercial brasileira foi favorável. Ao mesmo tempo que o país importava menos, em razão dadesorganização da produção europeia, aumentaram suas exportações, inclusive de produtos atéentão pouco expressivos nas vendas para o exterior, como cereais, banha e carnes congeladas.

A quantidade de produtos importados não aumentou, houve até diminuição, embora produtos deluxo tenham entrado no país. Outro fator para explicar o desequilíbrio da balança comercial era oaumento do valor da moeda de certos países. As dificuldades eram tais que um dos objetivosbuscados pela reforma havida em 11 de fevereiro de 1920 no ministério e no corpo consularbrasileiro era o incremento das relações comerciais do Brasil.

Assim, no quadriênio Wenceslau Brás, que coincide com a Primeira Guerra, o Brasil não teveproblemas na sua balança comercial, já que os saldos foram favoráveis. O mesmo não ocorreu noquadriênio seguinte. O mandato de Epitácio Pessoa corresponde ao imediato pós-guerra. Aretomada das atividades econômicas na Europa repercutiu em déficit na balança de comércio econsequente queda do câmbio. Devido a esses dois fatores, o governo teve de lançar mão deempréstimos, um deles para acorrer à valorização do café.

As questões do café de São Paulo e da apreensão dos navios alemães

Sobre a requisição dos navios alemães feita pelo governo brasileiro, em 2 de junho de 1917,dividiu-se a opinião no Brasil quanto ao seu mérito. Foi levada a efeito como represália e parasuprir a tonelagem que o inimigo vinha destruindo. As embarcações foram consideradasnacionais pelo governo e incorporadas ao Lloyd Brasileiro. Ao protesto da Alemanha, quedeclarou ‘reservar-se o direito de uma indenização por todas as perdas’, o Brasil respondeuafirmando, entre outras coisas, que a medida veio após o torpedeamento de navios mercantes.

A controvertida questão acabou resolvida de modo favorável ao Brasil pela aplicação do artigo297 do tratado de paz. Em síntese: o Brasil teve reconhecido o seu direito de propriedade dosnavios, mediante o pagamento de indenização em encontro de contas entre o valor dos navios e oda reparação de guerra devidas pela Alemanha ao Brasil.

A execução cabal do que fora estipulado pelo Tratado de Versalhes, do qual a indenização devidapela Alemanha ao Brasil fazia parte, foi assunto que se arrastou na Comissão de Reparações,tendo a questão dos lucros cessantes ocupado a atenção do MRE.

Defesa das exportações e mudança na lei alfandegária

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Além dos EUA, a Europa era o outro motor da agroexportação brasileira. Boa parte do esforço dadiplomacia do Brasil no período foi canalizado para a busca do aumento das vendas de seusprodutos primários. Brasil faz acordos com a Itália (benefício de suas tarifas mínimas, desde queos direitos sobre o café na Itália não ultrapassassem as 130 liras por 100 quilos), com a França(redução de direitos alfandegários, idêntico ao que celebrava com a Itália).

A política alfandegária que datava de vinte anos atrás, vale dizer, desde a gestão Campos Sales,foi alterada em 1923. A revisão dos acordos foi levada a efeito em decorrência das alteraçõeshavidas, em âmbito mundial, na política alfandegária. No lugar de concessões específicas, ostratados comerciais seriam firmados, a partir de então, com a cláusula da nação mais favorecida.Com referência especial aos EUA, os maiores compradores de café, o Brasil renovava anualmentereduções alfandegárias de 20 a 30% sobre os inúmeros produtos, como já se viu. Tais reduçõesfavoreciam também a Itália e a Bélgica, no período de 1920 a 1923.

Ilusão e frustração: participação e retirada da Liga das Nações

Afora Cuba, então sob tutela norte-americana, o Brasil foi o único país da América Latina queatuou no primeiro conflito mundial, conforme já afirmado. A participação, embora já na fasefinal, assegurou assento na Conferência de Paz. A atuação conjunta das delegações brasileira enorte-americana nas negociações de paz e na formação da SDN trouxe dividendos materiais aopaís (como na questão dos navios alemães), mas houve, também, ganho em termos de prestígio.

Deve-se, todavia, registrar que a representação brasileira na Conferência de Paz, já antes dachegada de Epitácio Pessoa (que seria o chefe da delegação), isto é, pela voz de Pandiá Calógeras,trabalhou no sentido de ampliar a base das decisões, que, no seu entender, não deveria ficarrestrita às grandes potências vencedoras. A atuação de Epitácio Pessoa, contudo, recebeu críticainterna, segundo a qual ele estaria se subordinando aos interesses norte-americanos.

Afrânio de Melo Franco, delegado do Brasil no organismo de Genebra, leu, com realismo, oconcerto internacional quando observou que o assento no Conselho é que daria ao Brasil aconsideração que merecia na SDN, pois, fora dele, só tinham prestígio e autoridade os países queimpunham respeito ao demais pelo poder militar, situação econômica e financeira. O ministro dasRelações Exteriores de Artur Bernardes, Félix Pacheco, estabeleceu a obtenção do lugarpermanente como uma das metas de sua gestão na pasta. Tanto é assim que o decreto de 13 demarço de 1924 criou uma representação permanente (chefiada por Afrânio de Melo Franco) naLiga, em Genebra, como meio de facilitar o alcance desse objetivo. O Brasil reforçou suapretensão na fase das negociações que precederam a inclusão da Alemanha na Liga, inclusão queseria seguida de sua imediata integração no Conselho na qualidade de membro permanente.

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O Brasil fundamentara seu pedido de integração permanente no Conselho da SDN com oargumento de que o continente americano, com a não participação dos EUA e o afastamento daArgentina, estava pouco representado no organismo em Genebra, em termos deproporcionalidade. Lembrou ainda ao Conselho a contribuição à SDN, bem como sucessivasreeleições para um dos assentos provisórios, razões que o levaram a ter como justo aspirar acategoria de membro permanente.

Sua saída e da Espanha figuram como as duas primeiras perdas significativas da SDN. Cabe,ainda, observar que o veto brasileiro foi aposto em assembleia extraordinária, na conjunturasubsequente aos acordos de Locarno e, assim, encobriu a verdadeira crise da Liga.

A posição internacional de um país, no entendimento brasileiro, não deveria decorrer apenas dopoder militar, mas também de outros fatores. As potências europeias, com uma visão diferentedesta, não iriam incluir o Brasil no rol das grandes potências, com o direito de participarpermanentemente de um conselho que tomava decisões por unanimidade.

Segundo Macedo Soares (1927), o Brasil deixou a SDN por atitude de prepotência de ArturBernardes, que teria procurado, por um ato de efeito, aplauso interno, para isso açulando osentimento nacional. Houve descompasso entre o chefe da representação do Brasil em Genebra,Afrânio de Melo Franco, e o Rio de Janeiro, que acabou conduzindo toda a ação. O governoestaria com os olhos voltados para a situação interna, sem atentar para as manifestaçõescontrárias (da Suécia e da Inglaterra) ao aumento de assentos do Conselho da SDN. O veto seriauma jogada mal calculada, pois não iriam os dirigentes europeus ceder à atitude brasileira,inclusive para não abrir precedentes.

Embora tenha se retirado da SDN, o Brasil não deixou de prestigiar os organismos internacionaise de continuar pagando sua contribuição anual. Ilustrativa do espírito de colaboração foi a doaçãode um centro internacional para a investigação da lepra à OMS, em setembro de 1931.

A última etapa

Da gestão do ministro das Relações Exteriores de Washington Luís (1926-1930), OtávioMangabeira, destacam-se a demarcação e liquidação das questões relativas a trechos dasfronteiras do país, conseguidas por meio de tratados, acordos e caracterização de limites jáfixados:

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País Ano Acordo

Argentina 1927 Convenção complementar de Limites

Bolívia 1928 Tratado de Limites e ComunicaçõesFerroviárias

Colômbia 1928 Tratados de Limites e Navegação Fluvial

Paraguai 1927 Tratado Complementar

Venezuela 1928 Protocolo para a Demarcação deFronteiras

Grã-Bretanha (Guiana Inglesa) 1929 Negociações com Grã-Bretanha

VI Conferência Internacional Americana, Havana 1928: que se reuniu em clima tenso, em razãodas intervenções norte-americanas no Caribe. O conclave registrou a crise do pan-americanismo.A delegação brasileira foi instruída para adotar uma posição que respeitasse a secular amizadecom os EUA e, ao mesmo tempo, não melindrasse a Argentina.

Na gestão Washington Luís e Otávio Mangabeira o Brasil tomou as seguintes decisões:

A saída do Brasil da Liga das NaçõesA não adesão ao Pacto Briand-KellogA manutenção da neutralidade na questão entre a Bolívia e o Paraguai pela região do ChacoA política de fraternidade com a Argentina e o reforço do estreitamento da amizade com osEUAA amizade para com os EUA não incluía alinhamento

Criação dos Serviços Econômicos e Comerciais para dar suporte à ação diplomática por meio dacoleta, fornecimento, assessoramento e divulgação de informações

Centralização de informações para que os produtores e os comerciantes nacionais pudessemacompanhar tudo o que ocorria no exterior no referente ao crédito externo e à vinda de imigrantes

Transição do período Vargas (1930-1945): nova percepção do interesse nacional

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A revolução de 1930 3 a política externa

O governo provisório instalado no Brasil, em novembro de 1930, não teve problemas para serreconhecido internacionalmente, até mesmo porque garantiu o cumprimento de todos oscompromissos internacionalmente assumidos pelo país. As relações com os EUA não foramafetadas na sua essência, apesar do constrangimento inicial motivado pelo apoio que o governoamericano dera ao governo legal de Washington Luís. Decorrência desse ligeiro estremecimentonas relações bilaterais, foi a não renovação do contrato da missão naval norte-americana, pordecisão brasileira, sob a alegação de contenção de despesas. Chanceler: Afrânio de Melo Franco

Embora o novo chanceler não tenha se descuidado da demarcação das fronteiras, foramenfatizadas as relações comerciais, sobretudo porque, desde o ano anterior à revolução, a quebrada bolsa de Nova York e a recessão que se lhe seguiu afetaram negativamente as exportaçõesnacionais. O ministério das Relações Exteriores, já no Governo Provisório, revigorou a prática dadiplomacia econômica e, assim, a título de regularização das relações comerciais, firmou tratadosnos quais constava a cláusula da nação mais favorecida.

Na historiografia é de certo modo consensual que o Brasil fez ‘jogo duplo’ em relação aos EstadosUnidos e à Alemanha, no período que antecede à Segunda Guerra Mundial, com a finalidade debarganhar. Tal jogo fora-lhe facilitado pela crescente participação alemã no comércio exteriorbrasileiro no período de 1934-1938m concomitantemente com o declínio da presença tanto norte-americana quanto inglesa nas compras e vendas do país.

A opção brasileira em favor dos EUA, isto é, o abandono da ‘equidistância pragmática’ não se deuna década de 1940, mas sim no final da de 1930, tornada mais visível quando da missão OsvaldoAranha àquele país (1939) e da consequente formalização de acordos de cooperação. Paraassinalar uma mudança de atitude e marcar a aproximação BR-EUA, cabe observar que o paísanunciou, em 1933, em Montevidéu, por ocasião da VII Conferência Internacional Americana, asua adesão ao Pacto Briand-Kellog. O Brasil não dera adesão ao pacto, em 1928, por tê-laconsiderado desnecessário, uma vez que , amante da paz, continha em, sua carta constitucional aessência dos seus princípios norteadores.

No contexto regional, adotou-se uma atitude de prestígio do pan-americanismo, que seriaobservada também no Estado Novo, quando do alinhamento aos Estados Unidos na SegundaGuerra Mundial. Outra característica da atuação brasileira na área americana foi a conciliação.Em 1930, Afrânio de Melo Franco ofereceu, com sucesso, os bons ofícios para o reatamento dasrelações diplomáticas entre Peru e Uruguai. Na questão de Letícia, entre Peru e Colômbia, e naGuerra do Chaco, entre Bolívia e Paraguai, a diplomacia brasileira desempenhou também, papelconciliador.

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No contexto da sub-região platina, as relações Brasil-Argentina caminharam bem nos aspectoscomercial e diplomático. Foi assinado em 1933, pelos ministros das Relações Exteriores daArgentina e do Brasil e pelos chefes das representações diplomáticas do Chile, México, Paraguai eUruguai, o Tratado Antibélico de Não Agressão e Conciliação, que ficou ‘aberto à adesão de todosos Estados’, conforme dispunha seu artigo 16.

Finalmente, não se pode deixar de considerar, ainda no contexto regional, a mudança pela qualpassou a política exterior norte-americana com a ascensão de Franklin Delano Roosevelt que, nabusca do alinhamento hemisférico, propôs a ‘política da boa vizinhança’ e inaugurou uma novaetapa nas relações interamericanas.

A Reforma Administrativa do MRE

A ‘ineficiente e tarda burocracia’ foi substituída por ‘um sistema de ativa e vigilante defesa dosnossos interesses na dura competição econômica, que é a característica dos dias atuais’. A primeirafusão dos quadros já permitiu que os funcionários alternassem o exercício de suas funções noexterior e no país, a fim de acompanhar a evolução tanto da realidade interna como da externa e,consequentemente, do ministério. O argumento para fusão dos corpos diplomático e consularresidia na agilização do serviço e na melhor preparação do servidor, que conheceria os assuntos demaneira econômica, política e diplomática.

A política comercial

O que se alterou após 1930 foi o ímpeto governamental, o desejo de rever e uniformizar ostratados, com a finalidade de ‘regularizar’ as relações comerciais, conforme foi dito à época. OMRE buscou, assim, dar cumprimento à promessa contida na plataforma da Aliança Liberal, pormeio da assinatura de acordos com o estrangeiro que levassem ao fomento da produção e dasexportações.

