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Filosofia da Comunicação “Estudar ou não estudar? Eis a questão” Professor: Luís Baptista ([email protected]) Método de avaliação - Um trabalho escrito em grupos até 5 elementos – 40% da nota final - Uma frequência (ensaio filosófico de 4 páginas) relativo a toda a matéria – 60% da nota final Matéria – Aula 1 - O novo ecossistema da comunicação - A internet é o centro deste novo ecossistema. - A esfera pública vai sofrendo mudanças com os novos meios de comunicação (mas media). - Posto isto, será que vamos ter uma esfera pública fragmentada? - A verdade é que temos informação actualizada a cada momento nos sites de forma rápida e instantânea. - A publicidade é fundamental para a sustentabilidade destes meios de comunicação, possuindo uma valorização estratégica. - Podemos falar com pessoas a quilómetros de distância, contudo, o preço a pagar é a invasão de privacidade na medida que a informação que armazenamos pode ser espiada. - Livro de Michel Foucault – Vigiar e Punir, na qual o termo “panóptico” é utilizado. - O sistema perfeito de segurança seria aquele onde os prisioneiros entendessem que estão a ser vigiados (tem piada, na verdade). - Assim, podemos falar na sociedade que nos encontramos numa crescente democratização das relações, na produção de informação individual bem como no controlo dos utilizadores sobre as tecnologias. - Temos razões para nos preocuparmos mas se calhar ainda é cedo para isso. - Existe um crescimento significativo de utilizadores de internet no Mundo (observa o PowerPoint número 1 da cadeira para veres os gráficos e tabelas sobre o assunto). - Nos países mais desenvolvidos, a expansão começa mais cedo. No final de 2013, quase 40% da população estava ligada à internet que é um verdadeiro fenómeno à escala global. Filosofia da Comunicação - Ano Lectivo de 2014/2015 – Mauro Gomes

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Filosofia da Comunicação

“Estudar ou não estudar? Eis a questão”

Professor: Luís Baptista ([email protected])

Método de avaliação

- Um trabalho escrito em grupos até 5 elementos – 40% da nota final

- Uma frequência (ensaio filosófico de 4 páginas) relativo a toda a matéria – 60% da nota final

Matéria – Aula 1 - O novo ecossistema da comunicação

- A internet é o centro deste novo ecossistema.- A esfera pública vai sofrendo mudanças com os novos meios de comunicação (mas media).- Posto isto, será que vamos ter uma esfera pública fragmentada?- A verdade é que temos informação actualizada a cada momento nos sites de forma rápida e instantânea.- A publicidade é fundamental para a sustentabilidade destes meios de comunicação, possuindo uma valorização estratégica.- Podemos falar com pessoas a quilómetros de distância, contudo, o preço a pagar é a invasão de privacidade na medida que a informação que armazenamos pode ser espiada.- Livro de Michel Foucault – Vigiar e Punir, na qual o termo “panóptico” é utilizado.- O sistema perfeito de segurança seria aquele onde os prisioneiros entendessem que estão a ser vigiados (tem piada, na verdade).- Assim, podemos falar na sociedade que nos encontramos numa crescente democratização das relações, na produção de informação individual bem como no controlo dos utilizadores sobre as tecnologias.- Temos razões para nos preocuparmos mas se calhar ainda é cedo para isso.- Existe um crescimento significativo de utilizadores de internet no Mundo (observa o PowerPoint número 1 da cadeira para veres os gráficos e tabelas sobre o assunto).- Nos países mais desenvolvidos, a expansão começa mais cedo. No final de 2013, quase 40% da população estava ligada à internet que é um verdadeiro fenómeno à escala global.- Contudo, o maior crescimento de utilizadores provém dos países de Terceiro Mundo, pois nos restantes continentes, os seus users já se encontram integrados.- Quase 1/3 de users da internet, tem conta no Facebook (momento na aula em que o professor perguntou a todos: “Quem daqui tem conta no Facebook?” E no Twitter? E no Instragram? E no Orkut? E no Flickr? Ou seja, basicamente o homem conhece todas as redes existentes neste planeta).- A internet é um sistema incontrolável!- Os chineses complementaramm os sistemas informáticos de informação.- Para William Gibson, o Facebook é uma espécie de prisão.- O Facebook tornou-se numa espécie de império tecnológico que toda a gente tem, é um novo fenómeno social bem-sucedido. Cinco novos perfis são criados por segundo! Existem 83 milhões de perfis falsos! Mais de 1.28 mil milhões de utilizadores activos em todo o mundo.- Com a criação de blogs, redes sociais, youtube, Google, aumenta-se a capacidade interactiva bem como tem-se assistido a um aumento do uso de dispositivos móveis com o decréscimo do uso de computadores, da rádio, dos jornais e da TV, apesar de esta ser um aparelho ainda dominante. Ex: O assassinato de

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Abraham Lincoln demorou 12 dias a chegar ao Reino Unido. Mais de 2 mil milhões de pessoas viram por TV o segundo avião a chocar com o World Trade Center.- O lapso do tempo diminui.- Graças ao telégrafo, a comunicação torna-se independente do transporte físico, começamos a ler jornais com as notícias actualizadas, recebemos informação mais rápida, reduz-se a distância temporal, bem como incrementa-se a capacidade de acompanhar os eventos em directo, em tempo real.- A actividade que já ocupa mais tempo nos EUA é a navegação na internet, redes sociais, ver TV em directo bem como jogar jogos de vídeo.- Assim, para compreendermos as implicações do novo ambiente mediático e a sua crescente importância na vida quotidiana, é necessária uma investigação interdisciplinar.- A Filosofia deve estabelecer por isso, um diálogo com as disciplinas como a Sociologia, a teoria dos media, antropologia, a história e o estudo das tecnologias para a compreensão dos diversos fenómenos como:

A relação entre a interacção quotidiana e as tecnologias de comunicação A hipermediatização das sociedades As novas configurações do espaço público A ecologia dos media

- A nossa vida está saturada de mass media!

Os filósofos e a comunicação (Aula 2)

Aristóteles, Sobre a Interpretação

“Os sons falados são símbolos de afecções da alma, e as marcas escritas são símbolos dos sons falados. E tal como as marcas escritas não são as mesmas para todos os homens, também não o são os sons falados. Mas aquilo de que eles em primeiro lugar são signos – as afecções da alma – é o mesmo para todos; e aquilo a que essas afecções se assemelham – as coisas – também é o mesmo.”

Descartes, Discurso do Método

“É notável que não haja homens tão embrutecidos e estúpidos, sem excluir sequer os insensatos, que não sejam capazes de combinar diversas palavras, e de compor um discurso pelo qual fazem compreender os seus pensamentos; e, ao contrário, não haja outro animal, por mais perfeito [...], que faça algo de semelhante.”

- Nenhuma outra das espécies tem uma linguagem como a nossa uma vez que somos capazes de articular palavras, de formular um pensamento.- O nosso corpo funciona como uma máquina (posição igualista).

Locke, Ensaio sobre o Entendimento Humano“Para além dos sons articulados, [o homem] deve ser capaz de usar esses sons, como signos de concepções internas; e torná-los marcas para as Ideias na sua própria mente, para que elas possam ser conhecidas por outros, e os pensamentos nas mentes dos homens sejam transmitidos de um para o outro.”

- Através da linguagem, podemos transmitir as nossas ideias e pensamentos. Os pensamentos são subjectivos.

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Frege, “Sobre sentido e referência” e “Carta a Jourdain”

“A humanidade possui um tesouro comum de pensamentos que são transmitidos de geração em geração. [...] Se o sentido [...] fosse algo subjectivo, [...] um tesouro comum de pensamentos, uma ciência comum, seriam impossíveis. Seria impossível que algo que uma pessoa diz entrasse em contradição com o que outra diz, porque as duas não expressariam em absoluto o mesmo pensamento, mas cada qual o seu próprio.”

- Quando nós compreendemos aquilo que o outro afirma, apreendemos algo. Existe o mundo físico, psíquico e abstracto. Os pensamentos são objectivos.

Comunicação – Dualidade de sentidos ao longo da história - tornar algo comum, partilhar e transmitir, difundir.

Os dois sentidos são complementares e deram origem a dois modelos de comunicação:

• Comunicação como transmissão

• Comunicação como ritual

Comunicação como transmissão

- Comunicar é transmitir mensagens

- Impressão com tipos móveis (século XV) – Quando se copiavam os livros à mão, existia erros frequentes. Por isso, este tipo de impressão constitui uma autêntica revolução da comunicação na medida que passa-se a imprimir em grande quantidade (1ºlivro – Bíblia de Gutenberg); criação de comunidades de livros; reforma sistemática na transmissão de informação à distância; assegurar transmissão de informação fidedigna daquilo que queremos comunicar.

- Revolução nos transportes e nos meios de comunicação nos séculos XVIII-XIX – correio, revolução tecnológica, transporte ferroviário, invenção da máquina a vapor (que significou mais energia produzida) tendo isto contribuído para uma redução do tempo de distância entre os locais, ou seja, incremento da capacidade de transmissão de informação e comunicação a uma velocidade muito superior à dos transportes, eliminando-se a dependência em relação aos mesmos.

- Comunicação à distância (Como é possível a transmissão de uma mensagem fidedigna à distância?

Teoria Matemática da Comunicação

Claude Shannon, The Mathematical Theory Of Comunication – «O problema fundamental da comunicação é o de reproduzir num ponto, exactamente ou aproximadamente, uma mensagem que foi seleccionada num outro ponto.»

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Processo:1. O emissor selecciona uma mensagem a partir de uma fonte de mensagens/informação;2. A mensagem é traduzida para um sinal físico (com base num código que relaciona de forma

sistemática sinais e mensagens);3. O sinal é transmitido através de um canal – a ocorrência de ruído pode adulterar o sinal, levando a

falhas no processo comunicativo;4. O receptor recebe o sinal e descodifica a mensagem – isto só é possível se o emissor e receptor

partilharem o código.

- Quanto mais liberdade tivermos, mais informação poderemos seleccionar.- Quanto mais surpreendente for uma mensagem, mais informativa ela será.

O conceito de “informação” na TMC não está relacionado com “conteúdo”:- Informação é uma medida, expressa em bits;- A quantidade de informação de cada mensagem é a medida da probabilidade de ocorrência da mensagem, de acordo com o conjunto de mensagens na fonte;- Quanto mais improvável a mensagem, mais informativa é;- A mesma mensagem pode ter quantidades de informação diferentes, dependendo da fonte a partir da qual é seleccionada.

O exemplo mais simples de construção de um código: Um conjunto de mensagens com a mesma quantidade de informação (A, B, C, D, E, F, G, H)

A mensagem escolhida está entre A e D? Não. (logo, está entre E e H)A mensagem escolhida está entre E e F? Sim.A mensagem escolhida é F? Não. (portanto, a mensagem é E)

Se representarmos as respostas “sim” como “1” e as respostas “não” como “0”, a mensagem E é codificada como 010. O mesmo procedimento é aplicado às outras mensagens (111, 110, 100, 101, 011, 001, 000). Cada uma tem 3 bits de informação.

O conceito aparentemente contra-intuitivo de “informação” na TMC deve-se à concepção puramente tecnológica da teoria, proposta no âmbito da engenharia de telecomunicações.

