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FILOSOFIA, DIREITO E JUTIÇA DR DANIEL SOTELO

Filosofia, Direito e Justiça

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FILOSOFIA, DIREITO E JUTIÇA

DR DANIEL SOTELO

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INDICE

PARTE I FILOSOFIA

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INTRODUÇÃO

De um modo geral, os estudos filosóficos têm como espinha dorsal que é o estudo da

história da filosofia. Para se estabelecer uma sequência histórica da filosofia podem-se

usar diferentes critérios.

Normalmente, a periodização é feita a partir de uma correlação com os períodos

históricos, políticos e culturais. Desse modo, fala-se em

1) Filosofia Antiga;

2) Filosofia Medieval ;

3) Filosofia Moderna ;

4)  Filosofia contemporânea.

"1) que sejam, em primeiro lugar, intra-sistemáticos e propriamente filosóficos e, além

disso,

2) que sejam evolutivos ou dinâmicos, isto é, que permitam compreender não apenas a

diferença essencial entre o pensamento de diferentes períodos, mas também o princípio

interno de passagem de um a outro."

A periodização permite efetivamente que o iniciante nos estudos filosóficos encontre o fio

de Ariadne que o conduza com segurança no labirinto temporal em que pode se

transformar a história da filosofia. Por isso, vale a pena conhecê-lo:

Período filosófico

Correspondência ao período histórico

Grandes nomes

Disciplina-chave

Conceito-chave

1. Período

metafísico

Época antiga,

medieval e início

da moderna

Platão,

Aristóteles,

São Tomás de

Aquino

(Descartes

Metafísica

(ontologia)

Ser

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2. Período

epistemológico

(ou

transcendental

)

Época moderna Descartes, Kan

t

Epistemologia,

Teoria

transcendental

Verdade,

objetividade

, validez

3. Período

semântico-

hermenêutico

Época

contemporânea

Husserl,

Dilthey,

Heidegger,

Frege,

Wittgenstein

Teoria da

significação,

Fenomenologia

,

Hermenêutica,

Semântica

(análise lógica

da linguagem)

Significado,

Semântica:

análise

lógica da

linguagem

Chamamos de Filosofia Antiga o período que data desde a sua criação, no século VI a.C.

até a queda do Império Romano, quando os pensadores gregos começaram a se fazer

inúmeras perguntas sobre a racionalidade humana, e tentaram encontrar explicações

para absorver o entendimento de sua própria natureza.

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1 HISTÓRIA DA FILOSOFIA

1 ORIGEM E NASCIMENTO DA FILOSOFIA

1.1 A ORIGEM DA FILOSOFIA

- A palavra Filosofia vem de uma raiz etimológica do grego: 1.

- Philo - 2 - vem de philia: amizade, amor fraterno, respeito entre os iguais.

- Sofia - 3 - vem de sophos: sabedoria, conhecimento, saber, conhecer, sábio.

- Filosofia também significa: amizade pela sabedoria, amor pelo conhecimento,

amor e respeito pelo saber. Isto indica um estado de espírito da pessoa que ama, que

deseja estima, procura e respeita o conhecimento.

- Atribui-se ao filósofo grego Pitágoras de Samos4 a invenção da filosofia, o uso do

termo filósofo, porém é de Tales de Mileto o uso mais próximo que possuímos na

atualidade.

- A sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas que os homens podem

desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos.

- No pensamento chinês – O universo inteiro é feito da oposição entre qualidades

atribuídas a dois sexos diferentes.

1Consultar o livro de PETERS, F. E. Termos filosóficos gregos, Fundação Calouste Gulbenkian,

Lisboa, 1983. Filosofia em grego – amigo da sabedoria. Este conceito é apenas etimológico. O conceito é

mais abrangente.

2 Em grego amigo. Pelo relato tradicional Grego Pitágoras foi o primeiro a usar o termo filosofia e

doto apalavra com um sentido fortemente religioso e ético, que melhor expressa a opinião do filósofo

exposta por Sócrates no Fédon 62c – 69e. Em Aristóteles perdeu o sentido pitagórico e filosofia tornou-se

agora um sinônimo de episteme no sentido de uma disciplina intelectual que procura as causas. Em

Aristóteles o qual menciona a “filosofia primeira” ou uma “teologia” que tem como objeto não as coisas

mutáveis como a física ou “filosofia segunda”. A divisão da filosofia no seu início era a: física, ética, logica.

3 Sabedoria em grego. O significado original da palavra liga-a a artesanato Ver Homero em liada,

XV, 412; Hesíodo em Trabalhos, 651; Aristóteles. (Ética a Nicomaco VI, 1141a). A época de Heródoto

abrangia o tipo mais teórico. Em Pitágoras tem o sentido de sabedoria. Em Platão há uma distinção implícita

entre a verdadeira Sophia que é o objeto principal de filosofia (Fedro, 278 d) e que como phronesis se liga a

episteme o verdadeiro conhecimento.

4 O criador da filosofia no sentido que conhecemos até os dias atuais.

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- No pensamento grego – faz-se a distinção entre as qualidades sensoriais que nos

aparecem e a estrutura invisível da Natureza.

1.2 O NASCIMENTO DA FILOSOFIA

- A filosofia nasceu no final do século VII a. C. e no início do século VI a. C., nas

colinas gregas da Ásia Menor.

- O primeiro filósofo a usar estes termos com o sentido que temos hoje foi Tales de

Mileto5.

- O principal conteúdo da filosofia no seu nascimento foi: cosmologia6 – cosmos –

mundo organizado e logia – pensamento racional.

- As principais características da filosofia em seu nascimento foram:

- Uma tendência à racionalidade;

- Ou a tendência a oferecer respostas conclusivas aos problemas;

- Ela fazia exigências de que o pensamento apresente regras de funcionamento –

justificativa de idéias.

- Recusa de explicações pré-estabelecidas;

- Tendências à generalização.

O filósofo não é movido por interesses comerciais, mas faz das idéias e dos

conhecimentos uma habilidade para vencer competidores, mas é movido pelo desejo de

observar, contemplar, julgar e avaliar as coisas, pelo desejo de saber.

O que perguntavam os primeiros filósofos na antiguidade?

- Por que os seres nascem e morrem?

- Por que semelhantes dão origem a semelhantes?

- Por que tudo muda?

5 Físico e filósofo que viveu antes de Cristo. Pitágoras era m físico, matemático, e um grande

pensador filosófico. Ele afirmava que “o começo é a metade do todo”. Os pitagóricos inventaram os homoia “similitudes”.

6 A cosmologia é o estudo do cosmo, do mundo. Do grego cosmos e logia. Há uma tradição deque

primeiro a descrever o universo como um cosmos foi Pitágoras, mas a noção de universo está em

Anaximandro, Anaxímenes como ordem deste universo ou o universo como ordem. Mas em Empédocles

tem uma relação correlata do homem como microcosmos do universo já apareciam em Demócrito. Os

pitagóricos tiveram a intuição original como uma teoria do universo. O universo era um cosmos porque

podia ser reduzido à matemática (harmonia) dado que a arché de todas as coisas eram os números

(arithmos) em Metafisica de Aristóteles 985b.

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- Por que a doença invade os corpos?

- Por que o uno se multiplica?

- De onde vêm as coisas?

- Para onde vamos?

- Como saber e como conhecer?

- O que é o ser e o não-ser?

- Existe um ser superior, um demiurgo?

- Os deuses dão origens a todas as coisas?

A religião, as tradições e os mitos explicavam todas essas coisas, mas suas explicações

já não satisfazem mais os filósofos.

Tente responder estas perguntas anteriores destes filósofos.

1.2 A FILOSOFIA E O MITO7

1.2.1 O Conceito de mito8

No começo da filosofia grega há algo em si de não filosófico, que é o mito. É a

fé da comunidade nas grandes questões do mundo e da vida, dos deuses e homens, que

dá ao povo a matéria do seu pensamento e do seu agir. Recebem-na da tradição popular,

irrefletida, crente e cegamente. Consoante bem é notado Aristóteles de Estagira, o amigo

do mito é, apesar disso e a certa luz, também um filosofo. Por isso que, no mito,

preocupa-se ele com problemas que vão ser, por sua vez, objeto da Filosofia. Donde vem

o mencionar Aristóteles, de bom grado, quando se refere aos pressupostos de uma

questão filosófica e a busca de sua solução, também as opiniões dos “primitivos”, que

foram os primeiros a “teologizar”.

1.2.2 A Mitologia em Homero e Hesíodo

7 Mito é um relato de uma realidade. Na antropologia moderna o mito é uma descrição de uma

realidade não só do indivíduo, mas de uma tribo ou sociedade. A palavra grega Mythos sempre esta em

contraste com logos, um relato racional, analítico e verdadeiro. O Mythos está relacionado com a teogonia

e a cosmogonia.

8 O mito não é concebido mais como uma imaginação ou mentira, mas uma verdade. Na

antropologia o mito está cheio de significados.

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A palavra mito vem aqui logo à tona nas obras de Homero9 e Hesíodo10, com seus

ensinamentos sobre a origem dos deuses (teogonias11) e a produção do mundo

(cosmogonias). Assim, conforme a mitologia em Homero, devemos procurar a causa

primeira de todo devir nas divindades do mar, o Oceano e Tetis, e também na água, nas

quais os deuses costumam jurar, e que o poeta e escritor denominam de Estígio. Em

Hesíodo aparecem o Caos, o Éter e o Eros como os princípios primeiros de tudo. Mas, as

origens do mal, a questão da responsabilidade e da culpa, do destino e da necessidade,

da vida e da morte, e dos semelhantes estão presentes no mito. Sempre se manifesta aí

um pensamento total e completamente imaginoso, visionado pelos claros olhos do poeta,

em caso particular e concreto, intuitivamente, para depois universalizar a intuição, e

transferi-la, e transporta-la para a vida e o mundo em geral, explicando assim a totalidade

do ser e do devir.

1.2.3 O Orfismo12

No século VI a. C. desceu para a Grécia, das montanhas da Trácia, uma nova

mitologia. O seu ponto central é ocupado pelo deus Dioniso; o seu sacerdote é Orfeu13, o

cantor e taumaturgo trácio. Friedrich Nietzsche14 fez mais tarde de Dioniso o símbolo da

vida e da fé na vida, em todas as suas alturas e profundezas. O deus do vinho Dioniso 15

era também, na realidade, um deus da vida, sobretudo da fecundidade da natureza, e era,

nos bacanais, honrado com entusiásticos modelos muito vulgares.

1.2.4 A era a fuga do mundo

A dogmática dos teóricos do orfismo era, contudo, coisa totalmente diferente de

uma afirmação vital. Devemos, antes, considerá-lo como uma vaga mistura de ascese e

mística, culto das almas e esperanças no além, coisas todas muito estranhas ao povo de

Homero. Agora, já a alma não é sangue, mas espírito; oriunda de outro mundo; exilada

nesta terra, como castigo por uma culpa original; encadeada ao corpo, deve passar por

uma longa peregrinação até a liberdade dos sentidos. Vida para a purificação completa do

sensível era uma serie de proibições de alimentos, como a carne e as favas. Pequenas

9 Grande escritor antes de Cristo. Escreve uma grande obra de folego denominada de Ilíada.

10 Outro grande escritor deste período.

11 Criação dos deuses e de todas as coisas.

12 Religião da fertilidade na Grécia Antiga.

13 Autor lendário de hinos, cânticos e poesias.

14 Filósofo alemão que escreveu em formas de aforismos.

15 Dioniso era um dos deuses grego.

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peças de laminas de ouro, enterradas com os mortos, testemunhavam que a sua alma

provinha “pura dos puros” e que “libertou-se do penoso ciclo das reencarnações”. A

doutrina do Orfismo sobre o destino das almas, depois da morte, espelha-se nos grandes

mitos escatológicos, nos diálogos platônicos de: Górgias, Fédon, e Republica. Os

dogmas do orfismo já possuíam, também, uma filosofia bem elaborada teologia e

cosmogonia.

1.2.5 Certos tipos de Cosmogonia

Ensinava que no princípio existiu o Caos e a Noite. No Caos devemos

compreendê-lo literalmente como o vácuo abissal ou o precipício. A Noite gerou um ovo, o

ovo cósmico, donde nasceu o amor (Eros) alado. “E este, consórcio com o abismo

escuro, alado e noturno, no vasto Tártaro, deu origem ao nosso gênero, e o trouxe fora,

para a luz. Não tinha o gênero dos mortais, antes de ser produzido à unidade pelo amor;

quando, porém, ele uniu uma parte com outra, surgiu o Céu, e o Oceano e a Terra, e o

gênero imortal de todos os deuses”. Segundo uma fonte mais recente, a origem primitiva

do Cosmos foi um dragão com cabeça de touro e de leão; no meio, porém, tinha um rosto

de um deus, e nos ombros, asas. É conhecido como o deus do tempo eternamente jovem.

O dragão produziu uma tríplice seminação: o Éter úmido, o Abismo ilimitado e escuro e a

nebulosa Escuridão; e, além disso, de novo, um ovo cósmico.

Tudo isto é intuição de todo fantasiosa e poética. Tem-se visto na mitologia órfica

uma forma da tradição oriental. Em particular o dualismo de corpo e alma, do aquém e do

além, e, em geral, uma forma de vida em fuga do terreno, “uma gota de sangue

estrangeiro” na Grécia. A terra original destas corrupções pode, na realidade, ter sido a

Índia, onde tais idéias aparecem cerca do século VIII a. C., nos Upanishads 16, escritos

exegéticos dos escritos de Vedas. Também se encontram na religião de Zoroastro, no

planalto do Irã, como resulta dos antigos Gathas do Zendavesta. Estas idéias teriam sido

então, sempre um patrimônio espiritual ariano.

1.2.6 O Mito e o Logos17

Muito mais importante, porém, que a questão da origem é a sobrevivência dessas

concepções. Aristóteles de Estagira18 disse, com razão, a propósito do mito, que ele não

constituía ciência, porque esses “teólogos” arcaicos apenas reproduziam as doutrinas

tradicionais sem apresentarem nenhumas provas. A oposição é feita por aqueles que

16 Livro sagrado dos Hindus.

17 Logos é a palavra em grego que abrange um sentido muito vasto, verbo, palavra, era tudo.

18 Aristóteles de Estagira escreveu a obra Ética a Nicômaco, filosofo e cientista antes de Cristo.

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“falam acrescentando provas, dos quais, por isso, podemos esperar uma verdadeira

“convicção”. Com isso quer se referir aos filósofos. Por estes metódicos momentos da

dúvida, da prova e da fundamentação, distingue ele o mito, da Filosofia, embora tenha

pouco concedido que o amigo do mito, a certa luz, também era filosofo.

A Filosofia é, ao lado do mito, realmente algo de novo. Já não se vive numa crença

cega, do patrimônio espiritual do vulgar, mas o indivíduo volta-se todo para si mesmo e

deve agora, livre e sem tutela, elaborar por si, examinando e provando, o que pensa e

quer considerar verdadeiro. É uma posição espiritual diferente da do mito. Contudo, não

devemos perder de vista que as questões formuladas pelo mito, como suas intuições

conceituais, elaboradas nos obscuros e não críticos tempos anteriores, ainda

sobreviveram na linguagem conceitual filosófica.

A crítica do conhecimento filosófico impõe-se aqui a tarefa de examinar se os

presumidos instrumentos racionais de pensamento filosófico também estão, na realidade,

todos racionalmente funcionando. Talvez não o sejam. E isto não somente por uma

recusa, mas por que o espírito ultrapassa o “saber” e abrange o mito, num sentido

positivo, como um caminho apropriado para a sabedoria. De maneira que somente o

crente na ciência iluminada é que pretende libertar-se do mito, ao passo que Aristóteles

diz, com razão, que também o mito, a seu modo, filosofa.

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2 HISTÓRIAS DO INÍCIO DA FILOSOFIA ANTIGA

Costuma-se atribuir a Pitágoras de Samos, filósofo grego que viveu no século VI

a. C, a criação do termo Filosofia. Para os gregos a Filosofia tinha um significado muito

profundo, era uma constante busca pela sabedoria, era o amor por esta tal sabedoria. O

saber era algo mágico, um dom, se assim podemos dizer, um privilégio que apenas os

deuses possuíam, e cabia aos humanos tentar encontrá-la, entendê-la, e assim,

compartilhá-la, mesmo que fosse necessário entender que por mais que se procure a

sabedoria, ninguém jamais a terá. Ela é uma busca constante, quanto mais se procura,

mais se tem a procurar. A princípio ela tinha um conceito religioso, pois sempre que se

falava em Filosofia se citavam os deuses e seres míticos, porém, mesmo com a mudança

de raciocínio muito tempo depois, o significado geral continuou sendo o mesmo, pois

independente da área que ela seja empregada, seu conceito é único, a busca pela

sabedoria.

O primeiro filósofo foi o grego Tales de Mileto, que se viu com uma enorme

necessidade de entender o mundo, não apenas como todos diziam entender, mas de uma

força mais profunda, com argumentos concretos, reais.

Quando a Filosofia antiga diz que seu objetivo é compreender toda a racionalidade

humana, o que ela está realmente tentando nos explicar é que seu objetivo de estudo não

aceita simples explicações míticas, sem uma origem clara ou fundamentada. Não é

aceitável dizer que está chovendo apenas porque uma nuvem carregada, enviada por um

deus, parou sobre um local. Os filósofos queriam mais do que essa teoria, eles desejavam

a compreensão por inteiro de tal ato, o porquê desta nuvem está carregado, que detalhes

fazem com que se acumule essa água e ela caia em seguida. Como se formam essas

partículas. Eles querem argumentos, querem entender as verdadeiras causas desse

fenômeno, isso o distingue dos mitos, pois sua explicação deve vir da Razão, com

fundamentos convincentes.

2.1 AS ESCOLAS FILOSÓFICAS

Quando citamos a história da Filosofia Grega ouvimos muito falar em

certas escolas, e a escola Jônica é um nome muito citado, isto acontece porque foi nela

que a filosofia teve início, na Jônia, uma colônia grega da Ásia. Os grandes filósofos que

fazem parte dessa escola tinham como base a busca pela origem das coisas, um exemplo

disso é o já citado Tales de Mileto, que buscava a existência de um princípio para tudo,

além também de Anaximandro, outro importante nome.

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A escola Itálica, que fez parte do período pré-sofista teve nomes de destaque, como

Filolau de Crotena, e Aquitas de Tarento.

Pulando para uma outra importante escola, a de Alexandria, temos nomes que se

tornaram famosos e conhecidos em várias ciências, como:

Pitágoras, que além de influenciar na Filosofia contribuiu e muito na matemática, com

seus teoremas que levam seu nome e que conhecemos na escola;

Demócrito, que alegava que todas as coisas do universo eram compostas por

átomos;

Heráclito, que acreditava em uma lei do universo caracterizada por uma mudança

constante.

A filosofia antiga terminou com o fim do período helenístico, que teve como nomes de

destaque Zenão de Cício, Panecio de Rodes, Sêneca e Marco Aurélio.

2.2 A FILOSOFIA NA GRÉCIA ANTIGA

  

A palavra filosofia é de origem grega e significa amor à sabedoria. Ela surge desde

o momento em que o homem começou a refletir sobre o funcionamento da vida e do

universo, buscando uma solução para as grandes questões da existência humana. Os

pensadores, inseridos num contexto histórico de sua época, buscaram diversos temas

para reflexão. A Grécia antiga é conhecida como o berço dos pensadores, sendo que os

sophos (sábios em grego) buscaram formular, no século VI a.C., explicações racionais

para tudo aquilo que era explicado, até então, através da mitologia.

 

2.2.1 Os Pré-Socráticos 

Podemos afirmar que foi a primeira corrente de pensamento, surgida na Grécia

Antiga por volta do século VI a.C. Os filósofos que viveram antes de Sócrates se

preocupavam muito com o Universo e com os fenômenos da natureza. Buscavam explicar

tudo através da razão e do conhecimento científico. Podemos citar, neste contexto, os

físicos Tales de Mileto, Anaximandro e Heráclito. Pitágoras desenvolve seu pensamento

defendendo a ideia de que tudo preexiste a alma, já que esta é imortal. Demócrito e

Leucipo defendem a formação de todas as coisas, a partir da existência dos átomos.

 

2.2.2 Período Clássico 

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Os séculos V e IV a.C. na Grécia Antiga foram de grande desenvolvimento cultural

e científico. O esplendor de cidades como Atenas, e seu sistema político democrático,

proporcionou o terreno propício para o desenvolvimento do pensamento. É a época dos

sofistas e do grande pensador Sócrates.

 

Os sofistas, entre eles Górgias, Leontinos e Abdera, defendiam uma educação,

cujo objetivo máximo seria a formação de um cidadão pleno, preparado para atuar

politicamente para o crescimento da cidade. Dentro desta proposta pedagógica, os jovens

deveriam ser preparados para falar bem (retórica), pensar e manifestar suas qualidades

artísticas.

 

Sócrates começa a pensar e refletir sobre o homem, buscando entender o

funcionamento do Universo dentro de uma concepção científica. Para ele, a verdade está

ligada ao bem moral do ser humano. Ele não deixou textos ou outros documentos, desta

forma, só podemos conhecer as idéias de Sócrates através dos relatos deixados por

Platão. 

 

Platão foi discípulo de Sócrates e defendia que as idéias formavam o foco do

conhecimento intelectual. Os pensadores teriam a função de entender o mundo da

realidade, separando-o das aparências. 

 

Outro grande sábio desta época foi Aristóteles que desenvolveu os estudos de

Platão e Sócrates. Foi Aristóteles quem desenvolveu a lógica dedutiva clássica, como

forma de chegar ao conhecimento científico. A sistematização e os métodos devem ser

desenvolvidos para se chegar ao conhecimento pretendido, partindo sempre dos

conceitos gerais para os específicos.

 

3 O PERÍODO PÓS-SOCRÁTICO 

Está época vai do final do período clássico (320 a.C.) até o começo da Era Cristã,

dentro de um contexto histórico que representa o final da hegemonia política e militar da

Grécia.

 

Ceticismo: de acordo com os pensadores céticos, a dúvida deve estar sempre

presente, pois o ser humano não consegue conhecer nada de forma exata e segura.

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Epicurismo: os epicuristas, seguidores do pensador Epicuro, defendiam que o bem

era originário da prática da virtude. O corpo e a alma não deveriam sofrer para, desta

forma, chegar-se ao prazer.

Estoicismo: os sábios Estoicos como, por exemplo Marco Aurélio e Sêneca,

defendiam a razão a qualquer preço. Os fenômenos exteriores a vida devia ser deixada

de lado, como a emoção, o prazer e o sofrimento.

4 A FILOSOFIA PATRÍSTICA I

4.1 DO SÉCULO I AO SÉCULO VIII d. C.

Inicia-se com as Epístolas de São Paulo e o Evangelho de São João e termina no século

VIII, quando teve início a Filosofia medieval. A patrística resultou do esforço feito pelos

dois apóstolos intelectuais (Paulo e João) e pelos primeiros Padres da Igreja para

conciliar a nova religião - o Cristianismo - com o pensamento filosófico dos gregos e

romanos, pois somente com tal conciliação seria possível convencer os pagãos da nova

verdade e convertê-los a ela. 

A Filosofia patrística liga-se, portanto, à tarefa religiosa da evangelização e à defesa da

religião cristã contra os ataques teóricos e morais que recebia dos antigos. Divide-se em

patrística grega (ligada à Igreja de Bizâncio) e patrística latina (ligada à Igreja de Roma) e

seus nomes mais importantes foram: Justino, Tertuliano, Atenágoras, Orígenes,

Clemente, Eusébio, Santo Ambrósio, São Gregório Nazianzeno, São João Crisóstomo,

Isidoro de Sevilha, SANTO AGOSTINHO, Beda e Boécio.

A patrística foi obrigada a introduzir idéias desconhecidas para os filósofos greco-

romanos: a idéia de criação do mundo, de pecado original, de Deus como trindade una,

de encarnação e morte de Deus, de juízo final ou de fim dos tempos e ressurreição dos

mortos, etc. Precisou também explicar como o mal pode existir no mundo, já que tudo foi

criado por Deus, que é pura perfeição e bondade. Introduziu, sobretudo com Santo

Agostinho e Boécio, a idéia de "homem interior", isto é, da consciência moral e do livre-

arbítrio, pelo qual o homem se torna responsável pela existência do mal no mundo.

Para impor as idéias cristãs, os Padres da Igreja as transformaram em verdades

reveladas por Deus. Por serem decretos divinos, seriam DOGMAS, isto é, irrefutáveis e

inquestionáveis. Dessa forma, o grande tema de toda a Filosofia patrística é o da

possibilidade de conciliar razão e fé, e, a esse respeito, havia três posições principais:

1. Os que julgavam fé e razão irreconciliáveis e a fé superior à razão (diziam eles: "Creio

"). 

Page 15: Filosofia, Direito e Justiça

2. Os que julgavam fé e razão conciliáveis, mas subordinavam a razão à fé (diziam eles:

"Creio para compreender"). 

3. Os que julgavam razão e fé irreconciliáveis, mas afirmavam que cada uma delas tem

seu campo próprio de conhecimento e não devem misturar-se (a razão se refere a tudo o

que concerne à vida temporal dos homens no mundo; a fé, a tudo o que se refere à

salvação da alma e à vida eterna futura). 

Santo Agostinho de Hipona – a relação entre fé e razão

Para compreender a filosofia de Santo Agostinho precisamos entender conceitos

agostinianos de fé e razão e o modo como se serve deles. Santo Agostinho não se

preocupa em traçar fronteiras entre a fé e a razão. Para ele, o processo do conhecimento

é o seguinte: 

A razão ajuda o homem a alcançar a fé. A fé orienta e ilumina a razão; A razão, contribui

para esclarecer os conteúdos da fé. 

Para Santo Agostinho, «o homem é uma alma racional que se serve de um corpo mortal e

terrestre»; expressa assim um conceito antropológico básico. A alma possui duas razões:

a razão inferior e a razão superior. 

A RAZÃO INFERIOR tem por objeto o conhecimento da realidade sensível e mutável: é a

ciência, conhecimento que permite cobrir as nossas necessidades.

A RAZÃO SUPERIOR tem por objeto a sabedoria, isto é, o conhecimento das idéias, do

inteligível, para se elevar até Deus. Nesta razão superior dá-se a iluminação de Deus. 

Boécio (480 - 525) – o ultimo romano

Boécio acreditava que a cultura latina do seu tempo estava em crise e buscou na

preservação e difusão da cultura grega a solução para essa fase difícil que passava o

conhecimento romano. Boécio traduziu para o latim alguns livros de Aristóteles e Platão.  

Para o filósofo, os seres universais como O Belo, O homem, O Universo, existem

somente enquanto idéias em nosso intelecto. São conceitos imateriais, pois são

abstrações que nós criamos para entender a realidade. Sendo a filosofia o amor à

sabedoria e causa suficiente de si mesma, ela é também a busca pelo conhecimento de

Deus, pois ele é a sabedoria absoluta. Como sabedoria absoluta, é a verdadeira

felicidade.

Todas as coisas são feitas para atingir o bem, e não o mal. O mal é um erro de análise

feito por pessoas de pouco conhecimento. Elas buscam o bem, mas por um cálculo falho,

Page 16: Filosofia, Direito e Justiça

por um exame imperfeito causado pela falta de conhecimento, elas fazem o mal.

Se Deus tem um destino para os seres humanos esse destino destrói a liberdade de

sermos quem quisermos ser e fazermos o que quisermos fazer. Para Boécio Deus

realmente sabe tudo o que vai acontecer, mas não existe a necessidade de que tudo o

que ele sabe que possa acontecer aconteça realmente. Para Deus não existe passado ou

futuro, mas um constante presente e um conhecimento completo de tudo que aconteceu

ou pode acontecer.

Patrística é o nome dado à filosofia cristã dos primeiros sete séculos, elaborada

pelos Pais da Igreja, os primeiros teóricos —- daí "Patrística" —- e consiste na elaboração

doutrinal das verdades de fé do Cristianismo e na sua defesa contra os ataques dos

"pagãos" e contra as heresias.

Foram os pais da Igreja responsáveis por confirmar e defender a fé, a liturgia, a disciplina,

criar os costumes e decidir os rumos da Igreja, ao longo dos sete primeiros séculos do

Cristianismo. É a Patrística, basicamente, a filosofia responsável pelo elucidação

progressiva dos dogmas cristãos e pelo que se chama hoje de Tradição Católica.

A Patrística divide-se geralmente em três períodos:

* até o ano 200 dedicou-se à defesa do Cristianismo contra seus adversários (padres

apologistas, como São Justino Mártir, etc.).

* até o ano 450 é o período em que surgem os primeiros grandes sistemas de filosofia

cristã (Santo Agostinho, Clemente Alexandrino, etc.).

* até o século VIII reelaboram-se as doutrinas já formuladas e de cunho original (Boécio,

etc.).

Page 17: Filosofia, Direito e Justiça

5 PATRÍSTICA II

A Patrística se desenvolveu num ambiente altamente influenciado pela filosofia

grega e dela se valeu para esclarecer e defender o novo conteúdo da fé. O

Neoplatonismo, contemporâneo da Patrística, teve grande ascendência sobre os

primeiros escritores cristãos. Encontramos, nessa época, duas tendências opostas: de um

lado, os padres da Igreja oriental ou grega, que pretenderam harmonizar o pensamento

grego com a religião cristã; de outro, os padres da Igreja ocidental ou latina, que

combateram a cultura pagã.

A filosofia foi utilizada para defender a religião cristã dos ataques dos seus

adversários pagãos e gnósticos (gnosticismo - ecletismo filosófico e religioso que gerou a

heresia gnóstica: redução da criação e redenção cristãs a fenômenos naturais), e para

prestar ajuda na justificação dos dogmas (pontos fundamentais e indiscutíveis de uma

doutrina religiosa).

A Patrística não nos legou nenhum sistema filosófico cristão; a maioria das

questões de que tratou derivou de polêmicas doutrinárias e de tentativas de sua

resolução. Até Santo Agostinho, a Patrística foi ocasional e fragmentária.

Alguns representantes da Patrística:

Os primeiros padres da Igreja escreveram em defesa (apologia) da nova religião e por

isso foram chamados de Apologistas.

São Justino, padre apologista grego, foi considerado o fundador da Patrística; viveu no

século II e morreu mártir em Roma.

Entre os apologistas latinos, deve ser citado Tertuliano de Cartago que nasceu na metade

do século II e morreu em Roma, em 240.

Dos apologistas da Igreja oriental devem ser lembrados Clemente (fins do século II - início

do III) e Orígenes (século III), o maior dos pensadores cristãos anteriores a Agostinho.

As grandes discussões sobre os dogmas e a refutação das heresias foram, pouco

a pouco, desenvolvendo a filosofia cristã e deram aos seus defensores a estatura de

filósofos à altura dos seus antecessores na antiguidade clássica.

Page 18: Filosofia, Direito e Justiça

O período denominado “Patrístico” representa um momento significativo para o

desenvolvimento do pensamento cristão. A patrística foi sem dúvida, um marco decisivo

na evolução da doutrina cristã.

O termo “Patrística”, vem da palavra latina pater, “pai”, referente ao pensamento

dos pais da igreja. Os ramos teológicos dos pais da igreja de 100 a 310 formam o primeiro

período Patrístico. De 310 a 451 temos o segundo período, finalizando com a terceira fase

que se inicia no Concilio de Calcedônia em 451 até o segundo Concilio de Nicéia em 787.

Esse fenômeno ganhou força na história da teologia cristã após o ano 310 devido à

cessação da perseguição ao cristianismo logo em 311. Finalizada a perseguição, as

discussões teológicas poderiam ser feitas em público, com o apoio do Estado. Isso

possibilitava um avanço nas teologias cristãs, os teólogos após 311 poderiam se dedicar

sem se preocupar com a perseguição, não havia mais acossamento do Estado e sim o

apoio. Ademais, o universo plural da teologia cristã ganharia mais consistência no mundo

intelectual da igreja, com essa junção entre Igreja e Estado a oportunidade do fazer

teológico para, até mesmo, justificar as atrocidades do império frontispício aos pagãos

ganharia auxilio religioso, mesmo por que, “tudo era em nome de Deus”.

É imprescindível a apresentação dos nomes dos teólogos da patrística para melhor

familiaridade com o próprio assunto. Os Pais Apostólicos (continuadores diretos

dos Apóstolos, cerca 80-150): Clemente Romano (Papa São Clemente I),

Papias de Hierápolis, Inácio de Antioquia, Policarpo de Esmirna, Pastor de

Hermas. Segunda metade do século II: Aristides de Atenas, Justino, Atenágoras de

Atenas, Ireneu de Lyon (Irineu de Lião), Teófilo de Antioquia. Século III: Orígenes de

Alexandria, Tertuliano de Cartago, Clemente de, Alexandria, Cipriano de Cartago (São

Cipriano), Hipólito de Roma, Minúcio Félix. Pais Nicenos:  Eusébio de Cesaréia, Atanásio

de Alexandria, Cirilo de Jerusalém, Efraím da Síria. Pais Pós Nicenos: João

Crisóstomo, Hilário de Poitiers, Ambrósio de Milão, Jerónimo de Strídon, Agostinho de

Hipona, Nemésio de Emesa, Evágrio do Ponto, Arnóbio, Lactâncio, Calcídio, Mário

Victorino, Macróbio. Os Pais Capadócios: Basílio de Cesareia (Basílio Magno),Gregório

de Nazianzo, Gregório de Nissa. Século V: Marciano Capela, Cirilo de Alexandria,

Teodoro de Mopsuestia, Papa Leão I, (o Grande). Século VI: Papa Gregório I (o

Grande), Boécio. Século VII: Máximo o Confessor, Isidoro de Sevilha. Século VIII: João

Damasceno (João de Damasco). Depois do século VIII (só no

Oriente) Fócio Simeão, Gregório Palamás e Marco de Efeso. Estes são os nomes que

Page 19: Filosofia, Direito e Justiça

praticamente foram responsáveis em grande parte pela definição das doutrinas cristãs

como os conhecemos hoje.

Pedindo licença para os teólogos, sejam de qualquer corrente teológica, não

tratarei neste tópico sobre as teologias dos chamados pais da igreja, na bibliografia no

final do artigo estará algumas referências de ótimos livros para quem deseja se

aprofundar no assunto. Conquanto me limitarei em apresentar os desdobramentos deste

movimento (escolástica) na história do pensamento cristão em diálogo com a filosofia

grega. Não temos como fugir desta discussão devido a influência das escolas filosóficas

gregas nos pais da Igreja. Aliás, a Patrística ganha força devido sua confluência filosófica

nas questões relacionadas à bíblia e as teologias subjacentes.

O pensamento grego é rico.  Desde o século I a filosofia helênica em que se

situava os estoicos, os epicuristas, os neopitagoricos, os céticos e os neoplatônicos,

dominavam a visão de mundo antigo, distribuída pela cultura greco-romana. Alguns

teólogos usavam a filosofia para melhor expressar suas idéias religiosas faces ao mundo

“pagão”, é obvio que alguns não aceitavam de maneira algum esse diálogo, a ponto de

dizer como Tertuliano: “Que relação tem entre Jerusalém e Atenas?”. Essa crítica severa

de Tertuliano no século III, fazia parte de uma pequena camada de teólogos que

defendiam que o cristianismo deveria manter sua identidade característica, evitando

influencias de filósofos gregos que nada conhecia da Igreja da época. O debate foi tenso,

podemos dizer que a argumentação mais espessa em defesa do diálogo entre filosofia e

teologia foi dada por Agostinho de Hipona (354 – 430). Como mencionamos no tópico

anterior, a oficialização do cristianismo como religião do Estado romano possibilitou uma

abertura para uma avaliação positiva da cultura clássica. Roma agora era a serva do

evangelho, e a teoria desse evangelho precisaria ser convincente para melhor exposição

do próprio evangelho.

