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Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União no DF Filiado à CUT/FENAJUFE Ano XVI - nº 53 Novembro de 2008

Filiado à CUT/FENAJUFE Sindicato dos Trabalhadores do ......Ano XVI - nº 53 Novembro de 2008 2 Revista do Sindjus Nov/2008 A crise dos mercados começou na tal “bolha” imobiliária

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Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciárioe do Ministério Público da União no DF

Filiado à CUT/FENAJUFE

Ano XVI - nº 53Novembro de 2008

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A crise dos mercados começou na tal “bolha” imobiliária dos Estados Uni-dos e atingiu o coração do Sistema em cheio. Contamina a Europa, chega aeconomia produtiva real, enxuga o crédito, infla o pânico. A lógica desse Siste-ma é a do lucro a qualquer custo (valores humanitários são desprezados emnome do mais no menor tempo possível e dane-se o resto). A contradição,agora, é que se clama por “solidariedade” e “altruísmo compreensivo” paraque não se desmonte a pedra angular que sustenta a abstração virtual dosganhos: a confiança. E aí? Se eles praticam o “pau na máquina” e são impie-dosos para competir, vencer, dominar, submeter e, um dia, falham, como inver-ter tal cultura para um clima generoso de compaixão e ajuda? Recorrer aoEstado, antes exorcizado como inibidor da “autonomia liberal”? Clamar tardi-amente por regulação socializando o ônus e embolsando o bônus? Enfim, eisuma crise cultural em sua essência. De princípios, opções de desenvolvimento,modelo de sociedade, padrões de consumo, relações pessoais e com o meioambiente. Uma crise da vida em colapso. E vida revida. Confiança é um capitalpolítico, imaterial, sutil, aparentemente emocional e frágil, mas sustenta ouuma farsa ou uma verdade. Sem crédito ainda sobreviveremos (refazendo omodelo), mas sem credibilidade eles desmancham no ar, pulverizados pelamesma arrogância, isolamento e ganância que os sustentavam.

...tudo que é sólido

desmancha no ar...

TT CATALÃO

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Muito tem se especulado sobreos efeitos da crise financeira, des-de o cancelamento de concursospúblicos até que o congelamentode salários. No entanto, existe mui-to de terrorismo nisso tudo. E nãopodemos permitir que a crise eco-nômica mundial seja pretexto paraarrochos salariais, impedindo outrasconquistas. O próprio presidenteLula afirma que “tudo vai continu-ar acontecendo neste país. Se o Bra-sil tiver que passar por algum aper-to, ele será muito pequeno”. De

fato, o Brasil se preparou para uma crise como esta.Hoje, o mercado interno e a balança comercial dãosustentação à economia do país.

Mas as grandes instituições financeiras não vãoquerer pagar o preço desta crise e já espalham o dis-curso do medo, tentando minimizar suas responsabili-dades e repassar o prejuízo. O que nós, servidores pú-blicos, não podemos deixar é que nos dêem o papel debodes expiatórios de uma crise que demonstra as fa-

Roberto PolicarpoCoordenador-geraldo Sindjus

Para que o Brasilnão sofra maioresconseqüênciascom a crise inter-nacional, é neces-sário fortalecer oEstado. E como sefaz isso? Investin-do no serviço pú-blico. Essa é umaforma de se vaci-nar contra umacrise que é dosbanqueiros ameri-canos, europeus...e não nossa!

AO LEITOR

FOTOS: ARTHUR MONTEIRO

serviço públicolhas do sistema financeiro mundial e pede uma saída. Aocontrário, para que o Brasil não sofra maiores conseqü-ências desse fenômeno, é necessário fortalecer o Estado.E como se faz isso? Investindo no serviço público. Voltaros olhos para as carreiras de Estado é uma forma de sevacinar contra possíveis danos de uma crise que é dosbanqueiros americanos, europeus... e não nossa!

Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, “oBrasil é um porto seguro” em meio à crise internacionale será uma das economias que será fortalecida a partirdessa crise. Nesse sentido, vamos continuar com o mes-mo ímpeto em busca do nosso novo plano de carreira. OSindicato também tem participado de negociações juntoà Secretária de Orçamento Federal para que os recursossejam otimizados e os servidores não sofram quaisquerprejuízos em face do terrorismo que se tem feito em tor-no desta crise. Não podemos cair no discurso de que asaída é cortar no funcionalismo público. Para defender aeconomia e o desenvolvimento brasileiro, a saída é forta-lecer o serviço público. E nós temos que fazer a nossaparte defendendo uma carreira à altura de nossas atri-buições. Conscientes de nosso papel, vamos nos manterunidos e engajados em nossa luta.

A saída é fortalecer o

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CARTAS

Exemplo a ser seguidoEstimulante a entrevista com o Diretor-Geraldo STF, Alcides Diniz, veiculada na ediçãopassada desta revista. Às vezes nosacomodamos. O senhor Alcides Diniz, pornunca ter cruzado os braços, conseguiu muitono que se refere ao desenvolvimentoprofissional. Um verdadeiro exemplo a serseguido, em matéria de carreira.André Costa – TRF-1

Articulação e diálogoAcho muito importante esse trabalhoconjunto de articulação, de aproximação ede diálogo com todas as esferas de poderrealizado pelo Sindjus. A comissãointerdisciplinar, criada pelo presidente do STFé uma vitória da mobilização do sindicato.Geraldo Júnior – STJ

AposentadoriaMuitos sonham com a aposentadoria achandoque a rotina passará a ser um imensodescanso. No entanto, há uma vida intensapor detrás dos aposentados. E é esse universoque a matéria “Recomeço de vida”descortinou aos nossos olhares. De fato,a aposentadoria deve ser vista como umperíodo rico em ações e atitudes.Shirley Cavalcanti – TJDFT

Guias culturaisEu não sabia que existiam obras de MariannePeretti ao nosso alcance. É impressionantecomo a cultura da desinformação se enraizouem nosso cotidiano. Mas ainda bem queexistem guias culturais, como este da revistaSindjus, que nos possibilita redescobrir ummundo mágico que está bem diante denossos olhos.Laís Marques – MPDFT

Tirando o chapéuO que dizer de Gervásio Baptista, o repórterfotográfico que há 76 anos captura ocotidiano em suas lentes? Simplesmente, sóme resta tirar o chapéu a ele. Eu nunca o vipessoalmente, mas já vi muitas de suas fotos.Para os amantes da fotografia como eu, umpatrimônio a ser tombado.Sandro Lima – TST

Sindicato dos Trabalhadores doPoder Judiciário e do MPU no DF

SDS, Ed. Venâncio V, Bl. R, s. 108 a 114CEP 70393-900 - Brasília-DFPABX (61) 3224-9392www.sindjusdf.org.br

Coordenadores-geraisAna Paula Barbosa Cusinato (MPDFT)Roberto Policarpo Fagundes (TRT)Wilson Batista de Araújo (TRE/DF)

Coordenadores deAdministração e FinançasBerilo José Leão Neto (STJ)Cledo de Oliveira Vieira (TRT)Jailton Mangueira de Assis (TJDF)

Coordenadores de AssuntosJurídicos e TrabalhistasEliza de Souza Santos Ávila (STF)José de Oliveira Silva (TJDF)Newton José Cunha Brum (TST)

Coordenação de Formaçãoe Relações Sindicais Carlos Alberto de Araújo Costa (TJDF)Eliane do Socorro Alves da Silva (TRF)Raimundo Nonato da Silva (STM)

Coordenadores de Comunicação,Cultura e LazerOrlando Noleto Costa (TSE)Sheila Tinoco Oliveira Fonseca (TJDF)Valdir Nunes Ferreira (MPF)

Livros na ruaLevei um susto quando vi livros e mais livrosenfileirados em estantes de aço nas paradas daW3 Norte. Logo pensei que era algum tipo decomércio ambulante. Depois, fui tomarconhecimento do projeto e achei maravilhoso.Já doei mais de quarenta livros para esse projetoque é exemplar.Eduardo Carneiro – MPU

Gestão de carreiraO plano de carreira mudou a minha rotina.Agora, busco informações o tempo todo sobreo assunto e participo sempre dos eventospromovidos pelo sindicato. Dia desses, peguei-me em uma grande livraria aqui em Brasíliaperguntando ao vendedor sobre gestão decarreira. Acabei levando dois livros para casa.Edna Gomes – TRT

Preservação do cerradoQuando pensamos em desmatamento, logoimaginamos florestas imensas e nos eximimos dequalquer responsabilidade, já que estamos longeda Amazônia e da Mata Atlântica. No entanto,a luta pela preservação do cerrado, um dosespaços mais ricos da natureza, faz parte da vidade cada um de nós. E o cerrado pede socorro.José Bernardes – TJDFT

Parabéns, José GeraldoAgora o Sindjus tem o reitor de uma dasinstituições mais importantes de nosso paísescrevendo em sua revista, colaborando comseus projetos. Isso demonstra a força de nossosindicato e os benefícios de ser filiado. Semdúvida alguma, é a pessoa certa para estarà frente da UnB. Parabéns José Geraldo!Fabrício Matos – TSE

PARTICIPE!Envie seuscomentários ousugestões depauta [email protected]

Coordenação editorialTT Catalão - Reg. Prof. 685-DFEdiçãoUsha VelascoReportagem e redaçãoDaniel CamposThais AssunçãoRevisãoPatcha ComunicaçãoProjeto gráfico e arteUsha VelascoTiragem12.000 exemplares

Sindjus

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m direito fundamental, fruto de conquista dacidadania, o voto tem sido sistematicamente ne-

gado a uma parcela importante da sociedade, opreso provisório, que aguarda julgamento e quetem a seu favor a presunção de inocência. De fato,pelo menos 16 estados da Federação ignoram estedireito previsto na Constituição, apesar de resolu-ção favorável do TSE (nº 20.471/1999), em res-posta à consulta formulada pelo TRE do Ceará“acerca da possibilidade de instalação de seçõeseleitorais especiais em estabelecimentos peniten-ciários, a fim de que os presos provisórios tenhamassegurado o direito de voto”.

Trata-se, efetivamente, de um direito expresso naprópria Constituição Federal (art. 15), que só prevê aperda ou suspensão de direitos políticos em caso decondenação criminal transitada em julgado, enquan-to durarem seus efeitos (III). Por sua vez, a Lei deExecução Penal (art. 3º) estabelece que “ao conde-nado e ao internado serão assegurados todos os di-reitos não atingidos pela sentença ou pela lei”.

