Filosofia

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1. Aristteles Para Aristteles, o dualismo platnico entre mundo sensvel e mundo das idias era um artifciodispensvel para responder pergunta sobre o conhecimento verdadeiro. Nossos pensamentosno surgem do contato de nossa alma com o mundo das idias, mas da experincia sensvel."Nada est no intelecto sem antes ter passado pelos sentidos", dizia o filsofo.Isso significa que no posso ter idia de um tei (lagarto) sem ter observado um diretamenteou por meio de uma pesquisa cientfica. Sem isso, "tei" apenas uma palavra vazia designificado. Igualmente vazio ficaria nosso intelecto se no fosse preenchido pelas informaesque os sentidos nos trazem.Mas nossa razo no apenas receptora de informaes. Alis, o que nos distingue comoseres racionais a capacidade de conhecer. E conhecer est ligado capacidade de entender oque a coisa no que ela tem de essencial. Por exemplo, se digo que "todos os cavalos sobrancos", vou deixar de fora um grande nmero de animais que poderiam ser consideradoscavalos, mas que no so brancos. Por isso, ser branco no algo essencial em um cavalo,mas voc nunca encontrar um cavalo que no seja mamfero, quadrpede e herbvoro.O papel da razoConhecer perceber o que acontece sempre ou freqentemente. As coisas que acontecem demodo espordico ou ao acaso, como o fato de uma pessoa ser baixa ou alta, ter cabeloscastanhos ou escuros, nada disso essencial. Aristteles chama essas caractersticas deacidentes.O erro dos sofistas (e de muita gente ainda hoje) o de tomar algo acidental como sendo aessncia. Atravs desse artifcio, diziam que no se pode determinar quem Scrates, porquese Scrates msico, ento no filsofo, se filsofo, ento no msico. Ora, Scratespode ser vrias coisas sem que isso mude sua essncia, ou seja, o fato de ser um animalracional como todos ns.Mas como ns fazemos para conhecer a definio de algo e separar a essncia dosacidentes? A est o papel da razo. A razo abstrai, ou seja, classifica, separa e organiza osobjetos segundo critrios. Observando os insetos, percebo que eles so muito diferentes uns dosoutros, mas ser que existe algo que todos tenham em comum que me permita classificar umabarata, um besouro ou um gafanhoto como insetos? Sim, h: todos tm seis pernas. Seabstrairmos mais um pouco, perceberemos que os insetos so animais, como os peixes, asaves...Ato ou potnciaE poderamos ir mais longe, separando o que ser, do que no . E aqui chegamos outragrande contribuio de Aristteles: se o ser e o no-ser no , como dizia Parmnides, entocomo possvel o movimento?Segundo Aristteles, as coisas podem estar em ato ou em potncia. Por exemplo, umasemente uma rvore em potncia, mas no em ato. Quando germina, a semente torna-servore em ato. O movimento a passagem do ato potncia e da potncia ao ato.Qual a causa?Por outro lado, se as coisas mudassem completamente ao acaso, no poderamos conhec-las. Conhecer saber qual a causa de algo. Se tenho uma dor de estmago, mas no sei acausa, tambm no posso tratar-me. Conhecendo a causa possvel saber no s o que a coisa, mas o que se tornar no futuro. Pois, se determinado efeito se segue sempre de uma 2. determinada causa, ento podemos estabelecer leis e regras, tal como se opera nos vriosramos da cincia.As quatro causasPara Aristteles uma coisa o que devido a sua forma. Como, porm, o filsofo entendeessa expresso? Ele compreende a forma como a explicao da coisa, a causa de algo seraquilo que . Na verdade, Aristteles distingue a existncia de quatro causas diferentes ecomplementares:Causa material: de que a coisa feita? No exemplo da casa, de tijolos.Causa eficiente: o que fez a coisa? A construo.Causa formal: o que lhe d a forma? A prpria casa.Causa final: o que lhe deu a forma? A inteno do construtor. H uma hierarquia entre as causas, sendo a causa final a mais importante. A cincia queestuda as causas ltimas de tudo chamada de filosofia. Por isso, a tradio costuma situar afilosofia como a cincia mais elevada ou me de todas as cincias, por ser o ramo doconhecimento que estuda as questes mais gerais e abstratas.Embora Aristteles no seja materialista (vimos que a forma no a matria), sua explicaodo mundo mundana, est no prprio mundo. Finalmente, para o filsofo, a essncia dequalquer objeto a sua funo. Diz ele que, se o olho tivesse uma alma, esta seria o olhar; seum machado tivesse uma alma, esta