Nota: Não interessa se a mensagem tem “conteúdo informativo” ou não – mesmo uma mensagem que “não quer dizer nada” terá sempre uma medida de informação, dependendo da sua probabilidade de ocorrência na fonte a partir da qual ela é seleccionada.

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Em informática, o conceito de “informação” é normalmente aplicado à representação estruturada de dados de acordo com o código binário.Características:- A informação é uma sequência de bits que representa, por um lado, uma mensagem ou os seus componentes (por exemplo, letras ou pixéis) e, por outro, as ocorrências de fenómenos físicos (electrónicos) num computador;- Pode dizer-se que a informação estabelece uma mediação entre sinais físicos (electrónicos) e mensagens;- Embora o sentido de “informação” seja diferente, o modelo do processo de comunicação mantém-se.

É possível, também, adaptar o modelo de comunicação como transmissão, expresso pela TMC, para a noção mais intuitiva de “conteúdo” O processo de comunicação será então igualmente interpretado como a transmissão de mensagens, mas neste caso as mensagens podem ser caracterizadas como os conteúdos associados a sinais físicos de acordo com códigos (que permitem construir representações estruturadas).

Um exemplo é a comunicação verbal:Uma frase expressa acusticamente ou por escrito, tem associado a si um conteúdo, numa relação determinada pelo código linguístico (“informação” neste modelo adaptado é vista apenas como um tipo e conteúdo – o conteúdo “factual” – mas o modelo da transmissão, em linhas gerais, mantém-se).

Comunicação como ritual (Aula 3)

James Carey: exemplo da distinção entre o modelo da transmissão e o modelo ritual.

- Jornais: visto sob a óptica da transmissão, um jornal é um instrumento de disseminação (de informação, entretenimento, etc.) através de grandes distâncias. O foco da análise reside nos seus efeitos e funções.

- Sob a óptica do ritual, a escrita e a leitura de notícias é um acto ritual e dramático, através do qual uma particular visão do mundo é retratada, confirmada ou criticada.

- As notícias são uma realidade histórica: foram inventadas por uma certa classe social num momento particular (século XVIII).

Neil Postman: a ideia de “notícias do dia” não existe antes da telegrafia no século XIX.

Carey: os modelos da transmissão e do ritual não se excluem mutuamente; mas só podemos compreender a comunicação como transmissão a partir da perspectiva da comunicação como ritual (Malinowski: comunicação fáctica).

Carey: “A comunicação é um processo simbólico através do qual a realidade é produzida, mantida, reparada e transformada”

Ernest Cassirer: “O ser humano vive numa nova dimensão da realidade, a realidade simbólica, e é através do agenciamento desta capacidade que a experiência é produzida”.

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- Exemplo de Carey: linhas de latitude a longitude não existem na natureza, mas resultam de processos simbólicos que ordenam o mundo natural de acordo com propósitos humanos.

- Outro exemplo: diferentes modos de organizar o espaço (mapas, poesia, música dança).

- “Mapas diferentes dão vida ao mesmo ambiente de maneiras distintas produzindo realidades muito diferentes”.

- Formas simbólicas: deslocamento (possibilidade de comunicar sobre ou representar algo que não está presente na situação de comunicação) e produtividade (número infinito de representações com base num número finito de elementos).

- A realidade é produzida, reproduzida e reparada na comunicação

- “Estudar a comunicação é examinar o processo social efectivo através do qual as formas simbólicas são criadas, apreendidas e utilizadas”

- Diferentes definições da realidade: conflitos

- Modelos da comunicação não são apenas representações da comunicação (como algo externo), mas também moldam os processos comunicativos

Problemas:

- Faz sentido dizer que a comunicação constitui a realidade? Não será mais correcto dizer que ela constitui a realidade social?

- As linhas de latitude e longitude certamente são convencionais, produzidas socialmente; mas a rotação e a translação da Terra e a sua orientação relativamente ao Sol certamente não o são.

- Ao referir-se a “ambientes” ou “definições da realidade”, Carey parece reconhecer que nem toda a realidade é constituída pela comunicação.

Aula 4 – Continuação da abordagem do tema “Comunicação como Ritual”

Leituras: Giddens, “Social interaction and everyday life”; Scannell, “Communication as interaction”.

Leituras opcionais: Goffman, “Social life as ritual”; Hall, “Distances in man”.

Comunicar é uma actividade ritual que produz, reproduz ou modifica a realidade social.

- O processo de comunicação é sempre situado.

- A comunicação constitui as situações, ao mesmo tempo em que é constrangida por elas.

- O processo de produção/reprodução/mudança não é necessariamente intencional.

- W. I. Thomas: “Se as pessoas definem as situações como reais, elas são reais nas suas consequências”.

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Erving Goffman: “Um ritual é um acto convencionalizado através do qual um indivíduo exibe o seu respeito e consideração por algum objecto de valor supremo àquele objecto ou a um seu substituto”.

- Normalmente pensamos num ritual como uma cerimónia distinta das nossas actividades comuns do dia-a-dia.

- Mas mesmo os actos mais banais de comunicação podem ser interpretados como rituais.

Que objecto de valor supremo recebe o nosso respeito e consideração nas interacções quotidianas?

Segundo Goffman, mostramos respeito e consideração pela ordem social em miniatura que é mantida numa situação de comunicação e pelos seus participantes.

- Cortesia, deferência, respeito são formas de indicar que reconhecemos os demais como participantes de pleno direito numa situação de interacção.

- Comunicação face-a-face: situação de co-presença.

- Observamos constantemente o comportamento dos outros participantes, sabemos que eles observam o nosso comportamento, e todos sabemos que estamos a observar-nos mutuamente.

- Situações de co-presença podem gerar ansiedade e medo, podendo ser vistas como ameaçadoras.

- É para mitigar ou contrariar estes sentimentos que participamos em rituais de interacção; sem eles, a vida

em sociedade não seria possível. Exemplo: desatenção cívica .

Goffman: “Ao conceder a desatenção cívica, o indivíduo implica que não tem razões para suspeitar dos restantes presentes, nem tem razões para temê-los, para ser hostil ou para desejar evitá-los (ao mesmo tempo, ao estender esta cortesia ele automaticamente mostra-se disponível para receber um tratamento semelhante por parte dos outros presentes). Isto demonstra que ele nada tem a temer ou a evitar ao ser visto e ao ser visto a ver, que não está envergonhado de si próprio e que não se sente deslocado quer em relação ao sítio em que se encontra, quer em relação à companhia com a qual se encontra.”

- Estes breves gestos e expressões faciais comunicam que os estranhos são merecedores de respeito por parte do agente, e que este espera ser tratado igualmente com respeito.

Goffman: a desatenção cívica “é talvez o mais breve ritual interpessoal, mas é um ritual que regula de forma constante o relacionamento social”.

- “Olá” e “desculpe”: formas básicas de participação num ritual de interacção. Saudações comunicam a nossa disponibilidade para iniciar e participar de uma situação de comunicação. Pedidos de desculpa comunicam que estamos conscientes de ter agido de forma inapropriada e tentamos reparar este erro (cabe aos outros participantes comunicar que o erro foi reparado).

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- O comportamento situado envolve regras (normalmente implícitas) e papéis desempenhados pelos agentes. As regras são arbitrárias, mas nem por isso deixam de constranger o comportamento.

- As regras e os papéis orientam as expectativas relativas ao comportamento e também ao envolvimento dos participantes (e também daqueles que estão total ou parcialmente excluídos da situação de comunicação).

Joshua Meyrowitz: “Cada situação definida tem regras e papéis específicos. Um funeral exige comportamentos diferentes daqueles num casamento, uma festa tem regras diferentes daquelas numa sala de aula, uma entrevista de emprego tem regras distintas das vigentes numa conversa”.

- Ou seja, cada definição de situação prescreve e proscreve os papéis que devem ser desempenhados através de rotinas. Numa cerimónia de casamento religioso, os papéis de padre (por exemplo), de noivos e da audiência são estritamente definidos. E cada papel autoriza diferentes comportamentos (e envolvimentos) e desautoriza outros.

- Mesmo numa conversa informal, os papéis de falante e ouvinte (que alternam entre os participantes) autorizam diferentes comportamentos e desautorizam outros.

- Para sabermos “o que se passa” numa situação – por exemplo, se é formal ou informal – temos de saber quais os papéis desempenhados, as regras em vigor, a quem nos podemos dirigir (e como), etc. E sabemos que os outros participantes têm de saber o mesmo acerca de nós próprios.

- Quando não agimos de forma apropriada, isto pode gerar embaraço ou mesmo vergonha, se “perdermos a face”. Procedimentos de reparação, que permitem “salvar a face”, podem ser empregues pelo próprio agente ou pelos demais participantes no processo comunicativo.

- Os procedimentos de “manutenção da face” são essenciais para manter os rituais ordenados da interacção quotidiana; “perder a face” pode comprometer seriamente uma situação.

Co-presença: Numa situação de co-presença, o nosso comportamento envolve a linguagem, a face, os gestos e o corpo. Cada um destes factores sinaliza o foco da nossa atenção, o grau de envolvimento, o cumprimento ou incumprimento das regras, o desempenho ou a falha no desempenho do nosso papel. O constrangimento relativamente às regras e papéis tem o seu grau máximo nas situações de co-presença como ritual.

Exemplo: Como a distância interpessoal comunica diferentes atitudes, de acordo com padrões produzidos e reproduzidos numa determinada sociedade (Edward T.Hall).

- Em situações de comunicação sem co-presença (e potencialmente sem recurso a gestos e expressões faciais, por exemplo, ou mesmo sem identificação dos participantes), o constrangimento reduz-se e aumenta o risco de mal-entendidos e falhas na comunicação, ou de comportamentos inapropriados.

Aula 5

- Relevância filosófica do modelo da comunicação como ritual: a questão do reconhecimento.

- Reconhecimento (Stanford Encyclopedia of Philosophy: http://plato.stanford.edu/entries/recognition ):

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- “O reconhecimento tem uma dimensão normativa e psicológica. Se reconhecemos outra pessoa relativamente a um determinado aspecto, por exemplo como um agente autónomo, não apenas admitimos que ela tem esse aspecto mas adoptamos uma atitude positiva em relação a ela pelo facto de ter esse aspecto”.

- “O reconhecimento implica que temos a obrigação de tratá-la de uma certa forma; reconhecemos um estatuto normativo específico daquela pessoa, por exemplo como um indivíduo livre”.

- Dimensão psicológica: “Dependemos, de uma forma fundamental, das respostas de outras pessoas (e da sociedade como um todo) para desenvolvermos uma identidade prática. Para aqueles que não são reconhecidos como sujeitos de pleno direito, será muito mais difícil dar valor a si próprios e aos seus projectos”.

- A necessidade de reconhecimento pode aplicar-se também a grupos de variada dimensão, etnias, sociedades, etc.

- Os rituais da comunicação podem ser vistos, portanto, como envolvendo o reconhecimento de outras pessoas como sujeitos autónomos e com direitos. Na perspectiva mais elementar, pessoas com direito a uma “face”.

- Além disso, ao tratar os outros indivíduos como sujeitos autónomos e com direitos, o agente implica que ele próprio deve ser tratado pelos demais da mesma maneira.

- A necessidade de reconhecimento mútuo é algo que “emerge” da própria situação de interacção/comunicação.

