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Filósofos História 1. Tales de Mileto(623 556 a.C.) Tales é considerado o primeiro filósofo e, embora não conheçamos muito a seu respeito não subsiste fragmento seu -, foi desde a Antiguidade visto como o iniciador da visão de mundo e do estilo de pensamento que passamos a entender como filosofia. Duas características são fundamentais neste sentido; em primeiro lugar, seu modo de explicar a realidade natural a partir dela mesma, sem nenhuma referência ao sobrenatural ou ao misterioso, formulando a doutrina da água como elemento primordial, princípio explicativo de todo o processo natural; e, em segundo lugar, o caráter crítico de sua doutrina, admitindo e talvez mesmo estimulando que seus discípulos desenvolvessem outros pontos de vista e adotassem outros princípios explicativos. 2. Pitágoras de Samos (570 495 a.C.) Para Pitágoras, tudo no universo se conforma às regras e relações matemáticas. Se compreendemos o número e as relações matemáticas, compreendemos também a estrutura dos cosmos. A matemática é o modelo para o pensamento filosófico. O número é o regente das formas e das ideias. Pitágoras estudou, provavelmente, com os primeiros filósofos em Mileto e suas bases de geometria ele teria aprendido em viagem ao Egito. Pitágoras era extremamente religioso e supersticioso, chegando a acreditar em reencarnação e na transmigração da alma. Pitágoras encarnou a condição de messias virtual, em Crotona (sul da Itália). Os discípulos de Pitágoras viviam em comunidade, seguindo regras estritas de dieta. Entre os discípulos pitagóricos, estavam a esposa de Pitágoras, Teano, e suas filhas. A filosofia de Pitágoras, portanto, tinha dois aspectos: uma face mística e uma face científica. Suas descobertas eram fruto de puro raciocínio, razão pela qual Pitágoras as considerava como mais valiosas do que meras observações. Sua descoberta mais importante diz respeito às relações entre os números: razões e proporções. Pitágoras começou a aplicar suas teorias aos cosmos, demonstrando a relação harmônica entre as estrelas, planetas e elementos. O pensamento abstrato é superior à evidência dos sentidos para o filósofo. 3. Heráclito de Éfeso (535 475 a.C.) Conhecido como “o obscuro”, em função da dificuldade de interpretação de seu pensamento. Pré-socrático que representava o “mobilismo” – concepção de que a realidade natural se caracteriza pelo movimento; todas as coisas estão em fluxo (“Panta rei”, “Tudo passa”). Apesar do movimento da realidade, Heráclito esclarece que tudo possui uma unidade, a unidade dos opostos. A realidade é marcada pelo conflito (pólemos) dos opostos. Heráclito enxerga no fogo (pyr) o símbolo do caráter dinâmico da realidade, que se queima e se autoconsome. Para Heráclito, “um homem não se banha duas vezes no mesmo rio, porque o rio não é mais o mesmo.” Na tradição da história da Filosofia, inaugurada por Hegel, Heráclito teria sido o primeiro filósofo a propor a ideia de dialética, ao valorizar a unidade dos opostos, que se integram e não se anulam.

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Filósofos – História

1. Tales de Mileto(623 – 556 a.C.) Tales é considerado o primeiro filósofo e, embora não conheçamos muito a seu respeito – não subsiste fragmento seu -, foi desde a Antiguidade visto como o iniciador da visão de mundo e do estilo de pensamento que passamos a entender como filosofia. Duas características são fundamentais neste sentido; em primeiro lugar, seu modo de explicar a realidade natural a partir dela mesma, sem nenhuma referência ao sobrenatural ou ao misterioso, formulando a doutrina da água como elemento primordial, princípio explicativo de todo o processo natural; e, em segundo lugar, o caráter crítico de sua doutrina, admitindo e talvez mesmo estimulando que seus discípulos desenvolvessem outros pontos de vista e adotassem outros princípios explicativos.

2. Pitágoras de Samos (570 – 495 a.C.) Para Pitágoras, tudo no universo se conforma às regras e relações matemáticas. Se compreendemos o número e as relações matemáticas, compreendemos também a estrutura dos cosmos. A matemática é o modelo para o pensamento filosófico. O número é o regente das formas e das ideias. Pitágoras estudou, provavelmente, com os primeiros filósofos em Mileto e suas bases de geometria ele teria aprendido em viagem ao Egito. Pitágoras era extremamente religioso e supersticioso, chegando a acreditar em reencarnação e na transmigração da alma. Pitágoras encarnou a condição de messias virtual, em Crotona (sul da Itália). Os discípulos de Pitágoras viviam em comunidade, seguindo regras estritas de dieta. Entre os discípulos pitagóricos, estavam a esposa de Pitágoras, Teano, e suas filhas. A filosofia de Pitágoras, portanto, tinha dois aspectos: uma face mística e uma face científica. Suas descobertas eram fruto de puro raciocínio, razão pela qual Pitágoras as considerava como mais valiosas do que meras observações. Sua descoberta mais importante diz respeito às relações entre os números: razões e proporções. Pitágoras começou a aplicar suas teorias aos cosmos, demonstrando a relação harmônica entre as estrelas, planetas e elementos. O pensamento abstrato é superior à evidência dos sentidos para o filósofo.

3. Heráclito de Éfeso (535 – 475 a.C.) Conhecido como “o obscuro”, em função da dificuldade de interpretação de seu pensamento. Pré-socrático que representava o “mobilismo” – concepção de que a realidade natural se caracteriza pelo movimento; todas as coisas estão em fluxo (“Panta rei”, “Tudo passa”). Apesar do movimento da realidade, Heráclito esclarece que tudo possui uma unidade, a unidade dos opostos. A realidade é marcada pelo conflito (pólemos) dos opostos. Heráclito enxerga no fogo (pyr) o símbolo do caráter dinâmico da realidade, que se queima e se autoconsome. Para Heráclito, “um homem não se banha duas vezes no mesmo rio, porque o rio não é mais o mesmo.” Na tradição da história da Filosofia, inaugurada por Hegel, Heráclito teria sido o primeiro filósofo a propor a ideia de dialética, ao valorizar a unidade dos opostos, que se integram e não se anulam.

4. Parmênides (515 – 460 a.C.) Parmênides empregou o raciocínio dedutivo na tentativa de revelar a verdadeira natureza física do mundo. Foi influenciado pelo pensamento lógico e científico de Pitágoras. Estabeleceu uma visão filosófica oposta à de Heráclito. Defendia a premissa de que algo existe (“é”) e que, portanto, não poderia não existir (“não é”), pois envolvia uma contradição lógica. Seria impossível existir um estado de nada. Algo não pode vir do nada: deve sempre ter existido em alguma forma. Essa forma permanente não pode mudar, porque algo que é permanente não pode mudar para outra coisa sem deixar de ser permanente. A mudança fundamental seria, portanto, impossível. Parmênides concluiu, a partir desse padrão de pensamento, que tudo que é real deve ser eterno e imutável e ter uma unidade indivisível: “Tudo é uno”. De maneira mais significativa para filósofos posteriores, Parmênides mostrou que nossa percepção do mundo é imperfeita e cheia de contradições.

5. Protágoras de Abdera (490 – 420 a.C.) Protágoras ensinava legislação e retórica para qualquer um que pudesse pagar. Seus ensinamentos eram objetivos – preparavam alguém para rebater e ganhar uma causa, em vez de provar um ponto de vista -, mas ele conseguia ver as implicações filosóficas do que ensinava. Para Protágoras, todo argumento tem dois lados e ambos podem ser válidos. Ele afirmou que podia “transformar o argumento mais fraco em mais forte”, provando não o valor do argumento, mas a persuasão de seu proponente. Dessa forma, reconheceu que a crença é subjetiva: o Homem, mantendo um ponto de vista ou opinião, é que dá a medida de seu valor. Esse estilo de raciocínio, comum na justiça e na política daquele tempo, era novo na Filosofia. Ao colocar seres humanos em seu centro, seguiu a tradição de retirar a religião do argumento filosófico e também mudou o foco da Filosofia – dá compreensão da Natureza do universo para a investigação do comportamento humano. Protágoras voltou-se principalmente para questões práticas. Especulações filosóficas sobre a

substância do cosmos ou a existência dos deuses soam sem sentido para ele, que considerava tais coisas incognoscíveis. A principal implicação de “O homem é a medida de todas as coisas” é que a crença é subjetiva e relativa. Isso levou Protágoras a rejeitar a existência de definições absolutas de verdade, justiça ou virtude. O que é verdadeiro para uma pessoa, pode ser falso para outra, ele afirmou. Esse relativismo também se aplicava a valores morais, tais como o certo e o errado. Para Protágoras, nada é inerentemente bom em si mesmo. Algo é ético ou certo apenas porque uma pessoa (ou sociedade) o julga assim. Protágoras foi o mais influente de um grupo de professores itinerantes de legislação e retórica que se tornou reconhecido como sofista (do grego sophia, sabedoria). Sócrates e Platão ridicularizaram os sofistas como meros retóricos, mas com Protágoras a ética avançou significativamente rumo à visão de que não há absolutos e de que todos os julgamentos, incluindo os morais, são subjetivos.

6. Leucipo de Abdera (1ª metade do séc. V a.C.)

Considerado o fundador da escola atomista, embora muito pouco se saiba a seu respeito. Aparentemente, teria sido discípulo de Zenão e sofrido a influência da escola de Eleia. Seu pensamento é conhecido sobretudo a partir de seu discípulo, Demócrito, que desenvolveu o atomismo, uma das doutrinas pré-socráticas de maior influência em toda a Antiguidade, sendo retomada no helenismo pelos epicuristas e no início do pensamento moderno por Pierre Gassendi.

7. Demócrito de Abdera (460 – 370 a.C.)

Originário de Abdera, no norte da Grécia, teria viajado pelo Egito, Mesopotâmia e Pérsia, fixando-se, depois, em Atenas. Sua doutrina do atomismo tornou-se conhecida sobretudo pela formulação feita por Epicuro, de grande influência na Antiguidade. Apesar de Demócrito ter escrito muitas obras, subsistiram poucos fragmentos de seus textos referentes a essa doutrina.

8. Sócrates (469 a.C.-399 a.C.)

Sócrates era filho de um pedreiro e uma parteira. Possivelmente, foi pedreiro, antes de estudar filosofia e de ter sido convocado à guerra (Peloponeso). Herdou, com a morte do pai, recursos para viver sem trabalhar, ao lado da esposa, Xantipa. Nada escreveu, não criou alguma nem elaborou qualquer teoria. Criou o método socrático (dialético), uma espécie de diálogo entre visões opostas. Foi condenado à morte sob acusação de corromper a juventude com ideias que solapavam as tradições. Teve muitos seguidores, entre eles Platão, que registrou as ideias socráticas numa espécie de obras (diálogos). Para Sócrates, a única vida que vale a pena viver é uma vida virtuosa (se souber o que é “bom” e “mau”, conceitos absolutos). Somente o questionamento e o raciocínio podem distinguir o bem e o mau e, dessa forma, a moralidade e o conhecimento estão ligados. Para Sócrates, uma vida sem questionamento é uma vida de ignorância, sem moralidade (a vida irrefletida não vale a pena ser vivida).

9. Platão (428 a.C.-348 a.C.)

Filósofo grego, discípulo de Sócrates, Platão deixou Atenas depois da condenação e morte de seu mestre. Peregrinou por doze anos. Conheceu, entre outros, os pitagóricos. Retornou a Atenas em 387 a.C., aos 40 anos, procurando reabilitar Sócrates, de quem guardava a memória e o ensinamento. Retomou a teoria de seu mestre sobre a “ideia” e lhe de um novo sentido: a ideia é mais do que um conhecimento verdadeiro; ela é o ser mesmo, a realidade verdadeira, absoluta e eterna, existindo fora e além de nós, cujos objetos visíveis são apenas reflexos. A doutrina central de Platão é a distinção de dois mundos: o mundo visível (sensível ou dos reflexos) e o mundo invisível (inteligível ou das ideias). A essa concepção dos dois mundos se ligam as outras partes de seu sistema: a) o método é a dialética, consistindo em que o espírito se eleve do mundo sensível ao mundo verdadeiro (inteligível, das ideias); ele se eleva por etapas, passando das simples aparências aos objetos, em seguida dos objetos às ideias abstratas e, enfim, dessas ideias ás ideias

verdadeiras que são seres reais que existem fora de nosso espírito; b) a teoria da reminiscência: vivemos no mundo das ideias antes de nossa encarnação em nosso corpo atual e contemplamos face a face as ideias em sua pureza; dessa visão, guardamos uma mudança confusa; nós a reencontramos, pelo trabalho da inteligência, a partir dos dados sensíveis, por “reminiscência”; c) a doutrina da imortalidade da alma, demonstrada no Fédon. Toda a doutrina de Platão pode ser interpretada como uma crítica em relação ao dado sensível, social ou político, e com uma exortação a transformá-lo se inspirando nas ideias, cuja ação deve reproduzir, o mais fielmente possível, a ordem perfeita no mundo do futuro. Para realizar seu projeto filosófico, Platão funda a Academia, assim chamada por situar-se nos jardins do herói ateniense Academos.

10. Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) Os escritos de Aristóteles se dividem em dois grupos: os exotéricos (destinados ao grande público, isto é, às pessoas de fora da Escola) e os esotéricos (a base da atividade didática de Aristóteles, destinados a seus discípulos). Aristóteles dividiu as ciências em três ramos: Teoréticas (saber pelo saber), Práticas (saber como busca pela perfeição moral) e Poiéticas (buscam a produção de determinadas coisas). A metafísica é a principal das ciências teoréticas, as quais, por sua vez, são as ciências mais elevadas. Para Aristóteles, a segunda ciência teorética é a física, que tem por objeto de investigação a substância sensível, intrinsecamente caracterizada pelo movimento, assim como a metafísica tinha por objeto a substância imóvel. A psicologia em Aristóteles é considerada parte integrante da física e estuda os seres físicos, enquanto animados e os seres animados são tais por causa de um princípio de vida: uma alma. Todas as ações humanas tendem a um fim, isto é, à realização de um bem

específico; mas cada fim particular e cada bem específico estão em relação com um fim último e com um bem supremo, que é a felicidade; o homem, para Aristóteles, enquanto ser racional, tem como fim a realização da sua natureza específica e exatamente na realização desta sua natureza de ser racional consiste sua felicidade. O homem, ainda, não é apenas um “animal racional”, mas, também é um “animal político”, o que não inclui todos os homens sem distinção, mas aquele que goza plenamente dos direitos políticos e exerce em parte maior ou menos a administração da Cidade. Os escravos, que não gozam qualquer direito, em certo sentido, não considerados homens propriamente ditos, mas apenas instrumentos animados. A lógica, que Aristóteles chamava de Analítica, não entra no esquema geral das ciências. Ela constitui, com efeito, uma propedêutica a todas as ciências; ela mostra como procede o pensamento, sobre a base de quais elementos e segundo qual estrutura. Em Atenas, o maior discípulo de Platão fundou uma escola chamada de Liceu (próxima ao tempo de Apolo Lício) e, como ensinasse enquanto passeava pelas veredas do jardim anexo ao prédio, a escola também foi chamada de “Perípato” (passeio, em grego) e os seguidores, peripatéticos.

