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221 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará FIDELIDADE PARTIDÁRIA DISCIPLINA: Direito Constitucional Eleitoral PROFESSOR ORIENTADOR: Djalma Pinto ALUNA: Flávia Maria Aires Freire Allemão SUMÁRIO INTRODUÇÃO 1. ORIGEM DO DEBATE 2. DECISÕES DO TSE EM RESPOSTA À CTA nº 1398 (RES. Nº 22.526/07) E À CTA nº 1407 (RES. Nº 22.600/07) 3. DECISÕES DO STF ACERCA DO TEMA 4. PROCESSO DE PERDA DE CARGO ELETIVO E DE JUSTIFICAÇÃO DE DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA - RESOLUÇÃO Nº 22.610/07 DO TSE 5. CONSTITUIÇÕES ANTERIORES 6. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL 7. REFORMA POLÍTICA – PEC 23 8. A REALIDADE INSTITUCIONAL PARTIDÁRIA INTRODUÇÃO Cuida o presente trabalho das discussões travadas acerca da fidelidade partidária, tema bastante debatido na mídia ultimamente, relativamente aos políticos que, após eleitos, deixam suas legendas, seja para ficarem sem partido, seja para se transferirem a outro partido, com suas respectivas consequências, ou seja, com ou sem a perda do mandato, seja relativo a eleições proporcionais ou V.7 n.1 jan/jul 2009

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FIDELIDADE PARTIDÁRIA

DISCIPLINA: Direito Constitucional EleitoralPROFESSOR ORIENTADOR: Djalma PintoALUNA: Flávia Maria Aires Freire Allemão

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO1. ORIGEM DO DEBATE2. DECISÕES DO TSE EM RESPOSTA À CTA nº 1398(RES. Nº 22.526/07) E À CTA nº 1407 (RES. Nº 22.600/07)3. DECISÕES DO STF ACERCA DO TEMA4. PROCESSO DE PERDA DE CARGO ELETIVO E DEJUSTIFICAÇÃO DE DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA -RESOLUÇÃO Nº 22.610/07 DO TSE5. CONSTITUIÇÕES ANTERIORES6. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL7. REFORMA POLÍTICA – PEC 238. A REALIDADE INSTITUCIONAL PARTIDÁRIA

INTRODUÇÃO Cuida o presente trabalho das discussões travadas

acerca da fidelidade partidária, tema bastante debatido namídia ultimamente, relativamente aos políticos que, apóseleitos, deixam suas legendas, seja para ficarem sempartido, seja para se transferirem a outro partido, com suasrespectivas consequências, ou seja, com ou sem a perdado mandato, seja relativo a eleições proporcionais ou

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majoritárias.Serão abordadas as decisões do TSE e STF, bem

como será feito um estudo das Constituições passadas eda PEC 23 do Senado, finalizando com uma análise críticado problema, na qual serão tratadas as correntes contra e afavor da perda de mandato para os eleitos que trocarem departido.

DESENVOLVIMENTO1. ORIGEM DO DEBATE

As discussões acerca do tema se intensificaramquando o DEM, na época ainda PFL, protocolou uma consultano TSE (CTA 1398) questionando se, no caso das eleiçõesproporcionais, os partidos poderiam ficar com os mandatosno caso do eleito deixar a legenda e se transferir para outropartido, a qual foi respondida, em 27.3.07, afirmativamente.

Após a resposta do TSE o PPS, PSDB e DEM fizeramrequerimento ao presidente da Câmara dos Deputados,Arlindo Chinaglia, para que declarasse vagas 23 cadeirasdos deputados que saíram dos respectivos partidos apósas eleições de 2006 até maio de 2007, com a respectivaposse dos suplentes, o qual foi negado pelo mesmo,ensejando tais partidos a ingressarem com Mandados deSegurança perante o STF.

O STF, por sua vez, ao julgar tais writs, seguiu oposicionamento do TSE, definindo, contudo, que a fidelidadepartidária só deveria ser aplicada após 27 de março, dataem que o TSE respondera à consulta sobre o assunto.

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2. DECISÕES DO TSE EM RESPOSTA À CTA nº 1398(RES. Nº 22.526/07) E À CTA nº 1407 (RES. Nº 22.600/07)

Inicialmente, o TSE, foi consultado - CTA Nº 1398 - pelopartido DEM, então PFL, acerca do sistema proporcional,o qual indagou se “os partidos e coligações têm o direito depreservar a vaga obtida pelo sistema eleitoralPROPORCIONAL, quando houver pedido decancelamento de filiação ou de transferência do candidatoeleito por um partido para outra legenda”, tendo respondidoafirmativamente em 27.3.07, decisão esta que foi publicadaem 8.5.07.

Tal Consulta, teve como relator o Ministro Cesar AsforRocha, que em seu voto ressaltou que o mandato pertenceao partido e não ao canditado e que tal interpretação se fazem atenção a princípios constituiconais, dentre eles o damoralidade administrativa, embasando-se nos arts. 14, §3º, V, 17, III, 37, 175, § 4º e 176, da CF/88, e nos arts. 87 e108 do Código Eleitoral, ressalvando, todavia, os casosde alteração do ideário partidário ou se a mudança for frutode uma perseguição odiosa, e, por fim, destacou o grandenúmero de parlamentares que não permaneceram nospartidos nos quais foram eleitos e que poucos foram osdeputados federais que conseguiram eleger-se, em 2006,com seus próprios votos, mais precisamente cerca de 6,04% do total. Vejamos:

Segue abaixo transcrição do voto do relator:“O SENHOR MINISTRO CESAR ASFORROCHA (relator):

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Senhor Presidente, consulta o Partido daFrente Liberal (PFL), por meio do seu ilustrePresidente Nacional, se os partidospolíticos e coligações têm o direito depreservar a vaga obtida pelo sistemaeleitoral proporcional, quando houverpedido de cancelamento de filiação ou detransferência do candidato eleito por umpartido para outra legenda. Refere o Partido consulente que acandidatura de qualquer cidadão a cargoeletivo depende de prévia filiaçãopartidária, conforme exigênciaconstitucional e também do vigente CódigoEleitoral (Lei n°4.737/65).Não é nova essa questão de se saber se omandato eletivoé de ser tido comopertencente ao indivíduo eleito, à feição deum direito subjetivo, ou se pertencente aogrêmio político partidário sob o qual obtevea eleição, não importando, nesse caso, seo êxito eleitoral dependeu, ou não, dosvotos destinados unicamente à legenda oudo aproveitamento de votos das chamadassobras partidárias.

É da maior relevância assinalar que osPartidos Políticos têm no Brasil, status deentidade constitucional (art. 17 da CF), de

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forma que se pode falar, rememorando alição de Maurice Duverger (As ModernasTecnodemocracias, tradução de NatanaelCaixeiro, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978),que as modernas democracias de certaforma secundarizam, em beneficio dosPartidos Políticos, a participação populardireta; na verdade, ainda segundo esseautor, os Partidos Políticos adquiriram aqualidade de autênticos protagonistas dademocracia representativa, não seencontrando, no mundo ocidental, nenhumsistema político que prescinda da suaintermediação, sendo excepcional emesmo até exótica a candidatura individuala cargo eletivo fora do abrigo de um PartidoPolítico.A Carta Magna Brasileira estabelece, comocondição\e’ elegibilidade do cidadão,dentre outras, a filiação partidária (art. 14,§ 3°,enquanto o art. 17, § 1°, assegura aospartidos políticos estabelecer normas defidelidade e disciplina, o que serve deindicativos suficientes para evidenciar quea democracia representativa, no Brasil,muito se aproxima da partidocracia de quefalava o referido doutrinador francêsMaurice Duverger (op.cit.).Dado o quadro jurídico constitucional

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positivo, a saber, o que confere ao PartidoPolítico a exponencial qualificaçãoconstitucional, ladeada pela suaessencialidade ao funcionamento dademocracia representativa, torna-seimperativo assegurar que a interpretaçãojuridica de qualquer questão pertinente aosPartidos Políticos, com destaque para essaquestão da fidelidade dos eleitos sob a sualegenda, há de ter a indispensávelcorrelação da própria hermenêuticaconstitucional, com a utilização prestimosados princípios que a Carta Magna alberga.