No momento em que o preço do café esteve em baixa no mercado internacional, em decorrênciada depressão econômica mundial, o Governo Provisório convocou a Conferência Internacional doCafé, que teria lugar em SP. Ao conclave, inicialmente, deveriam comparecer os representantesdos países que se fizeram presentes em NY (1902), em reunião da mesma natureza. Desta, cabedestacar a aprovação, pelo seu plenário, de projeto de criação de um Bureau Internacional doCafé, em cujas atribuições estaria a organização das estatísticas de produção, estímulo deconsumo, abertura de mercados, busca de redução de tarifas, estudo dos meios de financiamentode sua indústria, comércio e transporte, e a tarefa de propaganda, em normas já estabelecidas.

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A questão de Letícia

Peru e Colômbia tinham questões de fronteira desde a época da Independência. Em razão doTratado de Salomon-Lozano, firmado em 1922 pelas duas nações, o território de Letícia ficouincorporado à Colômbia.

O tratado preocupou o governo do Brasil pelo fato de os territórios a leste da linha Apapóris-Tabatinga, já reconhecidos como brasileiros pelo Peru, poderem vir a ser reivindicados pelaColômbia, uma vez que esta ficou com a posse das terras, até então peruanas, a oeste da referidalinha.

O Brasil retirava as suas ‘ponderações’ e o Peru, por seu lado, punha como condição ‘oreconhecimento da linha Apapóris-Tabatinga’ como limite com o Brasil, para solucionar os seusproblemas de fronteira; a Colômbia reconheceria, em tratado a ser elaborado posteriormente, alinha em apreço, e o Brasil cederia à Colômbia a livre navegação no Amazonas e em outros rioscomuns; e, finalmente, a Colômbia e Peru ratificariam o Tratado Salomón-Lozano.

Como desdobramento da Ata de Washington, Brasil e Colômbia firmaram, em 1928, na gestãomangabeira, portanto, Tratado de Limites, considerando a linha Apapóris-Tabatinga comodivisória entre os dois países.

Os peruanos de Loreto, inconformados com a transferência de autoridade da região para aColômbia, atacaram e ocuparam Letícia, em 1932, momento culminante de uma preparaçãoiniciada dois anos antes.

As relações entre os dois países (Peru e Colômbia) deterioraram-se. O primeiro choque ocorreu em14 de fevereiro de 1933. O governo brasileiro ofereceu a sua mediação no final de 1932, quando aluta estava iminente. Foi infrutífera, e a questão ficou no âmbito da SDN, que designou, em 1933,um comitê consultivo de 3 membros. O Brasil tomou medidas de neutralidade. Permitiu a livrenavegação nos seus rios a ambos contendores, mas impediu a passagem de aviões sobre seuterritório.

Após uma série de dificuldades, os dois países firmaram um acordo, em 25 de maio de 1933, sob achancela da SDN que, em seguida, constituiu também, uma Comissão Administradora, integradapelos EUA, Brasil e Espanha.

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A atividade moderadora de Melo Franco, todavia, permitiu que as delegações chegassem a umacordo, pelo qual os dois países aceitaram o Tratado Salomón-Lozano, que só poderia sermodificado por um mútuo consentimento ou por decisão da Justiça Internacional. Como parte doAcordo, foi assinada uma Ata Adicional, reguladora, entre outras coisas, da navegação fluvial dosdois países. Em 19 de junho de 1934, a Comissão Administradora retirou-se da região.

Mediação brasileira na Guerra do Chaco

A questão do Chaco remonta ao século XIX e tem sua origem no fechamento do Rio Paraguai àBolívia, decorrente do Tratado da Navegação, Comércio e Limites assinado entre Argentina eParaguai, em 15 de junho de 1858. Na década de 1930, a questão se exacerbou, sobretudo emrazão da perspectiva de exploração de petróleo na área.

O ministro das RE, Otávio Mangabeira, ao declinar da função, fundamentou-a na consideraçãode que o Brasil ‘poderia ser arguido injustamente que fosse, de ter qualquer interesse indireto, oudireto, próximo ou remoto’, pelo fato de ter firmado tratados de limites tanto com a Bolíviaquanto com o Paraguai, então tramitando constitucionalmente. A diplomacia brasileira evitava‘situações de relevo’, segundo o próprio chanceler, a fim de não ferir sua intenção de reforçar aposição de neutralidade. A Argentina absteve-se também de participar da comissão a qualparticipariam Bolívia, Cuba, México e Uruguai.

Pelo Tratado firmado com a Bolívia, em 1910, decorrente do Tratado de Petrópolis, o Brasil deralivre trânsito à Bolívia pelo seu território. Assim, não poderia recusar a passagem de armamentosboliviano comprados no exterior, pedida pelo país andino em 1928. Todavia, para melhor cumprira sua neutralidade, deu explicações ao Paraguai, além de lhe estender o que fora autorizado àBolívia.

Os norte-americanos abandonaram o problema em 1933, quando a questão foi transferida para aSDN. Getúlio Vargas, em 1933, decretou a observância da completa neutralidade durante aguerra entre os dois países vizinhos. Depois de várias tentativas de mediação (18, sendo 2 daSDN), O Brasil, na hora certa, e seguro do seu êxito, exerceu o papel de mediador no conflito,juntamente com outros países americanos, especialmente a Argentina. Foi assinado, em BsAs,pelos chanceleres da Bolívia e do Paraguai, o ‘Protocolo sobre a Convocação da Conferência daPaz, relativa ao conflito do Chaco’ pelo qual cessava o conflito armado. Os beligerantes emediadores assinaram, ainda na mesma data, o ‘Protocolo Adicional da Comissão Militar Neutrapara Frente de Operações do Chaco’. Finalmente, em julho de 1938, firmou-se em BsAs entre asnações litigantes o ‘Tratado Definitivo de Paz, Amizade e Limites’.

O Estado Novo: reflexos diplomáticos

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O advento do Estado Novo (novembro de 1937) foi bem acolhido em Berlim e em Roma, emrazão de sua identidade ideológica. Em Washington, houve apreensão, num primeiro momento,mas contrariamente ao que poderia indicar, o Brasil, no plano externo, não assumiu atitude queeventualmente pudesse levar a um alinhamento às potências do Eixo. Tanto é assim, que serecusou a fazer parte do Pacto Anti-Komintern.

Osvaldo Aranha, embora, de certa forma, alijado em Washington, foi convidado a participar dapasta das Relações Exteriores, onde ficou de 1938 até 1944. Aranha entrou prestigiado no governo,em razão do que pôde conduzir os negócios exteriores com mais liberdade que poderia supor. Elenão nutria simpatias pelo Eixo e era a favor do incremento das relações com os EUA.

Alemanha

É preciso distinguir as atividades da Ação Integralista Brasileira (AIB) de Plínio Salgado e aassociação desta com os teuto-brasileiros, no sul do país, daquelas de propaganda exercida pelaseção brasileira do Partido Nazista. Faz-se igualmente necessário marcar dois momentos: o daextinção dos partidos políticos (1937) e o da proibição de atividades políticas aos estrangeiros(1938). Pode-se perceber a admiração dos integralistas pelo nazismo. A representação alemã noBrasil manifestou, em 1935-1936, às autoridades de Berlim, o erro dos teuto-brasileiros em apoiaro integralismo, que ao apoiarem esse partido, eram a favor de uma ideologia nacionalista, o quetraria prejuízos à cultura alemã no sul do Brasil. Além disso, o integralismo advogava a fusão dasraças, contraindo, pois, as teorias racistas do Partido Nazista.

Crise diplomática não afetou as relações comerciais, principalmente no que diz respeito àsexportações de algodão.

Itália

O governo italiano mantinha diplomacia paralela, uma com o governo e outra com a AIB.

EUA

Quis evitar a maior interação do Brasil com a Alemanha nazista. Nesse sentido, o rompimento deVargas com a AIB e a colocação desta na ilegalidade, em dezembro de 1937, afora outrasconsiderações, contribuíram para tranquilizar o governo e a opinião norte-americanos. A partir de

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maio de 1938, as relações do Brasil com os EUA melhoraram ainda mais, não só em razão dapresença de Osvaldo Aranha à frente do Ministério, mas também por causa da crise nas relaçõescom a Alemanha.

O Brasil e a Segunda Guerra Mundial

Neutralidade e pragmatismo

O acompanhamento da difícil conjuntura era feito também com apreensão pelas autoridadesgovernamentais, que não vislumbravam a possibilidade de o eventual conflito ficar restrito aoespaço europeu. Em 29 de junho de 1939, o ministro das Relações Exteriores do Estado Novo,Osvaldo Aranha, apresentou a Vargas sua proposta de regras de neutralidade. Anteviudificuldades de o Brasil manter-se neutro. Sugeriu providências: ‘arregimentação da opiniãopública, economia de combustíveis e trigo, regularização de vencimentos de obrigaçõesinternacionais, constituição de stocks dos produtos indispensáveis e racionalização de seuconsumo e proibição de exportação de ferro.

A neutralidade foi violada mais de uma vez em razão da falta de capacidade militar do Brasil. OBrasil passou a apoiar a França e a Inglaterra, mas o Reich não reagiu, porque era melhor mantero Brasil neutro, assim como o resto da América Latina. No referente às relações comerciais, asimportações e exportações alemãs no Brasil sofreram acentuado declínio e, concomitantemente,houve sensível aumento no intercâmbio comercial com a Grã-Bretanha e os EUA.

O período entre 1935 e 1941 na história da política externa brasileira foi sintetizado por GersonMoura como de ‘equidistância pragmática’, pelo fato de o Brasil ter tirado proveito tanto dos EUAcomo da Alemanha. A retração da presença comercial da Alemanha na América do Sul, porcausa do conflito, e razões de ordem interna, inclusive a pressão popular, levou o Brasil aabandonar a equidistância, substituindo-a pelo alinhamento aos EUA. Mantinha com esse paíslivre-comércio e relacionamento assimétrico.

Quer-se-ia ainda reorganizar as Forças Armadas, inclusive para garantir o seu apoio ao EstadoNovo. O comércio compensado fazia crescer o intercâmbio comercial Brasil-Alemanha em níveisque preocupavam as autoridades norte-americanas, não só por razões econômicas, mas pelapossível influência que o Reich teria sobre o Brasil. Para acalmar os EUA, Osvaldo Aranha visitouos EUA para reafirmar a neutralidade brasileira e apoio aos EUA.

O objetivo era, por meio da assistência econômica, atrelar o Brasil ao sistema de poder dos EUA.

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O objetivo era, por meio da assistência econômica, atrelar o Brasil ao sistema de poder dos EUA.Tal objetivo não se limitava ao Brasil, pois fazia parte da política da Boa Vizinhança de Roosevelt.As cooperações militares foram aquém do esperado. Do lado brasileiro, a missão Aranha assinalao início do fim da ‘equidistância pragmática’.

Se no referente ao aspecto econômico e comercial as negociações caminharam com facilidade, norelativo ao militar as relações foram difíceis de ser encaminhadas. Pontos de discórdias residiamna não aceitação por parte brasileira da presença de norte-americanos no Nordeste do Brasil e narelutância dos EUA fornecerem armas para o Brasil. A concessão dada pelo governo à Panair doBrasil, empresa privada, em 1941, para construir e melhorar aeroportos no Litoral Norte eNordeste do país, significou importante colaboração aos EUA em termos estratégicos, conformeinformou depois em 1945, o general Leitão de Carvalho, ex-chefe de delegação brasileira àComissão Mista de Washington-Rio de Janeiro. Embora o Brasil mantivesse neutro no conflito,apontava solidariedade aos EUA.

Relações comerciais

Com a Alemanha, o Brasil praticou o comércio compensado, sistema em que importações eexportações eram feitas à base de troca de mercadorias, cujos valores eram contabilizados nas‘caixas de compensação de cada país’. Fez, em 1936, ajuste de compensação, visando aoincremento das vendas de algodão, café, cítricos, couro, tabaco e carnes. O Brasil passou a ocuparna América Latina, a posição de primeiro comprador de mercadorias alemãs. Tais acordos erabenéficos para o reaparelhamento das Forças Armadas, pois aproximavam as duas nações.

Com os EUA praticou o livre comércio. Assim, firmou com esses o tratado de 2 de fevereiro de1935, sob o princípio da cláusula de nação mais favorecida, num momento de dificuldades para aexportação do café.

Os EUA não só aceitaram o comércio compensado com a Alemanha, como concordaram emdispensar tratamento diferenciado ao pagamento da dívida brasileira.

O pragmatismo brasileiro no referente ao comércio exterior estendeu-se portanto até a eclosão doconflito. Este criou dificuldades às rotas marítimas alemãs e, ao mesmo tempo, aumentou o fluxode mercadorias em outras, modificando as direções e a estrutura do comércio exterior, conformejá afirmado. A guerra aumentou as reservas brasileiras não só em razão do crescimento dasexportações, como também pelas dificuldades que ele criou às importações.

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O projeto siderúrgico

Getúlio Vargas sentiu o momento e procurou, como contrapartida da cooperação, obtervantagens concretas para o desenvolvimento econômico nacional, como recursos e tecnologianorte-americanos para a construção de uma usina siderúrgica situada em Volta Redonda. A parda siderúrgica, havia o desejo de reequipas as Forças Armadas.

As negociações foram difíceis em 1930-1940. Getúlio Vargas fez discurso em cima doencouraçado, onde demonstrou simpatia aos governos totalitários. Esse discurso era, segundoVargas, para o plano interno, uma vez que no plano externo ele garantia que o Brasil não seafastaria da solidariedade pan-americana. A conjuntura internacional estava propícia, ouWashington coopera, ou abre-se caminho à cooperação alemã.

Osvaldo Aranha enviou aos EUA, em 25 de setembro, uma delegação que concluiu acordo entreos dois países, pelo qual os norte-americanos concediam ajuda financeira (por intermédio daEximbank) e tecnológica para a criação de uma usina siderúrgica no Brasil. Os governos dosEUA e do Brasil chegaram a um acordo sobre o fornecimento de café para o mercado norte-americano, a respeito da participação brasileira no mercado canadense de algodão e da venda deminerais estratégicos aos EUA.

A participação no conflito

A presença de tropas do Eixo no noroeste da África fez aumentar a importância do Nordestebrasileiro no sistema defensivo norte-americano.

