FIGUEIREDO, Ariosvaldo. o Negro Em Sergipe Uma Introdução Ao Seu Estudo

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Sergipe

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  • CDU 326 (814.1)

    O NEGRO ESCRAVO EM SERGIPE, UMA INTRODUOAO SEU ESTUDO

    Ariosva Ido Figueiredo

    O Brasil, antes de ser conhecido, j tinha dono. a conseqncia do Tra-tado de Tordesilhas, celebrado sob as bnffos do Papa Alexandre VI, entre Por-tugal e Espanha e aprovado, depois, pelo Papa Jlio II. Portugal e Espanha divi-diam o mundo, ficando o Brasil sob o domnio e proteio da coroa portuguesa.Na terra "mui hermosa" de Paro Vez de Caminha, "feitoria colonial", ir tremu-lar a bandeira do mercantilismo vitorioso.

    O expansionismo burgus de Napoleffo levou Junot a ocupar Portugalforando a vinda de D. JoSo VI para o Brasil. Havia no pas ibrico, "uma Cortecorrupta, envilecida na explorao colonial". E Tobias Monteiro adianta: "Umdos espetculos mais tristes da invaso de Portugal, foi a pusilanimidade da no-breza e a sua enternecidasubmiss8o ao invasor."

    A corte portuguesa, no Brasil, permaneceu fiel a seus antigos e inidneosvalores. Ao tempo de O. Joffo VI, - observa Oliveira Lima -' "a honestidadeno era trao caracterstico da sociedade brasileira". Saint -lilaire escreve: "Osexemplos de relaxamento de costumes dados pela Corte de Portugal durantea sua permanncia no Rio de Janeiro, e a venalidade que introduziu por todaa parte, concorreram ainda para a corrupo geral". Diz Nelson Werneck Sodr:"Uma das formas usuais de corrupffo estava nos ttulos". D. Jogo VI, prdigo,fazia um mundo de marqueses,

    '

    bares, viscondes, condes a cortej-lo, que "namaioria no sabiam assinar o nome:" Para o Conde de Linhares, a "rcua de vas-salos em torno de D. Joffo VI" no passa de "uma cambada de exploradores".

    Ci. & Tr6p., Recife, 16(1):45-56,/an./jun., 1988

  • 46 O negro escravo em Sergipe, uma Introduo ao seu Estudo

    Instala-se o Imprio, alicerado no trabalho escravo. D. Pedro 1 iria per-correr a mesma caminhada de D. Joo VI, ampliando, sob o respaldo da aristo-cracia rural, os poderes indispensveis manuteno do "status quo". Eles luta-vam - dir Joo Ribeiro pelo constitucionalismo, o imp4rio ea centralizao.Costa Carvalho; ligado ao trono, inventa a clebre frmula: "S brasileiroaquele que constitucional". 1

    Pedro 1, ao tempo em que vivia seu liberalismo afetivo, mundano, dorns-tico, reagia, contraditrio, a qualquer anseio de mudana renovao da socieda-de brasileira. Assim procedeu contra o liberalismo emergente dos constituintesde 1823, que, repudiavam a prepotncia do Poder Moderador, o aumento dopoder do Senado vitalcio, o acmulo pelo Imperador das coroas do Brasil ePortugal e a distribuio poltica e administrativa do Pas. Coube, tambm, Assemblia de 1823, criar a justia popular. dos juizes de paz, "barreiras s arbi-trariedades dos presidentes de provncias, deptcos e mandes" 2 e dar justoslimites ao direito de propriedade.

    No contexto de um Brasil submisso ao colonialismo bragantino h a dis-soluo, em 12/1111823, pbr Pedro 1, da Constituinte tida como "assembliaincendiria", na qual os deputados, na afirmao do Imperador, "se dispunhama uma reao contra o trono". o golp de Estado de 12 de novembro de 1823- diz Mello Morais. 3 Pedro 1 era injusto at com Maciel da Costa, Marqus deQueluz, aceitando sem protesto, embora Presidente da Constituinte, a dissoluoimposta. Dcil, ablico, o Marqus de Queluz chega a dizer, no Senado, "que oregime constitucional no era prprio para pases onde as comunicaes eramdifceis".

    Dissolvida a Assemblia de 1823, dissoluo imposta pelas mistificaesdo lusitanismo teorizado, como filosofia poltica, pelas convenincias da Casa deBragana, D. Pedro 1 promulga, a 25/3/1824, a Constituio do Imprio, a pri-meira do Brasil. Ela no nascia do poder constituinte, brotava dos interesses mo-nrquicos e rurais constitudos. Dai'a campanha contra as lideranas polticas de1823, campanha que levaria Manoel Bo.nfim a reagir: "De tudo que se tem repeti-do em detrimento dos constituintes de 1823, no-somente mentira, mas cri-me expresso contra o Brasil".

