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ESCOLA DE MÚSICA E ARTES CÊNICAS CURSO DE ARTES CÊNICAS MAYARA CRISTINA COSTA DANÇA-TEATRO: MEMÓRIA E CRIATIVIDADE NA 3ª IDADE 1

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ESCOLA DE MÚSICA E ARTES CÊNICASCURSO DE ARTES CÊNICAS

MAYARA CRISTINA COSTA

DANÇA-TEATRO: MEMÓRIA E CRIATIVIDADE NA 3ª IDADE

GOIÂNIA-GOIÁS2011

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MAYARA CRISTINA COSTA

DANÇA-TEATRO: MEMÓRIA E CRIATIVIDADE NA 3ª IDADE

Monografia, apresentada ao curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás como requisito para obtenção do título de licenciatura em Artes cênicas.

Orientadora:Prof.ª Dr.ª Valéria Maria Chaves de Figueiredo.

GOIÂNIA-GOIÁS2011

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RESUMO

Esta pesquisa teve por base a dança-teatro alemã, contextualizando-a historicamente e nomeando os grandes mestres que contribuíram para a nova linguagem cênica que se instalara e para a carreira de Pina Bausch, que contribui com suas composições coreográficas para a construção metodológica desta pesquisa. A memória, um elemento importante nesta monografia, será estudada dentro dessa nova linguagem que une elementos da dança e do teatro. A pesquisa tem por método a pesquisa-ação, além de fazer, conjuntamente, um relato de experiência da disciplina Estágio Supervisionado de Licenciatura III, que tem como projeto, a montagem de um espetáculo em dança-teatro com idosas, fazendo uso de elementos retirados de sua própria vivência, como as emoções, as lembranças, e tudo que envolve a relação corpo-mente destes sujeitos. Estarei refletindo acerca das diversidades humanas e da inclusão do idoso em seu meio de convívio social, investigando possibilidade de reinseri-lo na sociedade por meio do fazer teatral.

Palavras-chave: Dança-teatro, 3ª idade, diversidade, educação

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Dedico esse trabalho, com todo o meu amor, ao meu bom Deus, que

vem abençoando meus estudos, me dando sabedoria e aumentando minha fé.

À minha mãezinha, Mª do Rosário, que doou seu sangue para me

ajudar a realizar o sonho de agora me formar, trabalhando junto comigo,

acreditando sempre que tudo daria certo.

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Agradecimentos

Agradeço aos amigos que me apoiaram dentro e fora da universidade,

acreditando no meu potencial, sendo tolerantes comigo.

Às idosas que participaram desse projeto, trazendo para mim, experiências

inesquecíveis.

À freira Margarida, que nos recebeu de braços abertos dentro do Centro de

Convivência Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, nos auxiliando no que fosse

preciso, dentro do projeto.

Ao meu amigo e irmão Paulo, que em muitos momentos esteve comigo me

auxiliando, com sua paciência e boa vontade.

A todos os meus familiares que souberam me compreender nos momentos em

que me mostrava exausta devido aos estudos.

Ao meu amigo Rodrigo, que esteve comigo neste projeto, me auxiliando e

prestando apoio de amigo e irmão.

À professora Valéria, que sempre me tratou com muito respeito, tirando todas

as minhas dúvidas quando precisei, além de se mostrar uma grande

incentivadora quando iniciei minhas pesquisas em torno da dança-teatro.

Ao meu violão, Michael, que foi um grande consolo nos dias em que as

palavras não pousavam sobre o papel, precisando, antes, serem geradas na

alma.

Aos amores acumulados ao longo da vida, os quais me tornaram tão sensível,

ao ponto de me identificar e me aproximar das emoções das pessoas, fazendo

disso uma pesquisa.

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Lista de Fotografias

Foto 1...................................................................................................47

Foto 2...................................................................................................50

Foto 3...................................................................................................51

Foto 4...................................................................................................51

Foto 5...................................................................................................53

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SUMÁRIO

1-Introdução........................................................................................09

2-Dança-Teatro: Os contextos históricos e as singularidades...........13

2.1- Pina Bausch e sua dança-teatro de memórias............................19

3-Dança-Teatro: Memória e Criatividade na 3ª Idade..........................27

4-Diversidade em Cena: Um relato de experiência.............................38

4.1-A vida dança em um espetáculo....................................................49

5-Conclusão.........................................................................................55

6-Anexos..............................................................................................60

7-Referências.......................................................................................66

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1 – Introdução

O teatro, desde sua origem, se mostra uma arte capaz de desenvolver

as possibilidades dialógicas entre o real e o representado, retratando, mesmo

que pelo viés do simbólico, a individualidade de cada um de seus fazedores.

Na esfera educacional, este vem garantindo cada vez mais seu espaço, por

meio de profissionais e materiais específicos para o trabalho metodológico,

objetivando conhecer os alunos e atender às suas necessidades dentro e fora

da sala de aula.

Distanciando do contexto escolar, pensemos agora no âmbito social,

onde os adultos, que não são crianças e nem adolescentes, estão

enquadrados? Como o teatro vem sendo desenvolvido na sociedade? De que

forma este contribui na formação de seres pensantes e ativos? E,

principalmente, como a prática teatral pode intervir como forma de estabelecer

uma relação entre as pessoas inseridas na sociedade moderna e seus corpos?

Buscando responder a estas e outras tantas perguntas que vão

surgindo, esta pesquisa visa discutir a questão do idoso e as dificuldades

enfrentadas ao chegar à velhice, buscando sobreviver numa sociedade que os

nega cotidianamente. Para estes, o teatro seria uma possibilidade de inclusão,

onde o corpo e suas memórias podem se manifestar?.

A “maioria dos idosos não é beneficiada pelas ‘conquistas’ promovidas

pelo Estatuto do Idoso na esfera da educação”. (PERES, 2007, p.8, grifos do

autor) Por falta de envolvimento e comprometimento por parte dos envolvidos

na educação, o avanço com relação ao ensino para idosos se torna pequeno,

sendo importante, portanto, realizar pesquisas diversas sobre o ensino do

teatro para idosos.

Neste trabalho, estive pesquisando, através de exercícios propostos

em oficinas que foram ministradas para idosos, novas possibilidades

metodológicas para o ensino de teatro, buscando inovações direcionadas à

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educação, dentro e fora da sala de aula, compreendendo a arte teatral de

forma abrangente, e não limitada, como vem sendo tratada nos últimos tempos.

Desde que iniciei minhas pesquisas dentro da Universidade, acerca do

corpo e, principalmente quando optei pela modalidade licenciatura, aos poucos

fui me atentando e interessando em saber por que se estudam tanto as

crianças e os jovens, tanto no âmbito da educação, quanto na prática cênica, e

o idoso, interessante objeto de pesquisa, não é tão estudado.

Tendo o intuito de pesquisar as diversidades e limitações físicas dos

idosos, e como isso se dá no ensino de teatro, estarei experimentando a

possibilidade de se realizar uma pesquisa-ação, usando o Estágio

Supervisionado de Licenciatura III como laboratório para a pesquisa,

experimentando contatar a dança-teatro bauschiana, que faz uso de vários

elementos reais, tornando-os simbólicos.

Pina Bausch e seu tanztheater fizeram história na década de 70 na

Alemanha e, posteriormente, em todo o mundo. Ela proporciona através de

suas coreografias, uma releitura da realidade humana: “referindo-se a emoções

ou feridas psíquicas, trajetórias privadas do corpo individual (...), fonte original

de suas histórias recordadas”. (CALDERA, 2009, p.36). Sua intenção sobre a

realidade humana é usar esta e adaptá-la para o palco, não criar uma

historinha contada.

Trazendo essa idéia para o trabalho com idosos, pensemos se é

possível proporcionar a estes a experimentação do fazer teatral, contribuindo

para seu ensino de uma forma geral, considerando-o a partir do que o idoso

pode oferecer de material (objetos simbólicos, alguma lembrança de quando

era mais jovem, um fato que lhe agradou ou não etc.), e de presença física,

sendo que este naturalmente tem dificuldades de se articular, no caso das

mulheres então, “após a menopausa há uma diminuição de estrógeno,

podendo levar a uma atrofia muscular. (ALVARES, 2009, p.8), o que precisa ser

trabalhado com o auxílio de um profissional para não sofrer futuras

complicações físicas, comprometendo sua saúde.

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O educador estará implícito nas discussões que faremos dentro deste

trabalho, pontuando sua postura profissional e sua forma de conduzir um

projeto, capaz de abrigar todos os participantes envolvidos, de modo que saiba

lidar com as diferenças, sem parecer, de modo algum, preconceituoso ou

ditatorial.

Esta pesquisa teve por método, a pesquisa-ação, e se tratando de uma

pesquisa que já aconteceu no primeiro semestre de 2011, dentro da disciplina

Estágio Supervisionado de Licenciatura III, estarei fazendo, conjuntamente, um

relato de experiência das oficinas oferecidas para idosas dentro de um centro

de convivência administrado por freiras e redentoristas, abordando questões

relevantes para o ensino de teatro e para a educação, de uma forma geral.

Neste trabalho estive usando um diário de campo (anexo), por meio do qual

registrei durante um semestre os trabalhos desenvolvidos com as alunas, além

de conversas informais que serviram de subsídio para as coletas de dados.

Na perspectiva de trabalhar a diversidade humana, implicando na

inclusão do idoso em seu meio de convívio social, lidei com questões delicadas

e muito particulares de cada sujeito que ali se encontra, motivando a busca do

olhar para dentro, como se o olho fosse um órgão invisível, capaz de monitorar

regularmente os outros órgãos, mantendo-os ativos e constantes.

As emoções destes sujeitos, ao chegar à terceira fase de sua vida, não

estão tão intactas quando jovem. Devido ao desprezo, à solidão, e tantos

outros fatores que norteiam a vida destes acumuladores de experiência, seus

sentimentos começam a sofrer abalos que os levam a uma condição, que a

sociedade contribui, a qual é chamada impotência humana. Termo

preconceituoso, mas capaz de abalar a saúde física e mental destes idosos.

O corpo, a memória, o idoso. Estes são os elos fundamentais que

estarei usando para compreender como se pode inserir a dança-teatro, e

principalmente, como esta pode contribuir no trabalho de um profissional de

teatro, que visa superar barreiras e apresentar a arte e seu alto potencial

pedagógico àqueles cujo tempo, a natureza e a sociedade os limitam.

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A finalidade desta pesquisa implicará em novos estudos sobre o ensino

de teatro para idosos, buscando novas metodologias em torno do assunto,

tendo ciência do quão rico em informações estes corpos são, e as

contribuições que trazem para os profissionais da área da educação, que estão

sempre em contato com as diferenças em sala de aula, tendo que ter a difícil

tarefa de ensinar de forma diferente, considerando os seres diferentes, mas

igualando seus direitos e potencialidades, mostrando que é possível dançar

teatro.

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“Não é possível ensinar-te nada. Só podes fazer aquilo que já há em ti, tens tudo por natureza. Tudo o que eu posso fazer é preservar e gerir o teu talento, para que nada de falso a venha conturbar.“

Kandinski

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1-Dança–Teatro: os contextos históricos e as singularidades

Sendo a dança-teatro uma estética inovadora dentro do cenário da

dança moderna, é imprescindível reconhecer os valores estéticos e

característicos herdados por esta de um dos movimentos mais marcados pela

imponência político-cultural de uma época: o expressionismo alemão.

Este movimento artístico se deu na Alemanha no século XX,

alcançando seu auge entre 1910 e 1920, “período em que a Alemanha sofria

profundas transformações que se refletiam em suas produções artísticas”

(GUINSBURG, 2002, p. 24). Artistas e rebeldes1 se uniram para lutar contra a

realidade apocalíptica à qual eram submetidos, seja pelas seqüelas da 1ª

Guerra Mundial (1914-1918), onde a Alemanha fora derrotada pelos Estados

Unidos , sofrendo com a fome e enorme dívida; seja pela fúria nazista, imposta

por Adolph Hitler (1889-1945), que pregava o materialismo e a beleza

enrijecida associada ao povo alemão, e aos judeus, massacrava-os, tendo-os

como seres corruptos, feios e doentes.

Os artistas expressionistas viam-se capazes de mudar o mundo

resgatando o bem-estar do homem, deixando transparecer seu sentimento

utópico, “retorcendo” a realidade para dar forma à visão subjetiva, o que

posteriormente se tornou característica marcante no movimento, se dando mais

tarde também, na dança moderna.

Com a chegada da 1ª Guerra Mundial, vários artistas expressionistas

resolveram se alistar, vendo na guerra uma oportunidade para darem seu

“grito”, única reação restante ao homem capaz de expressar seu desespero. E

esta atitude por parte deles não fora em vão

É verdade que a guerra amadureceu certas predisposições e características latentes que deram

1 Filhos que revoltavam-se contra os pais, constituindo-se num movimento da juventude contra as forças que levaram à 1ª Guerra Mundial (GUINSBURG, 2002)

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ao Expressionismo alemão sua intensidade e dimensão particulares, e no começo dos anos 20 as tendências expressionistas da Alemanha atingiram uma proporção incomum e muitas vezes febril (FURNESS, 1990, p.69).