11. Epicuro (341 a.C.-270 a.C.) A primeira das grandes Escolas helenísticas, em ordem cronológica, foi a de Epicuro. Fundou sua escola - Jardim – em Atenas, o que constituiu um verdadeiro e preciso ato de desafio em relação à Academia e ao Perípato, o início de uma revolução espiritual. Retomou de Leucipo e Demócrito a teoria atomista; de Sócrates, o conceito de Filosofia como arte de viver; e dos Cirenaicos, a estreita relação entre felicidade e prazer, mas entendendo esta relação de mais inteiramente diversa. Epicuro dividiu sua filosofia, conforme a tripartição de Xenócrates, em: lógica (cânon), física e ética. Os “filósofos do Jardim” tornaram-se sinônimos dos seguidores de Epicuro, os Epicuristas, cujas proposições gerais podem ser assim resumidas: a) a realidade é perfeitamente penetrável e cognoscível pela inteligência do homem; b) nas dimensões do real existe espaço para a felicidade do homem; c) a felicidade é a falta de dor e de perturbações; d) para atingir essa felicidade e essa paz, o homem só precisa de si mesmo; e) não lhe servem, portanto, a Cidade, as instituições, a nobreza, as riquezas, todas as coisas e nem mesmo os deuses – o homem é perfeitamente autárquico.

12. Diógenes de Sínope (412 a.C.-323 a.C.) O fundador do Cinismo não foi Diógenes, mas, Antístenes, após a morte de Sócrates. Todavia, foi com Diógenes que esta corrente ganhou uma espécie de refundação. Ele imprimiu ao movimento uma clara orientação anticulturalista, no sentido de que declarou completamente inútil a pesquisa filosófica abstrata e teórica para fins de alcançar a felicidade. Eram necessários, sobretudo, o exemplo e a ação. Por isso, o ensinamento de Diógenes se concentrou sobre uma vida vivida fora de qualquer convenção e reduzindo as necessidades ao essencial. O ideal foi o da autarquia, do bastar a si mesmo, e do tornar-se independentes dos outros. A vida cínica se concretizava em conduta inteiramente livre, em que sem rêmoras, mas frequentemente também sem regras, exercia-se o direito de palavra (parrhesía) e de ação (anáideia), muitas vezes com função provocatória. Para alcançar tal objetivo era preciso ter total desprezo pelo prazer e libertar-se dele, e até atuar

uma revalorização radical do exercício e da fadiga, capazes de temperar o espírito e torna-lo independente das necessidades supérfluas.

13. Zenão de Cítio (333 a.C.-263 a.C.) A filosofia conhecida como Estoicismo deve-se ao pensamento e à ação de três nomes: Zenão de Cítio, Cleanto de Assos e Crisipo de Sôli. O primeiro deles, Zenão, nasceu em Cítio, uma ilha do Chipre, e se transferiu para Atenas, por volta de 313 a.C., em busca da Filosofia daquela pólis. Como Epicuro, Zenão renegava a metafísica e toda forma de transcendência e concebia a filosofia como a “arte de viver”. Apesar disso, discordava substancialmente de muitas das ideias do “Jardim”: repudiava a ideia de reduzir o mundo e os homens a um agrupamento de átomos, bem como identificar o bem do homem com o prazer. Por não ser ateniense, não poderia adquirir um imóvel na cidade e, portanto, ensinava suas ideais em um pórtico (local coberto na entrada de um edifício, um templo) e, em grego, pórtico é “estoá”, de onde surgem os termos “estoicismo” e “estóicos”. Para Zenão, o primeiro instinto não é de fato o prazer e a dor, como queriam os epicuristas, e sim a tendência de todo ser de conservar a si mesmo e de apropriar-se de tudo que é apto justamente a conservá-lo, e a conciliar-se, portanto, consigo mesmo.

14. Santo Agostinho (354-430)

Agostinho foi o primeiro pensador cristão a atuar uma síntese madura entre fé, filosofia e vida, considerando que a fé teria recebido clareza da razão, mas também que a razão teria ganho estímulo da fé. O que leva Agostinho para além dos horizontes da Grécia é a referência ao homem, não porém ao homem abstrato e geral, pelo qual também os gregos se interessavam, mas ao indivíduo, ao eu singular, à pessoa. Para ele, conhecer leva à verdade e a verdade se identifica com Deus. Agostinho rejeita a teoria da reminiscência de Platão e a substitui pela ideia de iluminação: Deus nos torna participantes do ser e da verdade, sendo ele próprio a fonte da verdade. A concepção agostiniana da história é explicada com relação entre duas cidades, que derivam de dois amores contrapostos: o amor de si (cupiditas), que é o princípio do mal, e o amor de Deus (charitas), que é princípio do bem. Os homens que amam a Deus formam a cidade celeste; ao contrário, os que amam a si formam a cidade terrena. A história, para Agostinho, é linear e tem

uma meta derradeira: o Juízo Final. Neste momento, o cidadão terreno estará fadado ao inferno (danação), enquanto o cidadão celeste conquistará a salvação.

15. Boécio (480-524) Filósofo romano, tradutor e comentador de Aristóteles, principalmente dos tratados de lógica, cuja tradução foi amplamente utilizada durante o período medieval. Boécio, dessa forma, é tomado como uma espécie de elo de ligação entre a filosofia clássica e a medieval, por isso conhecido como o “último dos romano e o primeiro dos escolásticos”. Ocupou alta posição na corte do rei Teodorico, apesar de ter caído em desgraça e condenado a morte. Durante o cativeiro, escreveu a obra “Consolação da Filosofia”, na qual ele apresenta seu pensamento, sobretudo sua visão ética e cosmológica. Na interpretação que faz da obra de Aristóteles, Boécio lança a “questão dos universais”, provocando uma divisão entre os filósofos entre os séculos XII e XIII. A discussão gira em torno da natureza das ideias gerais, conceitos ou universais: são os universais (gênero, espécie) realidades que existem efetivamente ou seria apenas simples construções do espírito? A segunda tese, de cunha mais aristotélico, prevalece

sobre a primeira, mais platônica.

16. Avicena (980-1037) Homem de cultura universal e médico protegido dos príncipes de Bucara (na Pérsia, onde nasceu). Exerceu forte influência nos pensadores do séc. XIII, sendo combatido por vários escolásticos. Ao fazer uma interpretação pouco intelectualista de Aristóteles, talvez influenciado pelo neoplatonismo, sustenta que o conhecimento depende da realidade dos objetos conhecidos e que podemos falar do ser sem recorrer às categorias aristotélicas. Critica ainda a noção aristotélica de primeiro motor imóvel, subordina a filosofia à fé e nega que a noção de substância se aplique a Deus. Redige várias obras de Medicina, muito utilizadas na Idade Média. A mais importante é o Livro de Cura, que trata de física, de moral e de metafísica. Escreveu ainda um Tratado das Definições, A Salvação, Livro de Teoremas, etc.

17. Santo Anselmo (1033-1109)

O pensamento de Santo Anselmo foca, sobretudo, no problema de Deus, a respeito do qual ele distingue a questão da natureza. No Monologion, Anselmo formula uatro provas da existência de Deus, chamadas “a posteriori”, porque partem da natureza das coisas: a) a primeira parte da existência de coisas boas para remontar à bondade absoluta; b) a segunda parte da variedade das grandezas para chegar a uma suma grandeza, da qual as outras participam; c) a terceira se baseia sobre o conceito de causa: tudo o que é, existe por causa de alguma coisa; é preciso, portanto, admitir um ser supremo em virtude do qual existem todas as coisas; d) a quarta se baseia sobre os graus de perfeição que remetem a uma perfeição suma. Estas provas subentendem uma concepção realista dos universais, que faz aos conceitos das realidades existentes corresponder ideias universais e arquetípicas subjacentes na mente de Deus, e usadas como modelo de criação. No Proslogion, Anselmo introduz uma prova ulterior da existência de Deus a priori (ou seja, que não depende da natureza das coisas), a qual é

conhecida como “argumento ontológico”. Deus é a realidade da qual nada pode pensar de maior.

18. Averróes (1126-1198) Foi o mais célebre dos filósofos árabes da Idade Média. Médico e homem de uma cultura enciclopédica, reúne em suas obras tudo o que os árabes tinham conservado da ciência grega. Seus comentários das obras de Aristóteles exerceram considerável influência nos pensadores medievais e, até mesmo, em alguns renascentistas. Contra Algazel e outros teóricos muçulmanos, que pregavam a “destruição dos filósofos”, escreve a “Destruição da destruição”, na qual tenta harmonizar a filosofia com a religião, reabilitar a razão e defender a tese segundo a qual só há um intelecto para todo o gênero humano, as almas individuais sendo perecíveis. Defende ainda a eternidade do mundo, consequentemente a eternidade da matéria; Deus os criou desde toda a eternidade; todas as coisas criadas, inclusive o homem, procedem de Deus por emanação. Os escolásticos, especialmente Tomás de Aquino, vão combater as teses averroistas de um intelecto agente único, da eternidade da matéria e da dupla

verdade (o que é verdadeiro em Teologia, pode ser falso em Filosofia, e vice-versa).

19. Santo Tomás de Aquino (1225-1274)

Expoente máximo da Escolástica, sua filosofia é tomada como preambulum fidei, ou seja, como preparação para a fé, mas exatamente por isso ela goza de autonomia própria. Além disso, a filosofia de Tomás de Arquino tem uma função apologética, pois permite discutir com quem não aceita nenhuma fé. Discípulo de Alberto Magno, logo mostrou seu talento especulativo. Convidado pelo mestre a expor seu ponto de vista sobre uma quaestio que estava sendo debatida, Tomás, que era chamado de “boi mundo”, pelo comportamento reservado e silencioso, expôs o problema com tanta profundidade e limpidez, que levou Alberto a exclamar: “Este moço, que nós chamamos de ‘boi mundo’, mugirá tão forte, que se fará ouvir no mundo inteiro”. A metafísica de Tomás de Aquino distingue o ente da essência e privilegia o primeiro em relação à segunda. Deus, para Tomás de Aquino, é o primeiro na ordem ontológica, mas não na gnosiológica. Em sua teologia, Tomás de Aquino cria a tese das “cinco vias”, para comprovar a existência de Deus: 1. Movimento, 2. Causa, 3. Contingência, 4.Graus de perfeição e 5. Finalismo. O pensamento de Aquino está

profundamente ligado ao de Aristóteles, que ele, por assim dizer, cristianiza. Seu papel principal foi o de organizar as verdades da religião e de harmonizá-las com a síntese filosófica de Aristóteles, demonstrando que não há ponto de conflito entre fé e razão.

20. Guilherme de Ockham (1288-1347) Conhecido como o “Príncipe dos nominalistas”, o franciscano inglês, estudou e lecionou na Universidade de Oxford. Depois de convocado a Avignon, então sede do Papado, foi acusado de heresia, fugindo para a Alemanha, onde se aliou ao imperador contra o Papa João XXII. Escreveu comentários às principais obras de Aristóteles, sobretudo aos tratados de lógica, e foi também autor de uma influente Summa logicae ede obras de Filosofia Política sobre a questão da autoridade temporal em relação à autoridade religiosa. Ockham defendeu, quanto à famosa Querela dos Universais, a posição de que universais são conceitos, entidades mentais portanto, interpretando-os, posteriormente, como operações do intelecto e não como existentes em si mesmos. A ele se atribui a famosa “navalha de Ockham”, princípio de economia que afirma que “não se deve multiplicar os entes existentes além do necessário”).

21. Erasmo de Roterdã (1466-1536)

O pensador humanista holandês dedicou-se a pregar um evangelismo filosófico. Sua política é penetrada de um ideal moral e religioso: trata-se, antes, de converter os príncipes, de fazê-los desempenhar seu papel cristãmente; em seguida, virão a paz e a harmonia. Em sua obra A instituição do Príncipe Cristão (1516), ele esboça uma teoria da soberania: o que legitima a autoridade do príncipe é, de um lado, seu devotamento ao bem comum, do outro, a livre aceitação de seu poder pelo “cidadão”. Rejeita, assim, a monarquia hereditária e recomenda a eleição do chefe. Apóstolo da paz, Erasmo condena as guerras. Seu programa para a paz contém os seguintes requisitos: a) desarmar os antagonismos nacionais; b) estabilizar o estatuto territorial da Europa; c) fixar a ordem das sucessões segundo um modelo uniforme; d) subtrair aos príncipes o direito de declarar a guerra; e) organizar a arbitragem; f) mobilizar todas as forças morais em favor da paz. O objetivo idealista de Erasmo era o de regenerar a Europa, insuflando-lhe um ideal evangélico.

Considerado o “Príncipe dos humanistas”, ele defendeu, contra Lutero, o livre-arbítrio. Sua obra prima é a sátira intitulada Elogio da Loucura, dedicada a seu amigo Tomás Morus.

22. Nicolau Maquiavel (1469-1527) Maquiavel defendia a República, embora visse na figura de um líder forte a possibilidade de garantir um Estado unificado e que garantisse felicidade ao seu povo. A visão ética de Maquiavel se contrapõe à concepção política cristã quanto ao Estado, uma vez que esta defende a subordinação do governo a uma lei divina e a humanidade estaria preocupada em garantir a salvação da alma. Para Maquiavel, o dever do Estado é manter a pátria e garantir o bem comum e que à história é dado o direito de julgar as ações do governante, quer boas, quer más. Maquiavel entende que a natureza humana é necessariamente má e que o homem busca garantir riqueza sem muito esforço. O método adotado por Maquiavel é apoiado no empirismo e na indução de uma forma realista e que não separa teoria e prática. Maquiavel utiliza dois conceitos fundamentais em suas obras: virtú (o poder que permanece mesmo frente às adversidades políticas) e fortuna (conjunto de incertezas que envolvem a história). Maquiavel, em sua obra prima, O Príncipe, defende a ideia de um poder centralizado, mas, não necessariamente um regime absolutista; o que ele

defende é uma teoria do Estado moderno.

23. Michel de Montaigne (1533-1592) Conhecido por seu ceticismo em relação aos valores medievais. Autor de Ensaios, modernizou e enriqueceu a argumentação cética, além de revelar a influência que fatores políticos, sociais e culturais exercem sobre as ideias. Buscou aniquilar as superstições e fanatismos das opiniões que se apresentam como verdades. Criou um modelo de Filosofia que, partindo de uma postura estóica, chega ao ceticismo e, em seguida, a uma forma de epicurismo, concluindo que tudo não passa de “opiniões”. O ceticismo de Montaigne se traduz pela questão “O que sei?”. Não podemos nem mesmo saber se nosso estado de vigília não é, de repente, um estado de sonho. Toda a ciência, construída sobre nossas ilusões sensíveis, não tem maior valor do que essas ilusões. Toda verdade é relativa. Fica reduzida a zero a pretensão da criatura humana de atingi-la. Em pleno período das guerras de religião, Montaigne procura desacreditar a intolerância da razão e de seus juízos para dar maior lugar à fé, caminho que nos conduziria à ideia de tolerância e de uma sabedoria pacifista. Prega uma moral da eficácia tranquila, pois as paixões são fontes de violência e de

fanatismos. Sua moral não é a da indiferença, mas a do domínio de si na paz da alma e no desejo de ser útil.

