53
1 Profª. RITA FREITAS LICENCIADA EM HISTÓRIA PÓS GRADUADA –ESPECIALISTA EM PLANEJAMENTO EDUCACIONAL E POLÍTICAS PÚBLICAS PÓS GRADUADA –ESPECIALISTA EM EDUCAÇÃO INCLUSIVA PÓS GRADUADA –ESPECIALISTA EM CULTURA AFRO BRASILEIRAS PÓS GRADUANDA –ESPECIALISTA EM DOCENCIA DO ENSINO SUPERIOR

filosofia-moduloi-130802122148-phpapp02.pdf

Embed Size (px)

Citation preview

  • 1

    Prof. RITA FREITAS

    LICENCIADA EM HISTRIA

    PS GRADUADA ESPECIALISTA EM PLANEJAMENTO EDUCACIONAL E POLTICAS PBLICAS

    PS GRADUADA ESPECIALISTA EM EDUCAO INCLUSIVA

    PS GRADUADA ESPECIALISTA EM CULTURA AFRO BRASILEIRAS

    PS GRADUANDA ESPECIALISTA EM DOCENCIA DO ENSINO SUPERIOR

  • 2

    I UNIDADE 1. APRENDENDO FILOSOFIA

    Provavelmente muitos de vocs nunca estudaram filosofia ou leram o livro de algum filsofo.

    Desse modo, ao ficarem sabendo que estudariam filosofia no ensino mdio devem ter se

    perguntado: O que filosofia? O que ns vamos estudar em filosofia? Alguns podem estar

    curiosos e outros preocupados.

    Antes de respondermos essas perguntas importante fazermos algumas uma observaes:

    para estudar filosofia preciso uma dedicao a leitura, pois na nossa disciplina nosso

    principal material de trabalho sero os TEXTOS. Utilizaremos tanto os textos clssicos

    escritos pelos filsofos como textos de revistas e jornais que nos auxiliem a estudar

    determinados problemas filosficos.

    Para comearmos a entender o que a filosofia e o que os filsofos estudam vamos observar o

    afresco do pintor renascentista Rafael:

    Essa pintura de Rafael tem o nome de Filosofia. Vemos

    primeiramente no afresco uma mulher que representa a

    filosofia segurando dois livros. Na mo esquerda ela tem

    um livro sobre Moral j na mo direita um livro

    sobre a Natureza. Esses dois livros segurados pela

    mulher da pintura nos ajudam a compreender o qu a

    filosofia estuda. A filosofia surgiu primeiramente como

    uma investigao da Natureza, ou seja, tudo aquilo que

    no produzido pelo ser humano, tal como o movimento

    dos astros, a cheia dos rios, a mudana das estaes.

    Posteriormente a filosofia passou a se interessar pelo estudo do

  • 3

    prprio ser humano e pelas coisas que s existem porque foram produzidas pelos seres

    humanos. O livro sobre Moral que a mulher da pintura segura representa o conhecimento

    dessas coisas que so produzidas pelo homem. Se pensarmos, por exemplo, nas noes de

    bem e mal, veremos que elas s existem onde existe o ser humano, elas no se encontram na

    natureza entre os animais ditos irracionais, os vegetais ou os minerais. importante levarmos

    em considerao que a moral no a nica coisa produzida pelos seres humanos que a

    filosofia estuda. Os filsofos tambm se dedicam ao estudo das cincias e das tecnologias, da

    poltica, da arte, das religies. Tudo isso foi produzido pela humanidade, de modo que ao

    conhecermos essas coisas conhecemos melhor o prprio ser humano. Scrates, o mais famoso

    filsofo da Grcia Antiga, ao se consultar no orculo da cidade de Delfos ouviu o seguinte:

    Conhece-te a ti mesmo! Scrates no foi para casa e ficou sozinho tentando conhecer quem

    era ele, muito pelo contrrio, o filsofo passou a perambular pelas ruas de Atenas debatendo

    com as pessoas sobre poltica, cincia, arte, religio e moral. O que Scrates nos ensina que

    investigar aquilo que foi produzido pela humanidade a melhor forma dos seres humanos

    conhecerem o que eles so.

    J sabemos ento o que os filsofos estudam: 1) a natureza, ou seja, as coisas que no foram

    produzidas pelos seres humanos; 2) o ser humano e tudo que produzido por ele, isto , a

    moral, a poltica, as religies, as leis, a arte, a cincia, a tecnologia. Vemos que os filsofos

    estudam muitas coisas e muitas coisas que eles estudam tambm so estudadas por outros

    profissionais como o bilogo, o fsico, o qumico, o socilogo, o economista, o psiclogo ou o

    historiador. Mas o que o filsofo faz de diferente? O que distingue a filosofia de outras formas

    de conhecimento? Para entendermos isso voltemos a observar a pintura de Rafael.

    Na pintura de Rafael ao lado da mulher que simboliza a filosofia h dois querubins. Eles

    carregam duas placas com a inscrio em latim Causarum Cognitio, que significa Conhea atravs da causas. Rafael pretende com essa imagem fazer uma aluso ao filsofo grego Aristteles. Foi Aristteles que afirmou que a filosofia o conhecimento das causas

    primeiras. Sendo assim, a filosofia aborda aqueles temas que descrevemos acima buscando

    compreender suas causas. A filosofia aborda esses temas fazendo as seguintes perguntas: "Por

    qu?", "Como?", "Para qu?" e "De que feito?". Isso que distingue a filosofia de outras

    formas de conhecimento, uma busca incessante das causas primeiras.

    Calma, calma, calma! Talvez essa histria de causas primeiras ainda no esteja clara para

    vocs. Vamos entender isso melhor j, j.

    1.1. O CONHECIMENTO DAS CAUSAS PRIMEIRAS

    Segundo Aristteles a filosofia o conhecimento das causas primeiras. Mas o qu esse

    filsofo grego queria dizer com isso? Quais so essas causas primeiras? Antes de comearmos

    a entender isso importante sabermos que Aristteles enumera quatro causas diferentes:

    causa material, causa formal, causa eficiente e causa final. As histrias em quadrinhos abaixo

    vo nos ajudar a compreender quais so essas causas que a filosofia busca conhecer. Vejamos

    o primeiro quadrinho:

  • 4

    Acima temos o quadrinho da Mafalda desenhado pelo cartunista argentino Quino. No

    quadrinho temos a personagem Mafalda com seu amigo Miguelito. Nesse quadrinho temos

    um bom exemplo disso que Aristteles chama de causa material. Para Aristteles a causa

    material diz respeito s menores partes ou os materiais de que algo feito. O filsofo que

    busca conhecer a causa material de algo faz a seguinte pergunta: de qu feito isto? No

    quadrinho o personagem Miguelito, graas a sua imaginao infantil, supe que o mar feito

    de sopa, ou seja, ele acredita que a causa material do oceano a sopa, a sopa o material de

    que feito o mar. Mafalda por no gostar muito de sopa no se sente muito bem com a

    especulao de seu amiguinho.

    O prximo quadrinho da Mafalda vai nos ajudar a entender o que Aristteles chama de causa

    formal.

    No quadrinho acima Mafalda olhando o dicionrio descobre a definio, o conceito de

    democracia que : um governo em o poder poltico exercido pelo povo. Aristteles chama

    de causa formal uma definio, um conceito que serve de modelo para alguma coisa. Por

    exemplo, um carpinteiro ao construir uma cadeira ter em mente o conceito de cadeira, isto ,

    a ideia de uma pea mobiliria utilizada para se sentar com quatro pernas e um encosto para

    as costas. Essa noo a causa formal e ela servir de modelo para o carpinteiro. Podemos

    pensar outro exemplo a partir do quadrinho da Mafalda. A ideia de um governo em que o povo exerce o poder o modelo, a causa formal de um pas que queira ser democrtico. Mafalda parece no achar possvel que esse tipo de modelo possa ser realizado, tanto que ela

    passa o dia inteiro rindo depois de conhecer o conceito de democracia. Ao investigar a causa

    formal os filsofos perguntam: como ? o qu define isto?

    O conceito de causa eficiente ser explicado com a ajuda do prximo quadrinho:

  • 5

    Nesse quadrinho vemos Mafalda, seu amigo Filipe e seu irmo Guile. O irmo de Mafalda

    pergunta se o calor culpa do governo. Guile acha que foi o governo que deu incio, que

    provocou o aparecimento do calor. O garotinho pergunta isso provavelmente porque ele

    sempre escutou os adultos falando que uma coisa ruim sempre culpa do governo. O que

    Aristteles chama de causa eficiente aquilo que d incio, aquilo que faz algo surgir. O

    personagem Guile acha que o governo causa eficiente do calor, j que ele acha que foi o

    governo que comeou o calor. Ao investigar a causa eficiente os filsofos perguntam: o que

    fez comear algo? o qu deu incio a uma ao? Vejamos outro exemplo. O filsofo francs

    Jean-Jaques Rousseau buscou compreender como surge a desigualdade entre os homens. Por

    que uns tem poder e outros no? Por que uns so ricos e outros pobres? Por que uns mandam

    e outros obedecem? Para Rousseau a desigualdade surge com o aparecimento da propriedade

    privada. Para ele antes os homens tinham tudo em comum, todas as coisas pertenciam a todos.

    A partir do momento que algum homem cerca a terra e fala isso meu e no seu, surge a

    propriedade privada, e com isso a desigualdade. Ou seja, podemos dizer que para Rousseau a

    propriedade privada a causa eficiente da desigualdade entre os homens, pois ela que faz

    surgir a desigualdade.

    Por ltimo temos agora a causa final. Vejamos o ltimo quadrinho da Mafalda.

    Neste quadrinho a personagem Mafalda se surpreende com os operrios furando, martelando e

    batendo em uma rua. Com sua inocncia infantil Mafalda quer saber qual o objetivo dos

    operrios, qual a finalidade dessas atividades praticadas por ele. Por isso ela pergunta se os

    operrios esto querendo que a rua confesse algo. No entendimento da garotinha os operrios

    parecem estar torturando a rua. Aristteles chama de causa final aquilo que o objetivo

    aquilo que a finalidade de alguma coisa ou alguma ao. Para Mafalda a causa final dos

    operrios fazer com que a rua confesse algo. Quando os filsofos investigam a causa final

  • 6

    eles perguntam: Para qu isso? Para qu se faz isso? Assim, um filsofo que estuda a

    poltica pode querer investigar para qu os homens criam leis?

    Se as quatro causas que os filsofos buscam explicar ainda no esto claras para vocs, vejam

    os quadrinhos abaixo em que Aristteles as explicam junto com seu aluno Alexandre Magno,

    que posteriormente se tornou Alexandre o grande.

    ATIVIDADES

    1. Construa uma tabela explicando as quatro causas que a filosofia estuda. Na tabela

    deve conter o nome das causas, a definio de cada uma delas, um exemplo de cada e a

    pergunta feita quando se busca compreend-las.

    2. Encontrando as quatro causas nos textos: Leia os textos abaixo buscando identificar

    uma das quatro causas descritas por Aristteles. Depois de ler voc deve indicar: qual

    o tipo da causa (material, formal, eficiente e final)? o qu a causa? A causa causa de

    qu? Vejam os dois exemplos abaixo.

