Filosofia da Música - Expressão

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/3/2019 Filosofia da Msica - Expresso

    1/3

    Ridley, Aaron.A Filosofia da Msica. Temas e Variaes. So Paulo: Loyola, 2008.

    Captulo 3 Expresso (p. 107 a 157)

    Que existe uma relao de certo tipo entre a msica e a emoo sempre foi

    reconhecido, mesmo por aqueles que duvidam que boa parte do momento estticodependa do fato. O problema, porm, dar conta dele. Teramos que fornecer respostas

    para pelo menos trs perguntas: como se fundamenta a relao entre msica e emoo?

    Como o aspecto emocional da msica experimentado? Que valor tem essa

    experincia?

    Essa maneira de colocar as perguntas deriva de O Belo Musical, de Eduard

    Hanslick, publicado em 1854. Hanslick nega que o valor da msica tenha qualquer

    relao com a emoo, ou seja, a beleza e o valor da msica so um tipo

    especificamente musical de beleza, composta nica e simplesmente de tons e sua

    combinao artstica. A relao entre msica e emoo, apesar de real, teria poucointeresse filosfico ou esttico.

    Duas abordagens quanto s relaes entre msica e emoo enfatizam aspectos

    psicolgicos:

    a) Postula-se a existncia de um mecanismo psicolgico inato ou natural de modo que

    certos estmulos musicais produzem automaticamente uma resposta emocional no

    ouvinte. Por exemplo, padres de tenso e alvio musicais, quando percebidos pelo

    ouvinte esclarecido, acionam emoes. Esta associao torna a ligao entre msica e

    emoo filosoficamente inerte, da mesma maneira que a ligao entre o cheiro decomida e a salivao filosoficamente inerte.

    b) Postula-se um mecanismo associativo de tal tipo que o ouvinte sente uma emoo em

    resposta msica porque associa essa msica a alguma outra experincia (um romance

    fracassado, um perodo de profunda melancolia, um momento de intensa alegra). Nesse

    caso, argumenta-se que assim como a campainha que fazia os ces de Pavlov salivarem

    poderia muito bem ser um alarme antiareo, a msica poderia muito bem ser papel de

    parede contanto que algum a tivesse associado a alguma coisa.

    Susanne Langer discorda da afirmao de Hanslick de que a emoo precisa serexposta em conceitos para ser compreendida e argumenta, em vez disso, que a emoo

    pode ser exposta no-conceitualmente em smbolos de apresentao, signos

    expressivos que so encontrados nas peas musicais. A esttica de Langer rendeu bons

    frutos. Muitos autores defendem hoje o critrio de expressividade na msica: dizer

    sobre uma pea musical que ela tem a propriedade da tristeza, pode ser literalmente

    verdadeiro da mesma maneira que se pode dizer que a pea tem a propriedade de ser em

    mi menor.

    Assim, concorda-se com Hanslick em que a beleza da msica um tipo de beleza

    especificamente musical, mas que no se reduz nica e simplesmente aos tons e sua

    1

  • 8/3/2019 Filosofia da Msica - Expresso

    2/3

    combinao artstica. Em vez disso, a expressividade de uma pea musical uma

    caracterstica musical sua tanto quanto a tonalidade

    /Susanne Langer (1895-1985) foi uma filsofa americana, com importantes estudos em

    filosofia da arte. Sua publicao mais conhecida em portugus Filosofia em Nova

    Chave, cujos escritos enfocam o papel da arte no conhecimento humano. Langer defineque o homem essencialmente um animal que usa smbolos. O pensamento simblico

    profundamente enraizado na natureza humana, e o elemento central nas questes da

    vida e do conhecimento. Langer define a arte como sendo a criao de formas

    simblicas do sentimento humano (Art is the creation of symbolic forms of human

    feeling) Distingue entre os smbolos discursivos da linguagem e os smbolos abertos

    apresentados ou "presentacionais" da obra de arte.

