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Era suposto que Jacinda tivesse um vínculo com Cassian, o

“Príncipe” do seu orgulho. Mas, ela resistiu muito antes de se

apaixonar por Will — um ser humano e, pior, um caçador. Quando

ela fugiu com Will, ela terminou em um desastre, com a irmã de

Cassian, Miram capturada. Atormentada pela culpa, Jacinda sabe

que ela deve resgatá-la para fazer as coisas certas. Mas, para fazê-

lo, ela terá que aventurar-se profundamente no coração do território

inimigo.

A única forma de Jacinda poder alcançar Miram é colocando-se como

uma prisioneira, embora, uma vez que ela assume seu disfarce, as

coisas rapidamente se movem em espiral para fora de seu controle.

Quando ela passa a aprender mais sobre seus captores, ela percebe

que mesmo que Will e Cassian possam executar suas partes do

plano, não há nenhuma garantia que todos voltarão vivos. Mas, o

que Jacinda nunca poderia prever é que a fuga seria apenas o

começo…

Lealdades são testadas e sacrifícios feitos na conclusão explosiva da

trilogia Firelight da Sophie Jordan.

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Dedicatória

A você, leitor fiel.

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Epígrafo

Meu amor por você é uma jornada.

– Anônimo

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O ar quente se prendeu dentro de meus pulmões quando eu pairei do

lado de fora da van, espreitando seu interior, estudando as profundezas

sombrias, tão parecidas com outra van há não muito tempo atrás. Esta está

vazia, mas em breve eu vou ocupar o seu espaço. Sozinha. Meus olhos

começam a queimar por encarar tão firme o lugar onde logo estaria presa e eu

pisquei rapidamente. Esta é a minha escolha, eu lembro a mim mesma.

— Você não tem que fazer isso —, diz Will, segurando a minha mão,

os dedos roçando para frente e para trás contra o interior do meu pulso,

fazendo minha pulsação dar um salto para a vida, e de repente eu me lembrei

de como respirar. Com ele, tudo é sempre mais fácil. Suportável.

Mesmo isso.

Eu concordo, mesmo que o medo se contorça como um ferro quente

dentro de mim. Livrar minha mão da dele e me agarrar à beirada da porta

exige tudo de mim.

— Sim. Eu tenho.

— Nós podemos pensar em outra coisa –

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— Não. Isso vai funcionar. — A ideia foi minha. É claro que eu

acredito nisso. Convenci-os todos, reagindo a seus protestos até que eles

concordaram. Will. Cassian. Tamra.

Nós já tínhamos chegado tão longe. Deixamos minha irmã várias

milhas para trás, esperando, escondida até que Will e Cassian retornem para

ela.

A expressão de Will se aperta, fazendo-o parecer mais velho cansado.

Mas ainda extremamente bonito. Eu pisco e aliso meus dedos contra seu

rosto, ao longo de sua mandíbula quadrada, fios de barba por fazer. — Vai

ficar tudo bem, — eu o tranquilizei. — Basta seguir com o plano.

—Não faça nada estúpido lá... não tente dar uma de herói —

Eu pressiono meus dedos em seus lábios para silenciá-lo e saborear a

textura firme e fria. Seus olhos se abrandam, o ouro, marrons e verdes como

uma floresta no outono. Algo se abre em meu peito como sempre acontece

quando ele olha para mim desse jeito.

Puxando uma respiração profunda, eu olhei para Cassian,

autoconsciente de que ele está nos observando. Mas ele está olhando para a

linha das árvores, um sapato chutando o chão. Mesmo assim, eu posso senti-

lo através da nossa consciência comum um com outro. Ele está tentando

duramente dar a Will e a mim nosso espaço, mas eu sinto sua vívida

concentração para evitar olhar para nós... sua luta para esconder o

aborrecimento contorcendo-se através dele.

Eu espero que ele dê uma olhada. Talvez eu mesma deseje que ele o

faça. Eu não sei. Essa coisa toda de nós-compartilhamos-uma-ligação ainda é

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nova. Quando ele finalmente olha, eu aceno com a cabeça para ele. Ele dá um

leve aceno de volta.

Eu rodo um dedo em um pequeno círculo e digo alto o suficiente para

que fique claro que eu estou me dirigindo os dois, — Agora virem-se de

costas.

O menor sorriso ergue-se da boca de Will, mas ele se obriga. Cassian

também. Com as costas deles para mim, tiro minhas roupas, com foco em

meus movimentos, cada um deles calculado – desamarro meus sapatos, saio

do meu jeans. Eu dobro a roupa perfeitamente em uma pilha, tomando

cuidado extra... como se esta ação fosse de extrema importância. Eu acho que

estou protelando.

Nua, eu encaro as costas de Will. O algodão cinza macio, esticado

sobre seus ombros fortes. O ar desliza sobre mim e o sol beija minha carne. É

quando eu supostamente devo subir na van e fechar as portas. É quando nos

dirigimos para a cova do leão. Aonde eles vão me deixar. Abandonar-me – a

meu pedido. Se as coisas derem errado... Eu me dou uma sacudida mental.

Não pense nisso.

Minha garganta aperta de qualquer maneira. De repente, o recato não

importa tanto. Eu agarro o ombro de Will e o forço a se virar, fixando meus

lábios nos dele em um beijo que se parece muito com um adeus. Dou-lhe

tudo. Eu coloquei a memória de nós nele. Tudo o que nós já passamos. Nosso

tempo em Chaparral. Sua família – caçadores –tentando me destruir. Perder

Miram. Corbin tentando matá-lo...

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Suas mãos me envolvem em torno de minhas costas. Eu o beijo até que

a queimadura familiar começa no meu interior e se arrasta até minha

traqueia. Com meu rosto vermelho quente, eu fujo ofegante, nostálgica.

E nua.

Seu olhar flutua para baixo, não perdendo nada antes de olhar

novamente para cima. Seu peito se ergue alto numa inspiração. Minhas

bochechas queimam mais quentes, mas eu ainda hesito. Uma crua emoção

pisca em seus olhos cor de avelã e eu sei que eu tenho que ir. Eu tenho que ir,

ou eu nunca irei.

Eu salto na van e começo a puxar as portas, fechando-as.

Sua voz me impede. — Espere.

Eu aperto meus olhos, olhando para ele.

— Você tem que se manifestar. — Ele segura as portas.

— Ah. — Como me esqueci? Nós temos que fazer isso direito. Isca no

anzol.

Eu desço. Parada ali, eu forço a mudança. Com minhas emoções

elevadas, meu corpo enrubescido e latejante em reação a Will, não leva muito

tempo. Eu me manifesto rapidamente, minha pele estalando com força,

minhas asas empurrando-se livres com um estalo fraco no ar.

Will olha para mim um momento, sua admiração evidente. Isso me

envolve, derrete-me por dentro ver que ele ainda pode olhar para mim, em

minha forma draki, me apreciando. Assim como ele fez na primeira vez que

me viu. Como se eu fosse algo bonito e não a criatura que sua família caça. É

um estímulo útil para a minha confiança quando eu estou prestes a enfrentar

os bichos-papões nebulosos da minha infância – os enkros – aqueles que

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enviam os caçadores atrás dos da minha espécie. Finalmente seus rostos serão

revelados para mim. Uma respiração trêmula e apertada ondula através de

mim.