Quem primeiro iniciou esse diálogo foi Justino Mártir (100 – 165), como aponta

Paul Tillich em sua obra; História do Pensamento Cristão:

“Ao falar do cristianismo, dizia: Esta é a única filosofia certa e adequada que encontrei (...)

quando Justino dizia que o cristianismo era uma filosofia, precisamos entender o que

entendia por filosofia. Nessa época o termo filosofia se referia ao movimento de caráter

espiritual oposto a magia e a superstição. Era, pois, natural que Justino se referisse ao

Page 20: Filosofia, Direito e Justiça

cristianismo como a única filosofia certa e adequada, por que não era mágico nem

supersticioso”[7].

Na concepção de Justino essa filosofia, que ele chama cristã, era universal, e

continha a verdade sobre o significado da existência. Essa verdade foi manifestada no

“Logos” que era o fundamento do cristianismo. Sendo assim, Justino expunha sua Téo-

Cristologia a partir do “Logos”, não representando Cristo como um completo forasteiro,

mas como o cumprimento do melhor do pensamento grego.

No século III surge o desafio do neoplatonismo que serviu como influencia para o

primeiro sistema teológico elaborado por Orígenes de Alexandria (185-254). O que seria

neoplatonismo? Em síntese, foi uma corrente filosófica que visava uma revisão do

platonismo, foi apresentada por Amonio Saccas e Plotino.

Podemos dizer que foi basicamente Platão o grande formador das bases da

teologia cristã. Mesmo que o neoplatonismo repense algumas questões filosóficas de

Platão, ainda sim toda sua epistemologia é platônica. Por exemplo, Tillich examina cinco

elementos fundamentais nessa linha: o primeiro é o conceito de transcendência. As idéias

eram para Platão as essências das coisas. Salta-se daí para o mundo idealizado tão

apreciado pela religião protestante, por exemplo. Se as idéias e, com elas, a abstração,

representam o real, as coisas terrenas perdem seu valor. O segundo elemento destacado

por Tillich é, pois, “a desvalorização da existência”. Até hoje a igreja cristã enfrenta

problemas relacionados com a compreensão do corpo humano e de seus desejos. O

terceiro elemento é a doutrina da “queda da alma da eterna participação no mundo

essencial ou espiritual, sua degradação terrena num corpo físico, que procura se livrar da

escravidão desse corpo, para finalmente se elevar acima do mundo material”. O quarto

elemento é a idéia da providência divina. Tillich nos alerta de que essa idéia recebida

ainda hoje pelos cristãos como se tivesse nascida com sua religião, pertencia, na

verdade, ao mundo grego antigo e se expressara com clareza nos últimos escritos de

Platão. O quinto elemento presente na teologia cristã vem de Aristóteles: “o divino é forma

sem matéria, perfeito em si mesmo”. Segundo Tillich, Aristóteles “entendia que Deus, a

forma suprema ou ato puro (actus Purus) , como o chamava, move todas as coisas ao ser

amado por todas as coisas” e que “a realidade toda deseja se unir à forma suprema, para

se livrar das formas inferiores em que vive, na escravidão da matéria”. Esse Deus

aristotélico entrou na igreja cristã e exerceu enorme influência principalmente na

Page 21: Filosofia, Direito e Justiça

formulação da teologia medieval. Este último elemento examinaremos com mais

pormenores no próximo tópico, onde estaremos apresentando o pensamento da

escolástica.    

A aliança entre teologia e filosofia, como podemos observar, foi feita, porém a

filosofia tornou-se religiosa e teológica. O problema que nem Epicuro, Zenão, Platão,

Aristóteles e etc, foram cristãos, os teólogos da patrística converteram esses filósofos na

evolução da teologia cristã. Submeteram suas filosofias ao julgamento heterônomo das

autoridades eclesiásticas e suas reflexões sempre foram policiadas por concílios, sínodos,

bispo, autoridades eclesiásticas e pelo Papa. Isso também irá acontecer com os teólogos

escolásticos no início do século XI.

Com tudo isso a uma positividade nessa aliança, a interação criativa da teologia,

liturgia e espiritualidades cristãs com a tradição cultural do mundo antigo, sem dívida,

como aponta Mcgrath “um dos exemplos mais interessantes e férteis de hibridismo cultual

da história intelectual da humanidade”.

6 A FILOSOFIA ESCOLÁSTICA I

Do século V ao século VIII, com a queda do Império Romano, decaiu a produção

intelectual, a ponto de podermos dizer que não se conhece nada de original no

pensamento dessa época. Trata-se do período denominado Alta Idade Média, quando a

Igreja cuidou de compilar em manuais os conhecimentos antigos. A filosofia, sem o

concurso de homens que se dedicassem à especulação, ficou estacionária.                            

Pode-se caracterizar esse período por dois importantes fatores: 1) a expansão dos

horizontes geográficos; 2) o avanço dos impérios asiáticos e do mundo muçulmano. Foi

em Bizâncio, no Islã, e nos impérios asiáticos, que floresceram grandes civilizações e

onde se conservou a cultura de Roma e da Grécia antigas. 

No século VIII, com o império carolíngio, houve um primeiro ressurgimento da

cultura ocidental; no entanto, o modus vivendi, não sofreu alterações sensíveis. No âmbito

cultural, Carlos Magno promoveu a difusão das escolas e do que havia de disponível da

cultura antiga, tendo em mente a aculturação e cristianização dos povos sob seu domínio.

As abadias se encarregaram dos estudos, procurando imitar, o mais possível, os modelos

Page 22: Filosofia, Direito e Justiça

antigos - a aplicação dos copistas salvou a maior parte da literatura romana. Essa atitude

humilde foi muito importante para a recuperação e compreensão dos textos latinos.

O monge inglês Alcuíno, nos fins do século.

6.1 ESCOLÁSTICA II

O pensamento denominado de “escolástica” acontece no período medieval.

Enquanto que o período Patrístico concentrou-se em torno do mundo mediterrâneo tendo

como centros de poder Roma e Constantinopla, a escolástica expandiu por “toda” Europa

tendo como centros de debates: Inglaterra, Itália, França, Alemanha, Suíça e Espanha.

É preciso ter conhecimento que definir períodos históricos é extremante complexo.

Definir datas e marcar períodos definitivos pode ser algo difícil, até por que o movimento

denominado de “escolástica” pendura até o século XVII na Europa ocidental, por isso

teremos cuidado em definir com exatidão quando inicia e termina tal acontecimento,

porém podemos encontrar nos séculos, datas, o auge desse período citando seus

principais prenunciadores como Anselmo de Cantuária (1033 – 1109), Tomás de Aquino

(1225-74) e Duns Scotus (1265 – 1308).

Mas o período da escolástica acontece na Idade Medieval que provavelmente se

inicia no ano 600 e, para alguns historiados se encerra no século XVI [9], para outros como

Jacques Le Goff especialista em Idade Média, declara seu fim no século XVIII. Conquanto

podemos considerar que a Idade Média que protagonizou a escolástica tendo na situação

do mundo por volta do ano 1000 uma diversidade da Europa. Antes disso, alguns

acontecimentos fizeram com que a Europa se pintasse ou repintasse por políticas,

economias, e sociabilidades diferentes daqueles que figuravam o século IV.

Com o desmoronamento do Império Romano por volta do século V, grandes

mudanças ocorreram entre o Oriente Médio e o mundo ocidental europeu. O Império

Romano do Oriente transformou-se no Império Bizantino, numa fusão entre as culturas

romana, grega e oriental. Os árabes unificaram-se política e religiosamente através do

islamismo maometano, e iniciaram sua expansão pelo Oriente Médio a partir do século

VII, enquanto os povos germânicos da Europa Ocidental prevaleciam no cristianismo.

Nessa derrocada do Império Romano, provocou sem nenhuma dúvida, uma enorme

desorganização política e econômica no mundo ocidental que possibilitou a ascensão de

outras culturas como a Islâmica, quanto o cristianismo ortodoxo dos bizantinos.

Page 23: Filosofia, Direito e Justiça

Alguns historiados apontam do século V ao X uma “Alta Idade Média” e do século X

ao XIV uma “Baixa Idade Média”, mas isso é somente para melhor compreensão do leitor,

as vezes dividir os acontecimentos por períodos torna-se pedagógico. 

O mundo por volta do ano 1000 pode-se ser distinguido por quatro grandes focos

de civilização: a Europa ocidental e central, o Império bizantino, o mundo mulçumano, e

finalmente, a Índia, a China e o Japão. A Europa Ocidental, principalmente em regiões

como França, a Alemanha, os Países Baixos e o norte da Itália tinham um cristianismo

centralizado na cidade de Roma e seu bispo conhecido como o “Papa”, motivo também

de grande disputa papais a pondo de houver uma cisma entre aqueles que baseava o

papa de Roma e outro, na cidade de Avignon, e em 1054 o cristianismo do Oriente de

separou-se do cristianismo ocidental, Igreja Católica Romana rompe com a Igreja

Ortodoxa Grega.

No período medieval as realidades políticas, econômicas, sociais e religiosas são

completamente diferentes do período denominado de Antigo. Houve, na Idade Média uma

descentralização política e um enfraquecimento do poder dos reis. O Estado fragmentou-

se em uma série de pequenas soberanias locais. Com a economia feudal os proprietários

feudais exerciam em seus domínios todas as funções de governo [10]. Não podemos

esquecer que a sociedade medieval foi formada por três classes sociais: os nobres, que

combatiam, os sacerdotes (clero) que mandavam e enchiam suas barrigas da melhor

comida, e por fim os camponeses (servos) que eram os trabalhadores. A igreja influía

poderosamente nessa sociedade, principalmente após a conversão dos povos bárbaros

ao cristianismo. Fazendo uma análise econômica da história ocidental o historiador Leo

Huberman em sua clássica obra “História da riqueza do homem” no primeiro capítulo;

Sacerdotes, Guerreiros e Trabalhadores nos apresenta uma excelente leitura das

influências e posses que a Igreja tinha e outorgava na idade média:

“A Igreja foi a maior proprietária de terras no período feudal (...) A medida que a

Igreja crescia enormemente em riqueza, sua economia apresentava tendências a superar

sua importância espiritual (...) O clero e a nobreza constituíam as classes governantes.

Controlavam a terra e o poder que delas provinha. A igreja prestava ajuda espiritual,

enquanto a nobreza, proteção militar. Em troca exigiam pagamento das classes

trabalhadoras, sob a forma de cultivo de terras”

Como podemos observar a Igreja foi uma das maiores instituições do feudalismo,

com estreitas relações com o poder político do senhor feudal e do Rei. Com sua

Page 24: Filosofia, Direito e Justiça

justificativa e ideologia de construção de um mundo sobre seu poderio, teocentricando

Deus a partir dela mesmo (a Igreja) a ordem era posta, sujeitando os trabalhadores em

sua função e obediência. Não se espantem a escolástica surge nesse período.

Tratando da educação medieval, o ensino era ministrado nos conventos, mosteiros

e catedrais[12], No século XI, surgiram as Universidades, nas quais existiam quatro cursos:

Artes, Medicina, Direito e Teologia. Sendo que o idioma predominante na literatura

medieval era o latim. Nesse período a teologia concentrou-se na grande catedral e nas

universidades de Paris e de outros locais, tendo como base, em grande parte, os escritos

em latim de Agostinho de Hipona e Ambrósio. Entretanto com tais mudanças, tanto na

economia, política, social, religiosa e cultural os teólogos cristãos ocidentais têm uma

nova preocupação; “em estabelecer a teologia cristã sobre um alicerce totalmente

confiável sobre o piso da razão”, era necessário nesse novo cenário uma sistematização

e expansão da teologia cristã e a demonstração da inerente racionalidade dessa

teologia.   Com o a exploração do papel da razão nesse novo fazer teológico surge o que

denominamos escolastiquíssimo.

Apesar de ter muitos significados para o termo “Escolástico”, no primeiro momento

o termo vem do latim, depois “Schole” que palavra grega, que significa o lugar onde se

aprende. Segundo Earle E. Cairns “o termo escolástico foi aplicado aos professores na

corte ou na escola palaciana de Carlos Magno e também aos eruditos medievais que se

serviram da filosofia no estudo da religião”. Para Tillich o termo vem de “escola” e significa

“filosofia da escola”, trata-se da explicação metodológica da doutrina cristã. Em resumo, o

escolastiquíssimo pode ser definido como um movimento medieval, surgido

provavelmente 1250 a 1500, que enfatizou a sistematização e a justificação da teologia

cristã por meio da razão. Por exemplo: os dados da revelação deveriam ser organizados

sistematicamente através do uso da lógica dedutiva de Aristóteles e harmonizados com a

filosofia de Aristóteles (Tomas de Aquino). É pedagógico a divisão do período Patrístico

para alguns teólogos e historiadores do cristianismo, apresentá-la por fazes traz melhor

compreensibilidade: A primeira fase ira do século IX ao fim do século XII, caracterizada

pela confiança na perfeita harmonia entre fé e razão. A segunda fase ira do século XIII ao

princípio do século XIV, caracterizada pela elaboração de grandes sistemas filosóficos,

merecendo destaques nas obras de Tomás de Aquino. Nesta fase, considera-se que a

harmonização entre fé e razão pôde ser parcialmente obtida. E a terceira e última fase

ira do século XIV até o século XVI, decadência da escolástica, caracterizada pela

afirmação das diferenças fundamentais entre fé e razão. 

Page 25: Filosofia, Direito e Justiça

A descoberta de Aristóteles no século XIII causou admiração para alguns e

insatisfação para outros. Os chamados franciscanos de tradição agostiniana, não

aceitavam a cosmologia aristotélica preferindo a visão de mundo platonista. Até, por que,

as obras de Aristóteles apresentavam um novo olhar sobre a realidade, e por isso, por

algum tempo os escritos metafísicos de Aristóteles foram proibidos, mas esta foi apenas

uma medida temporária para ganhar uma pausa para tomar fôlego.  A nova perspectiva

aristoteliana foi realizada por dominicanos que recusavam a antiga cosmologia platônica

adotada nas obras de Agostinho de Hipona. Podemos considerar que; enquanto o

pensamento Agostiniano-platonista apresentava ser suficientemente místico, o tomista-

aristotélico puxava o sujeito pra baixo (realidade, racionalidade).

É indispensável destacar alguns nomes mais influentes da escolástica, em seguida

estaremos apresentados uma síntese das teologias dos que considero as principais

mentes do pensamento escolástico. Os nomes de Anselmo de Cantuária (1033 – 1093),

Abelardo de Paris (1079 – 1142), Bernardo de Claraval (1090 – 1153), Joaquim de Fiori

(1132 – 1202), Boaventura (1221 – 1274), Tomas de Aquino (1225 – 1274), Duns Scotus

(1265 – 1308) e Guilherme de Ockham (1280 ou 1288 – 1347) formam os principais

pensadores escolásticos, entretanto os nomes de Anselmo de Cantuária, Abelardo de

Paris, Tomas de Aquino, Duns Scotus e Guilherme de Ockham se destacam e por isso

merecem uma atenção especial.

Anselmo de Cantuária

Como todos os escolásticos, Anselmo afirmava que toda a verdade estava, direta

ou indiretamente, presente nas Santas Escrituras e na sua interpretação pelos pais da

Igreja. Seu fazer teológico achava-se na harmonia entre fé e razão, na articulação da fé

com a filosofia. Anselmo dizia que primeiro vem a crença e depois a integibilidade dessa

crença, sua clássica frase “Credo ut intelligam” (creio para entender) passou a ser usada

pela maioria dos escolásticos. Contribuiu de maneira significativa no debate sobre a

existência de Deus, e a interpretação racional da morte de Cristo na cruz. Suas principais

obras foram: Monologion (Solilóquio), Proslogion (Colóquio) De Viritate (A verdade), De

libertate arbitrii (O livre-arbitrio) e Cur Deus Homo (Por que Deus se fez homem).

Proslogion e Cur Deus Homo, talvez seja as duas principais obras que melhor apresenta

a teologia Anselminiana. A obra Proslogion, escrita por volta de 1079 é de uma beleza

literária admirável. Nessa obra Anselmo se propõem a formular um argumento que levaria

a crença na existência de Deus como bem supremo (argumento antológico). Em Cur

Page 26: Filosofia, Direito e Justiça

Deus Homo, procura estabelecer uma demonstração racional da necessidade de Deus

em se tornar homem, assim como uma análise dos benefícios resultantes a humanidade,

em consequência da encarnação e da obediência do filho de Deus.

Pedro Abelardo

Goza de grande renome como dialético. Entre os seus princípios básicos conta-se

o de que a ciência deve preceder a fé. Na querela dos universais, característica da época

medieval, defende o conceptualismo. Combate ao mesmo tempo o nominalismo e o

realismo: sustenta que existem apenas indivíduos, nenhum dos quais é em si espécie

nem gênero, e que os gêneros e as espécies são concepções, de onde provém o nome

de conceptualismo que foi atribuído ao seu sistema. A sua obra mais famosa, Sic e Non, é

uma conjunção de afirmações bíblicas e patrísticas de aparência contraditória, que

Abelardo concilia. Segundo o esquema traçado nesta obra, desenvolvem-se

sucessivamente as exposições escolásticas: afirmações pró e contra de uma tese.

Abelardo é também um precursor do humanismo, pela sua defesa da moral individualista.

Entre as suas obras principais, além da citada, figura Introdução à Teologia e Ética ou

Conhece-te a Ti Próprio.

Tomás de Aquino

Uma pequena observação sobre a biografia de Aquino, é que, seu apelido era “boi

quieto”, ele era bastante corpulento. Aquino fora dos momentos de debates acadêmicos e

das conversações atinentes a assuntos sérios, era calado, reservado. Além disto não

apreciava perder tempo com conversas inúteis. Por isto um de seus colegas o chamou de

“o boi mudo”. Conta-se que um de seus professores disse: “Um dia o mugido desse boi

será ouvido em todo mundo”.

Tomás de Aquino é considerado um dos principais teólogos da escolástica, talvez o

maior gênio da escolástica. Foi um trabalhador incansável e um espírito metódico, que se

empenhou em ordenar o saber teológico e moral acumulado na Idade Média, sobretudo o

que recebeu através de seu mestre Alberto Magno. Como resultado, produziu extensa

obra, que apresenta mais de sessenta títulos. As mais importantes são os Comentários

Sobre as sentenças, provavelmente redigidos entre 1253 e 1256, em Paris; Os Princípios

e o Ente e Essência, da mesma época, a Súmula Contra os Gentios e as Questões Sobre

a Alma, compostas, ao que tudo indica, entre 1259 e 1264. Questões diversas,

começadas em 1263, e finalmente a Suma Teológica, sua obra mais celebre, apesar de

não ter sida concluída.

Page 27: Filosofia, Direito e Justiça

Em todas elas estão sempre uma vasta erudição, não haurida diretamente nas

fontes, pois Aquino não conhecia nem o hebraico, nem o grego, nem o árabe. Limitado ao

latim, conheceu e utilizou, porém inúmeros autores “profanos” ((Eudóxio, Euclides,

Hipócrates, Galeno, Ptolomeu), os filósofos gregos, sobretudo Platão e Aristóteles, os

árabes e judeus (AlFarabi, Avempace, Al Ghazali, Avicebrom, Avicena, Averrróis, Israeli),

e escolásticos, como Anselmo, Bernado de Clairvaux e Pedro Lombardo. Mas foi

principalmente influenciado por Alberto Magno, seu mestre em Paris.

Tomás de Aquino, não acreditava em um mundo das idéias e sob influência do

naturalismo aristotélico defenderá a existência de um mundo real, material. Esse mundo

seria a criação divina – esta é uma das questões que surge ao seu tempo, a criação. Ele

aponta a apreensão do divino através da verdade da razão que não pode ser negada pela

verdade revelada da fé, ambas precisam ser idênticas, do contrário a fé ou a razão não

foram adequadamente empreendidas. A teologia e a filosofia não se opõem. Fé e razão

estão unidas em um único sentido: a perfeição, ou seja, o conhecimento de Deus. Para

Tomás de Aquino a verdade e o conhecimento também são alcançados através de um

mestre interior, porém, não há a intervenção de uma luz divina para que se dê o

conhecimento, ele já existe como potencialidade no interior do ser e cabe a este descobri-

lo através do aprendizado, do estudo, da educação religiosa, da pedagogia.    

DUNS SCOTUS

Em seus poucos anos em Cambridge, Oxford e Paris, Scotus viveu com

brilhantismo e maestria, considerado como o filosofo das sutilezas. Sem dúvida, Scotus

foi responsável por uma série de avanços de considerável importância para a teologia

cristã.  Em sua genialidade teológica e filosófica escreveu uma pluralidade de obras,

porém suas principais são: Opus Oxioniense (Obra de Oxford), Quaestiones de

Metaphysica (Questões de Metafísica) e De Primo Princípio (Do Primeiro Princípio).

Duns Scotus é filho do século XIII, no qual como vimos, viveram Tomás de Aquino

e Boaventura. É atravessado por duas trajetórias filosófico-teológicas bem definidas:

agostiniano-boaventuriana e aristotélico-tomista. E uma única matriz polêmica a provocá-

las e animá-las: o ingresso das obras de Aristóteles na universidade de Paris.

Nesse contexto, Scotus assume uma postura crítica face aos pressupostos e às

principais posições defendidas por ambas as escolas, revelando-se como um pensador

original. Destaca-se pelo seu estilo rigoroso em bem discernir, o que lhe possibilitou

dissipar inúmeras confusões e esmerar-se na especulação acerca das questões

Page 28: Filosofia, Direito e Justiça

filosóficas e dos mistérios da fé. O Doutor das sutilezas se caracteriza, ainda, por um

raciocínio deveras singular capaz de, num cerrado diálogo com seus interlocutores,

desconstruir seus argumentos e forjar conceitos e linguagem novos cada vez mais

precisos e inclusivos. Com Scotus, talvez o pensamento cristão tenha atingido o mais alto

vértice da especulação.

Scotus enfatizou a liberdade de Deus. Dizia que as coisas são de modo que são não por

que a razão exige, mas por que Deus livremente escolhe. A ênfase de Scotus na

liberdade de Deus significa que o papel da razão e da filosofia é necessariamente

limitado.

É interessante destacar que Scotus ficou famoso como o primeiro advogado da

doutrina da imaculada concepção de Maria[14]. Diferente de Aquino que sustentava que

Maria tinha a condição de pecadora, Scotus alegava que Cristo, em virtude de sua obra

perfeita de redenção, fora capaz de manter Maria livre da mancha do pecado original.

Tamanha foi a influência dessa idéia daImmacula (Livre de pecado) de Maria que foi

definida como dogma em 1854 pelo Papa Pio IX em sua bula “Inefabilis Deus”. 

Guilherme de Ockham

Ockham foi o mais influente teólogo dos séculos XIV e XV. Foi conhecido pela

“Navalha de Ockham” ou Lei de Economia. Este é o princípio de simplicidade, dizia que a

explicação mais simples é a melhor ou é fútil multiplicar hipóteses quando algumas

vontades bastam. 

Os assuntos de suas obras rodeavam entre teologia, filosofia e política. Suas

principais obras foram: Dialogus, Paris 1478; Quodlibeta septem, Paris 1487; Summa

logicae, Paris 1488.

Ockham em seus estudos leva o pensamento de Duns Scotus às últimas

consequências, acentua a separação entre a filosofia e a teologia, entre a razão e a fé, no

momento em que se anunciam as primeiras descobertas da ciência moderna.

Para Ockham, demonstrar uma proposição é mostrar sua evidência ou deduzi-la

rigorosamente de outra evidente. A essa exigente concepção de prova, acrescenta-se o

senso muito vivo do concreto, que faz do ockhamismo um empirismo radical.

Na opinião de Ockham, o conhecimento abstrato refere-se às relações entre as

idéias, sem nada garantir sobre sua conformidade com o real. Quanto ao conhecimento

intuitivo, este dá a evidência imediata, assegurando a verdade e a realidade das

Page 29: Filosofia, Direito e Justiça

proposições. Só a intuição prova a existência das coisas, ponto de partida do

conhecimento experimental, que, generalizando o particular, chega ao universal, à lei. É a

experiência que permite conhecer as causas das coisas.

Não se trata, portanto, de conhecer o universal, mas a evidência do particular. O

universal não tem realidade e a inteligência deve ser capaz de apreender o particular.

Para Ockham não existem conceitos abstratos ou universais, mas apenas os termos ou

nomes cujo sentido seria o de designar indivíduos revelados exclusivamente pela

experiência.

Provada a impossibilidade de racionalizar a fé, a teologia passa a proceder

exclusivamente da crença, e a filosofia, da razão.

Assim Ockham abre a modernidade, com a teologia de um lado e a filosofia do

outro, ambas separadas, fé e razão não podem andar mais juntas. 

Este trabalho nos possibilitou uma leitura resumida dos movimentos; Patrístico e

escolástico, ambos como observamos importantes para o desenvolvimento da teologia

cristã. Ademais, ampliou nossa visão sobre a Idade Média que é frequentemente

negligenciada especialmente pelos protestantes. Sintetizando a vida e obras dos

principais teólogos da patrística como Agostinho de Hipona, compreendemos a influencias

de seus pensamentos na organização de nossas teologias. A relação entre fé e razão

propagada pelos escolásticos influenciou a posteridade teológica a estar sempre em

diálogo com o pensamento secular, e integrar tal pensamento em nossos programas

teológicos.

A patrística e a escolástica foram sem dúvida um marco no desenvolvimento do

pensamento cristão. Arias fundamentais da teologia como; teologia sistemática, filosofia

da religião e história do dogma. Temos uma literatura patrística e escolástica

extremamente rica que você poderá ler com tempo e atenção.

Page 30: Filosofia, Direito e Justiça

6.2 A FILOSOFIA ESCOLÁSTICA III

Do século IX ao século XVI aconteceu o movimento que tinha como

interesse entender e explicar a religiosidade cristã por meio das ideias dos

filósofos gregos Platão e Aristóteles. Os filósofos queriam utilizar esse

conhecimento grego e romano para provar a existência da alma humana e de

Deus, caso conseguissem, facilitaria para que obtivessem ainda mais adeptos

a religião. Os filósofos dessa época acreditavam piamente que a igreja tinha

um papel fundamental na salvação dos fiéis, guiando-lhes ao caminho do

paraíso.

Devemos destacar como principais representantes dessa época

Anselmo de Cant Cantuária, Albertus Magnus, São Tomás de Aquino, John

Duns Scotus e Guilherme de Ockham.

O pensamento na Idade Média foi muito influenciado pela Igreja Católica

Desta forma, o teocentrismo acabou por definir as formas de sentir, ver e

também pensar durante o período medieval. De acordo com Santo Agostinho,

importante teólogo romano, o conhecimento e as ideias eram de origem divina.

As verdades sobre o mundo e sobre todas as coisas deviam ser buscadas nas

palavras de Deus.

 

Porém, a partir do século V até o século XIII, uma nova linha de

pensamento ganha importância na Europa. Surge a escolástica, conjunto de

ideias que visava unir a fé com o pensamento racional de Platão e Aristóteles.

O principal representante desta linha de pensamento foi São Tomás de Aquino.

Page 31: Filosofia, Direito e Justiça

 

7 A FILOSOFIA NO PENSAMENTO MEDIEVAL I

7.2 CARACTERÍSTICAS DA FILOSOFIA MEDIEVAL

Assim como a filosofia antiga, a filosofia medieval possuía

suas características próprias, o que contribuía para que ela pudesse ser

analisada não apenas por uma época diferente, mas também por uma forma de

pensar mais analítica, que em sua grande maioria, era ligada a um mesmo

foco, a religiosidade. As principais questões debatidas pelos filósofos

medievais eram:

A relação entre a razão e a fé;

A existência e a natureza de Deus;

Fronteiras entre o conhecimento e a liberdade humana;

Individualização das substâncias divisíveis e indivisíveis.

Em resumo, o que vemos é que os principais temas estão relacionados

a fé, o que prova o argumento da intervenção da igreja neste período da

filosofia. Relacionar a fé, que é algo sem uma explicação lógica ou científica

com a razão, que busca o entendimento das coisas, era uma forma que a igreja

tinha de tentar explicar o que até ali não tinha explicação. A existência e a

natureza de Deus, para a filosofia, era algo complexo, pois se partirmos do

pressuposto de que a filosofia busca explicar as coisas desde o seu início,

buscando formas de provar o que está sendo apresentado, agora era uma

obrigação filosófica explicar a existência de Deus.

Neste período não era difícil encontrar pensadores que defendessem a

tese de que fé e religião não deveriam estar subordinadas uma a outra, de que

o indivíduo não precisaria ter sua fé ligada diretamente as racionalidades com

as quais está acostumada a viver, porém, um nome se destacou em meio aos

filósofos quanto a buscar uma forma racional de justificar as crenças.

Conhecido como Santo Agostinho de Hipona, esse filósofo cristão desenvolveu

uma ideia de que todo homem possui uma consciência moral e um livre

arbítrio, que todos temos a consciência do que é certo e errado, do mesmo jeito

Page 32: Filosofia, Direito e Justiça

que temos o direito de escolha, para fazer ou não cada coisa, mesmo sabendo

que acarretarão consequências.

8 O PENSAMENTO FILOSÓFICO MODERNO 

Com o Renascimento Cultural e Científico, o surgimento da burguesia e

o fim da Idade Média, as formas de pensar sobre o mundo e o Universo

ganham novos rumos. A definição de conhecimento deixa de ser religiosa para

entrar num âmbito racional e científico. O teocentrismo é deixado de lado e

entre em cena o antropocentrismo (homem no centro do Universo). Neste

contexto, René Descartes cria o cartesianismo, privilegiando a razão e

considerando-a base de todo conhecimento. 

 

A burguesia, camada social em crescimento econômico e político, têm

seus ideais representados no empirismo e no idealismo.

 

No século XVII, o pesquisador e sábio inglês Francis Bacon cria um

método experimental, conhecido como empirismo. Neste mesmo sentido,

desenvolvem seus pensamentos Thomas Hobbes e John Locke. 

 

Conhecido como o precursor do pensamento filosófico moderno, o

filósofo e matemático francês René Descartes dá uma grande contribuição para

a Filosofia no século XVII ao desenvolver o Método Cartesiano. De acordo com

este método, só existe aquilo que pode ter sua existência comprovada.

 

O iluminismo surge em pleno século das Luzes, o século XVIII. A

experiência, a razão e o método científico passam a ser as únicas formas de

obtenção do conhecimento. Este, a única forma de tirar o homem das trevas da

ignorância. Podemos citar, nesta época, os pensadores Immanuel Kant,

Friedrich Hegel, Montesquieu, Diderot, D'Alembert e Rousseau.

 

O século XIX é marcado pelo positivismo de Auguste Comte. O ideal de

uma sociedade baseada na ordem e progresso influência nas formas de refletir

Page 33: Filosofia, Direito e Justiça

sobre as coisas. O fato histórico deve falar por si próprio e o método científico,

controlado e medido, deve ser a única forma de se chegar ao conhecimento.

 

Neste mesmo século, Karl Marx utiliza o método dialético para

desenvolver sua teoria marxista. Através do materialismo histórico, Marx

propõe entender o funcionamento da sociedade para poder modificá-la. Através

de uma revolução proletária, a burguesia seria retirada do controle dos bens de

produção que seriam controlados pelos trabalhadores.

 

Ainda neste contexto, Friedrich Nietzsche, faz duras críticas aos valores

tradicionais da sociedade, representados pelo cristianismo e pela cultura

ocidental. O pensamento, para libertar, deve ser livre de qualquer forma de

controle moral ou cultural.

9 A FILOSOFIA MODERNA

A Ciência Antiga e a Ciência Moderna Filosofia Medieval Cristã

constituíram-se do pensamento cristão e da ciência antiga. A ciência antiga

tinha como base o dogmatismo: era especulativa e partia de interpretações da

Bíblia. A ciência antiga era baseada na lógica e na demonstração de verdade,

sem considerar a observação e a experiência. É o caso da teoria geocêntrica,

ou seja, a teoria que postulava que a terra é o centro do universo, vigorava há

quase vinte séculos e constituía a maneira pela qual o homem antigo e

medieval via a si mesmo e ao mundo. A concepção medieval cristã via o

homem como é o ser supremo da criação divina e a terra era o centro do

universo. A teoria de que a terra era o centro do mundo, geocentrismo, era uma

explicação que justificava tal visão. A ciência antiga era um corpo de verdades

teóricas universais, de certezas definitivas, que não admitiam erros, mudanças

ou crítica. O novo período – Idade Moderna - vai significar uma ruptura com

essa concepção de mundo dogmática, que não permitia a reflexão e a crítica.

A Filosofia Moderna: sec. XVII e XVIII Após a Idade Média, há um

período de transição entre o século XV e XVI para a Idade Moderna, que

significou ruptura com a tradição anterior cristã, fundamentada em Deus, e

passou-se a valorizar o homem. É o período chamado Humanismo

Page 34: Filosofia, Direito e Justiça

Renascentista: artes plásticas, valorização do homem - liberdade e criatividade

É o momento em que se rompe com a visão sagrada e teológica na arte, no

pensamento, na política, na literatura. Os pensadores desse período passam a

valorizar o saber dos gregos antigos. Valoriza-se o homem e rompe-se com o

pensamento teocêntrico, que considera Deus como o centro de tudo, e a

Ciência Antiga. A Idade Moderna traz a proposta de uma nova ordem e visão

de mundo, rejeitando a autoridade imposta pelos costumes e pela hierarquia da

nobreza e Igreja, em favor da recuperação do que há de virtuoso, intuitivo e

espontâneo na natureza humana. Surge um novo estilo com nova temática.

Valoriza-se o corpo humano, artes, pensamento, política, ciência. É o momento

de novos pensadores e artistas, tais como Leonardo da Vince, William

Shakespeare, Rafael, Maquiavel, Michelangelo, Montaigne.

1. As condições históricas Surge uma nova maneira de pensar e ver o mundo,

resultado das transformações históricas que ocorreram na Europa. Entre os

fatores históricos, pode-se destacar:

1.1. O humanismo renascentista do sec. XV

1.2. A descoberta do Novo Mundo (sec. XV)

1.3. A Reforma Protestante do sec. XVI

1.4. A revolução científica do sec. XVII

1.5. Desenvolvimento do mercantilismo e ruptura da economia feudal

1.6. Grandes núcleos urbanos e a invenção da imprensa,

1.7. O humanismo renascentista do sec. XV Nasceu na península itálica, sendo

um período de transição entre a Idade Média e a Moderna. Rompeu com a

filosofia cristã da escolástica medieval e, valoriza o saber dos gregos antigos,

retomando a concepção do humanismo.

2 O período medieval, anterior, foi marcado por uma forte visão hierárquica e

religiosa de mundo, em que a arte está voltada para o sagrado, filosofia está

vinculada à teologia e à problemática religiosa. O homem e seus atributos de

liberdade e razão passam a ser importantes novamente, e não apenas as o

mundo divino. Nas artes predomina os temas pagãos, afastados da temática

religiosa. É a arte voltada para o homem comum, não mais reis e santos.

Valoriza-se o corpo e a dignidade humana. Thomas Morus, em a A Utopia,

defende a tolerância religiosa, critica o autoritarismo dos reis e da Igreja,

favorecendo a razão e a virtude natural. Maquiavel, autor escreveu O Príncipe,

Page 35: Filosofia, Direito e Justiça

inaugurou o pensamento moderno da política, em que faz uma análise do

poder como fato político, independente das questões morais.