Leituras: Giddens, “Social interaction and everyday life”; Scannell, “Communication as interaction”

Leituras opcionais: Goffman , “Social life as drama”

Erving Goffman: metáfora dramatúrgica da vida social

• As pessoas desempenham vários papéis em diferentes situações.

• Cada participante no processo comunicativo tem de gerir (na maior parte das vezes, de forma implícita) a impressão que vai dar de si a uma audiência. A gestão da impressão envolve dois aspectos, que podem ser chamados o “palco” e os “bastidores”. A impressão é apresentada no “palco” em que decorre a interacção. O “palco” pode ser delimitado por um espaço físico, embora isto não seja necessário. Mesmo no “palco”, o agente pode involuntariamente transmitir informação que venha a desacreditar a impressão que pretende dar.

• Os “bastidores” são os contextos em que se prepara a apresentação no “palco”, ou em que se pode agir sem observar as suas regras e papéis; podem também ser delimitados no espaço físico, mas não

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necessariamente. O que se passa nos “bastidores” não deve transpirar para o “palco”; caso isto aconteça, a impressão dada pelo agente pode ser comprometida.

• Em muitas situações, a gestão da impressão é feita por equipas. Normalmente existem duas equipas: os agentes que oferecem uma impressão (e a preparam nos bastidores) e a audiência.

• Os casos em que apenas um agente oferece uma impressão podem assim ser interpretados como envolvendo uma “equipa com um integrante”.

• Os papéis desempenhados pelos agentes através da impressão que eles oferecem estão intimamente relacionados com as expectativas acerca do seu comportamento.

- Para que a interacção social no dia-a-dia decorra de uma forma rotineira e ordenada é preciso ir ao encontro das expectativas dos participantes.

• Para agir de uma forma apropriada numa determinada situação, temos de saber o que podemos esperar uns dos outros.

• Para gerirmos a impressão, utilizamos diversos recursos, de acordo com as situações. Para além da linguagem, da face, dos gestos e do corpo, podemos utilizar recursos como roupas, penteados, distintivos e mesmo a organização do espaço.

• Certos factores, como o género, a etnia ou a idade podem constranger fortemente as expectativas numa situação e interferir de uma forma decisiva na gestão da impressão. O mesmo aplica-se ao poder e ao status dos participantes. Assim, a gestão da impressão não é apenas local, mas estará relacionada também com factores “macro-sociais”.

• A metáfora dramatúrgica não se aplica da mesma forma a todas as sociedades. Nas sociedades de caçadores/colectores, por exemplo, a distinção entre “palco” e “bastidores” é no mínimo discutível.

• Mas aquela distinção parece aplicar-se de maneira satisfatória às sociedades modernas e em particular à vida nos grandes centros urbanos, onde diariamente entramos em contacto com estranhos nas mais diversas situações. Nestes casos, a gestão da impressão, aliada à diversidade de regras e papéis, revela-se fundamental para que se estabeleça uma ordem da interacção quotidiana.

• Limites da metáfora dramatúrgica de acordo com Goffman: ao contrário do que acontece, por exemplo, no teatro, na vida quotidiana os agentes são também audiências uns dos outros.

• A distinção entre “palco” e “bastidores”, ao contrário do que se passa no teatro, não é absoluta. “Bastidores” de uma situação podem ser os “palcos” de outras, por exemplo. Poderíamos dizer que o próprio papel de “audiência” exige um trabalho de apresentação.

• Goffman foi criticado por defender uma visão “cínica” da comunicação, onde as pessoas representam papéis sem sinceramente acreditar naquilo que apresentam. Seria assim uma perspectiva da comunicação como manipulação.

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• Mas a necessidade de projectar uma impressão é algo que decorre das próprias situações de interacção. É preciso sempre saber que tipo de situação está em vigor e o que esperar dos outros participantes. Caso contrário, a interacção não é possível.

• Os mesmos recursos utilizados para uma apresentação sincera podem sê-lo para fins de manipulação (e o sucesso da manipulação será tanto maior quanto mais as vítimas acreditarem na apresentação como sincera).

Aplicações do modelo ritual (Aula 6)

Leituras: Meyrowitz, “Media, situations, and behavior” (Cap. 4); Rettie, “Mobile phone communication”

Meyrowitz (1985): Goffman concentrou-se nas situações de interacção em condições de co-presença num mesmo espaço físico; nestes casos, os modos como o espaço está organizado são fundamentais para a comunicação.

• Mas será que é o espaço físico que é determinante para a interacção, ou é algo mais abrangente, que tradicionalmente está ligado ao espaço partilhado?

• O que é essencial para um cenário de interacção está relacionado à informação que está disponível e à que não está disponível; o próprio Goffman enfatiza a questão da informação e da percepção no estudo dos processos comunicativos.

• A proposta de Meyrowitz é então generalizar o conceito de “cenário de interacção”, que passa a ser determinado por “padrões de fluxos de informação”. A organização do espaço físico seria assim um caso particular de um fenómeno mais geral.

• Acesso aos “bastidores” (ou proibição de acesso) pode ocorrer mesmo quando o espaço físico mantém-se o mesmo, mas as tecnologias de informação mudam.

• O que faz com que um cenário de interacção seja um “palco” ou “bastidor” vai depender então de que tipos de informação podem ou não circular, e a quem o acesso é autorizado: padrões de acesso à informação.

• O conceito de “informação” em causa nos estudos da interacção é o da “informação social”: “Tudo o que as pessoas são capazes de saber acerca do seu próprio comportamento e do comportamento alheio.”

• Situação social como “sistema de informação”: “Um determinado padrão de acesso à informação social, ao comportamento de outras pessoas.”

• Motivação: rejeitar a distinção arbitrária entre o estudo da interacção face-a-face e da interacção mediada.

• “O conceito de sistemas de informação sugere que os cenários físicos e os “cenários” mediáticos são parte de um continuum, em vez de uma dicotomia.”

• “Os media electrónicos tendem a reduzir a diferença entre a interacção face-a-face e a interacção mediada.

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A fala e a aparência de outras pessoas são agora acessíveis sem que se esteja no mesmo espaço físico”

• Consequência: novos tipos de situações sociais

• Conversa telefónica: interacção à distância; informação disponível apenas através da voz; distinção entre “palco” e “bastidores” não está relacionada ao espaço físico.

• Televisão: experiência vicária da interacção; “É como observar pessoas através de um espelho unidireccional, numa situação em que elas sabem que estão a ser observadas por milhões de espectadores”. Exemplo: reality shows.

• Fusão e separação de situações: incerteza acerca de quem está e quem não está autorizado a participar (ou a obter informação)

• A médio/longo prazo, pode levar a novas situações, com novos padrões de comportamento

• “Padrões de comportamento dividem-se entre tantas definições individuais quantos são os diferentes cenários”.

• “Quando dois ou mais cenários fundem-se, as suas definições fundem-se numa nova definição”.

• Proposta de Meyrowitz: media electrónicos contribuem para o surgimento de novas regiões para além do ”palco” e dos “bastidores”.

• “Região intermédia”: resulta da fusão de situações.

• “Linha da frente” e “bastidores profundos”: resultam da separação de situações.

• A “região intermédia” tem uma orientação preferencial para os “bastidores”.

Rettie: aplicação do modelo ritual à comunicação por telemóveis.

Goffman: encontros como reuniões (gatherings) focalizadas; monitorização mútua; partilha de uma situação social dinâmica.

• Fenómenos mais frequentes na comunicação síncrona (sentimento de simultaneidade) do que na assíncrona.

• Comunicação mediada síncrona: telefone.

• Comunicação mediada assíncrona: cartas, email.

• Garfinkel: Tempo partilhado (comunicação em “tempo real”), mais do que a co-presença física, é a base da experiência de uma situação partilhada à medida que se desenrola; “presente comum”.

Goffman: participantes numa mesma reunião face-a-face normalmente participam em várias interacções (focalizadas ou não-focalizadas); exigências conflituantes relativamente à atenção; “conversas cruzadas”.

• Telemóveis e “conversas cruzadas”: uma chamada telefónica momentaneamente interrompe uma interacção face-a-face, o que pode provocar constrangimento.

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• Telemóveis: “espaço interno” (pessoas que estão a comunicar) versus “espaço externo” (pessoas que estão a ouvir um dos falantes mas de quem não se espera a participação na conversa).

• Problemas para a gestão da impressão: expressões dirigidas a uma pessoa podem ser ouvidas por outras.

• Diferença entre chamadas e mensagens de texto: sensação de partilha; as primeiras são vividas como encontros mediados, mas não as segundas.

• Comunicação “quase-síncrona”: emails quando ambos os comunicadores estão online (e sabem que estão online); mensagens de texto trocadas “quase em tempo real”.

Comunicação e linguagem (Aula 7)

• Leituras: Lycan, “Speech acts and illocutionary force”; Scannell, “Communication and language”

• Leitura opcional: Austin, “Locutionary, illocutionary, perlocutionary”

Actos de fala Ideia de senso comum: dizer não é fazer. “Eles falam, falam, falam, falam, mas não os vejo a fazer nada”. John Austin: falar (dizer algo) é um tipo de acção. Austin critica a ideia de que o discurso consiste essencialmente em relatar/constatar/descrever o que é verdadeiro ou falso. A este privilégio concedido às afirmações, Austin chama a “falácia descritiva”. Enunciados performativos. Há enunciados que têm sentido mas que não descrevem um estado de coisas exterior a eles; produzem um estado de coisas, no próprio acto de serem proferidos, desde que a sua enunciação obedeça a certas regras convencionais e seja feita nas circunstâncias apropriadas. Nestes casos, dizer é fazer.

Exemplos de Enunciados performativos :

(1) Declaro-vos marido e mulher. (2) Prometo que vou deixar de fumar. (3) Peço desculpa. (4) Eu baptizo este navio Dom Duarte Pio.

Nestes exemplos, não se está simplesmente a descrever ou relatar que se está a celebrar um casamento, fazer uma promessa ou pedir desculpa; está-se efectivamente a celebrar um casamento, prometer ou pedir desculpa.

Se (1) é enunciada de acordo com certas regras, torna-os destinatários marido e mulher.

Se (2) é enunciada de acordo com certas regras, o falante faz uma promessa.

Se (3) é enunciada de acordo com certas regras, o falante pede desculpa.

Se (4) é enunciada de acordo com certas regras, o navio em questão passa a chamar-se Dom Duarte Pio.

Casos como estes estão na base da distinção de Austin entre enunciados “constatativos” (que constatam um determinado estado de coisas, e podem ser verdadeiros ou falsos) e “performativos” (que podem produzir um determinado estado de coisas e não são nem verdadeiros nem falsos, mas efectivos ou não efectivos). Austin procura então um critério para distinguir os enunciados performativos dos constatativos e propõe que nos primeiros, mas não nos últimos, pode introduzir-se a expressão “por meio desta frase” (hereby).

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(1”) Eu, por meio desta frase, declaro-vos marido e mulher.

(2”) Eu, por meio desta frase, prometo que vou deixar de fumar.

(3”) Eu, por meio desta frase, peço desculpa.

(4”) Eu, por meio desta frase, baptizo este navio Dom Duarte Pio. A expressão “por meio desta frase” torna explícito que o acto em questão é produzido pela própria enunciação da frase.

O mesmo não se aplica aos enunciados constatativos.

(5) Por meio desta frase, hoje é o dia 20 de Outubro.

(6) Por meio desta frase, a Terra é o terceiro planeta mais próximo do Sol.