Will amarra meus pulsos rapidamente, mas com cuidado, e depois as

minhas asas. Ele evita meus olhos enquanto ele trabalha, como se ele não

pudesse suportar fazer isso comigo.

Eu sinto a mudança vindo de Cassian quando ele se vira. Dúvida

irradia dele enquanto eu estou amarrada como uma prisioneira diante de

seus olhos.

Will olha para meu rosto enquanto me ajuda a voltar para a van. Eu

ofereço um sorriso. Ele se sente fraco, e forçado, por isso deixei o sorriso

escapar e apenas me comunico com os meus olhos. Isso está certo.

Então eu viro, me posicionando de costas para ele. Assim, ele não

pode mais ver meu rosto.

Assim, eu não vejo o dele e volto atrás.

Eu o sinto esperar, hesitar atrás de mim, assim como eu sinto as ondas

de preocupação roendo e rolando por Cassian. Mas eu não vou olhar para

trás. Não para qualquer um deles. Eu não posso. Se eu olhar, eu tenho medo

de que eu vá desabar, me dobrando na menina que tremia sob as cobertas

quando Az sussurrava histórias no escuro, sobre os enkros e as coisas

terríveis que eles faziam para os draki que eles capturavam. Nós não temos

nenhuma maneira de saber ao certo porque nenhum dos draki jamais voltou

para casa.

Finalmente, Will empurra as portas fechadas em mim, selando-me

dentro da van. Por um momento, eu pressiono minhas mãos trêmulas no

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metal frio e as mantenho lá, como se eu pudesse de alguma forma alcançá-lo,

senti-lo do outro lado. Ele. Não Cassian.

Um momento depois, portas batem quando Will e Cassian sobem na

frente. Então, nós estamos nos movendo. A van faz barulho à minha volta. Eu

encontro um lugar para me sentar no chão encardido e me abraço com força,

meu estômago em nós.

Inalando respirações profundas, eu espero a van parar e para isso

começar – a batalha que eu esperei minha vida inteira para lutar.

A viagem atribulada esvazia um pouco a minha coragem. É tudo tão

familiar que eu questiono a minha sanidade em me voluntariar para passar

por isso novamente. A parte de trás da van parece claustrofóbica. Pouco ar.

Não há espaço para me mover. E eu estou incapacitada. Amarrada como nos

meus piores pesadelos. Minha mente se crava nisso, fixada na memória da

última vez que eu era prisioneira em uma van como esta. A última vez...

É a razão pela qual eu estou aqui, afinal de contas.

Eu tomo pequenos goles de ar, lutando para manter a calma e

prometendo a mim mesma que eu estou no controle dessa vez. Balançando a

cabeça, eu tiro os fios emaranhados de cabelo do meu rosto e tento manter o

equilíbrio enquanto tomamos uma curva acentuada.

Eu faço uma lista mental das diferenças para acalmar os nervos. Eu

confio nos motoristas. Eles me darão cobertura. Eu sei para onde estamos

indo – já vi nosso destino. E eu não estou com dor neste momento. Pelo

menos não fisicamente. Mas eu também estou sozinha. Sem Miram.

É por Miram que estamos fazendo isso – quem estamos salvando. Para

ser honesta, ela é apenas uma parte do por que eu estou aqui. Isso se tornou

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algo maior, alguma coisa a mais para mim. A busca pela verdade. Will sabe

disso. Eu não acho que Tamra percebe, ou mesmo Cassian, mas Will sabe que

isso se trata de encontrar respostas.

Encontrar meu pai.

A van desacelera e para. Prendo a respiração, o ar sopra de meus

lábios e nariz como neblina. Não é proposital. Eu não posso consertar isso – é

o que eu sou: uma criatura que respira fogo. Agora mesmo a emoção me

governa, tornando especialmente difícil ser qualquer outra coisa.

Medo. Fúria. Dúvida. Eu estava brincando com Will quando eu disse

que isso funcionaria? Iludindo a mim mesma? Tudo isso aumenta dentro de

mim em um banho de carvão e cinzas, pronto para estourar livre em chamas

e fogo.

Vozes se transportam de fora da minha caixa de lata. Em momentos eu

estarei por conta própria entre os enkros. Assim como o planejado. Eu espero,

músculos tensos e vibrando sob minha pele draki. Minhas asas se puxam

contra a sua amarra. Will fez um bom trabalho. Eu não poderia me libertar, se

eu quisesse. E eu não quero. Esse não é o plano.

O plano é que eu desempenhe o papel de uma verdadeira prisioneira.

Por um momento, eu penso na minha irmã sozinha no quarto de

motel, esperando que os rapazes voltem. Ela sorriu quando nos separamos,

mas o sorriso não atingiu seus olhos. Ele não estava em seu coração. Umidade

brilhava no seu olhar como de gelo e eu sei que ela começou a chorar assim

que saí.

Tamra era contra esse esquema todo, logo que eu o propus. Mesmo

depois que eu convenci Will e Cassian, ela continuou a se opor. À medida

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que as amarras se afundavam em minha carne, cortando minha circulação,

eu empurrava de lado os pensamentos de Tamra e minhas preocupações

crescentes. Com determinação fresca, fixo meu olhar nas portas de trás da

van e espero. Vozes passeiam pelo ar e eu acho que reconheço o som abafado

da voz de Will. Ou pode ser apenas porque eu quero ouvi-lo muito, muito

mesmo.

Cassian está lá. Eu não preciso ouvi-lo para perceber isso. Eu posso

senti-lo. Enquanto eu espero na sombra, sua raiva me atinge como um punho,

rápida e feroz. Ele deve estar cara-a-cara com eles agora. Uma respiração

sibilante escapa entre meus dentes quando sua raiva me cobre em um frio tão

profundo que congela e queima até a medula de meus ossos.

Para combater isso, eu alcanço meu interior pelo que eu sei – o que eu

sou. Calor incha dentro de mim, arde num caminho até minha traqueia para

enfrentar a fúria gelada de Cassian.

Há um som metálico e o raspar de metal contra metal. Eu viro meu

olhar para frente, observando enquanto a portas se abrem.

A luz inunda minha gaiola de paredes de metal e eu levanto minhas

mãos amarradas para proteger meus olhos. Espio por entre as fendas nos

meus dedos e reconheço Will, olhando relaxado e à vontade, sem revelar

nada. Pelo menos exteriormente. Um músculo vacila, cobre a carne de sua

mandíbula, sinalizando sua tensão para mim quando ele fez um sinal com

sua mão em minha direção. — Lá está ela, meninos... —

Cassian permanece a poucos metros atrás dele com vários outros –

indivíduos de jaleco que me espiam com olhos profundos, avaliadores.

Enkros. Esta visão me abala. Eu não poderia ter me preparado para isso.

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Cassian. De pé ali, com eles. A ironia não tinha se perdido em mim.

Um desejo ridículo de rir borbulhou na minha garganta.

Eu me forço a me focar. A van está de ré em algum tipo de porta da

garagem. Um longo corredor estreito, branco opaco, se estende diante de

mim. Uma única porta de aço espera na extremidade. Não há nenhuma

possibilidade de escapar para o mundo exterior, para o céu. Não que eu esteja

aqui para escapar. Ainda não, de qualquer maneira.