24. Francis Bacon (1561-1626)

Elaborou uma importante obra filosófica, recolhida em textos como Novum organum (1620) e De Dignitate et Augmentis Scientiarum (1623), ambos parte de uma obra maior inacabada Instauratio Magna (Grande restauração), com a qual Bacon tencionava criar uma nova ciência, capaz de restaurar o saber. Procurou exaltar a ciência como benéfica ao homem. Nas suas investigações ocupou-se especialmente da metodologia científica e do empirismo. Bacon elaborou uma classificação das ciências da seguinte forma: poesia ou ciência da imaginação; História ou ciência da memória; Filosofia ou ciência da razão. Bacon esteve envolvido com investigações naturais até o fim de sua vida, tentando realizar na prática seu método. No inverno de 1626 estava envolvido com experiências sobre conservação através do frio. Desejava saber por quanto tempo o frio poderia preservar a carne. A idade havia debilitado a saúde do filósofo e ele acabou não resistindo ao rigoroso inverno daquele ano. No ano seguinte foi publicada a Nova Atlantis (Nova Atlântida), na qual Bacon descreve a cidade ideal dos sábios. Bacon foi quem primeiro esboçou uma metodologia racional para a atividade científica. Sua teoria dos ídolos antecipa, pelo menos potencialmente, a moderna sociologia

do conhecimento.

25. Thomas Hobbes (1588-1679)

Hobbes não pode ser considerado propriamente um pensador liberal, embora seja fortemente individualista. Sua obra, no entanto, teve uma influência decisiva no que tange às relações entre o indivíduo e o Estado ao longo da Idade Moderna. Sua obra mais conhecida, Leviatã (1651), chegou a ser censurada pelo parlamento britânico. Hobbes desenvolve uma concepção negativa acerca da natureza humana: o homem é naturalmente agressivo e belicoso. O “estado de natureza, ou natural” em que o homem se encontraria é o estado da “guerra de todos contra todos”. O homem é o “lobo do homem” e movido por suas paixões e desejos não hesita em matar e destruir o outro, seu semelhante. O estado de natureza não descreve o homem primitivo, ou o homem

anteriormente a qualquer organização social, mas sim como o homem se comportaria, dada a natureza humana, caso se suspendesse a obrigação de cumprir as leis e contratos imposta pela sociedade. Teríamos, então, uma luta incessante dos indivíduos uns contra os outros, uma luta de cada um pelo poder sobre o outro. Hobbes analisa a natureza humana sob uma perspectiva mecanicista: o homem é como uma máquina que age sozinha, na linha da concepção mecanicista de mundo típica da época, cujo problema central consistia em entender a natureza dos corpos e de seus movimentos. Do ponto de vista político, é bom salientar que Hobbes não defende propriamente uma monarquia absolutista, baseada nas teorias do direito divino dos reis, mas sim a ideia de que o poder, para ser eficaz, deve ser exercido de forma absoluta. Este poder absoluto resulta, no entanto, da transferência dos direitos dos indivíduos ao soberano, e é em nome desse contrato que deve ser exercido, e não para a realização da vontade pessoal do soberano. É nesse sentido que Hobbes é um contratualista – a sociedade civil organizada resulta de um pacto entre os indivíduos – sem ser um liberal, já que defende o poder absoluto, poder considerado legítimo, enquanto assegura a paz civil. É a esse soberano todo -poderoso que Hobbes denomina “Leviatã”, recorrendo ao nome de um monstro bíblico.

26. René Descartes (1596-1650)

A principal obra de Descartes é "Discurso sobre o Método", através da qual lançou as bases do pensamento que viria modificar toda a história da filosofia. Nessa obra, Descartes elaborou uma espécie de autobiografia intelectual, em que conta os fatos e as reflexões que o fizeram buscar um princípio seguro para edificar as ciências. Descreve também os passos que o levaram à fundação de seu método - o percurso que vai da dúvida sistemática à certeza da existência de um sujeito pensante. Alguns anos depois suas ideias foram retomadas nas "Meditações". O filósofo estava disposto a encontrar uma base sólida para servir de alicerce a todo conhecimento. Na época, a filosofia não se distinguia das outras ciências e o livro deveria ser uma introdução para três escritos científicos, voltados para a meteorologia, a geometria, e

o estudo do corpo humano. Ao buscar um alicerce novo para a filosofia, Descartes rompeu com a tradição aristotélica e com o pensamento escolástico, que dominou a filosofia no período medieval. A separação entre sujeito e objeto do conhecimento tornou-se fundamental para toda a filosofia moderna. Para fundamentar o conhecimento, o filósofo deve rejeitar como falso tudo aquilo que possa ser posto em dúvida. A dúvida é, portanto, um momento necessário para a descoberta da substância pensante, da realidade do sujeito que pensa. Através da dúvida metódica, o filósofo chega à descoberta de sua própria existência enquanto substância pensante. A palavra cogito (penso) deriva da expressão latina cogito ergo sum (penso logo existo) e remete à auto-evidência do sujeito pensante . O cogito é a certeza que o sujeito pensante tem da sua existência enquanto tal.

27. Blaise Pascal (1623-1662)

Pascal entende que a razão tem limites. No mundo natural, a experiência também supera a razão, uma vez que revela segredos que esta não é capaz de expor. A razão não consegue definir os princípios derradeiros da própria razão. Embora exista o livre arbítrio, este é reflexo da ação divina, porque a liberdade de escolha é dada por Deus. Pascal separa o conhecimento científico e a fé. Pascal entende que a imaginação é uma das forças mais poderosas sobre o ser humano e, também, uma das principais fontes de equívoco. Matemático e físico de notável saber (chegou a inventar uma calculadora), Pascal também encontrou na religião atividade de grande impacto em sua vida, desde o Jansenismo ao Catolicismo. Sua principal obra se chama “Pensamentos”, na qual defende o Cristianismo e

discute a existência de Deus, defendendo os aspectos positivos que estão em torno da crença positiva. Pascal acredita na ideia de que a crença é uma questão de decisão (voluntarismo); não seria possível dar bons fundamentos racionais para as crenças religiosas, mas, seria necessário oferecer bons fundamentos racionais para se querer ter tais crenças. Apostando que Deus não existe, pode-se perder a salvação da alma ou ganhar a certeza de que se é finito na terra. Todavia, existindo Deus, a perda seria menor que o ganho. Dessa forma, Pascal defendia que o mais racional seria apostar na existência de Deus.

28. Espinosa (1632-1677)

Proveniente de uma família judia portuguesa, Espinosa nasceu na Holanda. Rompeu com a ortodoxia judaica, mas não se aproximou do Cristianismo. Autor de “Tratado teológico-político” (1670), destaca a problemática entre Estado e Religião, entendendo ter o Estado o poder e o dever de estabelecer a paz nas comunidades. Escreveu, ainda, “A ética demonstrada segundo o método geométrico” (1677), onde demonstra, através de teoremas, uma oposição à filosofia dominante, sobretudo em relação à teoria do sujeito voluntário, segundo a qual o homem busca tornar-se mestre e detentor da natureza. Contra essa vontade livre, Espinosa opõe uma necessidade única: todas as coisas são modos da substância única que é Deus. A inteligência pode chegar a um saber absoluto. A essência de Deus e das coisas é totalmente inteligível. Deus é a natureza concebida como totalidade. Dessa totalidade, o entendimento humano só pode conceber dois atributos: o pensamento e a extensão. Todo o conhecimento verdadeiro se realiza por uma dedução de tipo geométrico. A ideia não consiste na imagem, nem nas palavras, mas no exercício do intelecto que coincide

com seu objeto. O bem, o mal, o belo e o feio não constituem propriedades das coisas, mas modos de imaginar.

29. John Locke (1632-1704)

Grande nome da Filosofia empirista, John Locke se coloca contrário à ideia de inatismo, pois entende que a mente é uma espécie de “tabula rasa” (folha em branco). O conhecimento é fruto, para Locke, das experiências e da percepção sensorial; este pensamento está representado em sua grande obra, Ensaio sobre o Entendimento Humano (1690). Do ponto de vista político, o pensamento de John Locke está ligado ao chamado Contratualismo, isto é, o Estado Civil é fruto de um pacto entre o governante e os governados e a estes é garantido o direito natural (vida, liberdade e propriedade). Por seu pensamento liberal, Locke influenciou as grandes revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII (Gloriosa, Americana e Francesa). Locke escreveu o Primeiro Tratado sobre o Governo Civil, no qual critica a concepção de direito divino dos reis, e o Segundo Tratado sobre o Governo Civil, quando estabelece sua

concepção de direitos naturais e de contrato social. Locke defende a propriedade privada na sociedade civil. Apesar do pensamento de Locke estar diretamente ligados a ideias como democracia, liberdade e tolerância, havia restrições, sobretudo em relações a camadas socialmente menos favorecidas e escravos.

30. Leibniz (1646-1716)

Descobriu o cálculo infinitesimal em 1676, ao mesmo tempo em que Newton. Seu pensamento sofreu influências das “causas finais” de Aristóteles e “mecanicismo” de Descartes. Leibniz acreditava na onipotência da razão. Entendia que não existia um único caminho para o conhecimento. A Filosofia de Leibniz adota um sistema plural a partir de cadeias de razões (Mônada, Deus). A demonstração matemática permitiria determinar o possível, mas, impotente para provar o real, o que só seria possível pela experiência. Torna-se imprescindível um princípio superior: o da “razão suficiente”. Por mônadas, entende os elementos das coisas, os átomos da natureza. O universo, para Leibniz, é o conjunto das mônadas, diferentes umas das outras e se hierarquizando segundo seu maior ou menor grau de perfeição, numa série crescente cujo cume é Deus. A combinação das ideias que dá origem ao universo seria uma combinação entre uma infinidade de possíveis. Mas o possível não seria o real.

31. Berkeley (1685-1753) Seu grande princípio, o “imaterialismo” (concepção de idealismo, que nega a existência do mundo material, considerado independentemente de nossa percepção). O sentido da fórmula de Berkeley é: “Ser é ser percebido” (“Esse este percipi”). O ser das coisas consiste em ser percebido pelo sujeito pensante. Só a ideia é real: o ser tem por base a determinação do ser como ser percebido ou conhecido. Berkeley nega a existência da matéria, entendendo que ela é espiritualizada. Berkeley não chega ao solipsismo (“só existe o eu”) em seu pensamento, porque acredita na existência de Deus. Nossas percepções não resultam da ação da matéria sobre nossa alma, mas do ato de um outro distinto do meu. O mundo é o sistema de relações entre Deus e os espíritos humanos. Existe uma imanência integral de meu espírito em minhas sensações; e uma imanência integral de Deus em meu espírito. A natureza nada mais é que uma relação entre Deus e eu; quanto a mim, eu nada mais sou, pelo pensamento, senão participação do

pensamento divino. O pensamento de Berkeley se aproxima da doutrina de Plotino. É um idealismo, porquanto negue a matéria, mas é, acima de tudo, um espiritualismo, porque, em última análise, somente são reais os espíritos.

32. Voltaire (1694-1778) O escritor, poeta e filósofo francês (nascido em Paris) Voltaire, cujo nome real era François Marie Arouet, é conhecido sobretudo por ter sido o grande promotor da cosmologia newtoniana na França e por ter destruído a crença no poder da encantação sobre o mundo natural. Partidário da Aufklärung e do "Despotismo Esclarecido", combateu as "trevas" da ignorância e da superstição. Reconheceu explicitamente o único agente capaz de libertar o homem da mais cruel das superstições: "Nunca houve império mais universal do que o do Diabo", declarou. "E quem foi que o destronou?" Sua resposta se limitou a uma palavra: "a razão". Voltaire se colocou em situação oposta à intolerância da religião e favorável à liberdade de expressão, importantíssimo para a fundamentação do Liberalismo. Voltaire se revelou um crítico da censura e da Escolástica. Por suas propostas reformistas, terminou sendo exilado da França. Uma das frases mais famosas, atribuída a Voltaire, não é dele: “Posso não concordar com nenhuma palavra do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito em dizê-lo”; na verdade, essa frase foi cunhada pela biógrafa

Evelyn Beatrice Hall, em seu livro “Os amigos de Voltaire”

33. David Hume (1711-1776)

Sua filosofia é caracterizada como um fenomenismo que procede ao mesmo tempo do empirismo de Locke e do idealismo de Berkeley. Também pode ser apreciada por ser um ceticismo, na medida em que reduz os princípios racionais e ligações de ideias fortificadas pelo hábito e o eu a uma coleção de estados de consciência. Através de suas obras, David Hume busca destacar que não é possível nenhuma teoria geral da realidade: o homem não pode criar ideias, pois está inteiramente submetido aos sentidos; todos os nossos conhecimentos vêm dos sentidos. A ciência só consegue atingir certezas morais: suas verdades são da ordem da probabilidade. Não há causalidade objetiva, pois nem sempre as mesmas causas produzem os mesmos efeitos. Convém que substituamos toda certeza pela probabilidade. Eis seu ceticismo, a condição da tolerância e da coexistência pacífica entre os homens. Trata-se de um ceticismo teórico, não válido na vida prática. Entre suas principais obras, destacam-se: “Tratado da Natureza Humana” (1739-1740), “Ensaios: Morais, Políticos e Literários” (1741-1742) e “Investigação sobre o Entendimento Humano” (1748).

34. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)

A área de maior interesse de Rousseau foi a filosofia política, influenciado pelos pensadores franceses e, sobretudo, pelos ingleses Thomas Hobbes e John Locke, por conta da Teoria do Contrato Social destes, o que lhe valeu a sua principal obra, homônima. Pela visão do Contrato Social, há um contraponto entre a humanidade num “Estado natural” e num “Estado civil”, sendo que, para Rousseau, o surgimento da propriedade privada e da escravidão seriam as grandes mazelas que caracterizam a sociedade e a democracia deveria, pois, estar centrada no poder real e absoluto do povo. Diferente de Hobbes, Rousseau não acredita que o homem que o Estado de natureza não traduza um homem egoísta, selvagem e injusto; pelo contrário, este seria exatamente o perfil do homem no Estado civil, ao seu ver. Nasce aí o ideal do “bom selvagem”, que não significa exatamente “selvagem”, mas, “natural”, que no original – francês – se traduz por “sauvage”. A visão de Rousseau em torno da educação, através da obra “Emílio”, estabelecia que esta tinha um papel fundamental na superação do Estado de natureza para o Estado civil , na medida em que legitima a razão como elemento justificador das mudanças sociais. O Romantismo, entre os séculos XVIII e XIX, expressou a ideia de Rousseau acerca

do Estado de natureza (beleza, inocência e virtude).