2.1 A descoberta do Novo Mundo Outro fator importante que levou a mudança

do pensamento moderno foi a descoberta do Novo Mundo, pois revelou a

falsidade e fragilidade da geografia antiga, o desconhecimento da flora e fauna

encontradas. Revelou também a falta de conhecimento de outros povos e

culturas. Muita coisa precisava ser reformulada. A ciência antiga perde a

autoridade é questionada, pois nada explica sobre a nova realidade e suas

narrativas. Acreditava que a “terra era plana”, desconhecem os novos

habitantes dessas terras descobertas, sua natureza, sua origem, sua cultura,

tão distintas da europeia.

2.2. A Reforma Protestante Martin Lutero contesta a autoridade da Igreja

marcada pela corrupção e passa a valorizar a consciência individual de buscar

a própria fé, sem ser pela imposição das verdades dogmáticas. Rompe com

Igreja Católica e funda a Igreja protestante. Essa nova igreja propõe e

representa, assim, a defesa da liberdade individual e da consciência em lugar

da certeza, valorizando a ideia de que o indivíduo é capaz de encontrar sua

própria verdade religiosa.

2.3 A revolução científica moderna. Outro fator essencial desse processo de

transformação é a revolução científica que significou o ponto de partida para a

ciência nos moldes que conhecemos hoje. Nicolau Copérnico no século XVI vai

defender matematicamente que a Terra gira em torno do Sol, rompendo com o

sistema geocêntrico de Ptolomeu (sec. II) e inspirado em Aristóteles. A teoria

do geocentrismo vigorava há quase vinte séculos e era maneira pela qual o

homem antigo e medieval via a si mesmo e ao mundo. A ciência moderna

surge quando se torna mais importante observar e experimentar, ao contrário

da visão antiga que partia de princípios estabelecidos e dogmáticos. É um

processo de transição e não uma ruptura radical. Ao longo desse processo

surgem Galileu e Isaac Newton, entre outros, que vão transformar a visão

científica do século XVII seguinte. O rompimento com a ciência antiga revelou

uma concepção de distinto do universo antigo, que é fechado, finito e

geocêntrico. A nova ciência propõe o modelo heliocêntrico e o universo é

infinito. A ciência é ativa valoriza a observação e o método experimental, une

ciência e técnica. A ciência antiga é contemplativa, separa ciência e técnica. No

Page 36: Filosofia, Direito e Justiça

século XVII a Filosofia e a Ciência se separam. Galileu, usando um telescópio,

demonstra o modelo de desenvolvido por Copérnico. Vai ser interpelado pela

Igreja. Entre os principais pensadores daquele momento, destacam-se:

Copérnico, um sacerdote polonês, propôs a teoria heliocêntrica que atingia a

concepção medieval cristã de que o homem é ser supremo da criação divina e

que por isso a terra é o centro do universo. Giordano Bruno leva adiante a

idéia de Copérnico e desenvolve a concepção de universo infinito. É

condenado e morre queimado vivo na fogueira. Galileu Galilei contribuiu com

descobertas científicas, como o aperfeiçoamento do telescópio, e com uma

nova postura metodológica de investigação científica: observação,

experimentação, uso da linguagem matemática. Por condenar os dogmas

tradicionais da Igreja, também foi condenado pela Inquisição, mas optou por

viver e seguiu fazendo suas pesquisas clandestinamente.

2.4 A revolução científica pode ser considerada uma grande realização do

espírito crítico humano, e acaba concentrando sua atenção na natureza do

universo, na ciência da natureza.

2.5. Desenvolvimento do mercantilismo e ruptura da economia feudal O

mercantilismo antecede ao desenvolvimento da indústria e trouxe novas

necessidades com o surgimento da burguesia, diferentes dos interesses da

nobreza.

2.6. Surgimento dos grandes centros urbanos leva a novos valores e

necessidades. E a invenção da Imprensa permite que as idéias possam ser

publicadas e difundidas.

3. Sobre a produção do conhecimento A Idade Moderna é um período é

marcado por grandes transformações. Estas transformações e o

desenvolvimento da ciência moderna levaram o homem a questionar os

critérios e os métodos usados para aquisição do conhecimento verdadeiro da

realidade. Como podemos conhecer? Quais os fundamentos do conhecimento?

O que é conhecer? Essas questões são essenciais pra a ciência, a ética e

epistemologia. A Filosofia Moderna vai enfrentar o prestígio que o pensamento

de Aristóteles tinha e a supremacia da doutrina da Igreja, na Idade Média, e

inaugurou um modo novo de conceber e compreender o conhecimento. O

século XVII viu nascer o método experimental e a possibilidade de explicação

mecânica e matemática do Universo, que deu origem à ciência moderna. A

Page 37: Filosofia, Direito e Justiça

partir desses questionamentos, duas novas perspectivas para o saber, às

vezes complementares, às vezes antagônicas. Surgem o racionalismo e o

empirismo. O racionalismo e o empirismo constituem novos paradigmas da

filosofia moderna para conhecer a realidade. O que é a razão? Existem vários

sentidos de razão no nosso dia a dia. A Filosofia se define como conhecimento

racional da realidade natural e cultural, das coisas e dos seres humanos. A

razão é a organização e ordenação de idéias, para assim poder sistematizá-

las.

4 A razão é atividade intelectual de conhecimento da realidade natural, social,

psicológica, histórica. Possui um ideal de clareza, de ordenação e de rigor e

precisão dos pensamentos e de palavras. A razão, em sua origem, é a

capacidade intelectual de pensar e exprimir-se correta e claramente, de modo a

organizar e ordenar a realidade, os seres, os fatos e as idéias. Desde o

começo da Filosofia, a origem da palavra razão fez com que ela fosse

considerada oposta a quatro outras atitudes mentais: Ao conhecimento

ilusório. Às emoções, aos sentimentos, às paixões. À crença religiosa, em que

a verdade nos é dada pela fé numa revelação divina. Ao êxtase místico A

Filosofia Moderna foi o período em que mais se confiou nos poderes da razão

para conhecer e conquistar a realidade e o homem – por isso foi chamado de

Grande Racionalismo Clássico. O marco dessa forma de pensamento é René

Descarte, matemático e filósofo, inventor da geometria analítica. O método

escolhido é o matemático, por ser o exemplo de conhecimento integral racional.

9.1 O RACIONALISMO

O racionalismo sustenta que há um tipo de conhecimento que surge

diretamente da razão. É baseado nos princípios da busca da certeza e da

demonstração, sustentados por um conhecimento que não vêm da experiência

e são elaborados somente pela razão. O racionalismo considera que o homem

tem idéias inatas, ou seja, que não são derivadas da experiência, mas se

encontram no indivíduo desde seu nascimento e desconfia das percepções

sensoriais. Enquanto a ciência cristã e antiga constituía um corpo de verdades

teóricas universais, de certezas definitivas, não admitindo erros, mudanças ou

Page 38: Filosofia, Direito e Justiça

crítica, a ciência moderna e racional vai propor formular leis e princípios que

expliquem o funcionamento da realidade.

O pensamento racional ao introduzir a dúvida no processo do pensamento,

introduz a crítica como parte do desenvolvimento do conhecimento científico.

São esses princípios da ciência moderna que encontramos hoje. Principais

pensadores: René Descartes (1596-1650), Pascal (1623-1662), Spinoza (1632-

1677) e Leibniz (1646-1716), Friedrich Hegel (1770-1831). René Descartes,

Nasceu na França, em 1596, em um momento de profunda crise da sociedade

e cultura europeia, passando por grandes transformações e ruptura com o

mundo anterior. Foi um dos principais pensadores do racionalismo. Expôs suas

idéias com cautela para evitar a condenação da igreja. É considerado um dos

pais da filosofia moderna. O princípio básico de sua filosofia é a frase: “Penso,

Logo existo”. A base de seu método é a dúvida de todas as nossas crenças e

opiniões. Para ele, tudo deve ser rejeitado se houver qualquer possibilidade de

dúvida. O pensamento é algo mais certo que a matéria. Ele valorizava a

atividade do sujeito pensante em relação ao real a ser conhecido. Descarte

acreditava que o método racional é caminho para garantir o conhecimento de

uma teoria científica.

9.2 EMPIRISMOS

O Empirismo defende que o conhecimento humano provém da nossa

percepção do mundo externo e da nossa capacidade mental, valorizando a

experiência sensível e concreta como fonte do conhecimento e da

investigação. Segundo os empiristas, o conhecimento da razão, da verdade e

das idéias racionais é importante, mas desde que estejam ligados à

experiência, pois as idéias são adquiridas ao longo da vida e mediante o

exercício da experiência sensorial e da reflexão. O método empirista baseia-se

na formulação de hipóteses, na observação, na verificação de hipóteses com

base nos experimentos. O empirismo provoca uma revolução para a ciência. A

partir da valorização da experiência, o conhecimento científico, que antes se

contentava em contemplar a natureza, passa a querer dominá-la, buscando

resultados práticos. 8 Principais filósofos: Francis Bacon, John Locke, David

Hume, Thomas Hobbes e Hohn Stuart Mill. Francis Bacon, nasceu na Inglaterra

Page 39: Filosofia, Direito e Justiça

criou o lema saber é poder, pois compreende que o desenvolvimento da

pesquisa experimental aumenta o poder dos homens sobre a natureza. John

Locke, médico inglês, dizia que o mente humana é uma tábula rasa, um papel

em branco sem nenhuma idéia previamente escrita e que todas as idéias são

adquiridas ao longo da vida mediante o exercício da experiência sensorial e da

reflexão. Defendeu que a experiência é a fonte das idéias. Desenvolveu uma

corrente denominada Tabula Rasa, onde afirmou que as pessoas

desconhecem tudo, mas que através de tentativas e erros aprendem e

conquistam experiência.

9.3 O RACIONALISMO

O racionalismo e o empirismo são pensamentos distintos, embora exista

um elemento em comum: a preocupação com o entendimento humano. A

Filosofia Moderna O que é conhecer? Como podemos conhecer? Qual a

relação entre consciência e realidade? Essas questões deram origem a uma

área da filosofia preocupada com o processo de conhecimento da realidade: a

teoria do conhecimento, a epistemologia. Em resposta a essas questões foram

formuladas duas propostas teóricas: o racionalismo – o conhecimento emana

da razão e o empirismo – o conhecimento emana da experiência sensível.

Idade Moderna, no século XVII, com Galileu registrou a separação da ciência e

da filosofia. É nessa época que a ciência toma os rumos da ciência atual,

baseada em comprovações, por meio de um método. A Filosofia Moderna

propôs algumas mudanças teóricas: O homem se volta para si mesmo, para

saber se ele é realmente capaz de conhecer a verdade. O homem passou a

refletir sobre seu pensamento. O pensamento tornou-se um objeto de estudo.

Cria a concepção de que a realidade - natureza, instituições sociais e política -

pode ser captada pelas idéias e pela razão. A realidade é racional porque é um

sistema ordenado de causas e efeitos que podem ser conhecidas e

transformadas pelo homem. Já que a realidade pode ser inteiramente

representada pelos conceitos elaborados pelo sujeito do conhecimento, o

homem pode intervir e alterar essa realidade. O homem adquire um enorme

poder sobre a natureza e realidade. Nasce a idéia da experimentação e da

Page 40: Filosofia, Direito e Justiça

tecnologia. Constrói-se o ideal de que o homem pode dominar tecnicamente a

natureza e a sociedade. Nasce uma nova Ciência.

9.4 ALGUNS IMPORTANTES PENSADORES E CIENTISTAS MODERNOS

9.4.1 Galileu Galilei – nasceu na Itália e é considerado o fundador da física

moderna. Defendeu as explicações do universo a partir da teoria heliocêntrica e

rejeitava a física de Aristóteles, adotadas como verdade absoluta pelo

cristianismo. Por contrariar essa visão tradicional foi considerado herege.

Questionava a Bíblia, sendo julgado pelo Tribunal da Inquisição e condenado a

fogueira ou a renegar suas concepções científicas. Optou por se retratar, mas

continuou fiel às idéias e publicou clandestinamente uma obra que contrariava

os dogmas cristãos.

9.4.2. Isaac Newton - nasceu na Inglaterra, físico e matemático, continuou à

revolução científica que deu origem à física clássica. Fala de um universo

ordenado, como uma grande máquina. Além de física, matemática, filosofia e

astronomia, estudou também alquimia, astrologia, cabala, magia e teologia, e

era um grande conhecedor da Bíblia. Considerava que todos esses campos do

saber poderiam contribuir para o estudo dos fenômenos naturais. Suas

investigações experimentais, acompanhadas de rigorosa descrição

matemática, constituíram-se modelo de uma metodologia de investigação para

as ciências nos séculos seguintes.

 

10 A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA

Durante o século XX várias correntes de pensamentos agiram ao

mesmo tempo. As releituras do marxismo e novas propostas surgem a partir de

Antônio Gramsci, Henri Lefebvre, Michel Foucault, Louis Althusser e Gyorgy

Lukacs. A antropologia ganha importância e influencia o pensamento do

período, graças aos estudos de Claude Lévi-Strauss. A fenomenologia,

descrição das coisas percebidas pela consciência humana, tem seu maior

representante em Edmund Husserl. A existência humana ganha importância

nas reflexões de Jean-Paul Sartre, o criador do existencialismo

Page 41: Filosofia, Direito e Justiça

10.1 A FENOMENOLOGIA DE HUSSERL – O CAMINHO ATÉ SUA CIÊNCIA

Faremos um percurso diferente de demonstração da fenomenologia.

Primeiramente, mostro um aspecto geral da fenomenologia de Husserl, a

ciência das essências. E, como ponto de reflexão principal, exponho o

“desenvolver histórico”, como Descartes, os empiristas, em especial Hume, e

até Kant deram, de várias formas, motivos para se aproximar ou manter a

devida distância para, então, se construir a fenomenologia husserliana que

conhecemos.

Aspectos gerais da fenomenologia de Husserl.

O movimento de pensamento conhecido como fenomenológico está

ligado estreitamente a seu principal representante Edmund Husserl (1859-

1938). Este pensamento é posto no interior da rediscussão das concepções

filosóficas positivistas, e atentos ao desenvolvimento do positivismo, da matéria

e das ciências histórico-sociais, eles, os fenomenólogos, os submetem à crítica

sua epistemologia e sua confiança pela ciência.

A fenomenologia tem por palavra-de-ordem o retorno às próprias coisas,

se propõe a ir além dos sistemas construídos no ar.

A expressão ´fenomenológica´ significa antes de mais nada um conceito

de método (…). O termo expressa um lema que poderia ser assim formulado:

voltemos às próprias coisas! E isso em contraposição às construções desfeitas

no ar e às descobertas casuais, em contraposição à aceitação de conceitos só

aparentemente justificados e aos problemas aparentes que se impõem de uma

geração à outra como verdadeiros problemas.

Esta filosofia se sustenta partindo da base de dados indubitáveis para

neles construir o edifício filosófico. “Sem evidência, não há ciência” diria

Husserl nas Investigações lógicas, então na fenomenologia se

procura evidências estáveis. “Os limites da evidência apodítica representam os

limites do nosso saber. Assim, é preciso buscar coisas manifestas, fenômenos

tão evidentes que não possam ser negados”.

Portanto, a fenomenologia ainda procura tais coisas manifestas ou

evidentes através da descrição dos “fenômenos” que se anunciam e

Page 42: Filosofia, Direito e Justiça

apresentam à consciência depois da epoché. E este ponto de aproximação

da epoché dos fenomenólogos, o resíduo fenomenológico, é encontrado na

consciência: “a existência da consciência é imediatamente evidente”.

A fenomenologia, a partir dessa evidência, já que é uma ciência de

essências e não de fatos, pretende descrever os modos típicos como as coisas

e os fatos se apresentam à consciência, ou seja, as essências eidéticas.

Naturalmente, esta fenomenologia é a ciência das essências.

Eis, portanto, o que a fenomenologia pretende ser: ciência,

fundamentada estavelmente, voltada à análise e à descrição das essências.

Com base nisso, podemos compreender como a fenomenologia se distingue da

análise psicológica ou da análise científica. Diferentemente do psicólogo, o

fenomenólogos não manipula dados de fato, mas essências; não estuda fatos

particulares, senão idéias universais.

A fenomenologia não se importa pelos casos particulares como atitudes

morais desta ou daquela pessoa, mas sobre a essência da moral. A

consciência é sempre consciência de alguma coisa – ou seja, é “intencional” –

que se apresenta de modo típico – a essência eidética.

Neste ponto, esta ciência das essências poderia tomar dois rumos: o

idealismo ou o realismo. Husserl, sobretudo o último Husserl, tomará o

caminho do idealismo. “Assim, o pensador que estabeleceu como programa da

fenomenologia o do retorno às próprias coisas, no fim se encontrará com a

realidade única que é a consciência”.

Mas, quais foram as influências que sofreu Husserl?

Isto desenvolveremos a partir de agora.

A origem; o desenvolver histórico; e a construção da fenomenologia:

Em suas Meditações cartesianas, Husserl diz aos ouvintes de sua

conferência em homenagem à filosofia francesa que “a fenomenologia quase

poderia ser chamada de um neocartesianismo”. Quase a não ser o fato de que

a fenomenologia “se viu obrigada a rejeitar quase todo o conteúdo doutrinal

conhecido do cartesianismo, pela razão mesma de que deu um

desenvolvimento radical a certos temas cartesianos”. Husserl tem para com

Page 43: Filosofia, Direito e Justiça

Descartes uma admiração, julgando ser o francês, pai fundador do

“subjetivismo transcendental” inaugurado nas Meditações. Descartes descobre

o ego cogito e se ele se interroga acerca da natureza desse ego, é para

responder se: “sou uma mente ou inteligência ou intelecto”, quer dizer, para

interpreta-lo como um “fragmento do mundo”. As Meditações são uma

reconquista do “fora” a partir do “dentro. Mas Descartes com pressa demais em

pôr o “mundo objetivo” ao abrigo do ceticismo, não pressentiu isso e de sua

filosofia só resta a convicção de que é preciso “voltar aos fundamentos

originários de todo conhecimento na subjetividade transcendental”.

Husserl não poupa elogios aos racionalistas modernos, que herdaram a

idéia de Wissenchaft, herdada dos platonismos. Mas pouca coisa ajuda com

aquilo que lhe falta: uma teoria do conhecimento digna desse nome. O que faz

Husserl se perguntar: “como falar, com efeito, em teoria do conhecimento,

quando os produtos do saber. Qualquer que seja o estágio em que se situem

(juízos empíricos, ciências, proposições a priori etc.), são considerados

simplesmente como dados – de tal modo que o sentido deles não requer

nenhuma elucidação sistemática?” Se prevalecia a ideia de que todas essas

formações já estavam disponíveis, não se atentavam a levar em conta que

esses fenômenos deveriam ser estudados como fenômenos. Kant tão pouco

mostrou luz sobre os prodigiosos recursos metodológicos do ego cogito, pois

está demasiado ocupado com as ciências positivistas em seu direito, para só

dedicar seu tempo a seu respeito enquanto são configurações de

conhecimento.

Os problemas transcendentais dele, em sua forma historicamente

condicionada, não se assentam, como a claridade última do problema aqui o

exige, sobre a base primitiva de toda investigação transcendental: sobre a base

da subjetividade fenomenológica.

Aí se mostra a distância entre o pensamento de Husserl e o de Kant. O

tutor de Kant ainda diria que o pensamento do discípulo nada tem a ver com a

inspiração fenomenológica e que o ele inicia é um “subjetivismo transcendental

de uma nova espécie”.

Page 44: Filosofia, Direito e Justiça

Esta cegueira à “esfera egológica” impede cada vez mais a fundação

sistemática do saber. De Descartes a Kant a despeito de sua exigência de

rigor, continua-se aquém da tarefa que Platão atribuiu à dialética: “não admitir

nenhum saber do qual não seja possível prestar contas (Rechenschaft geben)

em virtude de princípios originários primeiros e perfeitamente evidentes”. Mas

não seria exato dizer que o racionalismo não alcançou tal tarefa: a verdade é

que não se interessou por ele seriamente (à exceção, talvez, de Leibniz).

Porém, o racionalismo apenas pôde ser aparente ao fato de fundar uma

ciência, tendo como “fundar” justificar integralmente suas pretensões.  De

Descartes a Kant não se vê o ensinamento de que maneira as idealidades e

seus encadeamentos se oferecem e impõe a nós. Este é o efeito do segundo

bloqueio que atinge o racionalismo moderno.

Em primeiro lugar, esse racionalismo desconhece o ego cogito como

única fonte possível de toda validação. Em segundo lugar, ele não sente

necessidade de validar a objetividade como tal e por todos os seus tipos.

O Ser-objeto é algo evidentemente “bem conhecido” e, por isso, não é

alvo de maiores investigações. Assim, impede-se toda fundação no sentido da

clarificação última e integral, que Husserl chama de objetivismo e traça a

divisão da filosofia moderna.

No seu sentido original, toda a filosofia moderna, como ciência universal

de fundação última, é, ao menos depois de Kant e Hume, um único combate

entre duas idéias da ciência: a ideia de uma filosofia objetivista no solo do

mundo dado de antemão (vorgegebene Welt) e a de uma filosofia no solo de

uma subjetividade absoluta, transcendental.

Mas de onde está a causa de toda esta falta de curiosidade? Husserl

responde: da intenção à objetividade dos elementos ideais. O mesmo ocorre

com Kant quanto à exposição que traça da lógica formal, que o faz escapar do

problema de como as objetividades ideais obtêm o sentido-de-ser de objetos

(den Seinssinn von “Objekten” gewinnen), diante da contingência dos atos e

dos sujeitos. Daí outras questões se fará Husserl com a necessidade de

tematizar o objeto como cogitatum para decifrar o sentido-de-ser que lhe é

próprio. Mas para chegar lá “é preciso ainda, decerto, ter reconhecido que há

Page 45: Filosofia, Direito e Justiça

objetos idéias: eis a preliminar indispensável”, e eis porque as

suas Investigações lógicas não alçaram vôo “de maneira contingente” e, ainda,

em razão da forte corrente “antiplatônica”.

O preço deste preconceito foi o Seinssinn “Objekt”, a presença de algo

como “mundo objetivo” não ser nenhum enigma. Nem Descartes abalou tal

concepção, tendo, segundo Husserl, depois de milhares de anos, só Berkeley e

Hume, o empirista e o cético, sendo os pioneiros da fundação radical. Aqui

Husserl reconhece sua dívida para com seus antecessores.

Porém, a ideia de fenomenologia, para Husserl, estará sempre ligada a

Descartes e Platão. Os empiristas nunca receberiam o título que Descartes

recebe, o de que suas Meditações são “o primeiro esboço de uma

fenomenologia puta, embora sob a forma de uma fenomenologia puramente

sensualista e empírica”. Só com Locke que a filosofia começa a se

tornar tecnicamente fenomenologia; só então que ela tenta “interpretar

concretamente, numa universalidade sistemática, aquilo que tinha vindo à luz,

embora fugidiamente, nas Meditações”. Vê-se, assim, “a tendência em direção

a um método imanente” do empirismo inglês.

[Locke] é o primeiro a procurar, partindo do cogito cartesiano, o caminho

que leva a uma ciência do cogito […] ele é o primeiro a compreender que é

preciso reconduzir todo conhecimento às fontes intuitivas originárias na

consciência, na experiência interna, e que é preciso elucida-lo a partir destas.

A egologia de Locke se apresenta com uma história da “alma” (entendida como

região mundana). Ele admite a transcendência de um mundo substancial,

pondo de antemão a validade objetiva, validade que ele deveria deixar se

constituir unicamente na esfera do ego cogitans. “Esse parti-pris metafísico

rapidamente aparece como incompatível com o método delineado pelo Ensaio

– e cabe a Berkeley limitar expressamente a investigação acerca das

transcendências ao campo dos dados imediatos: aos fenômenos”. Desta forma,

“legitima permanentemente o empirismo” (das bleibende Recht dês

Empirismus): “o esforço de ajuste à evidência, a vontade de descrever a coisa

percebida como ela se dá”. Neste momento, se pode perdoar, ao menos um

pouco, a “incurável miopia do empirismo”.

Page 46: Filosofia, Direito e Justiça

Husserl defende o empirismo surpreendentemente, mas não se

contradiz. Sua crítica nas Investigações lógicas é do empirismo que trai o

sentido específico dos conteúdos de conhecimento. Não é o método que

desencaminha o empirismo, mas a infidelidade com ele, por isso Husserl

procura defendê-lo dele mesmo. O empirismo se mostra aparência dele

mesmo, pois “é somente em aparência que ele respeita seu princípio de não

enunciar nada que não tenha tirado da intuição”; “é somente em aparência que

ele diz o sentido daquilo que vê, porque decidiu restringir o sentido a uma

região do ente, e sua fenomenologia é filtrada por uma ontologia mutiladora”.

No entanto, trata-se de fenomenologia. O cogito enfim está aberto como campo

de imanência e nada impede mais a interrogação sobre o sentido-de-ser das

diferentes objetividades graças ao preconceito sensualista de Berkeley:

confundir a “coisa” visada como sendo “idêntica” aos perfis sensoriais por meio

das quais se anuncia.

Em Kant seria em vão buscar uma subjetividade absoluta. Mas, se for preciso

escolher entre o “naturalismo imanente” (Hume) e o “objetivismo” (Kant), que

impede a filosofia transcendental de se tornar fenomenologia, antes o primeiro. 

“Hume dissolve o “eu idêntico” que Berkeley ainda conservava: no lugar de um

ego mudanizado”. A Segunda Meditação mostra o desligamento de seu

substrato metafísico.

[Hume] foi o primeiro a levar a sério a atitude de Descartes, de se voltar para a

interioridade pura desembaraçando radicalmente a alma, desde o início, de

tudo o que dá a ela uma significação real mundana e pressupondo-a

puramente como campo de percepções, impressões e idéias

e continua…

Ele foi o primeiro a compreender o problema concreto universal da

filosofia transcendental […]; foi o primeiro a ver a necessidade de estudar

precisamente essas afirmações objetivas como formações de sua gênese, a

fim de tornar compreensível, pelas suas origens últimas, o exato sentido-de-ser

de tudo aquilo que existe para nós […].

Page 47: Filosofia, Direito e Justiça

O Tratado foi visto como uma investigação empírica, ninguém observou

até o nascimento da fenomenologia os eventos que ocorriam nas esferas das

percepções.

No fim do Primeiro Livro, Hume, de certa forma, confessa seu fracasso

como fenomenólogos.  Mas Husserl diz que era necessário que o projeto de

Descartes fosse pervertido em solipsismo e que também o era que Hume fosse

conduzido a essa “consequência monstruosa (ungehewerliche Konsequenz)”.

Mas por que Hume não pôde ser um fenomenólogos?

Na Segunda Lição de A idéia de Fenomenologia (1907), talvez indique a

resposta. Husserl quer provar que quando se descobre um enigma, o novo

saber se encarregará de evitar os obstáculos de Hume, no caso, isto é, o

“objetivismo” e o uso do transcendente como “já dado”.

Sem dúvida, eu sei desde sempre que possuo um saber do

transcendente – e “nenhum homem sensato duvidará da existência do mundo”.

Mas esse factum (Daß) deve permanecer, no caso presente, inteiramente fora

do jogo, pois ele não poderia instruir-me acerca da possibilidade, acerca

do como (Wie) desse conhecimento (…) mas é precisamente essa

possibilidade que é e sempre será enigmática, a menos que se torne patente,

na clareza da evidência, que faz parte do conhecimento “alcançar um ser

transcendente”.

Tal é a solução de Hume, com consciência dos seus riscos. Mas, uma

vez que Hume constata sua falência, lhe resta apenas voltar à ingenuidade pré-

filosófica? Não.

Se alguém [diz Hume] se acostumou a fazer considerações críticas

sobre a incerteza e os estreitos limites da razão, ele não as esquecerá

inteiramente quando voltar sua reflexão para outros assuntos: em todos os

seus princípios e seus raciocínios filosóficos (não ouso dizer em sua conduta

corrente) ele se mostrará diferente […].

Tradução de Husserl: aquele que deixou o Daß (factum) de lado para

buscar sem nenhum proveito o Wie (como)

Page 48: Filosofia, Direito e Justiça

Deveria, se é consequente, renunciar também ao seu ponto de partida:

ele deveria reconhecer que, nessa situação, o conhecimento do transcendente

é impossível, que seu pretenso saber a esse respeito é um preconceito. O

problema então já não será: como o conhecimento transcendente é possível? –

mas como se pode explicar o preconceito que atribui ao conhecimento uma

operação transcendente (transzendente Leistung): este é precisamente o

caminho de Hume.

Mas, sobre isso, que é este cético? O cético é aquele que coloca as

transcendências fora de circuito e as converte em niilismo, por incapacidade de

fundar seu saber. Manter a devida distância será de extrema importância para

o fenomenólogos.   Uma vez que só encontra no cético um precursor técnico,

invoca uma linhagem espiritual

O pensamento que rompe com o “objetivismo”, o empirismo, não pode

se manter à altura do projeto transcendental. “O “objetivismo” sanciona a

indiferença perante o problema seguinte: de que maneira algo que é o produto

de uma constituição de sentido pode no entanto valer como “objeto”?  E esse

problema só pode ser motivado pelo reconhecimento da objetividade ideal: foi

por falta de atenção a esta, e de reflexão sobre seu estatuto, que os filósofos

permaneceram insensíveis ao enigma que é a transcendência em geral”.

Nenhuma filosofia nega mais ferozmente os objetos ideais que o

empirismo. De nenhuma experiência a “idéia abstrata” nos seria dada, segundo

tipo de filósofo. Jamais teríamos consciência de uma idéia geral das coisas; de

uma consciência-do-geral. Desconhece o fato de que o geral pode ser objeto

de uma intuição evidente imediata. Para isto, sustenta que “a exigência de

evidência só é satisfeita pelo recurso a um dado sensível. Ele vai, portanto,

reclamar o indubitável de um evento ou encontro. E toda verificação de uma

idéia seguirá o passo de reduzir-se à impressão, seu “ens certum”. Mas como

tal impressão é vivida? O que nos ensina ela sobre si mesma? Como se faz

para que seja nela que encontramos o dado-em-pessoa? O empirista, para

isto, tem um silêncio ou um absurdo: a impressão é mais forte que a idéia, mais

vívida. Daí não sabemos o que faz da impressão, uma “impressão”.

Page 49: Filosofia, Direito e Justiça

De que lhe serve então, então, considerar os fenômenos, se não

consegue sequer se interrogar sobre o sentido que especifica cada

representação? Se já transformou esses fenômenos em coisas “que são, mas

nada significam, nada visam, nada trazem em si de sentido (tragen nichts in

sich non Sinn)”. [39]Assim, a investigação fenomenológica que não chega a

acontecer é substituída por uma descrição fenomenista.

É perdoável a naturalização da vida da consciência, mas não o erro de

tematizar os fenômenos e, em contra partida, julgar ter acertado tratá-los como

eventos. Um momento que Husserl acusa Hume de inconsequência é quando:

“levado por seu ardor nominalista, Hume, para se fechar melhor em seu

sensualismo, teria decidido passar em silêncio a problemática do sentido e

descrever os fenômenos sem se interessar por aquilo que eles apresentam e

pela maneira como a apresentam”. Indo contra a noção

dephaínesthai (fenomenologia). O operador, para o empirista, é desprovido de

valor. O que há são conexões entre conteúdos indiferentes, ou seja,

O empirista não aceita a distinção inaugural das Logische

Untersuchungen (Investigações Lógicos) entre os dois modos do ser-signo: o

índice (Anzeige) e a expressão ou signo significante (Ausdruck, bedeutsame

Zeichen), pela qual “exponho algo de maneira expressiva” a um receptor que

não precisa senão ouvir e não interpretar (deuten). No universo empirista, nada

há além de índices (mesmo o retrato que vejo é índice de meu amigo ausente,

da mesma maneira que “o estigma é o signo do escravo; a bandeira, o signo da

nação”), e não se faz outra coisa senão interpretar. Jamais existe o momento

em que o dado “já não vale por si mesmo”, mas não faz outra coisa que “tornar

representável (vorstelling machen) um objeto diferente”.

E a melhor prova de que a absorção do signo no índice pertence à

essência do empirismo é esta:

Onde dizemos que um estado-de-coisas A é uma indicação de um

estado-de-coisas B, que o ser de um indica que o outro também existe, nós

podemos, em nossa expectativa de encontrar realmente também esse último,

ter uma certeza inteira. Mas, falando dessa maneira, não queremos dizer que

haja uma relação de conexão evidente (einsichtig), objetivamente necessária,

Page 50: Filosofia, Direito e Justiça

entre A e B; aqui, os conteúdos de juízo não se encontram para nós numa

relação de premissas a conclusões.

“Estas linhas determinam admiravelmente a relação de ‘causação’ em

Hume, isto é, determinam o único sentido que o empirismo pode admitir para a

idéia de ‘conexão necessária”. Assim, por não reconhecer que um significado

pertença por essência a um signo, jamais há de se encontrar, para estabelecer

sua conexão com outro conteúdo, algo que por natureza se anteciparia ou

projetaria na impressão. Dadas tais condições Hume reconheceria que a

“subjetividade” de Husserl faz falta ao “sujeito” do qual ele fala: esta é a

condição de seu empirismo. “A experiência é, portanto, bem exatamente o

meio que substitui a subjetividade constituinte – o horizonte sob o qual os

signos são por princípio liberados de toda função representativa. Em

compensação, a ilusão representativa pretende nos dispensar da experiência,

criando ligações-de-essência das quais a subjetividade constituinte pretende

dar uma leitura sistemática”.

Por ter a noção de sujeito pouco característica do idealismo

fenomenológico, Husserl critica Hume por ter reconstruído o ego como ficção,

mas não por tê-lo feito desaparecer como substância. Este foi, na realidade,

seu lance de gênio: “ter reduzido o ego a um fluxo de vivências, a transições de

percepções (…) Foi graças a isso que restituiu o verdadeiro sentido à

“interioridade” cartesiana e tornou possível uma fundação radical”.

Ainda diz-nos Husserl sobre Hume:

Havia preenchido a condição indispensável para que fosse empreendida

uma investigação, sem preconceitos, dos fenômenos. Esta requer, porém, uma

outra coisa: é preciso ainda saber que o ego cogito é o único espaço no qual se

pode desenvolver uma ciência eidética pura. A convicção de que o ego não

seja nem uma alma, nem qualquer figura do sujeito insular, representa um

progresso essencial – mas com a condição de que se determine essa não-

coisa como um código de legalidades e de constrangimentos essenciais que

governe todas as figuras da objetividade.

A fundação absoluta do conhecimento só se é possível com os

caracteres essenciais gerais (Wesenseigenheiten), as legalidades essenciais

Page 51: Filosofia, Direito e Justiça

(Wesensgesetzlichkeiten) como princípios de todas as elucidações ulteriores.

[51] Este phaínesthai não é de longe um efeito de superfície, “ele

é expressivo de ponta a ponta e desde sempre – que ele é, por definição, um

conjunto de signos significantes -, o “abecedário”, como gosta de dizer Husserl,

de tudo aquilo que jamais poderemos saber”.

Assim, apesar das desavenças, Hume permaneceu para Husserl um

ancestral excêntrico, no qual jamais entreviu o inimigo mortal da “ratio”.  Os

limites de Hume e seus absurdos foram uma aula para onde Husserl deveria se

distanciar para fundar sua filosofia da essência. Mas “sem dúvida, como saber

radicalmente novo, anti-objetivista, como recomeço integral, a fenomenologia

pode aceitar esse “aliado objetivo”, que lhe iguala em arrojo. Mas, como

fenômeno-logia, em que extravagante companhia ela se acha colocada”.