Um dos casacos de laboratório dá um passo à frente. Ele tem um

bastão com um laço em torno do fim. Antes de eu perceber o que ele está

fazendo, ele põe o círculo firme em torno de minhas mãos atadas e aperta

ainda mais, arrastando-me da van com um puxão áspero. Eu pego apenas um

vislumbre dos olhos determinados do homem, um azul tão pálido que parece

incolor, antes de mergulhar da van e bater no chão frio.

Caindo sobre meu ombro, eu grito de dor – ao mesmo tempo, me

surpreendendo que estes homens pareçam tão normais em seus jalecos de

laboratório. Como médicos ou pesquisadores e não a secreta ameaça que

acompanhou minha vida por tanto tempo.

Uma nova onda da raiva de Cassian se varre em mim. Tremo e tento

removê-la. É debilitante – me faz querer lutar, para liberar tudo o que sou

nestes enkros. E eu não posso.

Um som escapa de Will. Algo entre um grunhido e um gemido.

Quando eu olho para cima, o meu olhar se choca com o seu. Suas mãos se

fecham a seus lados. Ele está mal se contendo. Eu dou um mínimo aceno com

a cabeça, na esperança de comunicar que ele deveria se manter sob controle.

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Eles devem ir. Eu sei que isto está matando a ambos e eu não posso

arriscar qualquer um deles mostrando o menor sinal de que eles foram

afetados com meu tratamento.

— Levante-se! Vamos! — O cara puxa o bastão e as amarras cortam

meus pulsos tão profundamente que eu estou convencida de que se eu não

me mover eu posso perder minhas mãos.

Olhando para ele, eu estou impressionada com o desapego naqueles

olhos azul pálido. Não há nada lá, nem mesmo o que eu esperava. Nenhum

veneno, nenhuma malícia. Porque ele está despreocupado. Ele acredita que está

fazendo a coisa certa.

A cólera de Cassian continua seu caminho sinuoso através de mim.

— Olhe para ela, — um dos casacos de laboratório exclama. Estou

quase tentado a olhar para mim para ver do que ele está falando.

Há um rumor de movimentos rápidos, em pânico, e então a minha

boca está selada com fita adesiva antes mesmo de eu ter tempo para reagir.

Eu acho que eles sabem o suficiente para saber o que eu sou. O que eu posso

fazer.

O jaleco está de volta. — Ora. Isso será por agora, até que ela seja

processada. Ela não vai acender ninguém.

Sufocada, eu grunhi. Meu olhar se virou freneticamente, procurando

por Will, a necessidade de vê-lo de novo, apenas mais uma vez antes que eu

seja levada e "processada".

Outro puxão firme e eu me embaralho em meus pés. Sou puxada para

frente rapidamente pelo corredor, passando pelos outros. Lâmpadas em

armações de metal emitem um impiedoso amarelo.

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Eu estou me movendo. Eu não posso mais ver Will ou Cassian.

Mas o medo e a frustração de Cassian ainda me alcançam. O gelo

furioso dessas emoções me lava. Eu olho por cima do ombro para um

vislumbre final deles.

Cassian é uma estátua ainda, me encarando. Will está falando com um

dos casacos de laboratório. Seu olhar desliza para mim uma vez, brevemente,

e depois se distancia. Ele parece excepcionalmente pálido, sua mão

esfregando o lado do pescoço, como se houvesse algo ali que pudesse apagar.

Então eu chego ao final do corredor. Nós somos a porta e eu não

consigo mais ver Will.

Há apenas o que está à frente de mim agora.

O elevador desce comigo dentro, cercada por meus captores. Eles

ficam distantes de mim, se apertando contra as paredes, armas prontas.

Mesmo com a boca colada, é tranquilizador saber que ainda me

consideram perigosa. Eu sinto falta de Will e Cassian tão intensamente

quanto a lâmina de uma faca. Mesmo que meu coração sinta a falta de Will, é

o vazio de Cassian que eu sinto mais intensamente enquanto sua raiva fria

desvanece, partindo com ele. E não é apenas a sua raiva que eu perdi. Sua

preocupação, sua aflição e medo... suas dúvidas. Tudo isso se evapora como

fumaça no ar.

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Agora sou só eu e os meus sentimentos, mas pelo menos não tenho

mais que escapar de minhas emoções e lutar para separar o que sou eu e o

que é Cassian.

Eu não preciso fingir meu medo enquanto eu era levada para as

entranhas da fortaleza. Eu não tenho certeza do que eu esperava... talvez um

calabouço como um castelo? De qualquer maneira, as paredes brancas e teto

brilhante iluminado não o são. O piso de ladrilho é frio e liso sob meus pés

descalços, e apesar de eu geralmente preferir o frio, eu tremo. Esse não é o

macio chão frio da floresta com agulhas de pinheiro e de solo rico. O chão

estéril é duro e sem vida debaixo de mim.

Nós nos aproximamos de uma porta que se abre silenciosamente do

teto ao chão.

Eu pisco no clarão súbito da sala diante de mim. Quando meus olhos

se ajustam à luz, minha garganta contrai com a visão que me cumprimenta.

Uma longa mesa de observação se estende na frente de várias celas.

Todas elas têm frentes de Plexiglas1 com três paredes brancas simples. E

dentro de cada cela está um draki. De todas as formas, tamanhos e cores.

Eu não consigo ter uma contagem exata. Talvez 10 todos juntos.

É demais para absorver e eu não posso me mover. Sou golpeada nas

costas com tanta força que eu cambaleio. O jaleco diante de mim grita os

lábios torcendo em um grunhido enquanto ele sacode meus pulsos e me puxa

para cima um momento antes de eu cair de joelhos. A dor se lança através das

articulações em meus ombros. As amarras de plástico apertam, cortando

minha circulação.

1 Vidro plástico de alta resistência.

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Eu realmente sou um animal para eles. Menos do que isto. Um toque

de desgosto se esconde em seus olhos, mas também um toque de fascínio. Por

mais que eu seja uma besta para eles, eu sou parecida o suficiente para

assustá-los. Se eu fosse apenas um animal simples, uma criatura comum da

floresta, eles me tratariam com mais gentileza e cortesia.

Mas eu não sou.

Eu sou essa coisa estranha para eles, uma aberração que eles veem

como uma anomalia mesmo que meus antepassados, dragões, estivessem

aqui a mais tempo do que o homem.

Meu coração bate num ritmo selvagem em meu peito enquanto sou

empurrada para dentro da larga sala. Eu rapidamente examino cada célula,

não absorvendo qualquer draki individualmente em minha busca por Miram.

Eu a reconheço. Minhas narinas incendeiam com respiração animada

por vê-la viva. Ela está enrolada de lado, sua pele, bronzeada e indefinida,

está entorpecida, não tão vibrante como qualquer um de seus vizinhos. Seus

olhos estão fechados e seus cabelos se arrasta sobre o piso, liso e sem graça,

como trigo seco.

Eu grito com ela na nossa língua draki. Apesar de a fita cobrindo

minha boca, eu faço um monte de barulho. Vários draki levantam a cabeça

em minha direção.