Mas, antes ainda que a guerra fosse decretada, as artes plásticas

demonstravam sua força expressionista, buscando novos ideais estéticos,

formando então duas escolas na Alemanha, a “Die Brücke” (A Ponte), em 1905,

na cidade de Dresden, e a “Der Blaue Reiter” (O Cavaleiro Azul), em 1911, na

cidade de Munique.

A “Die Brücke” era formada por quatro estudantes de arquitetura:

Kirchner (1880-1938), Shmidt-Rottluff (1884-1976), Heckel (1883-1970), e Fritz

Bleyl (1880-1966). Estes se instalaram num ateliê e ali experimentavam e

discutiam seus desejos através da pintura. Também estudava ali, as teorias de

Nietszche2 (1844-1900), grande inspirador expressionista.

Nietzsche foi um dos pensadores que mais estimulava a idéia e o

pensamento autocrítico dos jovens expressionistas dos anos 20, considerando

que “foi a ênfase de Nietzsche sobre a auto-consciência , o auto-domínio e a

auto-realização apaixonada que deu ao pensamento expressionista seu

impulso mais forte” (FURNESS, 1990, p.16).

Junto com Strindberg3 (1849-1912) e Dostoiévski4(1821-1881),

Nietzsche busca o êxtase do Homem Novo, que se capacita a partir da força da

vida, e como esta se estabelece na arte, despejando ali suas crenças e

incertezas.

2 Friederich Nietzsche. Filósofo alemão que traz uma reflexão contemporânea sobre o teatro e suas metamorfoses.

3 August Strindberg. Escritor sueco, autor de novelas e peças de teatro. Dentro do teatro, buscava usar poucos objetos em cena, concentrando o foco do trabalho no drama psíquico.

4 Fiódor Mikhailovich Dostoiévski. Psicólogo influente nos trabalhos de Nietzsche e Strindberg. Foi considerado por muito tempo pelos naturalistas, como um realista, por causa das descrições feitas em suas obras, em torno da pobreza e das questões sociais.

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A partir das teorias expressionistas, que a “Die Brücke”

experimentava sua criação, propondo que cada indivíduo responda à sua força

interior, transpondo assim, sua revolta. Embora fosse uma fonte rica de

pesquisa, o grupo só obteve reconhecimento quando teve sua primeira

participação na Bienal de Veneza, onde foram prestigiados pela qualidade do

trabalho que desenvolveram.

Os integrantes da “Die Brücke” foram encontrando pontos de

divergência nos trabalhos uns dos outros e, com o tempo, cada um foi

seguindo sua carreira individual.

Já em Munique, o grupo “Der Blaue Reiter” transmitia na tela a

individualidade do artista, capaz de pôr para fora sua intuição da forma mais

expressiva possível. Neste grupo, a figura de Kandinski5 (1866-1944) se

destaca, sendo considerado o primeiro pintor ocidental a produzir uma tela

abstrata, além de inovar a arte com suas inspirações vindas da música e de

estímulos internos. Este artista transmite, em suas obras, um lirismo

espontâneo capaz de extravasar os sentimentos, fugindo da realidade em

busca de uma visão intuitiva sobre o mundo.

Na literatura, o expressionismo se manifestou depois de algum

tempo, tendo o anti-sentimentalismo como uma de suas características

marcantes, além de se configurar como um verdadeiro retrato da vida moderna.

Desta forma, a metáfora entra como um componente que dialoga com os

sentimentos do poeta através da imagem, sendo que:

O poeta expressionista sente a necessidade de empregar uma imagem não simplesmente como um espelho da realidade externa, mas como um centro crítico de significado (FURNESS, 1990, p. 34).

E assim, vê-se a realidade nas obras literárias, de forma expressada e não imitada.5 Vassíli Kandinski abandonou os estudos e carreira de advogado para seguir carreira de pintor. Iniciou sua fase abstrata em 1910, quando começou a criar desenhos livres e naturais.

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É inegável o papel que as artes desenvolveram durante o século XX,

buscando contornar a crise de identidade que perpassava pela sociedade, mas

há de se concordar que a militância alemã (e em outros países, como EUA),

também influenciou nas artes, como foi o caso do estilo padronizado que o balé

clássico desenvolvera. Nele, o “ideal de corpo valorizado é aquele que mais se

aproxima do modelo da máquina, um corpo marcado pelo objetivismo, pela

racionalidade técnica” (BISSE, 2008, p.28).

A prioridade do balé clássico não era exatamente a expressão aliada

ao movimento, sendo que estes partiam de valores estéticos, mas reproduzir

com perfeição no palco, a técnica incorporada por aqueles que já nasceram

dentro do formato exigido por esta dança, que traz no corpo a referência

principal do que se compreende por objetividade.

A dança moderna nasce, em contrapartida, para dar um grito a favor

da liberdade de expressão, repudiando a imitação sincronizada, onde “o ser

humano via-se substituído, no centro, pela máquina que privava os corpos de

sua existência independente” (BISSE, 2008, p.28), forçando o homem a

sistematizar seus princípios em torno de ideais burocráticos. Esta dança

inovadora foi capaz de compreender que vida e arte se completam e, naquela

época isso significava muito.

Um dos artistas-pesquisadores mais importantes da dança moderna

fora o alemão Rudolf Laban6 (1879-1958), que se interessava na relação do

homem com o espaço que o circunda. Formado em Arquitetura na Escola de

Belas Artes de Paris, Laban se dedica à arte do movimento, criando em 1915 o

Instituto coreográfico de Zurique, onde, junto com seus bailarinos, explorou o

movimento e suas possibilidades no corpo.

As teorias de Rudolf Laban giravam em torno das direções

tridimensionais do corpo, o que ele chamou de knesfera, ou cinesfera, dividindo

o corpo em níveis: verticais, horizontais e axiais.

6 Rudolf Jean-Baptiste Attila Laban. Nascido na Bratislava, hoje Hungria, se baseou nos conceitos geométricos e musicais para pesquisar o que, mais tarde, denominaria como o principal elemento da dança: o movimento.

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A dança coral foi uma das maiores ousadias propostas por Laban,

pois esta permite que “um grande número de pessoas movam-se juntas, de

forma colaborativa” (BISSE, 2008, p.32). Esse encontro, para Laban, era

perfeitamente possível, já que suas coreografias baseavam-se em ações

cotidianas, sendo, é claro, trabalhadas sob o olhar crítico do coreógrafo que

busca a perfeição.

Laban deixou muitos de seus ensinamentos registrados para seus

sucessores, como por exemplo, os princípios direcionais da Labanotation, uma

espécie de sinais gráficos que representam o movimento. Teoria melhor

articulada em seu livro Kinetographie Laban (1928).

Por outro lado, a bailarina e coreógrafa Isadora Duncan (1878-

1927), teve também suas inegáveis contribuições para a nova estética da

dança moderna. Ainda que não tenha elaborado técnicas precisas, Isadora via

o corpo como uma marionete que se movia atrás das emoções, recebendo-as

e transpondo-as no corpo como elementos simbólicos.

O interesse pelo rito grego trouxe uma possibilidade singular ao

trabalho de Isadora Duncan, criando releituras em torno da Antigüidade grega,

fazendo de sua proposta, impactante e autêntica. Para ela, a dança exprime a

liberdade do homem e seus sentimentos indizíveis, sem partir de um caráter

pantomímico, como fizera o balé clássico, arte negada por Duncan,

considerando-a “uma ginástica rígida e vulgar” (BISSE, 2008, p.48).

Ainda que se estabeleça com elementos da dança grega, Duncan

traz em seus trabalhos fortes influências de um dos precursores da dança

moderna: François Delsarte7 (1811-1871). Este, por sua vez, estudava o

significado dos gestos, se atentando minuciosamente para os estados de

tensão do homem e registrando cada mínimo detalhe. Delsarte criou várias

teorias ligadas ao quesito “corpo”, dentre elas se destacam a Lei da Trindade e

a Lei da Correspondência.

7 François Delsarte. Considerado um dos pioneiros da dança moderna, Delsarte estudou a relação entre a voz, a expressão, movimento e emoção, descobrindo que a expressão humana é composta basicamente pela tensão e relaxamento dos músculos.

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Na Lei da Trindade, Delsarte divide o homem em três partes que o

constitui: as sensações empregadas na vida; a parte das idéias, da

racionalidade humana; e a parte emotiva, como janela da alma. Essas três

partes unidas equivalem-se às palavras-chave de seu processo criativo: voz,

palavra e gesto.

É importante lembrar que os bailarinos modernos não negavam

totalmente o balé clássico, eles negavam a visão romântica e imparcial da

dança clássica, propondo uma nova visão a esta estética. Os personagens e

temas agora não traziam mais fadas, bailarinas aéreas, Willis e bosques

encantados. Os novos personagens causavam estranhamento por seus

movimentos e posturas, figurinos cubistas e inovadores, algo bem diferenciado

das vertentes do Romantismo.

Outra reação por parte do balé clássico era a dança sendo

orquestrada pela música, e os grandes modernos da área dança percebem a

música como forma intrínseca do corpo, que possui vibração e música própria,

e esta música não poderia ser simplesmente explorada como um repertório

áudio-visual, mas como dissociação entre corpo e mente.

Aluna de Laban e também grande precursora do expressionismo,

Mary Wigman (1886-1973), em seus trabalhos, projetava essa visão

compartilhando das idéias de Dalcroze8 (1865-1950), trabalhando, antes de

qualquer coisa, a reação impulsionada do ritmo mental sobre o ritmo corporal,

evitando que o primeiro se deixe levar pelos comandos do ritmo sonoro.

Ao contrário de Dalcroze, que usava suas técnicas no estudo da

música, Wigman voltava-se para a preparação do dançarino. Seus movimentos

partem do tronco, se difundindo pelo corpo todo, que se deixará levar pela

participação vibrante pelo espaço, ou pelo desfazer-se em contato com o chão.

Uma maneira diferente que Mary Wigman utilizava para expressar sua dança

trágica.

8 Emile Jacques Dalcroze.“Suíço Teórico que buscava a conexão entre o som e o pensamento e, assim, desenvolve a Euritmia, sistema de ginástica para assimilação do ritmo interno muscular.” (CURADO, 2010, p.17)

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Vale esclarecer que desde o começo dessa pesquisa, venho

utilizando o termo “dança moderna” para distinguir uma nova estética proposta

no século XX, do tradicional balé clássico. Dentro de uma estética moderna,

grandes nomes perpassaram por esta nova linguagem artística que se

estabelecera, deixando suas contribuições e discussões em torno da dança

como forma de retratar a realidade. Assim, a força expressiva unindo-se ao

gesto e à emoção, aproximou-se a dança da linguagem teatral, passando a

dança moderna à ser também chamada dança-teatro.

Diz-se que a primeira pessoa a utilizar a expressão tanztheater

(dança-teatro, em alemão), foi o coreógrafo Kurt Jooss (1901-1979), em seu

livro A linguagem do tanztheater, de 1935. Para Jooss,

O tanztheater seria uma forma de arte que poderia fazer jus a todas as exigências do teatro, e esta forma de arte, para ele, só poderia ser dançada (PEREIRA, 2007, p.33).

Jooss, ainda que houvesse se dedicado a carreira de bailarino,

diretor e coreógrafo (sua principal obra foi A mesa Verde, em 1953), se

empenhou muito em colaborar no processo de formação pedagógica da dança,

sentindo falta de uma fundamentação no que a dança moderna desenvolvia.

Trabalhando sobre bases metodológicas, “Jooss escreveu inúmeros artigos,

ministrou várias palestras e organizou o II Congresso Alemão de Dança”

(PEREIRA, 2007, p. 51).

A intenção de Kurt Jooss era conscientizar os bailarinos de seus

movimentos, podendo desenvolver, a partir de informações contidas no corpo,

sua própria técnica e assim buscar a precisão dos gestos, suas formas e

signos criados.

Pensando em levar adiante suas pesquisas e práticas corporais

dentro da dança-teatro, Jooss funda, em 1933, sua própria companhia,

intitulada Ballets Jooss, com a qual fez grande sucesso pela Europa, na

montagem de A Mesa Verde. Mas, sendo furiosamente perseguido pelo Partido

Nacional Socialista, Jooss viu-se obrigado a abrir mão da companhia e se

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exilar na Inglaterra, onde abrirá, mais tarde, sua próxima escola, a Jooss-

Leeder School (1934).

A história da dança-teatro, ainda que traga em sua essência as

marcas do expressionismo alemão, um movimento que prevalecera em meio

ao caos político do século XX; traz também uma abertura para a

contemporaneidade e para o diálogo cada vez mais presente com as mais

diversas linguagens artísticas, sendo considerada uma arte completa, capaz de

expressar-se na voz, no corpo e nas emoções de diversas e intensas formas.

A arte criada para exprimir “todas as fazes do drama”, não propõe

uma técnica padrão, ela colhe experiências individuais e até banais para sua

composição cênica. Os coreógrafos do teatro-dança “não inventam, eles

encontram. Suas danças se baseiam em experiências pessoais e por isso se

diferenciam fortemente de coreógrafo para coreógrafo” (SCHMIDT, 1997, p.45).

E como cada coreógrafo tem suas particularidades na hora de

compor cada espetáculo, falaremos daqui em diante das inovações e

autenticidades captadas pela, já considerada, “mãe da dança-teatro”. E sem

mais suspense, falaremos do processo criativo da coreógrafa alemã, Pina

Bausch (1940-2009).