Em 28 de janeiro de 1942, o Brasil rompe relações diplomáticas e comerciais com o Eixo, não semantes obter dos EUA promessas consistentes de que as Forças Armadas seria reequipadas.Argentina e Chile não rompem com o Eixo. Brasil apoia EUA em momento difícil para eles.

O fornecimento dos EUA, a elevação do crédito do Brasil e outras formas de cooperação tiveramcomo contrapartida, sobretudo, a venda de material estratégico, principalmente borracha eminerais. O projeto de desenvolvimento nacional passava pela siderurgia, segundo Vargas, assimcomo a segurança nacional passava pela industrialização, segundo os militares.

Como decorrência da intensa colaboração, os EUA venderam ao Brasil armas e munições a preços

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Como decorrência da intensa colaboração, os EUA venderam ao Brasil armas e munições a preçosinferiores ao custo, forneceram-lhe capital para assumir o controle de empresas de aviação alemãe italiana e, ainda, para o desenvolvimento da indústria extrativa mineral e vegetal de importânciamilitar.

Os EUA foram autorizados, em 1942, a proceder à modificações necessárias à utilização militarnas bases de Belém, Natal e Recife. Os dois países instituíram a Comissão Técnica Militar Mista eoutras formas de cooperação nos aspectos comercial e bancário, bem como cooperação paracombater espionagem.

Brasil declara estado de beligerância contra o Eixo, pois navios mercantes e de passageirosbrasileiros foram atacados. Ao lado dos Aliados, o Brasil forneceria matéria-prima para materialbélico aos EUA e ceder bases militares.

A participação direta do Brasil no conflito decorreu mais de sua vontade do que por solicitaçãodos EUA. A Grã-Bretanha era contrária mesmo à participação brasileira. Para os americanos, oBrasil já dava importante contribuição estratégica e o envio de suas tropas não estava nos planos.De acordo com os EUA, o Brasil teve papel secundário e dependente dos EUA nessa guerra.

Com a participação direta no conflito, o governo brasileiro procurou reequipar o Exército (omaterial ficaria no Brasil), aumentar o efetivo treinado, melhorar a indústria bélica e o sistema decomunicações, a fim de transformar o Brasil em uma ‘potência fortemente aparelhada para aguerra’.

Em termos materiais, a participação no conflito deixou saldo positivo ao Brasil. O Exército e aForça Aérea foram modernizados e equipados numa escala superior ao período imediatamenteanterior, com quadros de pessoal treinado em centros mais avançados que os nacionais. Aforaisso, é preciso considerar o aumento do prestígio internacional do país, figurando ao lado dosvitoriosos, e o aumento do componente de orgulho incorporado ao sentimento nacional.

Alinhamento e desenvolvimento associado (1946-1961)

Além da bipolaridade EUA-URSS e sua decorrente confrontação político-ideológica, havia aindaos problemas relativos à descolonização e a oposição entre países desenvolvidos esubdesenvolvidos. No imediato pós guerra-fria, o Brasil e a América Latina ficaram sob influênciadireta dos EUA, quer do ponto de vista político, quer sob o ponto de vista econômico e cultural. Oplano de influência norte-americano tinha objetivos mais amplos, que não se circunscreviam àconjuntura da guerra, tratava-se, pois, da conquista de mercados e do fortalecimento das relaçõeseconômicas visando ao crescimento da economia e à consolidação de sistema de poder dos EUA.

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O interesse norte-americano pela América Latina só iria ser despertado na conjuntura política queensejou a Operação Pan-Americana (OPA) do presidente Juscelino Kubitschek e, nomeadamente,pela revolução cubana, conforme mais adiante será visto. Brasil e EUA tinham concepçõesdiferentes sobre a cooperação para o desenvolvimento: enquanto o Brasil solicitava cooperaçãopolítica, os EUA entendiam que programas de desenvolvimento eram assuntos do BancoInternacional de Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD.

Em 1948, Brasil e EUA construíram uma comissão técnica destinada a estudar a situaçãoeconômica do país, bem como fazer sugestões objetivando o seu desenvolvimento.

Se os dois países divergiam na maneira de encaminhar a cooperação econômica, nos aspectospolítico e militar houve completo alinhamento na gestão do presidente Eurico Gaspar Dutra.Dutra foi o primeiro presidente a fazer visita oficial àquele país, em que retribuiu visita dopresidente Truman ao Brasil.

Um dos marcos do alinhamento do Brasil e da América Latina ao bloco liderado pelos EUA, nocontexto da Guerra Fria, foi a assinatura do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca(TIAR), no RJ, em 1947. O TIAR integrava o sistema interamericano ao sistema mundial e previamecanismos de manutenção da paz e segurança do hemisfério.

Além da elaboração do TIAR, na gestão Dutra, de seu chanceler Raul Fernandes, tomou-se outramedida de alcance no contexto da Guerra Fria e que mais ainda afastava o país do bloco do Leste:a ruptura das relações diplomáticas com a URSS.

Presidente /Chanceler

AnoSituação diplomática Rússia e URSS

Wenceslau Brás /Lauro Mueller

1917Reconhecimento do governo provisório da Rússia.Queda de Kerenski e a tomada dos sovietes asrelações entre os dois países se interromperam.

Wenceslau Brás 1918Embaixador do Brasil retira-se de Moscou e aEmbaixada Cumulativa torna-se a Embaixada emOslo

1920 Legação Russa no RJ fecha

Getúlio Vargas / 1945 Restabelecimento das relações diplomáticas com aURSS

1947

Cassação do registro do Partido ComunistaBrasileiro, a imprensa estatal soviética desferiuataque ao governo brasileiro. Governo brasileirorompe com a URSS. Embaixada norte-americanafica responsável por questões brasileiras em Moscou.

Ainda no que diz respeito ao alinhamento do Brasil ao bloco ocidental, cumpre mencionar o seuvoto na ONU em relação à China Popular. Em decorrência do movimento militar comunistacontra o Governo Nacionalista chefiado pelo marechal Chang Kai-Chek, o governo brasileiro

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fechou a embaixada na China e o consulado em Xangai. Brasil, com Osvaldo Aranha em NY,acompanhou voto dos EUA contra a entrada da China Popular na ONU.

O segundo governo Vargas e a pressão nacionalista

Na eleição que guindou Vargas novamente ao poder, realizada em outubro de 1950, e no decorrerde sua gestão (1951-1954), exacerbou-se o processo de polarização de tendências na opiniãonacional e nas Forças Armadas. O embate deu-se entre os nacionalistas e os ‘entreguistas’, pelofato de terem uma concepção mais liberal a respeito da participação do capital estrangeiro.

IV Reunião de Consulta dos Chanceleres Americanos (março/abril de 1951) = IV Reunião da OEA

Realizada a pedido do governo dos EUA, preocupado com a agressividade do comunismointernacional, que poderia provocar reflexos no hemisfério. O Brasil atuou multilateralmente,durante a consulta, e bilateralmente, ao pedir a criação de um organismo – integrado pormembros dos dois governos – de cooperação, ágil e sem entraves burocráticos. A reivindicaçãoculminou com a criação da Comissão Mista Brasil-EUA para o Desenvolvimento Econômico.

O tom reivindicatório das nações menos desenvolvidas no continente, em face dos EUA, fez comque se desse na conjuntura da II GM. Esse novo enfoque foi do governo brasileiro, uma vez que asua delegação liderou, no seio da conferência, o conjunto daquelas nações. Tal posturareivindicatória representou um marco, pois foi mantida nas gestões subsequentes à de Vargas, eadquiriu mais contundência no lançamento da Operação Pan-Americana (OPA), de JK, e naPolítica Externa Independente de Quadros e Goulart.

Enquanto os EUA, em face dos conflitos da Guerra Fria, estavam mais preocupados com a defesado hemisfério (tendo solicitado ajuda do Brasil na Guerra da Coreia), o Brasil via a necessidade dedesenvolvimento da América Latina como meio de se evitar a agressão interna, vale dizer, arevolução.

Comissão Mista Brasil-EUA

Instalada no RJ, em 1951, integrou técnicos e economistas dos 2 países e ficou encarregada deformular projetos para serem submetidos à apreciação de instituições financeiras, como o BIRD eo EXIMBANK.

Quando em funcionamento, Vargas tomou duas iniciativas de caráter nacionalista: a criação daPetrobras, em 1951, e a regulamentação da remessa de lucros pelas empresas estrangeirasestabelecidas no país, em 1952

Uma das críticas era a de que boa parte dos empréstimos do BIRD e do Eximbank foram parasubsidiárias americanas e que, além disso, exigia-se, como contrapartida, a aquisição de produtosprovenientes dos EUA. Com a eleição de Eisenhower, a Comissão Mista, que já apresentava falhasde funcionamento, desapareceu em razão da mudança de critérios da nova administração, sendoextinta, unilateralmente, em 1953, sepultado o relacionamento especial.

Resultados da Comissão

Ponto de vista técnico: estudos foram incorporados pelo Plano de Metas de JKNão apresentou os mesmos resultados se visto do ponto de vista políticoPlano Nacional de Reaparelhamento Econômico ou Plano Lafer, embora não aplicado

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integralmente.

O acordo militar e os minerais atômicos

A assistência militar colocava o Brasil numa situação de dependência dos Estados Unidos, noreferente à aquisição de equipamentos, bem como no treinamento para o seu uso. Em razão detais características, o ajuste chamou atenção à época, sendo entendido como ‘entreguista’ pelosnacionalistas.

A contribuição do Brasil na Guerra da Coreia, ficou, afinal, no fornecimento de mineraisestratégicos, mesmo porque o Brasil não estava preparado econômica e militarmente para umconflito. E cuidar da sua segurança interna pela via do desenvolvimento era, também, outraforma de o Brasil colaborar com o mundo livre.

Em 1952, o governo fez acordo com os EUA para a venda de minerais atômicos mediantepromessa de financiamento para a economia. O acordo militar, então em processo de negociaçãoentre os dois países, também contribuiu para a aceitação, pelo Brasil, do ajuste, segundo o qual eleforneceria, no prazo de 3 anos, 7500 toneladas de monazita e igual quantidade de sais de cério eterras raras.

Em 1954, o Brasil fez outro acordo com os EUA, em que exportaria tório em troca de trigo.

Fim do governo Vargas e a pressão norte-americana

A crise política interna passou a ter nas relações exteriores, fundamentalmente aquelas referentesaos EUA, um importante componente, na medida em que essas integravam a visão de mundo decada segmento, preocupado, de uma forma ou de outra, com o desenvolvimento nacional.

O hiato Café Filho

Com a ascensão de Café Filho no governo, ascenderam também pessoas que integravam umatendência mais simpática ao capital estrangeiro, tornando-se assim mais fácil o relacionamentocom os EUA.

Cooperação em Energia Atômica (1954-1956)

Assinatura de dois acordos, com finalidade pacífica “Átomos para a Paz”

1955: Acordo de cooperação sobre usos civis de energia atômica1955: Programa Conjunto de Cooperação para o Reconhecimento dos Recursos de Urânio noBrasil

Duas vertentes de opinião sobre a questão nuclear:

Nacionalistas: denunciaram a pressão diplomática sobre o Brasil na assinatura de tais ajustes.Criticavam a preferência dada aos EUA, pois apresentavam vantagens somente aos EUA enão ao Brasil.Entreguistas: a favor dos pactos com os EUA na área de energia atômica.

O hiato representado pelo governo Café Filho significou, em termos de política exterior,principalmente no que tange à relação com os EUA, um retorno ao período Dutra. Aindareferente à política atômica, o CNPq foi esvaziado de suas funções de negociador no exterior,

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passando essas ao Itamaraty, comandado por Raul Fernandes, ex-chanceler do presidente Dutra.

Juscelino Kubitschek: rumo à diplomacia brasileira contemporânea

O nacional-desenvolvimento, nítido a partir da gestão de JK, passou a informar e a ser, portanto, achave para a compensação das relações internacionais do Brasil. O projeto desenvolvimentista deJK previa ampla colaboração do capital estrangeiro. Desse modo, a frente externa ocupou lugarfundamental na luta contra o subdesenvolvimento, o que deu novo alcance e significado à políticaexterior, sem abandonar os princípios jurídicos e os ideais internacionais.

O fomento das exportações ligava-se ao aumento da capacidade de importação do país. Aexportação foi estimulada, segundo JK, que a balança comercial, deficitária em 1959, teve suasituação invertida. Para JK, a entrada de capitais significava confiança do investidor nodesenvolvimento econômico e na estabilidade política do país.

Operação Pan-Americana

Tese: cooperação internacional de âmbito hemisférico, na qual o desenvolvimento e o fim damiséria seriam as maneiras mais eficazes de se evitar a penetração de ideologias exóticas eantidemocráticas, que se apresentavam como soluções para países atrasados.

1958: Os fundamentos da OPA estão em três documentos básicos

Discurso presidencial de 1958Aide-mémoire enviado aos governos americanosEstudos Econômicos da Operação Pan-americana

Objetivo: luta contra o subdesenvolvimento em sentido global, e não especificamente econômico.‘A operação pan-americana não é assim um simples programa, mas toda uma política’.

1960: criação do BID; constituição da OPA incentivou a sua criação.

1960: Criação da ALALC, Tratado de Montevidéu, cujos objetivos eram a estabilidade e aampliação do intercâmbio comercial, desenvolvimento de novas atividades, aumento da produçãoe substituição das importações dos países não membros. Foi uma união aduaneira.

Críticas da OPA e do BID por Osvaldo Aranha: falta de conversão das propostas da OPA emresultados práticos. BID: espécie de cooperativa de necessidade. Aranha propunha umcrescimento ordenado que não excluísse a agricultura e a reforma agrária.

Relações bilaterais com os Estados Unidos

Comércio, empréstimos, ruptura com o FMI e acordo de cooperação para usos civis de energiaatômica.