    Promulgada a Constituio, cuidar-se-ia da instalao e eleio da Cma-ra dos Deputados e do Snado, os deputados eleitos por prazo certo, os senado-res com mandato vitalcio. A eleio dos deputados senadores AssembliaGeral e aos Conselhos Gerais das Provncias, indireta. "A eleio direta - dizem 23/1/1875o Jornal do Aracaju transcrevendo A Nao, do Rio de Janeiro -nenhum partido a quer. O primeiro dos seus efeitos dar injusta influncia ssumidades contra a massa geral dos votantes" (Conselheiro Zacharias), ela " arepresentao da burguesia xcluindo todo o povo de eleger. Foi obra sua a Re-voluo Francesa de 1848" (Conselheiro Nabuco). Est estruturado o poder paraconduzir o regime; surdo aos gemidos da populao empobrecida, escravizada.

    Processa-se na Colnia, sob o comando de Portugal, a ocupao econmi-ca do litoral nordestino, o acar, "o principal nervo e substncia da riqueza daterra' (Brandnio), "Ao longo do litoral floresceram os canaviais e se multiplica-ram os engenhos. Pelos fins do sculo XVI, Pernambuco e Bahia j sobressaamno mercado mundial como os maiores produtores de acar".

    G. & Trp., Recife, 15(I): 45-56, jan./jun., 1988

  • Ariosvaldo Figueindo 47

    No se cogitava da penetrao do interior, pois a empresa colonial forainstalada para atender ao mercado europeu. O Brasil, "unidade comercial de ex-portao" (Alberto Torres) integrava-se no comrcio internacional conduzidoe manipulado pel Europa. O acar se destacava no valor global da exportaobrasileira. J em 1650, para uma "exportao total de 4.000.000 de libras ester-linas ou 7.80400$000, o acar contribua cern 3.875.000 de libras, ou, emmoeda nacional 7754:375$000. 6 "De 1.500 a 1.822, do descobrimento independncia, o Brasil exportou mercadorias num total de 536 milhes de li-bras esterlinas, dos quais 300 milhes, ou seja, mais da metade, correspondemao acar".

    O acar, fundado na grande propriedade, era a empresa colonial por ex-celncia, forma do Brasil produzir excedentes para o mercado europeu. "Com-pletam-se, assim, os trs elementos constitutivos da organizao agrria do Brasilcolonial: a grande propriedade, a monocultura e o trabalho escravo" (Caio Pra-do Jnior). O senhor de engenho, a figura central da sociedade da poca. "Oser senhor de engenho ttulo, a que muitosaspiram, porque traz consigo, oser servido, obedecido e respeitado de muitos"(Antonil). "E senhoriagem de con-tedo nobilirquico". Ele gozava de todos os privilgios. Pedro Calmon faz re-ferncia Proviso de 1612, que determinava que "os lavradores e proprietriosde engenhos riSo fossem executados". "Em 23112/1663, um alvar veio proibirque engenhos fossem arrematados por dvidas de seus donos. Em 1683, outraordem proibia aos credores arrematar engenhos, concedendo-lhes apenas direitode cobrana sobre as safras". 8 Pedro Calmon adianta: "A desordem da oferta eos imprudentes gastos dos senhores seriam razes de atrofia e mesmo extinode muitos engenhos se no os socorresse a justia, acautelando-os contra os cre-dores". 9 O senhor de engenho era a terra, o escravo e o poder.

    O escravo, a base da economia do tempo. Durante 300 anos, produziu aexportao brasileira. O trfico de escravos, embora "brbaro e carniceiro"(Jos Bonifcio de Andrada e Silva), atendia s necessidades da Colnia propor-cionva lucros Coroa portuguesa. No comrcio da frica para o Brasil, Portugalcobra 4$000 por escravo exportado. Depois, a Metrpole assume o comrciode escravos, comprando-os e revendendo-os na Colnia. Portugal no abre mo,em nenhum momento desta fonte de renda. El, alis, no faz negcio original.o trfico de escravos empolga, tambm, Frana, Inglaterra, Espanha, Itlia,Holanda e Estados Unidos. Coube, apenas, ao Imprio portugus, ganhar dinhei-ro negociando e tributando escravos nesta parte da Amrica. Isso no criavanenhum drama de conscincia para Portugal. O Imprio, embora catlico; apoia-va-se em Toms de Aquino que justificava a servido, repetindo Rifo e Arist-teles para quem "os homens so, por natureza, uns senhores e outros escravos".