2.1 – Pina Bausch e sua dança-teatro de memórias

Philipine Bausch nasceu na cidade industrial de Solingen, na

Alemanha. Desde pequena já freqüentava às aulas de balé, tendo apoio dos

pais, donos de um modesto restaurante, na cidade.

Pina tem todas as características de uma mulher determinada e

incansável, mas sua personalidade introvertida traz para nós, a imagem de

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uma figura compenetrada no que se predispõe a fazer, falando através da

dança, já que tem medo das palavras, como já confessara.

Pina foi aluna e colaboradora dos mestres do tanztheater, dentre

eles, Kurt Jooss, chamado carinhosamente de “Papa Jooss”, por ela. Com

Jooss, Pina Bausch aprendeu a interligar as artes cênicas às artes gráficas e

visuais, tudo oferecido dentro da escola Folkwang, em Essen, onde

permanecera por quatro anos como aluna, e mais tarde retornando como

solista no balé da escola. Ainda atingindo tal nível, Pina contou em uma

entrevista que não se realizava totalmente ali dentro:

Nós não tínhamos muito que fazer, não aconteciam muitas coisas novas e, na verdade, através de uma grande frustração que eu estava sentindo, pensei em fazer para mim alguma coisa. Não pensava em fazer uma coreografia, minha intenção era a de apenas dançar. (BAUSCH apud PEREIRA, 2007, p.62).

O êxito profissional só veio onze anos mais tarde, com a fundação

da Wuppertal Tanztheater.

Nessa companhia, Pina Bausch pesquisa sobre o corpo, suas

emoções e incompletudes passadas, empregando a técnica como resultado e,

não princípio. Seu primeiro passo está em conhecer o bailarino, questionando-

o; depois dando forma às respostas deles; e, por último, repetindo a criação

pessoal até transformá-la em algo abstrato.

Pina não trazia em seu perfil de coreógrafa, uma imagem ditatorial,

onde as regras são postas e a coreografia pronta para ser executada. Ao

contrário, o bailarino tem total autonomia sobre seus personagens, pois ele é o

próprio personagem narrando sua história, utilizando, é claro, sua técnica de

dançarino, “não para produzir movimentos, mas para mostrar a emoção e a

dissociação do gesto” (GUINSBURG, 2002, p.34). E era com esse intuito que a

coreógrafa alemã trabalhava dentro do grupo, pensando a dança como retrato

da vida real.

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Não se pode afirmar com certeza que Pina Bausch tenha criado

um método específico, o qual enquadrara seu trabalho, mas há um elemento

no qual a coreógrafa faz questão de se fixar: a memória. E a partir de agora,

convido o leitor à, junto comigo, localizar esta palavra-chave nos processos

criativos da Wuppertal Tanztheater.

A Memória Complexa Algo a respeito de seu primeiro amor.

Como você, quando criança, imaginava o amor?

Duas sentenças a respeito do amor.

Como você imagina o amor?

Quando alguém lhe obriga a amar, você reage, então?

Palavra chave: Ame a seu irmão como a si mesmo.

Uma vez mais, uma pequena contribuição para o Tema

de Amor. (BAUSCH apud FERNANDES, 2007, p.45)

O amor impossível e o impossível do amor; estes são os termos

que rondam o trabalho de Pina Bausch. Nos questionamentos feitos aos seus

atores-bailarinos, ela instigava-os a caminhar em direção às suas zonas

dolorosas, além do dizível, optando às vezes pela oralidade, pois só assim

revelamos a verdade oculta.

A infância também é um tema atraente aos olhos de Bausch, ela é

a mais pura fonte de conexão entre o bailarino e seu passado, trazendo-lhe

imagens reais que, até chegar ao público, se tornam simbólicas. E para ajudar

seus bailarinos a se distanciarem do presente, a coreógrafa se apropria da

música, capaz de provocar a memória, remetendo-se ao passado para se

comunicar com ele.

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Os questionamentos de Bausch partiam de complexas descrições,

onde as memórias se tornam teorias do corpo, desconstruindo a dança para

transformá-la em elemento simbólico, distinguindo a arte da vida como tal,

compreendendo assim, que “a dança desenvolve-se a partir destas

reconstruções simbólicas, ao invés de expressões ‘diretas’ ou

‘espontâneas’”(FERNANDES, 2007, p.19, grifos da autora).

No expressionismo alemão, os artistas expressavam sua revolta

atrás da máscara do simbólico. Na dança-teatro isso também é possível, mas,

antes de qualquer coisa, precisamos entender o que estamos recordando, o

que isso provoca em mim, e como isso se dá no corpo. Esse exercício de

“recordar a própria vida é fundamental para nosso sentimento de identidade;

continuar lidando com essa lembrança pode fortalecer, ou recapturar a

autoconfiança” (THOMPSON, 2002, p.208).

Essas descobertas são valiosíssimas para Pina Bausch, que preza

a energia em alta dentro de um espetáculo, não deixando, de modo algum, o

ator-bailarino acomodar.

A Memória Residencial Vou criando um mosaico, encontrando aqui e ali um monte de coisas, detalhes que uso para compor meus trabalhos. Quando preparo um balé, não há nada, só os bailarinos e a vida. Não tenho visões, não é assim que crio. As coisas vão sendo montadas aos poucos. (KATZ apud CALDERA, 2009, p.02).

Desde 1980, Pina Bausch faz residências em cidades de diversos

países, criando espetáculos que retratem as influências projetadas por aquele

país, dialogando com diversas culturas numa linguagem que vai além do dizível

e de qualquer projeção imitativa. Sua primeira experiência foi na Argentina,

inspirando-lhe a montagem de Bandoneon. E assim, países como Portugal,

Espanha, Japão, Itália, e inclusive o Brasil, já foram resididos pelos membros

da Wuppertal Tanztheater, nos laboratórios feitos pela companhia.

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Numa viagem que duram alguns dias e até semanas, a Wuppertal

busca se deixar contaminar por sensações diferentes; ver, sentir, ouvir e pensar

de uma maneira que jamais se iguala às vividas em seu habitat natural. Não se

trata de uma representação, ”tal qual uma fotografia, um registro fiel, mas sim

captar as sensações do lugar”. (CALDERA, 2009,p.02).

Uma de suas residências mais prazerosas foi em Roma, cidade

inspiradora para a criação do espetáculo Victor, em 1986. Victor é um

espetáculo que dura três horas e meia, e que não trabalha diretamente com

elementos da dança, o que se vê nesse processo é um ritual que expressa as

mais diversas fantasias sexuais e as formas de se tratar homens e mulheres.

Nesta obra, mais do que coreografar, Pina busca a reflexão em torno do que

seja dança, apontando nos corpos de seus atores-bailarinos, gestos de

dançarinos coreografando a vida real.

Neste e em outros trabalhos, a Wuppertal Tanztheater traz

elementos subjetivos até na hora de compor os cenários. Em Victor, enormes

paredes de terra foram construídas para remeter à imagem de Roma como

uma cidade arqueológica; e a figura de um performer escavando esta terra traz

a busca da companhia por uma cidade que vai além de um lugar geográfico

A escavação é uma metáfora sobre a memória, enquanto a terra que cai para o chão, talvez se refira à tentativa de se livrar das memórias, de se esquecer (CALDERA, 2009, p.05).

Para Bausch, a melhor maneira de conhecer um lugar não é visitando

seus pontos turísticos, mas conhecendo as pessoas que convivem com eles

quotidianamente, demonstrando a cada momento, diferentes sentimentos.

Nos encontros para juntar as ideias, os membros da companhia

começam comentando a cidade, as impressões que tiveram nas ruas, as

comparações entre este e aquele lugar etc. O mais interessante é que os

próprios atores-bailarinos de Pina são estrategicamente de culturas diversas,

tendo, portanto, diferentes visões acerca do mesmo assunto. Eles trazem muito

material para as mãos da coreógrafa, e ela, em contrapartida, trabalha

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exaustivamente isso com eles, considerando que “o que aprende e vive é muito

forte. Sentimos tanto, ficamos repletos _e, por algum lugar, tudo isso precisa

sair da gente” (BAUSCH apud SERVOS, 1997, p.93).

E com todo esse material em mãos, dá-se vida à criação cênica,

concebendo cenas através da última memória que iremos tratar neste capítulo:

a memória repetitiva.

A Memória RepetitivaA repetição torna-se instrumento criativo por meio do qual os dançarinos reconstroem, desestabilizam e transformam suas próprias histórias como corpos estéticos e sociais (FERNANDES, 2007, p.42).

Dentro do balé clássico, a repetição é sinônimo de perfeição.

Coreografias montadas são repetidas exaustivamente para dar precisão aos

movimentos e atenção à execução da técnica. Pina, dentro de seus trabalhos,

faz uso do elemento repetitivo como forma de transformação do gestos, de

transfiguração, além de proporcionar à dança, movimentos mais orgânicos e

fluidos.

Inspirada nas ações que realizamos em nosso dia-a-dia, a coreógrafa

busca na memória corporal estudar o corpo como núcleo dramático para a

criação, para ela, “as pessoas na rua, na vida cotidiana, o modo como alguém

caminha ou como inclina seu pescoço, lhe conta algo sobre como vive ou sobre

as coisas que lhe aconteceram”. (CALDERA, 2009, p. 36). Os sentimentos que

tomam conta dessas pessoas enquanto se movem era a grande dúvida de

Bausch, por isso despejava tantas perguntas sobre seus bailarinos, era a forma

mais objetiva de se auto perceber, atentando-se para quem é, o que está

sentindo, para onde está indo, o que te faz ir até tal lugar etc.

Desde a técnica do balé clássico, à interpretação da dança

moderna, os gestos funcionam como símbolos estéticos no palco, e está

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sempre presente nas obras de Pina Bausch, que utiliza tanto o gesto técnico

quanto o quotidiano, repetindo-os inúmeras vezes até acontecer uma inversão

de papéis: gesto técnico ganha significado natural, e o gesto cotidiano se torna

abstrato.

A repetição é o princípio do aprendizado na dança-teatro, e Pina

absorve isso em seus trabalhos como método educativo, “através da repetição,

corpos são disciplinados e controlados, tornando-se economicamente úteis e

produtivos” (FERNANDES, 2007, p.77).

Não podemos deixar de fora a visão da platéia, que acompanha

desde o primeiro momento, as performances dos atores-bailarinos. As

repetições realizadas no palco, seja pelo cansaço dos bailarinos, sejam pelo

excesso de imagens repetidas, vai se transformando e ganhando signos

diferentes aos olhos de quem está assistindo , passando a fazer parte do

espetáculo.

Nossa memória é tão singular à de outra pessoa, que mesmo

numa situação onde estamos juntos (como os atores-bailarinos de Bausch e o

público) nos remetemos às recordações distintas. Por exemplo, aromas e

sabores que nos remetem a tais lembranças, podem significar algo diferente ou

simplesmente nada para outra pessoa. Entre os sexos, a memória também se

difere. O homem ao se lembrar do que já viveu, põe-se como sujeito em suas

ações, numa postura egocêntrica, enquanto

As mulheres, em contraposição, falam sobre as próprias vidas tipicamente em termos de relações, incluindo em suas histórias de vida, partes de histórias de vida de outras pessoas (THOMPSON, 1935, P.204).

Nossa memória, quando relacionada ao nosso corpo, se

transforma numa locomotiva que se movimenta carregada de indivíduos

distintos, que nós chamamos de informações, que vai formando nosso caráter.

E com o tempo, quando nossas memórias se expandem, ultrapassando os

limites físicos, nosso corpo sofre declínio e perpassa por entre seus próprios

limites vitais.

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Como a memória pode ser aliada ao fator “tempo”? Como a dança-

teatro, nos dias de hoje, assim como no século XX, pode retratar a realidade de

sujeitos, como é o caso dos idosos, tidos como “inválidos”?

No próximo capítulo estaremos refletindo em torno de questões

como essa, pontuando algumas dificuldades enfrentadas pelo idoso: um ser

que traz em si, uma história de vida repleta de memórias.

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"Dançar é sentir, sentir é sofrer, sofrer é amar... Tu amas, sofres e sentes. Dança!"

Isadora Duncan

3 – Dança-Teatro: Memória e Criatividade na 3ª Idade

 

A busca por novos olhares em torno da diversidade humana vem

abrindo leques de possibilidades que visam inserir o homem em seu meio de

atuação, conduzindo suas idéias e emoções a uma sociedade capaz de aceitar,

e mais do que isso, que saiba lidar com as diferenças “despadronificando

corpos, desconstruindo valores e edificando novos saberes” (GAIO e GÓIS in 

VERTENGIA e TOLOCKA, 2006, p. 16).

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Por ser uma questão que desde remotos tempos vêm abalando nossa

política, nossa cultura, nossa educação, enfim, todo contexto que envolve o

cidadão, a diversidade humana é, nos dias atuais, objeto de estudo que

interessa, e muito, aos pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento,

que buscam caminhos passíveis de se levarem às prováveis respostas que

respondem a seguinte pergunta: Como uma sociedade em pleno século XXI,

ainda é palco para tanta marginalização, tanto preconceito entre semelhantes?