Defesa da agroexportação

Pleiteava o Brasil a ‘liberalização de intercâmbio e redução dos direitos aduaneiros entre aAmérica Latina e os seis Estados da CEE’. Reclamava, também, o memorando a estabilização dopreço das matérias-primas e contratos a longo prazo, do comércio de bens entre aqueles e aAmérica latina; e propunha uma coordenação dos investimentos e da cooperação técnica.

Page 51: Fichamento Amado Cervo

A existência de estoques excedentes de café, a carência de petróleo e o início da coexistênciapacífica entre as duas superpotências mundiais levaram a uma aproximação comercial do Brasilcom a URSS implementada pelo chanceler Horácio Lafer. Em 1959, o Brasil restabelece relaçõescomerciais e diplomáticas com a URSS, interrompidas em 1947.

África e Ásia

África: o Brasil não deu a atenção devida e na ONU seguiu voto das nações colonialistas. O Brasilpriorizava o contexto regional.

O Brasil reconhece a importância desses países e abre representações diplomáticas junto aos seusgovernos, e no apoio, nos organismos internacionais, das teses relativas ao desenvolvimentoeconômico. Em 1960, foram estabelecidas relações diplomáticas com a República da Coreia eCeilão (Sri Lanka) – Embaixadas Cumulativas em Tóquio e Nova Delhi.

Os acordos de Roboré

Cronologia das relações entre Brasil e Bolívia

- 1867: Tratado de paz de Ayacucho

- 1903: Tratado de Petrópolis

- 1938: Assinatura de dois tratados sobre vinculação ferroviária e sobre a exploração do petróleo

- 1952: Delimitação de área de exploração pela Comissão Mista Brasileiro-boliviana de Petróleo

- 1952: Assinatura de Carta Reversal, em que o Brasil enviaria 4 milhões de dólares para aComissão

- 1955: Bolíva repôs a questão ao presidente Café Filho, Brasil recebe “Memorandum PazEstenssoro”

A Bolívia pedia ao Brasil uma rápida definição sobre a exploração do petróleo pela ComissãoMista Brasil-Bolívia. Numa atmosfera de crítica, tanto em La Paz quanto no Rio, o embaixadordo Brasil acreditado na capital boliviana, Teixeira Soares, propôs a negociação global das relaçõesentre os dois países, aceita por Siles Suazo, o novo presidente da Bolívia.

Foram assinadas 31 cartas reversais, que não favoreciam o Brasil, segundo os nacionalistas.

Conclusões

A Política Externa Brasileira ganhou notoriedade nos planos externo e interno, no momentoem que propôs a OPAAssentaram-se as bases para a PEIDespertara interesse nacional em razão, sobretudo, do seu desenvolvimento econômico e dainauguração de BrasíliaEsforços em divulgar o país externamente, por meio de serviços ligados à difusão cultural,acordos culturais e turismoBatalhão de Suez, Força Expedicionária das Nações Unidas, I Assembleia Especial da ONU,para atuação na Faixa de GazaO Brasil apoiou, na ONU, o princípio de autodeterminação dos povos

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A Política Externa Independente do apogeu do populismo (1961-1964)

A política exterior inaugurada por Jânio Quadros possuía um caráter pragmatista, pois buscavaos interesses do país sem preconceitos ideológicos; e, para melhor consecução desses objetivos,adotava postura independente em face de outras nações que tinham relacionamento preferencialcom o Brasil. A PEI, calcada no nacionalismo, não só ampliou a política de JK em termos degeografia, como também enfatizou as relações Norte-Sul. O nacionalismo, aliás, foi elementoimportante na campanha presidencial de 1960 e, nesta, as posições de Jânio em matéria de políticaexterior aglutinavam as principais tendências políticas nacionais.

O governo que inaugurou a nova política externa teve a intenção de promover a abertura para aÁfrica e concomitante afastamento, na ONU, das posições de Portugal salazarista, que praticavao colonialismo. A busca de maior liberdade de movimentos no concerto internacional foiacompanhada de um componente de frieza nas relações com os EUA. Isso foi ressaltado como umaspecto negativo da PEI, pois o país não podia prescindir da colaboração norte-americana, pois orelacionamento com a URSS era, de certa forma, precário.

Alinham-se com os fundamentos da PEI = Política Nacional de desenvolvimento

Mundialização das relações internacionais do Brasil, isto é, não circunscrevê-las às Américas eà Europa OcidentalAtuação isenta de compromissos ideológicos, não obstante a afirmação de que o Brasil fazparte do OcidenteÊnfase na bissegmentação do mundo entre Norte e Sul e não Leste-OesteBusca da ampliação das relações internacionais do Brasil com objetivos comerciais, o queexplica a procura da Europa Oriental e do OrienteDesejo de participação nas discussões internacionaisLuta pelo desenvolvimento, pela paz e pelo desarmamentoAdoção de posição claramente contrária à realização de experiências nuclearesAdoção dos princípios da autodeterminação dos povos e da não-intervençãoAproximação com a Argentina em nível mais elevado do que então já se encontrava

Jânio Quadros (31 de janeiro / 25 de agosto de 1961)

As concepções de Jânio em matéria de política externa não se esgotam, todavia, no seu aspectoeconômico, pragmático, ligado ao desenvolvimento. Os princípios de autodeterminação e da nãointervenção seriam o norte das relações do Brasil no contexto hemisférico e mundial. Assim, naquestão de Cuba, defendia o direito à sua soberania.

Para Jânio, o apoio que o Brasil dera até então ao colonialismo na ONU fora ‘uma equivocadaposição’, que suscitava ‘um descrédito justificável da política brasileira’. O Brasil deveria ser o eloentre a África e o Ocidente.

Europa Oriental

As exportações para os países do bloco soviético aumentam, bem como as importaçõesprovenientes de lá. Em 1961, o Brasil restabelece relações diplomáticas com a Hungria, aRomênia, Bulgária e Albânia, interrompidas na Segunda Guerra.

A missão de João Dantas foi bastante frutífera e deixou um saldo de 7 acordos, com diferentes

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A missão de João Dantas foi bastante frutífera e deixou um saldo de 7 acordos, com diferentespaíses, que visavam a troca de matérias-primas por produtos industriais (café, algodão à produtosquímicos e máquinas agrícolas).

URSS e China

URSS: Criação de delegações comerciais permanentes em Moscou e no Rio, aumentando para 8milhões de dólares o limite de crédito técnico e possibilidade de mútua concessão de crédito.

China: envio de missão comercial, chefiada por Jango.

Nações afro-asiáticas

O ministro das relações exteriores, Afonso Arinos, concebia que ao Brasil – pelas suascaracterísticas étnicas e culturais – estava reservada o papel de destaque no mundo afro-asiático,integrado por nações subdesenvolvidas, muitas delas recém-saídas do estatuto colonial.

Brasil, na ONU, prometia adotar linha própria de apoio ao anticolonialismo e afastamento dadelegação portuguesa, nesse aspecto.

A política de Jânio, entretanto, sofreu críticas, principalmente, no concernente à abstenção do votobrasileira na ONU em relação à questões angolanas e argelinas.

O contexto hemisférico

País Acordo / Contexto

EUA 1961: III Acordo sobre Produtos Agrícolas – empréstimo pelos EUA paraaplicação em programas de desenvolvimento, sendo 20% para oNordeste

Cuba Brasil não apoia os EUA quando este país interveio em Cuba.

Argentina Acordo cultural, duas declarações (econômica e política) e o Convênio deAmizade e Consulta pelo qual se instituiria um sistema de troca deinformações e coordenação da atuação internacional.

1961: começou a se reunir o Grupo Misto de Cooperação IndustrialBrasil-Argentina, criado em 1958

RepúblicaDominicana

1961: Interrupção das relações diplomáticas, mas não consulares, emdecorrência de decisão da VI Reunião de Consulta dos Ministros dasRelações Exteriores das Repúblicas Americanas.

Aliança para o Progresso

O governo norte-americano prometeu destinar 20 bilhões de dólares à Aliança para seremempregados em programas de desenvolvimento da América Latina no decorrer dos entãopróximos dez anos. O governo cubano não subscreveu a carta e Che Guevara recebe a ordem docruzeiro do sul em Brasília.

O Plano de Cooperação econômica norte-americano contido na Aliança corresponde a umaresposta à aceitação da Operação Pan-Americana formulada por JK.

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Aliança para o Progresso e Plano Marshall: menor quantidade do fluxo de recursos, mas tambémporque promoveria ‘utilização melhor das capacidades’ da economia norte-americana, então comdesemprego e excesso de produtos alimentícios.

Reação interna e continuidade

A administração Jânio Quadros assumia duplo caráter, cujos elementos eram aparentementeconflitantes. No plano interno, a ortodoxia adotada para estabilizar a economia, bem como outrasmedidas administrativas, eram de natureza conservadora. No externo, por tudo que foi expostoaté aqui, a administração mostrava-se avançada, o que agradava às esquerdas e aos nacionalistas.Com efeito, em razão do seu estilo próprio de governar, Jânio apresentou sua política externa demodo que lhe rendesse dividendos políticos internos.

Jânio defendeu:

A revolução cubanaReatamento com a URSSVisitou Cuba

Sua política externa desagradou a UDN e às lideranças conservadoras com grande poder de fogo,como Carlos Lacerda. Embora a crise política no governo Jânio tenha acarretado os rumos dopaís, o mesmo não aconteceu com a Política Externa.

San Tiago Dantas deu continuidade à PEI.

João Goulart-Parlamentarismo (7 de setembro de 1961/ 31 de março de 1964)

San Tiago Dantas

Não obstante fosse oposicionista, fora designado por Jânio Quadros para chefiar a embaixadajunto à ONU. Implantado o parlamentarismo no Brasil, assumiu o MRE sucedendo a AfonsoArinos. Não só deu continuidade à PEI, como se tornou um dos mais importantes formuladoresdela. A PEI, de início, fora um critério geral e tinha as seguintes diretrizes:

Contribuição à preservação da paz, por meio da prática da coexistência e do apoio aodesarmamento geral e progressivoReafirmação e fortalecimento dos princípios de não-intervenção e autodeterminação dos povosAmpliação do mercado externo brasileiro mediante o desarmamento tarifário da AméricaLatina e a intensificação das relações comerciais com todos os países, inclusive os socialistasApoio à emancipação dos territórios não-autônomos, seja qual for a forma jurídica utilizadapara sua sujeição à metrópole

- Política de autoformulação dos planos de desenvolvimento econômico e de prestação e aceitaçãode ajuda internacional.

A ampliação do mercado externo para os produtos brasileiros constitui uma das preocupaçõesbásicas da PEI, vista como necessária para aumentar a capacidade de importação do país e fazerface ao imperativo de se lhe aumentar o PNB.

Segundo San Tiago Dantas, o pan-americanismo era um instrumento de luta pela emancipaçãoeconômica e social das nações deste hemisfério, pois estava ultrapassada sua fase jurídico-política.

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Argentina: propunha uma política de cooperação e afetoCuba: defendia o princípio da não-intervenção

Cabe ainda ressaltar a adoção de uma posição de independência em relação a blocos. Com efeito,na ONU, o Brasil prometia votar caso a caso, segundo os objetivos permanentes da políticainternacional do Brasil e na defesa de seus interesses. Tal atitude desinibia o governo brasileiro naprocura do que se designava por normalização das relações comerciais e diplomáticas com todosos países.

Brasil-Argentina

No contexto hemisfério, a política de San Tiago reafirmou o relacionamento internacional semdiscriminações, contrário a blocos, na base de absoluta igualdade. As relações com a Argentinativeram início com Jânio Quadros, que fora substanciado nos acordos de Uruguaiana,instrumentos de cooperação que, entre outras coisas, estabeleceram o sistema de consultasrecíprocas.

Em visita a Buenos Aires, San Tiago Dantas assinou junto com o ministro das RE argentinoMiguel Angel Cárcano, uma declaração conjunta (15 de novembro de 1961), reafirmando osprincípios da Declaração de Uruguaiana. Constava 11 pontos nos quais os dois governosmanifestaram concordância a respeito de questões relativas à ordem internacional, à salvaguardada democracia e à promoção do desenvolvimento, entre outros, incluindo tratados de extradição eassistência gratuita.

Em discurso pronunciado na Academia Nacional de Buenos Aires, San Tiago Dantas, depois defalar na superação dos antagonismos, afirmou que os dados econômicos apontavam no sentido daintegração. Não só pelo que tinha de complementar entre as duas economias, mas também peloque representaria a integração dos dois mercados. Brasil e Argentina seriam o núcleo de umgrande mercado latino-americano. A cooperação deveria ser estendida para a área cultural ecientífica.

O presidente argentino foi deposto e com isso houve interrupção do espírito de Uruguaiana e daaproximação iniciada em 1958.

Aliança para o progresso e Estados Unidos

Ao estudar-se a Aliança para o Progresso, não se pode perder de vista que no Brasil o momento éo do nacional-desenvolvimentismo e do populismo. Não abriria mão, pois, o país da suaautonomia de planejá-lo e receber apoio técnico e econômico externo que se conformasse com oplanejamento nacional. A Aliança não produzia os efeitos esperados. Em 1962, o ex-presidente JK,junto com os ex-presidentes das outras nações latino-americanas, foram convidados a encontrar osproblemas pelos quais passavam o programa. Foi concluído: Perda de substância do comércioexterior da América Latina, causa primeira de todos os males que afligem o continente.

Em visita aos EUA, João Goulart afirmou que a inflação observada nos países da América Latinadecorria ainda da guerra, mas tais países não tiveram a seu favor nenhum plano de cooperaçãointernacional como tivera a Europa no período de 1948-1952. Reclamou ainda da deterioração dostermos de troca entre produtos primários e manufaturados. Acolheu com simpatia a Aliança, masressalvou ter receio à sua execução.

A solicitação de empréstimo para SUDENE, pedido feito por Celso Furtado, não veio.

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A solicitação de empréstimo para SUDENE, pedido feito por Celso Furtado, não veio.Diminuíram os investimentos estrangeiros no país e caiu pela metade, em 1962-1963, a ajudafinanceira norte-americana, exceto para Carlos Lacerda, governador do estado da Guanabara.