seria o cortar. Entendendo isso, entendemos as coisas.tica e polticaNo campo da tica, segundo Aristteles, todos ns queremos ser felizes no sentido mais plenodessa palavra. Para obter a felicidade, devemos desenvolver e exercer nossas capacidades nointerior do convvio social.Aristteles acredita que a auto-indulgncia e a autoconfiana exageradas criam conflitos comos outros e prejudicam nosso carter. Contudo, inibir esses sentimentos tambm seriaprejudicial. Vem da sua clebre doutrina do justo meio, pela qual a virtude um pontointermedirio entre dois extremos, os quais, por sua vez, constituem vcios ou defeitos decarter.Por exemplo, a generosidade uma virtude que se situa entre o esbanjamento e amesquinharia. A coragem fica entre a imprudncia e a covardia; o amor-prprio, entre a vaidadee a falta de auto-estima, o desprezo por si mesmo. Nesse sentido, a tica aristotlica uma ticado comedimento, da moderao, do afastamento de todo e qualquer excesso.Para Aristteles, a tica que conduz poltica. Segundo o filsofo, governar permitir aoscidados viver a vida plena e feliz eticamente alcanada. O Estado, portanto, deve tornarpossvel o desenvolvimento e a felicidade do indivduo. Por fim, o indivduo s pode ser feliz emsociedade, pois o homem , mais do que um ser social, um animal poltico - ou seja, que precisaestabelecer relaes com outros homens.PlatoO problema do conhecimento surge em Plato como o processo em que o homem acessa ointeligvel. Pode-se perceber que todos os filsofos anteriores, de algum modo, j tinham 3. trabalhado esta dimenso, porm nenhum deles da forma e presteza com que fez Plato.V-se que, ao contrrio de Demcrito e seus seguidores, Plato no buscava as verdadeirasessncias da forma fsica, mas sob a influncia de Scrates, buscava a verdade essencial. Paraele, a verdade no poderia ser buscada a partir da teoria atmica apresentada por Demcrito,pois a existncia destas coisas materiais no divisveis, so corruptveis, variam, mudam,surgem e se vo. Como filsofo, sabia que deveria buscar a verdade plena em algo estvel enas verdadeiras causas, pois a verdade no pode variar. Ele dizia ainda que, se h uma verdadeessencial para os homens, essa deve valer para todas as pessoas, portanto, devendo serbuscada em algo superior.Assim como em Parmnides e em Herclito a questo do conhecimento relaciona-se comexigncias ontolgicas, ocorre em Plato. O primeiro, levado pelas exigncias do ser, negaraqualquer valor ao conhecimento sensvel, enquanto o segundo, premido pelas exigncias dodevir, deu pleno valor a este conhecimento. Em ambos a epistemologia movida pelametafsica, sendo que em Parmnides ela reconhece como vlido apenas o conhecimentointelectivo, na conduo da realidade ao que esttico, e, em Herclito, ela reconhece, pelocontrrio, apenas o conhecimento sensitivo como vlido, atravs da conduo da realidade aoque dinmico.J na metafsica de Plato h lugar, no somente para o ser esttico de Parmnides, comotambm para o mundo em devir de Herclito, pois para Plato a realidade se constitui de umestrato esttico e de outro dinmico. Da pode-se notar a valorizao na epistemologia platnicatanto ao conhecimento intelectivo quanto ao sensitivo, respectivamente para o mundo das idiase para o mundo sensvel.A primeira obra de Plato que tenta abordar essa temtica do conhecimento Menon, ondeaparece uma aporia com relao ao que se j se conhece e o que se possvel conhecer; emvista disso, Plato prope que o conhecimento anamnese, ou seja, uma forma de recordaodo que j existe desde sempre no interior da alma humana. Essa anamnese apresentada emduas formas: uma mtica, vinculada s doutrinas rfico-pitagricas, onde a alma imortal erenasce muitas vezes, por isso j teria visto e conhecido toda a realidade, tanto neste quanto nooutro mundo; a outra, dialtica, e Plato a experimenta quando interroga um escravo sobrequestes geomtricas e, a partir do dilogo, este consegue acertar a resposta. Tanto nomitolgico como no dialtico, o conhecimento, acredita-se, vem de dentro da prpria pessoa,extraindo de si mesmo verdades que no conhecia e as quais ningum lhe ensinou. Isso serelaciona claramente com o mtodo socrtico que provavelmente influenciou o pensamentoplatnico em peso equivalente ao dado s doutrinas rfico-pitagricas.A anamnese explica de onde vem e como pode ser o conhecimento desde que haja, j na alma,a presena do verdadeiro. Plato, querendo