    A) A alma corprea, composta de partculas sutis, difusa por toda a estrutura corporal [...]. (Antologia de textos. Epicuro)

    B) [...] a unio entre o homem e a mulher tem por fim no somente a procriao, mas a perpetuao da espcie [...]. (Segundo tratado sobre o governo civil. John Locke)

    C) O governo do estado moderno no se no um comit para gerir os negcios comuns de toda a classe burguesa. (Manifesto do partido comunista. Karl Marx)

    EXEMPLOS:

    [...] a origem de todas as sociedades, grandes e duradouras, no a boa vontade mtua que os homens tm entre si, mas sim o medo mtuo que nutriam uns pelos outros. (Do Cidado. Thomas Hobbes)

    Tipo de causa: causa eficiente

    O que a causa? O medo mtuo entre os homens

    A causa causa de qu? Todas as sociedades grandes e duradouras

    Esse texto trata da causa eficiente. Ele mostra que a causa eficiente de todas as

    grandes sociedades o medo mtuo entre os homens, ou seja, o que faz surgir as

    grandes sociedades o medo mtuo entre os homens.

    A Cidade uma sociedade estabelecida, com casas e famlias, para viver bem, isto , para se levar uma vida perfeita e que se baste a si mesma. (Poltica. Aristteles)

    Tipo de causa: causa final

    O que a causa? Viver bem, levar uma vida perfeita

    A causa causa de qu? A Cidade

    Esse texto trata da causa final. Ele mostra que o bem viver a causa final da Cidade,

    ou seja, a finalidade da Cidade proporcionar um bem viver para as pessoas.

  • 7

    D) O nico objetivo do Estado proteger os indivduos uns dos outros e todos juntos de inimigos externos. (A arte de insultar. Arthur Schopenhauer)

    E) A verdadeira e legtima meta das cincias a de dotar a vida humana de novos inventos e recursos. (Novum Organum. Francis Bacon)

    F) Disfunes do crebro explicam atitudes violentas (Notcia. Site Terra)

    3. Os quadrinhos abaixo so da tira Calvin e Hobbes (traduzido como Calvin e Haroldo) do cartunista Bill Watterson. Calvin, o garotinho dos quadrinhos, uma

    criana bem curiosa, ele est o tempo todo fazendo perguntas que envolvem as quatro

    causas descritas por Aristteles. Procure identificar nas histrias abaixo quais causas

    Calvin investiga, justifique suas respostas.

    A)

    B)

    1.2. A EXPLICAO MITOLGICA DO MUNDO

    A filosofia surge por volta do sculo VII a.C na Grcia Antiga. Havia outra forma de

    explicao do mundo antes do surgimento da filosofia, a explicao por meio da mitologia. A

    mitologia o conjunto de mitos de um determinado povo. Mas afinal, o qu um mito? Um

    mito uma narrativa sobre a origem de alguma coisa (origem dos astros, da Terra, dos

    homens, das plantas, dos animais, do fogo, da gua, dos ventos, do bem e do mal, da sade e

    da doena, da morte, dos instrumentos de trabalho, das raas, das guerras, do poder, etc.).

  • 8

    O Mito (Mythos) narrado pelo poeta-rapsodo, que escolhido pelos deuses transmitia o

    testemunho incontestvel sobre a origem de todas as coisas, oriundas da relao sexual entre

    os deuses, gerando assim, tudo que existe e que existiu. Os mitos tambm narram o duelo

    entre as foras divinas que interferiam diretamente na vida dos homens, em suas guerras e no

    seu dia-a-dia, bem como explicava a origem dos castigos e dos males do mundo. Ou seja, a

    narrativa mtica uma genealogia da origem das coisas a partir de lutas e alianas entre as

    foras que regem o universo. Por exemplo, o poeta Homero, na Ilada, obra que narra a guerra

    de Tria, explica por que, em certas batalhas, os troianos eram vitoriosos e, em outras, a

    vitria cabia aos gregos. Os deuses estavam divididos, alguns a favor de um lado e outros a

    favor do outro. A cada vez, o rei dos deuses, Zeus, ficava com um dos partidos, aliava-se com

    um grupo e fazia um dos lados - ou os troianos ou os gregos - vencer uma batalha. A causa da

    guerra, alis, foi uma rivalidade entre as deusas. Elas apareceram em sonho para o prncipe

    troiano Paris, oferecendo a ele seus dons e ele escolheu a deusa do amor, Afrodite. As outras

    deusas, enciumadas, o fizeram raptar a grega Helena, mulher do general grego Menelau, e

    isso deu incio guerra entre os humanos.

    [...] Na Nova Guin, numerosos mitos falam de longas viagens pelo mar, fornecendo assim

    modelos aos navegadores atuais, bem como modelos para todas as outras atividades, quer se trate de amor, de guerra, de pesca, de produo de chuva, ou do que for... A narrao

    fornece precedentes para os diferentes momentos da construo de um barco, para os tabus

    sexuais que ela implica etc. Um capito, quando sai para o mar, personifica o heri mtico2 Aori. Veste os trajes que Aori usava, segundo o mito; tem como ele o rosto enegrecido e,

    ESTUDO DIRIGIDO

    - O texto abaixo do filsofo Mircea Eliade trata dos mitos. Leia, interprete e responda

    as questes.

    O mito conta uma histria sagrada, quer dizer, um acontecimento primordial que teve lugar

    no comeo do Tempo, desde o incio. Mas contar uma histria sagrada equivale a revelar

    um mistrio, pois as personagens do mito no so seres humanos: so deuses ou Heris

    civilizadores. Por esta razo seus feitos constituem mistrios: o homem no poderia

    conhec-los se no lhe fossem revelados. O mito pois a histria do que se passou em

    tempos idos, a narrao daquilo que os deuses ou os Seres divinos fizeram no comeo do

    Tempo. Dizer um mito proclamar o que se passou desde o princpio. Uma vez dito, quer dizer, revelado, o mito torna-se verdade apodtica

    1: funda a verdade absoluta. assim porque foi dito que assim, declaram os esquims netsilik a fim de justificar a validade de sua histria sagrada e suas tradies religiosas. O mito proclama a apario de

    uma nova situao csmica ou de um acontecimento primordial.

    [...] Cada mito mostra como uma realidade veio existncia, seja ela a realidade total, o

    Cosmos, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espcie vegetal, uma instituio humana.

    Narrando como vieram existncia as coisas, o homens explica as e responde

    indiretamente a uma outra questo: por que elas vieram existncia? O por que insere se sempre no como. E isto pela simples razo de que, ao se contar Como uma coisa nasceu, revela se a irrupo do sagrado no mundo, causa ltima de toda existncia real.

    [...] A funo mais importante do mito , pois, fixar os modelos exemplares de todos os ritos e de todas as atividades humanas significativas: alimentao, sexualidade, trabalho,

    educao etc. Comportando se como ser humano plenamente responsvel, o homem imita

    os gestos exemplares dos deuses, repete as aes deles, quer se trate de uma simples funo

    fisiolgica, como a alimentao, quer de uma atividade social, econmica, cultural, militar

    etc.

  • 9

    1.3. OS PRIMEIROS FILSOFOS

    A filosofia surgiu quando alguns gregos, admirados e espantados com a realidade,

    insatisfeitos com as explicaes que a tradio lhes dera (atravs dos mitos), comearam a

    fazer perguntas e buscar respostas para elas, demonstrando que o mundo e os seres humanos,

    os acontecimentos naturais, os acontecimentos humanos e as aes dos seres humanos podem

    ser conhecidos pela razo humana. Em suma, a Filosofia surgiu quando alguns pensadores

    gregos se deram conta de que a verdade do mundo e dos homens no era algo secreto e

    misterioso, que precisasse ser revelado por divindades a alguns escolhidos, mas que, ao

    contrrio, podia ser conhecida por todos por meio das operaes mentais de raciocnio, que

    so as mesmas em todos os seres humanos.

    De acordo com a tradio histrica, a fase inaugural da filosofia grega conhecida como

    perodo pr-socrtico. Esse perodo abrange o conjunto das reflexes filosficas

    desenvolvidas desde Tales de Mileto (640-548 a. C.) at Scrates (469-399 a.C.). Os

    primeiros filsofos buscam o princpio absoluto (primeiro e ltimo) de tudo o que existe. O

    princpio o que vem e est antes de tudo, no comeo e no fim de tudo, o fundamento, o

    fundo imortal e imutvel, incorruptvel de todas as coisas, que as faz surgir e as governa. a

    origem, mas no como algo que ficou no passado e sim como aquilo que, aqui e agora, d

    origem a tudo, perene e permanentemente. No vasto mundo Grego, a filosofia teve como

    bero a cidade de Mileto, situada na Jnia, litoral ocidental da sia Menor. Caracterizada por

    mltiplas influncias culturais e por um rico comrcio, a cidade de Mileto abrigou os trs

    primeiros pensadores da histria ocidental a quem atribumos a denominao de filsofos. So

    eles: Tales, Anaximandro e Anaxmenes.

  • 10

    Em outras palavras, os primeiros filsofos queriam descobrir, com base na razo e no na

    mitologia, o princpio substancial existente em todos os seres materiais. Os pr-socrticos

    ocuparam-se em explicar o universo e examinavam a procedncia e o retorno das coisas. Os

    primeiros filsofos gregos tentaram responder pergunta: Como possvel que todas as

    coisas mudem e desapaream e a Natureza? Para tanto, procuraram um princpio a partir do

    qual se pudesse extrair explicaes para os fenmenos da natureza. Um princpio nico e

    fundamental que permanecesse estvel junto ao sucessivo vir-a-ser. Esse princpio absoluto

    que os primeiros filsofos buscavam seria a chave de explicao da existncia, morte e

    mudana nos seres. As atividades a seguir mostram como Tales pensava esse princpio.

    4. SCRATES: CONHECE-TE A TI MESMO!

    O filsofo ateniense Scrates (470 a.C.-399 a.C.) considerado um divisor de guas na

    filosofia. Antes os filsofos estavam mais preocupados em explicar o funcionamento da

    ESTUDO DIRIGIDO

    - Os textos abaixo tratam das principais idias de Tales. Depois de l-los respondam as

    questes.

    A maior parte dos primeiros filsofos considerava como os nicos princpios de todas as

    coisas os que so de natureza da matria. Aquilo de que todos os seres so constitudos, e de

    que primeiro so gerados e em que por fim se dissolvem, [...] tal , para eles, o elemento, tal

    o princpio dos seres; e por isso julgam que nada se gera nem se destri, como se tal natureza

    subsistisse sempre Pois deve haver uma natureza qualquer, ou mais do que uma, donde as outras coisas se engendram, mas continuando ela mesma. Quanto ao nmero e natureza

    destes princpios, nem todos dizem o mesmo. Tales, o fundador da filosofia, diz ser gua [o

    princpio] ( por este motivo tambm que ele declarou que a terra est sobre gua), levando

    sem dvida a esta concepo por ver que o alimento de todas as coisas o mido, e que o

    prprio quente dele procede e dele vive [...]. Por tal observar adotou esta concepo, e pelo

    fato de as sementes de todas as coisas terem a natureza mida; e a gua o princpio da

    natureza para as coisas midas (). (ARISTTELES. Metafsica, I, 3.983 b6) .