Essa visão da aplicabilidade imediata dosprincípios constitucionais à solução decontrovérsias concretas, no mundoprocessual, representa a superação do queo Professor Paulo Bonavides chama develha hermenêutica (Curso de DireitoConstitucional, São Paulo, Malheiros,2000), para aludir à forma interpretativa daConstituição que deixava à margem deinvocação imediata a força normativa dosprincípios; tem-se, hoje em dia, comopertencente ao passado, a visão que isolavaos princípios constitucionais da solução doscasos concretos, posição que parece tertido o abono do notável jurista italiano

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EmFlio Betti (Apud Bonavides, op. cif.), bemcomo a formulação de que os princípioseram normas abertas (preconizada por KarlLarenz, Metodologia da Ciência do Direito)ou meramente informativas, não portandodensidade suficiente para resolução deconflitos objetivos.

Adotada a posição do Professor PauloBonavides, segundo a qual os princípios sãonormas e as normas compreendem asregras e os princípios, pode-se (e deve-se)dizer e proclamar que, na solução destaConsulta, é mister recorrer-se aos princípiosconstitucionais normativos, vendo-se aConstituição, nas palavras do ProfessorNorberto Bobbio, como termo unificadordas normas que compõem o ordenamentojurídico, eis que sem ele, as normasconstituiriam um amontoado e não umordenamento (Teoria do OrdenamentoJurídico, tradução de Maria Celeste dosSantos, Brasília, UnB,1 997). Ora, não hádúvida nenhuma, quer no plano jurídico, querno plano prático, que o vínculo de umcandidato ao Partido pelo qual se registrae disputa uma eleição é o mais forte, se nãoo único, elemento de sua identidade política,podendo ser afirmado que o candidato não

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existe fora do Partido Político e nenhumacandidatura é possível fora de uma bandeirapartidária.

Por conseguinte, parece-me equivocada emesmo injurldica a suposição de que omandato político eletivo pertence aoindividuo eleito, pois isso equivaleria a dizerque ele, o candidato eleito, se teria tomadosenhor e possuidor de uma parcela dasoberania popular, não apenastransformando-a em propriedade sua,porém mesmo sobre ela podendo exercer,à moda do exercício de uma prerrogativaprivatística, todos os poderes inerentes aoseu domínio, inclusive o de dele dispor.Todavia, parece-me incogitável que alguémpossa obter para si - e exercer como coisasua - um mandato eletivo, que se configuraessencialmente como uma função políticae pública, de todo avessa e inconciliávelcom pretensão de cunho privado.O princípio da moralidade, inseridosoleriemente no art. 37 da Carta Magna,repudia de forma veemente o uso dequalquer prerrogativa pública, no interesseparticular ou privado, não tendo relevoalgum afirmar que não se detecta aexistência de norma proibitiva de tal prática.

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Ë que o raciocínio jurídico segundo o qual oque não é proibido é permitido, somentetem incidência no domínio do DireitoPrivado, onde as relações são regidas peladenominada licitude implícita, o contrárioocorrendo no domínio do Direito Público,como bem demonstrou o eminenteProfessor Geraldo Ataliba (Comentáriosao CTN, Rio de Janeiro, Forense, 1982),assinalando que, nesse campo, o que nãoé previsto é proibido.Não se há de permitir que seja o mandatoeletivo compreendido como algo integrantedo patrimônio privado de um individuo, deque possa ele dispor a qualquer título, sejaoneroso ou seja gratuito, porque isso é acoritrafação essencial da natureza domandato, cuja justificativa é a funçãorepresentativa de servir, ao invés da deservir-se.Um levantamento preliminar dos DeputadosFederais, eleitos em outubro de 2006,mostra que nada menos de trinta e seisparlamentares abandonaram as siglaspartidárias sob as quais se elegeram;desses trinta e seis, apenas dois não sefiliaram a outros grêmios partidários esomente seis se filiaram a Partidos

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Políticos que integraram as coligaçõespartidárias que os elegeram. Porconseguinte, vinte e oito parlamentares,eleitos sob determinadas legendas,passaram-se para as hostes dos seusopositores, levando consigo, como sefossem coisas particulares, os mandatosobtidas no último prélio eleitoral.Apenas para registro, observe-se que dos513 deputados federais eleitos, apenas 31(6,04%) alcançaram por si mesmos oquociente eleitoral.Não tenho dificuldade em perceber querazões de ordem jurídica e, sobretudo,razões de ordem moral, inquinam ahigidez dessa movimentação, a que aJustiça Eleitoral não pode dar abono, seinstada a se manifestar a respeito dalegitimidade de absorção do mandatoeletivo por outra corrente partidária, que nãorecebeu sufrágios populares para opreenchimento daquela vaga.

Penso, ademais, ser relevante frisar que apermanência da vaga eletiva proporcionalna titularidade do Partido Político, sob cujopálio o candidato migrante para outrogrêmio se elegeu, não é de ser confundidacom qualquer espécie de sanção a este,

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pois a mudança de partido não é ato ilícito,podendo o cidadão filiar-se e desfiliar-se àsua vontade, mas que isso possarepresentar subtração à bancadaparlamentar do Partido Político que oabrigou na disputa eleitoral.Ao meu sentir, o mandato parlamentarpertence, realmente, ao Partido Político,pois é à sua legenda que são atribuídos osvotos dos eleitores, devendo-se entendercomo indevida (e mesmo ilegítima) aafirmação de que o mandato pertence aoeleito, inclusive porque toda a conduçãoideológica, estratégica, propagandística efinanceira é encargo do Partido Político, soba vigilância da Justiça Eleitoral, à qual deveprestar contas (art. 17, III, da CF).

Por outro lado, as disponibilidadesfinanceiras dos Partidos Políticos e ocontrole do acesso ao rádio e à TV nãoestão ao alcance privado dos interessados,pois são geridos em razão de superioresinteresses públicos, implementadosdiretamente pelos Partidos Politicos ecoligações partidárias.

Registro que tenho conhecimento — e porelas nutro respeito — de respeitáveis

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posições jurisprudenciais edoutrinárias afirmativas de que ocandidato eleito conserva o mandatoeletivo, quando se desfilia cio grêmiopelo qual se elegeu.Contudo, essa orientação pretonana seplasmou antes do generalizadoacatamento que hoje se dá à forçanormativa dos princípiosconstitucionais. Aquela orientação,portanto, não está afinada com o espíritodo nosso tempo, rigorosamente intolerantecom tudo o que represente infração àprobidade e à moralidade administrativase públicas.Creio que o tempo presente é o daafirmação da prevalência dos princípiosconstitucionais sobre as normas deorganização dos Partidos Políticos, poissem isto se instala, nas relações sociais epartidárias, uma alta dose de incerteza edúvida, semeando alterações) ocasionaise fortuitas nas composições das bancadasparlamentares, com grave dano àestabilidade dessas mesmas relações,abrindo-se ensejos a movimentações quemais servem para desabonar do que paraengrandecer a vida pública.Não se trata, como poderia

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apressadamente parecer, que a afirmaçãode pertencer o mandato eletivoproporcional ao Partido Político seja umacriação original ou abstrata da interpretaçãojurídica, de todo desapegada do quadronormativo positivo: na verdade, além dos jácitados dispositivos constitucionaisdefinidores das entidades partidárias eatribuidores das suas insubstituíveisatribuições, veja-se que o art. 108 doCódigo Eleitoral evidencia a inelimináveldependência do mandato representativo aoPartido Político, permitindo mesmo afirmar,sem margem de erro, que os candidatoseleitos o são com os votos do PartidoPolítico.