Por esta razão, várias iniciativas têm sidoadotadas em favor do voto do preso, destacando-seuma campanha nacional com apoio de várias enti-dades, entre elas a Associação dos Magistrados doBrasil – AMB, Instituto de Estudos Criminais do Esta-do do Rio de Janeiro – IECERJ, Instituto de Acesso àJustiça (RS) – IAJ, Pastoral Carcerária, Movimento daMagistratura Fluminense pela Democracia –MMFD,Justiça Global, Grupo Tortura Nunca Mais (RJ) e Pas-toral Carcerária da Igreja Metodista. Na Europa dis-cute-se o direito ao voto de todo e qualquer preso,uma vez que impedi-los de votar fere a ConvençãoInteramericana de Direitos Humanos.

Um bem elaborado estudo nesse campo deve-se a Edivan Ismael dos Santos, servidora da JustiçaEleitoral em Brasília (aliás, associada ao Sindjus-DF).Trata-se de uma monografia de conclusão de cursode especialização em Direito Constitucional Eleito-ral promovido pela Universidade de Brasília, com otítulo O Voto do Preso Provisório: um direito nega-do, que tive a oportunidade de orientar.

Em seu bem documentado trabalho a autora ela-bora uma cartografia de iniciativas adotadas paraassegurar o voto do preso em vários estados – Per-nambuco, Ceará, Amapá, Rio Grande do Sul, Mara-nhão e Amazonas – e identifica subterfúgios, se nãopor parte da Justiça Eleitoral, principalmente da áreade segurança pública dos estados, muito comumen-te contrária ao implemento desse direito.

Em sua tomada de posição, Edivan dos San-tos salienta que “a Justiça Eleitoral não pode se es-conder atrás do argumento da inviabilidade técnicapara negar direitos”. Ela faz coro ao ponto de vistade Rodrigo Puggina, coordenador da Campanha Na-cional pelo Voto do Preso, segundo o qual “os presosjá se encontram em desigualdade perante as pessoaslivres; se os proibirmos de votar, acabamos aumen-tando ainda mais essa desigualdade e, por conseguin-te, enfraquecendo a democracia”. Edivan demonstra,em seu estudo, que, nos estados que abraçaram acausa do direito de voto do preso provisório, verifica-se a integração entre vários órgãos públicos para aconcretização adequada desse objetivo.

Conforme a sua conclusão, “ao defender-se o di-reito de voto do preso provisório, pretende-se, tão-somente, defender a aplicação dos princípios demo-cráticos que são a base da nossa Constituição. Sehouver igualdade no direito de voto, certamente ou-tros direitos serão conquistados pelas minorias soci-ais, tornando real o conceito de estado democráticode direito defendido na legislação brasileira. Até quevenha uma nova luta a ser travada pela garantia eampliação dos direitos fundamentais.”

Não é pouco levar a sério os direitos, comofaz Edivan dos Santos, em boa medida apoiada nasteses de seu autor de predileção. E neste ano em quea Constituição celebra seus vinte anos, a autora, comoDworkin, mostra muita clareza em sustentar que avitalidade de uma Constituição repousa na sua pro-messa de que todos os membros da comunidade po-lítica, tanto os mais fortes quanto os mais fracos, têmdireito à mesma consideração e ao mesmo respeito.

OPINIÃO

José Geraldo deSouza JúniorProfessor e ex-diretorda Faculdade de Direito daUnB, coordena o projeto“O Direito Achado na Rua”

“A Justiça Eleitoralnão pode se escon-der atrás do argu-mento da inviabilida-de técnica para ne-gar direitos. Os pre-sos já se encontramem desigualdade; seos proibirmos de vo-tar, acabamos au-mentando aindamais essa desigual-dade e, por conse-guinte, enfraquecen-do a democracia.”

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do preso provisórioDireito de voto

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ENTREVISTA • CÉSAR ASFOR ROCHAPRESIDENTE DO STJ

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O senhor tem uma vida marcadapela dedicação à advocacia e à ma-gistratura. Depois de vinte anos deConstituição cidadã, de uma tenta-tiva de reforma do Judiciário, qual ésua análise sobre a conjuntura queenvolve o Judiciário brasileiro naatualidade?

Melhorou muito com a Constituição de1988. A estrutura do Judiciário mudou mui-to. Houve a criação do STJ e dos cinco tri-bunais regionais federais, substituindo oTribunal Federal de Recursos. E o STJ sen-do criado como parte da competência doSupremo Tribunal Federal, que é aquela re-lacionada à uniformização de jurisprudên-cia em matéria infraconstitucional. Depois,

certas garantias que não estavam bem pre-sentes na fase anterior à Constituição pas-saram a existir junto à magistratura e, so-bretudo, aos jurisdicionados – garantias in-dividuais, respeito à ampla defesa e os re-cursos a ela inerentes, a atribuição de umagama enorme de direitos da cidadania,despertando a consciência do cidadão paradefender e desfrutar desses direitos.

Como o senhor encara a pressãode diversos setores, como bancos eimprensa, em nome da celeridade doJudiciário?

A pressão é da sociedade e não de seg-mentos. A sociedade inteira formula pelaceleridade do processo. Na verdade, a justi-ça tardia, como já dizia Rui Barbosa, é uma

injustiça disfarçada. É um anseio presenteem cada cidadão, não é só dos jurisdicio-nados, não só da parte, não só do advoga-do, nem somente da magistratura, mas detoda a sociedade, que anseia por uma jus-tiça mais rápida. A morosidade é um malque aflige o Judiciário no mundo inteiro, nãoé uma característica do Judiciário brasilei-ro. As pressões não são setorizadas, masda sociedade como um todo. E são pres-sões justas, diga-se de passagem, porque oanseio é legítimo. Todo mundo tem que terprestação jurisdicional mais rápida.

Mas há um antagonismo entre ce-leridade e segurança jurídica, não?

Há. Por isso a convivência é difícil.Dependendo do momento histórico, pres-

Daniel Campos

Vocacionado para o debate, como se auto-define, o presidente do STJ, ministro César AsforRocha, recebeu a Revista do Sindjus em seu gabinete para falar sobre a situação atual doJudiciário, a modernização desse Poder, o papel dos servidores em sua gestão e o novo planode carreira da nossa categoria. De forma objetiva, o advogado de carreira, que chegou ao STJem 1992, indicado pelo Conselho Federal da OAB, abordou a questão da celeridade, da trans-parência e da imagem errônea que a sociedade tem dos integrantes do Judiciário. Para ele, aspessoas não têm idéia do quanto se trabalha dentro do Superior Tribunal de Justiça.

Além de navegar pelos campos do intelecto jurídico, que já lhe renderam o lançamento devários livros (entre eles A luta pela efetividade da Jurisdição, no qual defende a utilização dosinstrumentos processuais para uma Justiça mais célere e eficaz), o presidente do STJ deixouclaro sua posição favorável frente ao novo plano de carreira dos servidores, afirmando que iráajudar na consolidação desse propósito, seja internamente ou na articulação junto aos outrospoderes. Ao discorrer sobre a importância de manter aberto um canal de diálogo com o Sindi-cato, o ministro Asfor Rocha defendeu a interlocução como caminho a ser seguido.

para o Plano de CarreiraArticulação

É impossível realizar a prestação jurisdicional, os ministros julgarem,sem a cooperação e colaboração dos servidores. Sobretudo nesse volume

de trabalho que temos, não existe o bloco do eu sozinho.‘ ‘ ‘‘

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tigia-se mais o princípio da segurança ouo da celeridade. Como são princípios, nóspodemos fazer uma modulação, ora privi-legiando um, ora outro. É diferente do queacontece em relação às normas jurídicasque, quando antagônicas, chocam-se: apli-ca-se uma, afasta-se a outra. Os princípi-os, ao contrário, podem ser conjugados.

Com a Constituição de 1988, com aredemocratização do país, o que se pre-tendia, na verdade, era prestigiar de umaforma quase estridente o princípio da se-gurança jurídica. Mas hoje já se percebena sociedade um anseio muito grande porceleridade, sem, evidentemente, postergaros mais sagrados princípios das garantiasda cidadania, como a ampla defesa e apresunção de inocência. E isso nós esta-mos vendo acontecer, com a adoção deuma série de instrumentos processuais.

Como o senhor vê essas novasformas de resolução de conflitos?

Com muita simpatia. Na verdade, alémdos instrumentos tradicionais, que são ocor-rentes do seio do processo judicial, há tam-bém meios alternativos de solução de confli-tos, como, por exemplo, a arbitragem e amediação, que são instrumentos mais exal-tados. Nós não temos essa tradição no Bra-sil. Mas a cada momento se vê mais forte omovimento pela adoção desses novos ins-trumentos, que eu vejo com muita simpatia.

Mas essa fragmentação não é pe-rigosa, visto que há a descentraliza-ção do papel do Estado?

Não, porque é uma experiência quetem sido válida, sobretudo em solução deconflitos entre grandes empresas. Perce-be-se que os meios tradicionais de solu-ção de conflitos, que são os processos ju-diciais, não têm sido suficientes para aten-der a todo esse anseio de celeridade naprestação jurisdicional.

O que é preciso fazer para mo-dernizar o Judiciário sem que eleperca sua essência?

Várias medidas são necessárias. Pri-meiro, há a questão cultural. Os própriosjuízes, e também todos os servidores, pre-cisam se mover no sentido de tratar o pro-cesso com maior objetividade, livrando-sede certas amarras formais, de certos for-malismos desnecessários. Depois, procurarvirtualizar o processo. Não só informati-zar, mas virtualizar mesmo. Em médio alongo prazo, tenho certeza de que vamos

substituir o processo de papel pelo digital.Essa já é uma experiência colocada em usoem muitos juizados especiais. E, evidente-mente, ter uma visão de modificação le-gislativa, para criar instrumentos que pos-sam tratar, sobretudo, processos de massacom soluções de massa. Porque, se nós for-mos analisar individualmente os proces-sos de massa, não vamos dar vazão a umademanda cada vez mais crescente.

Além dessa parte voltada para atecnologia, o senhor enxerga a per-manente capacitação dos servidorescomo um processo de modernização?

Isso tem se dado até mesmo por contados concursos públicos, cada vez mais sele-tivos, exigindo maior qualificação. Esse fato,por si só, melhora a qualificação dos servi-dores. E temos outros instrumentos, que sãoutilizados para os que já estão no Judiciá-rio, como o aperfeiçoamento permanentedos servidores. Além de prestigiar, com mui-tos bons motivos, a carreira dos servidores,reconhecendo que o papel mais importan-te do Judiciário é o de oferecer Justiça.

Mas essa virtualização não cau-sa um certo temor, seja na questãodas atribuições dos servidores ou nocaso de doenças como L.E.R.?

É estranho que haja esse temor, por-que pode-se também ter L.E.R. com má-quina datilográfica, até mesmo com a es-crita manual. Ao contrário, a informatiza-ção exige uma maior qualificação do ser-

vidor e leva-o a ser utilizado em ativida-des mais nobres.