    1. O que investigavam os primeiros filsofos?

    2. O que Tales considerava o princpio de todas as coisas?

    3. Como Tales chegou s suas concluses?

  • 11

    natureza. Diferentemente dos antigos filsofos, Scrates cada um deveria, primeiro e antes de

    tudo, conhecer-se a si mesmo.

    Dizem que Scrates era um homem feio, mas, quando falava, era dono de estranho fascnio.

    Procurado pelos jovens, passava horas discutindo na praa pblica. Interpelava os transeuntes,

    dizendo-se ignorante, e fazia perguntas aos que julgavam entender determinado assunto.

    Colocava o interlocutor em tal situao que no havia sada seno reconhecer a prpria

    ignorncia. Com isso Scrates conseguiu rancorosos inimigos. Mas tambm alguns

    discpulos. O interessante e que na segunda parte do seu mtodo, que se seguia destruio da

    iluso do conhecimento, nem sempre se chegava de fato a uma concluso efetiva. Sabemos

    disso no pelo prprio Scrates, que nunca escreveu, mas por seus discpulos, sobretudo

    Plato e Xenofonte.

    Scrates se indisps com os poderosos do seu tempo, sendo acusado de no crer nos deuses

    da cidade e corromper a mocidade. Por isso foi condenado e morto. Costumava conversar

    com todos, fossem velhos ou moos, nobres ou escravos, preocupado com o mtodo do

    conhecimento. Scrates parte do pressuposto "s sei que nada sei", que consiste justamente na

    sabedoria de reconhecer a prpria ignorncia, ponto de partida para a procura do saber.

    Por isso seu mtodo comea pela parte considerada "destrutiva", chamada ironia (em grego,

    perguntar fingindo ignorncia"). Nas discusses afirma inicialmente nada saber, diante do oponente que se diz conhecedor de determinado assunto. Com hbeis perguntas, desmonta as

    certezas at o outro reconhecer a ignorncia. Parte ento para a segunda etapa do mtodo, a

    maiutica (em grego, "parto"). D esse nome em homenagem a sua me, que era parteira,

    acrescentando que, se ela fazia parto de corpos, ele "dava luz" ideias novas.

    Scrates, por meio de perguntas, destri o saber constitudo para reconstru-lo na procura da

    definio do conceito. Esse processo aparece bem ilustrado nos dilogos relatados por Plato,

    e bom lembrar que, no final, nem sempre Scrates tem a resposta: ele tambm se pe em

    busca do conceito e s vezes as discusses no chegam a concluses definitivas. As questes

    que Scrates privilegia so as referentes moral, da perguntar em que consiste a coragem, a

    covardia, a piedade, a justia e assim por diante. Diante de diversas manifestaes de

    coragem, quer saber o que a "coragem em si", o universal que a representa. Ora, enquanto a

    filosofia ainda nascente, precisa inventar palavras novas, ou usar as antigas dando-lhes

    sentido diferente. Por isso Scrates utiliza o termo logos, que na linguagem comum

    significava "palavra", "conversa", e que no sentido filosfico passa a significar "a razo que

    se d de algo", ou mais propriamente, conceito. Quando Scrates pede o logos, quando pede

    que indiquem qual o logos da justia, o qu a justia, o que pede o conceito da justia, a

    definio da justia.

    1.4. O MITO DA CAVERNA

    Scrates comeou a fazer suas perguntas buscando conhecer o conceito de justia, de bem, de

    belo. Perguntava ele: o qu faz uma ao ser justa? Um poltico ao aumentar o seu salrio de

    17 mil reais para 24 mil, dir que o aumento foi justo. Mas o qu a justia para ele dizer que

    sua ao justa? Algum poder dizer: a justia no nada, no existe justia. No entanto, se

    admitirmos que no existe justia, jamais poderemos reclamar que algum agiu de maneira

    injusta conosco.

  • 12

    Esse exemplo acima mostra uma coisa que Scrates comeou a reparar entre seus

    conterrneos gregos. A maioria das pessoas tem opinies sobre vrios temas, mas no tem

    conhecimento sobre eles. Falam da justia, mas no sabem dizer o qu a justia, falam da

    bondade, mas no sabem dizer o qu a bondade. Vejamos outro exemplo. Joana conseguiu

    um emprego pblico por meio de um parente seu que se tornou poltico, ento ela afirma: Ele uma boa pessoa!. Quatro anos depois o parente de Joana perde a eleio, outro poltico entra no lugar. Joana demitida e o novo poltico coloca um parente dele no lugar dela.

    Ento, Joana afirma: Esse cara um mau-carter, corrupto e safado!. Duas aes parecidas so julgadas de maneiras diferentes, uma vista como exemplo de bondade, outra como uma

    ao reprovvel. Isto mostra que no exemplo acima a personagem Joana no tem muita noo

    do conceito de bondade, isto , ela no tem muita noo do que define uma ao boa.

    Para Scrates h uma distino entre opinio e conceito. A opinio algo que a pessoa tem

    mais nunca parou para pensar por que ela pensa daquele jeito. A opinio varia o tempo todo

    de acordo com as circunstncias, alm de variar de pessoa para pessoa. J o conceito algo

    justificado, fundamentado. O conceito resultado do pensamento, da reflexo, chegamos ao

    conceito no por acaso, mas por meio de uma investigao rigorosa.

    Mas como so formadas em ns as opinies? Como acabamos acreditando em ideias que

    nunca sequer paramos para pensar por que as possumos? Scrates busca explicar isso no

    famoso Mito da caverna. Essa histria se encontra no livro de Plato chamado A repblica.

    Na histria o personagem Scrates conta a seguinte histria: Imagina uma caverna onde esto acorrentados os homens desde a infncia, de tal forma que, no podendo se voltar para a

    entrada, apenas enxergam o fundo da caverna. A so projetadas as sombras das coisas que

    passam s suas costas, onde h uma fogueira. Se um desses homens conseguisse se soltar das

    correntes para contemplar luz do dia os verdadeiros objetos, quando regressasse, relatando o

    que viu aos seus antigos companheiros, esses o tomariam por louco, no acreditando em suas

    palavras.

    Nessa histria as sombras representam as

    opinies equivocadas que adquirimos da

    realidade, isto porque a sombra sempre

    algo inconstante que muda o tempo todo de

    acordo com a variao dos reflexos, de

    modo que podemos ser levados a enganos

    por causa delas, tal como na caricatura ao

    lado. Deste modo, o fato de nossos

    sentidos nos enganarem faz com que

    estejamos sempre sujeitos a tomar o

    verdadeiro pelo falso, a aceitar as sombras

    como a verdadeira realidade. Na

    Antiguidade e na Idade Mdia, por

    exemplo, as pessoas acreditavam que a

    Terra ficava sempre parada, e o sol girava

    em torno dela. Esta opinio era

    fundamentada muito mais em uma

    percepo dos nossos sentidos do que em

    estudos astronmicos. Expliquemos. Todos

    os dias ns vemos o sol nascer de um lado e desaparecer do outro lado. Parece que estamos

    parados e o sol girando em torno de ns. Sem contar que no conseguimos perceber o

    movimento de translao da Terra, isto , no conseguimos perceber que ela est se

    movimentando, girando em torno do sol.

  • 13

    Vemos ento que, para Scrates muitas das opinies falsas surgem porque nossos sentidos nos

    enganam. No entanto, h outra forma como adquirimos opinies em vez de conceitos

    quando nos deixamos influenciar somente pelo senso-comum. O senso-comum o conjunto

    de ideias e concepes ensinadas pela tradio e que a maioria das pessoas aceitam sem fazer

    a pergunta: por que tenho que aceitar isso? At pouco tempo atrs, julgava-se que mulher

    decente no saa de casa para trabalhar, ficava em casa cuidando da casa e das crianas para o

    marido. As primeiras mulheres que questionaram essa opinio eram vistas com maus olhos.

    No Mito da caverna vemos que quando o prisioneiro libertado conta que o mundo est do

    lado de fora, sendo as sombras meras iluses, ele tambm visto com maus olhos. O

    prisioneiro liberto questiona o senso-comum dos outros prisioneiros. Outro exemplo de como

    o senso-comum forma opinies equivocada em ns, e no conceitos, basta pensarmos no caso

    do racismo. Uma pessoa criada em um ambiente racista, no meio de uma famlia racista,

    cresce acreditando que brancos so superiores aos negros. Embora na famlia dessa pessoa se

    aceite de maneira inquestionvel a superioridade dos brancos, no existe nenhum estudo que

    comprove tal superioridade, sendo que a nica diferena entre negros e brancos est no fato

    de os primeiros terem um pouco mais de melanina na pele. O senso-comum pode ser

    reproduzido pela famlia, pela televiso, pelas escolas, pelo cinema, pela msica, etc. Scrates

    acreditava que aceitar as opinies do senso-comum se eximir da atividade de pensar,

    deixando ento que outro pense por voc.

    ATIVIDADES

    1. Leia e interprete a letra da msica e o quadrinho abaixo para depois responder as

    questes.

    Televiso Tits

    A televiso me deixou burro, muito burro demais

    Agora todas coisas que eu penso me parecem iguais

    O sorvete me deixou gripado pelo resto da vida

    E agora toda noite quando deito boa noite, querida.

    cride, fala pra me

    Que eu nunca li num livro que um espirro fosse um vrus sem cura

    V se me entende pelo menos uma vez, criatura!

    cride, fala pra me!

    A me diz pra eu fazer alguma coisa mas eu no fao nada

    A luz do sol me incomoda, ento deixo a cortina fechada

    que a televiso me deixou burro, muito burro demais

    E agora eu vivo dentro dessa jaula junto dos animais.

    cride, fala pra me

    Que tudo que a antena captar meu corao captura

    V se me entende pelo menos uma vez, criatura!

    cride, fala pra me!

    TITS. Televiso, 1985.

  • 14

    a. Tanto a msica quanto o quadrinho, tratam do mesmo tema? Explique. b. possvel dizer que tanto o quadrinho quanto a msica mostram que a televiso

    nos ensina a buscar conhecer aquilo que Scrates chama de conceito? Sim ou no? Justifique.

    c. Indique passagens da msica e do quadrinho que mostram a televiso como uma forma de reproduzir ideias e concepes do senso-comum.

    2. AS RELIGIES E O SAGRADO

    A missa no domingo, a pregao do pastor, os batuques do candombl, a peregrinao a

    Meca, o sacrifcio de animais ou as oraes no muro das lamentaes. Todos esses eventos

    so considerados manifestaes religiosas, todos eles esto ligados a alguma religio. Mais

    afinal o que uma religio? Como que atividades to diferentes podem ser reunidas sob um

    nico nome, isto , religio. O que tem em comum o islamismo, o cristianismo, o judasmo e

    o candombl para serem chamados de religio? Alguns podero dizer: religio porque

    acredita em Deus! Errado! Existem as religies politestas que acreditam em diversos deuses.