Mas ela não reage. Nem mesmo um piscar de olhos.

Eu grito contra a minha mordaça, dizendo seu nome mais e mais.

Seus olhos se abrem, e eu acho que ela me ouviu. Ela até olha em

minha direção. Em seguida, não. Suas pálpebras se fecham novamente. Eu

me esvazio por dentro. É como se ela não se importasse. Ou talvez ela não

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possa processar que sou eu. Talvez ela tenha sido drogada. Quem sabe o que

eles fizeram com ela.

Então, eu não posso mais vê-la, porque eu sou levada a uma cela

vazia. O Plexiglas se abre e sou empurrada para dentro. Vários jalecos me

seguem. Eles me prendem com um novo bastão e este me sacode com uma

corrente elétrica.

Eu caio, peso morto, engasgada com um grito. Eles fazem o trabalho

rápido de desvinculação de minhas asas e meus punhos enquanto eu

estremeço no chão frio, capaz de ver e sentir, mas incapaz de controlar meus

movimentos. Em suma, o inferno. Eles deixam a fita adesiva sobre minha

boca, mas eu não tenho a força para rasga-la e me liberar.

Todos eles deixam minha cela, exceto um. Ele permanece, me olhando

com interesse suave. Meu pulso gagueja contra meu pescoço enquanto eu

suporto sua análise, sabendo que ele pode fazer qualquer coisa comigo e eu

não posso levantar um dedo para me proteger.

Ele se abaixa e acaricia o meu braço com um arrastar lento dos dedos

que faz com que o meu estômago se contorça, doente. Bile escaldante sobe

para a parte de trás da minha garganta.

Outro jaleco aparece atrás dele. — Vamos lá, Lewis.

Lewis balança a cabeça, meditando, — Este com certeza tem uma pele

muito bonita. — Ele me olha com curiosidade fria.

— Sim, e ela respira fogo, por isso, se eu fosse você, eu sairia daqui até

que tenhamos a estudado adequadamente e saibamos como lidar com esse

dragão em particular. Lembra-se das histórias dos caçadores que capturaram

um engolidor de fogo ultimamente?

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— Acha que esse aqui é o mesmo?

— Sei lá. Não importa. Meu ponto é que ela escapou deles. Não

subestime esta. Agora, vamos lá. — O jaleco que deu o conselho se afasta.

Lewis continua a observar-me, a cabeça inclinada em um ângulo. — É.

Mas você não pode fazer nada agora, você pode? Você é inofensiva. — Sua

mão desliza sobre a minha barriga. Ele espalma minha carne vagarosamente

antes que seus dedos agarrarem e me belisquem, torcendo minha pele com

rápida selvageria. — Como é a sensação de estar indefesa? Você está à nossa

mercê agora. Não há escapatória. Entendeu?

Depois de um longo momento, ele dá um aceno satisfeito e me libera.

— Vejo você mais tarde. — Ele recua vários passos até que o Plexiglas deslize

se fechando entre nós.

Sozinha, eu permaneço deitada e pressiono meus lábios trêmulos

fechados. É tudo que eu posso fazer para não gritar.

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Eu deito no chão, tremendo, minha barriga ainda pulsando no lugar

de onde o bastardo me machucou. Os efeitos do choque elétrico

gradualmente desaparecem de meus membros e eu agarro meus joelhos

perto do meu peito, olhando vagamente para os enkros se movendo para

frente e para trás do lado de fora da minha cela. Será isso o que aconteceu

com o meu pai? Ele esteve aqui? Eu não tive tempo para ver muita coisa antes

deles me forçarem para dentro da cela. Se eu chamasse "Magnus", ele me

responderia?

As figuras fantasmagóricas de jaleco branco se embaralham em volta,

preocupadas com suas tarefas. Minutos passam antes que eu me sinta pronta

para me mover novamente. Desenrolando, eu me empurro para cima com as

palmas das minhas mãos, meus músculos tremendo com o esforço.

Eu percebo uma voz, um draki sussurrando suavemente de algum

lugar à minha direita. Eu me esforço para ouvir além do clique fraco das

teclas de computador e dos zumbidos de vozes humanas na mesa de exame.

Dois enkros estão sentados ali, olhando de vez em quando. Às vezes para

mim, às vezes para as outras celas. Eu apostaria que alguém se senta ali em

todos os momentos, observando, nos estudando por qualquer coisa que as

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câmeras nos cantos possam perder. Eu odeio isso. Que eu nunca possa fazer

um movimento sem ser notada.

Eu começo a juntar as palavras que passam através da parede.

Euqueroirpracasa Euqueroirpracasa Euqueroirpracasa porfavor...

É uma draki fêmea e eu não posso ajudar, mas me pergunto se ela não

está um pouco louca. Quem sabe por quanto tempo ela está aqui. Quanto

tempo qualquer um deles estão sendo mantidos aprisionados.

Eu tremo e rapidamente me lembro de que eu só tenho que sobreviver

por um dia. Eu posso fazer isso. Vinte e quatro horas e Will e Cassian virão

me buscar. Este lembrete funciona – me traz de volta para o meu propósito.

Eu me levanto, ignoro os olhos me observando, a lente da câmera

registrando cada movimento meu. Meus dedos agarram as bordas da fita

adesiva que cobre minha boca e eu a arranco fora, livre com um rasgão

ardente. Eu estremeço e arrasto o ar através de meus lábios.

— Miram! — Eu chamo com voz rouca no início, em seguida,

novamente, mais firme, batendo no vidro com a palma da minha mão.

Os enkros me observam, mas eu os ignoro, sabendo que não podem

me entender.

— Miram, sou eu, Jacinda! Não se preocupe, Miram. Estou aqui para

te salvar.

Nada. Apenas a garota da porta ao meu lado resmungando seu

mantra interminável. Eu me impeço de gritar com ela para calar a boca.

— Miram você pode me ouvir? Por favor, diga alguma coisa. Cassian

me enviou. Ele está aqui também. Só que lá fora. Estamos aqui para te levar

embora!

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Nada. Eu pensei que a menção de seu irmão iria acordá-la como nada

mais poderia. É por isso que eu entrei. Além de estar aqui, Cassian poderia

nos localizar através de sua conexão comigo, eu estou aqui para avisar

Miram... para prepará-la para a fuga.

Com estes pensamentos urgentes em minha mente, eu prossigo. Eu

tenho que tentar.

— Miram —, eu grito. — Você não tem que responder a mim, mas

esteja pronta. Nós vamos te tirar daqui. Nas próximas vinte e quatro horas,

nós vamos fugir. Esteja pronta para isso.

Risadas se transportam da cela à minha esquerda. Risos de draki. Os

jalecos de plantão parecem fascinados pelos rosnados explosivos de som. Eles

caem em um turbilhão de atividades, documentando os estranhos sons.

Claro. Eles provavelmente não ouviram muitas risadas dentro destas

paredes.

O som arranha. Eu pressiono minhas mãos contra a parede que

compartilho com o draki rindo. — O que é tão engraçado? — Eu assobio.

O riso só continua.

Eu cubro minhas mãos sobre meus ouvidos. — Já chega!