Este dispositivo já bastaria para tornarinduvidosa a assertiva de que os votos sãoefetivamente dados ao Partido Politico; poroutro lado essa conclusão vem reforçadano art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, aodizer que serão contados para o PartidoPolítico os votos conferidos a candidato, quedepois da eleição seja proclamadoinelegível ou que tenha o registro cancelado;o art. 176 do mesmo Código tambémmanda contar para o Partido Político osvotos proporcionais, nas hipóteses ali

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indicadas. Tudo isso mostra que os votospertencem ao Partido Político, pois docontrário não teria explicação o seucômputo para a agremiação partidária noscasos mencionados nos referidosdispositivos do Código Eleitoral; se ossufrágios pertencem ao Partido Político,curial e inevitável dizer que o mandatoeletivo proporcional, por igual, pertence aogrêmio partidário, como conseqüência daprimeira afirmação.Penso que o julgamento desta Consulta trazà tona a sempre necessária revisão dachamada teoria estruturalista do Direito,que tendeu a explicar o fenômeno jurídicosomente na sua dimensão forl positiva,como se os valores pudessem serdescartados ou ignorados, como se anorma encerrasse em si mesma um objetivopronto, completo e acabado.Com efeito, as exigências da teoria jurídicacontemporânea buscam compreender oordenamento juspositivo na sua feiçãofuncionalista, como recomenda o ProfessorNorberto Bobbio (Da Estrutura à Função,tradução de Daniela Beccacia Versiani, SãoPaulo, Editora Manole, 2007), no esforço decompreender, sobretudo, as finalidades(teleologias) das normas e do próprioordenamento.

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Ouso afirmar que a teoria funcionalista doDireito evita que o intérprete caia natentação de conhecer o sistema juridicoapenas pelas suas normas, excluindo-sedele a sua função, empobrecendo-o quaseaté à miséria; recuso, portanto, a posturasimplificadora do Direito e penso que aparte mais significativa do fenômenojurídico é mesmo a representada no quadroaxiológico.

Outro ponto relevante que importa frisar é opapel das Cortes de Justiça nodesenvolvimento da tarefa de contribuir parao conhecimento dos aspectos axiológicosdo Direito, abandonando-se a visãopositivista tradicional, certamenteequivocada, de só considerar dotadas deforça normativa as regulaçõesnormatizadas; essa visão, ainda tãoarraigada entre nós, deixa de apreender ossentidos finalísticos do Direito e de certomodo, desterra a legitimidade da reflexãojudicial para a formação do pensamentojurídico.Volto, ainda esta vez, à companhia doProfessor Paulo Bonavides, para, com ele,afirmar que as normas compreendem asregras e os princípios e, portanto, estes são

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também imediatamente fornecedores desoluções às controvérsias jurídicas.Observo, como destacado pelo eminenteMinistro Cezar Peluso, haver hipótesesem que a mudança partidária, pelocandidato cargo proporcional eleito, nãoimporta na perda de seu mandato, como,por exemplo, quando a migração decorrerda alteração do ideário partidário ou forfruto de uma perseguição odiosa.Com esta fundamentação respondoafirmativamente à consulta do PFL,concluindo que os Partidos Políticos e ascoligações conservam o direito à vagaobtida pelo sistema eleitoral proporcional,quando houver pedido de cancelamento defiliação ou de transferência do candidatoeleito por um partido para outra legenda.Antes de dar por concluído este voto, queroregistrar que mandei fazer um levantamentode todos os deputados eleitos nas eleiçõesde 2006 e pude verificar que, dosquinhentos e treze deputados federaiseleitos, somente trinta e um (cerca de 6,04%)obtiveram votos próprios para atingir oquociente eleitoral, sem que houvessenecessidade de receber votos conferidosà sua legenda atribuidos a outroscandidatos do seu próprio partido ou de sua

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própria coligação.

É o VOTO” (grifos não originais).

O Ministro Marco Aurério, por sua vez, o qual presidiua esta Consulta, além de confirmar a fundamentação expostapelo relator acima, ressaltou o teor do art. 26 da Lei doPartidos Políticos (Lei nº 9.096/59), no sentido de que amesma é clara ao dizer que: “perde automaticamente afunção ou cargo que exerça na respectiva Casa Legislativa,em virtude da proporção partidária, o parlamentar quedeixar o partido sob cuja legenda tenha sido eleito”.

Posteriormente, o TSE mais uma vez foi questionadoacerca do tema, através do deputado Nilson Mourão (PT-AC), sendo que desta vez relativamente ao SISTEMAMAJORITÁRIO, o qual protocolou a CTA 1407 indagandose: “Os partidos e coligações tem o direito de preservar avaga obtida pelo sistema eleitoral majoritário, quandohouver pedido de cancelamento de filiação ou transferênciado candidato eleito por um partido para outra legenda?”,tendo respondido afirmantivamente em 16.10.07, decisãoesta que foi publicada em 28.12.07.

Nesta decisão, que teve como relator o Ministro Ayresde Brito, o mesmo embasou-se na necessidade de filiaçãopara se candidatar imposta pela constituição em seu art.14, § 3º, V, e que o partido funciona como intermediário entreo candidato e os eleitores. Vejamos alguns trechos de seuvoto:

“(...)

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14. Dou seqüência ao raciocínio para aditarque, a essa função de sujeito processualativo que é ínsita aos partidos políticos, aConstituição ajuntou a de intermediárioentre o corpo de eleitores de uma dadacircunscrição e todo e qualquer candidatoa cargo de representação popular. O partidoenquanto necessária ponte. Eloimprescindível na corrente que vai do eleitorao eleito. É como está no inciso V do § 3°do art. 14, que torna ‘a filiação partidária’uma das explícitas ‘condições deelegibilidade’, na forma da lei”.15. Ora bem, a essa obrigatoriedade defiliação partidária só pode corresponder àproibição de candidatura avulsa.Candidatura zumbi ou exclusivamentepessoal, pois a intercalação partidária sefaz em caráter absoluto ou sem a menorexceção. O que revela a inserção dospartidos políticos na compostura e nofuncionamento do sistema representativo,na medida em que somente eles é quepodem selecionar e emprestar suaslegendas para todo e qualquer cardidato aposto políticoeletivo. Candidatos deles,partidos (devido a que ninguém emparticular é candidato de si mesmo), parao que a Constituição lhes concede o direito

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subjetivo de “autonomia para definir suaestrutura imemr nição e funcionarnentoepara adotar-os critérios de escolha-e-o-regime de suas coligações semobrigatoriedade de vinculação entre ascandidaturas em âmbito naonal, estadual,distrital ou municipal, devendo seusestatutos estabelecerem normas dedisciplina e fidelidade partidária” ( § 1º doart 17). Autonomia que é reforçada com aregra impedítiva da edição de — medidasprovisórias sobre partidos políticos (alíneaa do inciso 1 do § 1° doart. 62) e com o desfrute do direito subjetivo“a recursos do fundo partidário e acessogratuito ao rádio e à televisão, na forma dalei” ( 2°). Tendo por contrapartida o deverde “prestação de contas à Justiça Eleitoral”e a “proibição de recebimento de recursosfinanceiros de entidade ou governoestrangeiros ou de subordinação a estes”(aqui, inciso II do art. 17, e, ali, inciso IIIdesse mesmo artigo). 16. Dizendo ascoisas por modo reverso, ninguém chegaao poder estatal de caráter eletivo-popularsem a formal participação de uma dadaagremiação política. O que traduz aformação de um vínculo necessário entre ospartidos políticos e o nosso regime

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representativo, a ponto de se poder afirmarque esse regime é antes de tudo partidário.Por isso que se fala, em todo o mundoocidental civilizado, de democraciapartidária, como ressai dos escritos deNorberto Bobbio e Maurice Duverger.Este último, por sinal, apropriadamentelembrado no magistral voto que exarou oministro César Ásfor Rocha nos autos dareferida consulta (a n° 1.398-DF). Votoassim parcialmente redigido: “É da maiorrelevância assinalar que os PartidosPolíticos têm no Brasil status de entidadeconstitucional (art. 17 da CF), de forma quese pode falar, rememorando a lição deMaurice Duverger (As ModernasTecnodemocracias, tradução de NatanaelCaixeiro, Rio de Janeiro, Paz e Terra,1978), que as modernas democracias decerta forma secundarizam, em benefíciodos Partidos Políticos, a participaçãopopular direta; na verdade, ainda segundoesse autor, os Partidos Políticos adquirirama qualidade de autênticos protagonistas dademocracia representativa, não seencontrando, no mundo ocidental,nenhum sistema político que prescinda dasua intermediação, sendo excepcional emesmo até exótica a candidatura