As frases (5) e (6) são obviamente incorrectas, já que o facto de ser o dia 20 de Maio, ou de a Terra ser o terceiro planeta mais próximo do Sol, em nada dependem do facto de o falante enunciar uma frase que os afirma.

No entanto, Austin cedo descobre que esse critério não permite estabelecer uma distinção precisa entre performativos e constatativos. Considere-se o seguinte enunciado:

(7) Eu afirmo que nunca viajei para o Japão. O falante está a afirmar que nunca viajou para o Japão, algo que é passível de ser verdadeiro ou falso. No entanto, pode introduzir-se a expressão “por meio desta frase” sem que haja qualquer anomalia.

(7”) Eu afirmo, por meio desta frase, que nunca viajei para o Japão.

O enunciado (7) parece ser ao mesmo tempo performativo e constatativo. Mas se assim é, deixa de haver um critério preciso para distinguir entre os dois tipos de enunciados. E o mesmo ocorre com outros exemplos.

(8) Eu informo que todos os alunos terão 20 valores por decisão do director da faculdade.

(9) Aviso-te que aquele Rottweiler não é alimentado há três dias e está furioso. Mesmo casos como promessas podem apresentar esta ambiguidade.

(2) Prometo que vou deixar de fumar.

O falante de (2), para além de fazer uma promessa, também pode ser compreendido como estando a afirmar que vai deixar de fumar. Esses problemas levam Austin a rejeitar a distinção entre enunciados performativos e constatativos. Estes últimos também serão considerados actos – que, tal como os performativos, também têm de obedecer a certas condições para serem bem-sucedidos.

(7) Eu afirmo que nunca viajei para o Japão.

Ao enunciar (7), o falante realiza o acto de afirmar. Assim, também nesses casos, dizer é fazer. E tanto os performativos como os constatativos podem “falhar” caso as suas enunciações sofram diversos tipos de “infelicidades”.

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Austin abandona então a distinção entre performativos e constatativos e generaliza a sua hipótese rumo ao conceito mais abrangente de actos de fala (speech acts).Segundo Austin, na perspectiva que passa a adoptar, toda enunciação é um acto de fala que, por sua vez, consiste em três actos.

• Acto locutório (locutionary act)

• Acto ilocutório (illocutionary act)

• Acto perlocutório (perlocutionary act)

Segundo Austin, na perspectiva que passa a adoptar, toda enunciação é um acto de fala que, por sua vez, consiste em três actos.

• Acto locutório (locutionary act)

• Acto ilocutório (illocutionary act)

• Acto perlocutório (perlocutionary act)

O conceito de “acto ilocutório” passa a ocupar o papel central. Acto locutório: o que se diz (locução).

(a) Acto fonético: produção de uma sequência de fonemas.

(b) Acto fático: produção de uma sequência de vocábulos estruturados sintacticamente.

© Acto rético: produção de palavras e frases com significação (“sentido” e “referência”).

Acto ilocutório: o que se faz no dizer, de uma forma convencional e de acordo com regras.

Acto perlocutório: o que se faz pelo dizer; efeitos não necessariamente convencionais.Todo enunciado pode ser analisado em dois factores: o seu conteúdo (locutório) e a sua força ilocutória.

Enunciados com o mesmo conteúdo podem ter diferentes forças ilocutórias (isto é, podem ser usados para o desempenho de diferentes actos ilocutórios).(10) Aquele Rottweiler não é alimentado há três dias e está furioso. Este enunciado pode ser usado com diferentes forças ilocutórias: como um aviso, como uma afirmação, como uma ameaça. O mesmo se passa com as frases não declarativas. Pode dizer-se, de resto, que modos como o interrogativo e o imperativo indicam (pelo menos) alguns tipos de actos ilocutórios que podem ser realizados.(11) Vá à biblioteca e traga-me o livro da Margarida Rebelo Pinto.

Este enunciado pode ser usado como uma ordem, um pedido, uma simples requisição. O tipo de acto ilocutório realizado vai depender de aspectos como as intenções e objectivos do falante e do ouvinte, as relações de poder ou autoridade institucional que existem entre eles, etc.E quanto aos actos perlocutórios? Estes dizem respeito aos efeitos produzidos por actos de fala. Enquanto, para Austin, a realização adequada de um acto ilocutório depende da observação de certas convenções, os efeitos perlocutórios de um acto ilocutório não são necessariamente convencionais.

Exemplos de actos perlocutórios: assustar, convencer, persuadir, insultar, distrair, encorajar.

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Note-se que, para todo acto ilocutório, posso introduzir no enunciado original a expressão “por meio desta frase”, produzindo um enunciado com sentido (já que é ao enunciar a frase que realizo o acto). Mas não posso dizer: “Eu, por meio desta frase, o assusto” (ou insulto, convenço, etc.).

Aula 8

- Para John Searle, na sua reformulação e sistematização da teoria dos actos de fala, o acto ilocutório é “a unidade básica da comunicação linguística”.

- Searle: actos ilocutórios são convencionais, desempenhados segundo regras constitutivas. Regras constitutivas têm geralmente a forma “X conta como Y no contexto C”. São constitutivas porque constituem as próprias actividades que regulam. Distinguem-se assim das regras meramente regulativas, que regulam actividades preexistentes.

- Regras regulativas: Numa refeição, a sopa deve ser servida antes do prato principal. Homens devem usar fato e gravata em ocasiões formais. Os carros devem circular pela direita. Regras constitutivas: Os bispos só podem mover-se na diagonal. Um golo é marcado quando um jogador introduz a bola na baliza no decorrer do jogo. [de acordo com outras regras, etc.]Regras constitutivas e actos ilocutórios:

- (1) Eu prometo deixar de fumar. A frase (1) conta como uma promessa de deixar de fumar num determinado contexto – no caso, um contexto em que o falante assume o compromisso de deixar de fumar. Regras regulativas e actos ilocutórios:

- Se o falante de (1) não está a ser sincero, isto não quer dizer que ele não tenha feito uma promessa. Da mesma forma, quem diz uma mentira não deixa de fazer uma afirmação. Donde pode concluir-se que a regra que prescreve a sinceridade do falante é uma regra regulativa. Quando uma regra regulativa é mal aplicada, o acto (ou mais geralmente a actividade) em questão não deixa de ser realizado (p.ex., prometer, comer, conduzir, etc.).

- Quando uma regra constitutiva é mal aplicada, o acto (ou mais geralmente a actividade) não érealizado (p.ex., “mover” um bispo sem ser na diagonal, “marcar” um golo sem introduzir a bola na baliza, “prometer” deixar de fazer algo que não se fazia, etc.).Falhas de regras constitutivas de actos ilocutórios:

- (2) Declaro-vos marido e mulher, dito por um indivíduo que não está autorizado a fazê-lo, ou numa cerimónia que não corresponde ao que é estipulado como uma cerimónia apropriada. Falhas de regras regulativas de actos ilocutórios:

- Quando a frase (2) é enunciada por um indivíduo que está autorizado a fazê-lo, numa cerimónia que corresponde ao que é estipulado como uma cerimónia apropriada, efectivamente o homem e a mulher a quem o falante se dirige tornam-se marido e mulher.

- Se o homem e a mulher apenas se casam por conveniência, viola-se uma regra regulativa do casamento: a de que os votos feitos pelo casal devem ser sinceros. Mas não deixa de haver casamento por causa disso.

- Crítica à distinção de Austin entre tipos de actos: Searle critica a distinção de Austin entre acto locutório e ilocutório, especialmente no que diz respeito ao acto rético (produção de palavras e frases com significação). Segundo Searle, a especificação da significação das frases inclui já elementos ilocutórios. Propõe então uma nova distinção, entre actos proposicionais (os actos de expressar proposições) e actos

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ilocutórios. Importante: expressar uma proposição (realizar um acto proposicional) não é necessariamente o mesmo que afirmar uma proposição. Nos exemplos abaixo, as frases expressam a mesma proposição (que João vai à festa):

(3) João vai a festa. (4) João vai à festa? (5) João, vai à festa!

- Todas realizam o mesmo acto proposicional. Mas apenas a primeira afirma a proposição expressa – ou seja, tem a força ilocutória de uma afirmação. Enunciados com o mesmo conteúdo proposicional podem ter diferentes forças ilocutórias (a ideia de força ilocutória já está presente em Austin).

- Ao introduzir o conceito de “acto proposicional”, Searle pretende tornar mais precisa a distinção entre força (ilocutória) e conteúdo (proposicional).Críticas à teoria dos actos de fala:

L. Jonathan Cohen: Qual a condição de verdade da seguinte frase?

(6) Eu afirmo que nunca fui ao Japão.

- A expressão “Eu afirmo que” parece servir apenas como um indicador de força ilocutória através do qual o falante expressa o seu compromisso com a verdade da frase “Eu nunca fui ao Japão”. Assim, a frase (6) é verdadeira se o falante nunca foi ao Japão, e falsa se o falante já foi ao Japão. Haveria assim uma distinção entre o conteúdo locutório de (6) (“o falante nunca foi ao Japão”) e a força ilocutória da afirmação, que é apenas tornada explícita pela expressão “Eu afirmo que”. Esta expressão seria um marcador de força ilocutória. Mas Cohen argumenta que expressões como “Eu afirmo que”, “Eu aviso-te que”, etc., não podem ser simples marcadores de força ilocutória sem contributo para o significado das frases em que estão inseridas, pois essas expressões têm significado. Isto torna-se evidente quando são objectos de relatos.

Exemplo: Maria diz a Pedro

(7) Aviso-te que aquele Rottweiler não é alimentado há três dias e está furioso.

Se Natasha ouviu o que Maria disse, pode então dizer

(8) Maria avisou Pedro que aquele Rottweiler não é alimentado há três dias e está furioso. A frase (8) é verdadeira se, e só se, Maria avisou Pedro que aquele Rottweiler não é alimentado há três dias e está furioso.

Como então a expressão “Eu aviso-te que”, na frase (7) não contribui para a condição de verdade da frase?

- Cohen indica ainda que expressões que aparentemente apenas explicitam a força ilocutória podem ter estruturas bastante ricas. Podem, por exemplo, ser modificadas por advérbios e outras expressões.(9) Eu admito livremente que tive várias conversas com o réu.

(10) Eu admito com relutância que tive várias conversas com o réu.

(11) Eu admito com grande alegria e prazer que tive várias conversas com o réu.

(12) Porque o meu objectivo é dizer a verdade, eu admito que tive várias conversas com o réu.

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(13) Consciente de que há um Deus justo no Paraíso que pune aqueles que omitem informações aos tribunais, e receoso de arder nas labaredas do Inferno, eu admito que tive várias conversas com o réu.A distinção entre o conteúdo locutório e os marcadores explícitos de força locutória (que não contribuiriam para aquele conteúdo) tornar-se cada vez menos defensável à medida que avançamos da frase (9) até à frase (13). Os supostos “marcadores de força ilocutória” passam a ter estruturas cada vez mais complexas. Assim, alguém que ouça a frase (13) pode perfeitamente relatar que o falante expressou uma determinada concepção teológica.Mas se os supostos marcadores de força ilocutória também contribuem para o conteúdo das frases em que estão inseridos, então regressa o problema de frases como

(6) Eu afirmo que nunca fui ao Japão.