De repente o riso para. Eu levanto minhas mãos. Por um momento, eu

acho que não serei respondida, então de repente os tons guturais de um draki

masculino raspam o ar. — Que você ache que vai sair daqui viva. Isso que eu

acho altamente divertido.

Com estas palavras minha ousadia oscila. Eu consigo pegá-la de volta

e exijo através da parede: — Então o que? Você não tem mais qualquer

esperança? Você apenas se entregou? Aceitou sua sorte aqui?

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— Não, eu não desisti. — Ele soa indignado agora. Melhor do que a

draki do meu outro lado que soa meio louca com seu sussurro incessante. —

Eu só estou tentando manter minha sanidade e ficar vivo aqui. A amiga que

você está chamando – Miram? Ela já desistiu há muito tempo.

Eu balanço minha cabeça. — Você está satisfeito em viver seus dias

aqui?

— É a vida.

— Dificilmente. Estamos fugindo daqui, — eu prometo. —Basta ver.

O rangido do riso retorna. — Bem, se isso acontecer, eu vou estar

grudado em você.

Eu me abaixo de volta ao chão frio, descansando as pernas que ainda

parecem tão moles como geleia. Eu observo o que posso ver da sala do outro

lado do Plexiglas: um longo balcão de observação, várias câmeras

posicionadas em cada canto. Os poucos enkros na sala conversam em voz

baixa. Eles parecem estar no processo de decidir alguma coisa. Um dos

jalecos olha para o seu relógio e faz um sinal para que todos nós nos

alinhemos em nossas celas. Outro de jaleco olha para mim incisivamente e

balança a cabeça, discordando claramente sobre algo.

Eu me inclino para o lado até que o meu ombro toca o Plexiglas. Tento

decifrar suas vozes abafadas, certa de que, seja o que for que eles estão

falando, tem a ver comigo. Eu preciso estar pronta.

Mais enkros chegam, e os detrás da mesa de observação praticamente

se curvam e se esfregam diante deles.

Eu estou prestando atenção em tudo isso, quando outro draki fala, sua

voz jovem carregada de algumas celas adiante.

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— Se eles não te pegarem, o cinza irá.

Ela soa como uma criança, eu penso, angulando minha cabeça. — O que

você quer dizer?

— Se os enkros não acabarem com você, então ele irá. — Ela pronuncia

ele como se eu devesse entender seu significado. — O cinza.

— Quem é o 'cinza'?

— Ah, ele é mau. Ele está aqui a mais tempo do que qualquer um de

nós. — Ela faz um som fungado. — Provavelmente por isso ele é tão

asqueroso. Você tem que ficar longe dele.

— O que ele é? — Eu nunca ouvi falar de um draki cinza antes. Ele

deve possuir um talento que eu não sei. Em vez de medo, excitação treme

através de mim... por conhecer outros draki, aprender sobre um draki que eu

nunca soube que existia. Não é algo que eu considerei ao vir aqui. Muitos

outros pensamentos me consumiam.

— É melhor desejar que você não descubra. Basta ficar fora de seu

caminho. Se esconder.

Estou prestes a perguntar quando eu supostamente posso encontrar

esse draki – nós estamos mantidos nestas celas, afinal de contas – quando

uma sirene começa a tocar baixo e uma luz vermelha piscante inunda a sala.

— O que está acontecendo? — Eu peço, olhando em volta

freneticamente.

Mesmo da minha cela, eu posso ouvir os draki lutando para ficarem

de pé. No fundo da minha mente, me pergunto se Miram também se move.

Ou ela é ainda um caroço no chão de sua cela?

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— Prepare-se! — O draki macho que falou comigo ordena.

Preparar-me? Preparar-me para quê?

Mesmo assim, meus músculos se contraem e se juntam debaixo da

minha carne. De repente, o lado de trás da minha cela é aberto. A parede não

é uma parede, então. Ela desce no chão como uma janela de carro, revelando

um mundo exuberante de vegetação.

Há vários barulhos de vento enquanto os draki fogem pelo ar e

desaparecem na densa vegetação. Eles se foram num piscar de olhos,

fantasmas no ar, perdidos na folhagem que zumbia com vida, muito rápido

para que eu pudesse processá-los ou identificar se Miram está entre eles.

Eu avanço até a margem com cuidado, não sei o que esperar. Assim

que eu saio do limiar da minha cela, ela desliza e se fecha atrás de mim. Não

há volta.

Eu libero uma respiração lentamente, flexionando os pés descalços no

solo. Sou só eu. Nenhum outro draki à vista. Nem mesmo a inútil Miram,

enrolada-em-uma-bola. Mas eu sei que eles estão todos lá fora, nesta vasta

simulação de floresta.

O que será que os enkros estão fazendo? O que eles estão esperando

alcançar? Eu olho em volta, assimilando a espessa simulação de árvores, e é aí

que eu as localizo. Câmeras. Em todos os lugares. Posicionadas acima das

folhas de uma árvore. No nó da madeira de um tronco. Duvido que haja um

centímetro desta floresta simulada que eles não possam ver.

O que me faz perguntar o que eles estão esperando filmar. Nossa

interação? Porque até onde eu posso dizer, ninguém está interagindo. Todo

mundo está... escondido.

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Com essa constatação, tudo dentro de mim fica preso. Eu me lembro

do aviso sobre o draki cinza.

Fique longe dele...

Fora do seu caminho...

Escondida...

Assim como todo mundo está fazendo agora. Exceto eu. De repente eu

sei que não deveria estar de pé num campo aberto como este. Tarde demais,

um rosnado pula no ar fresco, e uma segunda constatação se apodera de

mim.

Eu não estou sozinha.

Ele é cinza. Assim como a garota draki o descreveu. Um cinza ardósia

como o aço líquido, possivelmente o maior draki que eu já vi. Ele é mais alto

do que os ônix do clã. Ele é, obviamente, forte. Talvez rápido, também. Suas

asas são de couro, mas cor de cinzas, atravessando o ar acima de seus

enormes ombros. Eu não acho que ele é velho, mas há algo sobre seus olhos...

esse olhar cinza-azulado contém tal astúcia, uma ameaça selvagem que

parece antigo.

De repente, eu gostaria de ter feito mais perguntas, exigido mais

respostas da menina quando ela tinha vindo oferecer seus conselhos.

— Oi, — eu digo, me mantendo parada, sem saber o que fazer. Meus

dedos tocam as minhas coxas em agitação. Eu nunca fiquei cara-a-cara com

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um draki que não pertencia a meu clã antes. Historicamente, os clãs são

incontroláveis, tribos em guerra. Isso é o que levou à última Grande Guerra.

Os textos antigos narram sobre várias centenas de clãs, muitos para se

ter certeza. Nós aprendemos sobre eles na escola. Eu até li sobre algumas

histórias com a nossa bibliotecária Taya, fascinada com o tempo de antes das

guerras, quando os clãs eram unidos como uma grande nação.

Enquanto eu o encaro, eu aceito que não deve ser um choque conhecer

um novo draki. Eu sempre soube que eles estiveram por aí.

Mas é uma grande coisa. Cada fibra de meu ser pulsa com o instinto de

luta, de defesa. É a mesma reação que eu tive quando os caçadores me

perseguiram, mas eu nunca pensei que me sentiria assim em torno de outro

draki. Parece alguma forma de sacrilégio. Nós somos o mesmo, afinal.