PARTE II DIREITO NA FILOSOFIA

1 FILOSOFIA E DIREITO PARA OS GREGOS

A generalidade dos gregos os levaram a ver uma ordem, uma unidade,

uma harmonia por detrás da multiplicidade caótica das coisas e dos

acontecimentos. Platão dizia que “é necessário ir até onde nos leva a Filosofia

e o espírito”. Assim como a religião envolvia toda a esfera social da vida do

grego, o direito consequentemente também passou a fazer parte desta

atmosfera. O Direito provinha da divindade, dispondo da ordem e da harmonia.

O rei recebia themis e cetro (entidades que personificam o direito) de Zeus e

segundo a tradição consuetudinária, criava-se as normas que deveriam ser

aplicadas. A mais alta meta para os tempos antigos era a busca de um direito

igualitário. Seria então neste momento que surgiria o problema em relação ao

peso e medida para o intercâmbio de mercadorias.

Procurava-se uma medida “justa” para a atribuição do direito e foi na

exigência da igualdade, implícita no conceito de dike (sentido de igualdade

perante a lei), que se encontrou tal medida. Trata-se aqui da própria factilidade

daquilo que é o meu e o teu numa disputa, numa relação. Tudo acontece numa

Page 52: Filosofia, Direito e Justiça

certa igualdade que orienta o juiz na busca do justo. Uma nova consciência do

direito trouxe a palavra genérica dikaiosyne, que se traduz por justiça. Esta

palavra chegara a Platão e Aristóteles como a mais alta das virtudes, que

significava a perfeição do homem. Instaurava-se também a exigência de uma

igualdade de todos perante a lei. A lei para os gregos não era algo imposto

pelo Estado, como para nós modernos parece ser. A lei para eles provinha de

uma tradição oral e consuetudinária. Desta forma, era uma regra nascida no

seio da polis, naturalmente.

A contribuição dos Sofistas O movimento sofístico aparece na Grécia no

século V. Estes possuíam características particulares, tais como: eram

professores ambulantes que iam de cidades em cidades ensinando os jovens,

ensinavam por dinheiro, conquistavam grande êxito social devido ao estilo

oratório e retórico, mas fundamentalmente pedagogo. Tinham pretensões de

que sabiam tudo e tudo ensinavam. A polis vive um período muito conturbado

neste momento, onde a ciência envolvia quase todos os campos de

investigação. A vida econômica está mudada em face do alargamento das

atividades produtivas e do incremento das relações exteriores. A educação

tradicional, à base de música, rítmica e ginástica, tornara-se insuficiente para

preparar aqueles que desejavam intervir de maneira eficaz na arena política. A

palavra sofista deriva da mesma raiz Sofia, sabedoria. A sofística põe o

problema do ser e do não- ser, mas o propósito de si mesma e, portanto, do

homem. Ela tinha um caráter público, de modo que fosse dirigida aos cidadãos.

Os sofistas de maior importância foram Hípias, Pródico, Eutidemo,

Protágoras e Górgias. 7278 O uso da palavra “sofista” é empregado em sentido

elogioso pelos escritores do século V. Mas a partir da guerra de Peloponeso

(431-404 A.C.) o termo adquire um sentido pejorativo e desfavorável, já que

suscitaram reações opostas dos tradicionalistas. Aristóteles qualifica-os de

“traficantes de sabedoria aparente, mas não real.” (Soph. EI, I 165 a 21). Platão

realça a sua vaidade como “caçadores interessados de gente rica, vendedores

caros de ciência não real, mas aparente.” (Mênon 91c; Sofista 231d; Crátilo

403). O aparecimento da Sofística, no século V A.C., não se registrou por

acaso, mas em decorrência do fato histórico da democratização de Atenas que,

à época de Péricles renunciara ao regime aristocrático. As necessidades às

Page 53: Filosofia, Direito e Justiça

quais os Sofistas procuravam atender eram de todas as cidades gregas

democráticas, onde agora todo e qualquer cidadão podia participar da vida na

polis. Péricles abria frente agora para uma virtude política que não mais

dependeria da tradição, da família ou do sangue, mas sim de uma nova

pedagogia, cujo pressuposto é a igualdade e liberdade de todos os cidadãos.

Foi um período de culto às grandes personalidades e através da

necessidade de se educar o jovem cidadão nas mais diversas artes com uma

formação mais ampla, acompanhada de um domínio exato da língua e da

flexibilidade e agudeza dialética necessárias para derrotar o adversário, nada

melhor que os sofistas que sabiam falar sobre tudo para preparar tais jovens

para assumir a direção do governo da polis. Um fato que motivava os sofistas e

valorizava as suas orientações era a circunstância de que, na Ágora (reunião

dos cidadãos no centro da cidade como um debate para discutir os problemas

da polis), os cidadãos expunham oralmente, diante dos juízes, as suas próprias

causas. Embora defendessem, algumas vezes, teses absurdas, provocando

reações, não tinham o hábito de fundar seus argumentos em princípios

religiosos, daí Hans Welzel ter realçado que o aparecimento dos sofistas trouxe

para o espírito grego o advento da Ilustração. Na Filosofia a sofística

representa uma crise, na qual a ciência correu o perigo de petrificar-se,

convertendo-se em utilitarismo e em retórica vazia. Tanto que os sofistas

possuíam um certo relativismo na medida em que fixavam-se na

impermanência e pluralidade e eram subjetivistas ao ponto de apreciarem cada

coisa como lhes parecesse. Eram céticos e indiferentes quanto a aspectos

morais e religiosos.

Abusavam de uma frivolidade intelectual onde podiam confiar

ilimitadamente no poder da palavra. Os sofistas conseguiram trazer um giro

copernicano na filosofia grega, que abandonou suas investigações

cosmológicas pela fase da antropologia. Pelo fato de não terem deixado

escritos, suas idéias são conhecidas pelas obras de seus adversários,

especialmente pelos diálogos platônicos. Não chegaram a formar uma escola,

pois não adotaram uma linha única de pensamento, sendo comum uma

divergência de idéias, entretanto, convergiam seu estudo num idêntico alvo: o

homem e seus problemas psicológicos, morais e sociais. Eles ensinavam que

Page 54: Filosofia, Direito e Justiça

cada homem possui seu modo próprio de ver e de conhecer as coisas. Neste

sentido o direito, para eles é algo relativo, opinião mutável, expressão do

arbítrio e da força:” justo é aquilo que favorece ao mais forte”. Assim,

Trasímaco pergunta se a justiça é um bem ou um mal, e responde:” A justiça é

na realidade um bem de outrem; é uma vantagem para quem manda, é um

dano para quem obedece”.

Em geral, os sofistas eram céticos em moral e mais negadores e

destruidores do que construtivos e afirmativos. Pode-se dizer que eles

suscitaram a grande filosofia idealistas grega, da qual nenhum outro povo

orgulhou-se em pertencer. Eles são uma consequência natural daquele

momento, de forma que foram eles pela primeira vez que fizeram as perguntas

pelo fundamento da lei, pela sua validade, pela definição do direito e da justiça.

Acreditavam que as leis variam de cidade-Estado para cidade-Estado e que

para ser cidadão de uma polis, este deveria obedecer às suas leis. Surge então

um certo relativismo, já que as leis estão em um aberto confronto com a

natureza, com a ordem natural do mundo físico. A proposição fundamental de

Protágoras foi o axioma: “O homem é a medida de todas as coisas, dos que

são pelo que são, e das que não são pelo que não são.” Tal expressão foi

considerada a magna carta do relativismo ocidental e trouxe à tona exatamente

o indivíduo singular. Deste modo, o sofista tinha o intuito de preparar todo e

qualquer aluno para os conflitos de pensamento ou de ação da vida social, isto

é, tratava-se de ensinar a criticar e a discutir, organizando um torneio de razões

contra razões.

“Algum estudioso tentou interpretar o princípio protagoriano sustentando

que o homem do qual ele fala não é o homem individual, mas a espécie

homem, fazendo assim de Protágoras um precursor de Kant; mas todas as

nossas fontes antigas excluem decididamente a possibilidade desta exegese.”

Segundo Diógenes Laércio, Protágoras afirmava que “em torno de cada coisa

existem dois raciocínios que se contrapõem entre si”, isto é, que sobre cada

coisa é possível dizer e contradizer, aduzir razões que reciprocamente se

anulam. Deste modo, o objetivo de Protágoras seria ensinar como é possível

sustentar o argumento mais frágil. O que certamente não significa que ele

ensinasse a injustiça e a iniquidade contra a justiça e a retidão, mas

Page 55: Filosofia, Direito e Justiça

simplesmente que ele ensinava os modos com os quais era possível sustentar

e levar a vitória o argumento (qualquer que fosse o conteúdo) que, na

discussão, em determinadas circunstâncias, podia resultar o mais frágil.

Adotaram um convencionalismo jurídico acentuando a contraposição entre

lei e natureza. Não acreditavam em leis imutáveis e eram convencidos de que

estas não passavam de convenções dos homens para poder viver em

sociedade. A única lei que o homem poderia ter era a “natural” de seus

instintos. Como não havia nada justo nem injusto em si, acreditavam num

oportunismo político, onde todos os meios são bons para conseguir o fim que

cada qual se propõe. Disto temos “o fim justifica os meios”. Em vez do ideal ser

o homem bem constituído e dotado, o bom guerreiro, por exemplo, passa a ser

o sábio, o homem que tem o noûs (mente, inteligência), ou seja, o homem que

sabe como proceder e como falar, o bom cidadão. Quando isto se generaliza

na Grécia, como cada homem tem noûs, o resultado é uma democracia. O

principal escopo da sofística era a arte do convencimento. Pode-se dizer que a

Filosofia do Direito nasce com os sofistas. Eles representavam a nova

consciência contestadora da ordem jurídica vigente e a grande questão que

será trazida à Filosofia do Direito será a oposição entre physis e nomos.

O que é grave é que os sofistas proclamaram a inconsistência das coisas e

abandonaram o ponto de vista do ser e da verdade, que mais tarde tratariam

Sócrates e Platão de recuperar. A oposição entre natureza e lei não aparece

nos grandes sofistas, exceto em Hípias e Antifonte. Hípias deve ter sido muito

famoso (Platão lhe dedicará dois diálogos) e além disso condividia a

concepção do fim do ensinamento (educação política). Entre as disciplinas que

o seu enciclopedismo didático propunha, as matemáticas e as ciências naturais

tinham grande relevo. Esta oposição radical quebra toda a tradição do

pensamento grego até a época dos sofistas. Hípias defendia um conhecimento

enciclopédico e costumava dizer: “Homens aqui presentes, eu vos considero

consangüíneos, parentes e concidadãos por natureza, não por lei de fato. O

semelhante é por natureza parente do semelhante, enquanto lei, que é tirânica

dos homens, amiúde de força muitas coisas contra a natureza.” (Platão,

Protágoras 337).

Page 56: Filosofia, Direito e Justiça

Neste sentido, a natureza passa a ser apresentada como o que une os

homens e a lei, ao invés, como o que os dividem. A natureza, para os

helênicos, é um cosmo que deve ser justificado, ou melhor, é uma certa ordem

em si mesma, possuindo uma harmonia que lhe é dada por um deus. A partir

deste momento nasce a distinção entre o Direito natural e Direito Positivo, onde

as leis humanas serão passadas por uma dessacralização e serão tidas como

convenções ou arbítrios. A idéia que chegamos aqui é que os gregos não

estavam preocupados com a lei mas sim com o fazer justiça. A lei natural

passa a ser a verdade e a lei positiva se torna pura opinião (doxa). Deste

modo, permitiria-se a transgressão de qualquer das leis dos homens se o

motivo fosse seguir e respeitar as leis da natureza. Hípias lançava as bases de

um cosmopolitismo, querendo atingir as bases de um direito universal,

ideologia que até então não tinha aparecido. Com a distinção entre Direito

Natural (lei de natureza) e um Direito Positivo (lei posta pelos homens), nasce a

idéia de que apenas o primeiro é válido e eterno, enquanto o segundo é

contingente, e no fundo, não válido.

E assim são lançadas as premissas que levarão a uma total

dessacralização das leis humanas, que serão consideradas fruto de pura

convenção e de arbítrio, e, portanto, frutos indignos do respeito do qual sempre

estiveram circundadas. Hípias tira desta distinção mais conseqüência positivas

do que negativas, posto que a natureza dos homens é igual, não tendo sentido

as distinções que dividem os cidadãos de uma cidade dos de outra, nem as

distinções que no interior das cidades possam ulteriormente dividir os cidadãos:

nascia assim um ideal cosmopolita e igualitário, que para a grecidade era não

só novíssimo, mas revolucionário. Muito mais radical, Antifonte, defendia com

uma maior veemência as concepções igualitárias e cosmopolitas propostas por

Hípias. Esse entende por natureza a natureza sensível, isto é, a natureza pela

qual o bem é o útil e o prazer, o mal é o prejudicial e o doloroso, sendo a

natureza espontânea e tendo uma liberdade instintiva. Motivo este que a lei era

vista como não natural na medida em que passava a constringir, refreiar, por

obstáculos ou dores à espontaneidade.

Antifonte chegou a radicalizar o dissídio entre natureza e lei ao limite da

ruptura, afirmando, em termos eleáticos, que a natureza é a “verdade”

Page 57: Filosofia, Direito e Justiça

enquanto a lei positiva é pura “opinião” e, portanto, que uma está quase

sempre em antítese com a outra e, por conseqüência, deve-se transgredir a lei

dos homens, quando se puder fazê-lo impunemente, para seguir a lei da

natureza. As concepções igualitárias e cosmopolitas do homem propostas por

Antifonte também são mais radicais. O iluminismo sofístico dissolveu aqui não

só os velhos preconceitos de casta da aristocracia e o tradicional fechamento

da polis, mas também o mais radical preconceito, comum a todos os gregos,

quanto à própria superioridade sobre os outros povos de modo que qualquer

cidade é igual à outra, qualquer classe social é igual à outra e qualquer povo é

igual a outro, pois todo homem é por natureza igual ao outro. Deste modo, o

homem passa a ser igual independentemente de qualquer circunstância: os

homens são, assim, iguais por natureza, quer sejam gregos ou bárbaros.

Tal igualdade defendida pelos sofistas seria uma ruptura da ordem da polis,

onde tanto ricos como pobres a ela se submeteriam. Tudo isto é conseqüência

direta da distorção por eles operada no conceito da natureza. Alguns dos

méritos dos sofistas foram que na Política ampliaram o conceito de lei, muito

estreito e particularista até então. Elaboraram o conceito de justiça, além de pôr

a diversidade e o relativismo das leis civis, próprias de cada cidade,

sublinhando a contraposição entre natureza, lei e pacto, nas quais baseiam-se

respectivamente, o direito natural, o legal e o convencional. Seu conceito de

natureza comum a todos os homens serviu para dar à lei um caráter mais

universalista. Na Educação introduziram um ideal pedagógico mais amplo e

completo que o tradicional. Na retórica formaram um sistema cultural

enciclopédico, preparando os jovens para intervir com êxito nos debates

políticos e no governo do Estado. Na gramática trouxeram a importância

concedida à palavra que contribuiu para a fina e aperfeiçoar o uso da língua e

da oratória e na filosofia romperam com o exclusivo interesse dos filósofos

acerca dos problemas da Natureza, refletindo, em vez, sobre os problemas

humanos e finalmente aperfeiçoaram a dialética.

Apesar de toda contribuição positiva, esta não foi demasiada importante

comparada com o avanço gigantesco que poucos anos mais tarde iria dar a

Filosofia por obra dos três grandes gênios: Sócrates, Platão e Aristóteles. A

contribuição de Sócrates. Ele defende que a pesquisa filosófica não podia ser

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levada adiante ou continuada depois dele por um escrito. Achava que nenhum

escrito poderia suscitar e dirigir o filosofar. Redireciona a filosofia para os

caminhos do ser e da verdade, prática do bem, da justiça, enciclopédia,

acreditava que com a política haveria o bem da pólis, acreditava em leis

estáveis, normas universais verdadeiras, busca da verdade, incitando seus

discípulos a descobri-la. Apenas é conhecido por depoimentos que não

coincidem uns com os outros. Seus testemunhos são contraditórios, mas há

dois testemunhos concordantes, os de Platão (A Apologia de Sócrates) e

Xenofonte (As Memoráveis), e um discordante, o de Aristófanes. É muito mais

provável que sua figura e seu pensamento correspondam ao protagonista dos

diálogos platônicos que ao grotesco personagem de As Nuvens.

A maior oposição de Sócrates foi manifestada contra os sofistas e o

mesmo se utiliza de um máximo esforço para provar a inanidade de

pressupostas ciência daqueles. Fiel a democracia, seu maior paradoxo foi o de

nada ter escrito e muito já ter-se escrito sobre ele, sendo que cada uma dessas

obras junta uma condição de dose pessoal de imaginação ou de fascínio.

Nasceu em Atenas, onde terminou seus estudos, adquirindo seu estilo de vida

e pensamento nesta cidade. Somente havia saído dela para cumprir as

obrigações militares. Desta forma, mostrava um certo tipo de sedentarismo por

Atenas, esta pela qual, era o centro de um vasto império político e sobretudo o

centro de toda a vida cultural ocidental. A primeira característica de Sócrates

era a de ser ateniense. Mas tal Atenas cujo regimento político e brilho cultural

todo o Ocidente louvava, não perdia a sua base tradicionalista e pouco

tolerante. A sabedoria da cidade se utilizava de uma moral pragmática,

penetrante de um ideal utilitário. Dizer que Sócrates inventa em Filosofia a

ética, quer dizer que pela primeira vez ele pensa como ateniense como as

armas da Grécia.

Quanto ao Direito, não formulou nenhum sistema sobre, deixando

considerações esparsas sobre o problema da lei e da justiça. O grande sábio

identificou a justiça com a lei: “Eu digo que o que é legal é justo”; “quem

obedece às leis do Estado obra justamente, que as desobedece, injustamente.”

Orientava, assim, na plena obediência à lei, proclamando ser um ato de

injustiça a sua violação, implicando o desrespeito em quebra de um pacto

Page 59: Filosofia, Direito e Justiça

(concepção contratualista). Encontram-se também manifestações de natureza

jusnaturalista, pois, no diálogo com Hípias, o sábio aborda sobre leis não

escritas de caráter universal e que seriam de origem divina.

Acreditava que as leis do Estado haveriam de guardar sintonia com as leis

da natureza, em consonância com a vontade dos deuses e da lei. Por isso, em

hipótese alguma, os cidadãos deveriam cometer injustiça, mesmo quem a

tivesse recebido anteriormente. Sócrates confessa reconhecer, possuir uma

ciência, a ciência própria do homem e é aí que ele inicia a sua missão:

reencontrando o velho preceito “conhece-te a ti mesmo” (Nosce te ipsum).

Desta tomada de atitude de consciência, surge um ensinamento, um método,

uma atitude e isso nos faz concluir que os valores são perfeitamente

independentes de todo conhecimento constituído. Não será a instrução que

formará o juízo nem os professores às virtudes. Cada um tem seu domínio e se

apóia em seus títulos. A reação antiintelectualista se volta facilmente para

Sócrates. Múltiplos motivos justificaram pois o processo.

O processo se iniciou diante de um júri popular sorteado: 501 juizes. O trio

de acusadores fala primeiro. Sócrates fala, não cedendo ás pressões de 7283

seus amigos e recusando-se a preparar sua defesa ou mandar compô-la por

um advogado profissional. Sócrates desconfia até o fim da escrita. No

momento que se esperava que ele suplicasse ao júri a clemência, eis que se

recusava a abaixar-se. É por 281 votos contra 220 que Sócrates é declarado

culpado. Ao invés de propor sua boa vontade ao propor pelo menos uma

pesada multa. Antes de morrer, ainda se dá ao trabalho de agradecer aos 140

juízes que o absolveram e de lamentar os outros por seu erro. Apesar de

muitos acharem que ele provocou a sua própria morte, não podemos chamá-la

de suicídio, pois o suicídio supõe uma fuga, ou ao menos uma ruptura. Mas

Sócrates não rompe com nada. Ao negar a sua fuga aos amigos, disse-lhes

que “era preciso que os homens bons cumprissem as leis más, para que os

homens maus respeitassem as leis sábias.”

A contribuição de Platão O retrato que a história da Filosofia possui de

Sócrates foi traçado por seu mais importante aluno e discípulo, o filósofo

ateniense, Platão. Foi Sócrates quem abriu caminho a toda especulação

filosófica, mas não nos legou o sistema completo, de modo que seu discípulo

Page 60: Filosofia, Direito e Justiça

teria a convicta função de aperfeiçoar e, sem dúvida, Platão aperfeiçoa a

maiêutica de Sócrates e a transforma no que ele chama de dialética. A dialética

platônica conserva a idéia de que o método filosófico é uma contraposição.

Entende a idéia de que é preciso partir de uma hipótese primeira e depois a ir

melhorando à força das críticas, sendo que as críticas melhores se fazem no

diálogo, isto é, num intercâmbio de afirmações e negações: e por isso a

denomina de dialética. O encontro com Sócrates foi determinante no

pensamento de Platão, no sentido de que aquele supunha possível expressar

as essências designadas pelos termos morais – justo, bom, corajoso, etc e

mais ainda, sustentava a necessidade de se conhecer o que é (por exemplo) a

justiça ou a virtude para que uma ação justa ou virtuosa fossem praticadas sem

dúvida alguma. Ele costumava dizer: “Rendo graças a Deus, por ter nascido

grego e não bárbaro; livre e não escravo; homem e não mulher; rendo-as,

porém, acima de tudo, por ser contemporâneo de Sócrates.”

Essa busca socrática, legada por Platão, era a radical oposição às idéias

no núcleo dos ensinamentos dos grandes sofistas do século V, como veremos

adiante. Descendente de família nobre, Platão recebeu educação esmerada,

onde pôde conviver boa parte de sua vida com os ensinamentos de seu

mestre. Mais tarde, já aos quarenta anos, após viajar para o Egito e sul da

Itália, convivendo com os pitagóricos e Dionísio, retornou a Atenas e ali fundou

a sua Academia (nos “jardins de Academo”, com os dizeres: “Que ninguém

entre aqui se não for geômetra.”), na qual se cultivavam as ciências e a

Filosofia, permanecendo naquele centro de estudos até o fim de sua existência.

“Platão tem a inteligência fina, servido por uma imaginação brilhante e

inspirado por um profundo sentimento; temperamento poético e místico, deixa

gostosamente o mundo das contingências para atingir a esfera serena do ideal

e entregar-se a especulações elevadas e sutis. Seus “Diálogos” são obras

clássicas.”

Toda a filosofia de Platão tem uma orientação ética: ela ensina o homem a

desprezar os prazeres, as riquezas e as honras, as renúncias aos bens do

corpo, desse mundo e praticar a virtude. Este ensinamento moral de Platão não

poderia deixar de causar uma profunda impressão entre seus contemporâneos,

uma vez que subvertia radicalmente os valores tradicionais. Enquanto no

Page 61: Filosofia, Direito e Justiça

pensamento socrático a ética possui conotação utilitária, pois identificara o bem

como o útil e o agradável para o homem, em Platão essa noção se apresenta

desprovida de condicionamento, pois o bem teria valor em si mesmo. O longo

diálogo da República será inspirado pelo tema fundamental da justiça, além de

ser um diálogo de natureza política. A função educativa que implica seleção e

formação com um profundo sentido ético-político tem na cidade platônica uma

importância de primeira ordem, pois dela depende que se alcance o ideal da

comunidade social. Por este motivo, “A República” deveria denominar-se “O

Estado”, ou ainda “Politéia”, designando “regime ou governo da polis”.

No Livro I da República, Sócrates e Glauco vão ao Pireu com o objetivo de

fazer orações à deusa e no caminho de volta acabam por ser convidados por

Polemarco a ficar na cidade. É na casa do anfitrião que empreendem uma

discussão e a crítica dos conceitos vigentes de justiça. Apesar das

argumentações de Trasímaco e Glauco, que acreditam, respectivamente, ser a

justiça o que convém à mais forte ou pura convenção dos homens, Sócrates

consegue rebater todas estas teorias com o seu jeito humilde de ser. Chegam

a conclusão de que “o homem justo é o absolutamente bom e fazer mal aos

outros não é função do mesmo. É por isso que os bons ocupam as

magistraturas, quando governam, pois vão para o poder como quem vai para

uma necessidade. Logo, o justo assemelha-se ao homem sábio e bom, e o

injusto, ao mau e ignorante”.

No livro II da República Platão confessa que a maioria das pessoas pratica

a justiça por causa das aparências, em vista do salário e da reputação que vão

adquirir. Foi a partir do momento que as pessoas começaram a cometer

injustiças umas para com as outras que se originou o estabelecimento de leis e

convenções entre elas. O fato das pessoas se unirem numa cidade formando

uma sociedade é devido ao fato delas não serem autossuficientes. Assim,

como um homem necessita do outro, serão tais necessidades que fundarão a

Cidade-Estado. Deste modo, a justificativa para a existência do Estado era o

fato deste ser um processo de adaptação criado pelo homem para suprir as

suas deficiências, provendo então as mais variadas necessidades. A essência

do Estado seria então, não uma sociedade de indivíduos semelhantes e iguais,

mas dessemelhantes e desiguais.

Page 62: Filosofia, Direito e Justiça

Sobretudo, a harmonia que deveria imperar na sociedade só seria possível

num Estado organizado racionalmente, já que tanto a propriedade como a

família eram vistos como fatores de instabilidade social, pois provocam divisões

entre os homens e o confronto de interesse geral com o particular. As

entidades sociais intermediárias, que existiam entre o Estado e o indivíduo

poderiam ser suprimidas na visão do filósofo. Deste modo, adotava uma família

única, capaz de assegurar a completa e perfeita unidade orgânica e harmônica

do Estado. Mas tais teses só valeriam apenas para as duas classes superiores

(magistrados e guerreiros) já que eram os que participavam da vida pública. Os

guardiões ou filósofos não terão bens próprios, nem casa própria e nem família

própria. Tudo isto faz parte do plano platônico de criar a cidade ideal. Platão

acreditava que se os governadores tivessem casas ou terras ou dinheiro

próprios, tornar-se-iam zeladores desses bens, em vez de dirigentes da nação;

inimigos e tiranos, em lugar de aliados dos outros cidadãos.

Todos os filhos da casta governante seriam, ao nascerem, tomados de suas

mães e criados juntos, de modo que se perdesse o conhecimento dos

parentescos particulares. Porém, defendia dar às meninas as mesmas

oportunidades intelectuais que aos meninos, as mesmas probabilidades de

elevar-se aos mais altos cargos públicos. “Se a mulher mostrar capacidade

para ocupar cargo público, que o ocupe; e se algum homem unicamente se

mostrar apto para lavar pratos, que exerça igualmente a função a que a

Providencia o destinou.”

Isto fica claro no livro III da República, onde percebemos que os guardiões,

isentos de todos os outros ofícios, de nada mais se devem ocupar que não

esteja relacionado com o Estado, não fazendo e nem imitando nenhuma outra

coisa. Também nos é claro que o bom juiz não deve ser novo, mas sim idoso,

tendo aprendido tarde o que é a injustiça, e pelo próprio saber possa

compreender o mal que ela faz. De conformidade com os ensinamentos de

Sócrates, Platão considera que não é vergonhoso receber a injustiça ou o mal,

mas sim comete-los, porque a alma viciada é o pior de todos os males. “Eu

afirmo, Cálicles, que a maior das humilhações não é levar sopapos

injustamente, nem sofrer mutilações no corpo ou na bolsa; desonra maior e mal

pior é bater-me, mutilar-me injustamente o corpo ou os bens; roubar-me,

Page 63: Filosofia, Direito e Justiça

escravizar-me, assaltar-me a casa, em suma, cometer qualquer iniquidade em

minha pessoa ou meus bens é pior e mais desonroso para o autor do que para

mim, a vítima.”

É mais vergonhoso para qualquer um cometer injustiça do que recebe-la.

Isso fica claro no Górgias, 469-b: “ – assim, pois, tu preferes sofrer uma

injustiça a praticá-la? – Para dizer a verdade, eu não quereria nem uma nem

outra coisa; mas se fosse imperioso ou praticar ou sofrer uma injustiça, e

preferiria sofrê-la a praticá-la.” Para Platão, quem logra os maiores êxitos ao

preço da maldade encontra-se no mais fundo abismo da miséria moral,

enquanto quem é vítima das mais tremendas adversidades, como

conseqüência de sua honestidade e bondade, tem seu verdadeiro prêmio na

aprovação de sua consciência. “A alma justa e o homem justo vivem bem, e

mal o injusto e quem vive bem é feliz e bem-aventurado; e que não, ao

contrário. Portanto, o justo é feliz, o injusto, miserável.”

Assim como diz o Teeteto, 176 D –“o castigo da injustiça...não é o que

imaginam os homens, ...., aos que às vezes conseguem escapar mesmo

cometendo injustiças; antes é castigo ao qual não é possível subtrair-se.”[39]

Evitar o castigo exterior é fácil, ocultando aos demais suas próprias maldades;

mas não o interior, que se realiza na alma e na própria consciência, às quais

nunca pode alguém ocultar-se e dessa forma Platão formula o problema moral

como problema da felicidade. Esta teoria platônica segundo a qual a virtude se

identifica com o conhecimento, e o Bem, com a Verdade, exercerá grande

influência na filosofia grega posterior, especialmente em Aristóteles, nos

estoicos e nos neoplatônicos, e encontrará consensos também entre os

autores cristãos, principalmente entre os gnósticos. O problema da justiça, para

Platão, devia ser encarado no Estado, pois, como o próprio filósofo afirma, ali

ele pode ser lido mais claramente, já que está escrito em caracteres grandes,

ao passo que, em cada homem, está escrito com letras pequenas. O Estado é

um organismo completo, em que se encontra reproduzida a mais perfeita

unidade. É a virtude quem harmoniza tanto a vida no Estado como a do

indivíduo e a virtude por excelência é a justiça, pois ela exige que cada qual

faça o que lhe cumpre fazer com vista ao fim comum. A cidade justa seria

Page 64: Filosofia, Direito e Justiça

aquela em que todos os seus cidadãos desempenham a função que melhor

condiz com sua natureza e talento.

Cada um tinha que exercer suas atividades conforma suas aptidões

naturais. Aqui entra a concepção de politikon dikaion, ou seja, justiça política

envolvendo o direito, onde cada cidadão agiria conforme a sua função mais

pertinente. Sendo assim, os filósofos eram os mais capacitados para exercer a

função política, governando a cidade, pois eram considerados como quem

possui a experiência do pensamento, do prazer e do dinheiro. Só eles

conhecem o prazer que resulta da contemplação do ser, ao passo que o

dominador só tem a experiência da dominação e o argentário a do dinheiro.

Costumava dizer que seria coisa simples a justiça, se os homens fossem

simples; e neste caso bastaria a pratica de um comunismo anarquista. O maior

desafio para a Filosofia Política seria impedir que a incompetência e a

improbidade se instalassem nos cargos públicos e de selecionar e preparar os

melhores para governar em benefício da comunidade.

Deste modo, o filósofo definiu o Direito ao definir a Justiça como aquilo que

possibilita que um grupo qualquer de homens, mesmo que bandidos ou

ladrões, conviva e aja com vistas a um fim comum. Ao que parece, essa seria

uma função puramente formal do Direito, graças a qual ele é simplesmente a

técnica da coexistência. Nessa linha, justiça seria maior que o Direito e o que

vai determinar os mesmos são as suas finalidades. Direito para Platão é o que

irá levar todos a um bem comum. Porém, àqueles que ignoram a sabedoria e a

virtude, entregues sempre aos prazeres do corpo, jamais erguem os olhos para

cima, jamais se nutrem do ser verdadeiro e fruem o prazer sólido e puro. Em

relação ao Direito Natural, Platão argumenta que, através dele podemos

contrapor às leis injustas, não usando o ordenamento jurídico (feito por

convenção). O Direito Natural constitui então um tribunal de apelações contra

as contravenções. Estaremos definindo o Direito ao definir a Justiça,

possibilitando quem um grupo qualquer de homens conviva com um fim

comum, porém, o que essencialmente vai determinar o Direito e a Justiça é a

sua finalidade.

Essa visão do Direito que Platão tem é uma visão técnica, sendo que é ele

quem leva todos a um bem comum. Portanto, se algo existe e funciona, é

Page 65: Filosofia, Direito e Justiça

porque possui um ordenamento que deve ser respeitado. Platão pregava que

àqueles que agissem de acordo com a verdade, iriam para os campos elísios,

não tendo mais suas almas reencarnadas, pois agora está recebia um prêmio.

Quando o indivíduo agia em plena injustiça, ao ponto de ter-se tornado

incurável, receberia um castigo eterno. Se tivesse vivido ora com justiças, ora

com injustiças, este se arrependeria de suas injustiças, sendo castigado

temporariamente e depois receberia a recompensa que merecesse. Os piores

males que existem são aqueles que atingem a alma e a injustiça é um exemplo

do mesmo. Ao fazer o mal a alguém, Platão acreditava que a pessoa estava

fazendo mal a si mesma, de modo que o injusto nunca venceria. É mais feliz o

justo no meio dos sofrimentos do que o injusto num mar de delícias. Para se

obter a felicidade é necessário renunciar aos prazeres e se dedicar a virtude.

Como justiça para Platão é aquilo que cada qual esteja em seu lugar certo,

deste modo, é justo que a classe básica esteja na classe básica. Somente a

educação ajudava a nivelar as pessoas. A beleza, a riqueza e juventude

desfrutada com os amigos eram condenados como ilusórios e irreais, do ponto

de vista da concepção ética. Porém, Platão não chega a uma sistematização

das virtudes e dos vícios que serão feitos após por Aristóteles. Mesmo assim,

aquele consegue encontrar virtudes intelectuais e morais como a prudência,

conhecimento, justiça e temperança, respectivamente. Devido às

preocupações de Platão serem de ordem ética e política, não devemos

inscrever o filósofo como um dos precursores do comunismo, já que suas

considerações não se estendiam ao setor econômico. Como educador, ele

queria explorar a melhor forma de organização social e política, exercitando

plenamente as potencialidades de cada indivíduo de sua época.

É preciso ficar claro que a teoria da justiça de Platão é exclusivamente

moral, de modo que ela abrange toda a vida moral e social do indivíduo, não

havendo, ainda, uma separação nítida do que seja o direito e a moral. Mas, em

momento algum, ele confunde a justiça com a lei, ou, o direito com a lei. À

justiça cabe atribuir a uma sua função na cidade; à lei cabe estabelecer as

regras de convivência social, aí incluindo os aspectos jurídicos e morais. A

justiça política de Platão é, mesmo numa cidade ideal, algo de concreto, e, não,

como no sentido moderno, algo que se busca sem nunca se encontrar. Tosa

Page 66: Filosofia, Direito e Justiça

essa visão de justiça, a sua distinção da lei, os valores relativos da lei servem

de desenvolvimento para a teoria da Justiça que mais tarde seguiria

Aristóteles.

A Cidade- Estado grega que Platão tem em mente consciente ou

inconscientemente adquiriu a sua forma típica por volta do século VII-VI a. C.,

com a grande conquista da isonomia ou igualdade perante a lei. E ainda em

relação a justiça, percebe-se que ela não consiste em devolver o que se

recebeu, nem em dar a cada qual o que lhe deve, ou em fazer bem aos amigos

e mal aos inimigos; nem pensar que ela é útil aos mais poderosos. A justiça

também não consiste em uma convenção estabelecida, como lei pelos

homens, diante da lei natural, para os mais débeis defender-se contra os mais

fortes. A justiça na cidade e no indivíduo são a mesma coisa. No indivíduo,

consiste em ser uma virtude da alma, consistindo em reinar a ordem e

harmonia entre os diversos elementos que o constituem (racional, irascível e

concupiscente).