    A msica cria uma aparncia de tempo, um "tempo virtual", a pintura produz um

    "espao virtual", poetas criam aparncias de acontecimentos, pessoas, reaes

    emocionais, lugares, em suma, semelhanas poticas. Langer afirma que as formas

    musicais ostentam uma estreita lgica de semelhana com as formas dos sentimentos

    humanos. A msica um "smbolo apresentado" do processo psquico e as suasestruturas tonais ostentam uma lgica estreita de semelhana com as formas de

    sentimento, formas de crescimento e de atenuao, de fluxo e de arrumao, de conflitos

    e de resoluo, a rapidez, a pausa, a excitao, a calma, etc. O smbolo e o objeto

    simbolizado tm uma forma lgica comum.

    Langer discernia entre os smbolos presentacionais abertos da Arte e os smbolos

    discursivos da linguagem, que no consegue expressar o aspecto subjetivo da

    experincia humana. Viso prxima teoria lgica de Ludwig Wittgenstein

    desenvolvida em seu Tratado Lgico-Filosfico (1922), quando Wittgenstein parou ao

    delimitar-se com o indizvel, Langer acrescentou que a msica e as artes articulam o

    que outras linguagens no conseguem, ou seja, mostrar o que no pode ser dito.

    Outra definio de arte segundo Langer: Arte a prtica de criar formas perceptveis

    expressivas do sentimento humano.. (Langer, Ensaios Filosficos, p. 82)

    Um exemplo claro da influncia de Langer pode ser encontrada no quinto captulo do

    livro do psiclogo Howard GardnerArte, Mente e Crebro (Artmed 1999), dedicado

    exclusivamente a seu pensamento. A abordagem cognitiva da criatividade feita pelos

    neurocientistas fundamentada no pensamento de Langer. Como a neurocincia

    comea a distinguir o funcionamento especializado de zonas cerebrais, responsveis por

    determinadas reas de nosso comportamento, a emoo torna-se essencial como

    mediao das distintas reas ou zonas de conhecimento. O trabalho de Susan Langer

    considerado pioneiro nessa rea./

    O dito da psicloga Carrol Pratt tornou-se famoso: a msica soa da mesmamaneira como os estados de esprito so sentidos. O envolvimento imaginativo com a

    msica pode capacitar o ouvinte a experimentar de forma imaginria ou real a natureza

    interior dos estados emocionais de uma forma peculiarmente vvida, satisfatria e

    pungente e, alm disso, de uma forma cujo valor inseparvel do valor da msica assim

    experimentada. (Pratt, The Meaning of Music, p. 203, 1981).

    Pea Musical: Cynara, de Fredeick Delius (1862-1934), a partir do poema de ErnstDowson (1867-1900).

    2

  • 8/3/2019 Filosofia da Msica - Expresso

    3/3

    Frederick Delius, compositor ingls, autor de inmeras canes para voz e

    orquestra. Cynara foi composta para bartono e orquestra sinfnica.

    Ernest Dowson foi um poeta e romancista ingls, associado ao movimento

    decadentista. Autor do famoso verso:

    They are not long, the days of wine and roses:

    Out of a misty dream

    Our path emerges for a while, then closes

    Within a dream. (Vitae Summa Brevis)

    (No so longos os dias de vinho e rosas; emerge nosso caminho por um instante

    do sonho enevoado e depois fecha-se em um sonho.)

    E o versoI have forgot much, Cynara! Gone with the wind, que inspirou o ttulo

    do romance de Margaret Mitchell.

    A cano de Delius principia com as cordas abafadas, elevando-se timidamente

    do silncio, preparando o caminho para o primeiro motivo do violino, a presena

    de Cynara que assombra a obra do incio ao fim. E, ento, mais uma vez

    timidamente, o bartono surge, seu canto sinuoso e terno.

    A pea musical Cynara permite discutir a relao entre poema e msica, ou letra

    e msica quando formam um s todo musical. Como apreciar uma pea que

    inclui palavras? H dois exemplos opostos: no caso de Franz Schubert, h

    grandes canes e letras pssimas, e no caso de Bob Dylan, h grandes canes

    com msica horrvel e mal cantada e poemas extraordinrios

    As formas hbridas de msica cano, pera, dana servem para

    demonstrar mais claramente as complexas relaes entre msica, emoo e

    compreenso.

    3