    Ou seja, acreditar em Deus no critrio para definir se algo uma religio ou no. O filsofo

    e historiador romeno Mircea Eliade buscou entender o que uma religio. Ele investigou

    quais caractersticas em comum tem atvidades to diferentes.

    A palavra religio vem do latim: religio, formada pelo prefixo re (outra vez, de novo) e o

    verbo ligare (ligar, unir, vincular). A religio um vnculo, re-liga o homem ao sagrado. Toda

    religio tem essa funo, estabelecer um vnculo entre os homens e algo sagrado. Mas o o

    sagrado? Sagrado , pois, a qualidade excepcional boa ou m, benfica ou malfica, protetora ou ameaadora que um ser possui e que o separa e distingue de todos os outros. O sagrado pode suscitar devoo e amor, repulsa e dio. Esses sentimentos suscitam um outro: o

    respeito feito de temor. Nasce, aqui, o sentimento religioso e a experincia da religio.

    A manifestao de algo sagrado chamado por Mircea Eliade de hierofania. A manifestao

    do sagrado pode se dar por meio de uma pedra, uma rvore, uma montanha, uma pessoa. Na

    religio crist, por exemplo, a manifestao do sagrado se d por meio da encarnao de Deus

    em Jesus Cristo. Em todos esses fenmenos existe a compreenso de que algo que pertence a

    uma ordem diferente ou a um outro mundo se manifesta no nosso mundo profano. O profano justamente aquilo que no sagrado.

  • 15

    Na imagem ao lado vemos a foto da mesquita de

    Meca, este um lugar considerado sagrado pelos

    Mulumanos. Embaixo da foto da mesquita vemos

    a foto de um templo hindu. Logo abaixo vemos um

    barraco de candombl. O que a mesquita, o

    templo e o barraco tm em comum? Todos eles

    so lugares considerados sagrados para as suas

    respectivas religies.

    Toda religio constituda por espaos sagrados,

    ou seja, lugares privilegiados onde o homem

    religioso pode entrar em contato com o sagrado. O

    espao sagrado pode ser uma igreja, uma mesquita

    ESTUDO DIRIGIDO

    -O texto abaixo do livro O sagrado e o profano do filsofo e historiador Mircea Eliade.

    Leia atenciosamente o texto para em seguida responder as questes.

    .....................................................................................................................................................

    Para o homem religioso, o espao no homogneo1: o espao apresenta roturas

    2, quebras;

    h pores de espao qualitativamente diferentes das outras. No te aproximes daqui, disse o Senhor a Moiss; tira as sandlias de teus ps, porque o lugar onde te encontras uma terra

    santa. (xodo, 3: 5) H, portanto, um espao sagrado, e por conseqncia forte, significativo, e h outros espaos no sagrados, e por conseqncia sem estrutura nem

    consistncia, em suma, amorfos3.

    2.1. O espao sagrado

    uma

    sinagoga, um barraco de candombl. No entanto, os espaos sagrados no so somente

    construes humanas. Existem montanhas, florestas, campos que podem ser considerados

    espaos sagrados.

  • 16

    [...] A fim de pr em evidncia a no homogeneidade do espao, tal qual ela vivida pelo

    homem religioso, pode-se fazer apelo a qualquer religio. Escolhamos um exemplo ao

    alcance de todos: uma igreja, numa cidade moderna. Para um crente, essa igreja faz parte

    de um espao diferente da rua onde ela se encontra. [...] Assim acontece em numerosas

    religies: o templo constitui, por assim dizer, uma abertura para o alto e assegura a comunicao com o mundo dos deuses.

    [...] Todo espao sagrado implica uma hierofania4, uma irrupo do sagrado que tem

    como resultado destacar um territrio do meio csmico que o envolve e o torna

    qualitativamente diferente. Quando, em Haran, Jac viu em sonhos a escada que tocava

    os cus e pela qual os anjos subiam e desciam, e ouviu o Senhor, que dizia, no cimo: Eu sou o Eterno, o Deus de Abrao!, acordou tomado de temor e gritou: Quo terrvel este lugar! Em verdade aqui a casa de Deus: aqui a Porta dos Cus! Agarrou a pedra de que fizera cabeceira, erigiu a em monumento e verteu azeite sobre ela. A este lugar

    chamou Betel, que quer dizer Casa de Deus (Gnesis, 28: 1219).

    [...] Quando no se manifesta sinal algum nas imediaes, o homem provoca o, pratica,

    por exemplo, uma espcie de evocao com a ajuda de animais: so eles que mostram que

    lugar suscetvel de acolher o santurio ou a aldeia. Trata-se, em resumo, de uma

    evocao das formas ou figuras sagradas, tendo como objetivo imediato a orientao na

    homogeneidade do espao. Pede se um sinal para pr fim tenso provocada pela

    relatividade e ansiedade alimentada pela desorientao, em suma, para encontrar um

    ponto de apoio absoluto. Um exemplo: persegue se um animal feroz e, no lugar onde o

    matam, eleva se o santurio; ou ento pe se em liberdade um animal domstico um touro, por exemplo , procuram-no alguns dias depois e sacrificam no ali mesmo onde o encontraram. Em seguida levanta se o altar e ao redor dele constri se a aldeia (Mircea

    Eliade. O sagrado e o profano). 1Homogneo: aquilo que no possui partes ou elementos diferntes.

    2Rotura: ruptura; rachadura.

    3Amorfo: aquilo que no tem forma; desorganizado

    4Hierofania: manifestao ou apario de algo sagrado.

    1. Explique como o homem religioso compreende o espao.

    2. Qual a funo do espao sagrado?

    3. O texto mostra dois modos diferentes de se escolher um espao que ser

    considerado sagrado. Explique cada um deles.

    2.2. Os ritos

    Porque a religio liga humanos e divindade, porque organiza o espao e o tempo, os seres

    humanos precisam garantir que a ligao e a organizao se mantenham e sejam sempre

    propcias. Para isso so criados os ritos. Vemos ento que o rito outra caracterstica comum

    a todas as religies.

    O rito uma cerimnia em que gestos determinados, palavras determinadas, objetos

    determinados, pessoas determinadas e emoes determinadas adquirem o poder misterioso de

    presentificar o lao entre os humanos e a divindade. Para agradecer dons e benefcios, para

    suplicar novos dons e benefcios, para lembrar a bondade dos deuses ou para exorcizar sua

    clera, caso os humanos tenham transgredido as leis sagradas, as cerimnias ritualsticas so

  • 17

    de grande variedade. No entanto, uma vez fixada os procedimentos de um ritual, sua eficcia

    depender da repetio minuciosa e perfeita do rito, tal como foi praticado na primeira vez,

    porque nela os prprios deuses orientaram gestos e palavras dos humanos. Um rito religioso

    repetitivo em dois sentidos principais: a cerimnia deve repetir um acontecimento essencial

    da histria sagrada (por exemplo, no cristianismo, a eucaristia ou a comunho, que repete a

    Santa Ceia); e, em segundo lugar, atos, gestos, palavras, objetos devem ser sempre os

    mesmos, porque foram, na primeira vez, consagrados pelo prprio deus. O rito a

    rememorao perene do que aconteceu numa primeira vez e que volta a acontecer, graas ao

    ritual que abole a distncia entre o passado e o presente.

    2.3. Os objetos simblicos

    A religio no sacraliza apenas o espao e o tempo, mas tambm seres e objetos do mundo,

    que se tornam smbolos de algum fato religioso. Os seres e objetos simblicos so retirados de

    seu lugar costumeiro, assumindo um sentido novo para toda a comunidade protetor, perseguidor, benfeitor, ameaador. assim, por exemplo, que certos animais se tornam

    sagrados, como a vaca na ndia, o cordeiro perfeito consagrado para o sacrifcio da pscoa

    judaica. assim, por exemplo, que certos objetos se tornam sagrados, como o po e o vinho

    consagrados pelo padre cristo, durante o ritual da missa. Tambm objetos se tornam

    smbolos sagrados intocveis, como os pergaminhos judaicos contendo os textos sagrados

    antigos, certas pedras usadas pelos chefes religiosos africanos, etc.

    A religio tende a ampliar o campo simblico. Ela o faz, vinculando seres e qualidades

    personalidade de um deus. Assim, por exemplo, em muitas religies, como as africanas, cada

    divindade protetora de um astro, uma cor, um animal, uma pedra e um metal preciosos, um

    objeto santo.

    A figurao do sagrado se faz por smbolos: assim, por exemplo, o emblema da deusa

    Fortuna era uma roda, uma vela enfunada e uma cornucpia; o da deusa Atena, o capacete e a

    espada; o de Hermes, a serpente e as botas aladas; o de Oxossi, as sete flechas espalhadas pelo

    corpo; o de Iemanj, o vestido branco, as guas do mar e os cabelos ao vento; o de Jesus, a

    cruz, a coroa de espinhos, o corpo glorioso em ascenso.

    1Aborgenes: nativo; indgena.

    2Circunciso: retirada cirrgica do prepcio, praticada por razes higinicas e/ou religiosas.

    3Sabatino: relativo ao sbado.

    4 Hierogamia: casamento das divindades.

    5Paleo-oriental: do velho Oriente.

    6Sumrios: relativo ou pertencente Sumria, antigo pas da Mesopotmia (sia) , ou o que seu natural ou

    habitante 7Fecundidade: fertilidade.

    8Regenerado: renovado; restaurado.

    1. O que os rituais religiosos tomam como modelo?

    2. Nos rituais de casamento qual acontecimento os homens pretendem imitar?

    3. Que resultados espera-se atingir por meio dos rituais de casamento?

  • 18

    ESTUDO DIRIGIDO

    -O texto abaixo do filsofo e historiador Mircea Eliade foi retirado do livro O sagrado e

    o profano. Leia atenciosamente o texto para em seguida responder as questes.

    ...................................................................................................................................................

    ..........................

    Antes de falarmos da Terra, precisamos apresentar as valorizaes religiosas das guas, e

    isso por duas razes: (1) as guas existiam antes da Terra (conforme se exprime o Gnesis,

    as trevas cobriam a superfcie do abismo, e o Esprito de Deus planava sobre as guas); (2) analisando os valores religiosos das guas, percebe-se melhor a estrutura e a funo do

    smbolo. Ora, o simbolismo desempenha um papel considervel na vida religiosa da

    humanidade [...].

    [...] O simbolismo das guas implica tanto a morte como o renascimento. O contato com a

    gua comporta sempre uma regenerao1: por um lado, porque a dissoluo seguida de

    um novo nascimento[...]. Ao dilvio ou submerso peridica dos continentes (mitos do tipo Atlntica) corresponde, ao nvel humano, a segunda morte do homem [...]. A imerso nas guas equivale no a uma extino definitiva, e sim a uma reintegrao

    passageira no indistinto, seguida de uma criao, de uma nova vida ou de um homem novo. [...] Em qualquer conjunto religioso em que as encontremos, as guas conservam

    invariavelmente sua funo: desintegram, abolem as formas, lavam os pecados, purificam e, ao mesmo tempo, regeneram. [...]O homem velho morre por imerso na gua e d nascimento a um novo ser regenerado. Este simbolismo admiravelmente expresso por

    Joo Crisstomo (Homil. in Joh., XXV, 2), que, falando da multivalncia2 simblica do

    batismo, escreve: Ele representa a morte e a sepultura, a vida e a ressurreio... Quando mergulhamos a cabea na gua como num sepulcro, o homem velho fica imerso, enterrado

    inteiramente; quando samos da gua, aparece imediatamente o homem novo (Mircea Eliade. O sagrado e o profano).