O senhor defende um Judiciáriomais próximo da população?

Sempre defendi. E o que se percebe éque o Judiciário está contagiado por essaidéia. Primeiro, tem que ser absolutamen-te transparente. A prova maior dessa trans-parência é a TV Justiça, que transmite assessões dos tribunais ao vivo. Isso é umacoisa que não ocorre em nenhum país domundo. Segundo, ter que haver um ofere-cimento maior de visibilidade de todos osatos que são praticados, inclusive os ad-ministrativos. Até porque não há como es-conder nada na sociedade atual; se vocêpraticar algum ato escondido, um dia eleserá descoberto. Além disso, a cultura dosjuízes está em se afastar do que está nosautos, sensibilizando-se em relação aos an-seios da rua. Não vamos julgar de acordocom o clamor coletivo, mas nos permiti-mos conhecer quais são as aspirações queestão nas ruas em relação a certos temasque estão mais perto da população.

Qual é a imagem que o senhorpretende implantar no Judiciário?

Uma imagem de absoluta transparên-cia. Transparência na atividade judicante eadministrativa. O STJ não tem nada a es-conder. Eu pretendo estudar mais profun-damente quais são todas as realidadesadministrativas do STJ, no que dizem res-peito a pessoal, equipamentos e licitação,

Como presidente do STJ, a mensagem que eupuder dar para que nosso propósito (o novo

plano de carreira) tenha êxito, darei.‘ ‘ ‘ ‘FO

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além, evidentemente, da atividade fim.Uma completa a outra. O STJ não pode terum bom desempenho no Poder Judiciáriose não tiver uma estrutura administrativaque dê suporte a essa atividade fim.

E como o senhor pretende inse-rir os servidores nessa tarefa?

Prestigiando-os naquilo que for possí-vel. Na melhoria de vencimentos, por exem-plo. Nós precisamos, pelo menos, manteratualizado o poder aquisitivo dos servido-res, e aperfeiçoá-los com o oferecimentode cursos e treinamentos. Enfim, prestigi-ando muito a carreira do Judiciário. Isso éfundamental, porque estabelece uma cer-ta ordem e estimula que os servidores per-maneçam na carreira.

O senhor é visto como um líderpolítico entre os tribunais. De quemaneira pretende canalizar essa li-derança para trazer avanços para oJudiciário?

Não... Eu não me sinto um líder, em-bora agradeça a sua referência. Mas eutenho o espírito aberto a manter contato,com uma relação harmoniosa com todosos poderes e também internamente, inte-grado com associações de classe, associa-ções de servidores, de magistrados, OAB etambém com o Ministério Público e suasassociações. Essa harmonia, já que todosnós temos como anseio a prestação juris-dicional, será benéfica para que possamosaprimorar nossos serviços para melhor

prestar a justiça ao cidadão.Os servidores estão na luta por um

plano de carreira. Como o senhor ana-lisa esse processo de valorização?

Eu acho justa a reivindicação dos ser-vidores do Judiciário, sobretudo quandoeles comparam sua situação com a de ou-tros poderes. Agora, temos que agir comdados consistentes, reconhecendo a difi-culdade pela qual o país passa, sobretu-do agora. Eu lamento muito que isso te-nha acontecido no momento em que es-tou assumindo a presidência, mas nãopouparei esforços para que possamos me-lhorar a remuneração dos servidores. Esseé um propósito que já foi externado peloministro Gilmar Mendes, tanto que ele jácriou uma comissão para realizar estudossobre o assunto.

O senhor vai promover uma in-terlocução na comissão e em outrospoderes em prol das reivindicaçõesdos servidores?

Eu posso falar como presidente do STJ,no que diz respeito ao STJ. Eu posso e de-verei ter essa movimentação. Agora, noâmbito da comissão, serei uma voz a ma-nifestar esse interesse. Mas a comissão épresidida pelo presidente do STF. Comopresidente do STJ, a mensagem que eupuder dar para que nosso propósito tenhaêxito, eu darei.

Quando essa discussão chegar aoExecutivo e ao Legislativo, o senhor

também vai ter essa movimentação?Também.Os servidores, então, podem con-

tar com o seu apoio na luta por umnovo plano de carreira?

Sem dúvida alguma.Como a Justiça contribui para

fomentar uma cultura de cidadania?Em primeiro lugar, dando aplicação às

leis. Em segundo, mantendo-se transparen-te para que a sociedade acompanhe o tra-balho do Judiciário. Muitas críticas feitasà magistratura e ao Poder Judiciário sãopor desconhecimento. As pessoas não fa-zem idéia do volume de trabalho que te-mos. As pessoas não sabem o quanto osservidores do STJ trabalham. São tarefasárduas. Muitas vezes, eu mesmo, que cos-tumo sair muito tarde do Tribunal, passo evejo luzes acesas em diversos gabinetes.Essa é uma imagem que não é guardadapelo cidadão.

E o que é preciso fazer para re-verter essa imagem?

Acho que nós devemos nos mostrarmais e ter a consciência de que somos pres-tadores de um serviço público que talvezseja o serviço mais relevante: a prestaçãojurisdicional.

Como o senhor avalia o apoio dosservidores nessa tarefa?

É absolutamente fundamental. É im-possível realizar a prestação jurisdicional,é impossível os ministros julgarem sem acooperação e a colaboração dos servido-res. Sobretudo com esse volume de traba-lho que temos, não existe o bloco do eusozinho. Os servidores têm uma tarefa ab-solutamente fundamental no bom desem-penho do Tribunal.

O senhor considera importante odiálogo com o Sindicato?

Considero. Eu sou uma pessoa natu-ralmente vocacionada para o diálogo.Acho que uma boa interlocução esclare-ce certos pontos. É evidente que há di-vergências. Mesmo entre as carreiras doJudiciário há divergências; mesmo entreas associações, por exemplo, no próprioâmbito da magistratura, há divergências.No entanto, há muitos pontos em comum;primeiro, a aspiração de prestar uma ju-risdição correta, com a celeridade possí-vel. Em segundo lugar, o melhor caminhopara evitar o desentendimento é, realmen-te, a interlocução.

Acho justa a reivindicação dos servidores doJudiciário, sobretudo quando comparam sua

tabela salarial com a de outros poderes.‘ ‘ ‘ ‘

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probabilidade de um negro parar na prisão é 5,4 vezesmaior que a de um branco, segundo estudo da Fundação

Getúlio Vargas. A maioria dos analfabetos brasileiros é negra,nordestina, de baixa renda e está entre 40 e 45 anos, de acor-do com Timothy Ireland, da Unesco.

Dados como esses mostram que é importante marcar o Diada Consciência Negra. Não para comemorar, mas para lembrarquanta estrada ainda falta para chegarmos a um país igualitá-rio, democrático, sem violência e com qualidade de vida – paranegros, brancos e mestiços.

O Dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro) foiuma conquista do Movimento Negro Unificado, em 1978. Adata foi escolhida por coincidir com a morte de Zumbi, líder doquilombo dos Palmares, em 1695, e também como contrapon-to ao 13 de maio, dia da abolição da escravatura.

Isso porque a abolição acabou ensinada nas escolas comouma espécie de “dádiva” da princesa Isabel, e não como o querealmente representou: o resultado de um processo histórico eda luta de gerações de negros pelo direito a uma vida digna.

Em 2003, o presidente Lula incluiu o Dia da ConsciênciaNegra no calendário escolar e tornou obrigatório o ensino dehistória da África nas escolas. Entretanto, o ensino esbarra naqualidade dos livros didáticos, muito criticados. E a data chamaa atenção para a triste realidade dos indicadores sociais.

SOCIEDADE

O Dia da Consciência Negra (20/11)é um marco para lembrar que ainda estamos

muito distantes da igualdade racial

Que

é esse?país

OS NÚMEROS

A porcentagem de negros no totalde analfabetos do Brasil é de

69,4%.No Rio de Janeiro, segundo a FGV,

66,5%do total de negros estão na cadeia.

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Nas prisões do Rio de Janeiro,66,5% são negros e pardos, contra40,2% de negros e pardos na popula-ção carioca como um todo. São cercade dez mil detentos, na maioria homens,jovens e com baixa escolaridade. Os da-dos são do Centro de Políticas Sociaisda Fundação Getúlio Vargas.

A taxa de encarceramento entrebrancos é de 76,8 por 100 mil habitan-

tes; entre pardos, é quase o dobro (140por 100 mil); entre negros, eleva-se para421 por 100 mil. Isso significa que umnegro tem cinco vezes mais chance deser preso que um branco.

Em relação ao acesso à educação,69,4% dos analfabetos são negros. Ouseja: dos 14,4 milhões de brasileirosque não lêem nem escrevem, dez mi-lhões são negros ou pardos. O analfa-

betismo atinge 14% da populaçãonegra, contra 6,5% dos brancos (da-dos do IBGE, 2007).

Embora ainda represente uma re-alidade radicalmente desigual, o nú-mero de negros entre os estudantesde nível superior aumentou. Na faixade 18 a 24 anos, 56% dos alunos sãobrancos e 22% negros. Há dez anos,essa distribuição era de 30,2% debrancos contra apenas 7,1% de ne-gros e pardos.

Poucos na escola, muitos na prisão

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Perfil racial e percepção do racis-mo no Ministério Público Federal: esteé o título de uma pesquisa pioneira,que abordou a questão racial dentrode um órgão do serviço público. Soli-citada pelo próprio MPF, ela foi co-

ordenada porJosé Jorge deCarvalho, pro-fessor de Antro-pologia da UnBe um dos auto-res do sistemade cotas nauniversidade.

“O princi-pal objetivofoi observar ascondutas in-ternas num ór-gão que de-

fende o cidadão, e ver se ali existealguma forma de racismo. Às vezes,a própria instituição não está prepa-rada para conduzir e corrigir questõesrelacionadas à intolerância racial”,explica José Jorge.

A iniciativa partiu da subprodura-dora-geral da República Ela Wiecko Vo-lkmer de Castilho. Depois de acompa-nhar de perto a implantação do siste-ma de cotas, Ela Wiecko, que tambémé professora de Direito na UnB, desa-fiou uma equipe de servidores (JorgeBruno Souza, Wilson Silva, Valéria Limae Célia Tosta) a radiografar a realida-de dos negros e pardos no MinistérioPúblico Federal.

Os resultados mostram que os bran-cos representam 75% dos servidores,enquanto os negros são apenas 23%(os amarelos representam 3%). Noscargos com poder de decisão, melho-res salários e mais prestígio profissio-nal, não existe um só negro; 84% sãobrancos, 14% são pardos e 2% ama-relos. A pesquisa também apurou que40% dos entrevistados conhecem ca-sos de discriminação racial.