Na cidade, consiste em estabelecer a ordem do conjunto e a harmonia entre

as distintas partes constitutivas da sociedade. Ademais, em relação à política, o

filósofo procura incansavelmente saber qual a melhor forma de governo da

polis e como devia ser estruturada socialmente para que fosse a mais justa.

Deste modo, criticava tanto a monarquia como a democracia, em que uma

parte dos cidadãos manda enquanto a outra obedece, propondo uma espécie

de síntese de ambas, cujo modelo era, sobretudo, o regime de Esparta, onde

ao lado dos reis, havia o Senado e os Eforos. Podemos dizer que foi a política

que o levou à Filosofia. Pregava que a democracia arruína-se pela hipertrofia

de si própria. Acreditava que o povo não estava convenientemente preparado

pela educação para escolher os melhores a chegar no governo e os mais

sábios métodos de governar. Quanto mais meditava a respeito, mais se

admirava da loucura de confiar-se ao capricho e à credulidade das multidões a

escolha dos dirigentes nacionais.

A significação da aristocracia seria ser governada pelos melhores, por isso,

nenhum homem poderia exercer cargos sem previa educação especializada e

nem ocupar os mais elevados degraus sem antes ter exercido bem os

inferiores cargos. Qualquer homem poderia tornar-se apto para a tarefa

Page 67: Filosofia, Direito e Justiça

administrativa, mas, desde que, antes, desse prova de sua tempera. Assim,

acreditava que tanto o filho de um governante como o filho de um engraxate

teriam as mesmas condições e que esta democracia era muita mais honesta

que a democracia dos pleitos eleitorais. Em relação à lei escrita, Platão não

atribui senão um mínimo valor a mesma, pois a considerava desnecessária, já

que o guardião com sua educação perfeita e pelo fato de ser filósofo, saberia o

que convém a cidade e quais os melhores meios de preserva-la justa, para a

felicidade do cidadão grego.

Mas o filósofo amadurece e percebe que a sua teoria sobre a necessidade

e valor das leis escritas deveria sofrer uma substancial alteração. Ele admite

que, longe da cidade ideal, tendo em si o mundo real e imperfeito, as leis são

necessárias e que sem elas a cidade não pode ser justa, nem o cidadão ser

feliz. Porém, agora está diante em um justo relativo e imperfeito assim como a

própria cidade. Platão confessa que as leis são necessárias, pois nenhum

homem individual tem a capacidade pela sua própria razão de estabelecer o

que é bom e justo para a cidade, além de ser, naquela época, inexequível um

Estado sem leis, pois os números de magistrados também eram insuficientes.

Platão, ante o fato inevitável da degeneração progressiva, propõe como

remédio a substituição do poder pessoal do monarca pelo poder da lei. “Já que

é difícil encontrar o rei ideal, o poder do monarca deve substituir-se pela

ditadura da lei.”

Nas Leis, livro IX, 874 a dizia: “Sem leis, os homens se conduzirão

necessariamente como as feras mais perigosas.” É preciso que as leis sejam

elaboradas pela concorrência de outros homens. Sem elas, nenhum cidadão

poderia ser educado (Platão reserva para o Estado uma função educadora) nas

virtudes essenciais à vida coletiva, em sociedade. Agora, o filósofo, apesar de

suas aptidões, não pode governar mais sem as leis. Neste contexto, a lei não

se resume simplesmente numa decisão política, mas sim num fruto da razão. É

necessário que o legislador esclareça o “porquê” delas, justificando para que

todos as cumpram de bom grado, isto é, os textos deveriam ser acompanhados

de exposição relativa à finalidade do ato normativo.

O filósofo pensa numa lei constitucional, onde é o governo que tem que se

adaptar à ela e não o contrário, ou seja, a lei era soberana. Por abarcar todos

Page 68: Filosofia, Direito e Justiça

os aspectos da vida humana em sociedade, a ela não se distinguia entre lei

moral e lei jurídica, sendo que extrapolava a conotação de lei jurídica que

temos atualmente. Platão procura para a lei um fundamento sólido, estável e

universal, independente da diversidade e variedade das normas e costumes de

cada cidade. Ele conserva (dos antigos) a noção genérica da lei como

procedente dos costumes. A lei guia e corrobora os costumes. Todo esse

amadurecimento do filósofo é exposto no livro “As Leis”, composto mais tarde,

quando ele já ultrapassava dos setenta anos. No lugar de três classes sociais,

Platão reconhece quatro e, cujo o critério se basearia na renda individual.

Ele passa a aceitar o casamento monogâmico em todas as classes e

também o direito de propriedade sobre a terra, embora com restrições, mas

não agora sacrificadas a uma espécie de estadualismo como na “República”. A

inspiração das Leis é no fundo idêntica à da República, mas Platão atenua o

seu idealismo e atém-se mais à realidade. Ao poder pessoal do monarca ideal,

substitui à ditadura da lei. Propõe uma forma mista de governo. Explica a

origem da cidade com base no desenvolvimento das famílias, que se agrupam

até constituir a comunidade política e descreve uma cidade de caráter

essencialmente agrário. As terras são propriedade do Estado, mas a sua

exploração é feita por particulares. Platão acentua nas Leis o sentimento

religioso: afirmando que o ateísmo é o mais grave dos delitos e os homens são

propriedades dos deuses.

Às leis penais atribui fim essencialmente terapêutico. Platão considera os

delinquentes como enfermos (já que segundo o ensinamento socrático,

ninguém é voluntariamente injusto) e a lei é o melhor meio para cura-los, sendo

a pena o remédio. Assim, pelo delito, nem só o delinquente revela estar

enfermo, como também o Estado se ressente da sua enfermidade. Convém

notarmos a diferença dessa concepção com a da moderna Escola de

Antropologia Criminal, onde esta considera a delinquência como um produto da

degenerescência física, ao passo que, para Platão, o delinquente é

intelectualmente deficiente (sua ignorância é aberração, ignorância da

verdade). Analisando os diálogos de juventude com os da velhice de Platão,

percebemos um filósofo que sempre moveu-se em sintonia entre o pensamento

teológico e político, ou seja, os diálogos sempre envolveram um Deus e as

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realidades específicas da vida política, mostrando uma riqueza de experiência

e uma extraordinária imaginação política.

A contribuição de Aristóteles Aristóteles (384-322 a.C.) cresceu e nasceu na

periferia do mundo grego. Saiu de casa aos dezessete anos para estudar no

centro da cultura grega – a Academia em Atenas, onde se tornou um discípulo

predileto do idoso Platão. Com a morte do mestre vinte anos mais tarde,

Aristóteles sofre com a amarga perda do mesmo. Posteriormente, funda a sua

própria escola no Liceu, onde gostava de ensinar de maneira informal em

passeios através dos jardins caminhando e por isso sua escola seria chamada

de peripatética. “O mundo de Aristóteles se desintegrou quando ele chegou aos

sessenta e uns anos. Entraram em declínio as forças políticas que o haviam

protegido. Ele passou a ser visto com suspeita, e foi acusado (tal como

Sócrates antes dele) de impiedade.

Diferentemente de Sócrates, ele não foi filósofo o bastante para esperar a

cicuta; fugiu para a casa de sua mãe em Cálcida. Apesar de ter despistado os

inimigos, não escapou da morte – morreu de doença um ano depois...Uma

cláusula de seu testamento emancipou alguns de seus escravos.” A civilização

de Aristóteles era simples em termos de organização social, apresentando

poucos problemas parecidos com aqueles que infestam o Direito e as ciências

sociais de hoje. As cidades-estados gregas eram pequenas e rurais, talvez

fáceis de ordenar. Porém, problemas éticos e legais radicais despertavam

interesse até mesmo no mundo do filósofo. A respeito do caráter de Aristóteles,

inteiramente recolhido na elaboração crítica de seu sistema filosófico, sem se

deixar distrair por motivos práticos ou sentimentais, temos naturalmente muito

menos a revelar do que em torno do caráter de Platão, que ao contrário, os

motivos políticos, éticos, estéticos e místicos tiveram grande influência.

Do diferente caráter dos dois filósofos, dependem também as vicissitudes

das duas vidas, mais uniforme e linear a de Aristóteles. Ele foi essencialmente

um homem de cultura, de estudos, de pesquisas, de pensamento, enfim, de

investigação científica. A sua filosofia representa um grande esforço para

solucionar o problema do ser e da ciência, coisa que em Platão ainda não

Page 70: Filosofia, Direito e Justiça

havia sido resolvido. De todos os filósofos antigos, ele foi quem mais

desenvolveu os temas ligados à filosofia jurídica e talvez por isso seja ele

considerado o pai da Filosofia do Direito. Até a sua chegada, pode-se dizer que

a mesma estava em um estado de formação embrionária, ou de vir-a-ser.

Mostrava uma grande inclinação para a atividade judiciária de Atenas, além de

exímio frequentador dos tribunais. Com ele, encerra-se o chamado período

ático da Filosofia grega, iniciado com Sócrates e continuado por Platão.

Os séculos V e IV a.C. foram considerados como a idade de ouro da cultura

humana. Afirmava a existência de um direito por natureza (dikaion phisikon) e

um direito por definição legal (dikaion nomikon). Mas o direito natural de

Aristóteles não pode ser confundido com o sentido moderno do mesmo que foi

originado com os padres da igreja e filósofos do século XVII. Para ele, direito

natural é aquele que independentemente do que pareça ou esteja, tem sempre

a mesma força. Aristóteles possui uma visão refinada de Direito. Apoiada na

teoria de Platão, constrói argumentos para apoiar a teoria de Hípias

defendendo o Direito Natural. Para ele, política era a busca da felicidade e o

Direito a busca do bem comum. A finalidade do ser humano então seria a

busca do bem comum e que só seria possível através da razão humana.

A finalidade do Direito seria a felicidade e não a justiça. Ele afirmava que o

Direito Natural nos era a garantia de que com ele seremos felizes e é por esta

razão que defendia que o Direito Positivo se ligasse àquele. De qualquer modo,

considerava o Direito como uma virtude dirigida ao outro. Defendia o filósofo

que, certamente há uma lei verdadeira, conforme à natureza, difundida entre

todos, constante, eterna e que comanda e incita ao dever, proibindo e

afastando a fraude. Nessa lei não é lícito fazer alterações, nem é lícito retirar

dela qualquer coisa, pois será lei única, imutável, governada por todos os

povos em todos os tempos. Quem não a obedecer, estará fugindo de si mesmo

e, sofrerá as mais graves penas. Felizmente, Aristóteles acredita que o natural

do ser humano é agir corretamente, pois a razão nos faz agir de maneira

correta. Diferenciava-se de seu mestre no sentido deste não emprestar muita

importância às leis, contrariando Aristóteles que acreditava ser a lei a “salvação

da cidade”. [48] Acreditava que a vida social tinha um fundamento natural,

anterior aos costumes e às leis positivas. “A lei não tem nenhuma força para

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ser obedecida, a não ser pelo costume, e este não se forma com o transcurso

de longo tempo, pelo qual a facilidade para mudar as leis existentes por outras

novas é debilitar-se o poder da lei.”

Neste sentido, as leis referiam-se a todas as coisas da vida social, e por

isso, conseguem estabelecer o que convém a todos. Justo seria o que

estivesse de acordo com a lei e injusto o que lhe é contrário. A justiça é tão

enfatizada pelo pensador, que passa a ser considerada como uma virtude

perfeita. “Justiça é a disposição em virtude da qual os homens praticam o que é

justo, agem justamente e querem o justo.” “Chamamos justo ao que é de índole

para produzir e preservar a felicidade e seus elementos para a comunidade

política.”[51] Sem dúvida, Aristóteles afirma ser a justiça a virtude por

excelência, e que de certo modo compreende todas as outras, na medida em

que introduz a harmonia no conjunto, atribuindo a cada parte a função que lhe

corresponde. Todas as virtudes estariam de certa forma subordinadas à justiça.

“Uma só justiça contém todas as virtudes.” (E.N. VI 12, 1144 B 35).

Além disso, trata da mesma como uma virtude moral, de modo que esta

resulta nas obediências das leis, ajustando então a conduta dos cidadãos.

Neste sentido, o filósofo entende que tanto a virtude como o vício dependem

não somente do conhecimento, mas também, da vontade. Então não bastaria

conhecer o bem para praticá-lo, como também não bastaria conhecer o mal

para deixá-lo de cometer. Na Ética a Nicômaco, II, 1 nos deixa claro que não

basta conhecermos o que consiste a virtude, senão que é necessário esforçar-

se em praticá-la: “o arquiteto forma-se construindo casas, o músico compondo

música, o justo praticando a justiça, o sábio cultivando a sabedoria, o valente

exercitando o valor.”

Os filósofos que antecederam Aristóteles não chegaram a abordar o tema

da justiça com uma perspectiva jurídica, já o próprio, considerou a justiça sob o

prisma da lei e do Direito. Na Política, livro III, 15, 1286 a 15, declara: “é melhor

ser governado por lei que por excelentes governantes, pois as leis não estão

sujeitas às paixões, ao passo que os homens, por muito excelentes que sejam,

podem incorrer nelas.” Para o pensador, as leis nada mais faziam que ordenar

ações justas e boas, prescrevendo atos de valor, de prudência e temperança

dentre outros, por fim ainda proíbem os vícios contrários. Aquele que vivesse

Page 72: Filosofia, Direito e Justiça

exatamente de acordo com as leis, estariam praticando todas as virtudes.

Deste modo, a justiça legal tem caráter de virtude integral, já que o bom

cidadão, observador das leis, seria também um homem justo e virtuoso.

“O homem mais perfeito não é o que emprega a sua virtude em si mesmo,

mas o que a usa para os outros, coisa sempre difícil. E assim pode considerar-

se a justiça, não como uma simples parte da virtude, mas sim como toda a

virtude, e o seu contrário, a injustiça, que não é parte do vício, mas sim o vício

inteiro.” (E.N. V, 3). Como complemento da justiça e por preocupar-se com a

dificuldade da aplicação da lei abstrata aos casos concretos, Aristóteles

assinala a importância do uso da equidade, que constitui um hábito

permanente para interpretar e aplicar a lei, determinado o que é justo em cada

caso particular, além de ser utilizada como critério de preenchimento de

lacunas. Essa preocupação decorria do fato das leis terem um caráter

universal, não podendo estas determinarem em concreto todos os casos. A

equidade evitava que a lei fosse usada como norma rígida e inumana.

O Estado surge pelo fato de ser o homem um animal naturalmente social e,

por sua vez, político. Tanto que é para Aristóteles uma necessidade e não uma

simples associação momentânea para atingir fim particular, mas sim uma

perfeita união orgânica, sendo a comunhão necessária ao serviço da perfeição

da vida. O modo que o Estado tinha para regular a vida dos cidadãos esta

através das leis, de modo que estas dominavam inteiramente a vida. Do ponto

de vista social, o homem foi chamado de animal político e somente poderia

este atingir tal finalidade na cidade. Considerava que um homem fora da

sociedade, ou era um bruto ou um deus. Costumava afirmar que:” se a raça

helena pudesse fundir-se em um só Estado, dominaria o mundo.”

Entretanto, afirmava ser a escravatura por excelência o que esperava um

escravo por natureza, de tal forma que uns nascem para mandar e outros para

obedecer. Esta incapacidade de certos homens é justificada pela própria

natureza destes, que nascem para submeter-se ao governo do seu senhor no

interesse de si próprios. Este não confundia-se com o cidadão politikon zoon.

Diferentemente de seu mestre, concebe o Estado com o mais alto grau de

convivência humana, mantendo as relações intermediárias entre o Estado e o

indivíduo. Sendo assim, o primeiro agregado (a família) transitava-se para o

Page 73: Filosofia, Direito e Justiça

segundo (a tribo), onde a reunião deste dava lugar ao último grau já

mencionado. Não obstante à sua concepção ética de Estado, salva o direito

privado, a propriedade particular e a família e por isso podemos concluir aqui

uma concepção histórica superior à de Platão.

Reforçando este idéia, Aristóteles acreditava que erram os que pensam

que há uma diferença quantitativa na forma de governo entre as comunidades,

pois assim não haveria maior diferença entre um governante de uma casa com

outro de uma cidade. Na verdade, as formas de autoridade se diferenciam de

forma qualitativa. Cada sociedade visa a um próprio bem e o exercício de

poder em cada uma delas não estará sujeito a mesma aptidão. Enquanto este

escorçou o perfil ideal do Estado, Aristóteles dedicou-se à observação das

constituições, sendo ele o primeiro a fazer a distinção entre os vários poderes

do Estado (o legislativo, o executivo, e o judiciário). O seu exame recaiu sobre

os governos mais adequados às várias situações de fato. Não é à toa que ele

foi o único que conseguiu reunir 158 Constituições, das quais resta-nos

somente a de Atenas.

Quanto à forma exterior do Estado, o filósofo distinguiu as três principais

formas de governo: a monarquia; aristocracia e a democracia, cujas

degenerações seriam respectivamente, a tirania, a oligarquia e a demagogia.

As preferências do mesmo vão para uma forma de república democrático-

intelectual, forma tradicional e particular de Atenas. No entanto, assume

Aristóteles que a melhor forma de governo não pode basear-se de forma

abstrata, mas sim concreta, sendo acomodada às situações históricas e as

circunstâncias de um determinado povo. O mais importante seria que o fim da

atividade estatal recaísse sobre o bem comum e não à vantagem de quem

governa unicamente. Neste sentido, Aristóteles combate o idealismo de Platão

sobre o governo. Um ponto importante a destacar foi a questão política. Antes

mesmo do nascimento desta, os homens já viviam em sociedade. Sobretudo,

enquanto estes homens não chegassem a pensar em política como algo que

dependesse deles, eles não conseguiriam fazer a mesma. Foi a partir do

momento que começaram a pensar em política e a tomá-la como objeto, foi

que ela sucedeu-se.

Page 74: Filosofia, Direito e Justiça

A política aristotélica é essencialmente unida à moral, porque o fim último

do Estado é a virtude, isto é, a formação moral dos cidadãos e o conjunto dos

meios necessários para isso. Porém, a política se diferencia da moral no

sentido da segunda ter como objetivo o indivíduo, aquela a coletividade,

caracterizando deste modo uma doutrina moral social. Um grande desafio para

Aristóteles seria evitar que as exigências da política se opusessem as da

filosofia, já que num determinado período da idade clássica, o pensar demais

do filósofo tornou-se uma forte ameaça ao desequilíbrio do cidadão. O provável

divórcio entre a filosofia e a cidade atingiria o seu apogeu com a condenação

de Sócrates à morte, o que não impediu que Platão se proclamasse o único

homem político de seu tempo. Platão não se interessou em criar a filosofia

política, talvez porque considerasse a política como prática do dia a dia e não

tomasse isso como conta do filósofo.

Tal lacuna levou aos sofistas ao título de verdadeiros pensadores políticos

do século V e quanto ao filósofo, cada vez mais se tornava impossível a

consignação de uma filosofia política no grande século da cidade. Ainda em

divergência com seu mestre, Aristóteles procurava ligar-se mais aos fatos

empíricos, na contemplação dos fenômenos sociais. Muitos dos filósofos que

antecederam Aristóteles não abordaram o termo da justiça dentro de uma

perspectiva jurídica, mas sim relacionada as relações interindividuais ou

coletivas, de modo que não é absurdo considerarmos que Aristóteles legou-nos

seu pensamento de forma original.

DIREITO NA FILOSOFIA MEDIEVAL

Do Deus vingativo ao Deus do amor

Page 75: Filosofia, Direito e Justiça

O Antigo Testamento retrata uma realidade crua, na qual a sociedade hebraica

era fustigada e mantida escrava pelos egípcios. Deus era uma figura vingativa

e toda poderosa, daí a moral e a religião daquela época para os hebreus serem

dogmáticas e rigorosas. A sua religião dos hebreus ainda se estruturava, as

consciências populares ainda desfrutavam de um ensinamento imaturo. Por

isso, as passagens, explicam Bittar e Almeida (p. 192), eram pintadas com

cores fortes e igualmente atemorizantes. As revelações, então, não surgiam

para qualquer outro povo, em quaisquer outras circunstâncias, mas eram vistas

como advindas das dificuldades materiais e morais de um povo.

Com Cristo, os temores e a imagem de um Deus vingativo começaram a ser

deixadas de lado. Aliás, a partir dele, se falou de um Deus benevolente e que

perdoa. À medida em que o povo hebreu prosperou e suas tradições morais e

religiosas se depuraram, os ensinamentos gradativamente também se

elevaram. "Com isso, não se pode concluir diferentemente da renovação da

doutrina cristã pelo advento do Messias. É com o advento do cristianismo que

ficou marcada a lição da justiça tal qual retratada e concebida por essa religião.

A justiça, ou melhor, o ensinamento acerca dela, surgiu com a própria vinda

exemplar do Cristo em sua missão de esclarecimento acerca do justo e do

injusto. ‘E, libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça’, ou, ‘Porque,

quando éreis servos do pecado, estáveis livres da justiça’ (Paulo, Epístola de

Paulo aos Romanos, cap. VI, v. 20)", escrevem Bittar e Almeida (p. 192).

Interessante também a visão de Michel Villey (p. 105): "De qualquer modo,

assim é na ‘Nova Lei’ do Evangelho, que para os cristãos é a versão da ‘Antiga

Lei’ do Velho Testamento. Esta a resume, como todos sabem, nestas duas leis

que se reduzem a uma: ‘Amarás a Deus com todo teu coração e com toda tua

alma – e teu próximo como a ti mesmo (...)."

Justiça superior

Em muitas das passagens das escrituras sagradas, fala-se de impérios,

doutrinas e sábios que florescem e esmorecem. Porém, haveria algo que

permaneceria, a Palavra do Senhor, que simbolizaria uma justiça superior ao

Page 76: Filosofia, Direito e Justiça

plano terrestre e mutável. "Trata-se de mencionar uma ordem que está para

além dos sentidos humanos, naturalmente de caráter espiritual, em que a

Justiça aparece como fenômeno imperecível, e de acordo com a qual o

julgamento se exerce de forma inexorável; a eternidade e a irrevogabilidade

são suas características", assinalam Bittar e Almeida (p. 192).

A conduta do cristão deve amoldar-se à lei. Não se trata da lei humana, mas da

lei do amor. A justiça olharia para os pobres, desencaminhados, pecadores ou

ovelhas desgarradas. A justiça cristã, bíblica, busca uma realização futura e

não atual, como num processo judicial, por exemplo, nos ditames de

Aristóteles. "No final das contas a justiça bíblica reside no interior do homem,

que ela supõe piedoso e caridoso, penetrado de amor", assevera Villey (p.

105).

Muitas vezes, justiça pode ser misericórdia, ou, ainda, caridade. Diz Villey (p.

108): "Ela consiste em tomar por princípio o partido dos pobres, do terceiro

mundo, dos criminosos reincidentes, das classes trabalhadoras (supondo-se

que os trabalhadores sindicalizados sejam efetivamente os mais pobres).

Nossa justiça continua sendo uma tensão em direção a um além, a um outro

mundo: mundo de futura liberdade, igualdade, fraternidade, prosperidade

universais. (...) A justiça de sonho que secreta nosso idealismo é

historicamente um vestígio e uma contrafação da antiga mensagem evangélica

do Reino dos Céus."

Leis humanas e leis de Deus

Como Sócrates e Platão, principalmente, ligavam a justiça a um além-vida, o

Hades, na justiça cristã pensar-se-á a respeito disso também. Ora, as leis

humanas variam no tempo e no espaço, devido à diversidade dos povos. As

leis divinas (de Deus) não poderiam, jamais estarem maculadas com as

mesmas falhas e mundanidades. "A lei humana, portanto, que condenou o

Cristo, o que foi feito com base na própria opinião popular dos homens de seu

tempo, é a justiça cega e incapaz de penetrar nos arcanos da divindade. A

ilusão medra entre os que veem somente dentro dos estreitos limites do campo

material de alcance de sua visão", alertam Bittar e Almeida (p. 206).

Page 77: Filosofia, Direito e Justiça

Afirmam Bittar e Almeida (p. 193): "Assim, para além do que o homem

(legislador) institui como o justo e o injusto, existe uma justiça que se exerce de

acordo com regras espirituais, ou seja, de acordo com a lei divina. Esta se

distancia da lei humana no sentido de que aquela é universal, inexorável,

perene, irrevogável. Estas as suas características principais. Estar diante de

uma justiça divina significa estar diante de uma justiça presidida por Deus,

aplicada por esse mesmo Deus. Aquele que povoa o Universo de regras é

Aquele mesmo que executa essas regras e, mais que tudo, que segundo essas

regras julga pelos seus atos cada alma."

Ao conceito de liberdade do cristão, associa-se imediatamente o de

responsabilidade. A cada qual cabe sua parcela pelos seus feitos, dizem Bittar

e Almeida (p. 193): "Portanto, estar diante de si, de sua consciência, de sua

conduta, de suas obras (...) aí reside a importante idéia de responsabilidade. A

liberdade de agir do cristão reside no fato de que, conhecendo a Palavra

Revelada, não precisa de outra crença senão a crença no ensinamento de

Jesus para governar-se a si próprio. Assim, não se ilude com as tentações do

que é transitório, não age de modo a desgostar o outro, guia-se e pauta-se de

acordo com o que pode fazer para melhorar sua condição pessoal e a de seu

semelhante, vive na carne tendo em vista o que é do espírito... Aí a liberdade

de agir do cristão; para além de se considerar que o cristianismo constrange,

sufoca, oprime, predetermina, deve-se dizer que liberta a alma para ser

conforme a regra cristã."

Tolerância no amor ao outro

Amor, caridade, benevolência, paciência, compreensão e tolerância são os

preceitos cristãos para a conduta humana. E mais: não cabe aos seres

humanos julgarem a conduta uns dos outros. Julgar os homens é tarefa

exclusiva de Deus. "Não julgueis a fim de que não sejais julgados; porque vós

sereis julgados segundo houverdes julgado os outros; e se servirá convosco da

mesma medida da qual vos servistes para com estes." (Mateus, cap. VII, vv. 1

e 2) Talvez se resgate a questão de se avaliar a si mesmo, antes de avaliar os

outros.

Page 78: Filosofia, Direito e Justiça

E ao tomar noção da sua imperfeição, ao olhar-se através dos olhos do outro,

haveria de se falar em tolerância, em saber aceitar a diferença alheia, já que o

julgamento perfeito só restaria em Deus.

Esses ensinamentos parecem direcionar ao que se moderna e

contemporaneamente se denominou de princípio da tolerância. Deve-se, antes

de tudo, tentar se compreender o outro na sua diferença e, dependendo do

caso, perdoá-lo, no intuito de buscar a reconciliação. E a base dessa

reconciliação é a união.

DIREITO NA FILOSOFIA MODERNA

A Filosofia do Direito de Hegel pode ser tomada como consistindo de uma

concepção especulativa dos vários elementos constitutivos do Estado

moderno. É uma obra que emerge de um período que não mais tomou o

feudalismo como algo inquestionável e que abraçou a idéia de que o ser

humano enquanto tal é livre para pensar e agir de acordo com princípios

racionais. Contudo, a Prússia na época de Hegel foi marcada também pelos

esforços para restaurar o status quo feudal. Mais genericamente o período

frequentemente descrito como modernidade aponta para uma profunda tensão

entre as tendências conservativas e progressistas muito mais do que o período

feudal. Poder-se-ia argumentar que a Filosofia do Direito de Hegel já não exibe

essa tensão. No entanto, isso não autoriza afirmar que essa obra seja uma

apologia do Estado prussiano ou do totalitarismo em sentido largo como se tem

dito de forma recorrente.3 Também não parece ser o caso, na minha opinião,

de defender a pertinência da filosofia política de Hegel considerando

unilateralmente a abordagem liberalista como é o caso de Honneth em seu livro

‘Sofrimento na indeterminação’ (2001) e de Pippin recente publicação ‘A

filosofia prática de Hegel’ (2008). Parece-me, diferentemente, que a Filosofia

do Direito de Hegel consiste numa precária tentativa de reconciliar o princípio 1

Comunicação apresentada no Congresso da Sociedade Internacional Hegel em

Sarajevo, Bósnia-Herzegovina, setembro de 2010. 2 Universidade de

Groningen, Holanda. 3 Ver Popper. 1945. p. 27-80. Entre os autores que se

Page 79: Filosofia, Direito e Justiça

opõem a essa identificação pode-se citar Knox (1970), Avineri (1972) e Wood

(1991). Boer. A Filosofia do Direito de Hegel... 46 Rev. Simbio-Logias, v.3, n.5,

Dez/2010. moderno da liberdade individual com a visão de que a sociedade

somente pode florescer se ela for organicamente organizada. “A essência do

Estado moderno consiste em unir o universal com a plena liberdade da

particularidade e o bem estar dos indivíduos. Isso exige que os interesses da

família e da sociedade civil-burguesa convirjam na direção do Estado, mas, ao

mesmo tempo, que a universalidade do fim não pode avançar sem a forma de

saber e querer que pertence à particularidade. Somente quando ambos os

momentos obtém força e preservam essa força o Estado pode ser considerado

como articulado e verdadeiramente organizado.” (Hegel. § 260. 1970) Além do

mais, deve-se ainda considerar se a concepção de sociedade de Hegel em

termos de um organismo afirma o conservadorismo ou muito mais a crítica à

modernidade que é, em si mesma, parte e parcela da modernidade. Como eu

entendo, as críticas implícitas e explícitas de Hegel são dirigidas tanto ao status

quo quanto às alternativas postas pelo liberalismo. Distinguindo entre a análise

crítica de Hegel das visões modernas e das instituições e, por outro lado, as

soluções particulares que ele propõe, espero argumentar que o aspecto anti-

moderno da Filosofia do Direito pode ser concebido como uma crítica da

modernidade como essa foi conhecida por ele. Como resultado, poder-se-ia

dizer que Hegel atingiu uma compreensão mais profunda das tensões

aporéticas inerentes à sociedade moderna atual do que seu tratamento

especulativo da idéia de Estado moderno sugere. 2. O objetivo e a estrutura da

Filosofia do Direito A filosofia, segundo Hegel, penetra no âmago racional do

Estado “a fim de encontrar a pulsação interna e sentir ainda uma batida mesma

nas configurações externas”(Hegel. 2010, p. 42). Contudo, ele tem o cuidado

de distinguir entre aquelas formas externas e “as relações infinitamente

múltiplas que se formam nessa exterioridade” (Hegel. 2010, p. 42). Isso

significa que a Filosofia do Direito diz respeito à idéia do Estado moderno tal

como ele se revela a si mesmo segundo a apreensão do filósofo especulativo,

isto é, de acordo com as várias determinações implicadas pela idéia da

liberdade moderna.4 Na visão de Hegel uma sociedade não pode ser analisada

somente em termos da relação entre cidadãos e governo. Ele concebe o

Estado muito mais como um organismo de várias esferas das quais se constitui

Page 80: Filosofia, Direito e Justiça

um sistema coerente e estável.5 Ao distinguir entre as esferas da família, da

sociedade civilburguesa e do Estado no sentido de governo, Hegel concentra-

se no modo pelo qual instituições particulares permitem a membros da

sociedade identificarem-se com fins que 4 Ver Hegel. 2010, § 4. 5 Ver Hegel.

2010, § 258 e § 279. Boer. A Filosofia do Direito de Hegel... 47 Rev. Simbio-

Logias, v.3, n.5, Dez/2010. transcendam o imediato e os impulsos egoístas. A

distinção entre família, sociedade civilburguesa e Estado segue-se da lógica

que forma cada uma e todas as análises de Hegel. A esfera da família diz

respeito à forma da vida ética na qual o universal e o particular ainda não se

tornaram opostos. A esfera do Estado, por outro lado, tem a ver com a forma

da vida ética na qual o universal e o particular não mais se opõem. Dentro do

campo da família seus membros entendem o que é bom de acordo com o que

a família como um todo entende ser bom. Isso é também o caso na medida em

que os cidadãos identificam-se com os fins da sociedade como um todo. Tais

fins são representados e reforçados pelo Estado. Cidadãos assim procedem ao

respeitarem a lei, ao pagarem impostos, ao defenderem o país ou colocando-

se a serviço da sociedade de outros modos. Para Hegel, a idéia de liberdade

moderna contém o desdobramento da esfera da sociedade civil.

Contrariamente às outras duas esferas, a sociedade civil-burguesa é

caracterizada pela oposição entre a universalidade e a particularidade. Ela é,

mais precisamente, a esfera na qual a luta entre o particular e o universal

desdobra-se e pode ser tão somente resolvida de modo limitado. Portanto, a

distinção entre particularidade e universalidade forma a preferência e a trama

da consideração hegeliana do Estado moderno. 3. A concepção hegeliana de

Estado moderno Claramente a Filosofia do Direito de Hegel pertence à

modernidade na medida em que ele endossa o princípio da liberdade humana

e argumenta que as sociedades deveriam permitir que seus cidadãos ajam de

acordo com essa liberdade. 6 No entanto, o tratamento atual de Hegel do

conceito de liberdade não é muito direto. Assim, a introdução da Filosofia do

Direito debruça-se sobre o conceito de vontade mais do que de liberdade.7

Hegel define aqui a vontade como forma da liberdade que se encontra tão

somente em si mesma.8 Isso significa que ao querer algo eu não atuo a partir

da verdadeira liberdade na medida em que o conteúdo de minha vontade é

direcionado e derivado por impulsos imediatos. Nesse caso a liberdade ainda

Page 81: Filosofia, Direito e Justiça

não é auto-determinação. Uma forma mais desenvolvida de liberdade ocorre

quando os seres humanos agem moralmente – uma esfera a qual a segunda

parte da Filosofia do Direito 6 Conforme Hegel. 2010, § 2 e § 258. Em relação à

história do mundo Hegel distingue entre três determinações básicas do

princípio de liberdade. De acordo com o momento lógico do conceito enquanto

tal esse princípio pode ser determinado como o princípio que um é livre, vários

são livres ou que o ser humano por ser o que é, é livre. Hegel conecta essa

distinção lógica ao (1) mundo oriental, (2) ao mundo grego e romano e (3) o

mundo moderno. 7 Ver Hegel. 2010, § 258 e sua proximidade com a

compreensão de Rousseau. 8 Ver Hegel. 2010, § 26. Boer. A Filosofia do

Direito de Hegel... 48 Rev. Simbio-Logias, v.3, n.5, Dez/2010. devota-se.

Entretanto, Hegel parece estar mais preocupado com a forma de liberdade que

caracteriza o Estado como tal do que com seus cidadãos individualmente. “O

Estado, enquanto efetividade da vontade substancial, que ele tem na

autoconsciência particular elevada à sua universalidade, é o racional em si e

para si. Essa unidade substancial é um auto-fim imóvel absoluto, em que a

liberdade chega a seu direito supremo, assim como esse fim último tem o

direito supremo frente aos singulares cuja obrigação suprema é ser membro do

Estado.” (Hegel. 2010, § 258) 9 Para Hegel a liberdade constitutiva dos seres

humanos individualmente, liberdade subjetiva, pertence à esfera da

particularidade. Enquanto tal, ela constitui um dos princípios básicos da

sociedade civil-burguesa. Dentro da esfera do Estado, por contraste, a

liberdade do indivíduo está subordinada à liberdade objetiva que Hegel atribui

ao próprio Estado. Parece que Hegel em cada caso concebe a liberdade como

autodeterminação. Portanto, um Estado pode ser dito livre de acordo com o

quanto é independente de outros Estados. Contudo, mais importante ainda,

pode-se dizer, que um Estado é livre na medida em que suas leis e instituições

não servem a propósitos de indivíduos ou grupos particulares tais como o rei, a

nobreza ou outras elites, mas serve aos propósitos da sociedade em geral.