    O escravo era coisa (rs), no era gente, no era nada. No era brasileiro.No era cidado Era, a princpio, "as mos e . os ps do senhor de engenho" e,depois, de todos os fazendeiros e proprietrios. Sustentava a economia nacio-nal, dominada, at 1850, pela agricultura e o comrcio, os estrangeiros e do-nos e controladores da exportao. O Brasil produzia e o estrangeiro ganhavadinheiro. Lucros nascidos, basicamente, da mo-de-obra escrava, o escravo traba-lhando, diariamente, at s 17 horas, inclusive aos domingos e feriados.

    G. & Trp., Recife, 76(1): 45-56, /an.Ijun., 1988

  • 48 O negro escrevo em Sergipe, uma Introduio ao seu Estudo

    "Os fazendeiros tifo acostumados estavam ao servio escravo de, pelomenos, 14 horas dirias, que chamavam de preguiosos os libertos que nifo que-riam trabalhar mais de 6 a 7 horas" (Affonso Taunay).

    Possuir escravos significava lucro e status, mesmo custando, depois, comoocorreu, o endividamento de muitos dos seus donos. Dizia Eusbio de Queirs,citado por Nelson Werneck Sodr, que "nossos agricultores s tratavam da aqui-siifo de novos braos, comprando-os a crdito, a pagamento de trs a quatroanos, vencendo no intervalo juros mordentes. Os escravos morriam, mas as dvi-das ficavam, e com elas os terrenos hipotecados aos especuladores. Assim, a nos-sa propriedade territorial ia passando das mifos dos agricultores para a dos espe-culadores e traficantes". 10

    "O senhor de engenho estava submetido a uma irremedivel contradio:se no comprasse escravos ao traficante, este a seu turno no lhe compraria oacar". 11 Em Sergipe, pobre e feia imagem do Brasil, a grandeza econmicaconvive; contraditoriamente, com a misria social.

    A histria de Sergipe comea com a assinatura, a 26 de agosto de 1534,por D. Joo III, da Cana-Foral doando a Francisco Pereira Coutinho, a "capita-nia e governana de cincoenta lguas de terras na minha costa do Brasil". Desem-barcando em 1536 na rea no demarcada, se bem que habitada, desde 1510,com jeito de dono e senhor, por Diogo lvares Correia, Francisco Pereira Cou-tinho a instalou a que lvo do Prado chamaria de "donatria arbitrria". Falecen-do a 1547 sem beneficiar o quinMo de terra generosamente recebido, seu filhoManoel Pereira Coutinho permaneceu em Lisboa mantendo at 1576 seus direi-tos sobre a herana.

    Lus de Brito e Almeida, substituto de Men de S, inspirado ou no porGarcia d'vila, proprietrio nos fins do sculo XVI de campos de criao e detanto gado que no lhe sabe o nmero, iniciava a invaso de Sergipe. Objetivava,como diz Varnhagem, a conquista das terras do Rio Real e das do litoral norteda Bahia. Coube-lhe a iniciativa de enviar jesutas a Sergipe, o que no impediude molhar a terra sergipana com o sangue generoso do indgena inocente. A caaao ndio era uma das marcas trgicas do violento perodo de Lus Brito e Almei-da substitudo, logo depois, por Loureno da Veiga que, disse Anchieta, favore-ceu "a cristandade no que pde". Com a morte de Manoel Teles Barreto, suces-sor de Loureno da Veiga, surge Cristovo de Barros, a quem Felipe II da Espa-nha, 1 de Portugal dizia, em carta, considerar, "justa e futurosa a conquista daregio de Sergipe Dei Rei".

    Conquistar-se-ia a 1589, com Cristovo de Barros, o territrio antes doa-do a Francisco Pereira Coutinho. A conquista de Cristovo de Barros supint.ariaa ferocidade colonialista de Lus de Brito e Almeida.

    Frei Vicente de Salvador calcula em 5.600 os ndios mortos e capturadosdurante a opresso do cristo e fidalgo portugus que, segundo cronistas, saiuda Bahia para a conquista da terra sergipana destinada, igualmente, exaltaoda "nossa santa f catlica". instalada a Capitania a que ele prprio dera o nomede Sergipe dei-Rei, Cristovo de Barros funda a cidade de So Cristovo, sua ca-pital.