35. Adam Smith (1723-1790) Pensador otimista, Adam Smith acreditava que a verdadeira fonte de riqueza reside no trabalho, sendo que a quantidade de trabalho necessária à produção de uma mercadoria determina seu valor de troca. Para ele, a busca do interesse individual concorre para a felicidade comum da sociedade, porque o sistema econômico não depende da boa vontade, mas das vantagens que todo indivíduo deve esperar de seu trabalho. Contrariamente aos fisiocratas, Smith afirmava que a divisão internacional do trabalho, a livre troca e a concorrência favorecem a produção. Acreditava em uma “mão invisível” que regularia o funcionamento do mercado econômico, fazendo com que a economia se auto-ajustasse. Teve grande influência em sua época, na prática econômica e política, bem como no desenvolvimento teórico do liberalismo através de pensadores como David Ricardo. Foi amigo de David Hume. Marx criticou duramente seu sistema econômico, sobretudo sua tese concernente ao “valor do trabalho”. Escreveu “Da riqueza das nações” (1776), pelo que é considerado o fundador da economia política liberal.

36. Immanuel Kant (1724-1804) O pensamento de Kant é dividido em duas fases: dogmática (1755-1781), dominada pela influência metafísica do pensamento racional de Leibniz e de Wolff, e crítica (1781 em diante), representada por sua obra principal: “A crítica da razão pura”, por influência dos empiristas ingleses, sobretudo David Hume (“Hume despertou-me de meu sono dogmático”). A Filosofia crítica de Kant se destaca por quatro grandes questionamentos: 1) O que podemos saber? 2) O que devemos fazer? 3) O que temos o direito de esperar? 4) O que é o homem? Kant investiga os limites do emprego da razão no conhecimento. São duas as fontes do conhecimento: o entendimento (os objetos são pensados) e a sensibilidade (os objetos são dados). Só pela conjugação desses dois fatores é possível a experiência do real. Só conhecemos realmente o mundo dos fenômenos, da experiência, dos objetos enquanto se relacionam a nós, sujeitos, e não a realidade em si, tal qual ela é, independentemente de qualquer relação de

conhecimento. O método transcendental que Kant então formula caracteriza-se precisamente como análise das condições de possibilidade do conhecimento, ou seja, como reflexão crítica sobre os fundamentos da ciência e da experiência em geral. “A crítica da razão aplicada” (1788) analisa os fundamentos da moral, formulando o famoso princípio do “imperativo categórico”. Em “A crítica do juízo” (1790), Kant procura estabelecer as bases objetivas para o juízo estético, em um princípio semelhante ao ético: “A beleza é a forma da finalidade em um objeto, percebida entretanto separadamente da representação de um fim”.

37. Edmund Burke (1729-1797) Defendia que os seres humanos enriquecem suas vidas por meio da ciência, da arte e da virtude e, embora seja uma parceria (contrato), a sociedade não se ocupa apenas de economia, ou daquilo que Burke chamou de “vulgar existência animal”. A sociedade personifica o bem comum (nosso acordo com relação a costumes, normas e valores), mas para Burke a “sociedade” significava mais do que pessoas vivendo o agora: ela também inclui nossos ancestrais e descendentes. Além disso, como toda constituição política, é parte do “grande contrato primevo da sociedade eterna”, o próprio Deus seria o fiador supremo da sociedade. A visão de Burke tem a doutrina do pecado original (a ideia de que nascemos pecadores) como seu núcleo. Ele demonstrou pouca simpatia por quem culpabiliza a sociedade pela própria conduta. Da mesma maneira, rejeitou a ideia proposta por John Locke de que podemos ser aperfeiçoados pela educação. A falibilidade do julgamento individual é a razão pela qual precisamos da tradição, para nos dar o sentido moral de que precisamos. Defendia a propriedade privada e era entusiasta do mercado livre.

38. Jeremy Bentham (1748-1832) Fundados do Utilitarismo, posteriormente aprimorado por John Stuart Mill, uma doutrina que, do ponto de vista moral, considera a utilidade como o mais importante critério para a atividade. Trata-se de uma teoria da felicidade avaliada a partir de uma economia política ou em termos de gestão da relação capital e vida. Autor de “Princípios de moral e de legislação” (1780), Bentham escreveu aí: “A natureza colocou o homem sob o império de dois mestres soberanos: o prazer e a dor. O princípio de utilidade reconhece essa sujeição e a supõe como fundamento do sistema que tem por objeto erigir, com a ajuda da razão e da lei, o edifício da felicidade”. O importante é que o homem procure calcular como obter o máximo de felicidade com um mínimo de sofrimento. Em outra obra, intitulada “O panóptico” (1786), Bentham elabora todo um plano de organização arquitetural das prisões a fim de submeter os prisioneiros a uma vigilância permanente e poder reinseri-los no sistema produtivo. Pretendia estender esse plano a todas as instituições de educação e de trabalho.

39. Mary Wollstonecraft (1759-1797)

Na maior parte da história registrada, as mulheres têm sido consideradas subordinadas aos homens. Durante o séc. XVIII, no entanto, a justiça dessa disposição começou a ser questionada abertamente. Entre as vozes discordantes mais proeminentes, estava a da radical inglesa Mary Wollstonecraft. Muitos pensadores anteriores tinham mencionado as diferenças físicas entre os sexos para justificar a desigualdade social entre mulheres e homens. No entanto, à luz de novas ideias formuladas no séc. XVII, como a visão de John Locke, de que quase todo conhecimento era adquirido por meio da experiência e da educação, a validade de tal raciocínio entrou em xeque. Wollstonecraft argumentou que, se ao homem e às mulheres é dada a mesma educação, ambos vão adquirir o mesmo caráter virtuoso e a mesma abordagem racional à vida, porque têm fundamentalmente cérebros e mentes similares. Sua obra “Uma defesa dos direitos da mulher” (1792), foi uma espécie de resposta a Jean-Jacques Rousseau, que, em sua obra “Emílio”

(1762), recomendava que meninas fossem educadas de maneira diferente e que aprendessem a ter deferência em relação aos meninos. A exigência de Wollstonecraft de que as mulheres fossem tratadas como cidadãs iguais aos homens – com iguais direitos legais, sociais e políticos – ainda era desdenhada no final do séc. XVIII, mas semeou os movimentos sufragistas e feministas que floresceriam nos séculos XIX e XX.

40. Johan Gottlieb Fichte (1762-1814)

Profundamente influenciado pelo pensamento de Immanuel Kant, Fichte configura um dos mais importantes nomes do “Idealismo alemão pós-kantiano”. O ponto de partida de seu pensamento está nos problemas kantianos de fundamentação da experiência e da relação entre a necessidade causal do mundo natural e a liberdade no mundo moral. Posteriormente, desenvolveu uma filosofia que prenunciava o idealismo absoluto de Hegel, formulando uma noção de “ego” como um ser ativo e autônomo em um sistema determinado pela Natureza. O “ego” resulta, assim, de um ato de autoafirmação da consciência originária, constituindo o mundo objetivo – o “não-ego” – a partir das aparências. Seu idealismo, nesse sentido, dissocia-se da filosofia de Kant, sobretudo por abandonar a distinção kantiana entre objeto e coisa-em-si. Sua ética humanista e seu idealismo prático antecipam certas ideias do existencialismo, como o fazer-se do homem por si mesmo. Escreveu “Discursos à nação alemã” (1807) e “Doutrina da ciência” (1810).

41. Friedrich Schlegel (1772-1829) Recebe normalmente o crédito de introdutor do uso de aforismos (afirmações curtas, ambíguas) na filosofia moderna posterior. Em 1798, percebeu que havia pouco filosofar sobre a filosofia (metafilosofia), sugerindo que devemos questionar tanto a maneira como a filosofia ocidental funciona, quanto sua suposição de que um tipo linear de argumento é a melhor abordagem. Schlegel discordava das abordagens de Aristóteles e de Descartes, dizendo que se equivocaram em supor que existam “primeiros princípios” sólidos como pontos de partida. Ele também considerou que não é possível alcançar quaisquer respostas definitivas, porque toda conclusão de um argumento pode ser aperfeiçoada infinitamente. Descrevendo sua própria abordagem, Schlegel dizia que a filosofia deve sempre “começar no meio...é um todo, e o caminho para reconhecer isso não é uma linha, mas um círculo”. A visão holística de Schlegel – a filosofia como um todo – se encaixa no contexto mais amplo de suas teorias românticas sobre arte e vida. Estas valorizavam a emoção humana individual acima da razão, em contraste com grande do pensamento iluminista. Embora sua crítica à

filosofia mais antiga não estivesse necessariamente correta, seu contemporâneo Hegel assumiu a causa da reflexividade – nome dado à aplicação de métodos filosóficos à própria disciplina da Filosofia.

42. George Hegel (1770-1831) Mais importante filósofo do idealismo alemão pós-kantiano, seu pensamento é uma ruptura com a filosofia transcendental de Kant. Partindo de uma reflexão sobre os grandes eventos históricos, Hegel considerava que a análise da consciência, realizada na perspectiva transcendental, ignorava a origem e o processo de formação dessa consciência, tornando-a como dada e analisando-a em abstrato. A filosofia de Hegel, assim, parte da necessidade de examinar, em primeiro lugar, as etapas da formação da consciência, tanto em seu sentido subjetivo, no indivíduo, quanto em seu sentido histórico, ou cultural, representado pelo desenvolvimento do espírito (Geist). “A fenomenologia do espírito” (1807) é a obra que inaugura esse pensamento, que será desenvolvido de forma sistemática em obras subsequentes, bem como em cursos e conferências. Hegel traça aí o percurso da consciência humana até chegar ao espírito absoluto, ou ainda, as etapas do caminho que o espírito percorre através da consciência humana até chegar a si mesmo. A filosofia de Hegel é dialética, porém,

esta não deve ser vista aí como um método, mas como uma concepção do real mesmo, a contradição constituindo a essência das próprias coisas (“todas as coisas são contraditórias em si”). Os grandes sistemas filosóficos não devem ser visto como um conflito em si, mas como antecipando uma parcela da verdade sobre o real.

43. Arthur Schopenhauer (1788-1860)

Não foi exatamente um filósofo romântico, todavia, um crítico do racionalismo iluminista. A obra de Schopenhauer apresenta um formato extremamente pessoal e não está preso a nenhum movimento ou escola filosófica. Opunha-se ao pensamento de Hegel e de Fichte. Manteve-se na linha do Idealismo Transcendental e de sua herança kantiana. Segundo essa visão, o mundo empírico existe para a subjetividade apenas como representação (Vorstellung). A representação é um estado subjetivo que resulta da contribuição das formas da sensibilidade, espaço e tempo e do entendimento, com a causalidade, o que possui ecos claramente kantianos. O real, enquanto coisa-em-si, é, portanto, impenetrável a nosso conhecimento, que atinge apenas as representações. Foi um dos primeiros pensadores ocidentais modernos a valorizar o pensamento oriental, vendo no hinduísmo e em sua concepção da realidade empírica como ilusória. Schopenhauer é um “filósofo da vontade”,

considerada como a própria essência da subjetividade, do “eu”.

44. Ludwig Andreas Feuerbach (1804-1872) Feuerbach é conhecido como um dos membros da chamada “esquerda hegeliana”. Todavia, chegou a romper com o pensamento de Hegel, em 1837, pois não reconhecia no movimento da história a “razão” que Hegel nele colocava. Criticou sua filosofia, procurando seu verdadeiro conteúdo. Hegel havia colocado no cume de todo o processo dialético a ideia absoluta. Feuerbach interpretou essa ideia de forma teológica e, na sequência, condena-a, colocando o homem no lugar de Deus (ideia). Em “A essência do Cristianismo” e em “A essência da religião” (1841), tenta demonstrar que a religião é uma verdadeira alienação humana, marcada pela adoração de ídolos em que os homens projetam suas esperanças, em vez de eles mesmos lutarem por sua realização. Está na origem do chamado “humanismo ateu radical”: o homem criou os deuses a sua imagem e semelhança, transferindo para o Céu o ideal de justiça que não consegue realizar na terra. Esse pensamento exerceu

grande influência sobre Marx.

45. John Stuart Mill (1806-1873) Considerado um dos primeiros a elaborar as chamadas leis da prova ou da pesquisa científica: expôs as quatro regras fundamentais do método experimental, já anunciadas por Francis Bacon (concordância, diferença, resíduos e variações concomitantes). Retomou de Bentham o princípio segundo o qual o interesse e o prazer constituem as molas da conduta humana, para elaborar uma “moral utilitarista”: do ponto de vista da moral, a utilidade é o principal critério da atividade humana; não há em nós uma consciência moral capaz de designar o bem e portadora de princípios de ação; o bem e o mal são uma questão de experiência; a reflexão moral se funda no fato de que os homens são seres sociais; os sentimentos morais fundamentais são a simpatia e a fraternidade. A filosofia de Mill é menos cética do que a de Hume (todo o conhecimento bem da experiência e dos sentidos e nada é certo) e menos dogmática do que a de Bentham (tudo seria julgado por sua utilidade), mas o empirismo e o utilitarismo de ambos instruiu seu pensamento. A filosofia moral e política de Mill morava a reforma em vez da revolução, e formou a base do liberalismo vitoriano britânico.

46. Soren Kierkegaard (1813-1855) Primeiro filósofo existencialista, seguia o pensamento religioso de Blaise Pascal. Pensamento marcado pelo subjetivismo, pela ênfase na experiência pessoal, o que dava de fato autenticidade à filosofia, e pelo sentimento do trágico. Adota um estilo marcado pela polêmica, ironia e poesia em seus estudos sobre os mais profundos sentimentos humanos: amor, medo, angústia, entre outros. A questão central do pensamento de Kierkegaard é a irracionalidade de nossa experiência do real, na impossibilidade de escolhermos racionalmente, ou de justificarmos nossas ações do ponto de vista ético. É necessário que possamos dar um “salto no escuro” – fé. Nossa angústia advém do reconhecimento da finitude e da morte, bem como do “silêncio de Deus”, da impossibilidade de sabermos se nos salvaremos. A Filosofia de Kierkegaard não é sistemática nem tem pretensões teóricas ou doutrinárias (diferente de Fichte e Schelling) e nem dá valor central à estética (diferente dos românticos). Seu questionamento da

razão, seu estilo poético e ensaístico, sua valorização da experiência religiosa fazem dele um dos pensadores mais representativos de sua época.