    1Regenerao: renovao; restaurao.

    2Multivalncia: qualidade de multivalente. (multivalente: que possui vrias utilidades, vrios significados.

    1. A gua um smbolo que aparece em diversas religies com. Quais funes so

    atribudas a ela?

    2. Explique o simbolismo do batismo na religio crist.

  • 19

    Jeitinho brasileiro!

    Estavam na china um brasileiro, um americano e um argentino.

    Estavam bebendo na praa.

    S que na China isso proibido e eles foram pegos em flagrante.

    Presos, foram mandados ao Juiz pra receberem sua sentena.

    O Juiz deu uma bronca enorme e disse que cada um ia receber

    20 chicotadas como punio.

    S que estavam em transio entre o ano do co e o do rato,

    ento cada prisioneiro tinha direito um pedido:

    - Voc americano! Seu pas racista, capitalista e eu odeio

    vocs, mas promessa promessa!

    Qual o seu desejo, desde que seja no escapar da punio?

    - Quero que amarrem 1 travesseiro nas minhas costas!

    - Que assim seja! E tome as chicotadas com o travesseiro nas costas...

    L pela dcima chicotada o travesseiro cedeu e o americano levou 10 chicotadas.

    - Sua vez argentino! Seu povo muito arrogante e trapaceiro.

    Odeio vocs, mas promessa promessa!! Qual o seu desejo?

    - Que amarrem 2 travesseiros nas minhas costas!

    E assim foi. L pela dcima quinta chicotada os travesseiros

    cederam e o argentino tomou 5 das 20 chicotadas. Mas ficou

    feliz por que passou a perna no americano!Foi a vez do brasileiro.

    - Ora, ora, voc brasileiro... povo simptico, bom de

    futebol, humilde... como eu gosto do seu povo voc ter 2

    pedidos!!

    - Bem, eu queria levar 100 chicotadas...

    - Espantoso!! Ainda por cima corajoso!! Seu pedido ser

    realizado!! Qual o prximo?

    - Amarra o argentino nas minhas costas!!!...

    Fonte: http://www.piadasonline.com.br!

    II UNIDADE

    3. O QU UMA AO MORAL?

    A piada ao lado o ponto de partida para o tema que comearemos a estudar: a ao Moral.

    No texto vemos como determinadas caractersticas de uma pessoa se devem ao fato de ela

    pertencer a algum povo. Vemos na piada, por exemplo, que o juiz chins considera o

    americano racista, o argentino trapaceiro e o brasileiro simptico. De certa forma cada povo

    tem os seus costumes e caractersticas bem particulares, e o fato de eu pertencer a este povo

    pode fazer com que minhas aes sejam fruto dos costumes e tradies locais. A piada, por

    exemplo se chama jeitinho Brasileiro. Comumente chamamos de jeitinho brasileiro

  • 20

    PENSANDO NOSSO TEMPO

    -Leia a notcia abaixo para depois responder as questes.

    Estudantes protestam contra aumento de salrio deputados em frente assemblia

    Estudantes e sindicalistas realizaram um protesto em frente Assembleia Legislativa do

    Esprito Santo (Ales) na tarde desta segunda-feira (27) contra o reajuste de 61,8% nos

    vencimentos dos deputados estaduais. A manifestao ocorreu simultaneamente em diversas

    capitais brasileiras, contra ao aumento dos salrios de deputados federais e senadores no

    Congresso Nacional. Segundo os manifestantes, a ideia mostrar que a populao no se

    conforma com o aumento que elevou de R$ 12.384,00 para R$ 20.042,34 o salrio dos

    parlamentares, aprovado na ltima tera-feira (21).

    Universitrios como Thiago Moreira de Carvalho, 21 anos, estiveram com narizes de

    palhao, cartazes e distriburam um manifesto de repdio em relao ao aumento dos

    parlamentares. "O capixaba precisa ficar atento a essas coisas. Precisa protestar mesmo. De

    uma forma civilizada e trazendo os esclarecimentos para toda a populao. preciso fazer

    um barulho para o povo ficar ciente da situao", afirmou.

    aquela esperteza que o brasileiro tem para resolver problemas em situaes difceis. Nem

    sempre essa esperteza acompanhada de solues muito honestas.

    J sabemos ento que nossas aes podem ser motivadas por determinados costumes e

    tradies do lugar onde nascemos. No entanto, o fato de agirmos de acordo com costumes e

    tradies quer dizer que nossa ao seja moral? Vrias vezes vemos pessoas que usam do

    jeitinho brasileiro e depois so acusadas de imorais. Os polticos so o melhor exemplo

    disso. Eles sempre do aquele jeitinho de conseguir um emprego pblico para um parente

    mesmo existindo leis que probem o nepotismo. Um dos meios para eles conseguirem isso o

    nepotismo cruzado. Ou seja, um poltico coloca o parente de algum amigo poltico em um

    cargo pblico, em seguida o amigo emprega algum parente dele.

    Vemos ento que agir de acordo com os costumes e tradies no suficiente para fazer de

    uma ao uma ao moral. Mas o que faz uma ao ser moral? Qual o critrio que distingue

    uma ao moralmente boa de uma ao moralmente m? Esses so problemas que a filosofia

    sempre buscou responder e que agora vocs podero estudar.

  • 21

    Em frente a um carro de som que chamou a ateno dos cidados que passaram em frente

    escadaria da Assembleia, o presidente do Sindicato dos Servidores Pblicos do Esprito Santo

    (Sindipblicos-ES), Gerson Correia de Jesus, afirmou que o aumento foi legal do ponto de

    vista da lei, mas imoral do ponto de vista da tica de um representante pblico. "O aumento

    em si est previsto em lei. O que no podemos aceitar essa imoralidade do momento. Um

    aumento desses concedido em fim de mandato, com a chegada de novos deputados e com os

    atuais fazendo isso com a sociedade. No podemos aceitar isso. Deveria ser respeitado pelo

    menos o que dado sociedade. O reajuste do salrio mnimo, por exemplo, foi de 6%",

    explicou. (A GAZETA)

    1. Por que os polticos so pessoas geralmente acusadas de cometer atos imorais?

    2. O que voc entende quando os manifestantes dizem que o aumento foi legal mas

    imoral?

    3. Para voc o que define uma ao moral e uma ao imoral?

    4. Voc tambm considera que o aumento dos salrios dos deputados imoral? Justifique

    sua resposta.

    3.1. KANT: O FILSOFO DA MORAL

    Durante a Idade Mdia, a viso teocntrica do mundo fez com que os valores religiosos

    impregnassem as concepes ticas, de modo que os critrios do bem e do mal se achavam

    vinculados f e dependiam da esperana de vida aps a morte.

    No entanto, a partir da Idade Moderna, culminando no movimento da Ilustrao no sculo

    XVIII, a moral se torna laica, secularizada. Ou seja, ser moral e Ser religioso no so plos

    inseparveis, sendo perfeitamente possvel que um homem ateu seja moral. O movimento

    intelectual do sculo XVIII conhecido como Iluminismo, Ilustrao ou Aufklrung e que

    caracteriza o chamado Sculo das Luzes exalta a capacidade humana de conhecer e agir pela

    "luz da razo".

    A mxima expresso do pensamento iluminista se encontra em Kant (1724 -1804). Para Kant

    a razo no s a capacidade de humana de conhecer o mundo. Ou seja, a razo no

    somente um instrumento que ns temos e os animais no e que nos permite aprender,

    matemtica, fsica, filosofia, biologia, etc. A razo tambm a capacidade humana de

    discernir uma ao moralmente boa de uma ao moralmente m. por ser racional que o

    homem cria distines entre o certo e o errado, o bom e o mau. Para os animais essas

    distines no existem.

    Para Kant, todo ser humano possui dentro de si um critrio para distinguir o certo do errado,

    ou seja temos a capacidade racional de saber se uma ao moral ou no. Essa capacidade

    ns no aprendemos com ningum, mas ela pertence prpria natureza humana. Segundo

    Kant a razo nos ensina que para uma ao ser moral ela tem que estar de acordo com a

    seguinte lei: Age de tal modo que possa querer que a mxima de sua ao se torne valor universal. Por exemplo, pensemos no exemplo do poltico que rouba o dinheiro pblico. Ao

  • 22

    observar essa lei da razo ele pode fazer as perguntas: e se todos agirem como eu? E se todos

    tiverem o direito de roubar? O poltico chegar a concluso de que se todos roubarem ele no

    conseguir nem manter a posse daquilo que roubou. Logo, ele no vai querer que todos ajam

    de maneira semelhante. A razo o diz que o seu modo de agir no pode se tornar universal,

    isto , ele no quer que todos roubem porque sabe que roubar imoral. Se sua ao fosse moral ele no veria problemas nenhum em todos agirem da mesma forma.

    Vemos que para Kant todos sabem e todos podem distinguir uma ao moral de uma ao

    imoral. No entanto, nem todos agem de acordo a razo, de acordo com a moral. Por que isso

    acontece? Vejamos o quadrinho abaixo do cartunista Bill Watterson.

    No quadrinho temos os personagens Calvin e Hobbes (Calvin e Haroldo na verso traduzida

    para o portugus). Calvin o garotinho, Hobbes o tigre. Na tirinha Hobbes diz duvidar que o

    ser humano precise de alguma coisa alm dele mesmo para cometer atos imorais. Kant tem

    uma viso parecida com a do personagem do quadrinho. Pertence prpria natureza humana a

    possibilidade de agir de maneira imoral. Isto porque o ser humano no somente um ser

    racional. Tambm somos seres naturais, submetidos causalidade necessria da Natureza.

    Nosso corpo e nossa psique so feitos de apetites, impulsos, desejos e paixes. A Natureza

    nos impele a agir por interesse. Este a forma natural do egosmo que nos leva a usar coisas

    e pessoas como meios e instrumentos para o que desejamos.

    Por ser um ser racional e ao mesmo tempo um ser natural movido por interesses pessoais o

    homem acaba muitas vezes vivendo um conflito. A pessoas podem ter desejos que contrariam

    a razo, que contrariam a moral. A natureza nos impele a agir como animais buscando

    somente a satisfao imediata, mais a razo diz que a ao contra a moral. A razo acaba

    funcionando como uma voz interior que diz para agirmos de outra forma e luta contra os

    instintos. Vemos isso no quadrinho da Mafalda, personagem do cartunista argentino Quino:

  • 23

    3.2. MORAL, INTENO E RELIGIO

    Neste quadrinho vemos o personagem Calvin querendo saber se ele ter alguma recompensa

    em uma outra vida para o seu bom comportamento. Calvin parece demonstrar que no faz

    muito sentido agir corretamente se no somos recompensados. Para Kant praticar uma boa

    ao no necessariamente agir moralmente. Uma celebridade pode ajudar necessitados com

    doaes s para ganhar um destaque na mdia. Embora essas doaes ajudem muitas pessoas,

    a celebridade foi movida por interesses pessoais. A ao moral tem um fim em si mesmo, ela

    no um meio para se atingir algum fim. O indivduo age de determinada maneira pois

    considera ser o seu dever agir daquela forma. A sua inteno agir moralmente. Como nunca

    vemos as intenes, mas s as aes, difcil determinar se uma pessoa est agindo por

    interesse ou no.