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individual a cargo eletivo fora do abrigo deum Partido Político” (p:3)(...)31. Foi precisamente no curso dessehistórico julgamento plenario que pergunteie em sequência respondi — “(...) dentreesses direitos que o ex-filiado já não levapra casa, já não carrega a tiracolo como sefosse a própria roupa do corpo ouuma bolsa de moedas, está o mandatoparlamentar?“Uma primeira resposta: se considerarmosque o mandato foi obtido em virtude de umobrigatório vínculo jurídico-partidário, adesfiliação não pode deixar de implicar umaperda do mandato. Perda, não comocastigo ou sanção, visto que nenhum atoilícito foi praticado. Porém como expressãode renúncia tácita. Um abrir mão dacontinuidade do exercício do mandato.Como sucederia com quem deixasse acondição de sócio de qualquer outraentidade da espécie associativa, ainda queestivesse a exercer cargo de direção. Oapeiamento de ambas as condições seriaautomático”.32. Na mesma oportunidade, ajuntei: “Sucede que essa voluntárià desfiliação,quando inteiramente discricionária ou sem

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nenhuma outra justificativa que não seja o- puro querer subjetivo do até entãoassociado, é uma opção que tem suasconseqüências. As conseqüências lógicasda escusa de deveres e do exercício dedireitos que tenham a sua única razão deser na permanência mesma da filiação.Estou a dizer: a desfiliação é ato voluntárioque, uma vez formalizado, aparta odesfiliado do grêmio a que pertencia. Corta-lhe o cordão umbilical partidário. Deixandoele, ex-associado, de cumprir os deveres eexercer os direitos que eram próprios dafiliação. “Esse bater em retirada, emanaçãodireta de uma constitucional autonomia devontade, é direito potestativo que opera peloautomático desligamento partidário doparlamentar. O desligamento em si como opróprio objeto do direito subjetivo. Mas desorte a reinvestir o partido, também pormodo automático, na inteireza da suacomposição numérico-parlamentar. Naintegridade de sua bancada, tal comoressaída, com toda legitimidade, da piabatismal do voto popular. Recomposiçãoque se dá pela convocação de quem jádiplomado como primeiro suplente dopartido ou coligação, conforme o caso. Poissomente assim é que se restaura a pureza

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de uma relação de direito que tanto faz ocandidato depender do partido, no períodode registro eleitoral e votação popular,quanto o partido depender candidato jáeleitor na subseqüente fase de atuaçãoparlamentar de um e de outro. Despontandoclaro-b- raciocínio de—que:progressivamente abandonado pelos seuseleitos, o partido se - expõ.e. aoris.cmortaldezejjiâus Ieiltiàs e aIJa não tiicomoexeiar õseiEdireit subjtivo aumfuncionamento parlamentar. Nemperante ParlantTiesmo nem ite -PFEJudiciario parao manjdas. conhecidãações decontrole 8 constitucionalidade(ADIN’s, ADC’s, ADPF’s) 4. E se falo doparlamentar como representante do partido- e não somente do povo —, é porque aMagna Lei assim o diz, com todas as letras,nos § 2° e 3° do art. 55, tanto quanto noinciso VIII do art. 103.“Acresce que o § 1°. do mesmo N da LeiFundamental remete para os estatutos decada grêmio político as ‘normas dedisciplina e fidelidade partidária”. Isto,naturalmente, em prol do partido e emdesfavor do filiado. Saltando aos olhos quea infidelidade máxima é alguém abandonaro partido após a investidura no mandato

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parlamentar. Daí a exegese da presunçãode renúncia ao respectivo exercício,somente incabível se na própriaConstituição Federal se preservasse, àsexpressas, a mantença naquela investidura.Como fez — isto sim — com as hipótesesde que trata o art. 56, todas elas nopressupostodo não-cometimento deinfração (sabido que as normas veiculadaspelos incisos de 1 a VI do art. 55pressupõem ilicitude de condutaparlamentar, que não é o caso dos autos)”.33. É neste fluxo de idéias que vocalizo umasegunda síntese: todas as trêscomentadas funções (a processual, a deintermediação e a parlamentar) confirmamo regime da mais entranhada inserção dospartidos políticos no espectro constitucionaldo sistema representativo brasileiro.Sistema, então, que adiciona um ingredientepartidário à soberania do voto popular e aopoder-dever da representação que assistea todo e qualquer detentor de mandatoeletivo. Repito: sistema que adiciona umingrediente partidário à soberania dovoto popular e ao poder-dever darepresentação que assiste a todo equalquer detentor de mandato eletivo.

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34. Tal ingrediente partidário nãodesconfirma que todo o poder emana dopovo, que se faz representar por aqueles aquem elegeu. (parágrafo único do art. 1º daConstituição). Mas implica o reconheciemtode que a) soberania do voto popular eexercitada para sufragar cadidatospartidários, e não candidatos vuIsos, b) oscandidatos partidários, eventualnte eleitos,se investem em cargos de repesentaçãobinariamente popular e partidária mesma.Por conseguinte, o eleitor-soberano vota nocandidato e no seu partido (isoladamente,ou em coligação, conforme repetidamenteanotado), para instaurar uma futura relaçãode representação que permaneçatridimensional; quer dizer, o mandato quese ganhou por modo popular e partidário éde ser exercido como expressão de umarepresentatividade igualmente popular epartidária. Com o que se atende ao próprioconceito de soberania como o grau máximodo poder político (soberania vem de superomnia, a significar o que está acima de tudoe acima detodos).(...)40. É o mesmo princípio que timbra aeleição para o cargode Presidente da República (§ 2º do art. 77

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da Constituição), que também não foitopicamente referido como represertante dopovo. Nem do povo nem de nenhuma daspesssoas políticas de natureza federadaNão se podendo, aqui, negar o óbvio:Nesse tipo decompetição federal homem-a-homem, candidato versus candidato; oprestígio individual tende a suplartar opartidário. A luta que se trava evolvepessoas já mais avançadas em cronológica(mínimo de 35 anos) e, portanto, com maiorpossibilidade de afirmação profissional eideológica. Pessoas de um maisdisseminado conhecimento junto ao corpode eleitores. Mas essa dependênciaeleitoral menor do partido não se confundecom independência. Não significadesideologia partidária ou coligacional.Desrepresentação em toda a linha, do povoao partido. Liberdade para semetamorfosear em ave de arribação, poucoimportando se faz inverno ou verão. Seriaum salto interpretativo chapadarnenteacrobático, entendo, sem nenhuma rede deproteção constitucional. Um atentado aométodo ou processo de interpretaçãosistemática da Constituição, quando sesabe que toda interpretação jurídica, “ou ésistemática ou não é interpretação” (Juarez

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Freitas, citado, ainda uma vez, pelo MinistroCezar Peluso (p. 29).( . . . )

43. Respondo, pois, afirmativamente àconsulta que nos é dirigida, para assentarque uma arbitrária desfiliação partidáriaimplica desqualificação para sepermanecer à testa do cargo político-eletivo. Desqualificação que é determinanteda vaga na respectiva cadeira, a ser, então,reivindicada pelo partido políticoabandonado. É a única resposta qüe meparece rimada com a Constituição, toantee consoantrnente, confornie procurei.demonstrar. Convicto de que é nodevocional respeito ela, Constituição, quese propicia à sociedade o máximo desegurnça jurídica. Afinal, só a Constituiçãogoverna quem governa. Governapermanentemente quem governatemporariamente.(...)” – grifos não originais.