Nesse caso o governo não é uma forma particular de autoconsciência oposta

ao povo, mas muito mais age com base na intuição sobre o modo pelo qual um

Estado moderno deveria ser organizado para prosperar. Um Estado é racional,

segundo Hegel, na medida em que realiza a unidade da liberdade subjetiva

com a objetiva. Essa unidade é alcançada se os cidadãos e grupos particulares

Page 82: Filosofia, Direito e Justiça

subordinam seus interesses aos interesses da sociedade enquanto tal e, se o

Estado, por sua vez, representa o interesse da sociedade com um todo muito

mais do que de indivíduos ou grupos particulares. Isso significa, de acordo com

Hegel, que ambos, Estado e cidadãos, deveriam agir segundo as leis e

princípios universais. “A racionalidade, considerada abstratamente, consiste,

em geral, na unidade em que se compenetrem a universalidade e a

singularidade e aqui, concretamente, segundo o conteúdo, consiste na unidade

da liberdade objetiva, isto é, da vontade substancial e da liberdade subjetiva,

enquanto saber individual e da vontade buscando seus fins particulares, e por

causa disso, segundo a forma, num agir determinando-se segundo leis e

princípios pensados, isto é, universais.” ( Hegel. 2010, § 258, notas) Pode-se

argumentar que Hegel defende aqui e em outra parte uma concepção

autoritária de Estado que parece guardar uma forte semelhança com o Estado

prussiano de sua época. No entanto, deve-se ter em mente que a Prússia não

teve uma constituição até 1850. 9 Ver também Hegel. 2010, § 279. Boer. A

Filosofia do Direito de Hegel... 49 Rev. Simbio-Logias, v.3, n.5, Dez/2010. Após

a derrota de Napoleão em 1815, o rei Frederick William III prometeu uma

constituição a seu povo, porém jamais cumpriu sua promessa. Mais

genericamente, quando Hegel foi para Berlin em 1819 a nobreza conservadora

havia começado a frustrar ou a desfazer as reformas que vários ministros

haviam iniciado durante os anos do domínio napoleônico tentando preservar

seus privilégios tradicionais. Desse modo, quando Hegel se refere à

necessidade de um sistema de leis que obtenha universalidade ele assim o faz

para manter que cada cidadão, independentemente de seu nascimento, classe

social ou ocupação é igual sob a lei. E, ainda, quando Hegel enfatiza que um

Estado racional exige que cada cidadão identifique seus interesses com os

interesses do Estado isso não implica necessariamente em totalitarismo. Ele,

de fato, se opõe muito mais à sociedade na qual rei e nobreza buscam seus

interesses privados em detrimento do interesse de todos como um todo. Nesse

sentido a exigência implícita de Hegel de que os indivíduos deveriam

subordinar suas vontades particulares a vontade geral representada pelo

Estado é mais moderna do que parece ser à primeira vista. Não há razão,

conforme se entende, para criticar Hegel como conservador com base na

compreensão de que o Estado não deveria ser governado sob o fundamento

Page 83: Filosofia, Direito e Justiça

dos interesses particulares. 4. A compreensão hegeliana de sociedade civil-

burguesa Como foi visto Hegel sustenta que um Estado é racional na medida

em que serve ao propósito da sociedade como um todo muito mais do que

àqueles dos indivíduos ou grupos particulares. Embora Hegel exclua ações

egoístas da esfera do Estado, ele mantém que o egoísmo deveria ter livre

curso no que diz respeito às atividades da economia. Dentro da esfera da

sociedade civil-burguesa os cidadãos individualmente deveriam ser livres para

buscar seus fins particulares. A compreensão de Hegel da sociedade civil-

burguesa reflete a emergência de um sistema econômico capitalista moderno e

afirma o esforço de compreender esse sistema em termos filosóficos. Com

respeito a isso a compreensão hegeliana de sociedade civil-burguesa

claramente compartilha bases comuns com as teorias liberais. Assim, essa

poderia ser considerada a parte mais moderna da Filosofia do Direito de Hegel.

Entretanto, seria um erro apresentar a compreensão de sociedade civil-

burguesa em Hegel como uma defesa linear do liberalismo ou do capitalismo.

Para Hegel as atividades conduzidas em nome do interesse próprio constituem

simplesmente um princípio da sociedade civil-burguesa. Cidadãos, que

perseguem seus próprios interesses, seja desconhecendo ou conhecendo o

que fazem, criam normas, práticas e instituições compartilhadas, acabando

assim, por realizar o segundo princípio da sociedade civil-burguesa,

nomeadamente, a universalidade.

DIREITO NA FILOSOFIA CONTEMPORANEA

A Filosofia do Direito de Hegel pode ser tomada como consistindo de uma

concepção especulativa dos vários elementos constitutivos do Estado

moderno. É uma obra que emerge de um período que não mais tomou o

feudalismo como algo inquestionável e que abraçou a idéia de que o ser

humano enquanto tal é livre para pensar e agir de acordo com princípios

racionais. Contudo, a Prússia na época de Hegel foi marcada também pelos

esforços para restaurar o status quo feudal. Mais genericamente o período

frequentemente descrito como modernidade aponta para uma profunda tensão

entre as tendências conservativas e progressistas muito mais do que o período

feudal. Poder-se-ia argumentar que a Filosofia do Direito de Hegel já não exibe

Page 84: Filosofia, Direito e Justiça

essa tensão. No entanto, isso não autoriza afirmar que essa obra seja uma

apologia do Estado prussiano ou do totalitarismo em sentido largo como se tem

dito de forma recorrente.3 Também não parece ser o caso, na minha opinião,

de defender a pertinência da filosofia política de Hegel considerando

unilateralmente a abordagem liberalista como é o caso de Honneth em seu livro

‘Sofrimento na indeterminação’ (2001) e de Pippin recente publicação ‘A

filosofia prática de Hegel’ (2008). Parece-me, diferentemente, que a Filosofia

do Direito de Hegel consiste numa precária tentativa de reconciliar o princípio 1

Comunicação apresentada no Congresso da Sociedade Internacional Hegel em

Sarajevo, Bósnia-Herzegovina, setembro de 2010. 2 Universidade de

Groningen, Holanda. 3 Ver Popper. 1945. p. 27-80. Entre os autores que se

opõem a essa identificação pode-se citar Knox (1970), Avineri (1972) e Wood

(1991). Boer. A Filosofia do Direito de Hegel... 46 Rev. Simbio-Logias, v.3, n.5,

Dez/2010. moderno da liberdade individual com a visão de que a sociedade

somente pode florescer se ela for organicamente organizada. “A essência do

Estado moderno consiste em unir o universal com a plena liberdade da

particularidade e o bem estar dos indivíduos. Isso exige que os interesses da

família e da sociedade civil-burguesa convirjam na direção do Estado, mas, ao

mesmo tempo, que a universalidade do fim não pode avançar sem a forma de

saber e querer que pertence à particularidade. Somente quando ambos os

momentos obtém força e preservam essa força o Estado pode ser considerado

como articulado e verdadeiramente organizado.” (Hegel. § 260. 1970) Além do

mais, deve-se ainda considerar se a concepção de sociedade de Hegel em

termos de um organismo afirma o conservadorismo ou muito mais a crítica à

modernidade que é, em si mesma, parte e parcela da modernidade. Como eu

entendo, as críticas implícitas e explícitas de Hegel são dirigidas tanto ao status

quo quanto às alternativas postas pelo liberalismo. Distinguindo entre a análise

crítica de Hegel das visões modernas e das instituições e, por outro lado, as

soluções particulares que ele propõe, espero argumentar que o aspecto anti-

moderno da Filosofia do Direito pode ser concebido como uma crítica da

modernidade como essa foi conhecida por ele. Como resultado, poder-se-ia

dizer que Hegel atingiu uma compreensão mais profunda das tensões

aporéticas inerentes à sociedade moderna atual do que seu tratamento

especulativo da idéia de Estado moderno sugere. 2. O objetivo e a estrutura da

Page 85: Filosofia, Direito e Justiça

Filosofia do Direito A filosofia, segundo Hegel, penetra no âmago racional do

Estado “a fim de encontrar a pulsação interna e sentir ainda uma batida mesma

nas configurações externas”(Hegel. 2010, p. 42). Contudo, ele tem o cuidado

de distinguir entre aquelas formas externas e “as relações infinitamente

múltiplas que se formam nessa exterioridade” (Hegel. 2010, p. 42). Isso

significa que a Filosofia do Direito diz respeito à idéia do Estado moderno tal

como ele se revela a si mesmo segundo a apreensão do filósofo especulativo,

isto é, de acordo com as várias determinações implicadas pela idéia da

liberdade moderna.4 Na visão de Hegel uma sociedade não pode ser analisada

somente em termos da relação entre cidadãos e governo. Ele concebe o

Estado muito mais como um organismo de várias esferas das quais se constitui

um sistema coerente e estável.5 Ao distinguir entre as esferas da família, da

sociedade civilburguesa e do Estado no sentido de governo, Hegel concentra-

se no modo pelo qual instituições particulares permitem a membros da

sociedade identificarem-se com fins que 4 Ver Hegel. 2010, § 4. 5 Ver Hegel.

2010, § 258 e § 279. Boer. A Filosofia do Direito de Hegel... 47 Rev. Simbio-

Logias, v.3, n.5, Dez/2010. transcendam o imediato e os impulsos egoístas. A

distinção entre família, sociedade civilburguesa e Estado segue-se da lógica

que forma cada uma e todas as análises de Hegel. A esfera da família diz

respeito à forma da vida ética na qual o universal e o particular ainda não se

tornaram opostos. A esfera do Estado, por outro lado, tem a ver com a forma

da vida ética na qual o universal e o particular não mais se opõem. Dentro do

campo da família seus membros entendem o que é bom de acordo com o que

a família como um todo entende ser bom. Isso é também o caso na medida em

que os cidadãos identificam-se com os fins da sociedade como um todo. Tais

fins são representados e reforçados pelo Estado. Cidadãos assim procedem ao

respeitarem a lei, ao pagarem impostos, ao defenderem o país ou colocando-

se a serviço da sociedade de outros modos. Para Hegel, a idéia de liberdade

moderna contém o desdobramento da esfera da sociedade civil.

Contrariamente às outras duas esferas, a sociedade civil-burguesa é

caracterizada pela oposição entre a universalidade e a particularidade. Ela é,

mais precisamente, a esfera na qual a luta entre o particular e o universal

desdobra-se e pode ser tão somente resolvida de modo limitado. Portanto, a

distinção entre particularidade e universalidade forma a preferência e a trama

Page 86: Filosofia, Direito e Justiça

da consideração hegeliana do Estado moderno. 3. A concepção hegeliana de

Estado moderno Claramente a Filosofia do Direito de Hegel pertence à

modernidade na medida em que ele endossa o princípio da liberdade humana

e argumenta que as sociedades deveriam permitir que seus cidadãos ajam de

acordo com essa liberdade. 6 No entanto, o tratamento atual de Hegel do

conceito de liberdade não é muito direto. Assim, a introdução da Filosofia do

Direito debruça-se sobre o conceito de vontade mais do que de liberdade.7

Hegel define aqui a vontade como forma da liberdade que se encontra tão

somente em si mesma.8 Isso significa que ao querer algo eu não atuo a partir

da verdadeira liberdade na medida em que o conteúdo de minha vontade é

direcionado e derivado por impulsos imediatos. Nesse caso a liberdade ainda

não é auto-determinação. Uma forma mais desenvolvida de liberdade ocorre

quando os seres humanos agem moralmente – uma esfera a qual a segunda

parte da Filosofia do Direito 6 Conforme Hegel. 2010, § 2 e § 258. Em relação à

história do mundo Hegel distingue entre três determinações básicas do

princípio de liberdade. De acordo com o momento lógico do conceito enquanto

tal esse princípio pode ser determinado como o princípio que um é livre, vários

são livres ou que o ser humano por ser o que é, é livre. Hegel conecta essa

distinção lógica ao (1) mundo oriental, (2) ao mundo grego e romano e (3) o

mundo moderno. 7 Ver Hegel. 2010, § 258 e sua proximidade com a

compreensão de Rousseau. 8 Ver Hegel. 2010, § 26. Boer. A Filosofia do

Direito de Hegel... 48 Rev. Simbio-Logias, v.3, n.5, Dez/2010. devota-se.

Entretanto, Hegel parece estar mais preocupado com a forma de liberdade que

caracteriza o Estado como tal do que com seus cidadãos individualmente. “O

Estado, enquanto efetividade da vontade substancial, que ele tem na

autoconsciência particular elevada à sua universalidade, é o racional em si e

para si. Essa unidade substancial é um auto-fim imóvel absoluto, em que a

liberdade chega a seu direito supremo, assim como esse fim último tem o

direito supremo frente aos singulares cuja obrigação suprema é ser membro do

Estado.” (Hegel. 2010, § 258) 9 Para Hegel a liberdade constitutiva dos seres

humanos individualmente, liberdade subjetiva, pertence à esfera da

particularidade. Enquanto tal, ela constitui um dos princípios básicos da

sociedade civil-burguesa. Dentro da esfera do Estado, por contraste, a

liberdade do indivíduo está subordinada à liberdade objetiva que Hegel atribui

Page 87: Filosofia, Direito e Justiça

ao próprio Estado. Parece que Hegel em cada caso concebe a liberdade como

autodeterminação. Portanto, um Estado pode ser dito livre de acordo com o

quanto é independente de outros Estados. Contudo, mais importante ainda,

pode-se dizer, que um Estado é livre na medida em que suas leis e instituições

não servem a propósitos de indivíduos ou grupos particulares tais como o rei, a

nobreza ou outras elites, mas serve aos propósitos da sociedade em geral.

Nesse caso o governo não é uma forma particular de autoconsciência oposta

ao povo, mas muito mais age com base na intuição sobre o modo pelo qual um

Estado moderno deveria ser organizado para prosperar. Um Estado é racional,

segundo Hegel, na medida em que realiza a unidade da liberdade subjetiva

com a objetiva. Essa unidade é alcançada se os cidadãos e grupos particulares

subordinam seus interesses aos interesses da sociedade enquanto tal e, se o

Estado, por sua vez, representa o interesse da sociedade com um todo muito

mais do que de indivíduos ou grupos particulares. Isso significa, de acordo com

Hegel, que ambos, Estado e cidadãos, deveriam agir segundo as leis e

princípios universais. “A racionalidade, considerada abstratamente, consiste,

em geral, na unidade em que se compenetrem a universalidade e a

singularidade e aqui, concretamente, segundo o conteúdo, consiste na unidade

da liberdade objetiva, isto é, da vontade substancial e da liberdade subjetiva,

enquanto saber individual e da vontade buscando seus fins particulares, e por

causa disso, segundo a forma, num agir determinando-se segundo leis e

princípios pensados, isto é, universais.” ( Hegel. 2010, § 258, notas) Pode-se

argumentar que Hegel defende aqui e em outra parte uma concepção

autoritária de Estado que parece guardar uma forte semelhança com o Estado

prussiano de sua época. No entanto, deve-se ter em mente que a Prússia não

teve uma constituição até 1850. 9 Ver também Hegel. 2010, § 279. Boer. A

Filosofia do Direito de Hegel... 49 Rev. Simbio-Logias, v.3, n.5, Dez/2010. Após

a derrota de Napoleão em 1815, o rei Frederick William III prometeu uma

constituição a seu povo, porém jamais cumpriu sua promessa. Mais

genericamente, quando Hegel foi para Berlin em 1819 a nobreza conservadora

havia começado a frustrar ou a desfazer as reformas que vários ministros

haviam iniciado durante os anos do domínio napoleônico tentando preservar

seus privilégios tradicionais. Desse modo, quando Hegel se refere à

necessidade de um sistema de leis que obtenha universalidade ele assim o faz

Page 88: Filosofia, Direito e Justiça

para manter que cada cidadão, independentemente de seu nascimento, classe

social ou ocupação é igual sob a lei. E, ainda, quando Hegel enfatiza que um

Estado racional exige que cada cidadão identifique seus interesses com os

interesses do Estado isso não implica necessariamente em totalitarismo. Ele,

de fato, se opõe muito mais à sociedade na qual rei e nobreza buscam seus

interesses privados em detrimento do interesse de todos como um todo. Nesse

sentido a exigência implícita de Hegel de que os indivíduos deveriam

subordinar suas vontades particulares a vontade geral representada pelo

Estado é mais moderna do que parece ser à primeira vista. Não há razão,

conforme se entende, para criticar Hegel como conservador com base na

compreensão de que o Estado não deveria ser governado sob o fundamento

dos interesses particulares. 4. A compreensão hegeliana de sociedade civil-

burguesa Como foi visto Hegel sustenta que um Estado é racional na medida

em que serve ao propósito da sociedade como um todo muito mais do que

àqueles dos indivíduos ou grupos particulares. Embora Hegel exclua ações

egoístas da esfera do Estado, ele mantém que o egoísmo deveria ter livre

curso no que diz respeito às atividades da economia. Dentro da esfera da

sociedade civil-burguesa os cidadãos individualmente deveriam ser livres para

buscar seus fins particulares. A compreensão de Hegel da sociedade civil-

burguesa reflete a emergência de um sistema econômico capitalista moderno e

afirma o esforço de compreender esse sistema em termos filosóficos. Com

respeito a isso a compreensão hegeliana de sociedade civil-burguesa

claramente compartilha bases comuns com as teorias liberais. Assim, essa

poderia ser considerada a parte mais moderna da Filosofia do Direito de Hegel.

Entretanto, seria um erro apresentar a compreensão de sociedade civil-

burguesa em Hegel como uma defesa linear do liberalismo ou do capitalismo.

Para Hegel as atividades conduzidas em nome do interesse próprio constituem

simplesmente um princípio da sociedade civil-burguesa. Cidadãos, que

perseguem seus próprios interesses, seja desconhecendo ou conhecendo o

que fazem, criam normas, práticas e instituições compartilhadas, acabando

assim, por realizar o segundo princípio da sociedade civil-burguesa,

nomeadamente, a universalidade.

Page 89: Filosofia, Direito e Justiça

PARTE III JUSTIÇA NA FILOSOFIA

1. JUSTIÇA NA FILOSOFIA ANTIGA

1.1 O CONCEITO DE JUSTIÇA EM PLATÃO

 

A filosofia em Platão segue uma orientação ética: ensina o homem a desprezar

os prazeres, as riquezas e as honras. A finalidade do homem em Platão é

procurar transcender a realidade, procurar um bem superior em relação àquele

que perdeu. Para se atingir este bem o homem necessita viver numa "cidade

perfeita" – A República: a Callipolis. O homem mais feliz é o justo; bem mais do

que o injusto num mar de delícias.

Não só em A República, como também na obra Fédon, Platão vai ensinar que

para se conseguir a felicidade deve-se renunciar aos prazeres e as riquezas e

dedicar-se à prática da virtude. O que vemos aqui é que em Platão os

conceitos de felicidade e justiça caminham juntos. Podemos definir felicidade

da seguinte maneira: seguir sua própria natureza; e a definição de justiça se dá

da seguinte forma: fazer aquilo que é próprio de cada um. Este paralelo traçado

entre os dois conceitos se concretiza dentro de A República ao estruturar sua

cidade utópica.

A grande problemática com o qual Platão inicia A República é falando sobre a

justiça, Sócrates (personagem principal do diálogo) realiza sua fala buscando

uma definição para justiça ou para o justo. Qual dessas atitudes cabe melhor

ao cidadão: o justo ou o injusto, que tem vida melhor? Como já falamos a

Page 90: Filosofia, Direito e Justiça

conclusão que cabe melhor é a da vida ao justo; para chegar a esta conclusão,

Glauco conta a lenda do Anel de Giges. Um homem através do poder do anel

poderia adquirir quase tudo o que desejasse, mas não possui o sentimento de

justiça e vive com desculpas inúteis tentando sustentar uma situação que não é

própria dele.

A república platônica prevê um estado que não se trata de uma forma de

governo aristocrata ou um governo eleito pela maioria. A forma de governo

ideal seria aquela onde o poder é confiado aos mais inteligentes, aos filósofos,

portanto temos uma sofocracia. Como Platão mesmo afirma "é preciso que os

filósofos se tornem reis, ou que os reis se tornem filósofos". Aonde chegar com

toda esta discussão. Se Platão afirma que a justiça é a base para todas as

virtudes, o sábio é uma pessoa virtuosa, logo o sábio deve por excelência ser

alguém justo. Voltando a questão das virtudes, vale lembrar que a alma

humana possuí três virtudes: a temperança, a coragem e a sabedoria, sendo a

justiça a base dessas três virtudes que seguindo a mesma linha constituirá três

almas: a apetitiva, a irascível e racional que culmina numa distribuição

harmônica de atividade na alma conforme a razão constituiria seguindo a

virtude fundamental: a justiça. Este último argumento é o ponto central de

ligação entre os conceitos de sabedoria e justiça.

O conceito de dar a cada um aquilo que lhe é próprio assume uma postura

central dentro da organização da república platônica. Existe baseado nesta

teoria um sistema educacional a fim de orientar cada um segundo suas

aptidões. Os que possuem sensibilidade grosseira devem-se dedicar à

agricultura, a produção, ao artesanato e ao comércio; cuidando da subsistência

da cidade. Os que possuidores da coragem constituem a guarda, a defesa da

cidade, estes são os guerreiros. A última classe aponta é dedicada para

aqueles que estudam a filosofia, disciplina que eleva a alma, afim de atingir o

conhecimento mais puro e é a fonte de toda a verdade, a estes caberiam a

administração da cidade. Portanto dentro desta visão fica claro que a atitude do

justo é de estar trabalhando dentro de suas aptidões. Para se formar um

estado justo é necessário antes de tudo, que seus cidadãos sejam justos.

Jamais poderia se conceber um estado justo com pessoas injustas ou seu

Page 91: Filosofia, Direito e Justiça

contrário. A formação da população vai determinar como será o estado. Assim

se entende toda a estrutura educacional do estado platônico – cada um deve

ser direcionado segundo suas aptidões, desenvolvendo as virtudes que lhe são

próprias e adequadas para aquilo que estão desenvolvimento.

Em Platão não encontramos uma definição fechada de justiça. Ele procura

trabalhar o conceito de justiça envolvendo todo o comportamento do ser

humano, portanto podemos dizer que o a definição de justiça em Platão

assume um caráter antropológico. Ele analisa como seria o comportamento do

homem justo e do homem injusto para se chegar a descrever suas virtudes, e a

tipologia das almas, afim de determinar uma postura ética que direciona o

homem para a conquista da sua felicidade dentro de suas aptidões constituindo

por fim um estado justo e perfeito – A República.

1.2 A PREOCUPAÇÃO COM A JUSTIÇA NA VIDA DE PLATÃO

Sócrates, Platão e Aristóteles são tanto o ocidente do oriente e como o oriente

do ocidente. Com Sócrates, Platão e Aristóteles clareia de vez o dia histórico

do pensamento – o dia do qual nós hoje somos o ocaso. Cessa o lusco-fusco

da aurora: o mito já não ressoa; a experiência trágica da vida cessa com as

grandes tragédias; o pensamento dos pensadores iniciais, como Heráclito e

Parmênides, imerso na admiração da natureza, é submetido ao crivo da crítica.

O pensar se torna, então, filosofia: o exercício da racionalidade, que ascende

para uma luz sem sombras, a claridade de Apolo. Platão (c.428 – 348 a. C)

nasceu de uma rica e aristocrática família ateniense. Sua educação inicial girou

em torno da gramática, da ginástica, da pintura e da poesia. Sua iniciação

filosófica se deu junto a Sócrates, de quem Platão foi aluno por cerca de 8

anos. O processo e a morte de Sócrates, em 399 a.C., deixariam uma marca

profunda na sua alma. Depois da morte de Sócrates, Platão procurou o filósofo

Euclides de Mégara. Participou de duas ou três expedições militares. Fez

viagens ao sul da Itália, em visita a filósofos pitagóricos. Também foi ao Egito,

dialogar com os sacerdotes. Mas as viagens mais importantes de Platão foram

a Siracusa, na Sicília. A primeira viagem fez quando tinha 40 anos (em 388

Page 92: Filosofia, Direito e Justiça

a.C.). Platão se tornara amigo de Dion, cunhado do tirano Dionísio I. Depois de

um desentendimento com o tirano, Platão é preso e vendido como escravo.

Descoberto casualmente, porém, por um amigo, é resgatado e posto em

liberdade. Em seguida, funda uma escola no monte Academos, a Academia. É

então que começa a escrever a sua obra principal: a Politéia (República). No

ano de 367 morre Dionísio I e Dion convida Platão para educar o príncipe

herdeiro Dionísio II. Aceita o convite, mas, novamente, vem a decepção.

Dionísio II acusa Dion de querer tomar o poder e o expulsa de Siracusa, o que

leva Platão a deixar também a Sicília. No ano 361 o próprio Dionísio II convida

Platão a retornar a Siracusa. Depois de muita relutância, Platão aceita o

convite. Entretanto, Platão se põe a favor de alguns mercenários, que tinham

entrado em conflito com Dionísio II e é por este aprisionado. Graças à amizade

e intercessão de alguns filósofos, Platão é libertado e retorna para Atenas. Lá,

Platão encontra Dion preparando um exército para lutar contra Dionísio II. Este

o convida a participar desta expedição, mas Platão se recusa. 2 Como foi dito,

Platão fundou uma escola no monte Academos. Esta escola se chamou

Academia. A palavra “escola” vem de “scholé”. Os latinos traduziram essa

palavra grega “Scholé” por “Otium”. A idéia de escola sugere que se trate de

uma comunidade humana onde todos estejam engajados num modo de se

empenhar denominado “ócio”. Na sua compreensão arcaica, originária, “ócio”

não designava “não fazer nada”, muito menos preguiça e indolência. “Ócio”

designava uma forma de trabalho. Trata-se de um modo de ser e de agir, de

uma modalidade de trabalho todo próprio, caracterizado como labor livre,

gratuito, assumido cordialmente por causa dele mesmo, querido

voluntariamente, como realização da vocação de uma pessoa. O contrário do

“ócio” é o “negócio”, ou seja, o trabalho funcionalizado em vista de um

resultado, que também é importante, mas que não é o mais nobre e elevado

para o ser humano. No ócio, o que está em vista é o ser humano, seu

crescimento e seu aperfeiçoamento como ser humano. No negócio, o que está

em vista é uma coisa, um produto, um resultado. O ser humano é usado em

favor do alcance desse objetivo. Platão escreveu cerca de 34 diálogos. Os

diálogos iniciais têm a presença maciça de Sócrates e se dedicam a expressar

o seu ensinamento. Já os diálogos da maturidade e da velhice trazem Sócrates

como protagonista, mas são mais voltados a apresentar a própria doutrina de

Page 93: Filosofia, Direito e Justiça

Platão. Deixou também algumas cartas. Na Carta VII Platão diz: “Outrora, em

minha juventude, experimentei o que experimentam tantos jovens. Tinha o

projeto de imediatamente abordar a política tão logo pudesse dispor de mim

mesmo” Seu envolvimento com a política, porém, numa época marcada pela

prosperidade econômica e, ao mesmo tempo, pela decadência espiritual e pela

injustiça, se mostraria ilusória: “Deixei-me levar por ilusões que nada tinham de

espantosas em razão de minha juventude. Imaginava que o poder constituído

governaria a cidade reconduzindo-a dos caminhos da injustiça para os da

justiça”. Dentre as grandes desilusões de Platão com a política se encontra a

condenação e morte de Sócrates e todas as vicissitudes vividas por ele próprio

em Siracusa. “Em vista destas coisas e de outras do mesmo gênero e de não

menor importância, fiquei indignado e me afastei das abominações que o

governo cometia. (...) Vendo os homens que conduziam a política, quanto mais

considerava as leis e os costumes e quanto mais avançava em idade, mais me

parecia difícil administrar bem os negócios do Estado. Sem amigos e

colaboradores fiéis, isso me parecia impossível. (...) Além do mais, a legislação

e a moralidade estavam a tal ponto corrompidas que eu, antes cheio de ardor

para trabalhar para o bem público, considerando essa situação e vendo como

tudo era mal gerido, acabei por ficar aturdido. Não 3 cessava, contudo, de

observar secretamente os sinais possíveis de uma melhora nesses

acontecimentos e especialmente no regime político, mas esperava sempre,

para agir, o momento oportuno (...) Finalmente compreendi que todos os

Estados atuais estão mal governados... Fui então irresistivelmente levado a

louvar a verdadeira filosofia e a proclamar que somente à sua luz se pode

reconhecer onde está a justiça na vida pública e na vida privada. Portanto, os

males não cessarão para os homens antes que a raça dos puros e autênticos

filósofos chegue ao poder ou que os chefes das cidades, por uma graça divina,

se ponham verdadeiramente a filosofar”. A preocupação de Platão pela justiça

constituiu-se, por fim, na questão central de sua principal obra: a Politéia – o

diálogo que discute a constituição da cidade justa e o exercício verdadeiro da

cidadania. É o que abordaremos a seguir.

1.3 A JUSTIÇA NA CONCEPÇÃO GREGA ANTIGA

Page 94: Filosofia, Direito e Justiça

A justiça tinha sido tema do pensamento grego, tanto no mito, quanto na

filosofia dos pensadores iniciais. O mito falava da deusa Dike, a Justiça. Era

filha de Zeus, o deus supremo do céu, e de Themis. Esta, por sua vez, era uma

titânide, filha de Urano e Gaia (Céu e Terra). Themis é a que põe e institui as

leis eternas dos deuses. De fato, o seu nome tem a ver com o verbo títhemi:

pôr, colocar. Por isso, ela era a conselheira de Zeus e tinha a autoridade de

reunir e dissolver as assembleias dos deuses e dos homens. Themis gerou

com Zeus as Moiras, deusas do Destino. É que o nome “Moira” se refere ao

verbo medial meiromai: dividir, repartir. “Moira” significa, com efeito, a parte que

toca, a porção que é assinalada, reservada e destinada, a cada homem. Daí:

destino. No mito, a idéia de Moira (Destino) e a de Nómos (Lei) estão em

consonância. Na concepção mítica, com efeito, lei é uma destinação. De fato, o

nome Nómos vem do verbo Nemo: distribuir o alimento; dar a cada um o que

lhe pertence; destinar a cada um o seu lugar na Terra; habitar de maneira

ajustada a Terra; saber administrar o mundo; cuidar da casa; reger os usos e

costumes; regular a convivência. Dike é uma moira. É a Justiça. Seu nome traz

a raiz indoeuropéia dik- ou deik-, que em grego deu deiknymi, que significa

mostrar, e em latim, dicere, que significa dizer. Dike é o lance do destino, que

mostra ao homem o que lhe está disposto e destinado. Se o homem segue os

ditames da Justiça, sua vida se torna bem integrada, bem articulada.

Dike (Justiça) era irmã de Eiréne (paz), de Eunomia (boa ordem), de Tyche

(boa sorte) e de Hesychia (serenidade). Suas inimigas eram as filhas da

escuridão (Nyx – noite): Éris (a polêmica), a Hybris (a arrogância), a Dysnomia

(desordem), a Léthe (a dissimulação) e Amphilogia (ambigüidade da fala). Na

concepção grega antiga, a justiça (dike ou dikaiosyne) é justeza, ou seja,

articulação bem ajustada com o Todo. A injustiça (adikía) é desajuste, desatino,

desarmonia, desintegração. Um dos primeiros fragmentos da história do

pensamento grego, de Anaximandro (610- 545 a. C), diz: “De onde provém o

surgir das coisas, de lá também vem o seu desaparecer – à medida que estas

fogem, indo dar no mesmo – de acordo com a necessidade; de fato, as coisas

rendem justiça e prestam o que é devido umas às outras, de acordo com a

ordem do tempo”. Todas as coisas surgem e desaparecem. Surgimento e

desaparecimento, nascimento e morte, vêm do mesmo “lugar”, do apeíron - o

Page 95: Filosofia, Direito e Justiça

abismo. É a partir do abismo que as coisas surgem e desaparecem, seguindo

os ditames da necessidade, o destino. Cada coisa, que vem à luz, surge à

medida que ocupa o lugar que lhe é destinado no universo. E cada coisa está

relacionada com todas as outras coisas, num ajuste bem articulado. Essa

justeza (a Justiça) rege, pois, o relacionamento das coisas no universo: suas

correspondências, seu dar e receber. Justiça significa, neste sentido, o que as

coisas devem umas às outras, devido ao íntimo pertencimento que as liga.

Quem rege, porém, os movimentos de surgimento e desaparecimento,

nascimento e morte, segundo os ditames da Justiça, é o tempo. O tempo, de

fato, instaura e revela os ditames da Justiça, as determinações da

necessidade, as consignações do destino. Ele rege, portanto, tudo quanto

acontece, tudo quanto vem à presença e desaparece na ausência, ou seja,

tudo que surge do abismo e tudo que retorna ao abismo. Essa compreensão

ontológica da justiça será sempre o pano de fundo em que Platão irá pensar a

questão de seu significado. De fato, Platão tratará da justiça não simplesmente

num horizonte jurídico, nem mesmo num horizonte simplesmente ético, mas,

antes de tudo, num horizonte ontológico.

1.4 A QUESTÃO DA JUSTIÇA NO DIÁLOGO “POLITÉIA” (“REPÚBLICA”)

Platão dedicou-se à filosofia em meio a um contínuo cuidado e preocupação

com a Pólis. Sinal disso é o fato de que a Politéia, que trata da constituição da

idéia da Pólis, resultou ser a sua obra mais imponente. A palavra “Pólis” tem

relação com o verbo “pélein”: irromper, movimentar-se, tornar-se, ser. A Pólis

era o espaço de jogo em que irrompia, movimenta-se, acontecia o destino

histórico do povo grego. Era o espaço da soberania de um povo. O lugar de

relacionamento de homens livres e iguais. Cada polités (cidadão) era

convidado a assumir a responsabilidade pelo todo da Pólis (politeúesthai) a

partir do seu ofício. Deste modo, todos eram políticos. Por princípio, todos eram

interessados na constituição da Pólis (Politéia), não só os governantes, mas

toda a assembleia dos cidadãos. O diálogo “Politéia” é a contribuição que

Platão deu, como pensador, à tarefa de se responsabilizar pela Pólis.

Page 96: Filosofia, Direito e Justiça

Contribuição que se tornou paradigmática e um referencial para o pensamento

político do ocidente. No segundo livro da Politéia, Platão coloca a pergunta

decisiva para a vida da Pólis: o que é a justiça e o que é a injustiça. Para

colocar melhor esta pergunta e respondê-la ele faz Sócrates dialogar com

pessoas que encarnam a compreensão sofística da justiça. Os sofistas

compreendem a justiça no nível dos fatos e não no nível da essência ou dos

princípios. Confundem realidade e possibilidade, fato e essência. Não são

capazes de intuir a essência da justiça. As teses sofísticas sobre a justiça

dizem: 1. Justiça é a lei do mais forte. O poder dos que dominam é que decide

sobre a constituição do direito e da justiça na Pólis. 2. Justiça é o resultado de

um acordo entre os homens. Este acordo estabelece o meio termo entre fazer

injustiça sem ser penalizado, que seria a tendência fundamental do egoísmo

humano, e sofrer injustiça sem poder se defender ou vingar. Na Pólis, o

decisivo não é ser justo, mas parecer justo. O homem que se torna

verdadeiramente justo parece injusto diante dos outros homens, podendo até

morrer crucificado. Vice-versa, o homem que sabe ser injusto sem parecer

injusto passa por justo no meio dos outros homens. Entram em cena, então, as

opiniões dos irmãos de Platão (Adeímatos e Glaucon). Para eles a justiça deve

ser cultivada porque traz honra diante dos homens e merece a recompensa por

parte dos deuses. Essa compreensão também se mostra insuficiente, pois ou

coloca a justiça na dimensão da aparência (fama) ou faz da justiça um meio e 6

não um fim em si mesmo. A justiça seria buscada não por causa dela mesma,

e sim por causa de algum prêmio ou recompensa. Em seguida, a pergunta pela

essência da justiça é recolocada nesses termos: O que é a justiça e a injustiça

em si mesma e a partir de si mesma; como a justiça e a injustiça se relacionam

com a alma humana; como a justiça é o maior bem e a injustiça o maior mal

para a alma humana; como, enquanto maior bem, a justiça não é dada por uma

valoração extrínseca, mas traz nela própria uma dignidade, que a torna um fim

em si mesma; como a justiça deve ser buscada por ela mesma e não em vista

de suas consequências, quer dizer, em vista de um prêmio ou recompensa,

seja da parte dos homens seja da parte dos deuses. Recolocada a questão,

chega o momento de buscar a idéia, ou seja, a essência da justiça: o que é a

justiça nela mesma e por ela mesma; o que faz a justiça ser justiça. A

investigação se dá em dois momentos: 1. A justiça na Pólis; 2. A justiça no

Page 97: Filosofia, Direito e Justiça

indivíduo. A justiça é o maior bem para a alma humana. Como se estrutura,

porém, a ordenação dos bens? De início, há aqueles bens que vêm ao

encontro das necessidades básicas, corporais, do ser humano (chréia). Depois,

há aqueles bens que correspondem às necessidades livres da vida humana

(ananke). A Pólis surge porque os homens não são autárquicos, mas

dependem uns dos outros, para suprir estas necessidades. “A Pólis nasce,

porque cada um de nós não se basta a si próprio. O homem tem tantas

necessidades, tantas, que muitos homens são obrigados a viver em conjunto

para se ajudarem mutuamente. A essa convivência daremos o nome de Pólis”.