    Outra coisa importante no quadrinho acima que Calvin quer orientar as suas aes por uma

    ideia religiosa: a vida aps a morte. Para ele se houver uma vida depois da morte vale a pena

    agir corretamente, se no houver no vale. Esta situao lembra a famosa frase de Dostoievski

    presente no seu romance Os irmos Kamarazov: Se Deus no existe, tudo permitido. No

    entanto, para Kant ideias e princpios religiosos no so necessrios para o homem agir

    moralmente. Na razo o homem j encontra um critrio para a ao moral, o imperativo

    categrico: Age de tal modo que possa querer que a mxima de sua ao se torne valor

    universal. Deste modo, um descrente que no possui religio no agir de modo imoral s

    por causa disso.

    Embora no seja necessrio ser religioso para agir moralmente, Kant entende que a religio

    pode fornecer exemplos que sirvam de estmulo. Na f crist, por exemplo, Kant diz que

    cristo apresentado como aquele que resiste as tentaes, sacrifica seus interesses particulares

    age pelo dever e o difundi ao seu redor. Para o filsofo alemo o que menos importa se o

    Cristo realizava milagres ou se era o messias. A maior contribuio dele foi servir de modelo

    moral, de modo a estimular as pessoas a tentarem agir de modo semelhante. A religio crist

    ao incitar (atravs dos seus credos) os fiis a tomarem Cristo como um arqutipo para sua

    conduta, nada mais faz do que incit-los a agir de acordo com o dever moral que a razo d a

    si mesma. nesse sentido que se deve entender o seguinte dito de Kant: [...] pode dizer-se

    que, entre a razo e a Escritura, existe no s compatibilidade, mas tambm harmonia de

  • 24

    modo que quem segue uma (sob a direo dos conceitos morais) no deixar de coincidir com

    a outra.

    3.3. MORAL E FELICIDADE

    O fato de o homem poder se guiar pela razo agindo moralmente no garante a ele uma vida

    feliz. A ao moral pode despertar a ira dos outros, alm do isolamento. Imagine um poltico

    que atormentado por sua conscincia decida denunciar um esquema de corrupo presente no

    congresso. Apesar de ele tomar essa atitude com satisfao, pois sabe que a coisa certa a

    fazer, as conseqncias que cairo sobre ele podem ser terrveis: perseguio, ameaas a

    familiares, isolamento, expulso do partido. Tais consequncias com certeza no

    proporcionaro a ele uma vida tranquila e feliz. Apesar da ao moral no garantir a

    felicidade e no ser motivada por uma busca da felicidade, Kant julga que o indivduo que age

    moralmente digno de ser feliz, isto , ele mer

    4. POLTICA SE DISCUTE

    No quadrinho acima, h no dilogo entre Calvin e Hobbes uma stira a um fenmeno muito

    comum nas sociedades modernas: a apatia poltica. O desinteresse das pessoas pela poltica

    surge por vrios motivos: decepo com escndalos de corrupo, a falsa crena de que a

    poltica no interfere nas nossas vidas, o comodismo, e tambm por se ter uma viso no

    muito clara do que poltica e o que discutir poltica.

    Falar de poltica no s conversar sobre quem voc vai votar. Para entendermos o que

    poltica, cabe observarmos o significado dessa palavra. Poltica etimologicamente deriva da

    palavra grega polis, que significa cidade-Estado. A expresso grega ta politika (poltica)

    significa os assuntos da polis (cidade-Estado. Para os gregos os assuntos da polis dizem

    respeito a todos os cidados, no s aqueles que ocupam cargos no governo. Mas quais so os

    assuntos da polis? As leis, os costumes, a criao de estradas, a cobrana de impostos, a

    administrao dos bens pblicos, a organizao da defesa e da guerra, etc.

  • 25

    ESTUDO DIRIGIDO

    TEXTO 1

    - O texto abaixo do italiano Noberto Bobbio trata da falta de interesse pela poltica nas

    democracias modernas. Leia e interprete o texto para responder as questes abaixo.

    O cidado no educado

    A educao para a cidadania foi um dos temas preferidos da cincia poltica americana nos

    anos cinquenta, um tema tratado sob o rtulo da cultura poltica e sobre o qual foram

    gastos rios de tinta que rapidamente perdeu a cor: das tantas distines, recordo aquela

    estabelecida entre cultura para sditos, isto , orientada para os output1 do sistema (para os

    benefcios que o eleitor espera extrair do sistema poltico), e cultura participante, isto ,

    orientada para os input2, prpria dos eleitores que se consideram potencialmente

    empenhados na articulao das demandas3 e na formao das decises.

    Olhemos ao nosso redor. Nas democracias mais consolidadas assistimos impotentes ao

    fenmeno da apatia4 poltica, que frequentemente chega a envolver cerca da metade dos que

    tm direito ao voto. Do ponto de vista da cultura poltica, estas so pessoas que no esto

    orientadas nem para os output nem para os input.

    No nosso contexto os assuntos da polis se ampliaram. So temas polticos que dizem respeito

    a todos: a gerao de emprego, a reduo da misria, o saneamento bsico, a melhoria da

    sade, dos transporte pblico, da educao e da segurana pblica, dentre outros. Mesmo

    quem no quer nem ouvir nem falar sobre tais temas no consegue escapar de ter sua vida

    influenciada por eles.

    O ANALFABETO POLTICO

    O pior analfabeto o analfabeto poltico. Ele no ouve, no fala, nem participa dos

    acontecimentos polticos. Ele no sabe que o custo de vida, o preo do feijo, do peixe, da

    farinha, do aluguel, do sapato e do remdio dependem das decises polticas.

    O analfabeto poltico to burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a

    poltica. No sabe o imbecil que, da sua ignorncia poltica, nasce a prostituta, o menor

    abandonado, e o pior de todos os bandidos, que o poltico vigarista, pilantra, corrupto e

    lacaio das empresas nacionais e multinacionais

    (Bertolt Brecht)

    .

  • 26

    Esto simplesmente desinteressadas daquilo que, como se diz na Itlia com uma feliz

    expresso, acontece no palcio. Sei bem que tambm podem ser dadas interpretaes

    benvolas da apatia poltica. Mas at mesmo as interpretaes mais benvolas no

    conseguem me tirar da cabea que os grandes escritores democrticos se recusariam a

    reconhecer na renncia ao uso do prprio direito um benfico fruto da educao para

    cidadania. Nos regimes democrticos, como o italiano, onde a porcentagem dos votantes

    ainda muito alta (embora diminua a cada eleio), existem boas razes para se acreditar que

    esteja em diminuio o voto de opinio e em aumento o voto de permuta5, o voto, para usar

    a terminologia assptica6 dos cientistas polticos, orientado para os output, ou, para usar

    uma terminologia mais crua mas talvez menos mistificadora, o voto clientelar, fundado

    (frequentemente de maneira ilusria) sobre o apoio poltico em troca de favores pessoais.

    (BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia)

    1Output: sada resultado

    2Input: entreda.

    3Demandas: necessidades.

    4Apatia: falta de nimo; desinteresse.

    5Permuta: troca.

    5Assptica: extremamente limpo

    1. Explique o que significa se orientar pelo output do sistema poltico e o que significa

    se orientar pelo input.

    2. Explique o fenmeno da apatia poltica.

    3. Voc acha que no Brasil os cidados esto mais interessados pelo output ou pelo

    input do sistema poltico? Justifique.

    4. No texto acima Norberto Bobbio faz algumas observaes sobre a poltica no seu

    pas, a Itlia. Nestas observaes o qu h de semelhante entre a Itlia e o Brasil?

  • 27

    TEXTO 2

    - O texto abaixo discute o comportamento poltico dos cidados brasileiros. Leia e

    interprete para responder as questes a seguir.

    O brasileiro condena o brasileiro

    Nossa tradio cultural, por diversas razes, criou um ideal de cidadania poltica sem

    vnculos com a efetiva vida social dos brasileiros. Na teoria aprendemos que devemos

    ser cidados; na prtica, que no possvel, nem desejvel comportarmo-nos como

    cidados. A face poltica do modelo de identidade nacional permanentemente corroda

    pelo desrespeito aos ideais de conduta. Idealmente, ser brasileiro significa herdar a

    tradio democrtica na qual todos somos iguais perante a lei e onde o direito vida,

    liberdade e busca da felicidade uma propriedade inalienvel de cada um de ns; na

    realidade, ser brasileiro significa viver em um sistema socioeconmico injusto, onde a

    lei s existe para os pobres e para os inimigos e onde os direitos individuais so

    monoplio dos poucos que tm muito.

    Preso nesse impasse, o brasileiro vem sendo coagido a reagir de duas maneiras. Na

    primeira, com apatia e desesperana. o caso dos que continuam acreditando nos

    valores ideais da cultura e no querem converter-se ao cinismo das classes dominantes e

    de seus seguidores. Essas pessoas experimentam uma notvel diminuio da auto-estima

    na identidade de cidado, pois no aceitam conviver com o baixo padro de moralidade

    vigente, mas tampouco sabem como agir honradamente sem se tornarem vtimas de

    abusos e humilhaes de toda ordem. Deixam-se assim contagiar pela inrcia ou sonham

    em renunciar identidade, abandonando o pas. Na segunda maneira, a mais nociva, o

    indivduo adere a tica da sobrevivncia ou lei do vale-tudo: pensa escapar a

    delinquncia, tornando-se delinquente.

    Nos dois casos, obviamente, perde-se a confiana na ideia de justia, legalidade e

    interesse comum. o primeiro passo para o imprio do banditismo o modo de

    convvio social em que a lei se confunde com o interesse de um indivduo ou de um

    grupo e a fora substitui o dilogo. No banditismo, as leis do lugar ao mercado da

    violncia, que tende expanso ilimitada. Numa sociedade regida pela moral da

    delinqncia, a cada dia se inventam novas formas de transgresso e de desmoralizao

    das leis e novas formas de submisso dos mais fracos aos mais fortes.

    (COSTA, Jurandir F. O brasileiro condena o brasileiro. Superinteressante, So Paulo, 5 (11): 35, Nov.

    1991.)

    1. Vocs concordam com a anlise do psicanalista Jurandir F. Costa? Por qu?

    2. Identifiquem os dois tipos de cidados citados no texto. Como eles agem no dia-a-

    dia?

  • 28

    4.1. O QU A FILOSOFIA TEM A DIZER SOBRE A POLTICA?

    Participamos da poltica ao votar, ao participar de uma greve ou manifestao, boicotando um

    produto importado, conversando sobre a situao de insegurana do bairro, ou da situao de

    abandono da sade pblica. Estamos o tempo todo discutindo poltica de maneira informal,

    mesmo sem saber que estamos fazendo isso.