Ah, claro, existem os encrenqueiros como Miram, e até mesmo aqueles

que me fazem sentir intimidada como Severin e Corbin. Mas enfrentar este

draki... isso é diferente.

Agora, neste momento, eu sinto como se meu próximo passo

significará vida ou morte para mim.

Ele não responde a minha saudação. Carvão e cinzas crescem em

minha garganta e meus músculos se torcem mais apertados, prontos para

entrar em ação.

De frente para ele, lembro-me de um filme de prisão que assisti há

muito tempo, alojado no fundo da minha memória. É uma estranha sensação

de déjà vu. Como se eu estivesse escalada para esse filme. Eu sou a nova

prisioneira, de pé no pátio, me defendendo dos valentões já estabelecidos.

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Eu tento me lembrar do que o novato fez para sobreviver, porque,

claro, ele é o herói que chega ao fim. Assim como eu pretendo. Ou, pelo

menos durante as próximas vinte e quatro horas até que meus amigos nos

tirem daqui.

— Eu não quero nenhum problema —, eu digo.

O draki faz um barulho estranho, um som de chocalho gutural na

garganta que eu nunca ouvi falar de outro draki antes, e eu me pergunto se é

algum tipo de chamada para a batalha. Enquanto o encaro vejo sua carne

escamosa se ondular e estremecer.

— O-o que você está fazendo? — Eu lhe pergunto, sabendo que

poderia ser qualquer coisa. Eu não sei o poder que ele possui. Seja o que for, é

o suficiente para fazer outro draki se esconder.

Eu deslizo de volta um passo sobre o solo úmido, o meu olhar fixo

nele, com medo de desviar o olhar.

De repente, suas escamas se levantam. Cada centímetro dele está

coberto com afiados discos perpendiculares a seu corpo maciço. Eles brilham

afiados e eu sei que um roçar contra ele vai me cortar em tiras.

Meu estômago dói. Em um lampejo de clareza, eu sei por que os

outros fugiram no minuto que as portas se abriram.

Com uma maldição murmurada, eu me balanço ao redor e me

empurro do chão em um movimento suave, decidindo que os outros tiveram

a ideia correta. Eu preciso ficar longe deste draki. Rápido.

Imediatamente, eu estou perdida no rugido do vento enquanto eu

chicoteio através do espinheiro de árvores. Eu o ouço bater as asas atrás de

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mim. Eu sou rápida, mas ele também é. Vai, vai, vai, vai eu desejo por meus

lábios em um mantra interminável.

A ideia de ele me pegar, batendo seu corpo afiado contra o meu, me

enche de um medo tão intenso que o fogo se constrói em meus pulmões e

envolve minha boca. E eu sei que não há escolha. Eu tenho que ficar e me

defender.

Eu paro no ar e rodopio, minhas grandes asas como velas batendo

atrás de mim – mas nada como ele que corta o ar, criando afiadas rajadas de

vento que rasgam as folhas das árvores.

Enquanto ele vem a mim, eu construo e recolho o calor dentro de mim,

sabendo que nenhum pequeno sopro de vapor em advertência será

suficiente. Para ele, eu preciso de fogo. Chamas mortais.

Quando ele se aproxima – seu rosto tão perto que eu posso ver as

linhas duras e implacáveis de suas características, o nariz sulcado e as largas

narinas – eu libero a imensa queimadura de calor de dentro de mim.

Ele explode em um redemoinho de chamas crepitando com raiva.

Ele cai para o lado e abaixo de mim, por pouco escapando de todo o

impacto.

Eu giro, olhando abaixo de mim, e o vejo de volta, subindo em minha

direção. O brilho em seus olhos me diz que não se sente intimidado pelo meu

talento. Na verdade, ele o agrada.

Talvez seja isso que me descontrola mais. Fogo não o assusta? Será que

ele quer ser queimado? Será que ele tem desejo de morrer?

Percebendo que eu não sei nada sobre como este draki vai reagir, eu

mergulho, voando baixo perto do chão, olhando por cima do meu ombro. E,

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sim, ele está atrás de mim de novo, implacavelmente me perseguindo. Eu não

paro dessa vez. Eu atiro fogo para trás, por cima do meu ombro.

Ele desvia em meu rastro, determinado a me pegar. É como se não

houvesse nada além do selvagem dentro dele, o dragão antigo, sem um pingo

de humanidade. Ele quer me destruir.

Meus dentes se apertam duramente em minha boca e eu me esforço

para ir mais rápido.

Meus pensamentos correm. Eu sei o que tenho que fazer. Eu caio até

tocar o chão, e então eu me viro e espero, o fogo arde lentamente dentro de

mim, a grama é macia e flexível debaixo de mim enquanto eu olho para o

draki vindo em minha direção. Vapor escapa do meu nariz. Seu olhar segue

este vapor antes de travar em meus olhos. Há satisfação naquele azul-

acinzentado reluzente... e eu tenho a suspeita de que essa satisfação não é

porque ele está convencido de que ele está prestes a me matar. Não. Ele quer

que eu ganhe. Ele quer que eu o vença. Assim, ele estará livre deste lugar.

Logo que ele está prestes a chegar até mim, estamos cercados.

Os enkros invadem a floresta simulada, uma dúzia deles vestidos dos

pés à cabeça em trajes brancos que os fazem parecer como astronautas. Sou

agarrada pelos braços e arrastada. Eu luto – é o meu instinto fazê-lo. Mesmo

que eles estivessem me resgatando de um infernal draki assassino. Ou o

resgatando de mim. Eu não tenho certeza qual é o caso.

— O que vocês estão fazendo? — Eu grito com eles. — Não é isso que

vocês queriam? Vocês não querem que nós matemos uns aos outros? Vamos

lá! Vamos lá! — Eu me debato em seus braços, soprando fogo que não faz

nada contra seus trajes resistentes ao fogo.

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Vários deles envolvem o draki cinza. Mesmo em seus ternos, não

colocam a mão sobre ele, e eu acho que é porque ele rasgaria direto através

do material especial de seus equipamentos de proteção.

Eles o apunhalam com uma vara afiada - e então eu percebo que não é

uma vara. É um bastão elétrico como aquele que usaram em mim. No

entanto, não parece ter qualquer efeito sobre ele. Talvez ele não o penetre?

Ou talvez ele seja muito forte para se importar?

E está lá, crescendo dentro de mim, talvez seja inacreditável, mas é

verdade, no entanto. Pena.

Ele rosna e rosna, uivando enquanto é golpeado repetidamente. No

entanto, ele nunca cai. Ele recebe os choques de novo e de novo e não se

perturba.

Deus, o que ele é?

Então, eu estou de volta a minha cela e a parede está deslizando

fechada, selando-me ao entrar. Eu estou sozinha, estremecendo com grandes

e fumegantes respirações.

E eu não consigo ver mais nada.

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— Ei, Jacinda! — O sussurro alto penetra meu nevoeiro de

pensamentos. É a draki jovem que falou comigo antes. — Você está bem aí?