Augusto Cury em um de seus livros diz que só a partir do momento em

que o homem olhar para dentro de si e perceber-se enquanto ser diferente,

A soberba dará lugar à simplicidade, o julgamento dará lugar ao respeito, a discriminação dará lugar à solidariedade. Mas esse dia ainda está distante. (CURY, 2002, p.12)

Essa distância citada por Cury, parte do princípio de que precisamos de

tempo para nos reeducar-nos, pontuando nossas falhas e nossas inseguranças

perante o outro, e mais do que isso, perante nós mesmos. Se Hitler tivesse

percebido suas intolerâncias a diversidade humana enquanto ditador na

Alemanha do século XX, teria evitado que tantos judeus vivessem uma vida

humilhante e fossem alvos de cruéis massacres por serem classificados como

feios, esguios, completamente fora dos padrões de beleza da época. Hitler

acreditava na preservação da pureza racial, buscando junto com outros anti-

semitas, eliminar de uma vez por todas a raça destruidora do mundo.

Hoje, ainda que de uma forma não tão radical, como a adotada por

Hitler, temos um contato íntimo e direto com as diferenças. Os meios de

comunicação lidam com a falsa ideia da beleza exacerbada; das tendências

que, se você não seguir à risca, não conseguirá isso ou aquilo. Visando lucros

imediatos, faz-se uso de momentos onde as emoções do sujeito estão

abaladas, para aproveitar-se da situação e levá-lo a uma situação de busca

eterna ao invés de auto-aceitação.

Dentre as diversidades humanas, gostaria de direcionar o olhar para a

questão do idoso, e usarei esse termo ao invés de “velho”, que traz uma

conotação agressiva, além de ser muito usado para referenciar pessoas

impotentes de qualquer habilidade física e/ou arraigadas de muitos anos de

vida.

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O idoso, uma figura experiente que nos proporciona contextualização

histórica graças às informações repassadas de uma geração à outra, não tem o

seu devido valor perante a sociedade, que costuma ser radical ao enquadrá-lo

numa imagem de alguém inútil, improdutivo e até fracassado. Este, por outro

lado, ao sentir-se desprezado, entra num estado de carência emocional, tendo

seu estado psicológico fortemente abalado.

Na perspectiva capitalista, onde a moeda dita regras, são retirados do

senil seus direitos de exercer seus papéis sociais, por perder sua eficiência

contínua e não participar ativamente na economia do país, o que lhe rende o

termo aposentado como forma de “esconder” a retirada de algo que está em

desuso e que precisa ser trocado por quem seja inverso de seu

comportamento.

Historicamente falando, a Revolução Industrial9, em nome da produção

em grande escala, teve suas implicações com os trabalhadores da 3ª idade.

Com o desenvolvimento da tecnologia, a mecanização e o êxodo rural ampliaram as dificuldades do idoso, por suas limitações biomecânicas e inadaptação a novos serviços, fazendo-os sentirem-se improdutivos e até mesmo dispensáveis ou descartáveis (SIMÕES, 1998, p.36).

E assim, eis que sujeitos experientes e capacitados cedem- se à

tecnologia sistemática que priva pela modernidade, a multiplicidade, ao invés

de se submeter ao amparo ou coisas do tipo.

O Brasil, fazendo parte dos chamados países de 3º mundo, onde a

maior parte da população é formada por indivíduos jovens, demonstra

evidências nas questões discriminatórias, tendo o exemplo da idade permitida

para acesso de homens e mulheres a alguns tipos de concursos públicos (no

máximo 35 anos). Isso é uma forma de bloquear o ingresso de idosos no

mercado de trabalho. Já os que conquistaram seu status profissional, mas

estão com a idade avançada, a aposentadoria se encarregará destes.

99 A Revolução teve início na Inglaterra, em meados do século XVIII, país rico em carvão mineral, fonte de energia para as máquinas e locomotivas a vapor. Esta revolução teve como marco os avanços tecnológicos, substituindo o homem pela máquina, o que gerou desemprego em massa.

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A aposentadoria chegou ao Brasil em 1923, defendendo à priori os

ferroviários. Com o tempo, foram juntando outros benefícios, além de aumentar

o acesso de outros contribuintes, permitindo ao servidor o direito de ser livre

para usufruir de seus últimos anos, recebendo um salário auxiliar, com valores

distintos.

O excesso de tempo livre que o idoso passa a ter, e a escassez de

atividades para lhe ocupar proporcionará ao idoso sentimento de impotência,

sentindo-se velho, “perdendo qualquer expectativa para mudar o estado de

coisas, para se renovar, aprender e demonstrar interesse pelas coisas e por si

mesmo.” (SIMÕES, 1998, p.42)

O envelhecimento é um processo biológico, mas os aspectos

psicológicos e cronológicos se juntando a este traz para o ancião, sentimentos

dolorosos e de difícil aceitação. A perda da vida sexual ativa, principalmente no

homem, é para si o ápice da impotência humana, e da força que a sociedade

machista lhe empregara.

A superexposição a que o idoso é submetido, precisa ser trabalhada

com total delicadeza e amparo, algo que nem sempre se encontra dentro do

ambiente familiar, local que possibilita ao homem seu primeiro contato com

seus semelhantes. Os papéis entre pais e filhos se invertem, “diminuindo as

responsabilidades para os que até então eram responsáveis” (SIMÕES, 1998,

p.34) e transmitindo-a a seres nem sempre pacientes e generosos com os que

já lhe serviram. O orgulho, nesse momento se faz mais presente.

A 3ª fase humana é complexa, por isso é imprescindível que haja um

cuidado com nosso corpo e nosso organismo. Quando nos sentimos bem

fisicamente, resgatamos nossa vitalidade, ativando a senescência. Esta nada

mais é do que o envelhecer de forma saudável, trabalhando de forma conjunta,

nosso corpo, nosso organismo e nossa mente.

O corpo transmite nossa personalidade, nossa sexualidade, e

sensibilidades que fazem de nós, seres autênticos e, portanto, únicos.

Conforme nos inserimos numa fase nova, precisamos compreender e explorar

a fase passada para, só assim, desprender dela, mas jamais a anulando.

Afinal, “cuidar do que você arquiva é acarinhar a sua vida” (CURY, 2002, p.56).

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Nossa história foi criada e resguardada em arquivos pelos quais passaram

diversas emoções e vivências que geraram inúmeras sensações. Seria

demasiadamente importante acumular informações em nosso arquivo, ao invés

de bloqueá-lo.

É com essa perspectiva de delicadeza que especialistas de diversas

áreas buscam pesquisar a postura comportamental na terceira idade,

articulando idéias em torno de vivências e lembranças passadas que resultam

nos sujeitos presentes, imbuídos ou não de saúde física e mental.

As artes em geral, podem ser fontes de grande valia no trabalho com o

corpo do ancião. A arte lida com uma postura íntima e autêntica que se

assemelha a uma imagem refletida no espelho, a qual não nos mostra como

realmente somos, mas nos dá indicações para descobrir-mo-nos.

Partindo do princípio de que o idoso se sente inativo perante a

sociedade, podemos pensar em possibilidades para romper com essa

estrutura, tendo como uma possibilidade interessante, a linguagem artística. A

arte se manifesta com o papel de impor individualidades e desfazer padrões

sistemáticos que lhe são impostos, sendo considerada uma ciência que busca

na expressão, o diálogo complexo e constante entre o real e o subjetivo.

Dialogando com essa ideia, gostaria de dar ênfase no papel do teatro

dentro dessa perspectiva construtivista, permitindo ao homem ousar ser si

mesmo e o outro, e é “pela arte de representar o outro, que podemos refletir

sobre quem somos e sobre o papel que representamos hoje neste nosso

mundo”. (FERREIRA, 2001, p.121)

A prática física do teatro promove o re-estruturar do corpo inativo,

abalado pela senilidade que se adquire ao longo da vida. Além de contribuir no

aumento da síntese protéica e preservar as estruturas orgânicas,

condicionando o corpo para mudanças, a arte teatral revela novos valores e

conceitos para se tratar as diferenças e conviver com elas, assumindo-se como

diferente.

No plano das emoções, este tem seu papel colaborativo, inserindo aos

poucos o idoso em seu meio o qual jamais deveria ter saído, vivenciando

trabalhos coletivos, o qual o distingue daquela imagem solitária vista

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anteriormente. Agora há uma possibilidade maior de se manifestar no mundo,

“expressar uma idéia, um tema, um desejo, enfim, sentimentos em uma

comunicação não verbal, com o objetivo de atingir a sociedade como grito de

liberdade”. (GAIO e GÓIS in TOLOCKA e VERTENGIA, 2006, p.19)

Percebe-se aqui que não estamos falando de arte no aspecto

terapêutico ou de cunho recreativo, mas de seu poder essencialista-

pedagógico, capaz de formar sujeitos autocríticos e reflexivos em prol de si e

de seu bem-estar saudável, o que refletirá em uma nova postura social.

Para se estabelecer contato com a dança-teatro e as outras tantas

linguagens artísticas, não tem uma idade limite. O dançarino japonês, Kazuo

Ohno (1906-2010) só começou a dançar aos 43 anos, quando começou a se

interessar pela relação vida e morte, e perceber que na velhice isso se

evidencia. Kazuo Ohno se interessa em trabalhar o corpo, murcho, em suas

diversas metamorfoses, incitando-o a perceber-se enquanto matéria ativa no

universo.

Para tanto, desenvolvi um projeto para disciplina Estágio

Supervisionado de Licenciatura III, no curso de Artes Cênicas, oferecido pela

Universidade Federal de Goiás. O projeto em questão, nomeado de Dança-

Teatro: e Memória e Criatividade na 3ª Idade, visa ministrar oficinas de dança-

teatro para idosos com faixa etária que varia entre 60 e 70 anos de idade,

tendo como produto final uma montagem de espetáculo.

O público alvo em questão é formado por senhoras, as quais nunca

tiveram experiências passadas com teatro, precisando assim iniciá-las à

linguagem até então estranha. É fato que trabalhar com quem já domina a

prática cênica é mais fácil, porém o interesse aqui é provocar estímulos em

corpos “que resistem a aceitar novas idéias e mudanças” (SIMÕES, 1998,

p.44). A resistência é o primeiro ponto a ser configurado antes de se abrir para

novas transformações.

O local escolhido para abrigar o projeto foi um Centro de Convivência,

esse tipo de instituição geralmente tem um número maior de freqüentadoras

mulheres, sendo que estas estão mais disponíveis, seja por estarem mais pré-

dispostas a mudanças, seja por terem menor ligação empregatícia que os

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homens, o que lhe permite manter maior assiduidade às freqüências na

instituição.

Por se tratar de uma instituição do próprio convívio dos idosos e se

manter com trabalhos voluntários, o centro de convivência que abriga o projeto,

é uma instituição com poucas cobranças burocráticas, o que requer ainda mais

senso de ética e responsabilidade por parte do profissional que ali se instala. O

poder que lhe cabe às mãos é de provocar inúmeras leituras da linguagem

abstrata, contornando as objetividades impostas no texto escrito e

aprofundando-se numa zona que vai além dos olhos.

Depois de algum tempo visitando o centro de convivência e divulgando

o projeto e o que se pretendia com ele, eis que se formou um grupo de

aproximadamente 11 idosas, o qual demonstrou seu anseio ali: a busca por um

auto-conhecimento e um corpo mais estruturado.

Nenhum dos homens que freqüentam a instituição, teve interesse em

participar do projeto, se mostrando mais envergonhados, e explicando não

terem horários disponíveis, devido ao fato de alguns ainda trabalharem.

Extremamente heterogêneo, o grupo de senhoras lida com certas

deficiências. Temos o exemplo da aluna Maria10, que precisa se locomover com

um andador devido a uma lesão medular, que ela não sabe o motivo pelo qual

se deu o ocorrido, mas que lhe rendeu três vértebras da coluna incompletas.

Nesse caso, o ideal é que o ministrante das oficinas tenha conhecimento da

causa dessa lesão, instigando o aluno a pensar sobre o que poderia ter levado-

o a um tipo de impossibilidade física, mesmo se essa já fora explicada por um

médico,.

A limitação física é um dos cuidados a se considerar quando se realiza

trabalhos grupais. Se estamos refletindo acerca da inclusão do idoso à

sociedade, não podemos limitá-lo ainda mais, ditando o que pode ou não fazer,

mas ajudá-lo a conhecer seu limite, “respeitando sua individualidade,

adequando métodos de ensino, equipamentos e até o meio ambiente, se

1010 Foram usados aqui, nomes fictícios para preservar a identidade das alunas

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preciso for” (TOLOCKA in TOLOCKA e VERTENGIA, 2006, p. 42), trabalhando

a favor do rendimento do aluno.

As deficiências psíquicas também são algo presente no grupo, como é

o caso da aluna Luiza, que é portadora da doença de Alzheimer 11, que atinge

diretamente sua memória, perdendo gradativamente suas lembranças

recentes.

A perda da memória não se deve a um fator preponderante, mas a

vários. Uma deficiência que diminui a irrigação sanguínea para o cérebro pode

afetar a memória, além de outros problemas como a hipertensão e o

endurecimento das artérias.

A arte, de uma forma geral lida direta ou indiretamente com nossa

memória, pondo-nos frente à história que não julgávamos mais existir,

despertando sujeitos capacitados e pensantes, o que nos leva a uma

interiorização latente de quem somos e o que representamos no mundo.