    Contudo, existe outra maneira de se falar de poltica. A filosofia busca, por exemplo, falar

    sobre poltica formulando explicaes cientficas. Nesse caso, os filsofos levantam questes

    como: Por que uma forma de governo melhor que outra? O qu faz uma lei ser considerada

    justa? O qu o direito? A religio deve se envolver com a poltica? A poltica deve ser

    guiada pela moral? Por que h desigualdade entre os homens?Por que o homem um animal

    poltico?

    4.2. ARISTTELES: O HOMEM UM ANIMAL POLTICO

    Aristteles (384-322 a.C.) nasceu em Estagira, na Calcdica

    (regio dependente da Macednia). Seu pai era mdico de Filipe,

    rei da Macednia. Mais tarde. Alexandre, filho de Felipe, foi

    discpulo de Aristteles at o momento em que precisou assumir

    precocemente o poder e continuar a expanso do imprio.

    Frequentou a Academia de Plato e a fidelidade ao mestre foi

    intercalada por crticas que mais tarde justificaria dizendo: "Sou

    amigo de Plato, mas mais amigo da verdade".

    As principais ideias da filosofia poltica de Aristteles foram

    escritas no livro A poltica. Desde as primeiras pginas de seu

    livro A poltica, Aristteles explica a origem do Estado enquanto

    valendo-se de uma reconstruo histrica das etapas atravs das

    quais a humanidade teria passado das formas primitivas s formas

    mais evoludas de sociedade, at chegar sociedade perfeita que

    o Estado. Aristteles v a evoluo da sociedade humana como

    uma passagem gradual de uma sociedade menor para uma mais ampla. Os homens seriam

    para Aristteles por natureza animais polticos. Sendo o Estado o resultado do

    desenvolvimento dessa natureza humana. A poltica define a prpria essncia do homem,

    e o Estado considerado uma instituio natural.

    O raciocnio de Aristteles o seguinte: os homens buscam sempre um bem, algo que

    os tornem felizes. Mas sozinho o homem no consegue prover tudo que precisa para

    ser feliz, por isso os homens se associam em grupos para poder alcanarem a

    felicidade. O primeiro grupo que os homens formaram foi a famlia, estas foram

    unificadas por laos sanguneos. A sociedade que em seguida se formou de vrias famlias

    chama-se aldeia. Da unio de vrias aldeias surgiu o Estado.

  • 29

    Mas afinal, o que o Estado? Nas aulas de geografia vocs aprenderam que Estados so

    divises territoriais de determinados pases. Por exemplo, no Brasil so Estados o Esprito

    Santo, So Paulo, Rio de Janeiro, etc. Contudo, essa mesma palavra usada com outro

    sentido no campo da filosofia poltica. Estado aqui significa uma nao com territrio prprio,

    politicamente organizado por meio de leis e que possui instrumentos de represso para fazer

    valer o direito (a polcia, por exemplo), alm disso possui um exrcito para proteger os seus

    espaos. Nesse caso o Brasil um Estado, a Argentina, a Frana, a Alemanha, etc. Na Grcia

    do tempo de Aristteles as cidades eram chamadas de cidades-Estado, isto porque elas eram

    independentes umas das outras, no se encontravam submetidas ao mesmo governo. As

    cidades gregas eram como os pases hoje.

    Os Estados podem ser organizados em diversas formas de governo. Hoje no Brasil, por

    exemplo, o governo organizado na forma de uma democracia. Aristteles foi um dos

    primeiros filsofos a elaborar um estudo sobre as diversas formas de governo. Abaixo

    leremos um texto do filsofo grego onde ela traa essa distino das formas de governo.

    4.3. A POLTICA E A MORAL: MAQUIAVEL

    ESTUDO DIRIGIDO

    - O texto a seguir um trecho do livro A poltica de Aristteles. A partir da leitura do

    texto construa uma tabela explicativa com as formas de governo descritas por

    Aristteles. A tabela deve conter tanto as formas que contribuem para a felicidade

    geral quanto as formas degeneradas.

    Formas de governo

    O governo o exerccio do poder supremo do Estado. Este poder s poderia estar ou nas

    mos de um s, ou da minoria, ou da maioria das pessoas. Quando o monarca, a minoria ou

    a maioria no buscam, uns ou outros, seno a felicidade geral, o governo necessariamente

    justo. Mas, se ele visa ao interesse particular do prncipe ou dos outros chefes, h um

    desvio. O interesse deve ser comum a todos ou, se no o for, no so mais cidados.

    Chamamos monarquia o Estado em que o governo que visa a este interesse comum

    pertence a um s; aristocracia, aquele em que ele confiado a mais de um, denominao

    tomada ou do fato de que as poucas pessoas a que o governo confiado so escolhidas

    entre as mais honestas, ou de que elas s tm em vista o maior bem do Estado e de seus

    membros; repblica, aquele em que a multido governa para a utilidade pblica [...]

    [...] Estas trs formas podem degenerar: a monarquia em tirania; a aristocracia em

    oligarquia; a repblica em democracia. A tirania no , de fato, seno a monarquia voltada

    para a utilidade do monarca; a oligarquia, para a utilidade dos ricos; a democracia, para a

    utilidade dos pobres. Nenhuma das trs se ocupa do interesse pblico. Podemos dizer ainda,

    de um modo um pouco diferente, que a tirania o governo desptico exercido por um

    homem sobre o Estado, que a oligarquia representa o governo dos ricos e a democracia o

    dos pobres ou das pessoas pouco favorecidas.

    (Aristteles. A poltica)

  • 30

    No livro O prncipe, Maquiavel ensina o

    que os governantes devem fazer para se

    manter no poder

    A filosofia poltica moderna comea com a obra de Maquiavel (1469-1527). Nascido em

    Florena, Itlia, Maquiavel foi um dos grandes responsveis pela noo moderna de poder.

    Em Maquiavel tambm encontramos uma renovao do sentido e da relao entre tica e

    poltica. Desta forma, muito folclore se construiu em torno de seu nome e de sua pessoa,

    principalmente pela interpretao precipitada que se fez muitas vezes de seu pensamento.

    Maquiavel foi compreendido como algum

    imoral e desprovido de quaisquer valores. Por

    isso a perspectiva do termo maquiavlico

    sempre pejorativa. Mas, seria Maquiavel digno

    desta fama? O que ele pretendia? Vamos por

    partes.

    Maquiavel choca por fazer uma anlise do

    homem considerando-o a partir de uma de suas

    facetas, a do egosmo. Se para Aristteles e para o

    pensamento greco-cristo no geral o homem

    buscava a vida em sociedade, o bem viver como

    algo natural, para Maquiavel os homens tendem diviso e desunio.

    Seu livro mais conhecido, O Prncipe, um conjunto de recomendaes para que os

    governantes ascendam ao poder e mantenha-se

    como lder. Suas recomendaes podem ser

    resumidas na mxima os fins justificam os

    meios, que significa que todos os recursos

    honrveis ou no devem ser utilizados para a conquista e a manuteno do poder. Para chegar

    a este objetivo, tudo era vlido, inclusive mentir, enganar, trair e matar. Maquiavel argumenta

    que o governante deve ser dissimulado quando necessrio, porm nunca deixando

    transparecer sua dissimulao. No necessrio, a um prncipe, possuir todas as qualidades,

    mas preciso parecer ser piedoso, fiel, humano, ntegro e religioso j que s vezes

    necessrio agir em contrrio a essas virtudes.

    Vemos que para Maquiavel a moral no uma questo poltica. No existe certo e errado na

    poltica. O que existe o que serve para se manter no poder e o que no serve. Maquiavel

    comenta que aquele que trocar o que se faz por aquilo que se deveria fazer aprende antes sua

    runa do que sua preservao; pois um homem que queira fazer em todas as coisas profisso

    de bondade deve arruinar-se entre tantos que no so bons.

    Outra ideia bem famosa defendida por Maquiavel no livro O Prncipe a de que os

    governantes para se manterem no poder devem ser temidos. Segundo Maquiavel, melhor

    para um governante ser temido do que amado, o temor de uma punio faz os homens

    pensarem duas vezes antes de trair seus lderes. O temor surge das punies. O lder deve ser

    cruel quanto s penas com as pessoas, mas nunca no carter material, Maquiavel diz que "as

    pessoas esquecem mais facilmente a morte do pai, do que a perda da herana". Punir as

    pessoas materialmente as torna revoltadas, em vez de provocar o temor do governante.

  • 31

    A obra de Maquiavel, criticada em toda a parte, atacada por catlicos e protestantes,

    considerada ateia e satnica, tornou-se, porm, a referncia obrigatria do pensamento

    poltico moderno. A ideia de que a finalidade da poltica a tomada e conservao do poder e

    que este no provm de Deus, nem de uma ordem natural feita de hierarquias fixas exigiu que

    os governantes justificassem a ocupao do poder. Em alguns casos, como na Frana e na

    Prssia, surgir a teoria do direito divino dos reis. Na maioria dos pases, porm, a concepo

    teocrtica no foi mantida e, partindo de Maquiavel, os tericos tiveram que elaborar novas

    teorias polticas.

    Essas novas teorias no pretendiam mais mostrar porque o Estado uma obra de Deus, ou

    fruto do desenvolvimento natural do homem. Elas queriam responder questes como: por que

    indivduos isolados formam uma sociedade? Por que indivduos independentes aceitam

    submeter-se ao poder poltico e s leis?

    4.4. A RELIGIO TEM ALGUMA COISA A VER COM A POLTICA?

    John Locke (1632 - 1704), filsofo ingls, era mdico e descendia de uma famlia de

    burgueses comerciantes. Com a obra Dois tratados sobre o governo civil, tornou-se o grande

    terico do liberalismo, cujas ideias iriam repercutir em todo o sculo XVIII, dando

    fundamento filosfico s revolues ocorridas na Europa e nas Amricas.

    Para Locke, a separao entre a Religio e o Estado algo que reside na natureza e finalidade

    de ambos. Apesar disso, aquelas que advogam a falsa religio tm sustentado a sua unidade

    para melhor prosseguirem os seus interesses particulares. O resultado a intolerncia

    religiosa. Locke entende que a nica forma de acabar com a mesma separar aquilo que por

    natureza distinto. Locke estudou as relaes entre Igreja e Estado na sua obra Carta sobre a

    tolerncia.

    a) Estado. O domnio do Estado o da ordem pblica, garantindo, defendendo e promovendo

    o desenvolvimento dos interesses particulares. O Estado foi constitudo por mtuo acordo

    entre homens livres para resolverem os seus conflitos e protegerem os seus direitos. Est ao

    servio dos cidados e sob forma alguma pode atentar contra os seus direitos naturais

    (liberdade, vida e bens).

    b) Igreja. O domnio da Igreja o culto pblico a Deus e o encorajamento dos homens para

    que levem uma vida virtuosa e piedosa a fim de salvarem as suas almas. As Igrejas so

    assembleias livremente constitudas e qualquer um as pode criar. Nenhuma tem mais

    autoridade ou se pode arrogar ser mais verdadeira que outra. Apenas Deus sabe qual a

    verdadeira, e s a Ele compete julgar a conduta dos seus membros. A organizao e a

    hierarquia nas Igrejas resultam da vontade dos homens e no de Deus.