melhor detalhar esse alcance da verdade,desenvolve etapas e modos especficos de realizao deste conhecimento, que so explicitadosem A Repblica e nos dilogos dialticos.Plato parte do princpio que o conhecimento proporcional ao ser. Quanto maior o grau de ser,maior o de cognoscibilidade e o mesmo no sentido inverso. realidade intermediria que mistura do ser e do no ser, que est entre as duas polaridades e sujeito do devir, Platochama sensvel. Dentro desse intermedirio, o filsofo descobre um conhecimento tambmintermedirio entre cincia e ignorncia, que chama ele doxa ou opinio.Plato considera este tipo de conhecimento, que no identificvel ao conhecimento verdadeiro,como algo quase sempre enganador e por mais que seja verdadeiro, sua verdade no pode seprovar, nem sequer se garantir, por si prprio. Est sempre sujeito a alteraes, o que caracterstico do mundo sensvel. Para que a opinio seja provada como verdadeira, a teoriaplatnica do conhecimento impe que ela seja tratada com o expediente do raciocnio causal,experimentando-a atravs do conhecimento da causa, ou seja, da Idia, levando-a a outrohorizonte, agora no mais sensvel, o que a faz deixar de ser opinio doxa para ser cincia episteme.Outra graduao criada por Plato est relacionada exatamente a estas duas formas doconhecimento. A primeira, que corresponde aos graus do sensvel, divide-se em simplesimaginao (eikasa) que se refere s sombras e s imagens sensveis das coisas, e, em crena(pistis) que corresponde s coisas e aos prprios objetos sensveis; a segunda, no entanto,relacionada aos dois graus do inteligvel, dividindo-se em cincia intermediria (diania), que 4. um conhecimento intermedirio ligado s coisas visveis e tambm s hipteses e ainda, comosegundo nvel da cincia, a inteleo pura (noesis) que se exerce atravs da captao pura dasIdias e do princpio supremo e absoluto do qual dependem todas elas.Para contemplar o conhecimento, o homem deve caminhar desde a opinio at cinciaeducando-se gradualmente, como contece no mito da caverna, onde os homens so comoescravos que vem sombras projetadas pelo fogo de fora (eikasa) e as tomam como realidade,por que no conhecem o que verdadeiro; saindo da caverna no poderiam de imediatosuportar a luz do sol; teriam que se habituar a olhar as sombras e as imagens refletidas (pistis),em seguida, as prprias coisas (dinoia) e s no fim de tudo poderia contemplar o sol (noesis). Acaverna , analogamente, o mundo sensvel, quem dela sai, sabe que a verdadeira realidadeest fora e no so sombras, sendo assim, parte do mundo das Idias, ou mundo supra-sensvel.Por isso, para Plato, os homens comuns esto presos ao nvel da opinio. Ao plano dascincias, os matemticos conseguem ascender-se dinoia, mas somente o filsofo noesis e cincia suprema. Isso porque o intelecto e a inteleo, tendo superado o mundo sensvelcaptam as Idias na sua pureza, que atravs de um processo de implicao e excluso, que sedenomina dialtica, conduz Idia Suprema, o Incondicionado. Esse processo pode levartambm tanto do sensvel s Idias, como pode ocorrer no sentido descendente, levando aextrao de Idias particulares das Idias gerais. Desse modo, o filsofo o dialtico, poispercorre o caminho e realiza os processos.Portanto, dentro dessa perspectiva da teoria do conhecimento em Plato, pode-se perceber demodo, ora aportico, ora bastante claro, que a partir de sua doutrina, seu pensamento eensinamento na Academia, que o conhecimento, ou a verdade, como ele prprio se refere, acaptao e a apreenso do mundo das Idias, atravs de um progressivo e reminiscenteaprendizado, que leva a entender a forma como este mundo supra-sensvel se estrutura e, porfim, a compreenso do lugar, do valor e do sentido que cada Idia ocupa em relao s outras.Finalmente, se como foi dito, recordar se fazer aprender, a teoria platnica do conhecimentopode ajudar hoje na vida acadmica de modo considervel, nem tanto no sentido sensvel esupra-sensvel que ele a deu, mas muito mais, no sentido de que o saber um processo, no qualo prprio estudante o sujeito. Por ltimo, cabe lembrar do que disse Plato: Aquilo queabsolutamente , absolutamente cognoscvel, aquilo que de nenhum modo , de nenhummodo cognoscvel. Faz entender o profundo sentido que ele d ao mundo das Idias, ondetudo mais perfeito e onde est a real verdade, por isso, nele as coisas so mais absolutas queno mundo sensvel e