47. Karl Marx (1818-1883) As obras de Marx sofreram grande difusão após a morte do filósofo, no final do séc. XIX, sobretudo entre os movimentos operários. Assim como Kant, Hegel e Nietzsche, ocupa lugar de notável relevo na Filosofia Alemã, considerado um dos maiores pensadores de todos os tempos. A Filosofia para Marx tem que se assentar na realidade, diante que o filósofo vincula o pensamento à prática (práxis: teoria e prática). Crítico radical do Capitalismo, Marx desenvolve uma visão materialista e dialética da História. A humanidade surge a partir do trabalho e das relações sociais de produção. Sobre o pensamento de Marx, existe uma profunda influência da Dialética de Hegel, do Materialismo de Feurbach, além do Socialismo Utópico e da Economia clássica britânica. Marx enxerga a sociedade dividida em classes sociais antagônicas: burguesia e proletariado, regidos por um Estado que beneficia a primeira em detrimento dos trabalhadores Marx via o desenvolvimento histórico das formas de produção e

reprodução social, partindo do concreto para o abstrato e do abstrato para o concreto. Marx via a religião como uma forma de manipulação da sociedade (“ópio do povo”). Uma revolução proletária seria responsável por um novo regime sem classes (comunismo), levando antes a uma transição (socialismo). Entendia que os patrões acumulavam mais recursos do que seus próprios lucros (mais-valia). Entre as formas de dominação da elite capitalista, estaria a “ideologia”. Marx chama de “alienação” a incapacidade do trabalhador se perceber na obra que produz.

48. Henry David Thoreau (1817-1862)

Thoreau foi um poeta, historiador e filósofo norte-americano cujo pensamento e ação política estavam voltados para a defesa do meio ambiente e contra o pagamento de impostos, sobretudo quando voltados para o financiamento da guerra. Thoreau também se revelou um ardente opositor da escravidão. Por sua postura contrária ao pagamento de impostos, foi preso certo dia, quando ia ao sapateiro em sua cidade. Aos 27 anos, resolveu viver numa floresta, contrário à política de impostos, aos questionáveis avanços da tecnologia de uma sociedade consumista e aos abusos de poder das autoridades norte-americanas. O pensamento de Thoreau sofreu influências de Jean-Jacques Rousseu e o aproximava da ideologia anarquista. É autor dos clássicos Walden e Desobediência Civil. As ideias de Thoreau exerceram influência sobre personagens como León Tolstói, Mahatma Gandhi e Martin Luther King Jr.

49. Charles Sanders Peirce (1839-1914) Criador do Pragmatismo, sua produção teórico é muito dispersa, ocorrendo essencialmente à margem de sua atividade acadêmica. Peirce concebe o Pragmatismo como um método para estabelecer o significado dos conceitos a partir dos efeitos práticos de seu uso concreto. Desenvolveu, nessa linha, uma “teoria consensual da verdade”, que seria o acordo a que chegariam os cientistas – ele era físico e químico – após o exame de suas hipóteses. Contribuiu decisivamente para o desenvolvimento da lógica matemática contemporânea e para a discussão da importância da pró-habilidade e do método indutivo na ciência. É também de grande importância sua “Teoria dos signos”, que propõe distinções entre ícones, signos que guardam uma semelhança com o objeto representado; índices, que indicam o objeto representando; e símbolos, que são convencionais e supõem uma regra de uso para sua aplicação. Essa teoria constituiu uma das bases para a semiótica contemporânea.

50. William James (1842-1910) Um dos fundadores do pragmatismo (“a verdade é aquilo que tem êxito praticamente e traz o novo ao mundo”). Entende que a consciência é uma função biológica, uma ação sobre e no real, adaptação ativa a um meio que a influencia, mas que também modela. James encontra-se na origem do “funcionalismo” que será adotado por Dewey e outros da “Escola de Chicago”. Seu pragmatismo deriva, na ordem da ação, do utilitarismo de John Stuart Mill. O espírito que o domina sustenta que se deve dar maior importância à prática do que a teoria, o critério da verdade devendo ser procurado na ação. Porque a verdade é uma ideia que tem êxito, o verdadeiro é aquilo que se verifica e que é útil. O mesmo ocorre na ordem moral: o justo consiste naquilo que é vantajoso para nossa conduta. O conhecimento deve ser prospectivo, voltado para o futuro. Por isso, a verdade é concebida como um “programa”, seu valor sendo medido por sua eficácia. James fala do valor monetário de nossas ideias.

51. Friedrich Nietzsche (1844-1900)

Nietzsche iniciou sua obra através de uma reflexão sobre a cultura grega e sua influência no desenvolvimento do pensamento ocidental. Identificou aí dois elementos fundamentais: o espírito apolíneo, representado pela ordem, a harmonia e a razão; e o espírito dionisíaco, representando o sentimento, a ação, a emoção; em nossa tradição cultural, o espírito apolíneo teria triunfado, sufocando tudo o que é, segundo Nietzsche, “afirmativo da vida”. Sua filosofia possui um caráter assistemático e fragmentário, correspondendo à sua maneira de conceber a própria atividade filosófica: seu pensamento desenvolveu-se em um sentido mais poético e crítico, do que teórico e doutrinário. Formula uma crítica profundamente cáustica e radical aos valores tradicionais da cultura ocidental, que considera decadentes, ao conservadorismo e à visão de mundo burguesa, ao Cristianismo, enfim, a toda uma forma de vida que considera contrária à criatividade e à espontaneidade da natureza humana. A tarefa da filosofia deveria ser assim a de liberar o homem dessa tradição,

anunciando uma nova era, uma nova forma de pensar e agir, através da “transmutação de todos os valores”. Nietzsche enfatiza o apelo aos mitos primitivos dos povos, ao heroísmo e à vontade humana, bem como às manifestações artísticas que expressam esses valores. Sua exaltação inicial da música de Wagner, com quem se envolveu posteriormente em polêmica, e dos mitos originários do povo alemão permitiu que a ideologia nazista, mais tarde, tentasse se apropriar de seu pensamento.

52. Ferdinand de Saussure (1857-1913) A linguagem é formada por sistemas de signos, isto é, por unidades básicas da linguagem. Aquilo que Saussure estudou deu origem à chamada “semiótica”. Para Saussure, o signo é formado por dois elementos principais: o significante e o significado. O significante é uma espécie de imagem acústica, a imagem mental que conseguimos formar a partir do som. O significado, por sua vez, é o conceito. Tanto o significante, quanto o significado, são aspectos mentais de um signo. Para Saussure, devemos rejeitar a ultrapassada tradição que explora a linguagem como pura relação entre palavras e coisas. Qualquer mensagem é um verdadeiro sistema de relações entre imagens acústicas e conceitos. Essas relações são arbitrárias. A depende do idioma que usamos, a expressão “canino” não traz exatamente nada de particular com o som “cão”, podendo se expressar em francês (chien) ou chinês (gou) com outras palavras. Aquilo que Saussure escreveu sobre linguagem se tornou o fundamento da linguística moderna e exerceu profunda influência sobre filósofos e teóricos literários.

53. Edmund Husserl (1859-1938) Sua filosofia desenvolveu-se inicialmente como uma reação contra o psicologismo e o naturalismo, então largamente dominantes nos meios acadêmicos alemães. Conservou a influência de Brentano a retomada do conceito aristotélico de intencionalidade, entendido aqui como a direção da consciência ao objeto, ao real, que é definidora da própria consciência e que será um dos conceitos-chave de sua teoria fenomenológica. Sua obra “Ideias para uma fenomenologia pura e uma filosofia fenomenológica” (1913) propõe a fenomenologia como uma investigação sistemática da consciência e de seus objetos. Segundo Husserl, os objetos se definem precisamente como correlatos dos estados mentais, não havendo distinção possível entre aquilo que é percebido e nossa percepção. A experiência inclui, entretanto, não só a percepção sensorial, mas todo objeto do pensamento. A filosofia de Husserl é, assim, uma forma de idealismo transcendental, fortemente influenciada por Kant, uma tentativa de descrição

fenomenológica da subjetividade transcendental, dos modos de operar da consciência.

54. Henri Bergson (1859-1941)

Escreveu “A evolução criadora” (1910), através da qual explora o “vitalismo”, ou teoria da vida. Bergson queria descobrir se realmente é possível conhecer algo – não apenas conhecer sobre esse algo, mas, como ele realmente é. Segundo Kant (A crítica da razão pura, 1781), seria impossível conhecer as coisas como realmente são. Ao contrário, Bergson dizia que existem dois tipos diferentes de conhecimento: o relativo (a partir de nossa perspectiva única e particular) e o absoluto (conhecer as coisas como elas realmente são). Os dois tipos de conhecimento seriam alcançados por vias diferentes: o primeiro pela análise ou pelo intelecto; o segundo, pela intuição. Kant não teria dado, para Bergson, importância à intuição, que nos permite apreender a singularidade de um objeto por conexão direta. Nossa intuição liga-se ao que Bergson chama de “élan vital” (força vital), “Vitalismo”, que interpreta o fluxo da experiência em termos de tempo, em vez de espaço.

55. John Dewey (1859-1952)

Desenvolveu o pragmatismo, aplicando essa doutrina à lógica e ética, defendendo o instrumentalismo ou o experimentalismo em teoria da ciência. Tornou-se célebre por ter fundado a chamada “escola ativa”. Sua obra é vasta: Escola e sociedade (1889), A criança e o currículo (1902), Como nós pensamos (1910), Democracia e educação (1916), Experiência e educação (1938) Ensaios de lógica experimental (1916). Criticou severamente o sistema tradicional de ensino centrado no mestre, esse monarca da classe. Formulou uma concepção pedagógica segundo a qual a educação deve ser “uma preparação para a vida adulta”, seus fins não devendo ser autoritariamente fixados do exterior nem tampouco estáticos. A preocupação central de toda a construção pedagógica deve ser a experiência, porque toda a pedagogia precisa organizar-se em torno desse fenômeno atual e vivo, que é o problema prático que se põe a criança, seguido do debate no qual ela se engaja para resolvê-lo. A didática se resume no famoso método “do problema”, que se resolve em cinco fases: a) a criança traz um problema (um objeto, uma preocupação, etc.,

relacionados com sua vida); b) definição em comum do problema; c) inspeção dos dados disponíveis; d) formação de uma hipótese de trabalho; e) comprovação da experiência (da validade das informações, dos meios e dos raciocínios).

56. George Santayana (1863-1952) No seu livro “A vida da razão” (1905), o pensador hispano-americano escreveu que aqueles que não conseguirem lembrar o passado estarão condenados a repeti-lo. Sua abordagem naturalística apontava que o conhecimento e a crença não surgem da razão, mas da interação entre a mente e o ambiente material. Por muitas vezes, é citada, de maneira equivocada, como tendo dito que aqueles que não recordam do passado estão condenados a repeti-lo – o que gera a interpretação de que devemos fazer nosso melhor para lembrar as atrocidades do passado. Na verdade, ele enfatizava o progresso. Para que o progresso seja possível, devemos não apenas lembrar experiências passadas, mas, também, sermos capazes de aprender com elas, vendo diferentes maneiras de ver as coisas. A psique estrutura as novas crenças por meio de experiências e é assim que evitamos a repetição dos erros. O progresso real é menos uma questão de revolução, do que de adaptação; de usar o que aprendemos com o passado para construir o futuro. A civilização é cumulativa, sempre se fundamentando a partir do que aconteceu antes, da mesma forma que uma sinfonia se desenvolve nota

por nota até formar um todo.

57. William du Bois (1868-1963)

“Sempre os seres humanos irão viver e progredir para uma vida maior, mais ampla e mais completa”. Com este pensamento, Du Bois acredita que devemos apostar na possibilidade de uma vida em progresso, pelo que expressa a influência do pragmatismo americano, que defende que o que importa não são apenas nossos pensamentos e crenças, mas também as implicações práticas deles. Du Bois disse ainda que a “única morte possível” é perder a crença na perspectiva do progresso humano. Há também aqui alusões a raízes filosóficas mais profundas, voltadas para a antiga ideia de “eudaimonia” ou “florescimento humano”. Du Bois considerava o racismo e a desigualdade social dois dos principais obstáculos a uma vida de excelência. Considerava que a desigualdade social era um dos principais fatores da criminalidade, afirmando que a carência de educação e de emprego está relacionada com os altos níveis de atividade criminal. Em sua mensagem, Du Bois lembrou-nos que a tarefa de alcançar uma sociedade mais justa está incompleta. Às gerações futuras caberia

acreditar na vida, a fim de que possamos contribuir para a concretização do “florescimento humano”.

58. Bertrand Russel (1872-1970)

Seu pensamento representa inicialmente uma reação tanto ao idealismo de inspiração hegeliana, quanto ao empirismo derivado da filosofia de J. Stuart Mill. Russel propõe uma filosofia fortemente realista, sobretudo no domínio da matemática, supondo a necessidade da existência autônoma de objetos abstratos como números e relações matemáticas. Suas obras principais desse período são: “Exposição crítica da filosofia de Leibniz” (1900) e “Os princípios da matemática” (1903). Em seguida, vem a fase de logicismo, em que ele, juntamente com Whitehead, procura elaborar uma teoria em que a matemática é representada como um desenvolvimento da lógica, no monumental Principia Mathematica (1910-1913). É de grande importância também a contribuição de Russel à filosofia da linguagem, tendo inclusive influenciado bastante a primeira fase do pensamento de Whitehead. Defendeu em sua filosofia do atomismo lógico (1918-1919) uma visão segundo a qual é necessário proceder-se a uma análise da linguagem que, revelando sua verdadeira estrutura lógica, subjacente à sua forma gramatical aparente, mostre a relação dessa estrutura como o real, com a estrutura

dos fatos no mundo. Todas as sentenças complexas poderiam assim ser reduzidas, por análise, a sentenças atômicas que representariam de forma mais imediata o conteúdo de nossa experiência.

59. Max Scheler (1874 – 1928)

Conhecido sobretudo por ter adaptado o método fenomenológico de E. Husserl para aplicá-lo a questões de ética, teoria dos valores, filosofia social e da cultura e antropologia filosófica. Seu pensamento exerceu grande influência nessa área da filosofia na Alemanha e na Europa em geral. Na fase inicial de sua obra, foi um pensador católico, aproximando-se do personalismo. Sua concepção de ética opõe-se sobretudo ao formalismo da ética kantiana, que considera dever ser superado por uma apreensão vivida dos valores éticos, e também estéticos, inspirada na fenomenologia. Scheler entende que a fenomenologia tende a se concentrar no intelecto, quando investiga as estruturas da consciência, deixando longe aquilo que é fundamental: a experiência do amor ou do coração humano. “A filosofia é um movimento determinado pelo amor rumo à participação na realidade essencial de todas as possibilidades”, escreveu Scheler. Suas principais obras são: Sobre a

relação entre os princípios lógicos e os princípios morais (1899), O formalismo na ética (1913-1916), Sobre o eterno no homem (1921), A situação do homem no mundo (1928).