O Ministro Marco Aurério, que presidiu a seção, emseu voto, segue o relator e acrecenta:

“(...)É certo que se tem, nas eleiçõespróporcionais, mais um argumento, que é

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o da distribuição das cadeiras mediante osvotos atribuídos à legenda. Mas isso nãoaltera a percepção da Carta, o que secontém na Carta, como a revelar — o quefoi muito bem salientado pelos colegas,principalmente pelo relator — um grandesistema a ser considerado, a partir atémesmo da condição de elegibilidade, queé a filiação partidária: a lei a requer comantecedência mínima de um ano. O estatutodo partido pode prever prazo maior.Também o que se contém no artigo 17, §1°, da Constituição Federal, sobre aprevisão no estatuto de regras próprias àdisciplina e à fidelidade partidária, não estájungido às eleições proporcionais. Não háa distinção no preceito. É abrangente,apanhando, portanto, as eleiçõesmajoritárias. Tem-se a exigência de filiação; a escolha,como salientado pelo relator, do candidatoem convenção do partido; o financiamento,em parte, da campanha eleitoral pelopartido, via fundo partidario; a questãoalusiva ao horário da propaganda eleitoralgratuita, como ressaltado por VossaExcelência, para que? Para que tantasexigência se, após a vinculação – candidato– partido – estabelecida a mais não poder

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– ele cadidato, logrando êxito, podesimplesmente virar as costas ao partido quelhe respaldou a caminhada?(...)” – grifos não originais.

3. DECISÕES DO STF ACERCA DO TEMAApós o pronunciamento positivo do TSE à consulta

supra, o PPS, PSDB e DEM fizeram requerimento aopresidente da Câmara dos Deputados - Arlindo Chinaglia -para que declarasse a vacância de 23 cadeiras dosdeputados que saíram dos respectivos partidos após aseleições de 2006 até maio de 2007, bem como que fossemempossados os respectivos dos suplentes, o que foi negado,levando-os a impetrarem Mandados de Segurança peranteo STF.

O Supremo, embora tenha indeferido o pedido demedida liminar nas ações: MS 26.602 MC/DF, MS 26.603MC/DF, MS 26.604 MC/DF e MS 26.890 MC/DF, seguiu oposicionamento do TSE no sentido de que o mandadopertence ao partido, definindo, contudo, que a perda domesmo para aqueles que tivessem trocado de legenda sódeveria ser aplicada após 27 de março, data em que o TSErespondera à consulta sobre o assunto.

Vejamos uma decisão prolatada no MS 26890 MC/DFpelo Ministro Celso de Mello:

“MS 26.890 MC / DF - DISTRITOFEDERAL MEDIDA CAUTELAR NOMANDADO DE SEGURANÇARelator(a)Min. CELSO DE MELLO

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PartesIMPTE.(S): PARTIDO POPULARSOCIALISTA - PPSADV.(A/S): ROBERTO JOÃO PEREIRAFREIREIMPDO.(A/S): PRESIDENTE DA CÂMARADOS DEPUTADOSLIT. PAS.(A/S): PARTIDO DO MOVIMENTODEMOCRÁTICO BRASILEIRO - PMDBLIT. PAS.(A/S): GERALDO RESENDEPEREIRAJulgamento05/09/2007PublicaçãoDJ 12/09/2007 PP-00033DespachoDECISÃO: Trata-se de mandado desegurança, com pedido de medida cautelar,impetrado contra decisão emanada doSenhor Presidente da Câmara dosDeputados, que negou seguimento arequerimento formulado pelo PPS, no qualessa agremiação partidária postulava “aposse do deputado suplente do PartidoPopular Socialista na vaga do deputadoGeraldo Resende (PPS/MS), eleito pelalegenda nas últimas eleições, conformedecisão do Tribunal Superior Eleitoral,referente à Consulta nº 1.398” (fls. 19). O

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Senhor Presidente da Câmara dosDeputados, autoridade apontada comocoatora, ao negar seguimento a esse pleito,advertiu “(...) que a Mesa não estáautorizada a convocar um suplente paraassumir o mandato ora exercido peloDeputado GERALDO RESENDE, por nãose verificar qualquer das hipótesesprevistas, ‘’numerus clausus’’, no art. 56, §1º, da CF, c.c. os arts. 238 e 239 do RICD,e art. 55 da CF” (fls. 23). A presenteimpetração é motivada por consulta, que,formulada pelo Partido da Frente Liberal(PFL), hoje Democratas (DEM), e dirigidaao E. Tribunal Superior Eleitoral,consubstanciou-se na seguinte indagação:“Os partidos e coligações têm o direito depreservar a vaga obtida pelo sistemaeleitoral proporcional, quando houverpedido de cancelamento de filiação ou detransferência do candidato eleito por umpartido para outra legenda?” (grifei) O E.Tribunal Superior Eleitoral, ao “responderpositivamente à consulta”, resolveu-a empronunciamento assim ementado(Consulta nº 1.398/DF, Rel. Min. CESARASFOR ROCHA): “CONSULTA.ELEIÇÕES PROPORCIONAIS.CANDIDATO ELEITO. CANCELAMENTO

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DE FILIAÇÃO. TRANSFERÊNCIA DEPARTIDO. VAGA. AGREMIAÇÃO.RESPOSTA AFIRMATIVA.” (grifei) Presenteesse contexto, passo a apreciar apostulação cautelar formulada pelaagremiação partidária ora impetrante. Aofazê-lo, e tendo em consideração as razõespor mim expostas em anterior decisãoproferida nos autos do MS 26.603-MC/DF,cabe-me assinalar que o exame dacontrovérsia jurídica delineada na presentecausa põe em evidência, uma vez mais,discussão relevante sobre a titularidade domandato eletivo, vale dizer, sobre aexistência, ou não, quanto a ele, de um duplovínculo (partidário e popular), bem assimsobre a possibilidade de se reconhecer avacância do mandato parlamentar - porperda, por renúncia tácita ou, ainda, porefeito de sanção estatutária de caráterexpulsório (CF, art. 17, § 1º) - na hipótesede o candidato eleito por um determinadopartido político vir a transferir-se para outralegenda. Vê-se, pois, tal como se registrouno mencionado MS 26.603-MC/DF, que apretensão ora deduzida nesta sedemandamental tem por suporte oreconhecimento de que a transferência docandidato eleito por um partido para outra

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legenda configuraria - segundo sustenta oPPS - transgressão, por infidelidade, aosvínculos que se estabelecem, de um lado,entre o candidato eleito e o partido políticosob cuja legenda se elegeu e, de outro, entreo candidato eleito e o cidadão que oescolheu. Ao analisar o pleito cautelarformulado nos autos do MS 26.603/DF,destaquei, então, o inquestionável relevojurídico-constitucional de que se reveste aquestão suscitada pelos Partidos Políticosem torno do instituto da fidelidadepartidária, notadamente se seconsiderarem os votos proferidos naresolução, pelo E. Tribunal SuperiorEleitoral, da já mencionada Consulta nº1.398/DF. Reafirmo, neste ponto, anteriorobservação minha no sentido de que aessencialidade dos partidos políticos noprocesso de poder (RTJ 158/441-442, Rel.Min. CELSO DE MELLO) não nos permitedesconhecer o alto significado que assume,na prática da representação política, oinstituto da fidelidade partidária, enquantovalor constitucional impregnado de múltiplasconseqüências, valendo referir, a essepropósito, dentre outros autores(AUGUSTO ARAS, “Fidelidade Partidária- A Perda do Mandato Parlamentar”, p. 337/

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354, 2006, Lumen Juris), o magistério deVÂNIA SICILIANO AIETA (“ReformaPolítica”, tomo V/67-147, 2006, LumenJuris), que identifica, no ato de infidelidadepartidária, causa geradora da perda domandato: “O abandono da legenda pelorepresentante infiel tem desfalcado, semrestituição, a representação parlamentardos partidos, fraudando a vontade doeleitorado e lesando o modelo dedemocracia representativa dos povos maisesclarecidos. A concretização e a aplicaçãodo ‘’princípio constitucional da fidelidadepartidária’’ formulam-se como umanecessidade absolutamente indispensávelda ordem do dia, porque o sentido dadistribuição da eleição proporcional éexatamente o de conferir o mandato aopartido político e não ao candidato.” (grifei)Não obstante todas essas razões que venhode expor - e embora atribuindo especialrelevo à resolução, pelo E. Tribunal SuperiorEleitoral, da Consulta nº 1.398/DF, Rel. Min.CESAR ASFOR ROCHA -, não posso,contudo, na linha da decisão por mimproferida no MS 26.603-MC/DF, deixar deconsiderar, ao menos neste juízo de sumáriacognição e em obséquio ao postulado dacolegialidade, as decisões emanadas do