    Ci. & Trp, Recife, 16(1): 4556, jan//un., 1988

  • Arfas valdo Figueiredo 49

    Sergipe significa currais de gado, meio de subsistncia, campo de criaffocomplementar da lavoura canavieira da Bahia. Afirma Almeida Prado que a pene-trao do gado em Sergipe foi, para o Norte do Brasil, o mesmo que o Paraguaipara a Bacia do Prata. 12

    Possudo na sua maior parte pelo latifundirio Garcia d'vila, Sergipeconheceu mais tarde a presena do holands a disputar a regi'o, a partir de 1637,e durante oito anos, com o colonizador lusitano. A Capitania foi "grande forne-cedora de carne para alimentaio das tropas e dos habitantes do Brasil holan-ds. 13

    Transferiram-se, tambm, para Sergipe os conflitos entre a Holanda ePortugal, cujas contradies estimulavam a violncia e o derraSmento de san-gue dos cristos desavindos.

    Sergipe nasce sombra dos currais. De Estncia, no Sul, ao rio Sio Fran-cisco, no Norte, o gado abre estradas por onde se processa o povoamento. Sergi-pe, ento, era parte da Bahia. Alvar de 23/9/1709 d nova difusffo Bahia,surgindo cinco Comarcas; Bahia, Ilhus, Porto Seguro, Jacobina e Sergipe.

    O atraso mental e moral da capitania leva Sergipe p ficar contra o movi-mento revolucionrio de Pernambuco , de 1847. "Seus iniciadores e propagan-distas nSo encontraram apoio nem adeso nos habitantes de Sergipe. Os habitan-tes de Sergipe fizeram causa comum com os habitantes de Penedo, na reao quelevantaram contra a vitria dos revolucionrios republicanos". 14 Conquistando,assim, a simpatia do soberano, esse, como reconhecimento e gratido, elevou Ser-gipe, por Decreto de 817/1820, categoria de capitania independente. Frustrado,em 1821, o decreto emancipatrio de li Jo'o VI, Sergipe, finalmente, em24/10/1 824, passa a ser, definitivamente, uma das Provncias do Imprio. Pro-vi'ncia de boas pastagens e bom gado. De muitos ndios e negros.

    o apogeu da cana-de-acar. Monta-se em torno dela a economia daProvncia, economia litornea, colonial, escravista, movimentando as suas bar-ras difceis mas procuradas. A Brra da Cotinguiba, "a porta de todos os interes-sese riquezas da Provncia" j movimentada, no perodo 184011850, cerca de90,8% do acar ento produzido. 15 S de novembro a maio de 1840/1841 en-traram, na Barra da Cotinguiba, 151 navios e sairam 170. 16

    Sergipe vivia do acar, mas a Provncia, por fora do contrabando e deconsciente e interesseira negligncia fazendnia, no se beneficiava, proporcio-nalmente, de significativa arrecadaio de importaffo e exportao, que era "umadas mais irregulares do Imprio". Maria da Glria Santana de Almeida cita afala, em 1843, do Ministro da Fazenda Joaquim Francisco Viana; "Se exporta20 e tantas mil caixas de assucar, parte dellas b verdade que vb para outrasprovncias mais alli' h hoje casas inglezas estabelecidas que export5o diretamen-te muito assucar para a Europa e todavia no sei se a provincia rende 30 ou 40contos, quando eu estou persuadido de que podia exceder a sua renda muitomais de 100 contos todas s vezes que se faa a fiscalizao com a devida exati-do. 17

    As barras da Provncia, segundo relatrio de 2/7/1856, do PresidenteSalvador Correia de S e Benevides, escoam os seguintes valores; Barra da Cotin-guiba (Capital da Provncia) 1.754:282S629, Barra do Rio Real 556211 S860,

    Ci. & 75-p.. Recife, 76(7): 45-56, jan.Jjun.. 1988

  • 50 O negro escrevo em Sergipe. uma Introduo ao seu Estudo

    barra do So Francisco 148Q04$930 e barra do Vasa-Barris 131:141$746.Relatrio do Presidente Alexandre Rodrigues da Silva Chaves, em 24/2/1 864,registra: barra da Cotinguiba 2570.076$197, barra do Riq Real 881.749$477.barra do So Francisco 338.989$237 barra do Vasa- Barris 194.127$420.Acar; aguardente (cachaa) e algodSo lideram a exportab. Os maiores im-portadores sffo Rio de Janeir, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Rio Grande do Sule, no exterior, Portugal, Dinamarca, Arentina e frica. -

    A economia d Provncia, em termos de exportao e produo de a-car e algodffo apresenta-se, em diferentes perodos, conforme o quadro ao lado:

    Sergipe depende da exportaSo. A Provncia exporta para dentro e parafora do Imprio. Em certos perodos predominou a exporta$o para o mercadonacional, depois o mercado internacional passou a comandar a importao dosprodutos sergipanos. Sergipe exportou, no exerccio de 1872/73, para fora doImprio, 2038911$516, para dentr 334&086$847. A exportao em 1877178, para fora do Imprio 2330:482$014 e para dentro 2,491 :446$1 35. No pe-r(odo 1880181, para fora do Imprio, 4.772:454$421 e para dentro2210:747$442. Em 1887/88 a exportao para fora, 2.785:719$806 e paradentro do Imprio, 1.493:326$786. Os maiores mercados importadores nacio-nais, no exerccio 1887/88: Rio de Janeiro (726:431$106), Pernambuco(322:852$230) e Bahia (266884$812). Destacam-se, no exterior: Estados Uni-dos (1.261:832$230), Inglaterra (531:549$715) e Portugal (65:591$330).Nessa poltica da dependncia, a queda de preos nos mercados compradoresleva dificuldade Provncia e a economia entra em pnico. Foi o que aconteceuem mais de unia oportunidade. -

    O acar e o escravo s3o a grande propriedade. Sergipe era urna "rica pro-vncia ainda desconhecida na maior parte do Imprio, seus gneros remetidospara o mercado da Bahia, onde figuravam como produb dessa provncia". 18O escravo sustenta sua economia, pea igual ou mais importante do que nas pro-vncias vizinhas.

    Clodomir Silva, no Album de Sergipe - 182011920 fala da existncia, em1802, de 19.893 pretos, 13.217 brancos e 1.614 ndios, nmeros levantadostambm por Felisbeilo Freire, que acrescentava 20.849 pardos. 19 o mesmo Fe-lisbeilo Freire informa que os municpios mais populosos eram, ento, SantoAmaro (8.128 habitantes), Santa Luzia (6358), Itabaiana (6.386), P do Banco(Siriri - 5.255), Lagarto (5.219), Vila Nova (4.315), Propri (3.841), Campos(Tobias Barreto 2.437), etc.

    D. Marcos Antnio de Souza registrava, em 1808, 20.500 escravos, 30mil mestios; 20 mil brancos e 1.500 ndios. 20 E em 1823a populaffo sergipa-na, segundo citao de Jos Honrio Rodrigues, de 120.000 habitantes, 88.000livres e 32.000 escravos, a populao escrava superando no mesmo ano, a doRio Grande do Sul, Santa Catarina, 5o Paulo, Gois, Mato Grosso, Paraiba,Rio Grande do Norte, Cear e Piau(. 21

    Manoel Diniz Vilas Boas; encarregado de organizar o mapa estatstico dapopulaffo livre e escrava, conclui trabalho encaminhado em 9/9/1854 ao Presi-dente Incio Joaquim Barbosa. Ele constata, na Provncia, 132.640 habitantes(66.561 homens e 66.079. mulheres), 100.192 livres e 32.448 escravos, exclu-

    Ci. & Trp.. Recife, 160J: 45-56, jan./jun, 1988

  • Ariosvaldo Figueiredo 51

    Exportao Produffo de Acar Produffo de Algodo,ANOS Valor oficial Valor oficial Valor oficial

    1865/561856/571858/591859/601860/611861/621862/631863/641865/661866/671867/681868/691869/701870/711871/721872/73

    5.879:188$0896i60:208$3167.101.421$0804.838524$8904.650:2$6656.882825$1935.386998$363

    3.158:147$7414.774:521$847361 2S35$0651.696:629$0261.281 996$6683653254$5873.677:775$6672673:671 $6973J47891 $6912134:731 $1902.865:771$3474224:512$6822318034$4382M92279$2933.661:236$4343.313,603$943

    :

    2.511:371$1313.068:186$1142650967$3352.250:341$9292497:797$0053.033:719$6671.217:377$974

    Fontes: Felisbello Freire -Histria de Sergipe, pp. 58 e 59. Relatrio de Presiden-te da Provncia.

    dos alguns municpios. NEo foram computados: Enforcados (Nossa Senhoradas Dores), Pacatuba e Campa de Brito; somando, poca, "2 mil almas, nme-ro de eleitores que eles deram na ltima elei5o". Aracaju ainda nEo era a Capitaldo Estado.

    O mapa estatstico de Manoel Diniz Vilas Boas distribua a populaffolivre e escrava pelas diferentes vilas e cidades, cujos nomes, na maioria, sio osmesmos dos atuais municpios.