Pois neste caso, a frase (6) seria sempre verdadeira.Uma possível solução (proposta por Cresswell e Bach & Harnish): nos casos em discussão, para além de realizar actos de fala, os falantes descrevem-se a si próprios ao realizá-los. O falante de (14), para além de dar uma ordem ao seu interlocutor, descreve-se a si próprio a dar esta ordem.

(14) Eu ordeno-te que incineres os teus hamsters.Não haveria, assim, um único acto de fala produzido num enunciado, mas uma hierarquia de actos. No caso da frase (14), o acto principal seria o de dar uma ordem. Uma ordem não tem condições de verdade. Mas o acto secundário – o do falante ao descrever-se como dando uma ordem – tem condições de verdade.Como o falante está efectivamente a dar umaordem, o acto secundário seria trivialmente verdadeiro.Considere-se novamente o caso de

(6) Eu afirmo que nunca fui ao Japão. O acto de fala principal é a afirmação de que o falante nunca foi ao Japão. Já o acto de fala secundário é a descrição que o falante faz de si próprio como afirmando nunca ter ido ao Japão.

A primeira afirmação pode ser verdadeira ou falsa, enquanto a segunda é trivialmente verdadeira.No caso de (13) Consciente de que há um Deus justo no Paraíso que pune aqueles que omitem informações aos tribunais, e receoso de arder nas labaredas do Inferno, eu admito que tive várias conversas com o réu, parece não haver apenas um acto de fala principal e um acto de fala secundário. Pois o falante também está a afirmar que há um Deus justo no Paraíso, e a afirmar que receia arder nas labaredas do Inferno (além de admitir que teve várias conversas com o réu).Para superar os problemas da distinção entre força ilocutória (explícita) e conteúdo locutório, uma teoria dos actos de fala terá de dar conta da pluralidade de actos que podem ser realizados na enunciação de uma única frase.

Aula 9 - Grice e a conversação

Constatação intuitiva: Muitas vezes, o que um falante quer dizer vai além daquilo que ele diz.

O que um falante quer dizer para além daquilo que diz é o que ele “sugere”, “indica”, “insinua”, etc.O que é “sugerido”, “indicado”, “insinuado”, etc. é identificado pelo ouvinte/leitor, não através da descodificação do significado linguístico, mas através de inferências.

A mesma frase pode “sugerir”, “indicar”, “insinuar”, etc., coisas diferentes em contextos diferentes:

A: Queres um café?

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B: Bem, o café não me deixa dormir. Grice propõe o termo implicatura (implicature) para caracterizar o que é “sugerido”, “indicado”, “insinuado”, etc.

Uma implicatura é um tipo de implicação distinto da implicação lógica. Numa relação de implicação lógica entre um conjunto de frases Φ e uma frase X, a verdade de Φ implica a verdade de X (ou, se Φ é verdadeiro, X tem de ser verdadeira).

(1) Cristiano Ronaldo custou 93 milhões de eurose Kaká custou 63 milhões de euros.

(2) Cristiano Ronaldo custou 93 milhões de euros.

A frase (1) implica logicamente a frase (2). Se (1) é verdadeira, (2) tem de ser verdadeira.(3) Ou o Pedro foi à praia, ou ficou em casa a estudar.

(4) O Pedro não foi à praia.

(5) O Pedro ficou em casa a estudar.

- As frases (3) e (4) implicam logicamente a frase (5). Se (3) e (4) são verdadeiras, (5) tem de ser verdadeira.(6) O café não me deixa dormir. (7) Eu quero um café. A frase (6) não implica logicamente a frase (7). A frase (6) pode ser verdadeira e (7) falsa. P.ex., o falante de (6) pode sugerir, dependendo do contexto, que não quer um café. A relação entre (6) e (7), num determinado contexto, é uma relação de implicatura. A frase (7) pode ser uma implicatura de (6).As implicações lógicas não são canceláveis: se se aceita a verdade de (3) e (4), deve aceitar-se a verdade de (5), sob pena de incoerência.

- As implicaturas (conversacionais) são canceláveis: o falante de (6) sempre pode negar, sem contradição, que pretendia sugerir o que é expresso em (7).As implicaturas são contrastadas por Grice com “o que é dito” (what is said). Em geral, é a partir da identificação do que é dito que se inferem as implicaturas.

- O que é dito e a(s) implicatura(s) (caso haja implicaturas) constituem a significação total de uma elocução, no sentido de “significado nãonatural” de Grice. Ou seja, o que é dito e a(s) implicatura(s) (caso haja implicaturas) constituem o que é comunicado.De acordo com a teoria da significação de Grice, não é necessário que o “significado nãonatural” seja convencional. Certos gestos, por exemplo, podem “significar não-naturalmente” sem serem por isso convencionais.Da mesma forma, embora “o que é dito” esteja ligado ao significado “convencionalmente” atribuído a uma frase, a grande maioria das implicaturas é de natureza não convencional.

A: Sabes a que horas chega o Pedro?

B: Estou a ver um BMW cor-de-rosa estacionado mesmo aqui em frente.Para Grice, a significação total de uma elocução (nota: de uma elocução, não de uma frase) envolve tanto o que é dito como as eventuais implicaturas. Assim, e tendo em conta o papel das intenções na significação e na comunicação, conclui-se que as implicaturas são intencionais, assim como “o que é dito”.

Ou seja, uma conclusão a que a audiência chegue através de inferência, mas que não tenha sido intencionada pelo comunicador, não conta como uma implicatura.”O que é dito”, para Grice, obviamente também é intencional. E está ligado ao significado “convencionalmente” atribuído a uma frase, mas não se identifica necessariamente com ele – porque, segundo Grice, há implicaturas convencionais.(8) Ela é

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inteligente, mas pobre. O falante diz que uma determinada pessoa do sexo feminino é inteligente e pobre; e implica convencionalmente (através do significado de “mas”) que há um contraste entre o facto de ser inteligente e o facto de ser pobre.”O que é dito”, para Grice, parece ser, em linhas gerais, e no caso das frases declarativas, o seu conteúdo verocondicional, ou seja, as suas condições de verdade – a informação sobre o que seria o caso se as frases fossem verdadeiras.

(9) Ela é pobre e honesta.

(10) Ela é pobre mas honesta.

As frases (9) e (10) têm as mesmas condições de verdade (uma conjunção é verdadeira se, e só se, cada uma das expressões é verdadeira).”O que é dito” (no sentido de Grice) pelas elocuções das frases (9) e (10) é o mesmo. Mas a frase (9) implica (convencionalmente) um contraste – contraste que não interfere nas condições de verdade. As implicaturas convencionais são em número reduzido. Na sua grande maioria, as implicaturas não são convencionais. E entre estas, as que interessam Grice são as implicaturas conversacionais.De acordo com Grice, a conversação obedece a princípios gerais da acção racional em situações de cooperação. Donde, a formulação do “Princípio Cooperativo”: PC: Dê a sua contribuição conversacional tal como requerida, na altura em que ocorre, pelo propósito ou direcção aceite da troca verbal na qual você está envolvido. Para além do PC, supõe-se que os participantes numa conversação respeitem um conjunto de “máximas”. Máximas da Quantidade

• Faça com que a sua contribuição seja tão informativa quanto o requerido (pelospropósitos correntes da conversação).

• Não faça a sua contribuição mais informativa que o requerido.

Máximas da Qualidade - Tente fazer com que a sua contribuição seja verdadeira. Não diga aquilo que acredita ser falso. Não diga aquilo para o que não tem evidência suficiente.

Máxima da Relação - Seja relevante.

Máximas de Modo - Seja claro. Evite obscuridade de expressão. Evite a ambiguidade. Seja breve. Seja ordenado.

O PC e as máximas orientam as expectativas dos participantes numa situação de comunicação verbal. E mesmo no caso em que as máximas aparentemente são violadas, presume-se que pelo menos o PC é respeitado. Isto faz com que a audiência procure identificar as implicaturas conversacionais intencionadas pelo comunicador. Pode-se gerar implicaturas sem violar as máximas. Mas também se pode fazê-lo ao violar ostensivamente as máximas (ou seja, a “explorar” as máximas).Implicaturas conversacionais particularizadas (dependentes do contexto de comunicação). Exemplos (em casos de violação ostensiva de pelo menos uma das máximas):

Numa carta de recomendação para um emprego como professor de Filosofia, o “apoiante” do candidato escreve: “O João é muito pontual, asseado e tem uma letra muito bonita. Atenciosamente, etc.”Numa crítica de um espectáculo musical: “O cantor emitiu uma sequência de sons semelhante àcanção Grândola Vila Morena”.Exemplo de uma implicatura conversacional em que não há violação das máximas:

A: Estou sem gasolina.

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B: Há uma bomba ao virar da esquina. Implicaturas conversacionais generalizadas (não dependem do contexto): O António vai ter com uma mulher esta noite.

(Implicatura: a mulher não é sua mãe, irmã, namorada,etc.)

O Pedro tem três filhos.

(Implicatura: o Pedro não tem mais de três filhos)

O Sporting marcou quatro golos.

(Implicatura: O Sporting não marcou mais de quatro golos)

Alguns alunos foram reprovados.

(Implicatura: nem todos os alunos foram reprovados) Alguns critérios para a identificação de implicaturas conversacionais: Podem ser canceladas (é possível negar o que é implicado, sem contradição).

• São “não destacáveis” (à excepção das implicaturas que exploram as máximas de modo).

• São calculáveis (é possível reconstruir um raciocínio que conduz do “que é dito” para a implicatura).

A Teoria da Relevância - Aula 10

Crítica ao “modelo do código” (a comunicação seria o processo de codificação/descodificação de mensagens).

Para além do modelo do código: a comunicação ostensivo-inferencial. Factos manifestos, informação e comunicação: Um facto é manifesto para um indivíduo num determinado momento se e somente se ele(a) é capaz, neste momento, de representá-lo mentalmente e aceitá-lo como verdadeiro ou provavelmente verdadeiro. Um facto pode ser manifesto sem ser conhecido ou sequer suposto. Basta apenas que o indivíduo seja capaz de representá-lo, com base nos estímulos que recebe do ambiente ou na informação de que dispõe na memória. “Ser manifesto” é uma questão de grau: a cada momento, certos factos são mais fortemente manifestos que outros.Ex.: Cavaco Silva nunca jogou matraquilhos com Álvaro CunhalIntenção informativa: o comunicador pretende tornar manifesto (ou mais manifesto) para a audiência um conjunto de informações. Intenção comunicativa: tornar mutuamente manifesto para comunicador e audiência que o comunicador tem uma intenção informativa. Comunicação ostensivo-inferencial: O comunicador produz um estímulo que torna mutuamente manifesto para comunicador e

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audiência que o comunicador pretende, por meio deste estímulo, tornar manifesto ou mais manifesto para a audiência um conjunto de informações .A Teoria da Relevância tem como ponto de partida uma releitura do projecto de Grice com base nas Ciências Cognitivas.

De acordo com a TR, a comunicação não envolve um Princípio Cooperativo e máximas, mas os

Princípios Cognitivos e Comunicativos da Relevância, de natureza cognitiva (distintos, portanto, da Máxima de Relação proposta por Grice).A relevância de uma informação, neste sentido técnico, é uma função de efeitos cognitivos e do esforço dispendido para processá-los. Os efeitos cognitivos de uma determinada informação podem ser o reforço ou o enfraquecimento de crenças, ou mesmo a sua revisão.