O quadro interno brasileiro era difícil, agravado pelo aumento da inflação, dos déficits públicos edo balanço de pagamentos. San Tiago Dantas, o novo ministro da Fazenda de João Goulart logoapós a abolição do parlamentarismo, obteve, em março de 1963, em Washington, um crédito de398,5 milhões de dólares, mas condicionada sua maior parte à adoção de medidas de controle daeconomia e saneamento financeiro. Apenas 84 milhões tiveram liberação imediata.

A questão cubana

Com relação a Cuba, o governo brasileiro manterá atitude de defesa intransigente do princípio denão-intervenção, e por considerar indevida a ingerência de qualquer outro estado, seja por quepretexto for, nos negócios internos.

No Congresso, repercutia a atenção que a opinião nacional dava ao posicionamento brasileiro emface da nova situação de Cuba e à posição desse país na comunidade americana de nações. Oexame da expulsão do governo cubano do sistema interamericano foi objeto da VII Reunião deConsulta dos Ministros das Relações Exteriores, ocorrida em Punta del Este, e convocada porResolução do Conselho da OEA. O governo brasileiro não abandonou nessa reunião os princípiosacima aludidos. Sua posição, contudo, foi conciliatória. Buscou uma solução pacífica que secoadunava, inclusive, com sua concepção de que a questão cubana situava-se no contexto daGuerra Fria e, em razão disso, dever-se-ia trabalhar pelo abrandamento das tensões.

San Tiago Dantas propunha a ‘elaboração do estatuto das relações entre Cuba e o hemisfério esobre o qual, ouvidas as partes, se pronunciaria o Conselho da OEA’. Tal solução preservaria oprincípio da não-intervenção e, ao mesmo tempo, poderia ‘como recurso final’ criar ‘condições deneutralização do regime instaurado em bases jurídicas válidas, semelhantes às que se têmestabelecido ou proposto em outras áreas do mundo’. Em síntese, a posição brasileira visariarespeitar o princípio de não-intervenção e ao mesmo tempo, para a defesa da democracia nocontinente, neutralizar o regime cubano por meio de um estatuto que regulasse as suas relaçõescom o restante da América.

Pressões internas, inclusive de ex-ministros, para o rompimento de relações diplomáticas comCuba.

Apesar de San Tiago Dantas ter se sentido vitorioso pelo que se deixou de cotar na VIII Reunião deConsulta e por esta ter reconhecido que reivindicações sindicais não deveriam ser confundidascom movimento comunista, o fato é que a proposta brasileira não teve acolhida, e Cuba foiexcluída da OEA. O voto do Brasil foi de abstenção, juntamente com os da Argentina, México,Chile, Equador e Bolívia.

San Tiago definiu perante a VIII Reunião a posição do Brasil, de cujos principais pontos sedestacam:Reiteração da necessidade do fortalecimento da democracia na sua competição com ocomunismo internacionalDefesa da posição de que a questão não era de invocação do Tratado do Rio de JaneiroAfirmação de que não se lutasse contra o subdesenvolvimento e por uma melhor distribuiçãosocial da riqueza

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Preocupação com a paz mundial e o consequente desejo de contribuir para a diminuição datensão internacional.Reafirmou que o isolamento levaria Cuba ainda mais para o bloco sino-soviético pela falta decontato político, econômico e cultural com o OcidenteReforçamento de vínculos já existentes

A posição brasileira era conciliadora, até porque tratava da necessidade de se preservar ocontinente de outra forma de intervenção, a de infiltração ideológica ou subversiva.

Boa parte da imprensa nacional não se mostrava favorável ao rumo da revolução cubana,contrário aos princípios democráticos, mas apoiou a posição da chancelaria brasileira na defesa danão-intervenção e da autodeterminação dos povos, mesmo porque, se o Brasil divergiu quanto àssanções à Cuba, fechou com o restante das representações americanas na condenação docomunismo internacional.

San Tiago Dantas, em discurso, reiterou que a saída de Cuba da OEA não interferiria em suaorganização interna, uma vez que seus laços ideológicos encontravam-se na URSS.

A questão de Angola

Afonso Arinos, chefe da delegação junto à ONU, defendeu que a posição brasileira era contra oanticolonialismo, mas também, possuía laços de amizade que o ligavam a Portugal.

A representação brasileira, assim, reiterava os termos da amizade portuguesa e ao mesmo tempoapoiava Angola na busca da sua autodeterminação.

A opinião de San Tiago Dantas a respeito da independência de Angola era moderada. Conciliar oprincípio da autodeterminação dos povos, bem como manter laços históricos com Portugal eradifícil, no quadro conjuntural.

O restabelecimento de relações diplomáticas com a URSS

O reatamento das relações com a URSS foi um dos assuntos mais polêmicos, junto com a defesade Cuba, na PEI. A aproximação teve sequencia na primeira gestão de Afonso Arinos e culminoucom San Tiago, quando em 1961, foram restabelecidas, interrompidas em 1947. Ambas asmissões tiveram categoria de embaixada.

Isso decorria da universalização das relações internacionais do Brasil, necessária à ampliação domercado para os seus produtos e, também, da intenção de contribuir para a coexistência e, comesta, para a causa da paz.

O comércio do Brasil com a URSS, no período de 1959 a 1961, teria sido inexpressivo e deficitário.

A PEI não negava a importância dos EUA para as relações comerciais e para a cooperaçãoeconômica brasileiras, conforme explanou San Tiago Dantas para a Câmara dos Deputados. Mas,os rótulos, a simbologia, o antiamericanismo – que agradava ao nacional-populismo-desenvolvimentista-, ficaram associados à PEI.

Conferência do Desarmamento em Genebra

Brasil e México foram escolhidos pela ONU para integrar a Comissão de Desarmamento,

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Brasil e México foram escolhidos pela ONU para integrar a Comissão de Desarmamento,representando os respectivos segmentos continentais. Ambos países adotaram ‘posição deequidistância’ no conflito Leste-Oeste.

O Brasil ‘em lugar do binômio desarmamento e inspeção, propôs o trinômio desarmamento,inspeção e reconversão econômica’.

Afonso Arinos solicitou a guerra contra a guerra, que só pode ser ganha pela deposição de todasas armas, pelo desarmamento geral e completo. Insistiu no ponto de vista de que a confiança eraindispensável tanto na redação quanto na execução de um tratado sobre desarmamento.

A última etapa

Após San Tiago Dantas, a pasta foi ocupada novamente por Afonso Arinos, no curto período dejunho a setembro de 1962. San Tiago sofreu tal desgaste junto aos dois grandes partidos – PSD eUDN -, que a não aceitação do seu nome para a função de primeiro-ministro deveu-se à suapolítica externa.

Em 24 de setembro, Hermes Lima assume a pasta. Logo depois, o sistema internacional passoupor grave momento de tensão em razão da crise dos mísseis e do bloqueio naval de Cubadeterminado por Kennedy. O governo brasileiro votou favoravelmente ao bloqueio, mas manteve-se contrário à intervenção militar.

Apesar dos receios que despertou entre os segmentos conservadores, sua atuação foi moderada.Nos organismos internacionais, destacou-se na defesa dos países subdesenvolvidos, e nasnegociações sobre desarmamento teve atuação conciliadora. Com referência à África, houveretorno. O anti-colonialismo restringiu-se à retórica, em favor de uma política cordial comPortugal, chegando-se mesmo a advogar a tese da independência ordenada das nações africanas,com a colaboração das nações colonizadoras.

João Goulart teve dois ministros na pasta do Exterior: o jurista Evandro Cavalcanti Lins e Silva eJoão Augusto de Araújo Castro. Araújo Castro atribuía papel relevante à ONU na promoção dodesenvolvimento econômico e social. Os desníveis de riqueza entre desenvolvidos esubdesenvolvidos eram crescentes. A luta pelo desenvolvimento cabia, inclusive e de maneiraimportante, à ONU, cujas atividades, nesse aspecto, deveriam ‘atender a três áreas prioritárias: aindustrialização, a mobilização do capital para o desenvolvimento e o comércio internacional’.

As relações bilaterais Brasil-Estados Unidos (1945-1964)

É preciso observar que ao longo do período 1945-1964, salvo parte da gestão João Goulart e outrosmomentos específicos, manteve-se a tradicional política de amizade e aproximação entre os doispaíses. Os desentendimentos conjunturais não podem encobrir a observação de que as relaçõesque o Brasil manteve com os EUA foram, sem dúvida, as mais importantes no conjunto de suapolítica exterior. Isso porque os norte-americanos continuaram sendo os principais parceiroscomerciais, bem como os maiores fornecedores de investimentos para o país, que, por isso mesmo,ficava em posição vulnerável nas suas relações com eles.

As reivindicações do Brasil, decorrentes de sua necessidade de desenvolvimento, foram o principalitem na agenda das suas relações bilaterais com os EUA durante o período considerado. Ainsistência na necessidade da ajuda norte-americana não foi inaugurada na segunda gestão deVargas; é observada já na gestão Dutra/Raul Fernandes.

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Quadro síntese

Período Relações com os EUA

Dutra Permaneceu alinhado diplomaticamente, dando continuidade à aliançahavida entre os dois países durante o segundo conflito mundial.

Houve descompasso nas relações entre ambos, pois o Brasil não viu acolaboração política traduzida em uma colaboração econômica com elacompatível ou mesmo próxima do nível de assistência econômica que osEUA prestavam a outros países.

Vargas Observa-se certa ambiguidade na política do Brasil em relação ao ex-aliado.Se de um lado firma o acordo militar, autoriza a exportação de mineraisestratégicos e instala-se a Comissão Mista Brasil-EUA para oDesenvolvimento Econômico, de outro tomou atitudes nacionalistas desentido oposto, como a lei de remessa de lucros e a lei de criação daPetrobras, que impedia a participação de estrangeiros na pesquisa, lavra,refino e distribuição do petróleo.

Ressalta-se o tom reivindicatório do Brasil perante os EUA.

O Brasil procurou usar os minerais estratégicos, principalmente os atômicos,como meio de barganha para a obtenção de financiamentos para os projetosde modernização da economia.

Café Filho Bom relacionamento com os EUA, visível principalmente na cooperaçãoatômica e nos empréstimos obtidos dos bancos particulares.

JuscelinoKubitschek

Avanço e recuo no relativo à cooperação na área atômica e das dificuldadescomerciais em razão da queda nas exportações brasileiras e da deterioraçãodos termos de troca, o tema mais importante refere-se à captação de recursosdestinados ao seu projeto desenvolvimentista. JK procurou tanto pela viaunilateral como pela via multilateral (OPA). JK rompe com o FMI. Nocontexto de maior aproximação do Brasil aos EUA (devido à opçãocomunista cubana), o FMI abrandou as exigências referentes ao controlemonetário, facilitando o acesso aos financiamentos.

Jânio Quadros Aplicou ao país rígido plano de austeridade financeira que lhe facilitou aobtenção de empréstimos internacionais, sobretudo dos EUA. Evitou-se oenvolvimento com Cuba.

João Goulart Início do processo de deterioração. Além de questões concretas, como asencampações de subsidiárias estrangeiras instaladas no país, preocupavam-se os EUA com os rumos da administração Goulart, que passou ser um riscoideológico. A prática de uma PEI levava a um distanciamento entre os doispaíses nos órgãos multilaterais, como o observado por ocasião da VIIIReunião de Consulta da OEA, que exclui Cuba dessa organização. Odistanciamento aumentou também devido aos embaraços que se criavam noBrasil aos capitais estrangeiros e às pressões internas sofridas por ambos os

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governos.

As relações durante a PEI

Principais pontos de divergência

Desapropriação da filial da ITT (International Telephone and Telegraph), levada a efeito porLeonel BrizolaAs exigências do FMI e do governo norte-americano para liberação de financiamentosLei de remessa de lucros votada pelo Congresso

Com o crescimento das divergências, os EUA passaram a intervir na política interna brasileira, aexemplo de ajuda financeira à candidatos anticomunistas, principalmente no Nordeste, onde setentou impedir a vitória de Miguel Arraes.

Em 1963, o Acordo Bell-San Tiago Dantas foi firmado. San Tiago Dantas como ministro daFazenda.

O governo Goulart não conseguiu colocar o acordo totalmente em prática, principalmente após asubstituição de todo o seu ministério, em meados de 1963. A queda de San Tiago Dantas daFazenda marcou um novo momento nas relações BR-EUA. Os EUA mudaram o caráter deassistência financeira, passando a conceder ‘empréstimos para projetos’, a fim de atende-las poreles designadas ‘ilhas de sanidade administrativa’, vale dizer, estados ou municípios específicosque atuavam na direção proposta pela Aliança para o Progresso.

Os EUA e o golpe de 64

Conforme informações recebidas por Goulart, o embaixador dos EUA, Lincoln Gordon, mantinhacontatos com o oposicionista Carlos Lacerda e empresários que conspiravam contra o seugoverno.

A ajuda econômica estadunidense favoreceu forças opositoras a Goulart.

Cumpre observar que, se durante a gestão de Jânio Quadros a PEI pôde ser usada comoinstrumento de barganha diante dos EUA (o chamado ‘neutralismo tático’), o mesmo não ocorreucom João Goulart, pois era vista como esquerdista, o que o fez perder seu poder de barganha. Nãose pode também perder de vista que, após a crise dos mísseis de Cuba, em outubro de 1962, pontoalto da Guerra Fria, abrandamento da bipolaridade retirou a possibilidade de se praticar um‘neutralismo tático’ eficiente.

Com referência ao golpe de 64, a conclusão é de que os EUA não se envolveram diretamente emsua elaboração, mas dele tinham conhecimento, bem como o acompanharam com óbvio interessee estavam preparados para um eventual apoio aos sublevados caso fosse necessário (BrotherSam). Além disso, acolheram o novo governo com satisfação e inauguraram com este umapolítica de apoio e colaboração.