No grupo o qual será desenvolvido o projeto, além dos problemas já

citados, há doenças mais complexas de se trabalharem: as emocionais.

Depressão e baixa auto-estima têm destaque no comportamento do restante

das alunas, nada que esteja imbuído de tamanha impotência que não as leve a

buscar um refúgio essencialista capaz de despertar-lhes o desejo vital. As

oficinas de teatro revelam pontos a se desmembrarem e tornar possível dar o

primeiro passo a caminho da aceitação.

A complexidade da emoção ultrapassa o mundo da lógica, onde as

ideias são cultivadas laboratorialmente, num conceito mecanicista e pouco

reflexivo. Ainda que de forma inconsciente, quando nos depreciamos e nos

sentimos falhos em meios aos transtornos da vida, é a nossa emoção a

primeira a sofrer desequilíbrio. Daí a importância de protegê-la contra as

agressividades e os medos, pois “a emoção é a parte mais frágil da alma

humana e, paradoxalmente, a que mais tem proteção (...) Não façamos da

nossa emoção uma lata de lixo social” (CURY, 2002, p.70).

1111 Doença degenerativa, sendo a principal causa da demência em pessoas acima de 60 anos. A doença tem o nome do psiquiatra alemão Alois Alzheimer, que foi quem a descreveu pela primeira vez.

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Conhecendo o grupo para o qual serão ministrados as oficinas, tive

como proposta teatral, a dança-teatro da coreógrafa alemã Pina Bausch (1940-

2009), mas especificamente de seu trabalho coreográfico.

A dança-teatro traz em sua trajetória sinais de superação político-

cultural, o que a tornou autêntica e provocativa. O distanciamento do

impregnado balé clássico e a indignação de artistas perante uma sociedade

ditatorial e burocrática, incorporou neste primeiro o impulso para a criação de

uma expressão que unisse vida e arte, “incluindo o processo de mover-se e

pensar, de re-presentar e re-construir memórias corporais e história social”

(FERNANDES, 2007, p.18). Os sentimentos negativistas agora teriam como

ser exteriorizados através das metáforas do corpo.

A inovação na dança-teatro proposta pela coreógrafa alemã Pina

Bausch, é inserida no projeto como metodologia, dialogando simbolicamente

com as inovações que se espera daqui para frente dentro das pesquisas

educacionais voltadas para a terceira idade.

Pina, em suas composições coreográficas, ainda que valorizasse as

nuances do movimento, instiga seus atores-bailarinos a trazerem a vivacidade

do corpo através de suas experiências pessoais e suas memórias às vezes

esquecidas. Seu interesse em pesquisar a alma humana à leva ao íntimo de

seus bailarinos e de suas resistências. Para Bausch

às vezes só podemos esclarecer algo encarando o que não sabemos. É como se recuperássemos um saber que sempre tivemos, mas que nem sempre é consciente e presente (BAUSCH apud LIMA, 2010, p.10)

A forma mais orgânica de se trabalhar a resistência na terceira idade

perante algum tipo de mudança é fazer uso de informações colhidas destes

próprios sujeitos, seja de forma verbal ou não. Quando o levamos a exteriorizar

suas impressões, estamos percebendo sua interpretação acerca daquilo que

guarda consigo, além dele mesmo perceber-se e analisar se aquilo que seu

corpo ou sua voz falam é o que realmente está sentindo, e como se sente

pondo para fora um pedaço de si.

A colheita de tanto material mostra insuficiente se, ao seu lado não

estiver um mediador altamente capacitado. É ele quem conduz de forma

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inerente e responsável o desenho a ser percorrido por seus intérpretes,

transmitindo a eles total confiança.

Partindo do pressuposto de que “só se pode ensinar arte quem faz

arte”, o artista-docente destoa da pedagogia institucionalizada, trabalhando

com indivíduos capacitados a se perceberem e se configurarem perante

alguma situação conflituosa entre nós e nosso eu, denunciando assim, o quão

amplo é a pedagogia artística.

A qualidade do trabalho a ser desenvolvido também influi no sucesso

de qualquer final processual. O conhecimento deve vir junto com o mediador,

nesse caso o artista-docente, valorizando sua capacidade de atuar artística e

pedagogicamente. Sendo assim

O artista-docente é aquele que, não abandonando suas possibilidades de criar, interpretar, dirigir, tem também como função e busca explícita a educação em seu sentido mais amplo. Ou seja, abre-se a possibilidade de que processo de criação artístico possam ser revistos e repensados como processos também explicitamente educacionais (MARQUES, 1999, p.112)

O projeto de estágio abrigará a arte moderna como fonte inovadora no

ensino de teatro, se atentando à problemática do idoso e analisando

delicadamente as reações de seu corpo perante suas emoções e as

transformações impostas a ele, preparando para ser reinserido à sociedade,

provando a esta suas capacidades independentes.

A proposta aqui é inovar dentro da criação artística e, mais

especificamente a relação que se dá entre teatro e educação, suas

contribuições e parcerias que podem dar certo. Anexando isso ao trabalho com

a terceira-idade, percebe-se ainda mais seu poder reconstrutivo e

multidisciplinar contribuinte, assumindo-se como prática pedagógica capaz de

formar sujeitos mais ponderáveis, apresentando-os à sociedade.

O capítulo subseqüente dará continuidade à proposta apresentada

neste, relatando a experiência dentro das oficinas ofertadas para idosas, e

como se deu essa proposta com elas, pontuando as vivências e aceitações do

grupo perante a inovação que o estágio se propôs a trabalhar, não deixando de

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observar como se deu o trabalho fazendo uso da dança-teatro bauschiana

como proposta metodológica.

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“Viva uma vida boa e honrada. Assim, quando você ficar mais velho e pensar no passado, poderá obter prazer uma segunda vez.”

Dalai Lama

4-Diversidade em cena: Um relato de experiência

Este capítulo é um relato de experiência do projeto desenvolvido

dentro da disciplina de Estágio Supervisionado de Licenciatura III, no qual

desenvolvi a proposta de oferecer oficinas de dança-teatro para um público da

terceira idade, buscando formas e possibilidades de novas metodologias que

lidem com diversidades, além de re-significar a vida dessas pessoas na

sociedade, buscando formas de se interar nela. E, ao final desse projeto,

teríamos como produto uma montagem de espetáculo.

O local escolhido para ministrar as oficinas, foi o Centro de

Convivência Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, um centro que proporciona

momentos de lazer e aprendizado à pessoa da terceira idade, oferecendo

cursos artesanais, natação, aulas de violão, tratamento médico e cortes de

cabelo, dentre outros. Este foi fundado em 01 de Agosto de 2005, sendo

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dirigido pela Associação dos Redentoristas de Goiás, coordenado pelas freiras

da comunidade e se mantém inteiramente com trabalhos voluntários.

Localizado no Setor São José, o centro de convivência é formado por

idosos que freqüentam a paróquia Mãe de Deus, igreja localizada ao lado e

dentro do mesmo lote que o local que abrigou o projeto. O Setor São José é

considerado como classe média social, possuindo poucos centros de apoio à

cultura, e raríssimos voltados para o convívio dos idosos. Esta região que vem

crescendo bastante, se caracteriza pelas extensas avenidas e o grande

número de praças, o que faz com que a atividade mais comum nessa área seja

a caminhada.

A proposta aplicada nas oficinas ministradas por mim e mais outros

dois estagiários do curso de Artes Cênicas (UFG), foi trabalhar as diversidades

encontradas na terceira idade e como isso é capaz de afetar sua postura na

sociedade. Para tanto, usamos de subsídio a memória e as emoções dessas

mulheres e inserimos conjuntamente a proposta usada por Pina Bausch no

processo criativo com seus atores-bailarinos em seu tanztheater.

O diálogo com a coreógrafa alemã se deu a partir dos seguintes

elementos usados por ela dentro da Wuppertal Tanztheater: memória,

repetição, dança e sentimentos. Aliados à questão da terceira idade, foram

adaptados e transformados em metodologia.

O método usado nesse projeto foi o da pesquisa-ação, conceituada da

seguinte maneira por Michel Thiollent:

Um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com uma resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de cooperativo ou de participativo (THIOLLENT, 2002, p. 14).

Na pesquisa-ação, o observador ou pesquisador tem o importante

papel de esclarecer os problemas da situação observada, dilatando o

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conhecimento e propondo o que achar que lhe cabe, estando no importante

papel de mediador, intervindo em situações reais. Os sujeitos não se

enquadram no lugar de cobaias, o que ocorre são interferências em seus

hábitos, buscando analisar e resolver um problema em questão.

Dentro da idéia proposta nas oficinas, este tipo de pesquisa é

especialmente importante por estar mais voltado às ciências sociais,

preocupando-se com o

modo de conceber e de organizar uma pesquisa social de finalidade prática e que esteja de acordo com as exigências próprias da ação e da participação dos atores da situação observada (THIOLLENT, 2002, p.26).

A pesquisa teve como análise prática a oficina, com duração de quatro

meses, tendo um encontro semanal, às quartas-feiras, das 8:00 hs às 12:00 hs,

no próprio centro de convivência freqüentado pelas senhoras. Iniciando com 12

alunas, o grupo sofreu perdas e ganhos, chegando ao final com 6 senhoras,

donas de uma dedicação invejável a qualquer jovem.

Pensando que novas potencialidades precisavam serem despertadas

por dentro, propus uma metodologia que fizesse dialogar o físico e o

emocional, compreendendo e re-significando os sentimentos e bloqueios que

impedem as pessoas de curtirem a 3ª idade, desacreditando que, assim como

as outras fases, esta também tem suas particularidades positivas.

Ao contrário dos dois estágios anteriores, os quais já tinham turmas

formadas para se dar início ao trabalho, no Estágio III tive a difícil e não menos

importante missão de formar uma turma, para com a qual lecionaria durante

todo o semestre. Para isso, durante uma semana, fui diariamente ao Centro de

Convivência Nossa Senhora do Perpétuo Socorro divulgar o meu projeto,

explicando o que seria trabalhado e o que isso implicaria na vida de cada uma

das alunas, sendo este o método que encontrei para ganhar a confiança e

despertar interesse nelas.

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A maior dúvida e o que impedia que as senhoras aceitassem a

proposta de imediato, foi a questão de nunca terem tido aulas de teatro e não

terem noção do que poderia ser feito numa aula dessas. Para deixá-las mais à

par do projeto, propus uma aula demonstrativa, onde experimentariam um

pouco da prática teatral e, aí sim, optariam em fazer ou não, parte da oficina.

Neste primeiro momento, escolhi dinâmicas que atraíssem essas

alunas, e mais, que refletissem nelas um bem-estar nunca ou há muito tempo

sentido. Uma das dinâmicas foi o museu de arte, onde nós estagiários iríamos

entrar no museu e apreciar as obras instaladas ali. As alunas deveriam

escolher uma posição e se manter nela enquanto as apreciaríamos, depois

uma sairia de sua posição e ocuparia o lugar da outra, e assim por diante.

Como a instituição é vinculada a igreja, tivemos o cuidado de trazer a

proposta para a realidade a qual elas vivenciam. Como é o caso do jogo do

segredo, onde frases bíblicas e poéticas (anexo1) eram pregadas em suas

costas e elas precisavam arrancá-las sem utilizar as suas mãos, e isso tinha

que ser feito no ritmo de uma música que estava rodando. Elas riam umas das

outras, dançavam até descobrir que estava difícil descobrir os segredos que

continham ali. Ao final, perguntei a elas o porquê de não pedirem ajuda a suas

colegas, elas falaram: É mesmo, agente está sempre tentando resolver tudo

sozinha, sendo que é mais fácil quando temos alguém nos ajudando. Ao final

desta dinâmica, os segredos foram revelados umas às outras.

A última dinâmica foi caminhar pelo espaço sendo conduzida pelos

olhos da colega, sem desviá-lo para outra direção.

A reflexão foi o ponto forte dessa aula. Perguntei ao grupo, quais as

impressões que tiraram dessa aula, e de uma forma rápida, uma senhora me

disse que teve dificuldades em ser guiada pelos olhos da colega, pois seu

marido a traiu com sua melhor amiga e, de lá para cá não consegue confiar em

mais ninguém. Essa observação foi descordada pelo resto do grupo, que disse

sentir um conforto na interação entre colegas, exatamente por serem amigas e

confiarem umas nas outras.

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Estando no papel de mediadora, disse que cada uma ali estaria numa

condição particular da outra. Existiam corpos limitados, disposições limitadas,

emoções bloqueadas; e era exatamente isso que eu gostaria de explorar ao

longo do semestre: o corpo e suas emoções, conscientizando as alunas de que

ser diferente é normal.

Esse primeiro contato foi importante para que eu pudesse

compreender que adaptações que precisavam ser feitas, pois também teria que

lidar com deficiências físicas e psíquicas, além de abalos emocionais.

Ainda que existam hoje, várias possibilidades de tratamento para

pessoas com algum tipo de deficiência, na velhice esse não é um fator muito

estimulante, fazendo com que o idoso se sinta limitado, levando-o a depender

de outras pessoas para praticamente tudo. A falta de estímulo corporal não

permite a eles dedicarem igual atenção a outros sentidos existentes no corpo.