Uma informação será tanto mais relevante quanto maiores forem os seus efeitos cognitivos e menor o esforço de processamento.Princípio Cognitivo da Relevância: a cognição humana é dirigida para a maximização da relevância das informações. Princípio Comunicativo da Relevância: todo acto de comunicação comunica a presunção da sua relevância óptima – é suficientemente relevante para atrair a atenção do interlocutor. A geração de implicaturas realiza-se com base nesses princípios, e não num Princípio Cooperativo e máximas griceanas.Exemplo: muitas vezes dizemos o que sabemos não ser verdadeiro, sem que com isto estejamos a violar as máximas da qualidade (e não somos interpretados como estando a violar estas máximas).

(6) Eu vivo em Lisboa. Esta frase, dita por uma pessoa que vive em Algés, é literalmente falsa. No entanto, pode ser a mais apropriada em determinadas circunstâncias. E nestas circunstâncias, o falante não é interpretado como dizendo uma falsidade.Segundo a TR, as nossas expectativas deveracidade, informatividade, etc., resultam de processos cognitivos dirigidos para a maximização da relevância (no sentido técnico que a teoria dá a este termo). Não se pode “violar” os Princípios da Relevância. Eles descrevem processos que operam de forma automática e subconsciente. Outra importante diferença da TR em relação a Grice diz respeito a distinção entre “o que é dito” e as implicaturas.

Para a TR, “o que é dito” no sentido de Grice não é suficiente para especificar a proposição que se quer comunicar. Factores como identificação de referentes, resolução de ambiguidades, etc., exigem o acesso a informação que não é de natureza semântica, mas pragmática, e que obedece aos Princípios da Relevância. Assim, em vez de uma distinção entre “o que é dito” e implicaturas, a TR propõe uma distinção entre explicaturas e implicaturas.

Uma explicatura é o resultado da “saturação” ou do “enriquecimento” pragmático de uma forma linguística para que se chegue à expressão de uma proposição. A saturação é o procedimento (pragmático) necessário para que uma certa forma linguística expresse uma proposição. O enriquecimento é o procedimento (pragmático) necessário para que uma frase que já expressa uma proposição seja interpretada de uma forma adequada. Saturação:

(7) Estou pronto. [para fazer o quê?]

(8) Este caminho é mais curto. [do que qual outro caminho?]

(9) O Pedro é suficientemente forte. [para quê?] Enriquecimento:

(10) Eu tomei o pequeno-almoço. [hoje]

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(11) Vai levar algum tempo até lá chegarmos. [mais tempo do que seria de esperar]

(12) Está a chover. [num determinado local]Comunicação (verbal): modelo do código + modelo ostensivo-inferencial na interpretação dos enunciados

Sons Significados Pensamentos

Descodificação InferênciasComunicação (verbal): modelo do código + modelo inferencial na interpretação dos enunciados A comunicação ostensivo-inferencial é autónoma (p.ex., comunicação não-verbal) A comunicação por codificação/descodificação não é autónoma; é subordinada à comunicação ostensivo-inferencial (p.ex., comunicação verbal) As mensagens descodificadas são utilizadas como evidências das intenções do comunicador, que serão identificadas no termo de um processo inferencial não-demonstrativo.

Comunicação e instituições – Aula 11

Searle: dos factos sociais aos factos institucionais

• Imposição de funções, Intencionalidade colectiva, Regras constitutivasComunicação e instituições

Algumas características dos factos sociais

(1) Muitos conceitos sociais são auto-referenciais. Para que o conceito “dinheiro” se aplique ao que eu tenho no meu bolso, tem de ser aquilo que as pessoas pensam que é dinheiro.

A própria definição da palavra “dinheiro” é auto-referencial: para que algo seja dinheiro, tem-se de acreditar ou usar aquilo como dinheiro. A definição do conceito faz referência ao próprio conceito.

Se toda a gente acredita que algo é dinheiro, e usa-o como dinheiro, então é dinheiro. Se ninguém acredita que algo é dinheiro e não o usa como dinheiro, então não é dinheiro.

O mesmo se aplica a outras instituições como eleições, propriedade privada, guerras, promessas, casamentos, etc.Comunicação e instituições Distinção entre tipo e ocorrência: uma nota de 5 euros é uma ocorrência (token) de um tipo (type). Ela vale 5 euros mesmo que nunca seja usada Se uma nota é falsa, mesmo que as pessoas julguem que é verdadeira, estão a cometer um erro. Mas o tipo de coisa que é dinheiro é constituído pelo facto de as pessoas acreditarem que é dinheiro.

Diferença entre factos físicos e factos sociais:

• O que faz com que algo seja uma montanha não depende de as pessoas acreditarem que é uma montanha

• O que faz com que algo seja dinheiro depende de as pessoas acreditarem que seja dinheiro.

(2) Enunciados performativos criam factos institucionais

Searle: enunciados performativos são um tipo de actos ilocutórios: “declarações”

• “Declaro aberta a sessão”

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• Ao dizer isto, o falante (se está autorizado, etc.), efectivamente dá início à sessãoComunicação e instituições

(3) Prioridade lógica dos factos brutos sobre os factos institucionais

Factos institucionais têm de ser realizados fisicamente de alguma forma (mesmo que seja através de circuitos electrónicos, p.ex., transacções financeiras)

(4) Há relações sistemáticas entre factos institucionais

• Dinheiro → sistema de trocas, propriedade

• Casamento → contratos → promessas e obrigações

Relações entre factos institucionais numa mesma situação: Num restaurante, um indivíduo pode ser simultaneamente um cliente, um cidadão, um proprietário (de dinheiro), um contribuinte, etc. E está num restaurante, a falar com um empregado de mesa, pagar uma conta, etc.

(5) Prioridade dos actos sociais sobre objectos sociais

• Objectos sociais são sempre constituídos por actos sociais

• Um objecto social é apenas a possibilidade contínua de um acto social.

(6) Muitos factos institucionais têm uma componente linguística

• Apenas seres com um sistema de representação linguística podem criar factos institucionais

• O elemento linguístico é parcialmente constitutivo do facto social.

Exemplo: “rainhas” e “escravos” em colónias de formigas. Para uma comunidade ter literalmente rainhas ou escravos, os membros da comunidade têm de ser capazes de representá-los como rainhas ou escravos; além disso, tem de haver um sistema de crenças, atitudes, etc., que parecem exigir um sistema de representação como a linguagemComunicação e instituições. Da intencionalidade colectiva aos factos institucionais: Formas simples de comportamento colectivo. Exemplo: comportamento colectivo de outras espécies.

Hienas a caçar um leão / Assembleia da Republica a aprovar legislação: factos sociais

Assembleia da República a aprovar legislação: facto institucional

Imposição colectiva de funções a objectos, em que a função só pode ser desempenhada através da actividade colectiva de seres humanos.

Outras espécies podem impor funções a objectos (por exemplo, uso de instrumentos) “O corte verdadeiramente radical com outras formas de vida surge quando os seres humanos, através da intencionalidade colectiva, impõem funções a fenómenos em que a função não pode ser satisfeita apenas em virtude da física e da química, mas requer cooperação humana continuada em formas específicas de reconhecimento e aceitação de um novo estatuto ao qual uma função é atribuída”.

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Funções de estatuto: aplicadas a estatutos reconhecidos colectivamente

Exemplo: diferença entre uma barreira natural e uma linha de fronteira

Regras constitutivas: X conta como Y no contexto C

Exemplo: evolução do dinheiro

• Regras constitutivas: o termo Y atribui um novo estatuto ao objecto que satisfaz o termo X

• Tem de haver um acordo colectivo, ou ao menos a aceitação colectiva, tanto da imposição do estatuto quanto da função que lhe é associada. Isto tem de ocorrer porque as características físicas do objecto designado pelo termo X são insuficientes, por si próprias, para garantir o desempenho da função especificada pelo termo Y. A criação e a manutenção de factos institucionais não têm de ser algo consciente e podem mesmo basear-se em crenças erradas. Se o objecto X continua a ser reconhecido como tendo a função de estatuto Y, o facto institucional mantém-se.

Habermas e a racionalidade comunicativa - Aula 12

“A nossa primeira frase já expressa inequivocamente a intenção de um consenso universal”

A possibilidade de comunicação ideal é inerente à própria linguagem, já que todo acto de fala envolve, implicitamente ou explicitamente, uma pretensão de validade que pode ser trazida à luz e discutida.

“Situação de fala ideal”: as pretensões de validade dos enunciados são avaliadas apenas com base em argumentos. A “vitória do melhor argumento” (quando ocorre) e o correspondente processo de obtenção de consensos baseiam-se exclusivamente nos ditames da racionalidade comunicativa, através das razões oferecidas livremente pelos participantes – e não a factores extrínsecos como o poder, a influência, a (ameaça de) violência, etc., assim como às patologias decorrentes das situações de “comunicação sistematicamente distorcida”.

Obviamente, a “situação de fala ideal” está longe de se verificar na prática; constitui antes uma “ideia reguladora”, mas que é imanente ao próprio discurso.

Habermas propõe uma “Pragmática Universal” a partir de uma reinterpretação da teoria dos actos de fala de Austin e Searle. Nesta reinterpretação, o acto ilocutório, para ser bem sucedido, envolve o entendimento entre os participantes da situação de comunicação; já o acto perlocutório normalmente situa-se no domínio da acção estratégica (instrumental). De acordo com Habermas, a linguagem desempenha três funções pragmáticas, de acordo com as pretensões de validade inerentes a diferentes tipos de enunciados Habermas e a racionalidade comunicativa.

Pretensões de validade:

1. Verdade (afirmação – ou pressuposição – de que algo é o caso; aspectos “objectivos” do discurso)

2. Correcção ou justeza (carácter normativo das relações interpessoais; “intersubjectividade”)

3. Sinceridade ou veracidade (expressão das experiências, sentimentos, crenças, etc.; aspectos “subjectivos” do discurso)

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O objectivo da “Pragmática Universal” é estudar os aspectos formais (“universais”) do discurso na medida em que envolvem o apelo a pretensões de validade por parte dos falantes.

A “Pragmática Universal” vai conduzir às investigações sobre a racionalidade da comunicação (e os desvios em relação a essa racionalidade) tal como expostas por Habermas na sua teoria da acção comunicativa.

Habermas propõe um esquema formal para classificar as relações entre os domínios “subjectivo”, “objectivo” e “intersubjectivo”, com base nos correspondentes aspectos da realidade, modos de comunicação, atitudes básicas, pretensões de validade e “funções” do discurso.

Toda a acção e todo o discurso (que é uma forma de acção) pressupõem um “fundo” tácito e partilhado, constituído pelo mundo da vida (Lifeworld, Lebenswelt). Na medida em que aspectos do mundo da vida são tornados explícitos, podem ser objecto de debate. A “racionalização” do mundo da vida pelo processo de modernização tem duas faces: uma face “instrumental” e uma face “comunicativa”. É a segunda que contém a promessa de um projecto de “emancipação”Habermas e a racionalidade comunicativa.

Racionalidade instrumental vs. racionalidade comunicativa

• Racionalidade instrumental: relação meios-fins orientada para o sucesso. Critério: eficácia.

• Racionalidade comunicativa: orientada para o entendimento (compreensão)Habermas e a racionalidade comunicativa.