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Plenário do Supremo Tribunal Federal (MS20.916/DF, Rel. p/ o acórdão Min.SEPÚLVEDA PERTENCE) no sentido da“inaplicabilidade do princípio dafidelidade partidária aos parlamentaresempossados (...)” (RTJ 153/808-809, Rel.Min. MOREIRA ALVES). Vale registrar, poroportuno, que igual entendimento foiadotado pelo eminente Ministro EROSGRAU, Relator do MS 26.602/DF, quandoda análise de postulação cautelar idênticaà ora formulada pela agremiação partidáriaimpetrante. Sendo assim, em face dasrazões expostas, e sem prejuízo dereexame mais aprofundado da controvérsiaem questão, indefiro, ao menos nestafase inicial, o pedido de medida cautelarformulado pelo PPS. 2. Solicitem-seinformações ao eminente SenhorPresidente da Câmara dos Deputados,autoridade ora apontada como coatora,encaminhando-se-lhe cópia da presentedecisão. 3. Citem-se, na condição delitisconsortes passivos necessários, oPartido do Movimento DemocráticoBrasileiro - PMDB e o Senhor DeputadoFederal Geraldo Resende Pereira, tal comorequerido, pelo próprio impetrante, a fls. 15.A efetivação dos atos citatórios em

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referência constitui providência essencialao regular prosseguimento da presenteimpetração, pois a eventual concessão domandado de segurança terá o condão deafetar a situação jurídica tanto domencionado parlamentar, que se transferiupara agremiação partidária diversadaquela sob cuja legenda foi eleito, quantodo partido político (PMDB), que sebeneficiou, diretamente, no caso, do ato dealegada infidelidade partidária. É tãoimportante (e inafastável) a efetivaçãodesses atos citatórios, com o conseqüenteingresso formal desses litisconsortespassivos necessários na presente causamandamental - o que viabilizará, porimperativo constitucional, a instauração docontraditório -, que a ausência de referidamedida, não obstante o rito especialpeculiar ao mandado de segurança, poderáimportar em nulidade processual,consoante adverte a jurisprudência dosTribunais em geral, inclusive a desta Corte(RTJ 57/278 - RTJ 59/596 - RTJ 64/777 -RT 391/192, v.g.): “No caso de litisconsórcionecessário, torna-se imprescindível acitação do litisconsorte, sob pena denulidade do processo.” (Revista dosTribunais, vol. 477/220 - grifei) Determino,

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pelas razões expostas, sejam citados, nacondição de litisconsortes passivosnecessários, tanto o Senhor DeputadoFederal Geraldo Resende Pereira quantoo Partido do Movimento DemocráticoBrasileiro - PMDB (fls. 15). Para tanto, aagremiação partidária ora impetrantedeverá adotar, junto à Secretaria desteTribunal, as providências necessárias àefetivação dos referidos atos citatórios.Publique-se. Brasília, 05 de setembro de2007. Ministro CELSO DE MELLO Relator”– (grifos não originais).

Dentre os deputados e vereadores relacionados nosmandados de segurança como “infiéis” supra, apenas adeputada Jurismari de Oliveira (BA) corre o risco de perdero mandato, pois foi a única que trocara de partido após 27de março de 2007.

4. PROCESSO DE PERDA DE CARGO ELETIVO E DEJUSTIFICAÇÃO DE DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA -RESOLUÇÃO Nº 22.610/07 DO TSE

Após as decisões monocráticas proferidas nosmandados de segurança supracitados, o TSE disciplinou oprocesso de perda do cargo eletivo, bem como dejustificação de desfiliação partidária através da Resoluçãonº 22.610 de 25.10.07, publicada no D.O.U. em 30.10.07.

Segundo esta Resolução, o partido políticointeressado pode pedir, no prazo de 30 (trinta) dias, perante

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a Justiça Eleitoral – TSE ou TRE, conforme o mandato sejaou não federal, respectivamente, - a decretação da perdade cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidáriasem justa causa (arts. 1º e 2º).Considera-se justa causa (§1º):

I) incorporação ou fusão do partido;II) criação de novo partido;III) mudança substancial ou desvio reiteradodo programa partidário;IV) grave discriminação pessoal.

Caso o partido político não faça tal requerimento,poderá fazê-lo, dentro de 30 (trinta) dias subseqüentes, ointeressado jurídico ou o Ministério Público Eleitoral.

Haverá o contraditório no processo, sendo citados pararesponder, no prazo de 5 (cinco) dias contados do ato dacitação, o mandatário que se desfiliou e o eventual partidoem que esteja inscrito e, no caso do mandatário que sedesfiliou ou pretenda desfiliar-se ter pedido adeclaração de justa causa, será também citado o partidono qual era inscrito (arts. 4º e 1º, § 3º), bem como haverá aparticipação do Ministério Público como custos legis,quando este não atue como autor da ação.

A Resolução em tela aplica-se apenas às desfiliaçõesconsumadas após 27.3.07, quanto aos mandatários eleitospelo sistema proporcional, data em que o TSE respondeu àCTA 1398, e, após 16.10.07, quanto aos eleitos pelo sistemamajoritário, data da resposta à CTA 1407 (art. 13).

Assim, nos casos de saída do candidato do partido noqual foi eleito, após o dia 27.3.07, se o mesmo integrar o

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sistema proporcional, ou após o dia 16.10.07, quanto aoseleitos pelo sistema majoritário, em não tendo sido justificadaa desfiliação partidária, através do processo ora tratado,poderá incorrer em perda de mandato eletivo, caso arepresentação contra eles impetrada venha a ser julgadaprocedente.

O Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Cearácomeçou a julgar tais processos na sessão do dia 30 dejaneiro de 2008, sendo que em novembro de 2007 já haviarecebido 14 processos, envolvendo 27 parlamentares, dosquais 26 eram vereadores e um deputado estadual, tendocomo autores o PP, PAN, PMDB, PPS, PSDB e PTC e comoacionados parlamentares dos municípios de Brejo Santo,Campos Sales, Fortaleza, Farias Brito, Itatira, Maracanaú,Mombaça, Monsenhor Tabosa, Pacatuba, Pedra Branca,Santa Quitéria, Ubajara, Uruburetama e Salitre.

O vereador de Itaitinga, José Nelson de Lima Santos,acionado pelo Partido da República – PR em razão domesmo ter deixado a legenda para se filiar ao PRB no dia2.10.07, teve o seu mandato assegurado por unanimidadede votos, sendo o fundamento do julgamento o fato domandatário ter sido eleito pelo PL, e não pelo PR, queresultara da fusão do PL com o Prona, o que configurariauma das exceções estabelecidas pelo TSE, tendo o relatordo processo, o juiz federal Danilo Fontenele SampaioCunha, ressaltado que a fusão partidária indica mudançade filosofia e, como a resolução do TSE Nº 22.610/07 nãoestabelece prazo para a desfiliação, teria não havidoinfidelidade partidária.

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5. CONSTITUIÇÕES ANTERIORESA Constituição de 1967, em seu artigo 149, fixou

apenas que os Partidos seriam regidos por lei queobservaria o princípio da disciplina partidária, nãodiscorrendo, portanto, acerca do instituto da fidelidadepartidária em seu texto.

Tal só ocorreu com a EC n. 1/69, a qual dera statusconstitucional ao instituto da fidelidade partidária, ao disporno parágrafo único do artigo 152 que: “Perderá o mandatono Senado Federal, na Câmara dos Deputados, nasAssembléias Legislativas e nas Câmaras Municipais quem,por atitudes ou pelo voto, se opuser às diretrizeslegitimamente estabelecidas pelos órgãos de direçãopartidária ou deixar o partido sob cuja legenda foi eleito”.Estabelecendo, ainda que: a “perda do mandato serádecretada pela Justiça Eleitoral, mediante representaçãodo partido, assegurado o direito de ampla defesa”.