A frustrada ‘correção de rumos’ e o projeto desenvolvimentista

Page 61: Fichamento Amado Cervo

O regime militar que se instalou no Brasil, em abril de 1964, estabeleceu um padrão de relaçõesexternas, com o qual veio a romper em 1967, ao engajar-se em projeto de longo prazo, cujacontinuidade não foi comprometida pelo governo civil, restabelecido em 1985.

Sabendo possível poder utilizar da política exterior para obter sucesso em questões internas,converteram-se no vetor da política externa, portanto, destinada a criar e viabilizar os meios comque viessem a se articular a participação externa, suas modalidades e sua intensidade, com aintervenção reguladora ou empreendedora do Estado e a dinâmica da sociedade.

Nessas condições de valorizar as conquistas nacionais em detrimento da observância dos preceitosinternacionais, inseridos na conjuntura da Guerra Fria, a prática, dessa forma, postulava poróbvio, o sacrifício de valores e ideias abstratas, em benefício do realismo e do pragmatismo.

Como país de desenvolvimento intermediário, tinha o Brasil limitadas chances de ganhosconcretos, ao mover-se externamente, caso não investisse com imaginação criadora por sobre osdesafios e as armadilhas do sistema internacional. Tanto é verdade que, após um período de êxitosincontestáveis, o modelo de política externa, conquanto se mantivesse no plano das intenções,perdeu força operativa a partir de 1980, no que tange à capacidade de subsidiar odesenvolvimento auto-sustentado, e nem o regime civil foi capaz de revitalizá-lo.

Opinião do Amado Cervo

A política exterior perdeu seu norte desde 1990, caracterizando-se pela disperso operacional entreos interessados do desenvolvimento e a subserviência às novas estruturas e formas do poderglobal.

A correção de 1964: um passo fora da cadência

Ao assumir a presidência da República, em abril de 1964, o general Castello Branco juntamentecom seu ministro das Relações Exteriores, Vasco Leitão da Cunha, propuseram-se a desmantelaros princípios que regiam a Política Externa Independente, tais como o nacionalismo, base daindustrialização, o ideário da Operação Pan-Americana e a autonomia do Brasil em face dadivisão bipolar do mundo e da hegemonia norte-americana sobre a América Latina.

A correção de rumos (aggiornamento) que o novo regime buscou imprimir à política externa

Page 62: Fichamento Amado Cervo

A correção de rumos (aggiornamento) que o novo regime buscou imprimir à política externacompreendia, por um lado, a catarse da conduta anterior e, por outro, novos padrõessubstitutivos. Julgou-se necessário retificar o ‘curso sinuoso’ que, sob ‘rótulos variados’, haviadesviado a política externa de suas origens. A Chancelaria e a Presidência abriram fogo contra aPEI, deturpada e sem utilidade descritiva em face da realidade bipolar; contra a políticaneutralista, que não servia a um país extremamente ativo como o Brasil; contra o nacionalismoprejudicial, que se afugentava o capital estrangeiro; contra a estatização, que obstruía suapenetração e o desenvolvimento da livre empresa; e contra a ruptura de laços afetivos e políticoscom Portugal e com o Ocidente, em nome do anticolonialismo.

Objetivos da Política Exterior Brasileira entre 1964-1967:

A bipolaridade: Castello tomou a bipolaridade como o dado da realidade determinante dascondições objetivas e da vontade: ‘pressupões a aceitação de certo grau de interdependência,quer no campo militar, quer no econômico, quer no político’. As relações com os EUA,prioritárias nesse esquema, destinavam-se, após a limpeza de posições ambíguas, a cruzar osinteresses econômicos e comerciais com a afinidade política e a segurança coletiva. A opçãobásica pelo Ocidente significava, portanto, o alinhamento brasileiro com o bloco do Oeste, emtermos de relações prioritárias.A abertura do capital estrangeiro: O governo Castello Branco propôs-se então a criar asreferidas condições, com a finalidade de induzir o desenvolvimento pelo livre jogo do mercado,sem Estado e sem fronteiras.A contradição: O alinhamento com o Ocidente e os EUA não implicaria ruptura com ‘asvelhas tendências universais do país’ e tampouco ‘adesão prévia à política de qualquer dasgrandes potências’. A abertura econômica envolveria o acolhimento ‘ordenado’ do capitalestrangeiro e a luta pela reforma da ordem internacional do capitalismo.

O projeto de política externa de Castello Branco assim elaborado teve vida curta e apresentouresultados efêmeros, porque não marchava com o tempo nem veio a corresponder em escalaaceitável a necessidades, interesse e aspirações nacionais.

Desde 1962, após a crise dos mísseis de Cuba e o término da guerra da Argélia a distensão eraencaminhada ao mesmo tempo em que se cindiam internamente os blocos ocidental e socialista,tudo concorrendo para o enfraquecimento do conflito Leste-Oeste, apesar do envolvimentoamericano no Vietnã.

23 de março de 1964: 1ª Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento,em Genebra.

A Política Externa de Castello Branco, calcada na Guerra Fria, apresentava-se como anacronismo.

Page 63: Fichamento Amado Cervo

A Política Externa de Castello Branco, calcada na Guerra Fria, apresentava-se como anacronismo.Mesmo ao pretender recuperar as tradições da política externa brasileira, Castello Brancomarchava contra elas. Ao invocar o Barão do Rio Branco, esqueceu-se de que a aproximação comos EUA, concebida pelo patrono da diplomacia brasileira, tinha por finalidade preservar asoberania e a segurança diante das investidas do imperialismo.

Rompeu Castello com o legado de Vargas, incorporando também à tradição, no sentido de tornara política externa instrumento do poder a serviço prioritário do interesse nacional, e aindaconsentiu em limitar a soberania, agregando-lhe o conceito de segurança coletiva.

O regime militar e sua radicalização comprometeram a imagem do país no exterior, subtraindocredibilidade a sua ação: a Venezuela rompeu as relações diplomáticas com o Brasil, o governodos EUA inquietava-se com as medidas de exceção e a Europa exigia intensa ação diplomáticabrasileira para ‘desfazer equívocos’.

Nessas condições, a política externa de Castello Branco (1964-1967) foi implementada emconformidade com a bipolaridade e o desenvolvimento associado dependente, sem, entretantomanter uma fidelidade perfeita a tais diretrizes. Essas premissas orientarão a descrição e a análiseda ação brasileira no exterior durante seu governo.

As relações com o Ocidente

Duas frentes de ação, no que diz respeito ao continente, compunham a estratégia regionalimplementada por Castello e seu grupo de ‘americanistas’, Vasco Leitão da Cunha e depois JuracyMagalhães, no MRE, Roberto Campos e Otávio Gouvea Bulhões, nos ministérios econômicos:

Eliminar atritos nas relações entre o Brasil e a potência hegemônica do bloco ocidental paraviabilizar a associação dos capitais, dos mercados e da tecnologia, em harmonia com aafinidade política;Enquadrar as relações interamericanas em esquema funcional – a serviço da bipolaridade –mediante a segurança coletiva e o mesmo tipo de vínculos econômicos

- Tais iniciativas correspondiam à contribuição do Brasil para o fortalecimento do bloco ocidental,sob hegemonia norte-americana e supunha o Brasil receber em troca incremento nos fluxos decapitais e tecnologias, abertura de seu mercado a produtos brasileiros, inclusive industrializados, eampliação da ‘reserva’ do mercado latino-americano às filiais brasileiras das empresasestrangeiras.

O governo de Castello Branco, tendo em vista reforçar ainda mais os organismos regionais, pelosquais pretendia veicular seus objetivos, insistiu na convocação da II Conferência InteramericanaExtraordinária, realizada em novembro de 1965, no Rio de Janeiro. Aprovaram-se nessa ocasiãoos princípios que regeriam a reforma da Carta da OEA. No sentido de cooptá-la à cooperaçãoeconômica e ao desenvolvimento. Inversamente, apoiou, ainda naquele ano, a criação daConferência de Ministros das Relações Exteriores da ALALC, para dar suporte político às decisõesde integração econômica

As relações bilaterais com os países da América Latina foram secundárias durante o governo deCastello Branco.

O universalismo inevitável

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Vasco Leitão da Cunha simplificou a questão ao definir apenas dois objetivos externos:

recolocar o Brasil no quadro das relações prioritárias com o Ocidenteampliar o mercado para os produtos de exportação do Brasil

A diplomacia será, pois, acionada para atender fundamentalmente aos interesses do comércioexterior, o que fez com que o Ministério passasse por uma reforma a fim de aparelhá-lo.

O realismo universalista orientou-se em três direções:

a atuação do Brasil em órgãos multilaterais não-regionais (segurança econômica coletiva,grupo dos 75)a investida para os países socialistascontatos com a África subsaariana

1967: a recuperação das tendências

A política externa de Costa e Silva destinou-se a suprir a sociedade e o Estado de condições emeios adequados a impulsionar o desenvolvimento de forma autônoma, na medida do possível.As decisões tornavam-se cada vez mais complexas e extensas, devido ao crescimento econômico eà maior inserção do Brasil no sistema internacional, a ampliar-lhe as margens de cooperação econflito possível.

Nova correção de rumos

Costa e Silva, com seu MRE José de Magalhães Pinto, implantou nova doutrina, rotulada de‘Diplomacia da Prosperidade’. Consolidou-a, posteriormente, numa introdução ao Relatório de1967. Sepultou em definitivo o modelo de política externa avançado pelo primeiro governomilitar.

Essa nova doutrina eliminou:

a bipolaridadea segurança coletivaa interdependência militar, política, econômica, porque as políticas externas se guiam pelosinteresses nacionais e não por motivações ideológicaso ocidentalismo, porque vem eivado de prevenções e preconceitos que tolhem à ação externaas vantagens do universalismo

A contribuição da política externa viria pelos esforços para atingir resultados em três direções:

a reformulação das bases do comércio internacional e a ampliação das pautas e mercados paraa exportação brasileiraa aquisição, pela via da cooperação internacional, da ciência e da tecnologia necessárias àindependência econômicao aumento dos fluxos financeiros, para empréstimos e investimentos, de origem maisdiversificada, em melhores condições de pagamento ou em igualdade de tratamento com ocapital nacional.

Os objetivos nacionais

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A diplomacia foi concebida e mantida como instrumento do expansionismo econômico. Buscou oconsenso, apelando para a complexidade do Brasil, e apoiou-se no esforço interno para direcionar-se pelo mundo contra a estratificação do poder e da riqueza, contra a ‘desordem’ do capitalismo,particularmente suas regras internacionais de comércio e finanças, contra decisões internacionaiscalcadas na velha bipolaridade ou em sua reedição reaganiana, contra a resistência dos ricos emadmitir novos sócios em seus clubes.

Em 1972, Gibson Barbosa apontou 5 funções à política externa (nacionalismo):

provocar mudança nas regras da convivência internacional e na cristalização do poderusar o poder nacional decorrente do crescimento em favor dos povos que aspiram aoprogressoauxiliar a implantação da nova ordem econômica internacional, até mesmo como requisito dapa, que não resulta da manutenção do status quo e do equilíbrio de podermanter ativa solidariedade com os povos em vias de desenvolvimentoampliar em extensão e profundidade o universalismo da ação externa

Com a crise econômica internacional decorrente da valorização do petróleo, a partir de 1974, ogoverno Geisel redefiniu as funções supletivas da política externa ao projeto de desenvolvimento(MRE Azeredo Silva):

- a diplomacia, convertendo-se em instrumento mais ágil,

- buscou a cooperação, a expansão do comércio exterior, o suprimento de matérias-primas e deinsumos

- o acesso a tecnologias avançadas, com a finalidade de dar suporte a grandioso plano interno deauto-suficiência em insumos básicos e bens de capital

Em plena depressão nacional, Saraiva Guerreiro, ministro do governo Figueiredo (1979-1985),insistia ainda na mesma tecla: a política externa brasileira pretende ‘maximizar as oportunidadesde desenvolvimento do país’, concebido este desenvolvimento como responsabilidade interna. Eleapontava o desenvolvimento e o progresso como objetivo-síntese da diplomacia, expresso nadoutrina, nas relações bilaterais e multilaterais, no comércio e nos serviços, na luta contra oprotecionismo do Norte, propagando nova ordem internacional e a cooperação Sul-Sul,enfrentando a dívida externa.

As condições de movimento do sistema internacional (1967-1989)

Conjuntura da política externa estadunidense

1. Diplomacia do equilíbrio: Mutação da política externa desde 1947, elaborada por Kissinger.Realpolitik. Seu desígnio era trazer as cinco grandes potências (EUA, URSS, CEE, Japão e China)a um código comum de comportamento internacional, a reger o moderno jogo de equilíbrio.

2. Trilateralismo: Criação da Comissão Trilateral (1973). O presidente Carter era membro eextraiu diversas pessoas dessa comissão para fazer parte de seu governo e delinear sua políticaexterna (1977-1980). A derrota no Vietnã e os escândalos públicos aconselharam a campanhainternacional por direitos humanos, tanto para melhoria do autoconceito quanto para legitimar ainfluência moral sobre os outros Estados.

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3. A recuperação da hegemonia: Ronaldo Reagan veio restabelecer a hegemonia engendrada pelaordem internacional do imediato pós guerra.

Nesse cenário internacional, o Brasil teve chance de movimentar-se externamente comdesenvoltura na arena terceiro-mundista, mas suas metas levaram-na a operar igualmente emconfronto e cooperação com o Primeiro Mundo, manobrando nas regras da ordem que não sereformava e driblando obstáculos que se sucediam.

O projeto de desenvolvimento, norteador da política externa desde 1967, fixou objetivos em trêsfases, grosso modo cumulativas, assim definidas:

a de consolidação da indústria de transformação (Costa e Silva e Médici): capital transnacionala de consolidação da indústria de base (Geisel): capital monopolistaa implantação de tecnologia de ponta (Figueiredo e Sarney): associação do Estado à empresaprivada nacional.

Os EUA obstaram aos objetivos na primeira e terceira fases, dificultando o acesso de produtosbrasileiros a seu mercado e promovendo a nova divisão internacional do trabalho, contrário aodesenvolvimento de tecnologias de ponta no Terceiro Mundo. Criaram estrangulamento noprocesso como um todo, pela via de espoliação financeira, forma indireta de controle emanutenção da dependência, de impor acomodações nocivas, de limitar a margem de manobraexterna dos povos atrasados.

