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Finanças populares e desenvolvimento territorial

Finanças populares e desenvolvimento territorial 3_Palestra geral... · sociais e das relações de proximidade” ... “Enquanto se pensava que com as leis de Newton e as que lhe

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Finanças populares e desenvolvimento territorial

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1. As lições dos sistemas financeiros locais

A cegueira para com o fenômeno das finanças locais decorria tanto de se pensar que esta variável é determinada exogenamente, quanto do equívoco de avaliar que entre os pobres não há vida financeira.

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a) São práticas financeiras bastante diversas, e quedependem dos vínculos comunitários,ocorrendo com base em relaçõespersonalizadas e de confiança (rede de amigos,vizinhança e família).

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b) Suas “decisões financeiras” têm por princípioorganizador “a reciprocidade, muito mais doque o ganho individual” (Magalhães &Abramovay), contrariando a lógica do cálculoeconômico, submetendo-se inclusive à taxas dejuros negativas.

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c) Suas poupanças pessoais e de seus pequenosnegócios estão misturadas.

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d) Suas “transações financeiras” têm baixíssimocusto de transação que praticamente tornamnão competitivos os serviços financeirosoferecidos pelos bancos.

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e) É a força dos laços comunitários a principalresponsável pelo êxito econômico dascooperativas populares de crédito. É a honra àpalavra dos pobres que garante a devolução dosempréstimos. Os laços de proximidade reduzema assimetria de informações e os custos detransação.

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• A grande lição é que o campo das finanças populares é, por excelência, um território híbrido, ambíguo.

• Nelas a racionalidade econômica tout court se expressa mesclada com elementos duma outra lógica, emocional e afetiva, ético e política.

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2. Mercados: distinção conceitual.

Mercados tanto não são um mecanismoimpessoal, quanto apenas ambientesinstitucionais impregnados de racionalidade.

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Mercados são, também, ambientes desociabilidade primária: através das trocas, nosproduzimos como humanos. Os “mercados dereciprocidade” não são passíveis deracionalização instrumental e contratual.

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Contemporaneamente, as relações dereciprocidade estão entranhadas com a formamercantil-capitalista, sendo o substrato que atorna possível.

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3. Dilemas das finanças populares.

A principal questão decorre do marco teórico adotado para compreender o mercado e, conseqüentemente, o fenômeno das finanças de proximidade.

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Os recentes processos de microfinanças no Brasil e América Latina que ergueram instituições financeiras populares (cooperativas de crédito) altamente exitosas, priorizaram seu vetor de racionalização, individualização, desencantamento.

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Abramovay reconhece “o amplo domínio da reciprocidade nas sociedades contemporâneas”. Entretanto, ao constatar que “a exploração toma a forma de reciprocidade” (Abramovay; reproduzido e grifado por Singer), as políticas de microfinanças consideram a reciprocidade unicamente em sua face negativa (suas formas assimétricas).

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Isto leva a erguer sistemas financeiros voltados aos pobres para “libertá-los dos custos duma reciprocidade que os mantêm manietados à miséria” (Singer). “A redenção financeira dos pobres” adviria da racionalização das suas organizações, permitindo que os pobres, com a constituição de cooperativas de crédito, possam se emancipar dos laços de exploração.

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Apostar na extinção da reciprocidade, como se ela fosse algo atrasado e sem lugar no mundo moderno é como jogar fora o bebe com a água suja, destruindo um elemento que pode ser nosso grande diferencial no futuro.

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Experiência emblemática das microfinanças é a da região sisaleira baiana, a APAEB/Ascoob (Associação das Cooperativas de Apoio à Economia Popular/Associação das Cooperativas de Apoio à Economia Familiar), “apogeu do processo de racionalização” (Magalhães & Abramovay).

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Nelas já se constata “um maior distanciamento entre os cooperados e a organização”, com os associados considerando “a cooperativa um simples banco, que não lhes pertence”. A resultante é “o enfraquecimento dos laços sociais e das relações de proximidade” (Magalhães), deteriorando a principal vantagem que as cooperativas possuem.

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b) Os territórios desmonetarizados.

O Brasil ainda dispõe de imensos territórios, onde, em geral, circuitos de intercâmbio não monetarizados são mais expressivos. É a realidade dominante – mas não exclusivamente – dos povos indígenas, proprietários de mais de 10% da área nacional.

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“Enquanto se pensava que com as leis de Newton e as que lhe sucederam podíamos compreender o Universo, o diálogo com outras civilizações era um diálogo de professor e aluno, aluno primário” (I. Prigogine).

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Hoje, em tempos de crise civilizatória decorrente do extremado racionalismo moderno, sabemos que os povos indígenas trazem outras possibilidades civilizacionais de imensa importância para o futuro da humanidade, especialmente por sua relação com a Terra não ser norteada por uma perspectiva utilitarista.

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4. Pistas conclusivas.

Se não há dúvida que ter acesso aos mercados historicamente foi uma oportunidade libertadora, como revelou Braudel, Keynes, um dos maiores entendedores do dinheiro, também afirmou que

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“O amor ao dinheiro é uma paixão doentia, um pouco repugnante, uma daquelas propensões meio criminosas e meio patológicas que, com um calafrio costumamos confiar a um especialista em moléstias mentais”

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Apesar da autoridade de Keynes, não cabe demonizar os bancos ou o dinheiro.

Mas, tampouco cabe anatematizar as relações de reciprocidade como “clientelistas”, fonte da exploração ...

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Reconhecer a importância das práticas de reciprocidade não é propor, alternativamente, o fim das trocas mercantis-utilitárias, tampouco negar sua hegemonia e retornarmos às origens, ou mesmo repetir as conhecidas críticas às limitações do mercado. Há que evitar o tratamento destas duas racionalidades como se fossem opostas, e combinar melhor tradição e modernidade. A reciprocidade não exclui o interesse calculista. A dádiva não é desinteressada.

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Não cabe apenas favorecer o desenvolvimento da lógica de troca utilitária, mas também de modernizar a reciprocidade popular, revitalizando a vida comunitária. A força diferenciadora do Brasil está num modelo que combine, mestiçamente, as lógicas da troca capitalista e a da reciprocidade.

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Trata-se de reconhecer a economia de reciprocidade, considerá-la fator de desenvolvimento. As estruturas de reciprocidade estão presentes nos mutirões, no manejo compartilhado de recursos comuns (água, pasto, sementes, reservas estrativistas), na comercialização (feiras, certificação de produtos territoriais, comércio justo), na transmissão do patrimônio duma geração à outra, na hospitalidade.

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A idéia, reatualizou Tauile, é buscar atalhos alternativos, que, em nosso caso, devem conjugar, duplamente, tanto a reciprocidade, quanto as lógicas competitivas.