    As dez cidades sergipanas mais populosas em 1854 (Laranjeiras, Propri,Estncia, ltabaiana, Capela, Lagarto, Itaporanga, SEo Cristvffo, Porto da Folhae Itabaianinha) nEo eram, necessariamente, as que possuam maior populaioescrava. Porm, a regiEo aucareira, especialmente Laranjeiras, Estncia, Capela,Socorro, Itaporanga, Divina Pastora, Santo Amaro e Santa Luzia, com destaquepara Japaratuba, onde havia mais escravos (890) do que pessoas livres (667),liderava o contingente de escravos.

    Observe-se que municpios voltados hoje para a pecuria e a policultura,possuam em 1881 grande quantidade de engenhos: Esprito Santo (Indiaroba)56, Lagarto 41; Nepolis 5, Sirnffo Dias 22, Riachffo 16, Itabaiana 13, etc. Oregistro consta de Relatrio do Engenheiro Francisco Pimenta Bueno ao proce-der a estudo sobre a construo de uma ferrovia entre Aracaju e Simo Dias.G. & Trp., Recife, 16(1): 45-56, /en//un., 1988

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    NOME

    LaranjeirasEstnciaCapelaSocorroItaporangaItabaianaDivina PastoraSanto AmaroSanta LuziaLagartoSio CristvffoMaruimRiachffoSanta RosaRosdrioP do Banco(atual Siriri)PropriltabaianinhaSimSo DiasJapatubaPorto da FolhaBrejo GrandeCampos (atualTobias Barreto)Lagoa Vermelha(atual Boquim)Vila Nova(atual Nepolis)Esprito Santo(atual 1 ndiaroba)Chapada (atualcristiaripolis)Geru

    O negro escravo em Sergipe, uma Introduio ao seu Estudo

    Populao Popula5o PopulaSo

    Total Escrava Livre

    9.105 3.321 5.784

    8243 2.140 6.103

    6.761 2.060 4.701

    4.880 1.675 3.205

    6.016 1 .580 4.437

    7.879 1.560 6.319

    3.256 1.490 1.766

    4.812 1.440 3.372

    4.755 1.400 3.355

    6.520 1.375 5.145

    5.969 1.305 4.664

    4.149 1.265 2.884

    5.148 1.237 3.911

    3.419 1.177 2.242

    2.928 1.154 1.774

    3.493 1.145 2.348

    8.518 1.016 7.502

    5.638 976 4.662

    6.174 932 5.242

    1.557 890 667

    5235

    769 5.141

    1.835 568 1.279

    3.898 546 3.352

    1.898 443 1.455

    3.676 351 3.325

    1.875 289 1.586

    3.529 254 3.275

    797 102 695

    Sergipe, ento, n5o possua nenhuma ferrovia, embora sua produffo fosse, nodizer em 11211881 do jornal O Agricul tor Sergipano. "maior do que a do Espri-to Santo, Rio Grande do Norte, Paraiba, Santa Catarina e Paran".

    Ci. & Trp, Recife, 16W: 45-56, /an./jun.. 1988

  • Ar/os valdo Figueiredo 53

    O Censo Demogrfico de 1872,0 primeiro do Brasil, aponta a populaototal de 234.643 habitantes (85.579 homens e 90.664 mulheres), sendo 49.778brancos (21,21%), 126.465 pretos e pardos (53,90%) e 58.400 de cor no de-clarada (24.899$. Destaca-se, assim, a alta mestiagem da populao da Provn-cia. Lideram, pela ordem, a populao sergipana: Propri (16.918). Laranjeiras(16.303), Lagarto (91.172), Estncia (8.545), Itabaianinha (8.493). Simo Dias(7.985). Porto da Folha (7.454), Riacho (6.444), Vila Nova (Nepolis 4.855),Esprito Santo (Indiaroba 5.823), etc.

    No deve causar espcie a diferena entre os 234.643 habitantes da Pro-vncia registrados oficialmente pelo Censo de 1872 e os 151.120 habitantes le-vantados, no mesmo ano, pelas autoridades locais. que, no ltimo caso, nofoi recenseada, nem tampouco estimada, a populao de algumas cidades e vi-las. Ressalta, de qualquer forma, que, em 1872, pretos e pardos superavam,grandemente, a populao branca, embora, nesta altura, a maioria da popula-o fosse livre.