60. Karl Jaspers (1883 – 1969) A filosofia é uma luta pessoal. Fortemente influenciado pelas ideias de Kierkegaard e Nietzsche, Jaspers é um existencialista que sugere que a Filosofia é uma questão de nossas próprias tentativas para compreender a verdade. Já que a Filosofia é uma luta individual, podemos filosofar apenas enquanto indivíduos. Não podemos depender de ninguém que nos diga a verdade: devemos descobri-las por meio de nosso próprio esforço. Embora, nesse sentido, a verdade seja algo que compreendemos sozinhos, é na comunicação com os outros que compreendemos os frutos do nosso esforço e elevamos a consciência para além de seus limites. Ele considerou sua própria filosofia “verdadeira” apenas na medida em que ela auxilia na comunicação com os outros. E embora as outras pessoas não possam nos dar qualquer forma de “verdade pronta”, a Filosofia permanece um esforço coletivo. Para Jaspers, cada busca individual pela verdade é realizada em comunidade com todos os “companheiros de pensamento” que passaram pela mesma luta pessoal.

61. Jose Ortega y Gasset (1883 – 1955) Sofreu influência do neokantismo, bem como do pensamento alemão do final do século XIX, de modo geral, em suas várias correntes. Preocupado com a análise e a interpretação da cultura de sua época, sobretudo na Espanha, onde teve importante atuação política, acadêmica e cultural, tendo fundado e dirigido a “Revista de Occidente”. Sua doutrina mais conhecida é a do “perspectivismo”, que sustenta, em teoria do conhecimento, que o mundo pode ser interpretado de diferentes maneiras, por esquemas conceituais alternativos que podem ser todos verdadeiros. Em consequência, a realidade reduz-se, em última análise, à vida do indivíduo, o que pode ser exemplificado por sua famosa frase: “Eu sou: eu e minha circunstância.” As principais obras de Ortega, que tiveram grande importância no desenvolvimento do pensamento contemporâneo, são: “España invertebrada” (1923), “El tema de nuestro tiempo” (1923), “La rebelión de las masas” (1930). Todo o pensamento de Ortega y Gasset gira em torno da noção de “razão vital”, porque todo conhecimento, mesmo sendo racional, encontra-se enraizado na vida, e toda razão é razão vital. A vida se apoia nas crenças. Por isso, viver na crença constitui o mais fundamental segmento de

nossa existência.

62. Ludwig Wittgenstein (1889 – 1951) Um dos fundadores da filosofia analítica. Seu pensamento é tradicionalmente dividido em duas fases. A primeira corresponde ao Tractatus logico-philosophicus (1921) e se insere na tradição da análise lógica da linguagem iniciada por Frege e Russel e desenvolvida pelo “Círculo de Viena”, o qual sofreu sua influência. Segundo sua visão, a preocupação centrada filosofia deve ser a análise da linguagem, de seu alcance e de seus limites. A linguagem é vista nessa primeira obra como tendo uma estrutura lógica que reflete a estrutura lógica do real (“teoria pictórica do significado”), sendo a tarefa do filósofo estabelecer as condições dessa relação, determinando assim a possibilidade do significado. Embora continuando a considerar a tarefa da filosofia como análise da linguagem através da qual podemos entender melhor nossa forma de ver a realidade de nossa experiência, e não como construção de teorias ou de sistemas, Wittgenstein altera radicalmente sua concepção de linguagem. A noção central dessa segunda fase de seu pensamento, comumente conhecida como “o segundo Wittgenstein” (jogo de linguagem, de uma multiplicidade de usos que

fazemos de palavras e expressões, sem que haja nenhuma essência definidora da linguagem enquanto tal). A análise da linguagem passa a ser vista agora como consideração desses usos, das formas de vida a quem pertencem, dos contextos de comunicação em que se inserem. O processo de elucidação deve ser realizado levando-se em conta esses elementos.

63. Martin Heidegger (1889 – 1976) A obra mais importante de Heidegger, que, no entanto, permanece inacabada, é “Ser e tempo” (1927), na qual se afasta da fenomenologia de seu mestre Husserl e inicia seu caminho de reflexão sobre o sentido mais profundo da existência humana bem como sobre as origens da metafísica e o significado de sua influência na formação do pensamento ocidental. Procura assim recuperar a importância fundamental da questão do ser, que na tradição do pensamento moderno dera lugar à problemática do conhecimento e da ciência. É necessário para Heidegger realizar uma destruição da ontologia tradicional para recuperar o sentido original do ser. Propõe assim toda uma nova terminologia filosófica que possa dar conta desse sentido. A existência só pode ser compreendida a partir da análise do “Dasein” (o ser-aí), do ser humano aberto à compreensão do ser. Heidegger retoma, em seguida, a questão clássica da tradição filosófica o problema da verdade – examinando-a em relação aos conceitos de ser e conhecer, para estabelecer sua gênese e seu sentido. Para Heidegger, a filosofia é uma exploração contínua: “o permanente em um pensamento é o caminho”.

A partir da década de 1930, dá-se a famosa “virada” (Kehre) em seu pensamento. Busca então nos fragmentos dos pré-socráticos as fontes da filosofia e uma forma mais direta e originária de apreensão do ser, de sua presença, de sua manifestação, anterior à constituição da noção metafísica de verdade, que, segundo ele, nasceu com Platão.

64. Rudolf Carnap (1891 – 1970) Um dos mais importantes filósofos do Positivismo Lógico. Em sua obra mais importante, “A estrutura lógica do mundo” (1928), procura construir um sistema que mostre a relação entre os teoremas gerais da física e os dados observacionais da experiência. Mais tarde, modifica de certo modo essa concepção, mantendo no entanto que a experiência deve sempre confirmar as teorias científicas, através da aplicação da teoria da probabilidade. Defende esse ponto de vista em sua obra “Os fundamentos lógicos da probabilidade” (1950). Seguindo o pensamento de Frege e Russell, escreveu “A sintaxe lógica da linguagem” (1934), em que considera fundamental, para o desenvolvimento da ciência, a construção de uma lógica rigorosa da linguagem. Essa concepção influenciará fortemente uma filosofia da ciência formulada em bases analíticas, sobretudo nos Estados Unidos. Carnap revelou rejeição pela metafísica através do emprego da dicotomia entre juízos analíticos e sintéticos e do princípio da verificação. A metafísica seria algo inútil e sem sentido para Carnap. Escreveu ainda “Conceituação fisicalista” (1926) e “O problema da lógica da ciência” (1934).

65. Walter Benjamin (1892 – 1940) Benjamin foi filiado à escola de Frankfurt, grupo de teóricos sociais neomarxistas que exploram a importância da cultura de massa e da comunicação. Benjamin era também fascinado pelas técnicas do cinema e da literatura e seu ensaio “Rua de mão única” (1926), é um experimento de construção literária. Aqui ele reúne um conjunto de observações – intelectuais e empíricas – que aparentemente lhe ocorrem enquanto caminha por uma rua imaginária. No ensaio, Benjamin não iniciou uma grande teoria. Em vez disso, ele quis nos surpreender com ideias, da mesma maneira que podemos ser surpreendidos por algo que atrai nossa atenção durante uma caminhada. Perto do final do ensaio, ele afirmou que as "citações em meu trabalho são como salteadores no caminho que irrompem armados e roubam ao passeante a convicção". A ideia de que o único meio de conhecer o ser humano é amá-lo sem esperança, aparece na

metade do ensaio, sob o tópico "Lâmpada de arco". Sob o brilho da luz, Benjamin para e pensa isso e nada mais – e o ensaio prossegue imediatamente para uma nova seção. Somos forçados a imaginar o que ele quis dizer. Que o conhecimento surge por amor? Ou que é apenas quando cessamos de aguardar algum resultado que podemos ver claramente o amado? Não podemos saber. Tudo que nos resta é caminhar pela rua ao lado de Benjamin, sentindo o brilho da luz desses pensamentos passageiros.

66. Herbert Marcuse (1898 – 1979) “Aquilo que é não pode ser verdade”. Á primeira vista, nada parece mais irracional do que essa afirmação de Marcuse. Essa alegação busca subverter a tese de Hegel de que o que é racional é real e o que é real é racional. Marcuse acreditava que essa era uma ideia perigosa, pois nos leva a pensar que coisas reais – como o sistema político existente – são necessariamente racionais. Marcuse nos lembrou que aquelas coisas que aceitamos como racionais põem ser muito mais irracionais do que gostaríamos de admitir. Marcuse estava incomodado com as sociedades capitalistas e com o que ele chamou de “terrível harmonia da liberdade e opressão, produtividade e destruição, crescimento e regressão”. Supomos que as sociedades estão baseadas na razão e na justiça, mas, quando olhamos mais atentamente, descobrimos que elas não são nem justas nem racionais. Marcuse não desprezou a razão, mas tentou mostrar que ela é subversiva e que podemos usá-la para pôr em dúvida a sociedade em que vivemos, sobretudo a chamada sociedade de consumo, que condiciona o homem a uma única dimensão (homem unidimensional) e o submete à tecnologia.

67. Hans-Georg Gadamer (1900 – 2002)

Principal representante da corrente hermenêutica em seu país, Gadamer foi aluno de Heidegger e sucedeu a Karl Jaspers na cadeira de Filosofia da Universidade de Heidelberg (1949). Seu pensamento, marcado pelas influências de Dilthey, de Heidegger e da tradição hermenêutica alemã, desenvolveu-se como uma tentativa de interpretação do ser histórico, através de sua manifestação na linguagem, forma básica da experiência humana. Preocupado em valorizar o elemento estético na experiência humana, bem como a força formativa da tradição e dos “preconceitos”, Gadamer é considerado por muitos como um neorromântico e tradicionalista. Tornou-se famosa sua polêmica com Habermas sobre as condições de possiblidade de uma filosofia crítica em relação ao papel de tradição no pensamento. Sua obra principal é Verdade e método (1960). Escreveu ainda numerosos estudos sobre a Filosofia grega e a Dialética, dentre os quais: A ética dialética de Platão (1928), A dialética de Hegel (1971), A ideia de bem entre Platão e Aristóteles (1978), A arte de compreender, hermenêutica e tradição filosófica (1982).

68. Karl Popper (1902 – 1994) Principal herdeiro do Positivismo Lógico, embora numa perspectiva bastante crítica. Foi um dos mais importantes filósofos da ciência do séc. XX. Buscou escapar dos impasses gerados pela adoção do princípio da verificação e pela exigência do estabelecimento conclusivo da verdade das proposições fundamentais. Através de suas obras, estabeleceu o princípio da falseabilidade. De acordo com o assim chamado Racionalismo Crítico, Popper entende que uma teoria científica só é válida na medida em que suas proposições podem ser empiricamente falsificáveis através de experimentos, testes, observações, etc., o que permite que se autocorrijam e se desenvolvam em direção a um ideal de verdade objetiva, no entanto jamais atingido de modo conclusivo, evitando o seu fechamento em posições dogmáticas. A ciência não deve visar à formulação de teses irrefutáveis, já que não há critério de verdade definitiva, mas sim adotar hipóteses falsificáveis. Escreveu: A Lógica do descobrimento científico (1934), Conjecturas e refutações (1963) e Conhecimento objetivo (1972).

69. Theodor Adorno (1903 – 1969)

A ideia do louco sagrado tem longa tradição no Ocidente, remontando à Espístola de São Paulo aos Coríntios, na qual ele convida seus seguidores a serem “loucos por amor a Cristo”. Durante toda a Idade Média, essa ideia foi desenvolvida na popular figura cultural do santo ou do prudente, que era tolo ou pouco inteligente, mas moralmente virtuoso ou puro. Em sua obra “Minima moralia”, Theodor Adorno pôs em dúvida essa longa tradição. Ele duvidava das tentativas de “absolver e beatificar o estúpido” e defendeu a tese de que o bem envolve nosso ser inteiro, tanto nosso sentimento, quanto nossa compreensão. Ele condenou os meios de comunicação de massa, tais como a televisão e o rádio, alegando que levavam à erosão tanto da inteligência quanto do sentimento e ao declínio da capacidade de fazer escolhas e julgamentos morais. Se escolhemos desligar nossos cérebros ao assistir a filmes, para Adorno é uma escolha moral. Os meios de comunicação de massa não apenas nos tornam estúpidos, mas também incapazes de agir moralmente. Quando o último traço de emoção for eliminado de nosso pensamento, não restará nada para pensarmos. Adorno acreditava que as ciências tiveram um efeito desumanizador sobre nós, como a cultura popular.

70. Jean-Paul Sartre (1905 – 1980)

Inicialmente ligado à fenomenologia de Husserl, Sartre se associou ao existencialismo, analisando a condição humana, do homem como “um ser em que a existência precede a essência”. Ateísta, Sartre entende que a descoberta do absurdo da vida pelo homem que toma consciência de sua condição de ser finito, marcado pela morte, deve levar à busca de uma justificativa, de um sentido para a existência humana. O existencialismo é, assim, um humanismo. A consciência é, portanto, o elemento central dessa busca de sentido, e é essa consciência que revela a existência do outro, sem o qual ela não pode existir, já que a consciência só existe através daquilo de que é consciência. Autor de “O ser o nada” (1943), Sartre defende a liberdade como uma das características mais fundamentais da existência humana. Segundo Sartre, paradoxalmente, “o homem está condenado a ser livre”, e precisa assumir essa liberdade vivendo autenticamente seu projeto de vida

(engajamento), recusando os papéis sociais que lhe são impostos pelas normas convencionais da sociedade.

71. Hannah Arendt (1906 – 1975)

Em 1961, Hannah Arendt testemunhou o julgamento de Adolph Eichmann, um dos arquitetos do Holocausto. Em sua obra Eichmann em Jerusalém, ela escreveu sobre a aparente "cotidianidade" de Eichmann. A figura diante delas no banco dos réus não parecia o tipo de monstro que poderíamos imaginar. De fato, ele não daria a impressão de estar fora de lugar se visto num café ou na rua. Depois de assistir ao julgamento, Arendt chegou à conclusão de que o mal não provém da malevolência ou do desejo de fazer o mal. Em vez disso, ela sugeriu, as razões pelas quais as pessoas agem de certa maneira é que elas sucumbem a falhas de pensamento e julgamento. Sistemas políticos opressivos são capazes de tirar vantagem da nossa tendência para tais falhas, possibilitando que pareçam normais certos atos que possivelmente consideraríamos "impensáveis". A ideia de que o mal é banal não priva os atos maléficos de seu horror. Em vez disso, a recusa em ver as pessoas que cometem atos terríveis como "monstros" traz esses atos para mais perto da nossa vida cotidiana, desafiando-nos a considerar o mal como algo de que todos nós somos capazes. Assim, devemos nos precaver contra as falhas de nossos regimes políticos, disse Arendt, mas também das possíveis

falhas em nossos próprios pensamentos e julgamento.