Por exemplo, a aluna Maria, devido a uma lesão medular se vê à mercê de um

andador, se locomovendo somente com este, não pesquisando outras formas

de equilíbrio.

Nesse sentido, a dança-teatro se insere como forma de re-configurar a

maneira pela qual esse sujeitos relacionam-se com seus corpos e se

expressam por eles. Através da visão, o sentido de uma referência básica para

o movimento, estarei estimulando um aprendizado dialético, permitindo que

cada corpo, com suas diferenças e limitações, possam expressar na dança-

teatro, a liberdade de seus autênticos gestos.

As alunas que, a partir da aula experimental demonstraram interesse

na prática cênica, formaram um grupo e passaram a freqüentar todas as

quartas-feiras as oficinas12. E embora a modalidade escolhida fosse a dança-

teatro, tive que contextualizá-las desde as bases do fazer teatral até as noções

rítmicas e a criação de partituras corporais da dança moderna.

O começo do estágio exigiu muito de mim enquanto educadora, pois

as alunas oscilavam entre freqüentarem ou não às aulas de teatro. Por dividir o

espaço com as atividades artesanais, as senhoras se dispersavam facilmente,

12 12 Todas as idosas que participaram deste projeto, assinaram um consentimento de participação da pessoa como sujeito, sendo que estas fichas assinadas estão de posse do pesquisador.

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interessando-se em interagirem com as colegas dos outros blocos e suas

atividades. Aos poucos, fui provando para elas que ali, ao contrário do

artesanato ou da natação (não desmerecendo estas práticas, que também

lidam com concentração), não se podia interromper o processo, o qual se dá a

partir do momento que passamos a depender um do outro. Ainda mencionei o

exemplo da locomotiva, que na ausência de suas peças, não funciona.

Foi só assim que elas compreenderam a concentração imposta no

processo, optando por suas prioridades. Houve as primeiras desistências e

persistências, como é o caso de D. Maria, que chegou a mim timidamente:

“Você deixa eu ficar? Mas tem que ter paciência”, e eu lhe respondi com um

pedido “Por favor, fique!”

A mediação do artista-docente nesta fase é bastante delicada, pois lida

com inseguranças. Sua qualificação e habilidade técnica são imprescindíveis,

mas a princípio, faz-se necessário ter uma sensibilidade bastante apurada para

compreender as dificuldades enfrentadas. Em grupos heterogêneos, é preciso

muito cuidado na hora de compor, é preciso coordenar harmonicamente os

movimentos, conscientizando-os que diferenças existem.

É preciso, então, que todos possam conhecer o movimento uns dos outros, para que se obtenha fluência dele, pois uma pessoa muito emocionada, surpresa ou com medo do movimento realizado pela outra pode perder a leveza do seu próprio movimento. (FREITAS e TOLOCKA in TOLOCKA e VERTENGIA, 2006, p.104).

Todas as aulas eram iniciadas com alongamentos que visassem o

aumento da resistência física, tudo adaptado para essas idosas, e como a

concentração foi uma das coisas que apontamos como um problema, formulei

alongamentos e aquecimentos bem diferenciados, aliando isso ao

sedentarismo existente ali.

Por se tratar de corpos sensíveis, fiz questão de cuidar bem do corpo

que seria trabalhado, pois isso facilitaria qualquer idéia proposta, além de

melhorar a auto-estima desses sujeitos. Quando nos sentimos bem

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fisicamente, resgatamos nossa vitalidade, ativando a senescência. Por se

tratarem de mulheres, me sinto incomodada em vê-las tão pouco empenhadas

em olharem para si. Nos alongamentos, ao som de uma música, pedia que elas

fechassem os olhos e se tocassem, “acordando” o corpo. Depois, em duplas,

repetem o mesmo procedimento. D. Maria, pela primeira vez, depois de cinco

anos voltou a tocar com uma atenção especial suas partes atingidas pela

lesão.

Quando se trata de casos delicados, como o D. Maria, o ideal é que os

próprios proponentes das oficinas façam duplas com essas pessoas. E, no

caso da doce senhora, eu pude perceber, antes que ela falasse algo, que

estava com medo de alguém machucá-la. Tomando sempre o devido cuidado,

eu questionava a ela se estava sentindo dores ou coisas afins, e ela negava. Já

as outras colegas aproveitavam esse momento para expor suas inquietações:

Já que o marido não faz massagem, o jeito é nós mesma fazer, num diálogo

onde uma responde à outra: Ih, eu já num sei o que é isso faz tempo!

É perceptível que além da jovialidade, da saúde, o que essas

simpáticas senhoras mais sentem falta é de serem mulheres, de avivar dentro

de si sua feminilidade. E esse desejo delas agora integraria a proposta do

estágio.

Na sociedade, estamos acostumados a entender o feminino a partir de

uma visão física e até vulgar, onde o excesso de cobranças vaidosas faz das

mulheres, verdadeiras marionetes no mercado econômico. A idéia de Pina

Bausch se opõe à tais ilusões, sendo que em sua dança-teatro, o feminino está

na expressão e na fluência, a beleza não está na virilidade, mas na leveza, é

um processo, “segundo Pina Bausch feito à base de sentimentos, não de

método” (CALDERA, 2009, p.02). Daí, o interesse tão grande da coreógrafa em

lidar com as complexidades humanas.

Mas, ao contrário da Wuppertal Tanztheater, não estamos trabalhando

com bailarinos, e para atingir essa fluência dos gestos, era preciso dar as

idosas uma noção de ritmo, incluído nos próprios alongamentos. As marcações

feitas em círculo, tendo D. Maria ao centro, também circulando em torno de si,

foi o primeiro passo para a compreensão ritmada. Só que os tempos musicais,

tipo 1, 2, 1,2... deixam elas muito perdidas, sendo necessário indicações 45

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objetivas, como para frente, para trás, para o lado, para o outro...e, só assim

elas compreendem a dinâmica.

O ritmo foi trabalhado na voz também. Exercícios de respiração foram

aplicados, como meio de aliviar tensões e fortalecer a musculatura do

diafragma. Devido ao fato de que a maioria das senhoras usa prótese dentária

removível, estas possuem muita tensão na mandíbula, articulando pouca a

boca, executando os exercícios de forma agressiva. O primeiro passo foi

trabalhar o relaxamento desta área, inserindo aos poucos algum tipo de som e,

só depois explorar mais os ritmos vocais.

Esses exercícios têm que serem feitos com a colaboração de mais de

um estagiário, pois, tanto na hora de explicar o exercício, quanto na hora de

executá-lo, nem todas as alunas faziam corretamente, nem todas percebiam

quando passava para o próximo exercício. A aluna Luiza, portadora da doença

de Alzheimer, tinha grandes dificuldades em lembrar o que se pedia, e se não

ficássemos ao seu lado durante as oficinas, ela saía em direção ao portão,

querendo ir embora. Isso exigiu de nós, estagiários, uma atenção

tridimensional, na qual teríamos que nos atentar para o que acontecia dentro e

fora das oficinas.

Os momentos de intervalo eram usados também como pesquisa. Por

exemplo, na hora de lancharem (um intervalo de, aproximadamente, 10

minutos), todo o grupo se une cantando e palmeando o hino de agradecimento

pelo alimento, e como o ritmo estava todo desconfigurado, usamos desse hino

para estudar melhor o ritmo na turma. Trabalho difícil, mas que com o tempo e

a prática obteve resultados.

Os aquecimentos eram usados como meio de alegrar e despertar um

sentimento que as remetessem à infância, nossa fase mais expressiva e

espontânea. Para isso, foi aplicado, dentre outros, o exercício dos estímulos,

onde eu dava uma situação, e elas reagiam de acordo com tal, por exemplo:

falar com uma maçã na boca, queimar o dedo, rir escancaradamente da

colega, sofrer um assalto, se enfiar debaixo de uma ducha de água gelada etc.

Nesse exercício, diversas reações se repetiam, e eu lembrava: Você foi

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assaltada de novo, essa é a reação do assalto! Mas esse era o momento em

que elas mais se divertiam, chegando a lacrimejarem de tanto rir.

Os exercícios perdiam força quando tinham caráter competitivo, como

o jogo do ladrão de rabo, onde uma colega tinha que roubar o pedaço de pano

que estava anexado à roupa da outra colega, tendo D. Maria como juíza. Estas

não demonstraram o menor interesse nessa dinâmica, dizendo que não

levavam jeito, que era para eu mandar outra em seu lugar. Enfim, fatores que

não permitiam produtividade na aula, tendo que ser substituída imediatamente

por outro exercício.

Porque os idosos se negam a competir? Esse é um ponto que

devemos levar em consideração para reflexões sociais. O que eles negam não

é o fato de competir, mas a possibilidade de perder e não saber lidar com isso,

expor em demasia suas limitações. Como busca norteadora,

a experiência artística se coloca, desse modo, como reveladora, ou transformada, possibilitando a revisão crítica do passado, a modificação do presente e a projeção de um novo futuro. (DESGRANGES, 2006, p.26)

Dotadas de uma experiência de vida rica em memórias, essas idosas

adoravam contar histórias durante as aulas, principalmente se fosse sobre algo

antigo. Fazendo uso disso, comecei a colocar uma dosagem da história de vida

das alunas em cada jogo. Numa aula, por exemplo, pedi que uma a uma fosse

até a frente da sala e dissesse o que mais gostava de fazer quando criança, e

depois mostrasse isso corporalmente para as colegas. D. Luiza, de uma forma

belíssima disse que adorava pentear o cabelo de sua boneca, então como ela

tinha dificuldade em interagir com o vazio, pus um dos estagiários em seu colo

e disse para ela pentear seu cabelo, depois de muitas gargalhadas, ela foi

acarinhando a cabeça do rapaz, com um olhar afetuoso, semelhante ao de

uma criança.

Interessante perceber que na oralidade essa história tinha uma força,

e na prática a coisa era bem diferente, o brilho denunciado pelos olhos

carregados de experiência sugeriam a quem os visse, um espetáculo, e ao

praticante, sentimentos indescritíveis.

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Ao final de cada aula, dentro de um momento específico para reflexão,

a busca das emoções era ativada. Questionamentos como: o que as levava a

gostar daquela época de suas vidas? Qual a sensação de lembrar aqueles

momentos? Em que aquela fase contribuiu na formação de cada uma?

Perguntas com o efeito de conectá-las ao passado, como forma de correção de

qualquer marca que ele possa ter deixado em cada uma.

No caso das alunas que apreciavam as histórias contadas, estas se

vêem representadas ali, por outros olhos, outras e infinitas emoções. O

teatrólogo alemão, Berthold Brecht (1898-1956), acreditava na democratização

no teatro,

mantendo o intuito de posicionar o espectador enquanto sujeito da história, indivíduo que se colocasse diante de acontecimentos que podem ser alterados, pensados de outra maneira, alguém que se sentisse estimulado a questionar e participar do processo histórico(DESGRANGES, 2006, p.41)

As alunas de outros cursos também se posicionam como platéia, como

é o caso de uma idosa que faz aulas de artesanato, ela não gosta de fazer

teatro, mas diz se emocionar muito vendo as colegas em cena, além de ter

momentos em que os questionamentos que nós, artistas-docentes, fazemos ao

grupo de teatro, faz com que ela se aproprie deles para refletir questões suas,

íntimas e particulares . Estes espectadores nos auxiliam na hora de pontuar

algumas falhas, avanços, discussão sobre exploração de espaço, projeção de

voz, etc. E, são eles também, que fazem elogios às colegas, estimulando-as no

processo.

Entrando mais intimamente na memória emotiva e partindo da idéia de

Pina Bausch, de que carícia também pode ser dança, coloquei as alunas em

círculo e pedi que mostrassem para o restante do grupo qual carícia mais

gostavam de receber. A grande maioria disse que gostava de receber abraço,

então pedi que estas mostrassem outras possibilidades de se abraçar que não

fosse a convencional. Então elas foram pesquisando aos poucos, outras

formas e gestos que poderiam simbolizar um abraço.

Nesse exercício, mais uma vez me deparei com carências afetivas;

abraços e beijos eram dados em si como forma de busca pelo amor próprio.

Aos poucos uma música surge, pedi que fossem dançando pelo espaço, sem 48

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perder de vista as carícias criadas, lembrando-as sempre do espaço que

precisava ser explorado e de onde o público estava localizado. Balões agora

eram soltos entre elas, às quais teriam que interagir com eles sem perder a

qualidade das carícias (foto 1).

foto 1: Vanessa Croft

Num primeiro momento, achei aquilo tudo muito frio e sem

concentração, então foram separados dois grupos, onde um apresenta

enquanto o outro assiste. Percebi, então, que a concentração é bem maior

quando o grupo é separado, principalmente as mais dispersas. Numa roda

aberta depois desse exercício, deixei as alunas discutirem entre si o que

acabaram de executar, pois “é bastante proveitoso levar uma improvisação ao

término com uma discussão de avaliação, mesmo que essa nem sempre seja

útil” (HASELBACH, 1989, p.18). O grupo já tem consciência de que conversas

paralelas atrapalham o processo e de que quem começou primeiro nas aulas

têm vantagens sobre as outras.