Deitada de lado no chão, ainda atordoada do meu encontro com a

morte, eu abro um olho numa fenda. A luta com um draki camicase me

deixou abalada, por dentro e por fora. Fisicamente drenada. Mentalmente

exausta. E eu não estava aqui nem há uma hora. Ou eu estava? Cada

momento se arrastava em agonia.

Sento-me lentamente, esfregando o lado do meu rosto. — É. Eu estou

bem. Qual é o seu nome? — Eu pergunto, calculando que já é hora de saber.

A voz chega a mim novamente. — Eu sou Lia —. Mesmo através das

paredes eu posso ouvir a sua juventude e inocência. — Eu nunca conheci

uma respira-fogo antes.

Eu não me incomodo em apontar que não nos conhecemos realmente.

— Não? Que tipo de draki é você?

— Eu sou um draki da água. Por cerca de seis meses, de qualquer

maneira.

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Uma draki da água como Az. Uma pontada golpeia perto do meu coração

quando eu penso em minha amiga de infância. Lembro-me que este não é o

fim, mesmo que por apenas um curto espaço de tempo, este mundo, o meu

papel como prisioneira, esteja me consumindo. Parece que é tudo. Parece que

eu estou presa aqui por dias. Como deve ser para os outros que já estão

presos há muito mais tempo? Lembro-me do draki cinza... a fome de morte

em seus olhos, e eu imagino que eu sei o que seria. Em seguida, as últimas

palavras de Lia entraram em minha cabeça. Seis meses?

— Quantos anos você tem? — Eu pergunto.

— Doze.

Doze! Ela é um bebê. — Há quanto tempo você está aqui?

— Alguns meses agora. — Ela diz isso com tanta naturalidade que eu

estremeço. Se é que é possível, as paredes de repente parecem mais perto,

mais apertadas a minha volta. Esfrego forte em minhas têmporas. —

Desculpe eu não a ter prevenido melhor sobre o cinza –

Eu balancei minha cabeça antes de lembrar que ela não pode me ver

através das paredes da cela. — Você tentou. Não havia muito tempo para

explicar.

— Nunca há.

— O que você quer dizer?

— A primeira coisa que fazem quando capturam um draki novo é

jogar todos juntos na Floresta. É onde eles o mantém. — Eu sei que ela quer

dizer agora. — Eles querem ver como cada draki novo age na população em

geral. Bem, a maioria deles quer ver como um novo draki reage ao cinza.

Você sabe se temos um bom talento ou não.

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— O que ele é? De onde é que ele vem?

— Ele não é como qualquer um de nós.

— Considerando que seu primeiro impulso é o de tentar aniquilar sua

própria espécie? É. Meio que percebi isso.

O draki masculino do outro lado de mim se intromete na conversa, —

Ele é velho. Mais velho do que todos nós.

— Ele não meu pareceu assim tão velho —, eu digo.

— Meu palpite é que ele é o mais velho de qualquer draki vivo. Mais

dragão que humano.

Eu franzi a testa. — Como você sabe disso?

— Roc sabe tudo. Ele é muito inteligente, — Lia assovia.

— É apenas uma teoria, — Roc diz. — Conforme o tempo passa, nós

nos tornamos mais e mais humanos. Eu estou supondo que costumávamos

ser mais como ele... mais dragão. Ele é o que éramos. — Ele faz uma pausa e

eu quase posso imaginar o draki dando de ombros do outro lado da parede.

— Ele é o que éramos talvez há uns mil anos atrás. Antes da civilização tomar

o controle. Primitivo. Selvagem.

Eu mordo meus lábios. Talvez. Mas eu também queria saber se ele era

cruel como resultado do que os enkros fizeram com ele. Talvez ele só tenha

ficado louco por estar em cativeiro. Mesmo agora eu posso me sentir

enfraquecendo.

Eu engoli e balancei a cabeça. Eu não estou aqui para resolver o

enigma do draki cinza. Estou aqui para resgatar Miram e espero que, no

processo, detonar com toda esta operação. Acabar com esses enkros que

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podem ter tido algo a ver com Papai ter sido tomado de mim. Mesmo que

eles não o tenham feito, eles precisam ser parados.

Silêncio desce em torno de mim e eu sei que estamos refletindo sobre

nossos próprios pensamentos. Em algum lugar distante, abaixo da linha de

celas, ouço uma voz murmurando na língua draki. Os humanos no balcão de

observação falam em um zumbido baixo e maçante. Um deles me pega

olhando para ele e eu desvio para longe, muito desconfortável para segurar o

seu olhar, como se ele pudesse ser capaz de ver dentro de mim até os meus

segredos.

Inquieta, eu ando no comprimento curto de chão, perguntando-me

quanto tempo se passou desde que eu estou nesta cela. Já parece ser muito.

Eu não sou feita pra isso – para ficar encurralada. Não que alguém seja, mas

eu me sinto especialmente no limite. Como se eu pudesse arrancar meus

cabelos se eu não escapar desta caixa em breve.

— Miram —, eu chamo após vários momentos, determinada a tentar

novamente. — Você está aí?

Claro, ela está aqui. Onde ela teria ido?

— Eu sei que você está aí —, afirmo. — E eu sei que você está brava

comigo. — Além da nossa missão para resgatá-la, de alguma forma, tornou-

se importante acertar as coisas entre nós. Desde minha ligação com Cassian,

meus sentimentos em relação a ela já não são tão... difíceis. Estou certa de que

sentir as emoções de Cassian, seu amor e carinho por sua irmã tinham me

influenciado.

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— Brava? — A voz familiar finalmente rachou através do ar. — Por

que eu estaria brava? Você só me fez ser capturada por caçadores e lançada

neste inferno!

Eu puxo uma respiração profunda e resisto dizer a ela que a culpa é

tanto dela quanto minha. Ela não deveria ter me seguido e me espionado em

primeiro lugar! Mas eu não estou aqui para discutir com ela. Eu tenho que

fazê-la ver – ver que nós somos aliadas.

— Seu irmão está aqui, Miram.

Uma longa pausa antes de seguir: — Cassian?

— Sim.

— Ele está vindo me buscar?

— Sim. Todos nós estamos. Tamra também. Eu fui pega para que

Cassian possa nos encontrar uma vez que eles estejam aqui dentro. — Eu

engoli. — Nós fomos unidos. Ele vai saber de imediato onde eu estou. Nós

vamos libertar você. — Eu não mencionei Will. Considerando que Miram não

escapou comigo da última vez, porque Will estava lá junto de mim, eu acho

que é melhor deixá-lo de fora por enquanto.

Todos os draki a minha volta estão quietos e sei que Miram não é a

única a ouvir. Eles estão absorvendo minhas palavras, tanto quanto ela está.

Eu estaria fazendo a mesma coisa – meus pensamentos estariam correndo,

será que eu poderia ser libertada também.

— Todos vocês —, eu chamo. — Estaremos todos escapando deste

lugar.

— Oh, obrigada —, Lia chora animadamente.

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Roc apenas murmura: — Vamos ver —, mas eu posso ouvir um fio

tênue de esperança em sua voz.

— O que eu preciso fazer para ajudar? — Miram pergunta.

Relaxo meus ombros, aliviada com as palavras dela – que ela está a

bordo. — Esteja pronta. Siga minhas instruções, não importa o que aconteça.