A conclusão imediata foi de queo MPF, que tem entre suas atribuiçõeszelar pelo cumprimento do preceitoconstitucional da igualdade, não estáconstituído de modo igualitário sob

o ponto de vista étnico-racial. “Cons-tatamos um racismo institucional”,afirma José Jorge.

Ele explica que os resultados dapesquisa apontam uma desigualda-de étnico-racial tão consistente e es-truturada que produz um efeito aná-logo a um planejamento estratégicode longo prazo: alta concentração debrancos e poucos negros nos cargosde importância.

Entre as conclusões da pesquisa(realizada por meio de questionários,durante todo o ano 2006) está a reco-mendação de que o MPF faça um rea-juste em seu perfil racial. Segundo JoséJorge, trata-se de efetuar um duploajustamento de conduta, interno eexterno. No plano interno, as açõespassam pela implementação de cam-panhas anti-racismo. O ajustamentoexterno dependerá da eficácia dascampanhas internas pela igualdade.

A publicação da pesquisa está pre-vista para este mês. O texto estará nosite da Escola Superior do MinistérioPúblico (www.esmpu.gov.br).

MPF detecta desigualdade racial

DISTORÇÃO

No MPF, os brancos representam

75%dos servidores, e os negros,

apenas 23%. Nos cargos compoder de decisão, os brancos são

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84%e o número de negros equivale a

Servidores noMPF: segundo

a pesquisa,realizada durante

todo o ano de2006, 40%

conhecem casosde discriminação

FOTOS: ARTHUR MONTEIRO

SOCIEDADE

14 Revista do Sindjus Nov/2008

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Cotas, uma questão polêmicaDesde 2001 há uma discussão in-

tensa em torno do sistema de cotas paranegros. Adotada pela primeira vez naUniversidade Estadual do Rio de Janei-ro (UERJ), a proposta ainda gera polê-mica. Nem mesmo o governo parece sa-ber que posição tomar, e permaneceambíguo sobre a questão. O ponto po-sitivo é que a reserva de vagas gera umimportante debate sobre o racismo.

Na UnB, o sistema de cotas foi im-plementado em 2004. O professor JoséJorge de Carvalho, um dos autores daproposta, acredita que, em curto pra-zo, essa é a única forma de se resolvero problema da exclusão racial. O pre-conceito, segundo ele, está presentenas salas de aula. José Jorge passou adefender as cotas depois de acompa-nhar o caso de um aluno negro preju-dicado por um professor, aparente-

mente por motivos raciais.Ele explica que a adoção de cotas

apenas revela um preconceito que jáé real. “Essa medida pode explicitar oracismo, que é latente, mas não gerarum preconceito maior que o já exis-tente. Os negros estiveram fora do sis-tema, apesar da mestiçagem, que nãogarantiu a eles o acesso ao ensino su-perior”, argumenta. “Geneticamentenão há raças, mas socialmente elasexistem: a discriminação é pela cor dapele. A intervenção no sistema deveser racial. Sem as cotas, os negros con-tinuarão fora do sistema.”

Entretanto, muitos defendem quea política de cotas deveria abrangertoda a população de baixa renda, nãoapenas os negros e índios. A professo-ra Yvonne Maggie, da Universidade Fe-deral do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma

que o sistema de cotas não é um ins-trumento de inclusão: “Se assim fosse,estaríamos lutando pela inclusão no en-sino fundamental e médio, não no en-sino superior. Não se trata de discutir auniversidade brasileira, mas a naçãobrasileira.” Yvonne acredita que as co-tas, do jeito como estão organizadashoje, deveriam ser abolidas, para não es-timular a divisão do país em grupos ét-nicos, o que poderia gerar conflitos.

Segundo o coordenador geral doSindjus, Roberto Policarpo, a questãoé delicada e polêmica, porém muitoimportante: “As cotas devem ser dis-cutidas com cuidado, sejam para osafrodescendentes ou para a popula-ção economicamente excluída”, afir-ma. Ele explica que o Sindicato, nospróximos meses, pretende aprofundaressa discussão: “Todo instrumento quecolabore para a inclusão social e paraa construção de uma realidade maisjusta merece apoio e atenção.”

José Jorge: “Geneticamente não háraças, mas socialmente elas existem”

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a contramão da indústria da informação e entretenimento, umaprodução independente para lá de despojada está rodando o

mundo e conquistando a atenção. É o documentário A História dasCoisas (The Story of Stuff), que, segundo o site oficial (www.storyofstuff.com), já foi visto por mais de quatro milhões de pessoas.

É difícil calcular a progressão geométrica dos acessos via inter-net e das cópias distribuídas por e-mail, baixadas gratuitamente dosite. Esse número, divulgado em setembro, talvez já seja muito mai-or. Mas, números à parte, parece que o documentário agradou emcheio. Ele conta a história dos produtos industrializados, desde a

extração e a produção até avenda, o consumo e o descar-te. Em vinte minutos, reveladidaticamente as conexõesentre problemas ambientais esociais, expõe a lógica consu-mista e mostra com clareza aquem ela beneficia: as gran-des corporações transnacio-nais, em detrimento das na-ções e das comunidades; ocapital, em detrimento dosseres humanos.

A estrutura e o visual dodocumentário são condizentescom sua crítica ao consumis-mo e sua proposta de construir

padrões mais sustentáveis de vida. Simples, com produção barata, ofilme mostra apenas a pesquisadora Annie Leonard num fundo bran-co, explicando “como são feitas as coisas”, com a ajuda de peque-nas animações desenhadas em preto. Annie explica que viajou dezanos pelo mundo “seguindo a pista das coisas”: de onde elas vêm epara onde vão. O documentário, escrito por ela, conta essa história.Acompanhe alguns trechos nas próximas páginas.

CONSUMO

Um monstro

vitrineVeja como a lógicado consumismocausa desastressociais e ambientaise beneficia apenaso capital, emdetrimento dosseres humanos

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Annie e o documentário: dez anos de pesquisas

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De acordo com os livros didáticos, ascoisas se deslocam em um sistema: extra-ção – produção – distribuição – consumo– tratamento de lixo. Mas esse sistema estáem crise; não se pode geri-lo indefinida-mente, porque o planeta é finito.

Segundo o documentário, “extração”é uma palavra pomposa para “destruir oplaneta”. Apenas nas três últimas déca-das foram consumidas 33% das reservas

de recursos naturais do planeta. Nos Esta-dos Unidos restam menos de 4% das flo-restas originais. Cerca de 40% dos cursosd’água são impróprios para o consumo. “Eo problema não é só utilizar recursos de-mais: é utilizar mais que a nossa parte”,afirma Annie Leonard: “Temos 5% da po-pulação mundial, mas usamos 30% dosrecursos naturais do planeta e somos res-ponsáveis por 30% dos desperdícios.”

Segundo Leonard, 80% das florestasoriginais do planeta desapareceram. Mas

o sistema atual não desperdiça apenas re-cursos: também desperdiça pessoas. “Co-munidades inteiras são desfeitas. A erosãodos ecossistemas e das economias locaisno Terceiro Mundo garante um fluxo cons-tante de pessoas para os grandes centros.Em todo o planeta, por dia, 200 mil pes-soas saem das terras que as sustentaramdurante gerações e vão para as grandescidades, onde moram mal e se sujeitam aqualquer tipo de emprego na indústria, pormais insalubre que seja”, afirma.

Destruindo o planeta

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CONSUMO

O consumidor norte-americano mé-dio, hoje, consome o dobro de há 50 anos.O documentário História das Coisas mos-tra que isso foi planejado, para impulsio-nar a economia depois da Segunda Guer-ra. Ele cita o analista de vendas VictorLeboux, articulador da “solução que setornaria a norma de todo o sistema”.

Leboux afirmou: “A nossa enormeeconomia produtiva exige que façamosdo consumo a nossa forma de vida, quetransformemos a compra e o uso de bensem rituais, que procuremos a nossa sa-tisfação espiritual, a satisfação do nos-so ego, no consumo. Precisamos que ascoisas sejam consumidas, destruídas,substituídas e descartadas num ritmocada vez maior.”

Para nos convencer a adotar esse sis-tema, surgiram duas estratégias muitobem sucedidas: a obsolescência plane-jada e a obsolescência perceptiva. A ob-solescência planejada é simples: o pro-duto é criado para ir para o lixo. “Estivelendo jornais sobre design industrial nadécada de 50, quando a obsolescênciaplanejada começou a aparecer”, contaAnnie Leonard. “Os profissionais erambem claros. Chegavam a debater o quãorapidamente conseguiam que um pro-duto estragasse, mas de modo que oconsumidor ainda mantivesse a fé no fa-bricante e comprasse outro.”

Mas, para fazer a roda do consumogirar ainda mais rápido, existe a obsoles-cência perceptiva. É isso o que faz as pes-soas descartarem coisas perfeitamenteúteis, porque parecem fora de moda.Computadores, celulares e carros sãobons exemplos disso.

O mesmo vale para as roupas, comoexplica Annie: “Por que os saltos dos sa-patos estão largos num ano e finos noano seguinte? Não é porque exista umapesquisa sobre o melhor salto para a saú-de e o conforto da mulher. É para que eume sinta mal com meus sapatos de seismeses atrás, e esteja sempre comprandonovos pares. Se eu estou fora de moda,meu visual mostra que eu não contribuípara a roda do consumo; por isso, valhomenos que as outras mulheres.”

Feito para jogar fora

“Por que os saltos dossapatos são largos numano e finos no seguin-te? Para que eu estejasempre comprandonovos pares...”

ARTHUR MONTE IRO

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Mudança de mentalidadeNa etapa da distribuição, o objetivo é

manter os preços baixos, manter as pes-soas comprando e os produtos em cons-tante movimento. Uma grande parte dosprodutos custa muito mais que o preço quepagamos por eles. Annie Leonard dá oexemplo de um pequeno rádio que custatrês euros. “Esse valor nem de longe secompara a seu custo real. Se eu não estoupagando por ele, quem está?”

A resposta está na ponta da língua:“As comunidades que perderam suas ter-ras e seus recursos naturais; as populaçõesque perderam o ar puro e adoeceram; e ascrianças do Congo, que pagaram com seufuturo.” Annie explica que quase um terçodas crianças do Congo abandonam a es-

cola para trabalhar nas minas de coltan,metal usado para fabricar nossos apare-lhos eletrônicos baratos e descartáveis.

A seta dourada do consumo é o cora-ção do sistema, o motor que o impulsio-na. “Nós nos tornamos uma nação de con-sumidores; nossa identidade passou a sera de consumidor. O nosso valor é medidopelo tamanho da nossa contribuição parao consumo”, acredita Annie Leonard.