Com relação ao balão, incitei-as perguntando o que representava este

objeto para elas, Silvia, a única aluna que já fez teatro, me responde quase

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soletrando: O balão representa o corpo, a alma e o pensamento. Essa aluna

era introspectiva, mas em cena se transformava, dando vida à farsa teatral,

mas por fatores externos, que não quis explicar, abandonou o grupo.

Depois de buscar conhecer um pouco dessas mulheres por dentro, o

processo chega até o lado de fora, onde eu me questiono: O que essas anciãs

mais fazem em seu cotidiano?

Com muito cuidado, busquei essa resposta em uma dinâmica, na qual

as alunas formariam um círculo de cadeiras, e uma a uma vai até o centro e

representa mimeticamente alguma ação cotidiana que mais goste de fazer.

Surgiram diversas coisas como maquiar, lavar roupa, fazer doce de leite, mas a

mais engraçada foi a ação de fiar, proposta por uma das alunas. Eu pedi a ela

que fiasse de uma forma ritmada, de modo que toda a platéia ao seu redor

pudesse vê-la. Foi um exercício incrível, porque ela soube trabalhar compassos

com os pés, sem perder a qualidade das mãos, só que ao seu término, outra

colega tomou seu lugar dizendo que ia fiar de novo, porque a colega esqueceu-

se de descaroçar o algodão.

Essa postura que a platéia tem de querer assumir o papel do outro é

extremamente comum, porque se trata de identificações, o que está sendo

representado pertence a nós,

Se alguma coisa é verdade em uma pessoa, e ela conta algo sobre seus sentimentos, acho que nós acabamos reconhecendo o sentimento, não é uma história privada. Falamos de alguma coisa que nós todos temos. Todos conhecemos esses sentimentos e os temos em conjunto (BAUSCH apud FERNANDES, 2000, p.55)

O aprender é algo tão importante quanto se manter vivo e,

inacreditavelmente, aprendemos até a morte, e este é o precioso saber que

mantém vivo o homem. Nas discussões com a turma, fiz questão de reforçar

essa idéia, principalmente por meio de textos, como Elogio do Aprendizado

(anexo 2), um texto de Brecht, que nos estimula a estar sempre buscando

aprender novas coisas, pois o comando de tudo está em nossas mãos.

O estatuto do idoso foi um material discutido também em sala de aula,

pois ele, ainda que assegure direitos ao idoso, limita-se muito a somente tratar

de direitos constitucionais. Os direitos à cultura e ao lazer eram completamente

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desconhecidos por parte das alunas, que demonstraram interesse em conhecer

melhor o estatuto, folheando-o curiosamente.

Quando o fim das oficinas estava se aproximando, a dispersão

começou novamente, pelo fato de se iniciarem as festividades da igreja e

aproximar o período de férias. Numa dinâmica, pedi que cada uma das alunas

avistasse um baú à sua direita e outro à sua esquerda, depositando de um lado

tudo o que queriam para a montagem, e do outro lado, tudo o que não queriam.

Elas puseram mais força no baú do que não queriam, como se expulsassem

uma carga de energia negativa, que pudesse atrapalhar o processo.

Era visível o interesse de cada uma das envolvidas, elas se sentiam

bem em estar ali, confiando em nós para expor suas vidas. Sempre ao final de

cada aula, uma aluna chegava até nós para contar algo ocorrido ou para

confidenciar algum segredo e, para minha surpresa, numa dessas aulas, uma

aluna chegou até mim e disse: Eu sofria muito com a depressão, mas ela

acabou aqui, com o teatro. Vocês são um anjo que Deus mandou pra nós.

Saber ouvir atentamente cada palavra dita, esse era meu papel ali. Não

sou psicóloga, nem terapeuta, e por não ter formação nessas áreas, não

poderia direcionar meu trabalho para outro viés que não fosse o teatro. Daí,

meu olhar atencioso como uma ouvinte, que desempenha seu papel e recebe o

feedback na hora.

4.1- A Vida Dança em Um Espetáculo

Para a apresentação foram escolhidas dinâmicas já trabalhadas em

aula, que agora seriam ensaiadas até virarem cenas. Entre nós, estagiários,

escolhemos as seguintes dinâmicas: as carícias, os balões e as ações

cotidianas. Novas partituras também foram criadas, como a de D. Maria

cruzando o palco dançando e interagindo com seu andador, ao som de sua

própria voz gravada, na qual relata o início de sua lesão, os tratamentos, até

chegar às aulas de teatro. Ainda em sua dança, haverá a interação de Judith,

que dançará com uma cadeira, a qual oferecerá para a amiga se sentar.

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foto2: Vanessa Croft

D. Luiza foi posta numa extremidade do palco, onde interage com uma

boneca, que, por sinal, é sua (foto 2). Durante os ensaios ela sempre se

esquecia de quem era a boneca, esquecia que aquilo era um ensaio. Então

pedi a uma das amigas que brincasse com ela, de modo a estimular sua

interação. Conforme os ensaios aconteciam, ela foi tendo um avanço muito

grande, até o dia em que chegou a mim: eu trouxe a boneca hoje, viu? Numa

reação de surpresa, perguntei a ela quem havia trazido sua boneca: Eu, uai!

As aulas, a partir de então eram dedicada aos ensaios. Agora com a

montagem já pronta, a repetição dá ao movimento sua qualidade devida,

transformando-o em algo novo, “os gestos cotidianos, por sua vez, são trazidos

ao palco e, através da repetição, tornam-se abstratos, não necessariamente

conectados com suas funções diárias” (FERNANDES, 2000, p.28). O que, a

princípio, foi criado com um significado, depois de exaustivas repetições ganha

releituras e formas diferentes.

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foto 3: Vanessa

Croft

No caso de D. Maria, a repetição fez com que ela ganhasse mais

autonomia sobre o andador, desprendo-se aos poucos dele, chegando até a

dançar movimentando suas mãos livres, mandando beijos para a platéia (foto

3). Já, no caso de D. Luiza, a repetição serviu para reforçar a memória,

exigindo que ela lembrasse suas ações cotidianas, o que a deixou mais atenta.

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foto 4: Vanessa Croft

No caso das outras senhoras, a atenção estava em compreender

aquele objeto que estava sendo manuseado, as intenções dadas a ele, o

sentimento empregado. Nas ações cotidianas, a intenção é mostrar o domínio

e a clareza das ações, já que os objetos eram imaginários. O doce de leite que

estava sendo feito em uma das ações, teria que ser convidativo, seu aroma e

sabor era de uma qualidade incrível. Conforme eu ia estimulando, a aluna pega

seu prato imaginário de doce e senta no chão (foto 4): Ai, ai, esse trem é

gostoso, mas dá um trabalho, que só vendo! Esse cansaço era real, por

movimentar muito os braços, mas ela não saiu de cena para expressá-lo,

buscou outras possibilidades.

Durante todo o semestre nos mostramos abertos a qualquer sugestão

que o grupo pudesse trazer, absorvendo para o trabalho o que acreditávamos

que funcionaria. Em uma das aulas, numa conversa informal, a coordenadora

do centro de convivência nos disse que ela tinha um cd com uma música

chamada Hino da Terceira Idade (anexo 3), e que as senhoras conheciam toda

a coreografia da música. Pedi, então, que demonstrassem o que sabiam,

dançando lindamente, principalmente D. Luiza, que sabia até a letra da música.

Como forma de divulgar o centro de convivência e dar a elas o direito à

palavra, resolvemos incluir a música no fim do espetáculo.

As músicas não foram escolhidas ao acaso, mas com base nas

provocações feitas às alunas. O grupo Barbatuques remetia sua memória à

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infância, trazendo a essência dos jogos e brincadeiras para o palco, já o cantor

Allan Jackson, com seu romantismo imposto na voz, levava-as para o plano

das emoções, destacando a questão do amor como algo delicado e sensível,

como um balão

Os figurinos foram trazidos por elas, tendo a seguinte ideia: roupas

coloridas e muito femininas, além de proporcionar bastante movimento. Uma

das atrizes-bailarinas insistiu na ideia de que deveriam estar maquiadas e com

muitos colares, o restante do grupo foi contra, afirmando que nunca usaram

tanta coisa no corpo. Depois de muita conversa, chegamos à conclusão de que

tudo seria feito de forma equilibrada, e aquelas que nunca se produziram tanto,

agora experimentariam isso. E o resultado foi aprovado por todas, que não se

cansavam de se olharem no espelho.

foto5: Vanessa Croft

Para o cenário, pensamos num ambiente que remetesse aos sonhos,

aos desejos, e que fosse construído pelo próprio grupo. Foram confeccionadas,

então, enormes flores de papel, que brilhavam muito, sendo coladas em todo o

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palco e suas extremidades, como um verdadeiro jardim. Ainda compondo esse

cenário, o andador de D. Maria, ganhou pequenas flores, que transmitia leveza

aos olhos de quem as assistiam (foto 5).

O espetáculo foi apresentado no dia 28 de Junho de 2011, no teatro da

EMAC, na UFG, junto com o resultado de outros projetos ligados à disciplina

Estágio Supervisionado de Licenciatura III. Estava previsto que íamos

conseguir um ônibus para buscar as atrizes-bailarinas e o restante das idosas

do centro de convivência, que queria muito nos assistir. Não conseguindo esse

meio de transporte, nos organizamos e fomos todos de carro buscá-las no local

combinado. Fomos recepcionados com aplausos por elas.

A apresentação causou lágrimas por parte da platéia, que se

sensibilizou e se mostrou aprendizes daquelas mulheres guerreiras,

compartilhando do papel pedagógico que a arte desenvolve na sociedade,

incitando-a.

Em nossos dias, um dos aspectos marcantes do pensamento acerca do valor pedagógico da arte está no desafio de tentar elucidar em que medida a experiência artística pode, por si, ser compreendida enquanto ação educativa (DESGRANGES, 2006, p.21).

O encontro entre o teatro e educação ultrapassa qualquer barreira

sistemática imposta pelas instituições burocráticas voltadas para o ensino

regular. A pedagogia do teatro provoca, através de sua prática, o estímulo ao

ato produtivo, além de elaborar de forma reflexiva conhecimentos em torno da

vida social e suas relevâncias.

Apresentar à sociedade a prova de suas capacidades reforça ao idoso

sua auto-superação, refletindo novas percepções, psíquica e corporalmente.

A montagem, inclusive, foi a maior cobrança desse grupo da melhor

idade para comigo. Elas vêem esse momento como a prova do quanto são

capazes, seja para a família, seja para a sociedade em geral. Dentro do

processo, se ouvia muito D. Maria dizer: Meu genro tá falando que eu não

tenho idade pra fazer teatro, eu falei: Você vai na minha apresentação e vai ver

eu rodopiar no espaço até mesmo! É exatamente esse sentimento seguro que

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eu estou buscando propor a cada uma, e não fazer do comentário dos outros

um impulso para se desistir de tudo.

Estranhamente, fechamos o espetáculo sem sugestão de nome para

ele, não encontrando uma palavra específica que corresponda ao processo.

Várias imagens nos vêm à cabeça, mas nenhuma palavra capaz de expressá-

las. Experimente você, leitor, dar nome a essa tão linda obra, a qual fez de

mim, educadora e eterna aprendiz.

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5 – Conclusão

É importante considerar, já no começo dessa conclusão, o fato de eu

nunca ter tido antes experimentado a docência em outro local que não fosse a

escola, e com um público que não fosse criança ou adolescente. Por isso, tudo

o que eu relatar daqui para frente, posso dizer que, só foi possível graças ao

apoio e a abertura que o Centro de Convivência Nossa Senhora do Perpetuo

Socorro nos possibilitou.

Prezando em primeiro lugar a saúde e o aprendizado do idoso, por

meio de atividades interativas, este centro de convivência soube aceitar muito

bem nosso projeto, confiando em nosso trabalho e não nos deixando

sobrecarregados, como se a nossa presenças servisse apenas para preencher

o tempo das alunas, como em uma recreação. Este espaço alternativo,

tratando o teatro seriamente, teve em contrapartida, o ganho fundamental de

uma arte rica em significados, que proporcionaria às idosas, além de

momentos felizes, uma atenção maior para si e para o um mundo o qual estão

inseridas.

Mas esse espaço é dividido com outras atividades, o que atrapalhou

um pouco em nosso processo, causando dispersão e falta de concentração do

grupo, lidando com pessoas cruzando o espaço, barulhos de vozes

constantemente, e conversas paralelas entre alunas de teatro e alunas de

artesanato, onde uma chama a outra para mostrar o que fez, e por lá sua

atenção fica. Esse foi um fator que soubemos driblar, dedicando um tempo

maior para exercícios voltados para a concentração. Se um projeto como esse

tivesse início agora, um espaço reservado só para nós seria uma das coisas à

qual não abriria mão de forma alguma.

O projeto, ao longo de seu desenvolvimento sofreu inúmeras

modificações, devido a fatores imprevisíveis dentro da elaboração de uma

metodologia, daí a importância de se pensar em um projeto flexível, capaz de

sofrer alterações necessárias, mas que não comprometa seus objetivos. Por 58

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lidar com situações direcionadas ao ser humano, a dança-teatro já abriga essa

proposta, sendo maleável, transferindo a responsabilidade para a forma como

o artista-docente vai conduzi-la. E este tem que ser detalhista em cada

movimento, em cada atitude ou respiração, pois é no sutil que está

resguardada a essência do gesto, e é ali que o processo se inicia, quando

consigo enxergar para além dos poros.