Por sua vez, a EC n. 11/78 acresceu ressalva à perdade mandato (que beneficiaria futuramente ao SenadorTancredo Neves), no sentido de que: se o “deixar o Partido”fosse motivado para “participar, como fundador, daconstituição de novo partido”.

Já a EC n. 25/85 desconstitucionalizou o tema,excluindo, simplesmente o texto antes em vigor.

A Constituição de 1988 voltou a falar da fidelidade,mas, como a Constituição de 1967, não chegou tecermaiores comentários acerca da mesma, dispondo, apenas,em art. 17, §1º, que os Partidos Políticos devem estabelecerem seus estatutos “normas de disciplina e fidelidade

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partidária”.Alguns alegam, mesmo tendo por base uma

interpretação sistemática, que a infidelidade não poderedundar na perda do mandato, pelo fato do art. 55, queregula os casos de perda de mandato, não elencar talhipótese.

6. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONALO art. 18 da Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/

95), seguindo o art. 14, § 3º, V, da CF/88, que exige a filiaçãocomo condição de elegibilidade, dispõe como prazo mínimode filiação um ano antes da data fixadas para as eleições,sejam elas majoritárias ou proporcionais, possibilitando queos partidos políticos, através de seus estatutos, fixem prazosmaiores para a filiação, trazendo apenas a ressalva de queos mesmos não poderão ser alterados no ano da eleição(art. 20, caput, e seu parágrafo único).

O estatuto do partido deve conter, por sua vez, entreoutras, conforme previsto no art. 15 da lei em tela, normassobre:

II - filiação e desligamento de seusmembros;(...)V - fidelidade e disciplina partidárias,processo para apuração das infrações eaplicação das penalidades, asseguradoamplo direito de defesa;(...)

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Esta mesma lei estabeleceu, ainda, que “filiado algumpode sofrer medida disciplinar ou punição por conduta quenão esteja tipificada no estatuto do partido político” (art. 23,§1º), assegurando-lhe o amplo direito constitucional à defesa(art. 23, §2º).

E, especificamente acerca da perda do cargo oufunção que o parlamentar exerça na respectiva CasaLegislativa, em virtude da proporção partidária, prevê, nosarts. 25 e 26, que o partido poderá estabelecer normaprevendo tal penalidade ao parlamentar que se opuser, pelaatitude ou pelo voto, às diretrizes legitimamenteestabelecidas pelos órgãos partidários, bem como que talperda se dará automaticamente no caso do parlamentarque deixar o partido sob cuja legenda tenha sido eleito.Vejamos:

Art. 25. O estatuto do partido poderáestabelecer, além das medidasdisciplinares básicas de caráter partidário,normas sobre penalidades, inclusive comdesligamento temporário da bancada,suspensão do direito de voto nas reuniõesinternas ou perda de todas as prerrogativas,cargos e funções que exerça emdecorrência da representação e daproporção partidária, na respectiva CasaLegislativa, ao parlamentar que se opuser,pela atitude ou pelo voto, às diretrizeslegitimamente estabelecidas pelos órgãospartidários.

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Art. 26. Perde automaticamente a funçãoou cargo que exerça, na respectiva CasaLegislativa, em virtude da proporçãopartidária, o parlamentar que deixar opartido sob cuja legenda tenha sido eleito.

Os que são contrários à perda do mandato em razãoda desfiliação partidária pregam que tal artigo se refereapenas a funções/cargos partidários, e não ao mandato, masesta não foi a interpretação dada pelo Ministro MarcoAurélio, acima transcrita, quando da resposta à CTA nº1398, o qual, ressaltando o teor do referido art. 26, afirmaque a norma é clara no sentido de que há perda do mandato.7. REFORMA POLÍTICA – PEC 23

Foi apresentada pelo Senador Marco Maciel, emfevereiro de 2007, proposta de Emenda Constitucional denº 23 alterando os arts. 17, 46 e 55 da CF/88, na qual prevêa perda de mandato do candidato que se desfiliar do partidono qual se elegeu, salvo no caso de extinção, incorporaçãoou fusão do partido.

Tal proposta já passou pela Comissão de Constituição,Justiça e Cidadania, faltando, ainda, aprovação na Câmarados Deputados, estando com a seguinte redação final:

“Altera os arts. 17, 46 e 55 da ConstituiçãoFederal, para assegurar aos partidospolíticos a titularidade dos mandatosparlamentares e estabelecer a perda dosmandatos dos membros do PoderLegislativo e do Poder Executivo que sedesfiliarem dos partidos pelos quais foram

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eleitos.As Mesas da Câmara dos Deputados e doSenado Federal, nos termos do § 3º do art.60 da Constituição Federal, promulgam aseguinte Emenda ao texto constitucional: Art. 1º Os arts. 17, 46 e 55 da ConstituiçãoFederal passam a vigorar com as seguintesalterações: ”Art. 17................................................................ ............................................................................... V - titularidade dos mandatosparlamentares. ................................................................................ § 5º Perderá automaticamente omandato o membro do Poder Legislativoou do Poder Executivo que se desfiliar dopartido pelo qual tenha sido eleito, salvo nocaso de extinção, incorporação ou fusão dopartido político. § 6º A perda do mandato de ocupante decargo eletivo do Poder Executivo serádeclarada pelo Tribunal Superior Eleitoral,quando se tratar de Presidente ou Vice-Presidente da República; pelo TribunalRegional Eleitoral, quando se tratar deGovernador ou Vice-Governador de Estadoou do Distrito Federal; e pelo Juiz Eleitoral,quando se tratar de Prefeito ou Vice-

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Prefeito, mediante comunicação do órgãode direção partidária do respectivo nível. § 7º A comunicação prevista no § 6º seráacompanhada de documentocomprobatório da desfiliação, observado odisposto nos arts. 79, 80 e 81, destaConstituição, para os casos de Presidenteou Vice-Presidente da República, e, paraos demais casos, também o disposto narespectiva Constituição estadual ou LeiOrgânica municipal.” (NR) ”Art. 46................................................................ ..............................................................................§ 3º Cada Senador será eleito com doissuplentes do mesmo partido.” (NR)”Art. 55................................................................ ..............................................................................VII - que se desfiliar do partido político peloqual tenha sido eleito, salvo no caso deextinção, incorporação ou fusão. .............................................................................. § 5º No caso previsto no inciso VII, a perdado mandato será declarada pela Mesa daCasa respectiva, no prazo máximo de trêssessões ordinárias ou extraordinárias,mediante comunicação do órgão de direçãonacional do partido político, acompanhada

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de documento comprobatório dadesfiliação.” (NR)Art. 2º Esta Emenda Constitucional entraem vigor na data de sua publicação,aplicando-se a partir da primeira eleiçãosubseqüente”.

Cumpre ressaltar que este não é o primeiro projeto deemenda a ser apresentado sobre fidelidade partidária, játendo outros sido propostos anteriormente, pois há muito sediscute no Congresso Nacional o retorno das regras defidelidade partidária abolidas em 1985, totalizando mais de15 propostas, com diferenças importantes, dentre as quaispodemos citar: para a PEC 41/96 e para a PEC 166/95 aperda de mandato implicaria na inelegibilidade por doisanos; para a PEC 283/95 a perda ocorreria para quemmudasse de Partido antes de cumprir 2/3 do mandato; paraa PEC 51/5, antes da metade do mandato; e para a PEC90/95, a conseqüência da infidelidade atingiria também aochefe do executivo.

De todos os projetos engavetados, talvez o maisdiscutido tenha sido a PEC 44/98, apresentada pelaComissão Especial da Reforma Político-Partidária quesugeria: (I) a perda automática do mandato, decidida pelaExecutiva Nacional do Partido, na hipótese de desfiliaçãopartidária dos ocupantes de mandato legislativo, salvo nocaso de fusão ou incorporação ou para participar, comofundador, da constituição de novo Partido Político; (II) e apossibilidade de perda (pois seria decidida pela Justiça

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Eleitoral) de mandato no Legislativo ou no Executivo, nahipótese de violação grave da disciplina partidária,caracterizada pela desobediência às decisões aprovadasem convenção. Em qualquer hipótese, recebida acomunicação da Executiva Nacional do Partido ou transitadoem julgado a decisão judicial, a perda seria declarada pelaMesa da Casa respectiva.