Sua pesquisa traz dados impressio-nantes. Nos EUA, a porcentagem de pro-dutos ainda em uso seis meses depoisda venda é de 1%. “Em outras palavras,99% das coisas que cultivamos, escava-mos, processamos e transformamos vi-ram lixo em menos de seis meses. Como

“Atualmente, entre as cem maiores economias da Terra, 51 são corpora-ções”, afirma o documentário, enquanto mostra a imagem de um boneco pe-queno (o governo) limpando as botas de um boneco grande e gordo (as corpo-rações). “Sabe por que as corporações parecem maiores que o governo? Por-que elas são maiores que o governo”, diz Annie Leonard. “A função do governoé cuidar das pessoas. Mas, à medida que as corporações vão crescendo emtamanho e poder, assistimos a uma mudança de atitude nos governos, como seestivessem mais preocupados com elas do que conosco.”

Proteger a “seta dourada do consumo” e manter o sistema funcionandoparece ter se tornado a principal prioridade do governo e das corporações. “Épor isso que, logo após o 11 de setembro, quando o nosso país estava emchoque, o presidente Bush nos aconselhou a fazer compras. Ele poderia tersugerido várias atitudes: homenagear os mortos, rezar, ter esperança. Mas, aoinvés disso, disse-nos para fazer compras”, observa Annie.

podemos gerir um planeta com esse ní-vel de rendimento?”, indaga ela.

Nos Estados Unidos cada pessoa pro-duz dois quilos de lixo por dia, o dobro doque produzia há apenas trinta anos. Esselixo é despejado num aterro (“falando cla-ramente: um buraco no chão”, traduz An-nie Leonard) ou incinerado. Tudo isso po-lui a terra, a água e o ar, além de alterar oclima global. “Queimar o lixo libera no aros produtos tóxi-cos usados na fa-bricação. E o que épior: produz super-tóxicos novos,como a dioxina.Esta é a substânciamais tóxica queexiste atualmente,e as incineradorasde lixo são suasmaiores produto-ras”, afirma Annie.

Qual seria asaída para isso?Reciclar é importante, mas não basta. Olixo que geramos em casa é apenas a pon-ta de um assustador iceberg. Para cadalata de lixo que deixamos na esquina,cerca de setenta latas foram geradas du-rante o processo de produção. “Portanto,mesmo que 100% do lixo caseiro fossereciclado, não chegaríamos ao coração doproblema”, diz Annie Leonard.

Segundo ela, a única solução efetivaé mudar a antiga mentalidade de usar ejogar fora. “Há uma nova escola de pen-samento, baseada em sustentabilidade eequidade. Ela já está em prática. Há quemdiga que é irreal, idealista, impossível.Mas irreal é querer continuar no velho ca-minho”, questiona.

“Este é um sistema em crise. Das mu-danças climáticas à nossa felicidade emdeclínio, nada está funcionando. Mas hápessoas trabalhando em todas as par-tes desse sistema: salvando florestas, im-plantando uma produção limpa, defen-dendo os direitos dos trabalhadores, tra-balhando pelo comércio justo e pelo con-sumo consciente, pelo bloqueio aos ater-ros e incineradoras de lixo. E o mais im-portante: trabalhando para recuperarnosso governo, para que ele seja real-mente das pessoas e para as pessoas”,conclui a pesquisadora.

O governo e as corporações

FALTA RECICLAR

Cada brasileiro produz em média

335,8 kgde lixo sólido por ano, ou cerca

de 920 g por dia. Desse total, só

2,8 kgpor ano são recuperados pela

coleta seletiva ou por catadores.

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22 Revista do Sindjus Nov/2008

ENQUETE

“Acho que souuma consumidora

bastante controlada.Penso duas vezesantes de comprar

um produto.Na minha opinião, oconsumo consciente

deveria ser adotado portodas as pessoas.”

Simony CampeloPires de Castro,

técnica administrativada PRR

F OTOS : ARTHUR MONTE IRO

“Eu consumo muito,principalmente coisas quetêm alguma relação com atecnologia. Considero-meuma pessoa consumista.

Comprei recentemente umaTV de LCD; não precisava

dela agora, e nem precisavafazer mais dívidas, mas não

consigo me controlar.”

Lúcio PauloAraújo Azeredo,

técnico judiciário daJustiça Federal

Consciente ouconsumista?

O consumo é necessário até mesmo à nossa sobrevivência; entre-tanto, o consumismo está ligado ao exagero, ao supérfluo e ao desper-dício. Do ponto de vista cultural e econômico, ele aprofunda o processode alienação e de exploração do trabalho. Além disso, alimenta a degra-dação tanto das relações sociais quanto da dinâmica entre sociedade enatureza. Preocupados com essa questão, buscamos, neste mês, saberqual a atitude dos servidores do Judiciário e Ministério Público.

Que tipo de consumidor é você?A revista do Sindjus perguntou aosservidores como é sua relação comaquela vontade de ir às compras

“Deus me livre de crediário,tenho horror a dívidas. Tento

manter o controle para não cairem tentação; compro onecessário para minha

sobrevivência. A questãoambiental me preocupa, o

consumo desordenado geraproblemas para o meio

ambiente. Gostaria que todostivessem a mesma consciência.”

Paulo RobertoCostalonga Serafin,

técnico adm. do MPM

“Sou uma consumidoraconsciente. Eu me

preocupo com a questãoambiental e com o que oproduto pode me oferecer.

Confesso que às vezescaio em tentação, comproroupas ou outras coisasde que não preciso comurgência, mas isso só

acontece esporadicamente.”

Christianne Andrade Rocha,técnica administrativa

da PRDF

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23Revista do Sindjus Nov/2008

“Compro sóo necessário.Considero-me

uma consumidoraconsciente e

questionadora.Não caio nessa

onda de capitalismoe compras

desordenadas.”

Maria JosenildaNóbrega Lucena,

técnica administrativada PRDF

“Sinceramente,eu não me

considero uma pessoaconsumista. Não

me agrada a idéiade sair comprando

tudo. Acho issodesnecessário. O

pouco que eu tenhojá me satisfaz.”

Luciano Aparíciode Almeida,

técnico de saúdedo MPM

“Eu não sou umapessoa consumista,de forma alguma.Penso mil vezes

antes de compraralguma coisa. Quando

vou compraralimentos, sempre

procuro os orgânicose as embalagens

recicláveis.”

Nascip Vargas de Souza,técnico de apoio

especializado da PRDF

“Eu não souconsumista, sou

bastante controlada.Penso muito na questão

ambiental; acho queos supermercados

poderiam adotar outromaterial para fazer

as sacolas, ummaterial artesanal.”

Regina Célia Alves deVasconcelos,

técnica administrativada PRR

“Acho que é quase impossívelnão ser consumista.

Todos nós queremos umavida confortável. Em

Brasília, percebo isso peloaumento de número de carros,

casas, apartamentos, atéplanos de saúde. Eu gasto meu

dinheiro com cursos, paraaprimorar o meu trabalho e

melhorar meu futuro.”

Rosita Maia,técnica administrativa

da PRR

“Não me consideroconsumista. Compro o

necessário. Como professorde Química, eu me preocupo

com a questão ambiental,o desmatamento e a

reciclagem, quando vouadquirir um produto,

roupas ou artigos paraa minha casa.”

Lafaiete DamiãoMendonça Correa,

analista judiciário daJustiça Federal

“Sou consumista, compromuito. Mas recentemente fui

questionada pelo meu filho: porque comprar um Ipod se não vouusá-lo? Olhei nos meus armários

e comecei a me perguntar porque consumo tanto. Na verdade,

não tenho necessidade de tertantos objetos que não uso.

Então, decidi tentar me tornaruma consumidora consciente.”

Maria José Ferro Seabra Nunes,analista judiciária da

Justiça Federal

“Penso muito antes decomprar; também me preocupo

com o material usado nafabricação. Mas, no caso de

um carro, analiso maiscom o preço do que a

poluição. Não tenho escolha,porque ainda não existem

carros movidos a energia solar.Mas procuro usar o carro

conscientemente.”

Fernando Donizette Jesuíno,técnico de apoio especializado

do MPM

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24 Revista do Sindjus Nov/2008

ROTEIRO DAS ARTES

Brasília é um museu acéu aberto. Poucas

cidades no mundo têmesse privilégio. Nas ruas,

nos gramados, nasfachadas, no interior e

no exterior dos prédiosestão expostos trabalhos

dos maiores artistasmodernos brasileiros. Sãotantos que, muitas vezes,

estão ao nosso lado e nemnotamos. A cada edição,

esta seção mostrará otrabalho de um artista.

Este mês você vai conhecerAlfredo Ceschiatti.

Postaislfredo Ceschiatti tornou-se conhecido pe-las esculturas que decoram os prédios

desenhados por Niemeyer, em Brasília. Massua carreira não começou na capital federal.Desde cedo, aos 25 anos, ele já se destacavano cenário brasileiro. Ganhou várias meda-lhas na divisão moderna do Salão Nacionalde Belas-Artes, que o contemplou, em 1945,com um prêmio de viagem ao exterior, pelobaixo-relevo da igreja de São Francisco deAssis, em Belo Horizonte.

Hoje, diversos museus do país possuemobras de Ceschiatti. Ele nasceu 1918 em BeloHorizonte e morreu no Rio de Janeiro, em1989, aos 71 anos. Fez parte da ComissãoNacional de Belas Artes e ensinou escultura e

desenho na Universidade de Brasília – de ondeo governo militar o obrigou a sair, em 1965,junto com vários outros artistas e intelectuaisde idéias arejadas.

Em 1960 esculpiu, em granito, um dos te-mas no Monumento aos Mortos da SegundaGuerra Mundial, no Rio de Janeiro. Sua cola-boração com Niemeyer resultou em várias es-culturas que se tornaram cartões-postais deBrasília. Entre elas estão As Banhistas, no es-pelho d’água do Palácio da Alvorada; A Justi-ça, na Praça dos Três Poderes; Os Anjos e OsEvangelistas, na Catedral; e As Gêmeas, na co-bertura doPalácio doItamaraty.

de pedra e bronze

Os Evangelistas, embronze, 3m de altura,

na entrada da Catedral(abaixo); A Contor-

cionista, em bronze,com 2,46m x 1,80m, no

Teatro Nacional (ao lado)

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FOTOS: ARTHUR MONTEIRO

24 Revista do Sindjus Nov/2008

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“Na escola, não entendia nada”A empresária Vera Brant veio para Brasília em

1960, trabalhar ao lado de Darcy Ribeiro na criaçãoda UnB. Ali conheceu Ceschiatti: “Aquela figura dis-creta, quase sempre só, me impressionou e como-veu. Era uma pessoa extremamente tímida, bondosa,generosa, muito admirado pelos alunos. Veio o golpemilitar e passamos a nos reunir constantemente comum grupo de amigos, buscando proteção, conforto eapoio. Daí em diante, nunca mais nos separamos”.