Meios e resultados do pragmatismo em política externa (1967-1979)

Visto que ao setor externo foi consignada uma função supletiva ao projeto de desenvolvimentonacional, a política externa brasileira apropriou-se de características que se faziam necessáriaspara seu desempenho, tais como universalismo e autonomia, flexibilidade e ajustabilidade,dinamismo e coragem. O Itamaraty assumiu o novo modelo com convicção: reformulou suasestruturas e adaptou a formação de seus quadros, forneceu ao governo chanceleres coerentes etomou as iniciativas requeridas sem hesitação.

O Brasil e a política mundial

Desde a inflexão da política exterior do Brasil, em 1967, com o desenvolvimento e o pragmatismoa guiar-lhe os passos daí por diante, três questões se abrem ao estudo no que tange ao movimentona esfera mundial:

As concepções do poderSua aplicação nos órgãos decisórios internacionais eA revisão da doutrina de segurança nacional

A dimensão e as características do poder nacional

Embates estridentes e ganhos limitados na arena internacional fizeram refluir o conceito de poderdurante o governo Médici no sentido da introspecção e da prospectiva: a potência é autônoma eseu exercício dimensionado à grandeza nacional, presente e futura. Ernesto Geisel abandonou talperspectiva, convicto de que o poder se exerce de fato na dimensão disponível segundo osparâmetros de convergências, coincidências e contradições que caracterizam as relaçõesinternacionais.

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O paradigma do Estado desenvolvimentista manteve os princípios históricos da diplomaciabrasileira, tais como a autodeterminação dos povos, a não-intervenção em assuntos internos, asolução pacífica das controvérsias, a rejeição da conquista pela força, o respeito aos tratadosinternacionais, e agregou-lhes um moderno conceito de interdependência, a ser implementadapela cooperação internacional. Todos esses atributos eram suficientes para realçar o poder, definir-lhe um perfil operativo, com grande espectro de previsibilidade e aceitação, em decorrênciatambém da estratégia não-confrontacionista para seu exercício.

Com o declínio da Guerra Fria, o Brasil limitou seu poder de barganha, o que desvinculou doconflito Leste-Oeste. A busca – ou obtenção – do consenso marcou o período, e a política externapôde ser qualificada de avançada, democrática, até esquerdista, em oposição à política interna,tida por retrógrada em sua forma.

O bipartidarismo, implantado para diferenciar o regime militar dos regimes totalitários, conviveuem harmonia com a política exterior: Arena (Aliança Renovadora Nacional) e MDB (MovimentoDemocrático Brasileiro) apoiaram-na, grosso modo, no período, tanto em seus programas quantonos pronunciamentos políticos.

A evolução no conceito e no modo de exercer o poder nacional permitiu a Ernesto Geiselmanifestar elevado grau de autoconfiança, ao transmitir o poder a seu sucessor, em 15 de marçode 1979: ‘Somo hoje um nação que se projeta mais e mais no cenário mundial, amadurecida eresponsável, gozando de sólida credibilidade internacional e dia a dia menos vulnerável a pressõesquaisquer que venham do exterior’.

Uma aventura frustrante pelo cenário internacional

A presença brasileira nos foros multilaterais de caráter universal foi permanente e intensa noperíodo, tendo em vista os seguintes objetivos:

Atingir as metas nacionais do desenvolvimento e da segurançaObter informação para atuar nos foros multilaterais regionais e nas relações bilateraisInfluir sobre a reforma da ordem mundial

A diplomacia brasileira transitou do otimismo ao realismo e à decepção, fato que, além de nãoprovocar nenhuma retirada de campo, repercutiu sobre a política externa tanto quanto as crisesdo sistema internacional.

A autoconfiança que caracterizou o governo Médici permitiu que se prosseguisse de formaincisiva na luta para diminuir as distâncias entre o Norte e o Sul, a dependência tecnológica, aseparação em zonas de influência e a imposição de vontade de uns sobre os outros. Ao abrir aXXV Assembleia da ONU, em 1970, Gibson Barbosa propôs para a Segunda década doDesenvolvimento (ONU) a substituição da estratégia da estabilidade por uma ‘estratégiadinâmica de desenvolvimento’. Também queria converter a Unido e a UNCTAD, de órgãosburocratas e retóricos, em estrategistas de industrialização e progresso.

1970: Adesão ao Tratado de Não Armamento Nuclear do Fundo do Mar

1972: Conferência das NU sobre o Meio Ambiente

1973: Reunião ministerial do GATT, em Tóquio, para as negociações comerciais multilaterais, com

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1973: Reunião ministerial do GATT, em Tóquio, para as negociações comerciais multilaterais, compropostas inovadoras, tendo em vista reformar o comércio internacional e convertê-lo emalavanca do desenvolvimento

1974: Conferência para o Direito do Mar e o aproveitamento econômico de seus recursos

No governo Geisel, percebia-se o ceticismo da diplomacia brasileira ante a eficiência dos órgãosmultilaterais. Apesar disso, não convinha abandonar o multilateralismo. Assim, no embalo dacrise das finanças e do comércio internacional decorrente do primeiro choque de preços dopetróleo (1973), o governo brasileiro apresentou à comunidade internacional a mais ousada desuas propostas: o Acordo Geral, entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, para mudar devez e por inteiro as regras arcaicas e injustas do GATT.

As concessões feitas pelos países desenvolvidos diante da luta empreendida pelo Brasil, juntamentecom o Terceiro Mundo, ficaram muito aquém das expectativas, porém não foram nulas. Omodelo de resposta positiva do Norte foi a nova Lei de Comércio dos EUA, em 1974, contrária emsua essência aos pontos de vista sustentados pelo Brasil, conforme comunicado do Itamaraty.

Em 1973, entrava em operação o moderno ‘sistema de promoção comercial’ do Itamaraty, queenvolvia a reorganização dos serviços de forma estrutural, informativa e operativa. Buscaram-seentão alternativas do lado das relações regionais e bilaterais, da cooperação multidirigida, doreforço da base de autonomia econômica e da adaptação, enfim, da doutrina de segurançanacional.

A nacionalização da segurança

A doutrina de segurança nacional foi reformulada sob o impulso de dois fatores: a eliminação domodelo bipolar como orientação da política externa e o malogro global do diálogo Norte-Sul. Asegurança foi nacionalizada paulatinamente, correspondendo esse fenômeno aos resultadosalcançados em termo de atenuação da vulnerabilidade e da dependência externas. Compreendia,portanto, a busca de meios internos, e dessa forma teve de vincular-se ao nacionalismo de fins, aoqual passou a servir de modo positivo, na medida em que também requeria o desenvolvimentoeconômico auto-sustentado.

Os primeiros passos em direção à nacionalização:

Abandono da segurança coletiva e o desejo manifesto ainda naquele ano de proceder a umarápida nuclearização pacífica. Costa e Silva contribuiu para vincular o conceito de segurançaao desenvolvimento, entendendo ser aquele uma dependência deste, não de outras potênciasou sistemas de alianças. Sua política externa opôs-se corretamente ao TNP, que consolidavama desigualdade tecnológica, e impôs duas condições para firmá-lo: a. não impeça o acesso àtecnologia nuclear e venha acompanhado por medidas efetivas de desarmamento por partedas potências nucleares;Em 1967, o Brasil firmava o Tratado do México, que proscrevia armas atômicas na AméricaLatina, sem subterfúgios econômicos;Em 1968, Magalhães Pinto considerava o tratado dos dois grandes duplamentediscriminatório e nocivo ao Brasil, que estabeleceu sua política nuclear em dois pontos: i.renúncia às armas nucleares, apoio ao desarmamento nuclear e à não-proliferação; ii.Determinação de utilizar a energia nuclear para acelerar o desenvolvimento, não pelaimportação do produto final, mas gerando uma tecnologia própria, conforme já procediam

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até mesmo países em desenvolvimento como Índia, Paquistão e Argentina.

Quatro momentos foram decisivos para a nacionalização definitiva da segurança:

1974 – Geisel: A definição de uma política de exportação de material bélico, porque o mercadoexterno tornaria viável a produção em escala de armas portáteis, munição, aviões, tanques ecarros de combate, com o que se pretendia eliminar a dependência e ampliar a segurança;1975: O Acordo Nuclear firmado com a República Federal da Alemanha, porque permitiatransferência e absorção progressiva da tecnologia nuclear;1977: Denúncia do Acordo Militar com os EUA (1952) e dos demais acordos a ele vinculados,porque marcava o fim de um aliança que vinha da Segunda Guerra e liberava o armamentobrasileiros de uma dependência obsoleta e prejudicial ao desenvolvimento tecnológico;1979: Desenvolvimento de um programa nuclear paralelo, conjugando projetos integrados depesquisa, implementados pelas Armas brasileiras.

As motivações que determinaram a nacionalização da segurança foram originalmenteeconômicas, na medida em que se assimilou a erosão da proposta brasileira de uma segurançaeconômica coletiva e cresceu a percepção de que as potências se negavam a transferir tecnologiasde segurança, e depois psicológicas, na medida em que perdeu credibilidade a segurançaintegrada aos sistemas de aliança, tanto o interamericano, quanto a tradicional aliança Brasil-EUA.

As relações regionais: o Norte

Embora permanecessem importantes, as relações com os EUA foram perdendo peso relativo, emrazão de seu próprio declínio internacional no período, mas, sobretudo porque o Brasil soubefazer novos parceiros em condições de fornecer recursos, tecnologias e mercados, no Norte e noSul. Passou-se, pela primeira vez, das intenções à universalização efetiva da política exterior doBrasil.

As relações com os EUA

Costa e Silva: TNP, limitações à importação do café solúvel, o contingenciamento dos têxteis, oacordo internacional do cacau, a reação à maior participação do Brasil nos fretes bilaterais e aparcela brasileira na redistribuição das quotas de açúcar. Plano interno: AI-5.Médici: agravaram-se as relações políticas e comerciais, reagindo a diplomacia brasileira comredobrado esforço para não ver comprometidos os seus fins. A partir de 1970, o comérciobrasileiro tornou-se deficitário. A extensão do mar territorial em 200 milhas náuticas, aexpulsão a tiros de canhão de barco norte-americanos dessas águas, as restrições àsexportações de manufaturados brasileiros (café solúvel, têxteis, calçados, bolsas), aincompatibilidade das políticas nucleares, de poluição, defesa do meio ambiente, renovação deacordos internacionais do café e do açúcar.

Médici foi aos EUA, em 1971, com duas finalidades:

Reiterar os termos em que fixara as relações bilaterais, de cooperação e de soluçõesconciliatórias para os interesses divergentes;Contornar o controle dos lobbies sobre o Congresso norte-americano pelo entendimentoigualitário de cúpula

Três foram os resultados, que pouco contribuíram para melhoria qualitativa das relações:

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‘Para onde vai o Brasil, irá o resto da América Latina’, Nixon, que gerou protesto em relaçãoaos outros países latino-americanos;Realimentação do entendimento mútuo por um sistema de consulta de alto nível, com visitasde chanceleres, autoridades e congressistas;Prosseguimento da cooperação mediante acordos que foram firmados sobre pesca, produtosagrícolas, cooperação científica, atividades espaciais e pesquisas oceonográficas.

Os EUA se dispuseram a inviabilizar o acordo entre BR e Alemanha, pois o Brasil não tinhaassinado o TNP, tinha uma política externa autônoma, atritava-se com os EUA no comérciobilateral e nos foros multilaterais, apoiava regimes de esquerda na África, cotejando Cuba e aURSS, estabelecera relações com a China comunista e condenara o sionismo como racismo.

Com o crescimento e desenvolvimento no Brasil, Kissinger percebeu a importância de visitaraquele país. O dialogo foi ampliado, mas não impediu Carter de discutir as questões acerca deDireitos Humanos no Brasil, precisamente quando Geisel, por seus esforços e exigência social,tinha-os praticamente garantido. Carter veio ao Brasil para remediar novamente, se possível, asrelações que se deterioravam com os choques de interesses globais e evitar que o Brasil cometesseoutros excessos. Geisel nunca visitou os EUA.

Europa Ocidental

Ampliou-se o comércio com a Comunidade Europeia.

O Brasil e o Japão

As metas brasileiras eram a captação de recursos, equipamentos e tecnologias para acelerar odesenvolvimento, como também aumentar o volume de venda ao Japão, cujo comércio com oBrasil era altamente superavitário.

O Brasil e a Europa Oriental

Criação da Coleste (Comissão de Comércio com a Europa Oriental).

As relações regionais: o Sul

Emergiu, entretanto, o setor de serviços, como nova variável peculiar de inserção no HemisférioSul. Assim, enquanto o Norte apoiava o desenvolvimento, na qualidade de indutor, o Sul, poronde se derramavam seus efeitos, preenchia os requisitos de sustentação desse desenvolvimento.

A aproximação com a América Latina

Embora empenhada decididamente nesse rumo, a diplomacia brasileira mostrava-se cética anteas possibilidades de mercado comum, alegando três argumentos:

A inexistência de base física de comunicaçõesA disparidade das economias nacionaisA auto-suficiência do mercado interno para responder à expansão econômica

Durante o governo Médici, o relacionamento com a América Latina tornou-se contraditório. OBrasil obstou à criação do Mercado Comum e quis reforçar a Alalc para expandir suasexportações de manufaturados. Apoiou também a institucionalização da Assembleia Geral da

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OEA, a partir de 1970, como órgão de cooperação. Pela segunda vez, em 1971, o Brasilreivindicava junto ao Comitê Executivo da Alalc preferência na zona de livre comércio para seusprodutos industrializados, sem lograr êxito.

Reforço de iniciativas bilaterais!