A Pólis surge a partir das necessidades humanas. Entretanto, pode acontecer

que ela cresça em desmedida, em função não mais das necessidades e sim

das cobiças dos homens, tornando-se injusta. A origem de toda a injustiça está,

com efeito, na cobiça humana. O risco de a Pólis se perder e se corromper

urge dos cidadãos uma contínua vigilância. Todo o cidadão precisa ser um

guardião, um vigilante, da Pólis. A cada um está confiado o cuidado (epiméleia)

pelo todo da Pólis. Entretanto, este cuidado é exercido por cada um a partir de

seu próprio lugar (ethos), de sua própria forma e visão de vida (eidos, bíos), de

seu próprio estamento ou status jurídico (genos). Alguns são designados para

governar (archontes), outros para serem governados (archómenoi). Entre os

que governam, uns exercem plena regência, outros são coadjuvantes. Aqueles

que governam são responsáveis pela legislação e pelo 7 julgamento das

questões entre os cidadãos. Devem ser os melhores, os mais capazes,

sensatos e sábios entre os cidadãos (aristói). Em segundo lugar, há aqueles

que devem auxiliar na administração da cidade e zelar pela segurança e pela

defesa dos cidadãos todos. Em terceiro lugar, vêm aqueles que devem se

responsabilizar pela produção dos bens necessários para a sobrevivência e o

conforto de todos os cidadãos: camponeses, artesãos, comerciantes. Todos,

entretanto, devem visar continuamente, em tudo, o bem comum, a felicidade

(eudaimonia) de todos os cidadãos e da Pólis como um todo. A cidade não

pode ser nem rica nem pobre, pois riqueza e pobreza (indigência) corrompem

os homens. Da mesma maneira, a cidade não pode ser nem muito pequena

nem muito grande. O ideal é que ela consiga ser suficiente para atender às

necessidades de todos os cidadãos. Da mesma maneira, a cidade deve ter leis

em medida suficiente para regular a vida dos cidadãos: nem carecer de leis,

Page 98: Filosofia, Direito e Justiça

nem ter leis em demasia. Cada estamento (genos) deve ter o seu ethos, isto é,

o seu modo de se responsabilizar pelo todo da Pólis. Assim, a cada um

corresponde uma determinada areté (excelência, virtude). A virtude

desempenha uma importância primordial na concepção da educação grega. A

palavra grega para virtude é αρετη (areté)

1 . Nos primórdios, esta palavra era usada em referência a coisas, seres vivos,

seres humanos e deuses. Mais tarde é que veio a se referir

predominantemente ao ser humano. Em Homero, ela denota valor;

1 e excelência;

2 Conotando, ao mesmo tempo, coragem e vigor – tanto de varões, quanto de

mulheres. A areté era, antes de tudo, referida ao guerreiro, tanto para

ressaltar os:

É incerta a etimologia de areté. Há alguma hipótese, no entanto. Este nome

pode ser correlato do verbo αραρισκω (ararísco): apertar firmemente, encaixar

estavelmente, conectar, adaptar, equipar, munir, construir. Pode-se pensar, por

exemplo, em uma roda que se encaixa bem no seu eixo, que está bem

adaptada ou ajustada a ele, que possui uma conexão firme e segura com ele.

Aqui, o encaixe dá o sentido de firmeza e justeza. Por sua vez, a justeza nos

dá o sentido primordial de justiça. Nesta direção, justo é aquilo ou aquele que

está bem ajustado, que está bem centrado e articulado na conexão do todo da

vida mesma. É algo ou alguém, portanto, que possui firmeza e estabilidade e

que, por conseguinte, se encontra pronto, munido, preparado para toda e

qualquer vicissitude. O verbo ararisco, no entanto, remete à raiz αρι− (ari-), que

vigora, por exemplo, no verbo αρεσκω (arésco) e nos adjetivos αρεστος

(aréstos) e αριστος (arístos). Arésco significa dar satisfação, satisfazer,

contentar, aprazer, ser agradável, conciliar, cativar. Podemos dizer que, aquilo

que está bem ajustado agrada, propicia contentamento, dá prazer, satisfaz.

Que o contentamento aqui não é nada de frouxo, atesta a expressão aréskei,

que significa estar decidido ou estabelecido que (cfr. o latim placet). Numa

deliberação e resolução, com efeito, o que apraz e satisfaz é, justamente,

aquilo que se evidenciou como o mais justo, o melhor. Nesta mesma linha, o

adjetivo aréstos significa agradável, prazeroso, enquanto o adjetivo arístos

Page 99: Filosofia, Direito e Justiça

significa excelente, ótimo, o melhor, o mais nobre e, daí, também, belíssimo,

perfeito.

3 Valor, aqui, no sentido de valentia, coragem: a capacidade de valer-se de si,

das próprias forças, da própria disposição, e, assim, fazer-se valer, isto é,

superando-se a si mesmo, superar determinado obstáculo, vencer

determinado adversário ou derrotar certo inimigo. Palavra muito em voga

hoje, em que predomina, no mercado, o discurso da “qualidade total”.

“Excelência”, entendida a partir da palavra latina – excellentia – fala de

elevação e superioridade. O verbo excello (excellere) significa elevar-se

acima de, exceder, ultrapassar, sobressair. O particípio passado deste

verbo é excelsus, daí, em português, excelso: alto, elevado, grande, nobre,

sublime, poderoso. 8 dotes de seu corpo, quanto para deixar sobressair a

nobreza de sua alma. Areté pode ser, também, sinônimo de boa fortuna,

prosperidade, felicidade, bem-aventurança, e, a partir daí, de distinção,

consideração, fama, glória, majestade. A areté brilha, assim, nas gestas

gloriosas dos heróis, nas suas façanhas, nos seus atos de valor e coragem,

em que reluz a magnanimidade e a nobreza deles. Para Platão, a virtude é

uma paixão (pathos) bem ordenada, uma atitude apropriada (héxis), uma

realização, um feito, uma ação da liberdade humana (práxis). Platão atribui

a cada forma de vida na Pólis uma areté (virtude) específica. Aqueles que

governam devem ter a virtude da sophia (sabedoria). Os guerreiros, a

virtude da andréia (coragem). Os trabalhadores, a virtude da sophrosyne

(temperança). Os governantes devem se ater à sophia, sabedoria, o que

significa que devem ter a visão do todo, a competência na compreensão

das coisas (episteme) e a capacidade de bem ponderar nas decisões (eu

bouleúesthai). Os defensores da cidade devem ter a virtude da coragem

(andréia). Sua coragem, por sua vez, deve estar a serviço da manutenção e

da defesa da integridade (sotería) da cidade. Os trabalhadores devem ser

providos do entendimento são, isto é, do bom senso, da moderação, da

justa medida, da sobriedade e da simplicidade (sophrosyne). Uma vez

estabelecida a vigência dessa tríplice virtude, convém ressaltar a

importância da quarta, que, na verdade é a primeira e a anterior às três, por

ser o garante de sua boa articulação e harmonia. Trata-se da virtude da

Page 100: Filosofia, Direito e Justiça

dikaiosyne (justiça). A justiça é a que salva, isto é, garante a integridade e

boa articulação das outras três virtudes. Ela é a virtude ética por excelência

(areté ethiké). A Pólis só se torna a morada apropriada para o homem caso

nela habite e reine a justiça. Como, entretanto, a justiça rege e vigora na

vida do indivíduo? Para Platão, indivíduo e Pólis devem se integrar numa

correspondência harmoniosa. A cidade não deve suprimir a originalidade, a

autonomia, a liberdade do indivíduo. O indivíduo não deve visar apenas o

seu bem particular, mas deve visar, sempre, o bem comum, o bem da Pólis.

4 Para quem se preocupa com o tema da educação não deve passar

despercebida a necessidade que a criança e o adolescente têm de se mirar

nos exemplos e nos feitos de heróis. Parece que o ser humano só pode

começar a si constituir a si mesmo, tendo em mira estes exemplos, a

começar dos próprios pais e educadores, sim, mas indo além, haurindo do

mundo da imaginação as possibilidades de sua própria auto-realização. Na

verdade, a imaginação funciona como um fator libertador da evidência

destas possibilidades. É que, ao contrário do mundo real, o mundo

imaginário não está restrito, mas nele pulsa as possibilidades inesgotáveis

da auto-realização e auto-constituição do ser humano. Não à toa o mito, a

arte, o romance, a novela, enfim, a ficção tem tanta força no processo de

educação do ser humano. Boa é aquela ação ou obra em que o homem se

coloca com toda a alma (hóle te psyché) e realiza integrado com o todo da

Pólis, bem como com o todo da Physis. Entretanto, quais são as potências

da alma que precisam ser integradas a fim de que o homem faça uma obra

boa com todo o seu vigor, isto é, com todas as suas forças? De início, a

alma humana se encontra tensa entre dois contrários: a potência do desejo

(epithymia) e a potência da razão ou reflexão (logismós). Esta tensão,

entretanto, só não se torna destrutiva, mas criativa, caso estas duas forças

contrárias se ajustem em uma terceira potência, que é a do ânimo (thymós).

A palavra thymós significava, originariamente, as entranhas, daí: o coração,

o centro da força da vida, a coragem, o ânimo. O homem deve saber

dedicar-se à sua obra com todo a sua alma, atendo-se, com discernimento

(diánoia) a tudo o que é bom, isto é, justo e belo. A aprendizagem do bem

é, portanto, a grande aprendizagem (megíston mathema), a que o homem

está destinado. “O maior saber é a ‘idéia’ do Bem (agathón), através da qual

Page 101: Filosofia, Direito e Justiça

o que é justo e tudo o mais, que gira em torno disso, torna-se útil

(chresimón) e conveniente (ophelimós)”. Em tudo o que é agradável, útil e

conveniente, o homem já sempre se deixou guiar pelo vislumbre, isto é,

pelo conhecimento prévio da idéia do Bem. O prazer (hedoné) e a

sabedoria ética (phrônesis) estão para ela orientados. Como, entretanto, o

homem pode chegar a uma visão clarividente do Bem, que é o que faz a

justiça ser justiça?

JUSTIÇA NA FILOSOFIA MEDIEVAL

– A Ética de Abelardo frente à de Aristóteles e a concepção cristã de vício e

pecado. A obra de Aristóteles Categorias89 , apesar de não ter sido feita com o

objetivo principal de elucidar a noção de moralidade, teve influência no estudo

da ética de Pedro Abelardo90 e, dentre os inúmeros pensamentos de

Aristóteles contidos nas Categorias, um dos principais é sobre os relativos, ou

seja, qualidades da coisa (ou a própria coisa) que só têm sentido na presença

de um correlativo respectivo. Assim, o adjetivo grande só vai ser entendido

corretamente na frase montanha grande, quando o sujeito que proferiu esta

sentença tiver um referencial do que compreende como sendo grande, ou seja,

se ele relacionar a montanha com algo, que, em grandeza, possa ser

comparado com ela: Dizem-se relativas todas as coisas tais quantas são ditas

serem exatamente de outras, ou, de alguma outra forma, em relação a outra.

Por exemplo, o maior se diz exatamente isso que é, do que o outro – pois é dito

maior do que alguma coisa. Também o dobro é dito exatamente isso que é, de

outra coisa – de alguma coisa, pois, é dito o dobro. (...) Por exemplo, uma

montanha se diz grande em relação a outra coisa – com efeito, em relação a

certa montanha, diz-se grande esta montanha. E o semelhante é dito

semelhante em alguma coisa. E, da mesma forma, as coisas desse gênero são

ditas relativas. 91 Aristóteles diz que o mesmo ocorre com a noção de escravo,

como, por exemplo, na frase “Menón é escravo”, que, aparentemente, é

compreendida como uma sentença inteligível. Contudo, é certo que a palavra

escravo só pode gerar uma apreensão perfeita correlacionando-se com a

Page 102: Filosofia, Direito e Justiça

noção de senhor. Logo, o relativo escravo desta sentença se refere a um

correlativo, como, por exemplo, Menón é escravo de seu senhor Alexandre:

“Todos os relativos são ditos em 89 A tradução utilizada das Categorias de

Aristóteles será a de José Veríssimo Teixeira da Mata. Editora UFG, 2005. 90

A influência de Aristóteles é muito grande em Abelardo que, de acordo com o

Michael Clanchy, ele era chamado de nosso Aristóteles (“our Aristotle”) por

Pedro Venerável e de o Aristóteles alternativo (“the alternative Aristotle”) por

São Bernardo. Cf. CLANCHY, M. Abelard, a Medieval Life. p. 97. 91

ARISTÓTELES. Categorias. 6a36, p. 91. 484 relação a correlativos. Por

exemplo, o escravo é dito escravo do senhor e o senhor é dito senhor do

escravo”. 92 Na seqüência desse raciocínio, Aristóteles usa a mesma idéia

para o entendimento do vício e da virtude, dizendo que é possível reagrupá-los

como opostos, ou seja, o entendimento de um depende da compreensão do

significado do outro.93 A oposição entre vício e virtude se dá devido à

presença da deliberação da vontade na virtude e na ausência da mesma no

vício: “A contrariedade também está nos relativos; por exemplo, a virtude é

contrária ao vício, sendo cada um desses um relativo.”94 A relação entre

relativo e correlativo pode ocorrer erradamente quando a aplicação for

inapropriada tal como ocorre quando a palavra asa é aplicada à palavra

pássaro. Não é do pássaro, enquanto pássaro, que a asa é dita, mas ela é dita

pelo fato dele ser alado e não de ser pássaro, pois existem muitos outros

animais que têm asas e não são pássaros. Assim, o correto seria a correlação

entre a asa e o alado, já que “a asa é asa do alado, e o alado é, pela asa,

alado”. 95 No Scito te Ipsum, Abelardo refere-se a este exemplo de Aristóteles

para explicar um erro semelhante que há na relação entre o pecado e a

concretização de um ato mau que pode ser com ou sem desprezo por Deus.

Aristóteles mostrou que há erro quando se faz uma correlação indevida como

no caso da relação entre a asa e o pássaro, justamente porque existem asas

em outros animais e não apenas nos pássaros, logo a presença da asa não é

suficiente para afirmar a presença de um pássaro. Contudo, também, há uma

correlação indevida na relação entre um ato mau e o pecado, porque atos

maus podem ser feitos sem o desprezo por Deus 92 Idem. 6b18, p. 92. 93

“Então, as coisas tais quantas se opõem como relativos são ditas serem as que

elas são exatamente a partir dos opostos, ou, de alguma outra forma, são ditas

Page 103: Filosofia, Direito e Justiça

umas em relação às outras.” Idem. 11b31, p. 107. 94 Idem. 6b11, p. 91. 95

Ibidem. 6b36, p. 92. 494 quando, por exemplo, determinados pela ignorância96

não sendo pecados propriamente ditos. A presença do ato mau não é

suficiente para afirmar a presença do pecado o qual depende do consentimento

com o mal e do desprezo por Deus. Assim, a construção: “há asa nesse

animal, logo ele é um pássaro” é errada, pois há animais que não são pássaros

e têm asas. Da mesma forma, “há um ato mau feito pelo homem, logo ele

cometeu um pecado” também não é certa, pois existem atos maus que não

provém do desprezo do agente por Deus e, por isso, não há consentimento

com o mal97: Assim, Aristóteles, no capítulo sobre a relação, quando falou da

correlação errada dos relativos, disse: ‘Mas, algumas vezes, verá que não pode

haver correlação de termos se estes termos não forem designados

convenientemente para o que foi dito’. Pois, se peca este que faz a correlação

– por exemplo, ‘se a asa é correlacionada com pássaro - a correlação não é

recíproca porque pássaro não é correlativo com asa’. Então, deste modo, se

chamamos de pecado toda coisa que nós fazemos viciosamente ou toda coisa

que temos contra a nossa salvação, nós certamente diremos que a infidelidade

e a ignorância do que é necessário crer para a salvação, são pecados, ainda

que, nestes casos, nenhum desprezo por Deus é visto. Contudo, eu penso que

o pecado é propriamente dito somente a isto que nunca pode verificar-se sem

que haja culpa98 . Abelardo, em outra passagem do Scito te Ipsum, refere-se à

proposta de Aristóteles nas Categorias de que uma proposição, por exemplo,

Sócrates está 96 Lembremos, nesse caso, que Abelardo se refere à ignorância

que não foi causada por negligência do agente que, como veremos mais à

frente, também é culpável. 97 “Há, pois, relação entre a asa e o que é alado; e

não entre a asa e o pássaro, pois poderia haver aves sem asas e asa daquilo

que não é ave. Desse modo, a relação tende ao mais genérico possível, para

que a realidade não lhe oponha arestas súbitas.” DA MATA, José Veríssimo

Teixeira. Introdução da obra por ele traduzida: Categorias in ARISTÓTELES.

Categorias. p. 48. Esta colocação faz referência à relação entre asa e pássaro,

provando a incoerência da mesma a partir de duas proposições: “pode haver

pássaros sem asas” e “há outros animais com asas que não são pássaros”. Ao

usar o mesmo raciocínio para os atos maus e os pecados, Abelardo provou a

incoerência da relação somente a partir da impossibilidade da proposição:

Page 104: Filosofia, Direito e Justiça

“pode haver atos maus sem pecados”. Contudo, se tentássemos criar uma

sentença semelhante a “porque há outros animais com asas que não são

pássaros”, apareceria a seguinte frase: “porque há outros atos com pecados

que não são atos maus.” É certo que, no contexto do pensamento de Abelardo,

é impossível a construção desta segunda alternativa. No Scito te Ipsum, está

claramente escrito que “Vitium itaque est quo ad peccandum proni efficimur,

hoc est, inclinamur ad consentiendum ei quod non convenit” (p. 4), ou seja, o

vício é o que nos inclina a pecar, consentindo com o que não é conveniente

(consentimento com o mal). Se há pecado propriamente dito em um ato, é

evidente que há um ato mau, logo se, em um ato, está contida a noção de

pecado ele será também mau. 98 “Unde Aristotiles in Ad aliquid, cum de vitiosa

relativorum assignatione loqueretur, ait: At vero aliquotiens non videbitur

conuertia nisi convenienter ad quod dicitur assignetur. Si enim peccet is qui

assignat, ut ala si assignetur aui, non convertitur ut sit auis alae. Si ergo isto

modo peccatum dicamus omne quod vitiose agimus vel contra salutem nostram

habemus, utique et infidelitas et ignorantia eorum quae ad salutem credi

necesse est peccata dicemus, quamvis ibi nullus Dei contemptus videatur.

Proprie tamen peccatum illud dici arbitror quod nusquam sine culpa contingere

potest.” PETRUS ABAELARDUS. Scito te Ipsum. p. 62; 64. 505 sentado, pode

ser verdadeira ou falsa dependendo da comprovação empírica respectiva: se

Sócrates estiver realmente sentado, a proposição é verdadeira, mas, se ele

estiver andando será falsa.99 A mesma idéia de Aristóteles, segundo Abelardo,

valeria para a análise moral e para a comprovação do pecado, pois o ato varia

em torno do conceito de bom e mau (“[...] ita circa bonum et malum variari

videtur”), e depende da intenção e do posterior consentimento para receber

uma qualidade definitiva. Esta situação se assemelha à sentença “Sócrates

está sentado” que também muda, sendo, verdadeira ou falsa em relação a uma

determinação que não depende dela mesma, mas de uma outra circunstância:

“sicut haec propositio ‘Socrates sedet’ vel eius intellectus circaverum et falsum

variatur, modo Socrate sedente modo stante”. 100 A influência de Aristóteles

percebida a partir da apresentação desses trechos do Categorias e do Scito te

Ipsum remete-nos a algumas elucidações de Guy Hamelin acerca deste tema

quando diz que podemos destacar duas grandes aproximações e um evidente

afastamento entre a ética de Abelardo e a ética do Estagirita101 . A

Page 105: Filosofia, Direito e Justiça

aproximação se refere à definição de virtude que, como já comentamos,

Abelardo apresenta no início do Scito te Ipsum: a virtude como costume ou

hábito do espírito (ou do ânimo102) que nos torna inclinados às boas ou às

más ações. 99 ARISTÓTELES. op. cit. 4a10, p. 84. 100 PETRUS

ABAELARDUS. Scito te Ipsum. p. 52. 101 “Pierre Abélard n’a qu’un accès

direct restreint à ces textes philosophiques qui se limite pratiquement aux seuls

traités du Stagirite qui font partie du corpus de la logica vetus. Malgré ce

contact limité la littérature philosophique de l’antiquité grecque, un examen

même sommaire de la doctrine de la vertu d’Abélard laisse apparaître une forte

influence aristotélicienne, notamment en ce qui concerne l’important thème de

la nature a de la vertu. (Pedro Abelardo não tem senão um acesso restrito a

estes textos filosóficos que se limita praticamente aos únicos tratados do

Estagirita que fazem parte do corpus da logica vetus. Apesar deste contato

limitado da literatura filosófica da antigüidade grega, um exame mesmo

sumário da doutrina da virtude de Abelardo deixa aparecer (torna evidente)

uma forte influência aristotélica, notadamente nisto que concerne ao importante

tema da natureza e da virtude)” HAMELIN, Guy. L’influence d’Aristote et

Ciceron chez Pierre Abelard, p. 220. 102 Já comentamos que Luís Alberto de

Boni usou, no início da sua tradução do Scito te Ipsum, a expressão: vícios e

virtudes do ânimo e não vícios ou virtudes do espírito ou da mente (op. cit. p.

43). Certamente, o uso do termo ânimo impede a confusão desta palavra com

o sentido teológico e cristão de espírito que é diverso da interpretação filosófica

presente neste caso. 515 O personagem Filósofo, no Dialogus, se refere

diretamente à Aristóteles que definia a virtude e o vício como qualidades

racionais de escolha que são inatas ao homem e que vão, cada vez mais,

sendo conquistadas diante de um esforço deliberado e difícil de ser modificado.

Se esse esforço for o melhor possível, haverá o melhor hábito do espírito, ou

seja, a virtude, mas se, ao contrário, se der o pior esforço possível,

conseqüentemente também aparecerá o pior hábito do espírito que é o vício: A

virtude, ele diz, é o melhor hábito da alma como de modo inverso, o vício, eu

creio, seja o pior hábito. Isto que nós chamamos então de hábito é esta

primeira espécie de qualidade que Aristóteles define em suas Categorias, como

sendo formada segundo a maneira e a disposição de ser. O hábito é então uma

qualidade da escolha que é naturalmente inata para ele e que se conquista por

Page 106: Filosofia, Direito e Justiça

um esforço deliberado difícil de se modificar. 103 Abelardo seguiu a tradição

aristotélica em relação aos hábitos que são fundamentos dos atos morais

mostrando que são naturais e inatos não no sentido de que as pessoas já

nascem com os mesmos, mas que o grande esforço em realizá-los e a

contínua repetição durante a vida os elevam ao grau de quase

permanência104 . Esta quase permanência dos hábitos do espírito são as

atitudes mentais concernentes ao domínio dos costumes e não se confunde

com os hábitos corporais.105 103 ““Virtus”, inquiunt, "est habitus animi

optimus"; sic e contrario vitium arbitror esse habitum animi pessimum; habitum

vero hunc dicimus, quem Aristoteles in Categoriis distinxit, cum in habitu et

dispositione primam qualitatis speciem comprehendit. Est igitur habitus qualitas

rei non naturaliter insita, sed studio ac deliberatione conquisita et difficile

mobilis.” PETRUS ABAELARDUS. Dialogus inter philosophum, iudaeum et

christianum, PL 182, Col. 1651C-1651D. 104 “En plus d’accepter la thèse selon

laquelle la vertu est un habitus de l’espirit, Abélard reprend égalament du

Stagirite l’idée que cet habitus n’est pas du tout natural, bien qu’il puisse être

comparé à une seconde nature en raison de sa grande stabilité et de sa

quasipermanence. L’habitus est, en réalité, acquis à la suite d’un long effor,

comme le confirme Abélard dans l’extrait cité ci-dessus”. (“Além de aceitar a

tese de que a virtude é um hábito do espírito, Abelardo repete igualmente do

Estagirita a idéia de que este hábito não é totalmente natural, embora ele

possa ser comparado a uma segunda natureza por causa de sua grande

estabilidade e de sua quase permanência. O hábito é, na realidade, adquirido

em conseqüência de um longo esforço, como confirma Abelardo no trecho

citado acima”) HAMELIN, Guy. L’influence d’Aristote et de Cicero chez Pierre

Abelard, p. 223. 105 “ S’appuyant sur les exemples introduits par Aristote,

Abélard précise, en outre, qu’il ne s’agit pas de n’importe quelle sorte d’habitus

mas bien de habitus de l’esprit, excluant par le fait même les habitus corporels,

ainsi que les aptitudes mentales qui ne concernent pas le domaine des

moeurs.” ("Apoiando-se sobre os exemplos introduzidos por Aristóteles,

Abelardo precisa além disso que não se trata de qualquer tipo de hábito, mas

hábitos do espírito, excluindo de fato mesmo os hábitos corporais, assim como

as aptidões mentais que não concernem ao domínio dos costumes") Idem. p.

220. 525 Aristóteles, nas Categorias, estabeleceu a diferença entre os hábitos

Page 107: Filosofia, Direito e Justiça

e as disposições, colocando, dentre aqueles, as virtudes e os vícios. Os hábitos

são mais duráveis e estáveis e as disposições sofrem contínuas e rápidas

mudanças, relacionando-se com os bens móveis: Digo qualidade aquilo

segundo o que alguns são, de alguma maneira, qualificados. E é a qualidade

daquelas coisas que são ditas de muitas maneiras. Uma espécie de qualidade,

sejam ditos, o hábito e a disposição. O hábito difere da disposição pelo fato de

ser mais durável e mais estável. Tais são os conhecimentos e a virtude, pois o

conhecimento parece ser do que é constante e de difícil remoção, mesmo se

alguém apreende moderadamente um conhecimento, se não acontece uma

grande mudança por doença ou por alguma coisa desse gênero. Da mesma

forma, a virtude. Por exemplo, o sentido de justiça, a ponderação e cada

qualidade desse tipo não parece ser bem móvel, nem bem mutável.

Disposições são ditas as que são bem móveis e que se mudam rapidamente;

por exemplo aquecimento e resfriamento, a doença e a saúde, e todas as

qualidades desse tipo. De fato, o homem, de alguma forma, está disposto,

segundo elas; rapidamente se modifica, de quente passando a frio; e do estar

saudável ao estar doente.106 O pensamento moral de Aristóteles teve grande

relevância no tempo de Abelardo como se pode comprovar em vários escritos

de outros pensadores. Hugo de São Vitor, por exemplo, cuja obra teve

influência do pensamento de Abelardo107, em seu Didascalicon, dividia a

filosofia em três partes que corresponderiam a três remédios contra os

principais males aos quais os homens estão sujeitos: a sabedoria contra a

ignorância, a virtude contra o vício e a necessidade contra a enfermidade. É

exatamente nesta passagem que Hugo define, de forma semelhante à de

Abelardo, a virtude como sendo um hábito do ânimo (do espírito) que é

conforme a razão da natureza, “virtus est habitus animi in modum naturae

rationi consentaneus”, e, por isso, também é responsável pela arte prática (a

106 ARISTÓTELES. Categorias. 8b25-8b26. p. 98. 107 A influência indireta de

Abelardo no pensamento de Hugo de São Vitor pode ser confirmada em vários

estudos, não só em relação à ética, mas, principalmente, em discussões sobre

a natureza da Trindade e sobre a noção de sabedoria, benignidade e potência.

Entretanto não há nenhum relato histórico de que ambos tenham se

encontrado algum dia: “Não possuímos qualquer relato histórico segundo o

qual Abelardo se terá encontrado com Hugo de S. Vítor, mas é certo que já os

Page 108: Filosofia, Direito e Justiça

seus contemporâneos coligiram as obras de ambos nos manuscritos para os

quais as copiaram. Uma análise detalhada dos seus escritos revela que ambos

têm muito mais em comum do que geralmente se crê ser o caso.”

STAMMBERGER, Ralf M. W. 'De longe ueritas uidetur, diuersa iudicia parit':

Hugh of Saint Victor and Peter Abelard, in: Jean JOLIVET / Henri HABRIAS:

Pierre Abélard, à l'aube des universités. Actes de la Conférence internationale

Université de Nantes 3-4 octobre 2001, Nantes 2001, 385-412. 535

moralidade): “propter virtutem inventa est pratica” 108 . A permanência e a

imutabilidade do hábito que se relacionam com a moral impedem que haja uma

confusão entre este e outras atividades que somente tenham validade

momentânea. O personagem Filósofo, no Dialogus, diz que haverá virtude

somente se houver mérito, ou seja, se o homem empreender um esforço

constante contra as más inclinações, os vícios do ânimo, sendo, por isso,

destituída de valor moral qualquer qualidade que seja facilmente mutável

conforme as circunstâncias. A castidade oriunda de uma frigidez que provenha

do próprio corpo e não do esforço em superar a inclinação viciosa não poderia

ser chamada de virtude: Deste modo, a castidade que chamam de natural em

algumas pessoas, resultando da frigidez do corpo ou de alguma constituição

natural que não tem que lutar contra a concupiscência sobre a qual deve

triunfar e que não obtém mérito, nós, de maneira nenhuma, a enumeramos

entre as virtudes. O mesmo ocorre com as qualidades do ânimo que são

facilmente mutáveis. 109 Na seqüência desta passagem, o personagem

Filósofo completa essa idéia reafirmando a influência de Aristóteles a partir da

leitura da obra de Boécio110 , Consolação da Filosofia, em cujo quarto livro

está escrito que a virtude, 108 “Tria sunt: sapientia, virtus, necessitas. sapientia

est comprehensio rerum prout sunt. virtus est habitus animi in modum naturae

rationi consentaneus. necessitas est sine qua vivere non possumus, sed felicius

viveremus. haec tria remedia sunt contra mala tria, quibus subiecta est vita

humana: sapientia contra ignorantiam, virtus contra vitium, necessitas contra

infirmitatem. propter ista tria mala exstirpanda quaesita sunt ista tria remedia, et

propter haec tria remedia invenienda, inventa est omnis ars et omnis disciplina.

propter sapientiam inventa est theorica, propter virtutem inventa est practica,

propter necessitatem inventa est mechanica.”(“São três as partes da filosofia: a

sabedoria, a virtude e a necessidade. A sabedoria é a compreensão das coisas

Page 109: Filosofia, Direito e Justiça

como realmente são. A virtude é o hábito do ânimo conforme a razão da

natureza. A necessidade é aquilo que nos dá capacidade para que possamos

viver, sendo que, quanto mais sem ela ficamos, mais vivemos felizes. Estes

três remédios são exatamente os elementos contrários aos três principais

males nos quais a vida humana está sujeita: a sabedoria é contra a ignorância;

a virtude é contra o vício e a necessidade é contra a enfermidade. Devido a

esses três argumentos maus existem estes três remédios, e, por causa da

criação desses três remédios, também é estipulada a invenção de todas as

artes e de todas as disciplinas. Assim, é devido à sabedoria que se mostra a

arte teórica, devido à virtude se dá a arte prática e devido à necessidade se dá

a arte mecânica.) HUGONIS DE SANCTO VICTORE. Didascalicon. PL v.

176.8, l.6, c XIV, 809C-809D.. 109 “Unde hanc, quam naturalem in quibusdam

castitatem nominant, ex corporis videlicet frigiditate vel aliqua complexione

naturae, quae nullam unquam concupiscentiae pugnam sustinet, de qua

triumphet, nec meritum obtinet, nequaquam virtutibus connumeramus, vel

quaecumque animi qualitates facile sunt mobiles”. PETRUS ABAELARDUS.

Dialogus inter philoso, Iudaeum et christianum. PL 182, Col. 1651C-1651D. 110

A influência de Boécio na ética de Abelardo em relação a Aristóteles se refere,

certamente, aos comentários que Boécio fez às Categorias e que foi objeto de

estudos de Abelardo: “The notion that many things are neither good nor evil but

indifferent is a feature of Stoic Scito te Ipsum. Stoic moralists described many of

the things which people usually value – fine food and clothing, wealth, honour

and fame – as indifferent. 545 confiando em seus próprios poderes, não pode

ser superada por quaisquer adversidades, justificando a posição aristotélica de

colocá-las entre os hábitos e os costumes que dificilmente são alterados: A

Filosofia diz para Boécio no quarto livro da Consolação da Filosofia: “A virtude

é assim chamada pelo fato de que, confiando em seus próprios poderes, ela

não é superada por adversidades”. Ele também afirma que toda virtude é difícil

de alterar quando, no mencionado tratado, ele explica Aristóteles colocando as

ciências e as virtudes entre os hábitos. Pois não é uma virtude a não ser que

seja difícil de alterar. 111 Uma segunda semelhança entre a ética do Estagirita

e a de Abelardo ocorre em relação ao núcleo da ética aristotélica que é a

presença do justo meio como fim dos atos morais. Abelardo apresentou esta

idéia em várias passagens de suas obras, pois, todo ato voluntário conta com a

Page 110: Filosofia, Direito e Justiça

potencialidade tanto para o bem quanto para o mal, variando conforme o

indivíduo que toma decisões utilizando o binômio intentio-consensus. No

Diálogo, o personagem Cristão usa este aspecto aristotélico, dizendo que os

pólos radicais da riqueza, entendida como um fim para o qual o homem

delibera, são necessariamente maus. A pobreza é um mal, pois é a radical

ausência de riqueza e, da mesma forma, a superabundância, que é a riqueza

em excesso, também é uma espécie de mal. Esta posição é claramente

semelhante aos pensamentos de Aristóteles localizados na obra

Categorias.112 De fato, ao discutir sobre os contrários na sua Categorias,

Aritóteles diz: Na verdade, o mal é necessariamente o contrário do bem e isto é

claramente Abelard certainly knew of this doctrine from Boethius commentary

on the Categories where, discussing opposites Boethius says that Aristotle

believed that not everything is good or bad, but that he had no word to describe

such things.” (“A noção de que muitas coisas não são nem boas nem más, mas

indiferentes, é uma realização da ética estóica. Os moralistas estóicos

descreveram muitas das coisas que as pessoas usualmente valorizam – boa

comida, boas roupas, saúde, honra e fama – como indiferentes. Abelardo

certamente conhecia esta doutrina proveniente do comentário de Boécio às

Categorias onde, discutindo sobre os opostos, Boécio diz que Aristóteles

acreditava que nem tudo é bom ou mau, mas que ele não tinha palavras para

descrever tais coisas.”) MARENBON, John. The Philosophy of Peter Abelard, p.