A racionalidade instrumental, por sua vez, está subjacente a dois tipos de acção:

• A acção instrumental (não-social) envolve a relação entre o ser humano e o “mundo exterior”

• A acção estratégica (social), envolve igualmente a relação entre o ser humano e o “mundo exterior”, mas onde se deve levar em conta o comportamento de outros “actores”

A acção comunicativa é, por definição, social.

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Continuação da abordagem do tema Habermas e a racionalidade comunicativa - Aula 13

A colonização do mundo da vida: racionalidade comunicativa vs. Racionalidade instrumental

“Nós compreendemos um acto de fala quando sabemos o que o torna aceitável. Da perspectiva do falante, as condições de aceitabilidade são idênticas às condições do seu sucesso ilocutório. A aceitabilidade não é aqui definida num sentido objectivista, mas na atitude performativa de um participante na comunicação”

Atitude performativa: entendimento mútuo, em que o destinatário é capaz de compreender as razões que o falante para as suas pretensões de validade e compreender por que elas podem ser boas razões.

Estamos sempre situados no “fundo” consensual implícito do mundo da vida, que só pode ser reproduzido através da acção comunicativa, e não pela acção instrumental/estratégica. Se as pretensões de validade de um enunciado são contestadas, elas podem ser explicitadas e tornar-se objectos de processos argumentativos. Com isto, os interlocutores situam-se num contexto que vai além de um contexto particular do mundo da vida (onde as pretensões de validade são avançadas implicitamente).

Habermas e o aparente paradoxo das sociedades modernas:

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• A modernidade pode ser descrita como um incremento da racionalidade. A racionalização reduz a vida a uma questão de eficácia, e portanto aparece como uma perda.

Solução proposta por Habermas: distinção entre racionalidade e acção comunicativa e racionalidade e acção instrumental/estratégicaHabermas e a racionalidade comunicativa. A modernidade como racionalização seria então explicada através da distinção entre mundo da vida e sistema. O mundo da vida é reproduzido através da acção comunicativa. Os seus pressupostos implícitos podem ser questionados em situações pontuais, mas não como um todo.

Três componentes estruturais do mundo da vida:

• Cultura (reprodução cultural)

• Sociedade (integração social)

• Personalidade (socialização)

Modernidade como dois processos de diferenciação:

(1) Diferenciação interna do mundo da vida entre esferas institucionais da cultura, sociedade e personalidade.

Os papéis sociais podem a ser objecto de negociação: os indivíduos já não são destinados a desempenhar certos papéis. As normas tendem a tornar-se formalizadas e universalizadas. O processo de racionalização do mundo da vida através da sua diferenciação interna tem um potencial emancipatório: os actores sociais não necessitam regressar sempre às convenções (normas e tradições), mas podem submetê-las à crítica racional.

(2) Diferenciação entre mundo da vida e sistemas Integração social: os sistemas não são socialmente integrados através da linguagem e da acção comunicativa, mas através de meios não-linguísticos. Os mais importantes sistemas são o mercado e o Estado, integrados respectivamente através dos meios do dinheiro e do poder. Nos sistemas a coordenação da acção é feita de acordo com as suas consequências, de uma forma impessoal. Sistemas: muito mais eficientes que o mundo da vida e a acção comunicativa para a reprodução material da sociedade; a sua racionalidade é de natureza instrumental/estratégica. Para a reprodução das complexas sociedades modernas, tanto o mundo da vida como os sistemas são necessários.

Problema: a colonização do mundo da vida pelos sistemas.

“Patologia” social: sistemas orientados pela racionalidade instrumental/estratégica passam a orientar aspectos do mundo da vida, afastando-os da acção e da racionalidade comunicativa. Um crescente número de domínios do mundo da vida passa a ser reproduzido pelos imperativos sistémicos. A orientação rumo ao entendimento passa a ser substituída pela orientação rumo à eficácia.

Consequências da colonização do mundo da vida pelos sistemas

• Cultura: perda de significado; colapso da reprodução cultural

• Sociedade: anomia; colapso das normas sociais e da integração social

• Personalidade: psicopatologias no contexto da socializaçãoFilosofia da Comunicação - Ano Lectivo de 2014/2015 – Mauro Gomes

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Colonização: afecta a vida social “pós-tradicional”, em que o mundo da vida é racionalizado

A racionalização do mundo da vida através da racionalidade comunicativa (explicitação e questionamento das pretensões de validade implícitas, e apresentação de razões através de argumentos) é considerada por Habermas um fenómeno positivo.

O que é negativo é a racionalização do mundo vida pela racionalidade instrumental/estratégica.

Comunicação, espaço e tempo - Aula 14

• Interacção em co-presença física: situada no espaço e no tempo

• Espaço e tempo intimamente ligados.

Comunicação à distância: até meados do século XIX, na grande maioria dos casos a velocidade da comunicação era a mesma que a dos meios de transporte. Telégrafo: comunicação “liberta-se” dos meios de transporte. Relógio mecânico: mosteiros medievais (séculos XIII e XIV). Antes das tecnologias de medição do tempo e de comunicação à distância o “quando” estava quase sempre ligado ao “onde” A “duração” é o tempo vivido: impreciso e variável. Relógio mecânico: tempo abstracto, “vazio”; uso progressivamente generalizado. Uniformização da medida do tempo + uniformização da organização social do tempo: ligadas ao processo de modernização. Até a segunda metade do século XIX, o tempo ainda era predominantemente “local”

Fusos horários: a partir do final do século XIX

“Esvaziamento do tempo”: pré-condição para o “esvaziamento do espaço”, Separação do espaço e do local. Local: cenário físico da actividade social situada geograficamente; presença Sociedades pré-modernas: espaço e locais quase sempre coincidentes.

Modernidade: relações com “ausentes”, distantes das situações de interacção face-a-face. Espaço torna-se “fantasmagórico”: penetrado e moldado por influências sociais distantes. Separação do espaço e do local: uniformização de medidas do espaço, Representação do espaço sem referência a um local ou uma perspectiva privilegiada; Unidades espaciais substituíveis. Mapas universais: espaço “independente” de qualquer local ou região.

Espaço e tempo abstractos e separados são então recombinados de diversas formas. Exemplo: jornais, media electrónicos.

Postman: a ideia de “notícias do dia” só surge a partir dos telégrafos e posteriores meios de comunicação à distância Informação descontextualizada e recontextualizada.

Meyrowitz: situações de comunicação como “sistemas de informação”. Sistemas de informação estabelecem padrões de fluxos de informação. Acesso a acontecimentos e comportamentos distantes afecta os comportamentos. Cenários físicos e cenários mediáticos são parte de um continuum, mais do que de uma dicotomia. Os locais criam um tipo de sistema de informação – o encontro em plena co-presença –, mas há muitos outros tipos de situações comunicativas.

Os media electrónicos tendem a reduzir a diferença entre situações de plena co-presença e situações mediadas.

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A fala, os gestos e a aparência de outras pessoas são acessíveis sem que se esteja a partilhar o mesmo local

O uso generalizado dos media electrónicos conduz a novos tipos de situações sociais

Comunicação e esfera pública – Aula 15

Habermas: esfera pública burguesa surge a partir do século XVII com a progressiva implantação do capitalismo na Europa ocidental.

Esfera privada versus esfera pública

Esfera privada:

• Família (esfera da intimidade)

• MercadoComunicação e esfera pública

Esfera pública burguesa: em oposição à esfera privada e ao Estado. Uso público da razão por cidadãos activos que se consideram a fonte da legitimidade política dos governos

Para Habermas, a esfera pública burguesa não pode ser reduzida à sua base de classe, porque contém uma pretensão de validade universal. Mesmo os grupos e indivíduos excluídos da esfera pública podem invocar os seus ideais na luta pela inclusão num espaço de debate.

• Desenvolvimento do capitalismo; Necessidade de regulação; Uniformidade nas leis e na fiscalidade; Emergência do Estado-nação; Divisão entre a esfera económica e a esfera íntima; Necessidade de informação fiável: mercado e Estado;

Esfera pública:

Distinta da esfera da intimidade, da esfera da produção e das necessidades, e do Estado. Associada à burguesia, mas com a promessa de inclusão universal Iluminismo: Sapere aude. Esfera pública literária. Literatura como “espelho” da burguesia mas dirigida ao público em geral (livros baratos, graças às técnicas de impressão); Literatura como objecto de debate; Desenvolvimento de um público crítico; Debate expande-se para áreas como a legislação, a política e o governo. Cafés e salons: locais de encontro da burguesia para a discussão e debate. Importância dos materiais impressos (jornais, livros, etc.)

Bases institucionais da esfera pública. A esfera pública não elimina as diferenças e desigualdades, mas elas são consideradas irrelevantes para o livre debate crítico Os diferentes interesses também são considerados irrelevantes: uso “desinteressado” da razão; força da argumentação. O uso público da razão pode ser aplicado a todas as áreas da sociedade.

Embora a esfera pública concreta se baseasse em exclusões, ela não era constituída por elas

Esfera pública: em princípio, inclusiva Outros grupos podem aceder a ela, porque o critério essencial de pertença à esfera pública é formal: a capacidade de uso livre e crítico da razão (“ficção”)Comunicação e esfera pública.

Tensão na esfera pública: Exclusivismo e distorção nos casos concretos; Promessa de igualdade e inclusão universal; Burguês x homem (cidadão)

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Os ideais da esfera pública nunca foram realizados na prática – em particular, a ideia de autonomia e independência (em relação à esfera privada, à esfera íntima e ao Estado).

Tensão entre burguês e cidadão na autocompreensão dos integrantes da esfera pública. Séc. XIX: cada vez mais grupos sociais adquirem direitos políticos e ganham acesso à esfera pública. Impossibilidade de continuar a ignorar as desigualdades e injustiças sociais: intervenção do Estado; origens do Estado-providência. Colapso da distinção entre Estado e sociedade civil. Organizações privadas assumem posições de poder público; Estado penetra a esfera privada.

Esfera pública (a partir do séc. XIX): debate sobre interesses e como satisfazê-los. Do debate racional-crítico à negociação de interesses; Do uso universal e desinteressado da razão (ainda que “fictício”) aos interesses particulares; Fragmentação e desintegração da esfera pública; Debate crítico-racional tende a ser substituído pelo consumo.

• Comunicação política tende a transformar-se em actos de recepção individual (potencialmente uniforme); Consumo individualizado, tanto no acto de consumir quanto na sua justificação; Publicidade: dirige-se a uma “massa” de consumidores atomizados que não comunicam entre si.

“Refeudalização” da esfera pública: adquire características semelhantes à da esfera pública medieval. Produtores de informação e opinião passam a ser distintos dos consumidores de informação e opinião.

• Partidos políticos de “massa”: burocratizados e hierarquizados; torna-se cada vez mais difícil influenciá-los a partir da sociedade; Elites políticas nos partidos, governos, organizações e empresas tentam – e muitas vezes conseguem – manipular a esfera pública; Esfera pública torna-se objecto de gestão; Papel dos cidadãos reduzido à aclamação: nas eleições, no consumo ou com o telecomando.

Não é possível, porém, regressar à esfera pública do século XVIII.

Habermas propõe uma saída: associações e instituições democráticas que se controlem mutuamente e passem a promover o debate racional-crítico, constituindo assim as bases de uma nova esfera pública.