O Brasil passou a fornecer crédito a suas exportações. Foram, por fim, elaborados grandesprojetos de cooperação com:

O Paraguai: hidrelétrica de Itaipu, tratado de 1973A Bolívia: compra do gás e complementação industrial, pela Ata de Cooperação, de 1973A Colômbia: estudos para a binacional do carvão, de 1973O Uruguai: projeto de desenvolvimento das bacias da lagoa Mirim e do rio JaguarãoA Argentina: 3º maior importador do Brasil.

As relações com a América Latina foram amarradas por uma teia de contratos, por vezesverdadeiros pacotes econômicos, firmados com todos os países importantes, à exceção daArgentina e do Chile.

O encontro com a África

Duas estratégias de inserção brasileira eram confrontadas sob o impulso de três fatores:

As vinculações com Portugal traduziam-se, na ONU, por votos de apoio ao colonialismo, atépor volta de 1973, com abstenção nos casos em que se condenava o apartheid desde 1970; noBrasil, pela estratégia de inserção por meio da comunidade luso-brasileira, defendida porDelfim Neto, com fortes pressões por parte do lobby português;Estudos e contatos desenvolvidos pelo Itamaraty, aliados ao fato de marcharem juntos Brasil epaíses independentes da África nos foros internacionais que lutavam por uma nova ordemconstituem o terceiro impulso e sugeriam outra estratégia de inserção, defendida por GibsonBarbosa, pela via do continente autônomo.

A estratégia de inserção pela via lusa contava com mecanismos institucionais cedidos pelo Brasil àdiplomacia portuguesa.

Reconhecimentos por parte do Brasil:

Guiné-Bissau (1974), sem antes atender ao tratado de Consulta e Amizade com Portugal(1953)Angola (1975): o Brasil foi o primeiro a reconhecer esse país

A partir do Senegal, onde se encontrava, Azeredo da Silveira pôde dirigir-se, em 1974, a todaÁfrica Negra, expondo a nova política brasileira, baseada em 3 parâmetros:

Incremento da cooperação, na modalidade sul-sul, para o desenvolvimento mútuoRespeito aos princípios de soberania e autodeterminação dos Estados e da independênciaeconômica das sociedadesRepulsa ao colonialismo e à discriminação racial, com apoio à independência da Namíbia e aogoverno de maioria negra do Zimbábue.

A cooperação sul-sul vinha a complementar a norte-sul, que nem africanos e nem brasileiros

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A cooperação sul-sul vinha a complementar a norte-sul, que nem africanos e nem brasileirosdesejavam obstruir. Ao final do governo Geisel, o balanço era entretanto positivo, havendo-segalgado enfim mais um degrau no universalismo da política externa brasileira, que integrara aÁfrica Negra à sua estratégia de inserção internacional.

A caminho do Oriente Próximo

Os esforços brasileiros para penetrar o Oriente Próximo foram tardios e determinados sobretudopela elevação dos preços do petróleo, a partir de 1973.

Em 1967, no Conselho de Segurança e na ONU, o Brasil definiu uma política de paz,condicionada, a seu ver, ao reconhecimento do Estado de Israel pelos países árabes e à retiradaisraelense dos territórios ocupados pela força. Assim como procedia com a África e outras regiões,o Itamaraty se dispunha a agilizar a ação no Oriente Próximo, e nesse sentido, propôs, em 1969, acriação do Loarabe (Grupode Coordenação do Comércio com os países árabes), uma espécie deColeste para a área, tendo em vista coordenar iniciativas dispersas de órgãos brasileirosinteressados em adquirir petróleo, colocar produtos e alocar serviços.

Pouco se avançou, não modificou sua posição de equidistância diante do conflito árabe-israelense.

Em 1975, a nova conjuntura internacional levou o Itamaraty a redefinir sua posição: destacou queo povo palestino tem direito à autodeterminação e à soberania, cujo exercício é condição da pazpara a região, devendo as tropas israelenses retirar-se de todos os territórios ocupados pela força.

O continente asiático

Até 1973, o Brasil apoiava a permanência de 2 Chinas e 2 Coreias na ONU, mas o pragmatismoacabou impondo, também, nessa região, um ajuste à política externa brasileira: o estabelecimentodas relações diplomática com a China continental (1974), tendo em vista o comércio, as relaçõeseconômicas e o diálogo político.

A vulnerabilidade e a força do modelo nos anos 1980

Nos dois governos da década de 1980 (João Batista Figueiredo e José Sarney), o paradigma dapolítica exterior acoplado ao desenvolvimento nacional, evoluiu para uma fase de crise e decontradições.

A questão da política mundial

Na primeira metade dos anos 1980, segundo a percepção do Itamaraty, a estrutura internacionaldeteriorara-se nas áreas política e econômica, com a rebipolarização e o protecionismo, ainstabilidade cambial e a ‘oligarquização dos foros decisórios’.

A diplomacia brasileira apresentou-se nos foros multilaterais para denunciar, discordar, protestare sugerir mudanças no sistema internacional. Uma requisição de direito ao desenvolvimento e àsuperação de dependências, como mostram os exemplos a seguir:

a V UNCTAD, Manila, 1979: protesto contra as salvaguardas unilaterais dos ricos ao comérciointernacional, contra o protecionismo, e proposta de um código de transferência de tecnologiaXI Assembleia Geral Especial da ONU, 1980: ‘Negociações Globais’, a nova fórmula dediálogo norte-sul, embora reconhecesse seu malogro

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Conferência Norte-Sul, Cancun, 1981: Saraiva Guerreiro, a partir de uma avaliação dadependência do Terceiro Mundo, assumiu uma postura quase revolucionária, elogiada até porCubaXXXVII Assembleia Geral da ONU, 1982: primeira vez que o Chefe de Estado abre a sessão.Denunciou a política das superpotências que transferiam ao Terceiro Mundo (Afeganistão,América Central) o conflito Leste-Oeste, a cooperação internacional não proviadesenvolvimento, a interdependência que administrava a desigualdade, os órgãosinternacionais (FMI, GATT, BIRD) que só tinham ouvidos para os ricos… Tal encontro nãoresultou nada de concreto, as taxas de juros que inviabilizavam o crescimento das naçõesatrasadas.VI UNCTAD, Belgrado, 1983: Saraiva Guerreiro reconheceu o malogro de três iniciativas nosúltimos 18 mesesReunião do Grupo dos 77, RJ, 1983: Guerreiro reagiu com estratégia de cooperação sul-sulXL Assembleia Geral da OU, 1985: Sarney abre a sessão. Discurso sem muito efeito, mas quetrouxe características de apoio ao Terceiro MundoReunião do Grupo dos 77, Nova Déli, 1985: Olavo Setúbal encarou com otimismo o novoSistema Global de Preferências ComerciaisReunião do GATT, Punta del Este, 1986: Abreu Sodré considerou fraca a atuação do órgão,incapaz de corrigir as distorções do comércio internacionalReunião do Grupo dos 77, NY, 1986: Abreu Sodré acusou os países centrais de repassarem ao Terceiro Mundo o ônus de seus reajustes internosVII UNCTAD, Genebra, 1987: Abreu Sodré apontou desequilíbrios fiscais, monetários,financeiros e comerciais, que converteram a década de 1980 no primeiro período de retrocessodo desenvolvimento do Hemisfério Sul, dede o pós-guerra.

Apesar dos entraves criados pelos países desenvolvidos às importações brasileiras e dos elevadoscustos do petróleo, o Brasil gerou nos anos 1980 o terceiro maior excedente comercial do mundo,após o Japão e a Alemanha. A ampliação das exportações, dos mercados e das pautas persistiucomo uma das metas perseguidas com eficiência, constância e competência. Das exportaçõesdependia a vinda de insumos físicos, financeiros e tecnológicos, mas o protecionismo era cruel.

O confronto entre Brasil e EUA acerca da informática agravou-se em 1986. Em 19 de maio, osecretário de Estado, George Shultz, propôs a Abreu Sodré negociar a informática e ameaçou oBrasil com retaliações. O governo brasileiro, conquanto se negasse a ‘negociar’ a lei, concordouem dialogar sobre o assunto. As partes já se haviam reunido em Caracas, quando osrepresentantes do governo norte-americano alegaram que as perdas com a reserva de mercadocorresponderiam a 15 bilhões de dólares entre 1986 e 1992. Desde a ameaça de Shultz,frequentemente vieram a público as autoridades do governo Reagan, reiterando-as eespecificando-as.

Respostas brasileiras: Lei de Informática e Lei do regime autoral para programas de computador

Endividamento externo!

O crescimento da dívida externa brasileira ocorreu, grosso modo, em duas etapas:

1974-1979: Quando os recursos foram destinados ao desenvolvimento da base econômica,sobretudo pelas empresas estatais, conforme as metas do II PND. O endividamento cresceumuito.1980-1987: Quando o crescimento da dívida deu-se por si mesmo, sob efeito de técnicas que os

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economistas chamavam de ‘rolagem’, ou seja, a contratação de empréstimos para prorrogarserviços e o acréscimo ao principal de juros e spreads vencidos.

Delfim Neto: Submeter-se às exigências dos credores, representados pelo FMI. Mergulharam opaís em profunda recessão, contraíram a demanda pela baixa dos salários reais, criaramexcedentes exportáveis e geraram dessa forma recursos para manter em dia, tanto quantopossível, os serviços da dívida. Um técnica correta e socialmente catastrófica.

Dilson Funaro: Plano Cruzado. Recompôs parte do poder aquisitivo social, estimulou o consumo,reduziu consequentemente os excedentes da balança comercial e encaminhava-se para oesgotamento das reservas cambiais. Em 1987, declara a moratória parcial, suspendendo opagamento dos juros aos banco privados, relativos à dívida externa de médio e longo prazos.

Bresser Pereira: manteve as metas do crescimento, mas buscou entendimentos simultâneos combanqueiros e o FMI, para normalizar o relacionamento do Brasil com a comunidade financeirainternacional. O malogro de um segundo plano de estabilização derrubou-o, por sua vez, e seusubstituto, Maílson da Nóbrega, guiou-se pelo imperativo de um acordo urgente, sacrificando asdiretrizes originais do governo Sarney, a preocupação com o nível das reservas, o plano de longoprazo, as negociações simultâneas com os bancos e com o FMI. 1988: suspensão da moratória.

As relações com o Norte

Estados Unidos e Canadá

As relações entre os dois países permaneceram nos anos 1980, como nos anos 1970, à espera depropostas substantivas e igualitárias, desprovidas de egoísmos nacionais para se alcançarem aonível das necessidades e conveniências bilaterais.

As relações bilaterais com o Canadá estiveram como que adormecidas por muito tempo. Oincremento do intercâmbio político e econômico teve seu ponto de partida com a assinatura deacordos de cooperação durante a visita que fez ao Brasil o chanceler canadense em 1977. Oacordo comercial e o memorando de entendimentos para consultas de alto nível foram entãofirmados e contribuíram para a implementação de projetos futuros.

Europa e Japão

A expansão da CEE atrapalhou o comércio com o Brasil, entretanto, a CEE manifestou interesseem estreitar os laços de cooperação com a América Latina, negociando com o Brasil no quadrodos acordos vigentes, da comissão mista e dos órgão multilaterais apropriados, tanto ointercâmbio comercial quanto iniciativas específicas de cooperação, particularmente no setor detelecomunicações e de pequenas empresas.

O Acordo Nuclear alemão de 1975 foi sepultado devido à crise dos anos 1980. O Brasil preferiucriar hidrelétricas em detrimento de enriquecer urânio para energia nuclear.

O Japão, maior parceiro asiático, intensificou os vínculos com o Brasil, do ponto de vistacomercial, econômico, políticos e cultural. Em 1982, as partes encaminharam novas etapas decooperação em ciência e tecnologia, cujo acordo foi firmado dois anos após.

As relações com o Sul

Page 75: Fichamento Amado Cervo

Oriente Próximo e Ásia

O Brasil manteve sua política com relação à questão palestina, apoiando a criação do Estado eexigindo a retirada israelense dos territórios ocupados. Permaneceu neutro no conflito Irã-Iraque,mas, percebendo a dificuldade em lidar com a revolução islâmica dos aiatolás, não desprezou aoportunidade de suprir o Iraque com produtos manufaturados, alimentos e armas.

O episódio dos aviões líbios retidos no Brasil em 1983, quando faziam escala técnica com destino àNicarágua, para onde transportavam um carregamento clandestino de armas, bem ilustrou adelicadeza do relacionamento com a região. O Brasil diversificou seus suprimentos de petróleo,firmando contratos com diversos países.

Não conseguiu jamais carrear investimentos diretos dos países árabes em proporção significativa,mas foi bem sucedido, enfim, nos negócios que reverteram parcela de seus dispêndios com aimportação de petróleo da região.

África Negra

O incremento das relações comerciais e econômicas decorreu de conveniências de ambas aspartes, percebidas e manifestadas constantemente no plano político.

América Latina e Caribe

Na área de segurança continental, desfez-se o contencioso com a Argentina acerca doaproveitamento dos rios, chegando-se ao acordo tripartite (Brasil, Argentina e Paraguai) em 1979.Em 1983, prestou decisiva assistência econômica e militar ao Suriname, para evitar que a criseinterna naquele país tendesse a uma solução enquadrada pela presença cubana no conflito Leste-Oeste. Até 1984, sustentou posições sobre a crise na América Central em confronto direto com osEUA, recusando-se a envolver-se com outros países latino-americanos, liderados pelo México: ossagrados princípios de não-intervenção e autodeterminação tanto serviam para condenar aintervenção norte-americana quanto para rejeitar esforços conjugados de paz.

1985: adesão ao grupo de apoio (Argentina, Uruguai e Peru), que se agregou ao Grupo deContadora (México, Colômbia, Panamá e Venezuela).

Brasil é mediador do conflito e embaixador Baena Soares é eleito SG da OEA.

1986: Ata para Integração Brasileiro-Argentina, precursora do Mercosul.

Uma resposta para “Fichamento: Amado Cervo eClodoaldo Bueno | História da Política Exterior doBrasil”

1. Leonardo Teixeira 4 de março de 2014 às 1:46 PM · · Resposta →Excelente! Está me ajudando a revisar para o TPS. Boa iniciativa.

Page 76: Fichamento Amado Cervo

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