8. A REALIDADE INSTITUCIONAL PARTIDÁRIAA realidade brasileira é a de que não existe ideário

partidário, isto porque, em regra, o povo vota nos candidatose não nos partidos, tendo por base apenas as característicaspessoais dos primeiros e abstraindo-se os segundos, osquais acabam servido, apenas, como se fossem merasagremiações necessárias para eleger seus filiados, o quenão condiz com os preceitos constitucionais, dentre os quaiso da filiação partidária, da moralidade e ética administrativas,da representatividade e da democracia.

Isto se demonstra pelo número exorbitante de partidospolíticos hoje existentes, mais precisamente 30 (trinta),tornando-se difícil até mesmo citá-los, quanto mais saberquais as suas ideologias e programas.

Também enorme é a troca de partidos pelos eleitos,tendo a mudança de legenda, em 2002, atingido mais de40%, inclusive com parlamentar que mudou oito vezes departido e, nas eleições de 2006, ao menos 36 deputadostrocaram de legenda, tendo o Partido da República, porexemplo, recebido 15 novos filiados eleitos por outrasagremiações e, por outro lado, dos 513 deputados eleitos,apenas 31 conseguiram se eleger com seus próprios votos,

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sendo que os outros foram puxados para o Congresso pelosvotos da legenda.

Isto se dá, na maioria dos casos, tendo em vista finsparticulares dos candidatos, seja mudando, logo após aeleição, para o partido da situação, onde conseguirãomaiores recursos controlados pelo governo para cumprir comsuas promessas de candidatura junto aos seus eleitores,além de outros favores e cargos, seja transferindo-se, aofinal da legislatura, para um da oposição, com maiorpotencial de elegibilidade, visando maiores chances para apróxima candidatura.

Tal prática fere o princípio da moralidade, previsto noart. 37 da Carta Magna, que proíbe o uso de qualquerprerrogativa pública, no interesse particular ou privado.

Daí a razão da infidelidade partidária, então reinante,e porque se faz necessário e imperioso que se imponha comofidelidade partidária, que a saída do mandatário do partidosó se dê nos casos permitidos por nossa legislação, no casoa Res. n° 22.610/07 do TSE e, caso venha a ser aprovada,a PEC 23, posto que somente assim o sistema político epartidário nacional amadurecerá.

Marcelo Lamy (in Reflexões sobre a FidelidadePartidária), em sua defesa contraria a perda do mandatopelo candidato, disserta acerca do tema que:

“No Brasil, a institucionalização partidáriaé muito débil, é fraca a vinculaçãoideológica ou programática entre oseleitores e os Partidos, bem como entre oscandidatos e os Partidos.A institucionalização partidária se verificaria

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se houvesse uma efetiva expectativa doseleitores de que no futuro (após as eleições)o comportamento parlamentar seguiria asdiretrizes partidárias. Em verdade parece-nos que esta expectativa se dá apenaspara com as promessas dos líderespartidários, não para com os programasdos Partidos.Há um frágil enraizamento partidário emnossa sociedade. O vínculo entre oseleitores e os candidatos é maispersonalista do que partidário. Muitoseleitores escolhem os candidatosbaseados em suas características pessoais(simpatia pelos traços da personalidade),sem levar em conta o Partido a quepertencem, as questões programáticas, aideologia.Os Partidos, neste sistema fluído, sãoatores importantes, mas não possuemefeito estruturador, este efeito émedianamente atingido apenas peloslíderes da legenda. A competição partidária,em nosso sistema desestruturado, não éideológica. A cena política é dominada maispor personalidades do que por Partidos (eo sistema de listas abertas incentivafortemente o individualismo nascampanhas). Ademais, os Partidos são

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programaticamente difusos, suas fronteirasatuais possuem muito pouco significado.Todos esses apontamentos são razões queexplicam a afirmação de Scott Mainwaringe de Mariano Torcal: ‘partidos apareceme desaparecem com frequência, onde acompetição entre eles é ideológica eprogramaticamente difusa e onde aspersonalidades costumam ofuscar ospartidos” (Teoria e institucionalização dossistemas partidários após a terceira ondade democratização’. Opinião Pública,Campinas, Vol. XI, n. 2, Outubro, 2005, p.276). Acrescentaria, fundem-se, coligam-senão ideologicamente, mas em função dosinteresses políticos momentâneos...(...)Por fim, questiono: se ninguém pode serprivado de seus direitos por motivo deconvicção política (art. 5º, VIII), é possívelprivar aos parlamentares da possibilidadede mudarem de convicção política?Seria utópico e maléfico ao sistema (quese converteria em meras lutas de classes)que o parlamentar eleito se comportasse daexata forma como os eleitores o fariam seestivessem no seu lugar (mandatoimperativo), até mesmo por não se saber,com precisão, quem de fato votou nele.

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Confia-se, apenas, que corresponderá àsexpectativas dos eleitores, que seguirá oprograma genérico, as grandes linhas nelecontidas.Não é possível ao parlamentar reivindicar apropriedade do mandato, tampouco o podefazer a legenda. O mandato é do povo e aosseus anseios deve estar atrelado”.

Quanto à arguição, pelo autor, do art. 5°, VIII, da CF/88, convém retrucar no sentido de que a perda do mandatopara o mandatário infiel não caracteriza perda de direito porconvicção política, isto porque o mandato não lhe pertence,não sendo, pois, um “direito” seu, na acepção particular dotermo.

Também não procede o argumento, seguindo a tesesupra da impossibilidade de mandato, que se baseia no art.5°, XX, da CF/88, que dispõe acerca da possibilidade dese desassociar, haja vista que, realmente, tal direito éassegurado ao associado, o que não inclui o de permanecercom o mandato caso se configure infidelidade partidária.

CONCLUSÃOVê-se, pois, que reina em nossa sistemática partidária

uma total falta de ideologia, o que transforma os partidospolíticos em meras associações para promover acandidatura de seus filiados, o que retira daqueles suaprópria natureza política, desconfigurando-os, cujos finsdeveriam ir muito além disso.

Daí porque ser fundamental a fidelidade partidária, com

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a qual se pretende direcionar o sentido de um núcleoprogramático, ou melhor, fazer os políticos e partidos sevoltarem para a sociedade e levá-los a uma crescenteidentificação com a respectiva corrente, fim este que,certamente, não será imediato, mas que irá, aos poucos,solidificando o sistema democrático-representativobrasileiro.

A Constituição Federal, ao estabelecer como condiçãode elegibilidade a filiação partidária, isto porque o sistemarepresentativo se dá através dos partidos, pretende que oscandidatos se vinculem a programas estabelecidos pelosrespectivos partidos, a fim de que o eleitor possa se guiarna hora votar e, assim, esperar uma determinada condutadaquele em quem votou.

Com relação às eleições proporcionais para as CasasLegislativas, há mais um fundamento em prol da fidelidadepartidária, posto que o candidato depende também dos votosdados ao partido, a não ser que atinja sozinho o quocienteeleitoral, ao qual se chega somando-se todos os votos válidos(sem brancos ou nulos) referentes àquele cargo e dividindo-se o total pelo número de cadeiras em disputa.

Assim, não podemos deixar de elogiar a decisão doSTF que, seguindo a resolução do TSE, pronunciou-se pelafidelidade partidária, o que nos leva continuar sonhando queainda pode haver um ideal político a ser seguido,preservando-se a moralidade e ética na política, ofortalecimento dos partidos, o combate à corrupção e, porfim, o regime democrático.

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REFERÊNCIAS

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- STF decide fidelidade partidária nesta semana; prazo para trocas vai

até 6ª. 30/09/2007 <www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/

ult96u332730.shtml>;

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http://www.estadao.com.br/nacional/not_nac66485,0.htm;

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Outubro de 2007. <http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/10/18/

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