assim, mais possvel de serem conhecidas plenamente. O conhecimento,em Plato, , por fim, o cume do caminho percorrido, a verdade buscada e contemplada.ScratesA figura de Scrates como um divisor de guas na Filosofia Antiga, tanto que os filsofosanteriores a ele so tradicionalmente chamados de pr-socrticos.De fato, com Scrates h uma mudana significativa no rumo das discusses filosficas sobre averdade e o conhecimento. Os primeiros filsofos estavam preocupados em encontrar ofundamento (ark) de todas as coisas. Scrates, por sua vez, est mais interessado em nossarelao com os outros e com o mundo.Curiosamente, Scrates nada escreveu - e tudo o que sabemos dele graas a seus discpulos,particularmente Plato. Scrates teria tomado a inscrio da entrada do templo de Delfos comoinspirao para construir sua filosofia: Conhece-te a ti mesmo.Para compreendermos o sentido dessa frase, segundo o filsofo francs Michel Foucault (1926 -1984), devemos inscrev-la em uma estratgia mais geral do cuidado de si.Ou seja, o que Scrates pregava era que ns devemos nos ocupar menos com as coisas(riqueza, fama, poder) e passarmos a nos ocupar com ns mesmos. Poderia objetar-se: com quepropsito deveria ocupar-me comigo mesmo? Porque o caminho que me permite ter acesso 5. verdade. Mas que tipo de verdade? Obviamente no uma verdade qualquer, tal como afrmula qumica da gua, mas a verdade que capaz de transform-lo no seu prprio ser desujeito. esse ato de conhecimento, capaz de promover nossa autotranscendncia, de que falaScrates. Conhecer a mim mesmo para saber como modificar minha relao para comigo, comos outros e com o mundo.Como ter acesso verdade?Tal modificao para ter acesso verdade, contudo, no um ato puramente intelectual. Elaexige, por vezes, determinadas renncias e purificaes, das quais Scrates um exemplo.Scrates dizia ter recebido de Deus a misso de exortar os atenienses, fossem eles velhos oujovens, a deixarem de cuidar das coisas, passando a cuidar de si mesmos. Tal atitude o fezdedicar-se inteiramente filosofia e prtica dialgica (uma forma especial de dilogo,denominada maiutica) por meio da qual ele fazia com que seu interlocutor percebesse asinconsistncias de seu discurso e se autocorrigisse.A atitude de Scrates questionava os valores da sociedade ateniense, razo pela qual seusinimigos o levaram ao tribunal, onde foi julgado e condenado morte. Sua morte, porm, noimpediu que a questo do cuidado de si se tornasse um tema central na filosofia durante mais demil anos - e chegasse a influenciar alguns filsofos modernos e contemporneos.A questo central do cuidado de si que jamais se tem acesso verdade sem uma experinciade purificao, de meditao, de exame de conscincia - enfim, atravs de determinadosexerccios espirituais capazes de transfigurar nosso prprio ser.Dito de outro modo, o estado de iluminao, de descoberta da verdade, no produto do estudo,mas de uma prtica acompanhada de reflexo constante sobre minhas aes, atitudes - e decomo posso modific-las para me tornar uma pessoa melhor. como se a vida fosse uma obrade arte em que ns vamos nos moldando, nos aperfeioando no decorrer da existncia.A difcil busca da verdadeAtualmente, estamos distantes dessa perspectiva socrtica do cuidado de si. A cincia modernaest preocupada com a produo e acumulao de conhecimentos.Mas quando nos perguntamos: para qu acumulamos e produzimos conhecimento? A resposta simplesmente: para aumentar infinitamente nosso conhecimento. Entramos, assim, numa corridasem fim, em que nunca nos questionamos se isso realmente est trazendo os benefciosprometidos.Claro que a tecnologia traz inegveis benefcios, mas no parece que as pessoas, atualmente,estejam mais felizes. Pode-se alegar, no entanto, que no papel do conhecimento e da cinciapromover a felicidade humana - e que, talvez, conhecimento e cincia tenham a nica funo decontribuir para a concentrao de poder e dinheiro nas mos de alguns uns poucos.Scrates, porm, via a busca da verdade como um caminho de ascese, pois, quando cuidamosde ns mesmos, modificamos nossa relao com os outros e com o mundo.Mergulhados em preocupaes com a aparncia e o consumo, pensamos estar cuidando de nsmesmos, quando na verdade estamos nos perdendo em meio s coisas. preciso conhecer a simesmo para no perder-se. Claro que voc no vai encontrar toda verdade em si mesmo, mas,pelo menos, a nica verdade capaz de salv-lo.