Vera relembra uma história curiosa sobre a infân-cia do artista: “Ele contava que, na escola, não enten-dia nada. A professora escrevia uma palavra, ele liaoutra. A mãe conseguiu uma psicóloga, duas vezes porsemana. Ele já ia triste, sabendo que não iria aprendernada e que a mãe voltaria desapontada. Falou issocom os olhos cheios de lágrimas. Quando a grandeeducadora russa Helena Antipoff foi a Belo Horizonte,criou uma escola para crianças chamadas retardadas.Os pais do Ceschiatti levaram-no para lá. Ele estudavacom dificuldade, mas desenhava muito bem.”

“Vendo-o desenhar, Helena Antipoff disse: “Façaum cavalo.” Ele desenhou. “Desenhe uma águia vo-ando.” Ele fez. Ela se maravilhou: “Meu filho, vocênão é retardado, não, você é um gênio!” O Ceschiat-

ti, olhando-a bem nos olhos, exclamou: “Vá conven-cer a minha família!” A partir daí, a educadora passoua dar-lhe uma especial atenção e conseguiu desblo-quear os traumas todos. Ele começou a estudar e lercorretamente. Além do português, estudou francês, ita-liano e um pouco de inglês. E passou a ler e escrevermuito bem”, conta Vera.

Escritora com cinco livros publicados, Vera Brant re-lata em seu site várias histórias de sua convivência comCeschiatti (veja em www.verabrant.com.br). Como esta,um tanto engraçada: “Logo que a escultura Leda e oCisne foi colocada no Palácio do Jaburu, Ceschiatti le-vou-me para vê-la. No ca-minho, todo animado, iafalando da beleza daLeda, da razão de tê-lafeito para aquele palácio,e falava, falava. Quandochegamos, alguém haviacolocado o paletó sobre ocisne, usando-o como ca-bide. O Ceschiatti teve umacesso de raiva. Foi umaluta para acalmá-lo.”

Visualmente leves,Os Anjos, feitos emduralumínio, ficamsuspensos na Catedral.O maior mede 4,50me pesa 300 kg.Abaixo, Ceschiattie As Banhistas, embronze (4m x 1,30m),no espelho d’água doPalácio da Alvorada

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25Revista do Sindjus Nov/2008

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No alto: abertura deestrada entre Goiás eMato Grosso. Ao lado,

Gaspar Dutra, ministroda Guerra; Getúlio

Vargas (de suspensório);e João Alberto Lins deBarros, presidente da

Fundação Brasil Central,na antiga vila de

garimpeiros chamadaVila Cuiabana (hoje

Aragarças), em 1942

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noite em que uma enorme bola de fogo acompanhou o aviãode Getúlio Vargas sobre a Ilha do Bananal. O sertanista que

levou seus dois filhos, um deles de colo, para “amaciar” o contatocom índios que matavam qualquer branco que se aproximasse. O ex-cêntrico general que, em 1868, inaugurou a navegação a vapor noCentro-Oeste obrigando o maquinista a subir uma corredeira sob amira de um revólver. Essas e outras histórias – muitas outras – rechei-am o livro A Conquista do Oeste, do fotojornalista Roberto Castello.

A obra ainda não foi publicada, mas a Revista do Sindjus revela,neste número, alguns trechos saborosos. O autor é um apaixonadopor documentação; seus trinta anos de carreira foram também trêsdécadas de pesquisas históricas. “Fotografia é informação”, afirma,ao explicar que sua profissão permite “muito mais que gerar imagensbonitinhas ou ilustrar uma matéria”.

Durante suas andanças pelo país, Roberto Castello acumulou umenorme volume de informações sobre a aventura que foi a ocupaçãodo Centro-Oeste brasileiro – sem contar as várias caixas de fotografi-as, dele próprio e de outros autores, muitas vezes desconhecidos, queremontam ao começo do século passado.

Carioca com raízes paraenses e morador de Brasília há 48 anos,ele trabalhou na Fundação Nacional do Índio (Funai), no Ministériodo Interior e na Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste(Sudeco). Foi assim que conheceu a história da Marcha para o Oeste,iniciada por Getúlio Vargas em 1937. Curioso, chegou tirar férias parabuscar informações. Trabalhando, perguntando e pesquisando, ele res-gatou centenas de fotografias históricas, muitas delas jogadas no lixo,como as que encontrou certa vez debaixo de uma pilha de pneusvelhos, na garagem de um extinto órgão do governo.

Seu acervo se tornou um verdadeiro tesouro. Há fotografias anti-Roberto Castello: descobertas históricas

HISTÓRIA

OesteA conquista

do

Aventuras da ocupação da regiãoCentro-Oeste, colecionadas por um

fotógrafo e pesquisador que descobriuhistórias do arco da velha

Usha Velasco

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28 Revista do Sindjus Nov/2008

gas, algumas em chapas de vidro, coisa usa-da no século XIX. São Retratos de índios, al-deias, paisagens ribeirinhas, colonos, estra-das abertas na selva ou no cerrado. “O pro-blema era que nunca havia registro de local,data ou autor”, revela.

Disposto a descobrir informações sobreas imagens que colecionava, Roberto Cas-tello passou a conversar com os servidoresmais antigos da própria Sudeco. Ninguém sa-bia identificar o material, mas indicaram umaposentado que talvez soubesse. Foi assimque Castello fez outra descoberta preciosa:Antônio Wanderlei Chaves, que sabia o nomedos lugares e pessoas ali retratadas.

“Ele era uma enciclopédia, tinha memó-ria fotográfica, lembrava de tudo”, contaCastello. Antônio Wanderlei foi responsávelpelo Serviço de Proteção ao Índio (atualmen-te Funai) na Ilha do Bananal. Era um lugarremoto, selvagem, especialmente na épocaem que ele morou lá, entre as décadas de1930 a 1970.

“Fui visitá-lo muitas vezes, fiquei amigoda família”, lembra Castello: “Dona Tute, suaesposa, era tão uma desbravadora tão cora-

josa quanto o marido. Ela me contou que, paranão ter sua primeira filha sozinha (o maridoestava viajando), remou sua canoa duranteoito horas, em trabalho de parto, até chegarà casa da vizinha mais próxima. Chegou, des-ceu da canoa e a criança nasceu.”

O espírito investigativo e o gosto pelaconversa levou Castello a descobrir coisasdo arco da velha. Como a história da visitade Getúlio Vargas à Ilha do Bananal, em1940. Conversando com antigos moradores,o fotógrafo ouvir dizer que o presidente esua comitiva viram uma grande bola de luzacompanhar o avião, guinar rumo ao chão epenetrar na terra. Quase todas as testemu-nhas dessa estranha história já haviam mor-rido, mas Castello descobriu que o piloto doavião presidencial, naquela época, moravaem Porto Alegre, mas tinha uma namoradano Rio de Janeiro. “Consegui encontrar a ve-lhinha; ela era uma pessoa reservada, mas,com muito tato, acabei obtendo uma con-firmação da história”, diz ele: “Naquela noi-te o piloto chegou em casa agitado e rela-tou a ela o aparecimento da luz misteriosa,do jeito que eu havia ouvido.”

Comprometido com sua promessa de ocupar os espaços vazios do interior e uniro norte e o sul do país, Getúlio Vargas fez questão de marcar presença várias vezes

em lugares remotos e desconhecidos. Acima, primeiras instalações da FundaçãoBrasil Central, no Mato Grosso, onde hoje fica a cidade de Nova Xavantina.

No alto: GetúlioVargas (de chapéuclaro) na Ilha doBananal. Ao lado:Vargas no Riodas Mortes, emMato Grosso. Asfotos são de 1942

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(Extraído do livro A Conquista do Oeste,de Roberto Castello)

Brasília, umprojeto antigo

“A conquista do interior do Brasil foium imperativo lógico da expansão lusita-na. Frei Vicente do Salvador, ainda nos anos1500, reclamava daqueles primeiros colo-nizadores intimidados, incrustados como‘caranguejos’ no litoral atlântico.

Em fins do século XVII a RevoluçãoFrancesa esclareceria a noção de pátria ea transmitiria aos burgueses da Inconfidên-cia Mineira. Tiradentes, não por acaso, que-ria mudar a capital do Rio de Janeiro paraSão João del Rei. José Bonifácio, tendo vi-vido em contato com as redefinições geo-gráficas e políticas européias, voltou aoBrasil para articular a independência e lan-çar a idéia de interiorização, com a mu-dança da capital do Império para uma cer-ta Brasília, nos sertões de Paracatu, a pou-cas léguas do atual DF.

Os nomes que ao longo de quase doisséculos foram sugeridos para a nova capi-tal mostram os rumos das ideologias emevolução: Nova Lisboa (Willam Pitt, 1805),Paraíso Terreal (Hipólito da Costa, 1813),Pedrália (Menezes Palmiro, 1822), Petrópolisou Brasília (José Bonifácio, 1823), Impera-tória (Visconde de Porto Seguro, 1849). Noséculo XX o Marechal José Pessoa (1955)sugeriu Vera Cruz, como a ‘continuidadehistórica da nossa pátria civilizada’.

Em 1877 Francisco Adolfo de Varnha-gem, Visconde de Porto Seguro, equacionoua localização da futura capital: ‘no triângu-lo formado pela Lagoa Feia, Mestre D’Armase Formosa’. Chegou a sugerir a Serra da Gor-dura, atual Águas Emendadas, ‘onde ver-tem-se águas para as bacias do São Fran-cisco, do Tocantins e do Prata’.”

JK com índios Xavante e Javaé, na ilha doBananal: herdeiro do projeto de interiorização

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30 Revista do Sindjus Nov/2008

Como fotógrafo, Roberto Castelloaproveitou as viagens de trabalho e fezmuito mais que imagens. Levantou a tra-jetória de personagens históricos, como oMarechal Rondon, e de outros pouco co-nhecidos, mas não menos importantes –como o general José Vieira Couto Maga-lhães, pioneiro da navegação a vapor noCentro-Oeste (veja box). Ou os sertanistasFrancisco (pai) e Apoena Meireles (filho).

Francisco Meireles contou a Castellocomo conseguiu reestabelecer o diálogocom os índios Xavante, em 1946. Traumati-zados pelas carnificinas que estavam exter-minando seu povo, esses índios matavamqualquer branco que ousasse se aproximar.“O rompimento com os homens brancosaconteceu nos anos 1800, quando, em umadessas matanças, os colonizadores manda-ram ao governo português cinco mil paresde orelhas de Xavantes”, diz Castello.