72. Emmanuel Levinas (1906 – 1995) As ideias de Levinas são compreendidas mais facilmente examinando-se um exemplo. Imagine que, ao caminhar pela rua, numa noite fria de inverno, você vê uma pedinte encolhida diante de uma porta. Ela pode até não estar pedindo esmola, mas você não consegue deixar de sentir uma espécie de obrigação em responder às necessidades dessa estranha. Você pode escolher ignorá-la, mas, mesmo que faça isso, algo já lhe foi comunicado: o fato de que ela é uma que precisa de sua ajuda. Levinas era um judeu lituano que viveu o Holocausto. Ele disse que a razão vive na linguagem em “Totalidade e infinito” (1961), explicando que “linguagem” é o meio com o qual nos comunicamos com os outros antes mesmo de começar a falar. Quando vejo o rosto de outra pessoa, o fato de que este é outro ser humano e que tenho responsabilidade por ele é instantaneamente comunicado. Posso me desviar dessa responsabilidade, mas não escapar dela. É por isso que a razão surge dos relacionamentos cara a cara que temos com outras pessoas. É porque somos confrontados com as necessidades de outros seres humanos que devemos oferecer justificativas para nossas ações. Mesmo que você não dê esmola para a pedinte, você se verá tendo de justificar sua escolha para si mesmo.

73. Maurice Merleau-Ponty (1908 – 1961)

Sofreu influência do Existencialismo e das fenomenologias de Husserl e Heidegger. Além das obras de Filosofia Política, em que reflete sobre a situação europeia do pós-guerra, como “Humanismo e terror” (1947), Merleau-Ponty desenvolveu uma importante obra sobre a consciência, incluindo “A estrutura do Comportamento” (1942) e o clássico “A fenomenologia da percepção” (1945). Sua “filosofia da ambiguidade” sustenta que a experiência humana possui um sentido eminentemente enigmático. Defendeu o papel e a importância da reflexão filosófica na situação conturbada do mundo contemporâneo, sobretudo em sua obra “Elogio da filosofia” (1953). Levando em conta os trabalhos da psicologia contemporânea, da psicanálise e da linguística, Merleau-Ponty tenta eludicar, fundado na tradição fenomenológica de Husserl, a relação originária do homem com o mundo, e evidenciar as camadas de sentido pré-intelectuais e pré-discursivas a partir das quais e contra as quais torna-se possível o discurso das ciências. Pensador político preocupado com os problemas de seu tempo, ele os analisa (o messianismo revolucionário, o terrorismo militante, o clericalismo stalinista, por exemplo) em “As aventuras da dialética” (1955).

74. Simone de Beauvoir (1908 – 1986) Escreveu em “O segundo sexo” que ao longo da história o padrão de medida do que entendemos como humano – tanto na filosofia, quanto na sociedade em geral -, passa por uma visão peculiarmente masculina. Alguns filósofos, como Aristóteles, foram explícitos em igualar a humanidade plena com a masculinidade. Outros não chegaram a tanto, mas empregaram o masculino como padrão segundo o qual a humanidade deve ser julgada. É por essa razão que Beauvoir que o “Eu” do conhecimento filosófico é masculino por falta de oposição e seu par binário, o feminino, é, portanto, algo além, que ela chama de “Outro”. O “Eu” é ativo e consciente, enquanto o “Outro” é tudo o que o “Eu” rejeita: passivo, sem voz e sem poder. Beauvoir se preocupava com a forma como as mulheres são julgadas como iguais apenas na medida em que agem como os homens. Mesmo aqueles que escreveram pela igualdade das mulheres, ela disse, o fizeram argumentando que a igualdade significa que as mulheres podem ser e fazer o mesmo que os homens. Ela afirmou que essa ideia é equivocada, pois ignora o fato de que mulheres e homens são diferentes. A formação filosófica de Beauvoir

era a fenomenologia, o estudo sobre como as coisas se manifestam à nossa existência.

75. Willard van Orman Quine (1908 – 2000) Destacou-se por seus trabalhos nas áreas da Lógica, Filosofia da Linguagem e Filosofia da Ciência. Sua obra foi fortemente influenciada por Carnap, sendo Quine um importante defensor do empirismo na Filosofia contemporânea. Nesta perspectiva, desenvolveu um argumento contra a distinção entre “analítico” e “sintético”, mostrando a fragilidade dos critérios em que se baseia essa distinção. Formulou uma concepção holística, segundo a qual uma teoria científica é como uma rede interligada, sendo que cada uma de suas partes pode ser passível de revisão a partir da experiência, cada revisão de uma parte, por sua vez, acarretando a revisão das demais. De acordo com sua “Teoria convencionalista do significado”, sentenças particulares não têm um significado determinado, podendo significar diferentes coisas, dependendo do esquema conceitual a que pertencem.

76. Isaiah Berlin (1909 – 1997)

Isaiah Berlin tornou-se conhecido pelas suas contribuições na área da filosofia política, mais especificamente nas discussões acerca da liberdade. A sua principal contribuição é uma defesa da liberdade negativa apresentada em Two Concepts of Liberty (1959). A liberdade enquanto norma política pode ser interpretada de várias maneiras. Duas interpretações interessantes estão na distinção entre a liberdade negativa e a liberdade positiva. A liberdade negativa é a liberdade interpretada como a ausência de constrangimentos ou obstáculos à ação individual. A liberdade positiva é a liberdade interpretada com uma noção de autogoverno moral ou autodeterminação do indivíduo enquanto membro de um grupo. Berlin se opõe às interpretações positivas da liberdade devido às perversões e abusos políticos a que dão margem. Rousseau, com sua teoria da vontade geral, por exemplo, nos leva ao absurdo de admitir a liberdade como uma forma de escravidão.

77. Arne Naess (1912 – 2009)

O filósofo e ecologista norueguês Arne Naess fundou a corrente conhecida como "Ecologia profunda", em oposição ao que ele chamada de “Ecologia superficial”. A Ecologia profunda foi proposta pelo em 1973 como uma resposta à visão dominante sobre o uso dos recursos naturais. Considerado o principal filósofo norueguês do século XX, Naess criou a escola de Oslo e fundou a Ecologia profunda, um ramo da filosofia ecológica que propõe alterações culturais, políticas, sociais e econômicas com vista a alcançar uma convivência harmoniosa entre os seres humanos e os restantes seres vivos. Naess foi catedrático da Universidade de Oslo entre 1939 e 1970, desempenhou um papel determinante para o estabelecimento de uma nova investigação social na Noruega do pós-guerra e impulsionou o estudo da filosofia através dos seus livros para o ensino sobre lógica, métodos de ensino e história da filosofia. De tendência neopositivista, Naess interessou-se pela obra de Espinoza, Gandhi e o

budismo e esteve vinculado ao partido Os verdes.

78. Albert Camus (1913 – 1960) Existencialista, Albert Camus nasceu na Argélia e, através de seus livros, buscou descrever o homem em situações limite, defrontando-se com o problema da liberdade, do sem sentido da existência e do absurdo da vida. Não foi estritamente um filósofo, destacando-se, principalmente como ensaísta e escritor, Camus manteve estreita amizade com Jean-Paul Sartre, de quem se afastou, posteriormente, por suas críticas ao socialismo da época, que era defendido por Sartre. Em seus ensaios “O mito de Sísifo” e “O homem revoltado”, Camus explora o que considera o absurdo da condição humana. Ora, na mitologia grega, Sísifo é aquele que é castigado pelos deuses, obrigado a carregar uma mesma pedra constantemente ao alto de uma montanha, sendo que a mesma desce rolando e ele precisa repetir o trabalho numa sequência sem fim. Para Camus, Sísifo representa a verdadeira inutilidade da ação humana: seu trabalho é sempre frustrado; no entanto, Sísifo recomeça, porque, apesar do absurdo daquela tarefa, ela precisa ser cumprida e é ela que dá sentido à vida de Sísifo; por isso, para Camus, “é preciso imaginar Sísifo feliz”.

79. Roland Barthes (1915 – 1980)

A mais estranha e mais popular obra de Barthes é “Fragmentos de um discurso amoroso”. Como o título sugere, a obra compõe-se de fragmentos e instantâneos, sendo um tanto parecida com o ensaio “Rua de mão única” de Walter Benjamin. Na obra de Barthes não há personagens, nem nada parecido com um enredo. Apenas reflexões de um amante em “extrema solidão”. No início do texto, Barthes deixou claro que um enredo não é possível, porque os pensamentos solitários de um amante surgem em acessos, com frequência contraditórios, e carecem de qualquer ordem clara. Como alguém que ama, sugeriu Barthes, posso até me encontrar tramando contra mim mesmo. O amante é alguém que pode ser descrito afetuosamente como tendo “perdido o enredo”. Assim, em lugar de usar uma trama ou narrativa, Barthes dispôs sua obra como uma extraordinária enciclopédia de acessos dissonantes e desordenados; qualquer um deles pode servir como ponto com o qual o leitor se identifica e exclama: “Isso é tão verdadeiro! Reconheço essa cena...” É nesse contexto que Barthes sugeriu que “a linguagem é uma pele”. A linguagem – pelo menos a do amante – não é algo que fala do mundo de modo neutro, mas, sim, algo que “treme de desejo”, nas palavras do autor. Barthes escreveu sobre como “esfrego

minha linguagem no outro. É como se eu tivesse palavras, em vez de dedo; ou dedos nas pontas das palavras”.

80. Mary Midgley (1919)

Na obra Beast and man, publicado em 1978, Mary Midgley avaliou o impacto das ciências naturais sobre nosso entendimento da natureza humana. Alega-se muitas vezes que as descobertas das ciências prejudicam nossa visão sobre o que é ser humano. Midgley quis tratar desses temores, ressaltando tanto as coisas que nos separam do outros animais, quanto as coisas que compartilhamos com eles. Uma das questões que ela tratou foi a relação entre a natureza e a cultura na vida humana. Seu interesse consistiu em abordar o fato de que muitos veem a natureza e a cultura como opostas por alguma razão, como se a cultura fosse algo não natural acrescentado à nossa natureza animal. Midgley discordava da ideia de que a cultura é algo de ordem totalmente diversa da natureza. Segundo ela, a cultura é fenômeno natural. Em outras palavras,

evoluímos para ser o tipo de criatura que tem cultura. Poderia ser dito que tecemos cultura tão naturalmente quanto as aranhas produzem teias. Se é assim, então não podemos ficar sem cultura, assim como a aranha não pode ficar sem teia: nossa necessidade de cultura é inata e inatural. Dessa forma Midgley esperava justificar a singularidade humana e também nos colocar no contexto mais amplo do nosso passado evolucionário.

81. Thomas Kuhn (1922 – 1996) Sua preocupação fundamental consiste em explicar a evolução das ciências pelo jogo das relações sociais no interior do meio científico: a ciência progride quando os cientistas são treinados numa tradição intelectual comum e a utilizam para resolver problemas que ela suscita. Para ele, uma ciência “madura” é, essencialmente, uma sucessão de tradições, cada uma tendo sua própria teoria e seus próprios métodos de pesquisa e guiando a comunidade científica durante certo tempo, antes de ser abandonada. Daí seu conceito-chave de “ciência normal” (aplicado para resolver problemas) imposto por um paradigma aceito pelo conjunto dos pesquisadores e defendido enquanto não for abalado por uma revolução. Quando se produz essa revolução, um novo paradigma é adotado e volta-se a praticar a nova ciência normal.

82. John Rawls (1921 – 2002) Em “Uma teoria da justiça” (1971), Rawls defende uma reavaliação da justiça em termos do que chama de “justiça como equidade”. Sua abordagem recaiu na tradição conhecida como “Teoria do contrato social”, que vê o controle da lei como uma forma de contrato celebrado pelos indivíduos porque rende benefícios superiores aos bens obtidos individualmente. Seu pensamento envolve uma experiência na qual as pessoas são levadas a esquecer seu lugar na sociedade, ou são colocadas no que ele chamou de “posição original”, na qual o contrato social é feito. A partir disso, Rawls estabeleceu princípios de justiça em relação aos quais, ele afirmava, todos os seres racionais devem concordar. Para Rawls, apenas as regras acordadas racionalmente por todas as partes são as que genuinamente honram a imparcialidade – e não levam em consideração, por exemplo, raça, classe social, credo, talento natural ou incapacidade. Em outras palavras, se não sei qual será meu lugar na sociedade, meu interesse racional me força a escolher um mundo no qual todos são tratados de maneira justa. Ele nos fornece um meio de testar nossas teorias de justiça com uma referência imparcial.

83. Richard Wolheim (1923 – 2003) Filósofo da arte, Wollheim acredita que devemos resistir à tendência de ver a arte como uma ideia abstrata que precisa ser analisada e explicada. Se quisermos compreender totalmente a arte, devemos sempre defini-la em relação a seu contexto social. Ao descrever a arte como uma "forma de vida" em A arte e seus objetos (1968), ele usou um termo cunhado por Wittgenstein, para descrever a natureza da linguagem: é uma "forma de vida", porque o modo como a usamos é sempre um reflexo de nossas experiências individuais, hábitos e habilidades. Ele tentava, assim, resistir à tendência da filosofia de fazer generalizações simplistas sobre a linguagem; em vez disso, apontou para os vários papéis diferentes que a linguagem desempenha em nossas vidas. Wollheim disse o mesmo que Wittgenstein, mas em relação às obras de arte. Os artistas são condicionados por seu contexto social (crenças, histórias, disposições emocionais, necessidades físicas) e o mundo que eles

interpretam está em constante mudança. Para Wollheim, uma implicação disso é que não pode haver um "impulso artístico" geral ou instinto para a criação da arte que seja totalmente independente das instituições nas quais opera.

84. Paul Feyerabend (1924 – 1994) Interessou-se pela física, pelo teatro e pelas Letras. Em 1954, recebeu, do presidente da República da Áustria, um prêmio por seus trabalhos nas ciências e em Belas Artes. Em seguida, marcado pelo “segundo” Wittgenstein e por Karl Popper, nem por isso deixou de criticá-los. Deu-se conta de que a lógica formal constitui um elemento pernicioso para o desenvolvimento da filosofia. Revoltou-se contra o empirismo e adotou uma postura epistemológica por ele considerada “anarquista”. Cansado de buscar uma metodologia geral suscetível de englobar tanto a ciência quanto os mitos, a metafísica e as artes, declarou abertamente que só há uma “regra” metodológica: “Admite-se tudo” ou “Tudo vale”. Assim, seu “anarquismo epistemológico” é enfático: nenhuma teoria possui o privilégio da verdade sobre as outras; cada uma funciona mais ou menos, e sua concorrência é a única condição do progresso científico.

85. Jean-François Lyotard (1924 – 1998)

A ideia de que o conhecimento é produzido para ser vendido aparece na obra “A condição pós-moderna”. Embora Lyotard não tenha inventado o termo, “pós-moderno” já era usado desde a década de 1970, sua obra foi responsável pela ampliação de seu alcance e pelo aumento de sua popularidade. Com frequência, diz-se que o uso da palavra no título dessa obra marca o início do pensamento pós-modernista. O termo “pós-modernismo” tem sido utilizado desde então de maneiras tão diferentes, que se tornou difícil saber exatamente o que ele significa. Mas a definição é bem clara em Lyotard: o pós-moderno é uma questão de “incredulidade em relação à metanarrativas”. Metanarrativas são histórias singulares, abrangentes, que tentam resumir a totalidade da história humana ou que buscam incluir todo o nosso conhecimento em um único sistema. O marxismo é um exemplo de metanarrativa. Outro exemplo: a ideia de que a história da humanidade é a história do progresso rumo ao conhecimento e à justiça social, mais profundos, ocasionado por melhor conhecimento científico.