Críticas à teoria de Habermas

(1)Idealização excessiva da esfera pública burguesa. A imprensa também publicava material que dificilmente estimularia o debate racional-crítico. A esfera pública burguesa era patriarcal, excluindo as mulheres por princípio (“homem” =“cidadão”) e a própria distinção público/privado é uma distinção de género.

Resposta de Habermas: as distorções e exclusões não são constitutivas da esfera pública: elas podem ser criticadas com base nos ideais de igualdade e inclusão inerentes à autocompreensão da esfera pública. A esfera pública, assim, não é essencialmente masculina; a crítica feminista baseia-se nos ideais de igualdade e inclusão.

Outros críticos afirmam que Habermas subvaloriza a esfera pública “plebeia”. Segundo Habermas, a esfera pública “plebeia” é derivativa em relação à esfera pública burguesa, porque numa sociedade burguesa todos os agentes vão “gravitar” em torno das instituições burguesas

• Crítica: Habermas trata a sociedade e a esfera pública burguesas como totalidades e ignora a possibilidade de conflitos.

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Solução proposta por Habermas: pluralidade de esferas públicas (burguesa, “plebeia”, etc.), que podem ter pontos comuns mas também relações conflituosas umas com as outras.

(2) Visão simplista e pessimista da esfera pública contemporânea

• Problema semelhante a (1): ao não reconhecer (pelo menos na formulação original da sua teoria) a existência de uma pluralidade de esferas públicas, Habermas confunde o declínio da esfera pública burguesa com o declínio de todas as esferas públicas da sociedade.

• Habermas também não prestaria suficiente atenção aos vários movimentos sociais emergentes.

Resposta de Habermas: mais uma vez, revisão da sua teoria com o reconhecimento de uma pluralidade de esferas públicas alternativas. Públicos “fracos” e “fortes”.

Públicos “fracos”: esfera da formação de opiniões e identidades

Públicos “fortes” : formação de opiniões e decisão; democracia deliberativa. O poder comunicativo circula a partir dos públicos “fracos”.

A teoria da esfera pública passa a ser integrada à teoria da acção comunicativa

Esfera pública: esfera da deliberação racional e da produção de consenso. Mas nem tudo nas sociedades modernas pode ser objecto de deliberação e consenso; há domínios que são da ordem dos sistemas (em particular, o mercado e o Estado)

Esfera pública: fonte de legitimidade da legislação

A ecologia da comunicação - Aula 16

Metáfora: media como ambientes

• Relações entre os diferentes media

• Relações entre os media e os utilizadores

Ambiente mediático contemporâneo: disseminação, fragmentação, convergência, reutilização.

Neil Postman: “A ecologia dos media estuda como os meios de comunicação afectam a percepção, o entendimento, os sentimentos e os valores humanos; e como a nossa interacção com os media facilita ou reduz as nossas oportunidades de sobrevivência”.

“A palavra “ecologia” implica o estudo de ambientes: a sua estrutura, conteúdo, e impacto nas pessoas

Neil Postman: “Um ambiente é um sistema complexo de mensagens que impõe nos seres humanos certos modos de pensar, sentir, e agir”.

• Ele estrutura o o que nós podemos ver e dizer e, portanto, fazer; Ele nos atribui papéis e insiste no nosso desempenho destes papéis; Ele especifica o que nos é e o que não nos é permitido. Em certos casos, como num tribunal ou num escritório, as especificações são explícitas e formais”.

Neil Postman: “No caso dos ambientes mediáticos (p.ex., livros, rádio, cinema, televisão), as especificações são mais frequentemente implícitas e informais, mais ou menos ocultadas pela nossa suposição de que

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aquilo com que estamos a lidar, não com um ambiente, mas apenas com uma máquina”. “A ecologia dos media procura explicitar essas especificações”; “A ecologia dos media é o estudo dos media como ambientes”.

Principal inspiração: Marshall McLuhan. “O meio é a mensagem”. Mas o que quer isto dizer?

Visão de senso comum: A mensagem é aquilo que é comunicado. Os media são os veículos para a comunicação de mensagens. Os media, assim, são vistos como contentores, ou envelopes, dentro dos quais as mensagens são transportadas da sua fonte para o seu destino.

Uma possível interpretação da frase de McLuhan: Os media impõem constrangimentos relativamente aos tipos de mensagens que podem ser veiculadas. Estes constrangimentos afectam não só a forma das mensagens, mas até os modos como elas serão interpretadas

Exemplo: um debate político na rádio vs. na TVOs media também afectam outros media.

Exemplo: informação exibida na TV depois da generalização do uso de computadores e da internet. Mudanças no design dos jornais mostram a influência da televisão.

McLuhan não está a dizer que o conteúdo éirrelevante. Ele está a contestar a perspectiva de acordo com a qual (1) os media são “neutros” relativamente ao conteúdo que apresentam; (2) o impacto dos media como media é prioritário em relação à análise de conteúdo”A “mensagem” de cada meio ou tecnologia é a mudança de escala ou ritmo ou padrão que ele introduz nas actividades humanas” (McLuhan, Understanding Media, p. 8). Mas seguramente a ecologia dos media deve ser mais do que isto. Caso contrário, caímos no DETERMINISMO TECNOLÓGICO.

É necessário ter em conta a audiência. Henry Jenkins: a participação das audiências torna-se cada vez mais visível e importante. A divisão entre produtores e consumidores de informação torna-se cada vez menos clara.

John Naughton e a ecologia da comunicação - Aula 17

Ecossisstema: “uma comunidade de plantas, animais e microorganismos, com os seus ambientes, que funcionam em conjunto como uma unidade”.

Ecossistema mediático: “uma comunidade de organizações, editores, autores, utilizadores e audiências, com o seu ambiente, que funcionam em conjunto como uma unidade”.

Ambiente mediático através de um filtro ecológico:

• Sistema; Diversidade; Co-evolução; Espécies-chave;

Abordagem sistémica: O ambiente mediático é “um sistema que se distingue por fortes interrelações e dependências entre os seus componentes”; O sistema “é maior que a soma das suas partes”; “A mudança é sistémica: quando um componente muda, os efeitos espalham-se por todo o sistema”.

Diversidade: “A complexidade de um ecossistema assegura que há incontáveis nichos para diferentes papéis e funções”.

Co-evolução: “Uma tecnologia altera o ambiente (incluindo atitudes e comportamento) de tal modo que outras tecnologias tornam-se viáveis ou aceitáveis”. Exemplo: da banda larga à cloud computing.

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Espécies-chave: “Uma perspectiva ecológica nos alerta para a importância de espécies-chave cuja presença é crítica para a sobrevivência do ecossistema”.Exemplo: a vegetação no ecossistema das dunas

Exemplos: Trent Lott, Rathergate, WikiLeaks.

O ecossistema mediático em evolução:

• Antes de Gutenberg: “quase toda a comunicação era oral, e a comunicação pública era realizada diante de grupos de pessoas”. Impressão: aumento da complexidade sistémica; muitas novas”espécies”; Telégrafo eléctrico: ainda mais complexidade “ao provocar o colapso da distância e aumentar a velocidade com que a informação circulava através do sistema”; Telefone; Rádio.

Novos meios: adicionam (em vez de substituírem)

1. O novo meio surge no ecossistema

2. Desafio para os meios existentes

3. Novo estado de equilíbrio

• “A televisão não matou a rádio ou o cinema. As enciclopédias electrónicas mataram as obras impressas de referência, mas deixaram o romance intacto. E-readers como o Amazon Kindle ou o Apple iPad terão sem dúvida um impacto no mercado dos livros impressos, mas é improvável que os eliminem. Em cada caso a história é a mesma: novos meios não eliminam meios antigos. Mas a sua chegada muda o ecossistema”

Propriedades de um ecossistema centrado na internet

• Consumo: Pull vs push media; Aumento da soberania do consumidor; Muito mais informação disponível

• Produção: Criatividade; Cultura do remix; Convergência; Copy/paste

“A metáfora ecológica não é reconfortante para as espécies mediáticas estabelecidas. Torna-se ainda menos reconfortante quando elas percebem que, na natureza, parece haver uma forte correlação entre a biodiversidade e a produtividade total de um ecossistema”.

Visualização do documentário de “Stephen Fry - The Machine That Made Us” (Alguns apontamentos do vídeo e da aula)

- Guttenberg é o grande responsável pela nossa cultura, nomeadamente impressa. O primeiro livro impresso na História foi a sua bíblia, a Bíblia de Guttenberg.- Na bíblia, cada página era a mesma, cada palavra é igual. A sua técnica de impressão foi verdadeiramente revolucionária.- Passou-se de 0 (em 1950) para 20 milhões de cópias de livros em 50 anos.- Assistiu-se a uma reprodução acelerada dos vídeos. Muito do que lemos agora, deve-se a Guttenberg.- Foi o primeiro mecanismo de impressão em massa.- Muitas das tecnologias que temos hoje foram inventadas na Idade Média como o moinho.- A impressora de Gutteberg foi um passo extremamente importante para o Renascimento e para a Reforma.

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- O mundo antes da impressão era difícil, comparando hoje com a internet. Num espaço de 15 anos, de 300 milhões de utilizadores, verificam-se agora 2 mil milhões.- Enquanto na época de produção de livros à mão, existiam erros de transcrição frequentes, com a impressão, permitiu uma maior facilidade de transcrição e impressão, tornando-se o próprio processo mais rápido. Foi a mistura perfeita de óleos e tintas (sistema de produção em massa das letras).- Houve uma crescente mecanização da sociedade até à Revolução Industrial. No final do século XV havia mais livros impressos do que escritos em 50 anos.- A reprodução de imagens/gráficos era impressas de acordo com a técnica em bloco.- Um exemplo desses erros foi o caso da “Wicked Bible” onde em vez de estar escrito “não deverás cometer adultério”, aparecia “deverás cometer adultério” – eles sabiam é muito…- NÓS VIVEMOS CERCADOS POR PALAVRAS IMPRESSAS – cartazes, sinais, mapas.- Uso generalizado dos computadores conduz a uma crescente conscienzalização das tipografias. Exemplo: Podemos escrever o texto com a fonte que quisermos.- Tornámo-nos conscientes das fontes que suportam o nosso texto. Contudo, vivemos ainda na sombra do Guttenberg.- Até ao século XIX, a palavra dominante era “impressa”.- Agora, aparece não em papel mas termos eletrónicos. Exemplo: Apple com vários designs de letras.- Podemos estar a transitar para uma situação onde os meios de comunicação são os telemóveis, mas tudo começou na oficina da Alemanha com o primeiro sistema em massa.- Por exemplo, na Idade Média, houve uma tentativa de financiar o projeto de Guttenberg. As catedrais diziam que as relíquias eram pedaços da cruz, da crucificação onde as pessoas iam lá ver e tocar, dizendo que tinham um poder curativo. Assim, os espelhos iam reflectir as relíquias de forma a espalhar esse poder para toda a gente. Contudo, isso não foi possível pela peste que foi terrível para a população. Por isso, não podemos pensar também que a Idade Média foi um tempo apenas de criações e de positivismos.- A reter, é curioso como com a excepção da tinta e o sistema engenhoso de caracteres que já tinham sido desenvolvidos por outras áreas como a China e a Coreia do Norte, esta técnica e este sistema é um dos aspectos fundamentais da materialização das sociedades, que propicia uma melhor crítica literária e filosófica bem como é um excelente exemplo da revolução nos meios de comunicação.

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