O contato foi feito na beira do Rio dasMortes, em Mato Grosso. “Chico Meirelesfoi sozinho, só com o filho Apoena, na épo-ca com seis anos de idade, e o caçula, umbebê de colo”, conta Castello. “Foi cerca-do pelos índios, armados de lança. Maseles não atacaram. Respeitaram as crian-ças.” O diálogo foi um processo demora-do: “Os Xavante estavam tão ofendidosque só dois deles conversaram de frente;os outros ficaram o tempo todo de costaspara Chico”, explica Castello. “Demoroucinco dias para os líderes virarem de fren-te para o sertanaista. E só apresentaramsuas mulheres e filhos muitos anos de-pois”, afirma o fotógrafo.

Roberto Castello registrou imagens dedezenas de nações indígenas; algumas de-las não existem mais. Também fez amiza-de com os irmãos Orlando e Cláudio Vi-las-Boas, famosos sertanistas (o terceiro,irmão, Leonardo, morreu em 1961). Comseu zelo em tomar notas, serviu várias ve-zes de referência a Orlando. “Uma vez euestava em casa e ele me telefonou, per-guntando: ‘Castello, como era mesmo onome daquele rio que a gente desceu em1952?’ O engraçado é que eu não estavana expedição, mas ele sabia que tinha mecontado e que eu anotava tudo”, diverte-se o fotógrafo.

“Devassado por borracheiros, cacau-eiros, garimpeiros e vaqueiros, o Brasil Oci-dental organizou-se com as ComissõesRondon, com exceção da desconhecidaregião fronteiriça entre Mato Grosso, Ama-zonas e Pará.

Foi em 1890 que pela primeira vez omarechal Rondon internou-se nos sertõespara estender fios de telégrafo rumo aCuiabá. Ele era um matogrossense comascendência indígena. Estendeu cinco milquilômetros de linhas telegráficas em di-reção às fronteiras nacionais. Explorou umadúzia de caudalosos e desconhecidos riosem Mato Grosso e na Amazônia; com isso,reformulou o mapeamento da região.

Suas expedições percorreram de cin-quenta a sessenta mil quilômetros, a mai-

or parte a pé, cobrindo 1,6 milhão de qui-lômetros quadrados. Nesses percursos,contactou dezenas de grupos indígenas.

Nesses tempos heróicos, seu braço di-reito foi o goiano Antônio Pireneus de Sou-za, que, ao tentar recuperar do fundo do rioJauru uma canoa que soçobrou com umacarga de fios telegráficos, teve a língua de-cepada por uma piranha. Foi Rondon, quenaquele dia tinha febre de 40 graus, quepulou na água para resgatá-lo.

Em 1910 foi criado, depois de insis-tentes gestões de Rondon, o Serviço deProteção ao Índio – SPI, antecessor daFunai, e Rondon pôde executar sua visaõsociológica no tratamento das questõesindígenas. É dele a famosa frase: ‘Morrer,se preciso for; matar, nunca’.”

Marechal Rondon: “Matar, nunca”

Personagenshistóricos

Francisco Meireles,sertanista, no Xingu

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31Revista do Sindjus Nov/2008

(Trechos do livro A Conquista do Oeste, de Roberto Castello)

“Nascido em Diamantina, o generalJosé Vieira Couto Magalhães, astrônomo,lingüista e escritor, era um gênio precoce.Seu livro O Selvagem é considerado um dosprimeiros estudos de antropologia indíge-na do país. Em 1863, aos 24 anos de ida-de, ele governava a província de Goiás;logo depois a do Pará, e, em plena Guerrado Paraguai, a de Mato Grosso.

Seus governos tinham em comum osrios Araguaia e o Tocantins; ele foi pioneiroda navegação a vapor no Centro-Oeste,muitas vezes com métodos surpreendentes.Quando governava Mato Grosso, desmon-tou um vapor no rio Paraguai e transpor-tou-o por quase mil quilômetros, com difi-culdades inimagináveis, até Aruanã, onde opôs a navegar no Araguaia, em 1868.

Os rios Araguaia e Tocantins seriamnavegáveis de Goiás a Belém com barcosde pequeno calado e casco chato, se nãofossem os temíveis encachoeiramentoscomo os do Caldeirão do Inferno e de Ita-boca (hoje Tucuruí).

Já fora do governo, Couto Magalhãesconseguiu subsídios do tesouro imperial e dosgovernos de Goiás e do Pará para dedicar-seinteiramente à navegação do Araguaia. Ad-quiriu, na Inglaterra, um potente vapor a hé-lice e tentou com ele vencer o desafio de Ita-boca, subindo o rio a partir de Belém.

Quando o maquinista do vapor vacilouem enfrentar o sorvedouro das águas, CoutoMagalhães, de revólver em punho, ordenoupressão total na caldeira, e o navio, corcove-ando violentamente, subiu os mais de dois

metros de altura da queda de Itaboca.Em 1888, sua Companhia de Navega-

ção do Araguaia, com três vapores, foitransferida para a norte-americana ParáTrading Transportation Company, que dei-xou os navios apodrecerem em Aruanã.Não interessava que o enclave borrachei-ro da Amazônia tivesse outras possibilida-des de abastecimento que não as impor-tações da Europa e dos EUA.

Na queda do Império, em 1889, Cou-to Magalhães presidia a província de SãoPaulo, onde resistiu até o último minuto.No fim da vida, ficou meio maluco. Emsua famosa casa com torre para observa-ções astronômicas, ele dizia esperar a vi-sita do Imperador, mas vestia a casacade general pelo avesso.”

Couto Magalhães: subindo o rio de revólver em punho

Índios em fotos antigas, do acervode Castello. Abaixo, a expediçãoRoncador-Xingu, no começo dosanos 40, comandada pelo coronelVanique (no centro do grupo)

Os irmãos Cláudio e LeonardoVilas-Boas, em uma das fotografias

resgatadas por Roberto Castello

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32 Revista do Sindjus Nov/2008

Do alto dos seus 91 anos,

o poeta Manoel de Barrosensina que o ser humanoé incompleto, e que isso não

é defeito; é qualidade.Assim como ele, muitas outraspessoas precisam ser Outras.

E são. Esta coluna publicarámensalmente histórias de genteque concilia o serviço público

com as mais diversasatividades. São atletas, chefesde cozinha, professores,

pintores, mágicos, mecânicos,músicos... A lista não tem fim.

OUTROS EUS

A maior riqueza do homemé a sua incompletude.Nesse ponto sou abastado.Palavras que me aceitam comosou – eu não aceito.Não agüento ser apenas umsujeito que abreportas, que puxa válvulas,que olha o relógio, quecompra pão às 6 horas da tarde,que vai lá fora,que aponta lápis,que vê a uva etc. etc.PerdoaiMas eu preciso ser Outros.Eu penso renovar o homemusando borboletas.

Manoel de Barros

32 Revista do Sindjus Set/2008

Florese cores no dia-a-dia

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33Revista do Sindjus Nov/2008

J

ARTHUR MONTEIRO

“Quando retornei da minhaúltima viagem, acordei às cincohoras da manhã para pintar”,conta José Araújo, apaixonadopelas tintas desde criança

osé Araújo Neto é técnico judici-ário do TST, mas, quando ques-

tionado sobre seus dons artísticos, dizque é um “arteiro”. Ele começou a pin-tar há pouco tempo, apenas sete anos,e se deleita com essa nova atividade,que preenche quase todo o seu tem-po livre. José conta que, quando cri-ança, sempre gostou de desenhar ebrincar com pincéis, mas nunca haviapensado em se dedicar à pintura.

Quando começou, em 2001, suastelas mostravam lugares bonitos, la-gos, casarões antigos, pequenas vilas.Essa fase durou até 2004, quando re-solveu se dedicar aos arranjos de flo-res, sua outra paixão. Depois de fazeralgumas exposições no TST, onde mos-trou seu talento para a floricultura,José resolveu retomar a pintura emtelas: “Tive que dar uma pausa na pin-tura porque estava cursando faculda-

de e, depois, fazendo minha pós-gra-duação. Os arranjos com flores medavam prazer, mas não resisti à sau-dade das tintas e resolvi voltar a pin-tar em 2008”, conta ele.

José se diverte com a pintura, masao mesmo tempo leva essa atividademuito a sério: “Quando retornei daminha última viagem, acordei às cin-co horas da manhã para pintar. Nãoagüentava mais de tanta ansiedade”.Atualmente suas telas ganharam umtoque especial: além de pintar, ele tam-bém aplica figuras recortadas de teci-dos. A escolha do momento é a chita:“Com cores vivas e flores lindas, a chitamostra em sua estampa arranjos be-líssimos, que não são explorados comqualidade. Hoje, minha pintura é tam-bém uma decupagem”, explica.

Curioso e exigente, José Araújo estásempre estudando e buscando infor-mações sobre novas técnicas de pin-tura. Quando visita uma exposição ese depara com um quadro que chamasua atenção, vai atrás de dados sobrea técnica utilizada, para tentar aplicá-la na sua própria obra. “Fui ao Espíri-to Santo recentemente e vi a exposi-ção de uma artista plástica que utilizaos mais diversos materiais em suaobra. Achei aquilo incrível, me inspi-rou muito”, conta ele.

Pai de duas filhas, José é formadoem Pedagogia, está finalizando o cur-so de Direito e fazendo pós-gradua-ção. Com pouco tempo livre, ele per-cebeu que não podia continuar comuma rotina que estava se tornando es-tressante. A arte veio amenizar a ten-são da correria e o estresse de concili-ar trabalho e estudos. “A pintura é umamaneira de extravasar sentimentos ede me sentir bem comigo mesmo. Ficorenovado, pronto para enfrentar a ro-tina diária”, conclui.

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LEITURA

moram ao ladoOs livros

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cesso a livros significa tambémacesso a uma vida melhor. Dessa

idéia simples nasceu uma ação que,em apenas um ano, já contribuiu paramudar a realidade de dezenas de co-munidades carentes de letras. Batiza-do de Casa do Saber, o projeto mon-tou e equipou (em alguns casos, tam-bém construiu) 31 bibliotecas no En-torno de Brasília, beneficiando cercade 130 mil usuários.

“Os brasileiros não lêem muito sim-plesmente porque não têm acesso a li-vros. Precisamos facilitar esse acesso.Um trabalho assim pode realmentemudar a vida das pessoas”, acreditaAntonio Matias, idealizador do projetoe sócio da rede de combustíveis Gasol,que financia o empreendimento.