    Relatrio do Presidente Cypriano de Almeida Sebro, citado pelo Jornalde Aracaju, de 1513'1873 faz referncia a 31.969 escravos matriculados nas di-versas estaes da Fazenda Geral desde 19 de abril at 3111211872, em virtudeda Lei nQ 2.040 (Ventre Livre). Em 1874, a Provncia possua 33.064 cativos(Diretoria da Estat(stica, Rio de Janeiro, 1875 e Relatrio do Ministrio da Agri-cultura, 101511883). A populao total da Provncia, em 1874, era a menor doNordeste, porm a populao escrava representava 19,1%, ndice ou taxa supe-rior dos demais Estados nordestinos. Sergipe seguido pela Bahia (12,8%). Per-nambuco (12,4%), Piau (11,6%). Alagoas (10,3%), Paraba (7.0%). Rio Grandedo Norte (5,5%) e Cear (4,4%. A populao escrava, no mesmo ano, era jo-vem. Dos 33,064 escravos registrados, s 3.012 ou 9,1%do total, tinham 51 anose mais.

    Em 1884 cai, em todo o Pas, a populao escrava, Sergipe possuindo,nesta altura, 25.874 escravos (12.469 homens e 13.405 mulheres) conforme Re-latrio do Presidente Lus Caetano Muniz Barreto. Relatrio do Presidente Ma-noel de Arajo Ges acusa, em 1886, um contingente de 24.325 escravos, nme-roque, segundo matrcula geral, encerrada em 301311887, diminui para 16.888ou, segundo outros, 16.875. De acordo com a matrcula geral de 30/3/1887 dos16.888 escravos existentes, 1.274 viviam na rea urbana e 15.617 na rea rural,sendo 8.153 homens, 8.735 mulheres, 14,547 solteiros, 1,878 casados e 463 vi-vos. No surpreende, nas estatsticas, o nmero de solteiros. Escravos e escravas, margem da sociedade oficial, no eram levados ao casamento, pois mantinhamentre eles relaes sexuais, e, no caso das escravas, elas ainda faziam o sexo comseus senhores e outros "brancos". H a "amigao", ainda hoje no de todo de-susada. O casamento civil obrigatrio s foi introduzido com a ConstituioFederal de 241211891, oque prova, em face da lei, a existncia - na sociedade brasi-leira e sergipana - de escandalosa quantidade de filhos ilegtimos - naturais eesprios. Isso, alis, no ocorria apenas entre os negros.

    Entre 1874 e 18840 declnio da populao escrava foi de 21,44 orne-nor do Nordeste, com exceo da Bahia (19,7%)Me acordo ainda com documen.

    CL & Trp, Recife, 76(7):4556, jan./jun., 1988

  • 54 O negro escravo em Sergipe, uma Introduo ao seu Estudo

    SERGIPE -CENSO DEMOGRFICO - 1872

    MunicpioAracajuSocorroLaranjeirasMaruimDivina PastoraP do Banco(Siriri)PropriPorto da FolhaJaparatubaSSo CristvoItaporangaItabaianinhaGeruCampos (TobiasBarreto)LagartoSanta LuziaEstnciaArauBuquirnRiachbSanto AmaroRosrioVila Nova(Nepo lis)SirMo Dias

    sp(rito Santo(Indiaroba)

    TOTAL

    HOMENSBrancos Pretos e Pardos

    1.275 1.164

    563 910

    2.634 4.431

    851 1.481

    467 1.003

    652 847

    3.242 4.812

    1.608 2.116

    323 2.083

    566 1.961

    1.323 2.688

    1.006 3.362

    148 326

    736 1.342

    1.611 2.677

    297 1.687

    2.114 1.722

    933 1.306

    703 1.530

    441 3.113

    481 1.471

    326 2.052

    847 2.085

    1.541 2.408

    743 2.207

    25.331 50.794

    MULHERESBrancas Pretas e Fardas TOTAL

    4.9543.030

    11.6135.1183.123

    3.01216.9187.4544.7585.0136.6478.4931.010

    4.2629.1724.2246.5454.7464.5807.4444.02953022

    851 1.072 5.855

    1.631 2.405 7.985

    754 2.119 5.823

    25.420 49.575 151.120

    1.056 1.459

    680 877

    2.810 1.738

    1.122 1.664

    540 1.113

    617 896

    3.283 5.581

    1.096 2.734

    549 1.803

    612 1.974

    381 2.255

    917 3.208

    136 400

    914 1.270

    1.767 3.117

    315 1.925

    2.541 2.168

    943 1.564

    541 1.806

    534 2.356

    535 1.542

    395 2.529

    Fonte: Arquivo Pblico do Estado de Sergipe

    to do Ministrio da Agricultura, o declnio entre junho de 1885 e maio de 1887,atingiu na provncia, 30,2%[inferior a Alagoas (39,09Q, Bahia e Piau( (42,1%).Pernambuco (43,1%) e Parauba (49,8%).