86. Frantz Fanon (1925 – 1961)

Autor de “Peles negras, máscaras brancas” (1952), Fanon explora o legado psicológico e social do colonialismo entre as comunidades não brancas ao redor do mundo. Ao dizer que “para negro, há somente um destino” e que esse destino é branco, Fanon revelou ao menos duas coisas. Primeiro, que “o negro quer ser como branco”, isto é, as aspirações de muitos povos colonizados foram formadas pela cultura colonial dominante. As culturas coloniais europeias tendiam a identificar “negritude” com impureza, o que moldou a própria visão daqueles que estavam sujeitos à dominação colonial, de modo que chegaram a considerar a cor da própria pelo como sinal de inferioridade. Além disso, a “alma do homem negro é um artefato do homem branco”. Em outras palavras, a ideia do que significa ser negro é resultado de padrões do pensamento europeu fundamentalmente racista. “Encontro-me no mundo e reconheço que tenho apenas um direito: o de exigir um comportamento humano do outro”, escreveu Fanon.

87. Michel Foucault (1926 – 1984)

O poder de manter a ordem social ou causar uma mudança social tem sido visto, por convenção, em termo políticos ou econômicos. Até a década de 1960, as teorias de poder geralmente se encaixavam em dois tipos: ideias do poder do governo ou do Estado sobre os cidadãos; ou a ideia marxista de luta pelo poder entre a burguesia e o proletariado. Porém, essas teorias tendiam a se concentrar no poder no nível macro, ignorando o exercício do poder nos níveis mais baixos das relações sociais ou vendo como uma consequência do exercício primário do poder (ou só de importância secundária). Michel Foucault, no entanto, pensava que nas sociedades ocidentais liberais de hoje tais abordagens são muito simplificadas. O poder, dizia, não é apenas exercido pelo Estado ou pelos capitalistas, mas pode ser visto em qualquer nível da sociedade, desde os indivíduos até os grupos e as organizações, chegando à sociedade como um todo. Em suas palavras, “o poder está em todo lugar e vem de todo lugar”. Ele também discordava da visão tradicional do poder como algo que pode ser possuído ou exercido,

como uma arma. Isso, diz ele, não é poder, mas uma capacidade de exercer poder – não se torna poder até que se tome alguma ação. Assim, o poder não é algo que alguém tenha, mas algo que é feito aos outros, uma ação que afeta a ação de outros. Em vez de pensar o poder como uma “coisa”, Foucault o vê como uma “relação” e explica a natureza do poder através do exame das relações de poder presentes em todos os níveis da sociedade moderna. Foucault reconhece que o poder tem sido, e continua sendo, a maior força a moldar a ordem social, mas descreve como a natureza das relações de poder mudou desde a época medieval até hoje. O que ele considera como o exercício “soberano” do poder, como torturas públicas e execuções, era o método usado por figuras de autoridade na sociedade feudal para coagir seus súditos à obediência. Com o surgimento do Iluminismo na Europa, no entanto, a violência e a força foram vistas como desumanas e, mais importante, como um meio não efetivo de exercer o poder.

88. Noam Chomsky (1928) A gramática tradicional é normativa e a linguística estruturalista, ao contrário, é descritiva. Ambas, porém, repousam sobre os fatos linguísticos. Chomsky, professor do Massachusetts Institute Technology, dá um salto de qualidade à linguística. Chomsky propõe que a Linguística ultrapasse o nível da descrição para o de explicação da linguagem. Para tanto, é proposta uma gramática generativa, a qual não descreve enunciados, mas os gera, quer dizer, dá um sentido lógico-matemático, enumerando de maneira recorrente os enunciados gramaticais de uma língua. Chomsky diferencia as estruturas sintáticas em “profunda” (sem ambiguidade) e “superficial” (gerada a partir da profunda, advém das transformações cuja função é reordenar as relações sintáticas segundo as regras próprias de cada língua). Chomsky também propõe uma diferença entre competência (normas à disposição do sujeito falante para emitir mensagens) e execução (realização concreta da competência). Chomsky acredita nas capacidades inatas da linguagem, de modo que o ambiente apenas desencadeia essas disposições.

89. Jürgen Habermas (1929) Habermas é filósofo e sociólogo, enquadrado tanto na teoria crítica da Escola de Frankfurt, quanto na escola do pargmatismo americano. Representante da Escola de Frankfurt, trabalhou ao lado de Theodor Adorno e sua teoria dos interesses cognitivos esteve em sintonia com o pensamento de Herbert Marcuse. Um ponto central no pensamento de Habermas está no estudo das questões relativas à democracia, sobretudo quando desenvolve os conceitos de “agir comunicativo”, “polítca deliberativa” e “esfera pública”. Esfera pública é o domínio (espaço) no qual existe uma livre circulação de informações oriundas das experiências cotidianas dos indivíduos; é reconhecida, mas, não institucionalizada. A esfera pública está ligada à ação comunicativa, uma vez que depende dessa atividade voltada para a compreensão humana, isto é, da ação de indivíduos que definem seu comportamento pela vontade de compreender uns aos outros. A esfera pública é o espaço social em que a ação comunicativa se forma. Dessa forma, é possível

compreender de que forma a esfera pública explica a formação da opinião e a vontade coletivas, os quais exigem interações e, para tanto, comunicação e busca pelo consenso. A opinião pública e a vontade geral se formam de forma discursiva. A legitimidade só existe em ambientes onde cidadãos, em condições de igualdade e de oportunidades, deliberam discursivamente.

90. Jacques Derrida (1930 – 2004)

Francês, nascido na Argélia, Derrida foi fortemente influenciado pelo estruturalismo de Levi Strauss e Lacan, bem como pela fenomenologia de Husserl o pensamento de Heidegger, Derrida desenvolveu um pensamento notavelmente idiossincrático, caracterizado pela criação de uma terminologia própria e pela proposta do método da “desconstrução”, no qual se pode detectar a influência das ideias da fase final do pensamento de Heidegger sobre o caráter essencialmente não-representacional da Linguagem. Derrida critica, assim, o logocentrismo, o lugar central que o discurso racional ocupa em nossa tradição intelectual, sobretudo na metafísica. Identifica a metafísica com o discurso, com a consciência que fala a si mesma e é o lugar da verdade e da unidade do ser. A “desconstrução” visa assim “dissolver” a linguagem, para que esta dê lugar ao que Derrida chama de “escritura”. Sua gramatologia seria assim o “saber da escritura”, não se tratando de uma ciência, mas de um fazer aparecer ou horizonte histórico em que a “escritura” tem lugar. Procura tratar o que considera temas “marginais”, à margem da tradição, o que está “fora dos livros”, de uma forma deliberadamente fragmentada, procurando

situar-se “no limite do discurso”. A repetição, a polissemia, a diferença e a disseminação são instrumentos da “desconstrução”, método que tem tido grande influência sobretudo na crítica literária contemporânea.

91. Richard Rorty (1931 – 2007) Rorty é o filósofo da pós-filosofia, isso significa que ele é o grande referencial de uma reflexão que distancia uma postura tida como pós-filosófica em relação à filosofia tradicional (fundacional). Nesta Filosofia fundacional, a base é a ideia de mente (a fusão de espelho da natureza, do conhecimento como representação acurada e da filosofia como fundamento do conhecimento). Essa Filosofia fundacional é privada de dimensão histórica e arrancada para fora dos problemas da vida, para Rorty. Ao invés, Rorty propõe uma Filosofia edificante, como uma “voz na conversação da humanidade”. Ele propõe um “liberalismo irônico”. Liberais seriam os que consideram a liberdade o nosso pior inimigo e, por ironia, compreende a aceitação clara e decidida das crenças e desejos mais profundos. O liberal irônico procura minimizar as diferenças entre “nós” e “eles”, levando para a dimensão do “nós” pessoas que em princípio eram dos “eles”.

92. Luce Irigaray (1932)

Irigaray dedica-se acima de tudo à ideia de diferença sexual. Ex-aluna de Jacques Lacan, psicanalista que de maneira célebre explorou a estrutura linguística do inconsciente, Irigaray afirma que toda linguagem é essencialmente masculina na natureza. Em “Sexo e genealogias” (1987), ela escreveu: " Em todo lugar, em tudo, o discurso, os valores, os sonhos e os desejos masculinos são lei." A obra feminista de Irigaray pode ser vista como uma luta para descobrir maneiras de sonhar, falar e desejar autenticamente femininas, livres do "másculo-centrismo". Para tratar desse problema, Irigaray sugere que todo pensamento – mesmo a filosofia mais aparentemente sóbria e objetiva, com seu discurso sobre sabedoria, certeza, retidão e moderação – é sustentado pelo desejo. Ao fracassar em reconhecer o desejo que a sustenta, a filosofia tradicional centrada no homem também fracassou em

reconhecer que, sob sua aparente racionalidade, fervilham todas as intensidades de impulsos irracionais. Irigaray afirma que cada sexo tem sua relação com o desejo e, como resultante, cada sexo tem uma relação com a loucura. Isso põe em dúvida a longa tradição de identificar a masculinidade com a racionalidade e a feminilidade com a irracionalidade. Também abre caminho para a possibilidade de novas formas de escrever e pensar a filosofia, tanto para os homens quanto para as mulheres.

93. Edward Said (1935 – 2003) Edward Said foi um grande crítico do Imperialismo e do Colonialismo do Ocidente sobre o Oriente, propondo novas interpretações na relação entre Oeste e Leste, além da dicotomia entre dominador e dominado. O pensamento de Said está bem reproduzido em sua obra “Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente” (1978). A visão de Said em relação ao Colonialismo não é apenas uma postura de oposição ao Ocidente ou o registro de exploração negativa do Imperialismo. Todavia, o pensador destaca a construção da imagem do Oriente como uma espécie de “outro” para o Ocidente, isto é, um universo social de bárbaros preparados para ameaçar a ordem estabelecida no outro lado do planeta. Como ativista político, Said defendeu os interesses palestinos em Israel, bem como proteção aos territórios ocupados da Faixa de Gaza e da Cisjordânia. Sua postura foi vista como racista por defensores dos interesses de Israel.

94. Hélène Cixous (05 de junho de 1937)

Investiga as oposições que com frequência definem o modo como pensamos o mundo. Acredita que uma linha que atravessa séculos de pensamento é nossa tendência de agrupar elementos do mundo em pares opostos, tais como cultura/natureza, dia/noite e cabeça/coração. Esses pares de elementos são sempre classificados hierarquicamente, sustentados por uma tendência de considerar um elemento dominante ou superior, associado com masculinidade e atividade, enquanto outro elemento ou aspecto mais fraco é associado com feminilidade e passividade. A autoridade desse padrão hierárquico de pensamento é agora questionado por um florescimento do pensamento feminista. Em cima disso, questiona-se quais as implicações dessa mudança para os sistemas filosóficos e para as instituições sociais e políticas. Cioux, porém, observa que a questão não se trata de repropor oposições binárias, de vencedores e vencidos, como um sistema estrutural ao pensamento.

95. Julia Kristeva (24 de julho de 1941) Kristeva aparece como um nome reconhecido internacionalmente com a publicação de Semeiotiké (1969). Sua linha de trabalho de dá nas áreas da cultura e do feminismo, por meio de abordagens que enfocam a intertextualidade e a semiótica. Sua produção ocupa notabilidade no pensamento pós-estruturalista. Uma marca profunda de sua obra está no esforço de analisar o não-analisável, uma alteridade inexpressável, heterogênea e radical da vida individual e cultural. Na análise semiótica, revela interesse pela natureza heterogênea da linguagem poética. A linguagem é um processo dinâmico de transgressão. Kristeva estabelece uma diferença entre semiótico e simbólico, como “genotexto” e “fenotexto” respectivamente. O genotexto é um processo, enquanto que o fenotexto é a linguagem. Kristeva busca dimensionar os efeitos da linguagem sobre determinado contexto histórico e econômico.

96. Peter Singer (06 de julho de 1946)

Um dos mais ativos defensores dos direitos dos animais. Adota uma postura utilitarista associada à ética, acompanhando a tradição de Jeremy Bentham (séc. XVIII). Os utilitaristas analisam o valor moral de um ato por suas consequências. Para Singer, o utilitarismo é baseado no que ele se refere como uma “consideração igual de interesses”. Dor é dor, seja a de quem for. O âmbito no qual os animais podem sentir dor é o mesmo no qual devemos levar seus interesses em consideração quando tomamos decisões que afetam suas vidas. Mas, como todo utilitarista, ele aplica o “princípio da máxima felicidade possível”: devemos tomar decisões que resultem na máxima felicidade possível para o máximo de pessoas possível. Singer ressalta que nunca disse que experimentos com animais são injustificáveis. Mais exatamente, ele apenas afirma que devemos julgar as ações por suas consequências e “os interesses dos animais contam entre essas consequências” – eles são parte da equação.

97. Slavoj Žižek (21 de março de 1949) A ideia de que todas as melhores análises marxistas foram tradicionalmente análises do fracasso apareceu numa entrevista com o filósofo esloveno Slavoj Žižek em 2008. Ele foi indagado sobre os acontecimentos na Tchecoslováquia em 1968, quando um período de reformas, com vistas à descentralização e à redemocratização do país, foi brutalmente interrompido pela União Soviética e seus aliados. A alegação de Žižek é que a aniquilação das reformas tornou-se a coisa mais importante que, mais tarde, sustentou um mito mantido pela esquerda – se elas tivessem ido adiante, o resultado seria algum tipo de paraíso social e político. De acordo com Žižek, os esquerdistas são propensos a remoer seus fracassos, porque isso permite que se criem mitos sobre o que teria acontecido caso fossem bem sucedidos. Para ele, tais fracassos permitem à esquerda manter uma “posição

moralista segura”, uma vez que nunca chega ao poder, nem é verdadeiramente testada pela ação. Ele descreve essa postura como “confortável posição de resistência”, que permite evitar questões reais, tais como reavaliar a natureza da revolução política. Para Žižek, um marxista dedicado, as questões sérias sobre a natureza do poder político são obscurecidas pela eterna tentativa de justificar a intangibilidade da utopia. Fontes: - O LIVRO DA FILOSOFIA, GLOBOLIVROS. - Hilton Japiassú Danilo Marcondes DICIONÁRIO BÁSICO DE FILOSOFIA terceira edição revista e ampliada Jorge Zahar Editor Rio de Janeiro 2001

-Danilo Marcondes, Iniciação à história da filosofia, Dos pré-socráticos a Wittgenstein, Editora Zahar.

- Giovanni Reale e Dario Antiseri, História da Filosofia - Filosofia Pagã Antiga (Vol.1), Ed. Paulus.

- Giovanni Reale e Dario Antiseri, História da Filosofia - Patrística e Escolástica (Vol.2), Ed. Paulus.