    Vemos que com Locke o Estado no deve ser confessional, ou seja, o Estado no deve

    declarar possuir uma religio oficial. Para o filsofo ingls o Estado deve ser laico, secular.

    Um Estado laico aquele que no sofre interferncia das religies e dos religiosos, no se

  • 32

    encontra submisso a Igreja e no fundamenta suas leis se baseando em recomendaes dos

    livros sagrados.

    PENSANDO NOSSO TEMPO

    - Leia e interprete as notcias abaixo para responder as questes.

    Ministrio Pblico pede retirada de smbolos religiosos de rgos pblicos em SP

    O Ministrio Pblico Federal em So Paulo pediu que a Justia obrigue a Unio a retirar

    todos os smbolos religiosos fixados em locais de grande visibilidade e atendimento ao

    pblico em rgos pblicos federais no Estado. No pedido, a Procuradoria Regional dos

    Direitos do Cidado pede tambm a aplicao de multa diria simblica de R$ 1 em caso de

    descumprimento. A multa dever servir como um contador do desrespeito determinao

    judicial. O prazo proposto pelo Ministrio Pblico para a retirada dos smbolos de at 120

    dias aps a deciso.

    Segundo o Ministrio Pblico, a ostentao de smbolos religiosos seria uma ofensa

    liberdade de crena dos cidados. Alm disso, o rgo argumenta que a Constituio Federal

    determina que o Brasil um Estado laico, ou seja, onde no h vinculao entre o poder

    pblico e a religio. Para o procurador regional dos Direitos do Cidado e autor da ao,

    Jefferson Aparecido Dias, cabe ao Estado proteger todas as manifestaes religiosas sem

    tomar partido de alguma. "Quando o Estado ostenta um smbolo religioso de uma

    determinada religio em uma repartio pblica est discriminado todas as demais ou

    mesmo quem no tem religio afrontando o que diz a Constituio", defendeu. (Folha

    Online)

    1. O texto faz referncia ao conflito entre duas instituies. John Locke escreveu sobre

    esse conflito. Quais instituies so essas?

    2. Quais argumentos o Ministrio Pblico utiliza para pedir a proibio da ostentao

    de smbolos religiosos em rgos pblicos?

    Aumentam denncias contra intolerncia religiosa no Rio

    As denncias de ofensa religio vm crescendo no estado do Rio de Janeiro, onde, at

    novembro de 2008, a Lei Ca, que considera crime a intolerncia religiosa, no estava

    includa no sistema das delegacias legais. Com a mudana recente, ainda no h nmeros ou

    estatsticas para mensurar esse movimento, mas, segundo o delegado Henrique Pessoa,

    coordenador do setor de inteligncia da Polcia Civil, hoje h praticamente um registro por

    dia nas delegacias do estado. Nessa guerra da f, os seguidores de religies afro-brasileiras

    so as vtimas mais frequentes.

    Segundo o delegado, os devotos da umbanda e do candombl esto entre as maiores vtimas.

    J evanglicos e judeus ainda no apareceram entre os registros. [...] Os adeptos da

    umbanda e do candombl no esto mais dispostos a apanhar calados. J os judeus sofrem

    preconceito, mas um preconceito velado. E aumentou muito o respeito pela comunidade

    judaica tambm. De acordo com a Lei Ca (nmero 7.716), a pena para intolerncia

    religiosa pode variar de um a trs anos. Mas, no caso de uso da mdia para difundir a

  • 33

    5. A DEMOCRACIA EM QUESTO

    Muitas vezes podemos rir como a personagem Mafalda ao imaginarmos que a democracia era

    para ser uma forma de governo em que o povo soberano, isto , que o povo exerce o poder.

    Vivemos num pas cuja democracia a forma de governo adotada, mas nem sempre a voz do

    povo escutada.

    A palavra democracia vem do grego demos ("povo") e kratia, de krtos ("governo", "poder",

    "autoridade"). Os atenienses so o primeiro povo a elaborar teoricamente o ideal democrtico,

    dando ao cidado a capacidade de decidir os destinos da plis (cidade-estado grega).

    Habituado ao discurso, o povo grego encontra na gora (praa pblica) o espao social para o

    debate e o exerccio da persuaso.

    Na Grcia a democracia era direta, ou seja, os cidados participavam diretamente da vida

    pblica, no havia escolha de representantes polticos. No mundo moderno surgiu a

    democracia representativa. Pases como o Brasil possuem esse tipo de regime poltico. Na

    democracia representativa os cidados atravs de eleies concedem mandatos a

    representantes que passaro a exercer autoridade em seu nome.

    A democracia moderna pretende garantir direitos individuais que preservem a privacidade e

    liberdade, vida e bens dos cidados. Alm de direitos que garantam a participao dele na

    vida poltica seja atravs do direito de voto, greve, ou de fazer parte de alguma organizao

    (sindicato, associao de moradores, partido).

  • 34

    Geralmente em democracias como a brasileira o governo organizado em trs poderes

    democrticos. Tal forma de organizao das democracias modernas em trs poderes diferentes

    foi inspirada pelas ideias do filsofo francs Montesquieu (1689-1755). Montesquieu

    escreveu sobre essa organizao do governo em trs poderes no seu livro o Esprito das Leis.

    A partir da leitura do texto de Montesquieu logo abaixo entenderemos quais so esses trs

    poderes e porque o filsofo sugeriu que os governos deviam ser organizados dessa forma.

    5.1. DILEMAS DA DEMOCRACIA: A TECNOCRACIA

    ESTUDO DIRIGIDO

    - Leia e interprete o trecho do livro Do esprito das leis de Montesquieu. A seguir responda as

    questes.

    Os trs poderes

    Para que no se possa abusar do poder, preciso que, pela disposio das coisas, o poder limite o

    poder. [...] Existem em cada Estado trs tipos de poder: o poder legislativo, o poder executivo [...] e

    o poder judicirio [...]. Com o primeiro, o prncipe ou o magistrado cria leis por um tempo ou para

    sempre e corrige ou anula aquelas que foram feitas. Com o segundo, ele faz a paz ou a guerra, envia

    ou recebe embaixadas, instaura a segurana, previne invases. Com o terceiro, ele castiga os crimes,

    ou julga as querelas1 entre os particulares.

    A liberdade poltica, em um cidado, esta tranqilidade de esprito que provm da opinio que

    cada um tem sobre a sua segurana; e para que se tenha esta liberdade preciso que o governo seja

    tal que um cidado no possa temer outro cidado. Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de

    magistratura o poder legislativo est reunido ao poder executivo, no existe liberdade, pois pode-se

    temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado apenas estabeleam leis tirnicas para execut-las

    tiranicamente. No haver tambm liberdade se o poder de julgar no estiver separado do poder

    legislativo e do executivo. Se estivesse ligado ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a

    liberdade dos cidados seria arbitrrio, pois o juiz seria legislador. Se estivesse ligado ao poder

    executivo, o juiz poderia ter a fora de um opressor.

    Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do

    povo, exercesse esses trs poderes: o de fazer leis, o de executar as resolues pblicas e o de julgar

    os crimes ou as divergncias dos indivduos. (Montesquieu. Do esprito das leis)

    1Querelas: disputas.

    1. Construa uma tabela explicativa com os trs poderes descritos por Montesquieu. A tabela

    deve conter o nome do cargo dos principais representantes de cada poder no Brasil. Por

    exemplo, presidente, governador, juiz, etc.

    2. Para Montesquieu, por que necessrio essa organizao da democracia em trs

    poderes?

  • 35

    A palavra tecnocracia formada por duas palavras de origem grega. A palavra tkhn que

    significa tcnica e krtos que significa 'governo, poder, domnio'. Tecnocracia seria o

    governo exercido por aqueles que dominam as tcnicas, que detm o saber tecnolgico. A

    palavra tecnocracia parece ter sido criada pelo ingls, radicado nos EUA, William Henry

    Smyth (1855-1940), para designar 'um novo sistema e filosofia de governo, no qual os

    recursos industriais de uma nao seriam organizados e manipulados por pessoas

    tecnicamente competentes, para o bem-comum, em vez de serem deixados sob controle de

    interesses privados, para benefcio prprio'; a partir de 1932 essa palavra passou a fazer parte

    do vocabulrio da filosofia poltica.

    O termo tecnocracia passou a ser utilizado para designar um fenmeno que toma propores

    cada vez maiores nos pases democrticos: a importncia das pessoas tecnicamente

    competentes para a administrao do governo. Compreenderemos porque esse fenmeno

    (tecnocracia) um dilema da democracia estudando o texto abaixo.

    - O texto abaixo do livro O futuro da democracia, do italiano Norberto Bobbio. Leia e

    interprete para responder as questes.

    [...] Na medida em que as sociedades passaram de uma economia familiar para uma economia de

    mercado, de uma economia de mercado para uma economia protegida, regulada, planificada

    aumentaram os problemas polticos que requerem competncias tcnicas. Os problemas tcnicos

    exigem por sua vez experts, especialistas, uma multido cada vez mais ampla de pessoal

    especializado. H mais de um sculo Saint-Simon havia percebido isto e defendido a substituio

    do governo dos legisladores pelo governo dos cientistas. Com o progresso dos instrumentos de

    clculo, que Saint-Simon no podia nem mesmo de longe imaginar, a exigncia do assim chamado

    governo dos tcnicos aumentou de maneira desmesurada

    Tecnocracia e democracia so antitticas1: se o protagonista

    2 da sociedade industrial o

    especialista, impossvel que venha a ser o cidado qualquer. A democracia sustenta-se sobre a

    hiptese de que todos podem decidir a respeito de tudo. A tecnocracia, ao contrrio, pretende que

    sejam convocados para decidir. Na poca dos Estados absolutos, como j afirmei, o vulgo devia ser

    mantido longe dos arcana imperii3 porque era considerado ignorante demais. Hoje o vulgo

    certamente menos ignorante. Mas os problemas a resolver tais como a luta contra a inflao, o

    pleno emprego, uma mais justa distribuio da renda no se tornaram por acaso crescentemente

    mais complicados? No so eles de tal envergadura4 que requerem conhecimentos cientficos e

    tcnicos em hiptese alguma menos misteriosos para o homem mdio de hoje (que apesar de tudo

    mais instrudo)?

    1Antitticas: contrrios; esto em oposio.

    2Protagonista: que ocupa papel de destaque.

    3Arcana imperii: autoridades ocultas, misteriosas.

    4Envergadura: importncia; peso.

    1. Por que a democracia e a tecnocracia so antitticas?

    2. O qu props Saint-Simon?

    3. Quais so os complexos problemas que acabam tornando necessrio a participao dos

    especialistas no governo?

  • 36

    5.2. DILEMAS DA DEMOCRACIA: A DESIGUALDADE ENTRE OS IGUAIS

    O quadrinho acima mostra uma situao muito comum nos pases com regime democrtico

    a desigualdade entre os iguais. Apesar de a democracia buscar garantir a participao poltica e o direito de todos, nem sempre isso acontece. Uma boa parte da populao acaba

    sendo e