244. 111 “Hinc et illud ipsius philosophiae ad Boetium in libro quarto

Consolationis suae: Ex quo etiam virtus vocatur, quod suis viribus nitens non

superetur adversis, hic etiam virtutem omnem difficile mobilem esse rens [leg.

asserens], cum in praedicto qualitatis tractatu Aristotelem (34 V.) exponeret,

scientias et virtutes inter habitus collocans; Virtus enim, inquit, nisi difficile

mutabilis, non est”. PETRUS ABAELARDUS. Dialogus inter philoso, Iudaeum et

christianum. PL 182, Col. 1651D-1652A. 112 Ver ARISTÓTELES. Categorias

13b35 – 14 a 5, in Categoriae. Editio composita. Ed. By L. MinioPaluello.

Aristóteles latinus 1. 1-5 (Paris, 1961). P. 74-75. 55 demonstrado pela indução

de exemplos individuais: como a doença é o contrário da saúde, injustiça da

justiça e a fraqueza da força. Da mesma forma em outros casos também. Mas

o contrário do mal é algumas vezes um bem, algumas vezes um mal. Pois,

ainda que a pobreza seja um mal, seu contrário é o excesso – embora isto seja

Page 111: Filosofia, Direito e Justiça

um mal também, mas isto pode ser observado em poucos casos. Na maioria

dos casos, contudo, o mal é sempre contrário do bem.113 Apesar destas

semelhanças entre a ética de Abelardo e a de Aristóteles, a influência do

cristianismo no Palatino foi responsável por uma relevante diferença entre

ambos que se refere à noção agostiniana da falta de substancialidade do mal

em contraposição à filosofia aristotélica que dá uma certa positividade para os

vícios.114 Para o entendimento da posição de Aristóteles, é necessária a breve

apresentação das suas noções de apetite e de escolha que podem ser

localizadas no livro III da Ética a Nicômaco. Como apetite, ele entendia as

ações vinculadas ao agradável ou ao doloroso, presentes na incontinência,

sendo muito comuns aos animais irracionais. No sentido diretivo, o apetite

orienta o homem a buscar a satisfação de uma necessidade ou desejo

direcionado para um fim apetecível que, quando em excesso, deve ser

controlado pela escolha racional, daí a afirmação de que apetite e escolha são

conceitos em constante contraposição.115 Em relação à escolha, Aristóteles

pensava na manifestação humana de deliberação em relação àquilo que é

eleito preferencialmente pelo homem dentre 113 “De contrariis quidem

Aristoteles in Categoriis suis disserens: "Contrarium", inquit, "bono quidem ex

necessitate est malum; hoc autem palam est per singulorum inductionem: ut

sanitati languor et iustitiae iniustitia et fortitudini debilitas. Similiter autem et in

aliis. Malo autem aliquando quidem bonum est contrarium, aliquando malum.

Egestati enim, cum sit malum, superabundantia contraria est, cum sit ipsa

malum. Sed in paucis hoc tale quislibet inspiciet. In pluribus vero semper

malum bono contrarium est.” PETRUS ABAELARDUS, Dialogus inter

philosophum, iudaeum et christianum. PL 182, Col. 1643D. 114 Voltamos a

enfatizar que, como ressalta Luis Alberto De Boni em De Abelardo a Lutero (op.

cit. p. 19), Abelardo não conheceu diretamente a obra de Aristóteles, pois ainda

não havia sido traduzido nenhum texto da moral aristotélica e o conhecimento

ético estava restrito necessariamente a todos os escritos de Santo Agostinho, à

obra de Cícero e de Sêneca e à Consolação da Filosofia de Boécio, sem a

existência de um tratado específico sobre ética e moral. 115 “De fato, a escolha

não é comum aos seres irracionais, porém a cólera e o apetite, sim. Além

disso, o incontinente age movido pelo apetite, mas não pela escolha; em

contraste, o continente age por escolha, e não por apetite. E, ainda, o apetite é

Page 112: Filosofia, Direito e Justiça

contrário à escolha, mas não é contrário ao próprio apetite. E mais, o apetite

relaciona-se com o agradável e o doloroso, e a escolha não se relaciona com

nenhum desses dois.” ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, p. 60. 565 outras

possibilidades alcançáveis com seu próprio esforço116 . A deliberação referese

à manifestação de arbítrio realizada conforme meios necessários para se

alcançar o fim previamente escolhido, sendo definida como a consideração das

alternativas possíveis diante das quais se encontra a escolha 117. Tendo

objetos semelhantes, a escolha e a deliberação se referem àquilo que

decidimos, relacionando-se aos exercícios da virtude e do vício, gerando a

responsabilidade racional de cada um na prática dos atos nobres ou vis.118

Segundo esta posição, considerados como hábitos, os vícios e as virtudes são

potências119, conflitando-se claramente com a posição de Agostinho segundo

a qual o vício é um não-ser, ou ainda, uma ausência de bem. 120 Certamente,

influenciado pela filosofia cristã, Abelardo, apesar de ter seguido muitos

aspectos da ética aristotélica, em várias passagens, se referiu à 116 Aristóteles

chamava de desejo os anseios humanos direcionados para coisas impossíveis

e, neste sentido, diferenciava desejo de escolha. Esta última, só se

manifestava em relação a fins alcançáveis pelo esforço humano: “Nem

tampouco a escolha se identifica com o desejo, embora este pareça ter

afinidades com aquela. Com efeito, a escolha não pode visar coisas

impossíveis, e, se alguém dissesse que as havia escolhido, passaria por tolo e

insensato; no entanto, é possível desejar o impossível, como a imortalidade,

por exemplo.” Idem. 117 “Não deliberamos sobre os fins, mas sobre os meios.

Um médico, por exemplo, não delibera sobre se deve ou não curar, nem um

orador sobre se deve ou não persuadir, nem um estadista sobre se deve

assegurar a ordem pública, nem qualquer outro homem delibera a respeito da

própria finalidade da atividade. Dão a finalidade por estabelecida e procuram

saber a maneira de alcançá-la.” Ibidem. p. 63. 118 “Ora, o exercício da virtude

relaciona-se com os meios; portanto, a virtude também está ao nosso alcance,

da mesma forma que o vício. Com efeito, quando depende de nós o agir,

igualmente depende o não agir, e vice-versa, ou seja, assim como está em

nossas mãos agir quando isso é nobre, assim também temos o poder de não

agir quando isso é vil; e temos o poder de não agir quando isso é nobre, do

mesmo modo que temos o poder de agir quando isso é vil. Por conseguinte,

Page 113: Filosofia, Direito e Justiça

depende de nós praticar atos nobres ou vis, e se é isso que significa ser bom

ou mau, então depende de nós sermos virtuosos ou viciosos.” Ibidem. p. 65.

119 Potência, em geral, é o princípio ou a possibilidade de uma mudança

qualquer, mas que pode também ser entendida como a capacidade de realizar

mudanças, capacidade de sofrer mudanças e como preformação e

predeterminação de um ato. Em todas essas definições, está presente a noção

de que a potência é um conceito que está atrelado à concretização do ato. 120

“Dans un autre passage du Dialogus, Abélard signale que les vices sont des

impuissances (impotentiae). Cette position s’apparent, semble-t-il, davantage à

celle d’Augustin, qui défend la fameuse thèse selon laquelle le vice est un non-

être, une absence de bien, qu’à celle d’Aristote. La propre conception du

Stagirite à ce sujet est claire. Les vertus et les vices, en tant que habit , sont

des puissances. Dit d’une manière plus précise, ce sont des puissances du

second degré. En effet, Aristote situe, notamment dans l’Éthique à Nicomaque

et le De Anima, les vertus et les sciences comme habitus entre les pures

puissances indéterminées et les actes”. (“Em uma outra passagem do

Dialogus, Abelardo indica que os vícios são as impotências (impotentiae). Esta

posição assemelha-se mais a esta de Agostinho que defende a famosa tese

segundo a qual o vício é um não-ser, uma ausência de bem, do que a tese de

Aristóteles. A própria concepção do Estagirita sobre este assunto é clara. As

virtudes e os vícios, enquanto hábitos, são potências. Dito de uma maneira

mais precisa, estas são potências de segundo grau. Com efeito, Aristóteles

situa, notadamente na Ética a Nicômaco e no De Anima, as virtudes e as

ciências como hábitos entre as puras potências indeterminadas e os atos.”).

HAMELIN, Guy. L’influence d’Aristote et de Ciceron chez Pierre Abelard, p.

225. 575 definição de Santo Agostinho que considerava o mal como a ausência

de bem121. O Palatino refutava as idéias que tentavam atribuir aos vícios

substancialidade, bem como, outras que estendiam esta possibilidade aos

pecados.122 No Diálogo, o personagem Filósofo sustenta que, se a justiça é

considerada uma potência ou habilidade da alma, necessariamente, seu

oposto, ou seja, a injustiça, interpretada como um vício, classificar-se-ia como

impotência ou inabilidade da mesma e, ao afirmar isto, ele entra em direto

conflito com a perspectiva aristotélica: Nota-se que, desde que a justiça seja a

vontade constante do ânimo que preserva para cada um o que é seu, a

Page 114: Filosofia, Direito e Justiça

coragem e a temperança são as potências certas e a força do ânimo pela qual,

como mencionamos acima, a boa vontade de justiça é consolidada. E, desde

que seus contrários sejam impotências, consta certamente que aquelas sejam

potências. De fato, a debilidade do ânimo, que é contrária à coragem, é sua

fraqueza e impotência que nós podemos chamar covardia ou pusilanimidade.

123 Assim, mesmo considerando os vícios como impotências e aproximando-

se da perspectiva agostiniana que os definia como destituídos de

substancialidade, é indiscutível que Abelardo nunca deixou de considerá-los

dados imprescindíveis a serem levados em conta no processo de compreensão

do ato moral ou imoral. Abelardo define os vícios como sendo elementos

neutros que, oriundos de uma má-disposição da vontade ou das tendências

corpóreas, nos 121 “Péché est l’absence, une acceptation délibérée d’une

éternelle privation, plus redoutable que les flammes matérielles d’un Enfer dont

Abélard refuse la substantialisation localisée” (“pecado é a ausência, uma

acepção deliberada de uma privação eterna, mais temível que as chamas

materiais de um inferno que Abelardo refuta a substancialização localizada.”)

GANDILLAC, Maurice de. Intention et loi chez Abélard, p. 589. 122 “Cet

définition est – et Abélard y insiste – une définition négative parce que “le péché

n’a aucune substance,il consiste en un non-être plutôt qu’en un être , de la

même façon que les ténèbres ne sont rien de plus que l’absence de la lumière.

Cette définition du péché comme un non-être une fois posée, Abélard s’attache

à en réfuter d’autres définitions qui d’une façon ou d’une outre en feraient un

être” (“Esta definição é – e Abelardo insiste nisso – uma definição negativa pela

qual “o pecado não tem nenhuma substância, ele consiste em um não-ser mais

que em um ser, do mesmo modo que as trevas não são nada mais que a

ausência da luz. Esta definição de pecado como um não-ser - uma vez

colocada - dedica-se a refutar outras definições que de uma maneira ou de

outra fizessem do pecado um ser””) JOVILET, Jean. La thèologie d’Abélard, p.

94. 123 “Et notandum, quod, cum iustitia sit constans animi voluntas, quae

unicuique, quod suum est, servat, fortitudo et temperantia potentiae quaedam

sunt atque animi robur, quo, ut supra meminimus, bona iustitiae voluntas

confirmatur. Quorum et enim contraria impotentiae sunt, ea profecto constat

esse potentias. Debilitas vero animi, quae fortitudini contraria est, quaedam

eius infirmitas et impotentia est, quam ignaviam seu pusillanimitatem dicere

Page 115: Filosofia, Direito e Justiça

possumus” PETRUS ABAELARDUS. Dialogus inter philosophum, iudaeum et

christianum, PL, Col. 1657B. 585 tornam inclinados a pecar, ou seja, a

consentir com um desprezo por Deus124 . Assim, não sendo nem bons nem

maus, os vícios podem ser entendidos como puros locais comuns que, quando

somados ao consenso do sujeito, por ação ou omissão, dão forma ao pecado a

eles relacionado.125 O personagem Filósofo relata que, muitas vezes, uma

pessoa que busque evitar certos vícios, pode acabar tomando decisões

drásticas que comprometam a sua própria saúde e acabem produzindo um

novo vício. Um jejum que, em tese, representa a busca pelo justo meio e o ato

de evitar os excessos das inclinações do corpo, conectando-se com a

temperança que é uma virtude, se feito de forma imoderada, extingue a saúde

produzindo as enfermidades que são vícios do corpo. O jejum imoderado não é

uma virtude, mas é um vício semelhante a uma virtude 126: Com freqüência,

enquanto parecemos a nós mesmos temperantes, nós transgredimos os limites

da temperança. Por exemplo, quando nós nos esforçamos pela sobriedade,

afligimo-nos com jejuns imoderados e, quando nós desejamos dominar o vício,

nós extinguimos a própria natureza. Desta forma, através de muitos excessos,

nós estabelecemos vícios que lembram virtudes no lugar das próprias

virtudes.127 Abelardo dá uma grande importância para o combate às

inclinações provenientes dos vícios, dizendo que o homem deve organizar sua

vida a partir de seus próprios esforços na concretização de atos de virtude, pois

as inclinações 124 PETRUS ABAELARDUS. Scito Te Ipsum, p. 4-7. 125

"Vitium itaque est quo ad peccandum proni efficimur, hoc est, inclinamur ad

consentiendum ei quod non conuenit, ut illud scillcet faciamus aut dimittamus”.

("O vício, portanto, é aquilo pelo qual nos tornamos inclinados a pecar, isto é,

somos inclinados a consentir em coisas ilícitas, sejam ações ou omissões.")

PETRUS ABAELARDUS. Scito te Ipsum, p. 4. 126 A estes vícios especiais,

Paul Vincent Spade, em sua tradução do Scito te Ipsum (op. cit. p. 114, n. 54),

dá o nome de “adjacent vice” que, em português, poderia ser traduzido

literalmente como vício adjacente. O termo em latim usado por Abelardo é

finitima que significa: 1 – limítrofe; confinante; vizinho e 2 – que tem relação

semelhante. Preferimos a interpretação deste tipo de vício não como algo que

seja simplesmente próximo ou vizinho de outro, mas que tenha relação

semelhante (mas exagerada) com uma ação voluntária e de esforço em busca

Page 116: Filosofia, Direito e Justiça

da execução de um ato de virtude. O termo semelhante parece, portanto, ser a

melhor tradução exatamente como fez Pierre J. Payer (op. cit. p. 115) ao usar a

expressão: vices which resemble virtues, onde resemble deve ser traduzido

como assemelhar-se. 127 “Saepe enim modum excedentes, dum nobis

temperantes esse videmur, temperantiae terminos transgredimur, ut dum

sobrietati studemus immoderatis jejuniis nos affligamus, et dum vitium domare

cupimus, ipsam exstinguamus naturam et sic in multis excedendo pro virtutibus

finitima ipsis vitia statuimus”. PETRUS ABAELARDUS. Dialogus inter

philosophum, judaeum et christianum. PL 178, Col. 1654B-1654C. 595 viciosas

que atraem os homens para o mal, como, por exemplo, a inclinação natural de

uns para a luxúria ou de outros para o ódio, só terão avaliação moral se houver

o consentimento posterior128. O desejo pela mulher do próximo não pode ser

considerado pecado, já que a tendência física de desejar o sexo oposto é um

vício natural e somente o consentimento a esse vício é que servirá para

determinar o pecado propriamente. No Scito te Ipsum, Abelardo refere-se, em

várias passagens, ao corpo e às suas inclinações sem, contudo, qualificá-lo

como culpado pelo pecado e pela concretização dos atos condenáveis. Apesar

da compleição perfeita do corpo ser a responsável por gerar as inclinações em

conformidade com os prazeres sensuais, o homem, através da virtude da

temperança, obtém o mérito moral justamente devido à luta empreendida por

sua vontade contra estas inclinações: De igual modo, a própria natureza ou a

compleição do corpo tornam muitos inclinados à luxúria ou à ira e eles, contudo

não pecam por serem tais como são; antes, pelo contrário, podem encontrar

nisso motivo de luta para conquistar através da virtude da temperança a coroa

de triunfo sobre si mesmos, conforme diz Salomão: “O homem paciente é

melhor que o forte, e o que domina seu ânimo, melhor que o conquistador de

cidades”.129 Negar uma natureza imoral para os vícios do corpo ou para os do

ânimo, quando vinculados à falta de boa memória, à ignorância ou à

obtusidade da mente, significa afastar a definição do ato moral apenas de uma

justificação baseada na análise da exteriorização ou de defeitos que não são

gerados pelas escolhas. Estes vícios em que não percebemos a presença da

escolha, no sentido de deliberação ou de julgamento racional, não são

suficientes para o entendimento pleno da moralidade, pois se fundam mais em

situações físicas ou 128 “O vício nos inclina ao pecado; ele não é pecado

Page 117: Filosofia, Direito e Justiça

porque o consentimento à inclinação não está ainda compreendido na noção

de vício. Portanto, é impossível qualificar moralmente a inclinação para ao mal;

um tem uma inclinação para a cólera; o outro para luxúria. Mas não se

considera uma falta física como sendo uma falta moral; não se tem o direito de

qualificar uma inclinação para o mal como uma falta moral. Ora, todo homem

não tem a tarefa moral de esforçar-se para organizar sua vida moral a partir de

suas inclinações?” SANTOS, José Augusto da Silva. A Qualificação Moral do

Ato Humano na Ethica ou Scito Te Ipsum de Pedro Abelardo, p. 188. 129 “Sic

et multos ad luxuriam sicut ad iram natura ipsa vel complexio corporis pronos

efficit, nec tamen in ipso hoc peccant quia tales sunt, sed pugnaemateriam ex

hoc habent ut per temperantiae virtutem de se ipsis triumphantes coronam

percipiant, iuxta illud Salomonis:” Melior est patiens viro forti et qui dominatur

animo suo expugnatore urbium.”” PETRUS ABAELARDUS. Scito te Ipsum. p.4.

606 mentais que não são oriundas da responsabilidade do sujeito do que na

intenção e no consentimento. 130 Em relação ao pecado, Abelardo, no Scito te

Ipsum, apresenta três sentidos: os dois primeiros mais de caráter teológico e o

útimo mais em conformidade com a filosofia. No primeiro sentido, o pecado foi

tomado como o sacrifício pelo pecado, ato de Cristo para nos libertar e, no

segundo sentido, ele foi definido como a penalidade de um pecado, pelo fato

de que é algo que será perdoado, sendo, então, extirpado de nós por Deus.

131 No sentido moral, Abelardo enfafizou sua posição de não confundir

pecados com vícios, mas propriamente definiu o pecado como sendo o

desprezo por Deus ou o consentimento com o mal: “Proprie tamen peccatum

dicitur ipse Dei contemptus vel consensus in malum” 132. Assim, cremos que,

quando usou as sentenças: “desprezo por Deus” e “consentimento com o mal”

para definir o pecado propriamente dito, Abelardo estava se referindo a

qualquer situação que, por não estar em conformidade com a ordem divina,

deveria ser voluntariamente evitada.133 Esta primeira leitura nos diz que o

consentimento com o mal e o desprezo por Deus dependem, no sentido

subjetivo134, da vontade entendida como escolha ou deliberação que conduz o

homem na realização do ato condenável. Entretanto, existem situações em que

há pecados sem a presença da má vontade e isto cria uma séria dificuldade no

projeto de entendimento desses dois termos. No Scito te Ipsum, os que

afirmam ser todo pecado voluntário só poderão seguir este raciocínio se

Page 118: Filosofia, Direito e Justiça

aceitarem que há diferença entre vontade e voluntário. 130 “Abelardo define

uma nova forma da ética, cristã pelo conteúdo, dialética pelo método,

JUSTIÇA NA DILOSOFIA MODERNA

John Rawls, o mais conhecido e celebrado filósofo político norte-americano,

falecido aos 81 anos, em 2002, A sua obra Uma Teoria de justiça completa-se

no aperfeiçoamento e condensação de inúmeros artigos, pesquisas que,

encaminharam sua trajetória acadêmica durante toda sua vida. A

obra1basicamente propõe desígnios claros sistematicamente do que se trata o

tema justiça. Seus ideais são objetivos e vivos, na medida em que se refere a

“discussão do intuicionismo e o utilitarismo”. De forma que, o sistema

econômico2 para Rawls está interligado ao conceito de justiça, o homem deve-

se guiar na medida em que o sistema é melhor para ele. De acordo com Rawls

não podemos separar à justiça da moral ou da política ou do sistema

econômico.

O conceito de justiça dar-se-ia através de dois pontos, um deles é a equidade

que está conduzindo todo o espectro de reflexões introduzido por Rwals em

torno do conceito, nas palavras de Bittar em seu livro “Curso de Filosofia do

Direito” define claramente o conceito de equidade para Rawls

“A equidade dá-se quando do momento inicial em que se definem as

premissas com as quais se construirão as estruturas institucionais da

sociedade (BITTAR, E. C. B. 2001)”.

No segundo ponto, do qual John Rwals concebe o seu conceito de justiça é na

forma do contratualismo. Ele não sendo o único neo-contratualista

contemporâneo, mas esta é uma das suas características mais marcantes.

Desta forma, busca através de estudos, pesquisas, desenvolturas explorar

grade dos conceitos, através de um contratualismo3 contemporâneo.

Page 119: Filosofia, Direito e Justiça

Desta forma, pensar em justiça4 é pensar a cerca do justo e do injusto de cada

instituição, para Rawls a melhor forma de administrar a justiça seria través das

instituições sociais. Não caracterizando cada indivíduo a sua necessidade de

ética, mas sim uma ação humana, com pluralidade, com conseqüências

relevantes, concepções plúrimas que possam produzir sobre justiça.

2. CONCEITO DE JUSTIÇA

O conceito apresentado pelo filosofo John Rawls a respeito de justiça é uma

concepção de justiça como equidade e com leve teor do contratualismo do

século XVII, para Rawls o conceito de justiça como equidade trata-se de uma

posição original de igualdade que corresponde ao estado de natureza na teoria

tradicional do contrato social. Esses são os princípios que pessoas livres e

racionais preocupadas em promover seus próprios interesses, aceitariam uma

posição inicial de igualdade como definidores dos termos fundamentais de sua

associação (CER. BITTAR, p. 411).

No entanto estes princípios devem regular todos os acordos subseqüentes,

especificando o tipo de cooperação social que se pode assumir. São as formas

de governo que se podem estabelecer, aqueles que se comprometem na

cooperação social escolhem juntos numa ação conjunta. Os princípios que se

devem atribuir os direitos e deveres básicos e determinar a visão de benefícios

sociais, como Rawls especifica em seu livro “Uma Teoria de Justiça”:

Como cada pessoa deve decidir com o uso da razão ou que constitui o seu

bem, isto é, o sistema de finalidade que, de acordo com a sua razão, ela deve

buscar, assim um grupo de pessoas deve decidir uma vez por todas tudo aquilo

que entre elas se deve considerar justo ou injusto (RAWLS, J. 2000, p. 13).

E com base no acordo inicial que se pode discutir as partes que se aderem ao

contrato, o contrato não é uma doutrina incomum para Rawls, visto que, na

posição original é capaz de facultar a simulação das condições ideais para que,

nesse momento, se possam escolher os princípios diretórios da sociedade,

como Bittar expõe em seu livro “Curso de Filosofia do Direito”:

Page 120: Filosofia, Direito e Justiça

Não se trata de um acordo histórico, e sim hipotético. Esse acordo vem

marcado pela idéia de uma igualdade original para optar por direito e deveres;

é essa igualdade o pilar de toda teoria. Mais que isso, a idéia de recorrer ao

contrato social, e de estudar os sujeitos pactuantes na origem da sociedade

numa posição original, não tem outro fito senão o de demonstrar a necessidade

de se visualizarem as partes num momento de igualdade inicial. Eis aí a

equidade (fairness) de sua teoria (BITTAR, E.C.B. 2001, p. 378).

No momento do pacto inicial não há nada a mais a escolher a não ser as

estruturas fundamentais de uma sociedade e seus alicerces. Os princípios da

justiça são escolhidos sob um véu de ignorância, isso garantia que nenhuma

pessoa, ou melhor, nenhum pactuante, seja favorecido ou desfavorecido na

escolhas dos princípios pelo resultado do acaso natural ou pela contingência

de circunstâncias sociais. De tal modo, uma vez que todos estão numa esfera

semelhante e ninguém pode denominar princípios para favores sua condição

particular, os princípios da justiça são resultado de um consenso ou ajusto

eqüitativo nas palavras de Rawls:

Isso explica o propriedade da frase “justiça como equidade”: ela transmite a

idéia de que os princípios da justiça são acordados numa situação inicial que é

eqüitativa. A frase não significa que os conceitos de justiça e equidade sejam a

mesma coisa, assim como a frase “poesia como metáfora” não significa que os

conceitos de justiça e metáfora sejam a mesma coisa (RAWLS, J. 2000, p. 14).

Todavia uma das características marcantes da justiça como equidade é a de

gerar as partes na situação inicial como racionais e mutuamente abnegado. No

entanto isso não significa que as partes sejam egoístas, isto é, indivíduos com

apenas certo tipos de interesses. Mas estas são concebidas como pessoas que

não tem interesses nos interesses dos outras, no sentido que as pessoas na

situação inicial escolheriam no momento do pacto inicial dois princípios

bastantes diferentes: o primeiro exige igualdade5 na atribuição de deveres e

direito básicos, enquanto o segundo afirma que desigualdade econômica e

sociais, por exemplo: desigualdade de riqueza e autoridade, são justas apenas

se resultam em benefícios compensatórios para cada um, e particularmente

para os membros menos favorecidos da sociedade (CER. RAWLS, p. 15).

Page 121: Filosofia, Direito e Justiça

Não há injustiça nos benefícios maiores conseguidos por uns poucos desde

que, a situação dos menos afortunados seja com isso melhorada. Deste modo

vale a pena ressaltar que o início da justiça como equidade como outra visão

contratualista, consiste em duas partes, a primeira uma interpretação de uma

situação inicial e do problema da escolha colocado naquele momento, e a

segunda se procura demonstrar seriam aceitos consensualmente. A palavra

contrato sugere essa pluralidade, bem como a condição que a divisão

apropriada de benefícios aconteça de acordo com os princípios aceitáveis para

ambas as partes (CER. RAWLS, p. 16).

3. PRINCÍPIOS DA TEORIA DA JUSTIÇA

Os princípios vêm, no inicio do pacto original, como igualdade e liberdade para

deliberar sobre, direito, deveres, obrigações, benefícios e ônus a serem

regidos. A primeira formulação de tais princípios ainda é um esboço, no qual o

contrato é estruturado tomando por base dois princípios basilares de seu

sistema acerca de justiça, que são:

Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema

de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante

de liberdades para as outras.Segundo: as desigualdades sociais e econômicas

devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a)

consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b)

vinculadas a posição e cargos acessíveis a todos (RAWLS, J. 2000, p. 64).

Aplicam-se estes princípios primeiramente à estrutura básica da sociedade,

governam a atribuição de direitos e deveres e regulam as vantagens

econômicas e sociais. O primeiro princípio determina as liberdades, enquanto o

segundo princípio regula a aplicabilidade do primeiro, corrigindo assim as

desigualdades que possam ocorrem, é certo que não há como erradicar as

desigualdades econômicas e sociais entre as pessoas, ou melhor, entre os

pactuantes, as associações devem prever organismos suficientes para o

equilíbrio das deficiências e desigualdades, de forma que estes se voltem em

benefícios da própria sociedade.

Page 122: Filosofia, Direito e Justiça

Contudo essa liberdade descrita no momento inicial do contrato é

extremamente significante, uma vez que assegura a igualdade e a equidade

relacionadas aos princípios originais. É fundamental ressaltar que é admissível

determinar uma lista dessas liberdades, conforme Rawls dispõe em seu livro:

As mais importantes entre elas são a liberdade política (o direito de votar e

ocupar um cargo público) e a liberdade de expressão e reunião; a liberdade de

consciência e de pensamento; as liberdades da pessoa, que incluem a

proteção contra opressão psicológica e a agressão física (integridade da

pessoa); o direito à propriedade privada e a proteção contra a prisão e a

detenção arbitrárias, de acordo com o conceito de estado de direito. Segundo o

primeiro princípio, essas liberdades devem ser iguais (RAWLS, J. 2000, p. 65).

Esses princípios devem, a qualquer forma, satisfazer a uma ordem seqüencial,

o primeiro antecedendo o segundo, e a aplicabilidade destes princípios

resultam na concretização da justiça como equidade e igualdade. Pois, trata-se

de uma teoria que busca identificar as desigualdades naturais e corrigi-las.

Uma vez que, aplicando corretamente os princípios, cada um da sua forma, o

primeiro buscando a igualdade e equidade através de suas liberdades, o

segundo princípio fazendo com o que o primeiro se cumpra corretamente, e

ajudando a corrigir as desigualdades que por ventura possam ocorrer, temos a

justiça como amplitude igualmente atribuída conforme as imputações

necessárias.

Então, após ocorrer o contrato inicial e as escolhas dos princípios a serem

regidos, os pactuantes, devem escolher uma constituição a ser seguida. A

constituição constituir um governo de legalidade, do qual as normas dos

princípios a serem seguidos, devem estabelecer a igualdade e a publicidade,

como nas palavras de Bittar:

É dever natural de justiça que propulsiona, diz Rawls, o cidadão à obediência

da constituição e das leis. É a lei a garantia de que situações iguais serão

igualmente tratadas. E a lei aqui não é sinônimo de constrição, mas de

liberdade. Consciente das dificuldades que engentram a discussão do tema da

justiça nessa base, e dos comprometimentos de seus postulados teóricos, é

Page 123: Filosofia, Direito e Justiça

que Rawls está preocupado em demonstrar materialmente a realizabilidade dos

dois princípios (menciona a formação da constituição, dos processos

legislativos, as formas de execução da lei etc.) nas instituições deve medrar o

que se chama de justiça material (BITTAR, 2001, p. 385).

Enfim, todo este sistema leva a idéia de estabilidade, a justiça se aplicada

desde o princípio como forma de equidade, igualdade, e liberdade, torna-se

algo estável a sociedade. Essa estabilidade nada mais nada menos seria a

pura conseqüência da justiça institucional, e a forma de atuação das pessoas

nas instituições públicas. Cada indivíduo com o seu elo de ligação através do

contrato inicial, respeitando os seus direitos deveres de todos, dando-lhes

benefícios ou ônus, conforme as situações de cada associação. Significa uma

sociedade bem organizada caminhando naturalmente e sem lapso para a

estabilidade de suas instituições.

4. CARACTERÍSTICAS DA TEORIA DE JUSTIÇA

Rawls na sua concepção de justiça analisa a justiça como equidade, e que

através de um contrato inicial ou de um pacto social inicial, busca a igualdade,

liberdade, e, no momento do pacto são escolhidas as premissas de operação

da sociedade. São esses os princípios regularizadores de toda atividade

institucional que vise distribuir direitos e deveres, enquanto o primeiro princípio

determina as liberdades, o segundo princípio regula a aplicabilidade do

primeiro, corrigindo assim as desigualdades que possam ocorrem , após a

escolha destes princípios, as partes contratantes vinculam-se a ponto de

escolherem uma Constituição, uma forma de governo de legalidade, fazendo

as leis e normas a serem seguidas dando-lhe publicidade a tudo. Isso leva as

instituições à idéia de estabilidade, de algo estável a sociedade.

As características da teoria de justiça de Rawls são elas: O contrato inicial,

(primeira principal característica, surge como base/pilar de toda teoria) a visão

de justiça como equidade (segunda principal característica, uma equidade de

forma de igualdade, direito de cada um), os princípios (esses fortaleceram o

contrato e buscam concretizar os direitos e deveres de cada um, e reparar as

desigualdades que possam ocorrer), a Constituição (surge como forma de

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impor as leis e uma forma de escolha de governo, assegurando o cumprimento

do contrato e seus princípios com base na equidade, igualdade e liberdade).

5. ANÁLISE DAS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS COM PENSAMENTOS DE OUTROS FILÓSOFOS.

O Estado de natureza trazido no momento do pacto assemelha-se com o

estado de natureza apresentado pelos filósofos teóricos do contrato social,

como Hobbes e Locke6, postulavam um 'estado de natureza' original em que

não haveria nenhuma autoridade política e argumentavam que era do interesse

de cada indivíduo entrar em acordo com os demais para estabelecer um

governo comum. Os termos desse acordo é que determinariam a forma e

alcance do governo estabelecido: absoluto, segundo Hobbes, limitado

constitucionalmente, segundo Locke. Na concepção não-absolutista do poder,

considerava-se que, caso o governo ultrapassasse os limites estipulados, o

contrato estaria quebrado e os sujeitos teriam o direito de se rebelar (CER.

BITTAR, p. 409).

O Contrato inicial7 seria uma concepção do contratualismo apresentado pelo

filósofo Rousseau, no qual apresenta o contrato social como bens protegidos e

a pessoa, unindo-se às outras, obedece a si mesma, conservando a liberdade.

O pacto social pode ser definido quando cada um de nós coloca sua pessoa e

sua potência sob a direção suprema da vontade geral, não há dúvidas que há

nuança do contratualismo do século XVII no contrato inicial da teoria de justiça

de Rwals, pois sendo Rawls um néo-contratualista contemporâneo (CER.

BITTAR, p. 409).

A justiça como equidade apresentada por Jonh Rawls se diferencia da

equidade apresentada pelo filosofo Aristóteles8, uma vez que para Rawls a

justiça como equidade dar-se no momento do contrato como forma de que

todos obtem igualmente o conhecimento, raciociono e o dever de obrigações e

benefícios em relação ao pacto, e não igualando os indivíduos

economicamente e nem buscando o bem igualmente para todos, já Aristóteles

no seu livro Ética a Nicômacos diz que: “Uma prova disso é o fato de dizermos

que uma pessoa eqüitativa é, mais do que todas as outras, um juiz

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compreensivo, e identificarmos a equidade com o julgamento compreensivo

acerca de certos fatos” (ARISTÓTELES, Ética a Nicômacos, página.123).

Aristóteles busca o bem comum, o interesse publico, a igualdade de todos para

todos, a equidade é no sentido universal, não apenas viver em conjunto, mas o

bem viver em conjunto.

CONCLUSÃO

A concepção de justiça é apresentada da forma de justiça como equidade, e

com fortes traços do contratualismo do século XVII, buscando nos princípios e

o pacto inicial bases para construir instituições estáveis. A justiça como

equidade reside como igualitarismo da posição original, ou seja, no estado do

contrato inicial, momento esse hipotético. Rawls procura através das

instituições e por meio de sua objetividade a justiça que é racionalmente

compartilhada no convívio social.

Por fim, o fato de igualar a justiça como prática de virtude, ou igualar a justiça

como a procura do justo meio, não faz com que o Filosofo conceituado John

Rawls um teórico antagônico a qualquer tipo de investigação. Rawls busca a

igualdade, a equidade, o véu do contratualismo, a construção humana que

beneficia a todos. Essa teoria, trata-se de um modelo de governo, baseado em

dois grandes princípios, regidos por instituições, princípios que garantes a

liberdade, e a igual distribuição de direitos e deveres à todos.

JUSTIÇA NA FILOSOFIA CONTEMPORANEA