    O declnio da populao escrava pouco deve generosidade dos seus do-nos, tanto assim que muitos deles, independente da sua condio social, quandoconcediam, voluntariamente, liberdade a seus escravos, os conservavam em suacompanhia. Tomando-se como referncia 1881, quando Sergipe, de acordo coma matricula do ano, possua 16.888 cativos, foram libertados por seus senhores,

    Ci. & Trp, Recife, 16(1): 45-56, Jaa/fun., 1988

  • Anos vai do Figueiredo 65

    entre maro e dezembro, apenas 145 escravos. Atribui-se o declnio da popula-o escrava exportao, muito mais, por exemplo, do que s Leis nQ 2.050,de 28191.1871 (Ventre Livre) e nQ 3.270, de 281911885 (Sexagenrios), diplo-mas "complexos, retrgrados", que eram mais desencargo de conscincia dos es-cravistas do que instrumentos efetivos da libertao do negro escravizado. OFundo de Emancipao, previsto no art. 39 da Lei n9 2.040 e no art. 29da LeinQ 3.270, por sinal aplicado regularmente, no contribuiu deforma significativapara o declnio considerado. O Fundo era do Imprio, sujeito, em conseqncia,aos interesses e convenincias das autoridades centrais.

    O primeiro Censo da Repblica, em 1890, encontra a populao sergipa-na com 48,99% de mestios, 29,72% de brancos, 14.77% de pretos e 6,52% decaboclos; pretos e mestios, representando, obviamente, 63,76% do total da po-pulao. Sergipe aparece com uma das mais altas "misturas" raciais ou tnicas doPas, o que, ainda hoje; fcil de constatar. de se admitir a existncia no Esta-do, de contingente e mitigada democracia racial, a qual, na cama, no mato ouno cho, nasceu de baixo para cima, feita de gente, cheirando a povo. Sem em-bargo do exagero ou ironia s o sexo, em Sergipe, tinha funo democrtica,efeito democratizador.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    1 BONFIM, Manoel. O Brasil, Silo Paulo, Editor Nacional, 1940, p. 2122 BONFIM, Manoel. Obra citada, p. 2293 BONFIM, Manoel. Obra citada, p. 1984 BONFIM, Manoel. Obra citada, p. 1915 FREITAS, Dcio. Palmares, Porto Alegre, Editora Movimento, 1973, p. 176 SIMONSEN, Roberto. Citado por Jos Truda Palazzo - Estudos de Econo-

    mia Internacional, Porto Alegre, Livraria Sulista. Editora, 1964, v. 1pp. 192e217

    7 AMARAL, Lui's. Histria Geral de Agricultura Brasileira, So Paulo, EditoraNacional, 1946,v. II

    8 PLICO FILHO, Sylvio. Brasil Acar. Instituto do Acar e do lcool,1972, pp. 51 e 58.

    9 CALMON, Pedro. Histria do Brasil, Silo Paulo, Editora Nacional, 1951,v.l p.389

    10 SODR, Nelson Werneck. Histria da Burguesia Brasileira. Rio de Janeiro,Editora Civilizao Brasileira, 1964,.p. 125

    12 ALMEIDA PRADO, J. G. A Bahia e as Capitanias do Centro do Brasil,So.Paulo, Editora Nacional, 1948,v. li, p. 141.

    13 BEZERRA, Feita. Etnias Sergipanas, Aracaju, Livraria Monteiro, 1950,p. 48

    ' Anota 11, faltaCi. & Trp., Recife, 16(1): 4556, Jan.Ijun., 1988

  • 56 O negro escravo em Sergipe, uma Introduifo ao seu Estudo

    14 FREIRE, Felisbeilo. Histria de Sergipe. Rio de Janeiro. Tipografia Perse-verana, 1891, p. 212.

    15 ALMEIDA, Maria da Glria Santana de. A Barra de Cotinguiba e o Acar,Universidade Federal de Sergipe. 1973, p. 10.

    16 ALMEIDA, Maria da Glria Santana de. Obra citada, p. 2317 ALMEIDA, Maria da Glria Santana de. Obra citada, p. 1118 Relatrio do Presidente Evaristo Ferreira da Veiga Assemblia Legislativa

    Provincial, 1/3/186919 FREIRE, Felisbelio. Obra citada, p. 20420 SOUZA, Marcos Antonio de. Memrias sobre a Capitania de Sirgipe, Tipo-

    grafia do Jornal do Cornmercio.21 RODRIGUES, Jos Honrio. Revoluo e Contra-Revo/u'o, Aio de Janei-

    ro, Livraria Francisco Alves Editora, 1975, v. 2, pp. 1751176.

    Ci. & Trp., Recife, 76(1): 4&56, jenjjun., 1988

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