Veterano em projetos sociais (veja p.38), Antônio Matias conta que, em vári-as situações cotidianas, percebia a ne-cessidade de ações voltadas para a edu-cação. “Às vezes os funcionários do pos-to escreviam bilhetes que ninguém con-seguia decifrar; a letra era complicada, aortografia nem se fala. Dava vontade deajudar essas pessoas, mas eu achava que,para ajudá-las, o primeiro passo era ofe-recer acesso a livros”, explica.

Para isso ele convocou uma primei-ra reunião com possíveis parceiros. Nes-se primeiro encontro, em 6 de agostode 2007, nasceu o nome Casa do Sa-ber. A empresária Carmen Gramacho,coordenadora geral do projeto, contaque várias instituições aderiram: Asso-ciação dos Bibliotecários do DistritoFederal (ABDF), Fundação CDL, SESC,Federação das Associações Comerciais,Biblioteca do Senado, Instituto Brasileirode Inteligência Tecnológica (IBIT), As-sociação Brasileira dos Bibliotecários,ministérios do Planejamento e da Cul-tura, Rede Record, Marinha, UnB e Con-selho Federal de Biblioteconomia.

Rapidamente o grupo montou umacampanha de arrecadação de livros emtodos os postos da rede Gasol. O re-

sultado foi surpreendente. Em trêsmeses, mais de 800 mil volumes fo-ram doados. “Eram montanhas, cami-nhões de livros, caixas e caixas e cai-xas”, conta Carmen Gramacho. Foipreciso organizar um grupo de volun-tários, coordenado por bibliotecários,para fazer a triagem e a organizaçãodos volumes por assunto.

“Chegamos a ter trinta voluntári-os fixos, mas sempre vinha mais genteajudar. Em alguns dias, contamos cin-qüenta pessoastrabalhando natriagem”, lem-bra Carmen,que é vice-presi-dente da Fede-ração das Asso-ciações Comer-ciais do DF e En-torno. “Foi umacoisa estimulan-te. Era muitagente envolvi-da, e todo mun-do muito ani-mado. A Gasolforneceu o transporte e o lanche dosvoluntários. Também comprou luvas,máscaras, aventais, toucas, para pro-teger o pessoal da poeira.”

Cada biblioteca atendida pelo pro-jeto Casa do Saber recebeu cerca deoito mil livros. Todas foram reforma-das, tiveram a estrutura interna refei-ta, a rede elétrica trocada, receberamnova pintura. Também ganharam me-sas, cadeiras e estantes, um computa-dor com impressora e um software quecadastra volumes e leitores, gera eti-quetas, faz buscas e localiza os livros.

Outros projetos também se benefi-ciaram com os livros arrecadados: 20mil foram enviados para Angola, pormeio da embaixada, que solicitou adoação; dezessete mil foram para o Riode Janeiro e Vitória, em ações dos fuzi-leiros navais, que foram voluntários doCasa do Saber em Brasília; e cinco milpara bibliotecas do estado do Ceará.

Com doações etrabalho voluntário, oprojeto Casa do Sabermonta 31 bibliotecasem comunidadescarentes de letras

A

DOAÇÕES

Nos primeiros três meses decampanha, foram arrecadados

800 millivros, o que permitiu montar

31bibliotecas no entorno de

Brasília. O número de pessoasatendidas é aproximadamente

130 milA

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Usha Velasco e Thais Assunção

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Atualmente, uma segunda campanhade arrecadação está em andamento. Aidéia é montar outras vinte bibliotecas. “Oque mantém a chama viva é saber quepodemos chegar a outras comunidades.Enquanto tivermos chance, é claro quevamos querer continuar”, afirma Iza Antu-nes, presidente da Associação de Bibliote-cários do DF (ABDF) e responsável pela ori-entação técnica do Casa do Saber.

Sempre trabalhando como voluntári-as, Iza Antunes e Carmen Gramacho fize-ram a triagem dos lugares onde o projetoseria implantado. “Chegamos a ter maisde cinqüenta solicitações de bibliotecas.Fomos visitar todos os locais; saíamos decasa de manhã e só voltávamos à tarde.Tivemos a oportunidade de conhecer todoo Entorno de Brasília”, lembra Carmen. Oscritérios para selecionar os beneficiadosforam basicamente três: ter alguém res-ponsável por cuidar da biblioteca; ter umpúblico de usuários; e ter uma sede pró-pria com acesso irrestrito ao público.

“Infelizmente não pudemos atender a

todos os pedidos, porque muitos não tinhamsede própria”, conta Iza. “Não dá paramontar uma estrutura pública num espaçoparticular ou num local emprestado, porqueassim corremos o risco de ver tudo ser des-montado”, explica. Ela cita o exemplo daBiblioteca Pública do Paranoá, que já mu-dou de endereço várias vezes, porque ficaem lugares improvisados. “Isso é um sinalde descaso”, reclama: “Em Brasília, apenasduas bibliotecas públicas foram realmenteconstruídas para serem bibliotecas: a doCruzeiro e a da Ceilândia.”

Outro exemplo que serviu de lição foio que aconteceu na Cidade Estrutural,onde a biblioteca foi montada na igreja.“Um belo dia, o padre resolveu dar outradestinação ao espaço e desmanchoutudo”, afirma Iza: “os livros foram encai-xotados e a comunidade perdeu um es-paço de estudos”.

Trata-se de um espaço precioso – emqualquer condição que esteja, é semprebem aproveitado pela população. As duasvoluntárias contam que ficaram impressi-

LEITURA

A chama está viva onadas com o mau estado das bibliotecasque visitaram. “A gente se surpreendeucom coisas bárbaras”, lembra Carmen Gra-macho: “banheiros quebrados, falta deventilação, muito calor, nenhuma águapara beber. E o espaço lotado, com pesso-as amontoadas, duas na mesma cadeira,gente estudando no chão.”

“Não encontramos bibliotecas; encon-tramos depósitos de livros”, conta Iza: “Lu-gares sucateados, sem nenhuma organi-zação, com livros em tão mau estado quejá não serviam para nada. Outro proble-ma era a falta de uma equipe de trabalho.Muita gente tinha boa vontade, mas infe-lizmente não tinha preparo para adminis-trar uma biblioteca e orientar os usuários.Não estavam preparadas para exercer afunção de bibliotecário.”

Por isso, o projeto investiu também naformação de pessoal. Em poucos meses,foram treinadas 31 pessoas que já traba-lhavam ou pretendiam trabalhar em biblio-tecas. O curso, com certificado, foi ofereci-do pela ABDF e ministrado por profissio-nais da área, sob coordenação de Iza Antu-nes. Outras trinta pessoas estão na lista deespera para a formação da segunda turma.

DIÁRIO DA VOLUNTÁRIA

Carmen Gramacho, coordenadora geraldo projeto Casa do Saber, escreveu umdiário sobre o trabalho. Veja dois trechos:

Na biblioteca de Samambaia Norte, ummenininho perguntou: “Posso ver o livro?Aquele de historinhas...” O adulto questi-onou: “Quantos anos você tem?” “Qua-tro”, respondeu o pequeno. “E já sabeler?” “Não, mas vou aprender agorinha!”,respondeu, e saiu correndo para a mesa,com o livrinho na mão.

Na inauguração da biblioteca do RiachoFundo, as autoridades discursavam. Umpequeno menino de aproximadamentesete anos arregalava os olhos, olhava paraas mãos de quem falava e tentava imitaros gestos. A cada novo discursante, omenino repetia os gestos. Quando tudoterminou fui até ele e perguntei: “O quevocê entendeu de tudo o que ouviu?” Eele prontamente respondeu: “Que ler éimportante, para aprender a falar!”

A biblioteca vai ajudar a gente a desenvolver a inteligência e virargente grande, para poder ajudar os pais. Meu pai trabalha muito,

pinta paredes, e minha mãe vende comida. Quero um dia poder darpara eles tudo de bom e também ajudar meus dois irmãos.

MATEUS, 9 ANOS, NA BIBLIOTECA NAPOLEÃOLAUREANO, EM SAMAMBAIA NORTE

OS

USU

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FOTOS: ANDRÉ ROCHA DANTAS

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Este lugar onde estudamos é o único lugar que temos. Eumoro em uma oficina mecânica com meus pais e meus irmãos,não tenho computador, não tenho onde colocar meus livros.Nem posso estudar lá, porque tem muito barulho de motor.

BÁRBARA PAULA, 15 ANOS, NA RECÉM-MONTADA BIBLIOTECA DE BRAZLÂNDIA

Se não tivesse este lugar para estudar seriamuito ruim, mas os livros da estante às vezes estãocortados, faltando folhas... No melhor da história,

não podemos saber o final. Mas aqui é muito legal!

JÚNIOR, 11 ANOS, EM BRAZLÂNDIA,ANTES DA MONTAGEM DA NOVA BIBLIOTECA

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Paraibano, de uma família com 13 fi-lhos, Antônio José Matias de Sousa veiopara Brasília aos 14 anos, “com uma mão

na frente e outra atrás”,conforme conta, sorrin-do. Começou a traba-lhar no Posto Cascão eviu ali uma oportunida-de de crescimento. “Euacreditava no posto eenxergava um futuropromissor para mim.Comecei como frentista,depois virei diretor e por

último um dos sócios”, relata.Há cinquenta anos a rede Gasol é ad-

ministrada por quatro sócios; hoje, temnoventa postos e três mil funcionários.Segundo Antônio Matias, a rede semprese preocupou em fazer um trabalho soci-al: “Tínhamos vontade de ajudar as pes-soas; começamos com o básico, uma co-leta de agasalhos e alimentos.” Assimcomo a empresa, as coletas foram cres-cendo; nas últimas campanhas foram ar-recadados 260 mil agasalhos e 300 to-neladas de alimentos. “Foi uma quanti-dade enorme, tivemos até dificuldade de

distribuir”, alegra-se ele.De 2004 a 2006 também foram do-

ados 270 mil brinquedos. Além disso,mais de 400 funcionários da Gasol es-tão no quadro permanente de doadoresde sangue do Hemocentro, que abaste-ce hospitais de todo o DF. Orgulhoso

Agradecimento à cidadedesse trabalho social, Antônio Matias dizque todos os empresários deveriam sepreocupar em oferecer uma retribuiçãoà cidade: “Fiz minha carreira em Brasí-lia, por isso acho que devo investir aqui,ajudar as pessoas daqui. Isso é fácil, bas-ta querer”, avalia.

Antônio Matias: “Fiz minha carreira em Brasília, por isso acho que devoinvestir aqui, ajudar as pessoas daqui. Isso é fácil, basta querer”

Biblioteca Marta de OliveiraSales, em Sobradinho I: novosmóveis, livros e computador

PARA AJUDAR

O projeto Casa doSaber precisa de gentepara a triagem de livrosdoados. Informações:

3217-8585800-61-4554

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