A sincronia foi algo repensado nas dinâmicas, pois o tempo de

execução de um movimento não pôde ser o mesmo para todas. Enquanto

estou demonstrando um exercício, preciso ser clara, sem pressa para que elas

não se percam ou realizem algo de forma incorreta. Foi preciso dobrar o tempo

de um movimento, principalmente, nos alongamentos, já que os mesmos não

estão sendo feito por atores, e sim, por um grupo diverso, o qual tem pessoas

que podem ou não fazerem certos tipos de exercícios. Por esta razão que evitei

trabalhar movimentos pesados, mas que tivessem grande simbologia na vida

dessas mulheres. Sabendo que determinados tipos de esforços ou de torções

poderiam levá-las a um agravamento de seus problemas, além de causarem

algum tipo de acidente em aula.

Como lembra Tolocka,

A entrada no palco de pessoas com deficiências ou idosas aumenta o risco na dança, principalmente porque algumas pessoas podem estar em fase de desestabilização e nessa fase o organismo ainda não consegue fazer as melhores escolhas, o movimento fica muito estável e a possibilidade de aprender as informações fornecidas está reduzida.

(TOLOCKA, 2006, p.40-41)

É preciso tempo para que o conhecimento se torne orgânico no corpo,

e é por isso que a paciência é a melhor aliada de um profissional que lida com

esse tipo de projeto.

Como lidamos com problemas emocionais, foi difícil para algumas

alunas se deixarem levar por seus sentimentos, o que fez com que houvesse

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desistência no decorrer do processo. Ainda que não participassem das oficinas,

olhares eram direcionados ao ensaio das outras colegas, e quando eu

perguntava se queriam participar, a resposta era essa: “Não, professora. Tô

passando por uns probleminhas !”. Ou seja, quando estamos bem podemos

extravasar nossos movimentos, e quando estamos mal, nos fechamos para o

mundo, olhando-o como se estivéssemos fora dele. Esse é o nosso erro.

Nas alunas que continuaram a freqüentar as oficinas, o efeito foi

inverso. Ao perceberem que melhoraram sua postura perante os que as

cercavam, mostrando maior independência, ganhando o respeito deles, e até

mesmo apoio de quem acreditava que aquelas oficinas não iriam ajudar em

nada. Isso melhorou muito a forma de se expressarem, transmitindo agora

maior confiança, sendo notada a diferença até pelas colegas de outros cursos.

Desde o começo desta pesquisa venho pontuando que o projeto não

teve cunho terapêutico, sendo esta a função da arteterapia. O que visei foi

simplesmente usar os sentimentos que envolvem a vida destas idosas e trazê-

los para o contexto teatral, lapidando-o e dando forma, transformando-os enfim,

em partituras corporais. Esse encontro das idosas com seus sentimentos,

muitas vezes esquecidos ou desprezados, trouxeram para elas, momentos de

profunda reflexão, que a partir de agora se farão presentes no corpo e em suas

emoções.

Posso dizer que a capacidade delas de confiarem em nós,

mediadores, e não se permitirem desistir no primeiro obstáculo encontrado, é

que fez deste trabalho algo possível de acontecer, tanto que conseguimos

montar o espetáculo, podendo ser apreciado e aplaudido de pé por aqueles

que se fizeram presentes.

Antes de iniciar a pesquisa com a terceira idade, acreditava encontrar

nesse público certas resistências e indisciplinas. Mas, o resultado desta

pesquisa foi além das expectativas esperadas, pois as idosas se mostraram

abertas a qualquer crítica que fosse acrescentar ao trabalho desenvolvido,

além de possibilitar que nós, estagiários, pudéssemos tratá-las de igual para

igual.

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Como pesquisadora e educadora, posso afirmar que os aspectos

retirados da dança-teatro bauschiana para compor meu projeto na forma de

metodologia, podem sim, serem aplicados em sala de aula e trabalhados com

pessoas de diferentes idades, extraindo dos alunos diversas leituras sobre o

mesmo tema, pois cada ser é único, e só pode fornecer aquilo que lhe cabe,

não podendo ser objeto de comparação, conceitos ou simplesmente, objeto.

Cabem a nós, artistas-docentes, inovar no ensino de teatro, lançando

mão de elementos do teatro, desmembrando suas ricas e inúmeras

possibilidades enquanto linguagem, que vai desde o ator até as reações da

platéia, desde o professor até o aluno, desde a educação até o teatro, desde a

respiração até a palavra, dita, mal dita e repetida inúmeras vezes, até se fazer

ouvir por aqueles que precisam compreendê-la para assimilar esse

conhecimento a outros já registrados em sua memória.

A partir do momento em que reencontrarmos o viés pelo qual

aprendemos a arte, é que estaremos aptos a ensiná-la, seja para quem for.

Usar o público da terceira idade para afirmar a hipótese de que todos podem

fazer teatro não foi fácil, mas foi necessário para expandir a visão dos futuros

educadores da área teatral, que tem como primeira referência de metodologia,

os jogos. Não estou dizendo que não funcionam, mas que além destes,

existem outras formas de se fazer teatro, assim como existem outras formas de

se aprender teatro, e o equilíbrio se dá quando as duas partes dialogam entre

si.

Para que projetos como este dêem certo, além do trabalho docente,

faz-se necessário maior apoio governamental, onde políticas culturais voltadas

para o idoso sejam criadas, preocupando-se em colocar em contato com estes

sujeitos, a arte, a saúde e a educação. A abertura de novos centros de

convivência seria um bom começo para se pensar em locais de apoio cultural,

onde diversas formas de artes possam ser desenvolvidas, tendo como público

alvo, unicamente o idoso. A união de profissionais da área teatral, da saúde, e

da educação, num local propício para desenvolver as potencialidades de

expressão do idoso, trabalhando em sintonia, pode ser uma iniciativa muito

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positiva para a melhoria da qualidade de vida na terceira idade, trazendo

resultados para quem participa e para a sociedade que abriga estes sujeitos.

Ressaltando que, apesar de serem assistidos pelo Estatuto do Idoso

(Lei 3.561/97) e terem estes centros de convivência, não é o suficiente, é

preciso não só inserir os mesmos, mas dar condições, como estrutura física e

profissional para eles potencializarem seus talentos e, assim, mostrarem que

ainda são capazes.

A sociedade precisa se apoiar enquanto transformadores, pois nós

somos reflexos de nossos atos, e não podemos nos acomodar, acreditando

que está tudo bem e que a política está direcionada apenas para finanças.

Infelizmente a questão do idoso ainda é um problema social aqui no Brasil. E a

colaboração de resultados, como este, já é um grande avanço para que

inovações sejam feitas.

Convoco a pedagogia formadora e a formação da pedagogia e seus

docentes a ensinar arte a seus alunos, incitando-os a vivê-la.

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ANEXOS

(Anexo 1) Segredos

“Ainda que eu ande sobre o vale da sombra da morte, não temerei mal algum”

“Deus não rejeita a oração, oração é alimento”

“Amai-vos uns aos outros, como eu vos tenho amado”

“O senhor é meu pastor, e nada me faltará”

“Não tentarás o senhor, teu Deus”

“Estou clamando, estou pedindo, só Deus sabe a dor que estou sentindo!”

“Não temas, eu sou contigo. Não te atordoes, eu sou teu Deus!”

“O meu Deus, é o Deus do impossível!”

“Liberdade é pouco, o que eu quero ainda não tem nome.”

“Sou como a primavera, preciso desfolhar-me para voltar sempre inteira”

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(Anexo 2) Elogio do Aprendizado

(Berthold Brecht)

Aprenda o mais simples! Para aqueles cuja a hora chegou.

Nunca é tarde demais!

Aprenda o ABC; não basta, mas aprenda!

Não desanimes, comece!

É preciso saber tudo!

Você tem que assumir o comando!

Aprenda, homem no asilo!

Aprenda, homem na prisão!

Aprenda, mulher na cozinha!

Aprenda, ancião!

Você tem que assumir o comando!

Freqüente a escola, você que não tem casa!

Adquira conhecimento, você que sente frio!

Você que tem fome, agarre o livro, é uma arma!

Você tem que assumir o comando!

Não se deixe convencer.

Veja com seus olhos!

O que não sabe por conta própria, não sabe.

Verifique a conta, é você que vai pagar.

Ponha do dedo sobre cada item.

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Pergunta: oque é isso?

Você tem que assumir o comando!

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(Anexo 3 ) Hino da Terceira Idade

Nós já fomos crianças e jovens/ Hoje estamos na terceira idade

Mas a vida pra nós continua/ Cheia de felicidade

Nós já fomos crianças e jovens/ Hoje estamos na terceira idade

Mas a vida pra nós continua/ Cheia de felicidade

Temos fé, temos vitalidade/ Temos Deus que não deixa só

Alegria, o amor e a esperança, mostram os jovens que existem em nós (bis)

Salve a Terceira Idade! / Salve a Terceira Idade!

Vejam que turma legal, Hey!

Vejam que alto astral, Hey!

Viva a Terceira Idade!

Nós já fomos crianças e jovens/ Hoje estamos na terceira idade

Mas a vida pra nós continua/ Cheia de felicidade

Nós já fomos crianças e jovens/ Hoje estamos na terceira idade

Mas a vida pra nós continua/ Cheia de felicidade

Temos fé, temos vitalidade/ Temos Deus que não deixa só

Alegria, o amor e a esperança, mostram os jovens que existem em nós (bis)

Salve a Terceira Idade! / Salve a Terceira Idade!

Vejam que turma legal, Hey!

Vejam que alto astral, Hey!

Viva a Terceira Idade!

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(Anexo 4) Diário de Bordo mensal

1º Mês

-Contextualização do Teatro

-Alongamentos leves (pois os corpos ainda se mostravam bastante sedentos)

-Aquecimento vocal

-Jogos Teatrais (visando trabalhar a timidez)

-Ritmo (trabalhando as articulações de forma dançada)

-Carícias com objetos simbólicos (para desenvolver a linguagem do sensível)

-Discussões em grupo do andamento do processo

-Anotações em diário de bordo

2º Mês

-Alongamento em dupla, percebendo seu corpo e o da colega

-Aquecimento vocal

-Jogos teatrais (estimulando a memória)

-Lembranças de quando eram crianças trabalhadas para o palco

-Dança com partes individuais do corpo

-Criação coreográfica a partir dos materiais coletados

-Discussões em grupo do andamento do processo

-Anotações em diário de bordo

3º Mês

-Alongamentos (exploração dos pontos de equilíbrio)

-Aquecimento vocal, usando o hino de agradecimento pela merenda (trabalhando a projeção da voz)

-Estímulos sensitivos (com música, estimulando a memória emotiva)

-Cenas cotidianas trazidas pelas idosas (repetidas e trabalhadas até ganharem novas leituras)

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-Noções de espaço utilizado pelas atrizes-bailarinas

-Escolha das cenas a serem apresentadas e ensaio destas

-Distribuição das idosas para suas respectivas cenas

-Ensaios dos materiais coletados

-Discussões em grupo do andamento do processo

-Anotações em diário de bordo

4º Mês

-Alongamentos ritmados, em duplas ou grupos

-Aquecimento vocal, usando o hino da 3ª idade

-Ensaio, experimentando tempos de cena e ordens de entrada, utilizando a música como referência

-Repetição das cenas

-Escolha do figurino

-Escolha e confecção do cenário

-Apresentação

-Anotações em diário de bordo

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REFERÊNCIAS

ALVARES, Marília. Higiene e Saúde Vocal. 2009. Artigo destinado à UFG

ASLAN, Odete. O Ator no Século XX. São Paulo. Perspectiva. 2007.1º ed.

BISSE, Jaqueline de Meira. Dança e Modernidade. 2008. Dissertação de Mestrado, apresentado a Faculdade de Educacção da UNICAMP

CALDERA, Solange. As Residências de Pina Bausch. O Percevejo on-line. Periódicos de Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas. PPGAC/UNIRIO. Acesso em: 14 de Junho de 2010. Disponível em: www.seer.unirio.br/index.php/opercevejoonline/article/view/486

_____. Dança: do movimento puro à dramaturgia corporal de Pina Bausch. Mimus Revista on-line de mímica e teatro físico, 2009, Ano 1, n.02. Acesso em:14 de Dezembro de 2010. Disponível em: www.mimus.com.br/3pina_bauch2010.phd

_____. Pina Bausch: Como El Musquito en La piedra. Departamento de Artes e Humanidades. UFV. Acesso em 04 de Novembro de 2010. Disponível em: www.portalabrace.org/vicongresso/pesquisadanca/Solange%20Caldeira%20-%20Pina%20Bausch%20Como%20el%20musquito%20en%20la%20piedra.pdf

_____. A pesquisa artística no processo de criação de Insurtos. V Reunião Científica de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas.UFV. Acesso em: 04 de Novembro de 2010. Disponível em: www.portalabrace.org/vreuniao/textos/pesquisadanca/Solange%20Caldeira%20-%20A%20pesquisa%20art%EDstica%20no%20processo%20de%20cria%E7%E3o%20coletiva%20de%20INSURTOS.pdf

CURY, Augusto. Você é Insubstituível. Rio de Janeiro: Sextante, 2002

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