Mesmo quando você vir Will. — Não pode ser como da última vez, — eu

avisei. — Não entre em pânico... —

— Eu estarei pronta. — Há um sussurro de raiva em sua voz e eu acho

que isso é bom. Uma coisa boa, mesmo. Um pouco de raiva é saudável.

Talvez ela vá lhe dar coragem quando chegar a hora de agir. Eu deslizei para

baixo, a parede atrás de mim.

E então aquela draki começa de novo com seus cânticos

enlouquecedores. Aparentemente, a minha promessa de fuga não se registrou

nela. As palavras escapam coladas tão rapidamente agora que eu não posso

nem compreendê-las. Eu pressionei ambas as mãos nos ouvidos para tentar

bloquear a sua voz estridente. Impossível.

Roc berra com ela e eu pulo. Ela não dá uma trégua, de qualquer

forma. Na verdade, ela fala ainda mais alto. Outro som junta-se a cacofonia.

O som de alguém batendo nas paredes. É quase como um corpo se chocasse

contra uma cela. A força envia uma vibração através do piso que percorre as

minhas pernas.

Eu enterro meu rosto em minhas mãos, convencida de que eu acabei

de mergulhar em um asilo. Apenas um dia. Apenas um dia. O tempo não pode

se mover rápido o suficiente.

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Meu olhar ficou embaçado quando eu fiquei muito tempo encarando o

Plexiglas. Eu pisquei meus olhos doloridos e desviei o olhar, tentando me

concentrar nos meus pensamentos novamente. Difícil. Impossível. Minha

adrenalina se foi, eu me sinto quase doente, drenada, doentia e letárgica.

Uma dor maçante pulsa na parte de trás da minha cabeça, torturando-me

como se algum tipo de besta estivesse mordiscando um osso. Eu esfrego

minha mão na base do meu crânio. Eu não consigo me encontrar em nenhum

lugar no meio da agitação confusa dos meus pensamentos. Toda a minha

confiança escapa de mim. Sim. Nós temos um plano, mas e se não funcionar?

E se Will, Cassian, e Tamra tentarem nos resgatar e falharem? E se eu ficar

presa aqui? Presa numa cela para sempre? O pânico enfia suas garras na

minha garganta.

Cassian. Minha mente sussurra o nome dele, procurando por ele,

tentando alcançá-lo. Ele pode me sentir? Me ouvir?

Cassian, eu não sei por quanto tempo mais eu posso suportar isso. Eu penso

as palavras, eu as formo em minha cabeça como se eu estivesse falando com

ele, como se ele estivesse lá, dentro de mim.

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Pela primeira vez eu preciso que a ligação entre a gente funcione. Ele é

a minha única conexão com o lado de fora. Com a vida longe daqui. Com Will.

Um jaleco passa e volta, parando na frente da minha cela com uma

rapidez que me faz recuar.

Ele segura uma prancheta numa mão e um sanduíche na outra, uma

abundância de alface saindo de todos os lados do pão. Ele me observa com

uma fascinação curiosa – como se de repente eu fosse fazer algo interessante.

Ou já estou fazendo...

Ele bate no Plexiglas com um dedo, borrando a superfície com uma

mancha de mostarda.

— Olá, você. — Ele arrulha comigo como se eu fosse um bichinho de

estimação para adestrar. — Você não é uma menina bonita?

Eu inclino minha cabeça. Meu peito se expande com calor. Baforadas

de vapor saem do meu nariz enquanto eu o observo. Ele dá uma risada.

Outros enkros param ao lado dele. — Ela é especial. Acha que nós

conseguiremos abrir esta? Seria interessante ver como os pulmões e vias

aéreas funcionam.

— Eu imagino que poderemos eventualmente. — Ele dá uma mordida

em seu sanduíche e fala com a boca cheia. — Depois que nós tivermos feito

todas as avaliações. Nós nunca tivemos uma como ela. Doutor vai querer dar

uma olhada por dentro.

Eu fico de pé. Seus rostos balançam enquanto eu vou tropeçando em

direção a eles. Incapaz de parar, eu bato no vidro com o meu punho. Ele

estremece sob a força, mas não cede. Não que eu esperasse que fosse

acontecer.

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Eles sorriem, achando graça da minha explosão.

— Eu acho que ela nos entende. — O Comedor de Sanduíche concorda

como se ele estivesse convencido e então coloca seu sanduíche na metade

inferior de sua prancheta para que ele possa rabiscar uma observação sobre o

meu comportamento. — O doutor ficará satisfeito. Ele sempre acreditou que

eles tivessem inteligência.

O outro jaleco bufa e balança a cabeça. — Eles são apenas animais.

Criaturas fascinantes, claro, mas eles entendem tanto quanto o meu Labrador.

Eles se afastam então.

Eu caminho dentro de minha prisão e tento alcançar Cassian de novo,

desesperada, incapaz de afastar o pânico de que eu nunca serei resgatada

dessa cela.

Eu arrasto minhas mãos pelo cabelo e caio contra a parede. Lágrimas

quentes deslizam pelas minhas bochechas. Deslizando até o chão, eu libero

uma grande rajada de fôlego e fecho os olhos, lutando contra a emoção. Sem

lágrimas. Eu não vou deixar que eles me vejam chorando para que possam

escrevem em seus relatórios.

Cassian. Me ajude. Ajude Miram.

Baixando minha cabeça nos meus joelhos, eu afundo no casulo escuro

que sou eu, sem esperar a cena que me aguarda ali.

Uma imagem embaçada preenche a minha mente. É dia. Ao ar livre.

Eu vejo a minha irmã e Will. Ele está caminhando próximo a van.

Eu abro meus olhos rapidamente e me encontro ainda em minha cela.

Até mesmo embaçada, a imagem tinha parecido tão real.

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Abaixando minha cabeça, eu fecho meus olhos de novo e eu sou

sugada novamente para dentro da visão nebulosa. Com Will e Tamra. Mas

onde está Cassian?

Will caminha rápido em minha direção, seu rosto rígido e ansioso, seu

peito tenso sob a camiseta que ele estava usando quando nos separamos. Meu

coração incha, dominado pela visão dele.

— Você a sente? Como ela está? Ela quer que a gente vá?

Então eu entendo. Eu consegui chegar a Cassian. Além das minhas

fantasias desordenadas, eu consegui me conectar a ele. Tanto que eu estou

dentro dele nesse momento. Eu posso sentir e ver tudo que ele está passando.

A voz de Cassian se levanta de dentro de mim – ou melhor, dentro

dele. — Sim. Eu a sinto. Ela não está... se segurando muito bem.

— Eles a estão machucando? — Will exige. Sua pele fica pálida, olhos

tensos e sem piscar enquanto ele encara Cassian.

— Eu acho que não, — Cassian responde. — Não agora, pelo menos.

Eu não sinto nenhuma dor. Mas... —

— Ela está assustada? — Tamra pergunta.

Minha visão salta quando Cassian assente.

Tamra umedece seus lábios. — Então faça algo por ela. Você pode

alcançá-la. Confortá-la... —

A expressão de Will é selvagem. — Nós precisamos entrar. Nós não

podemos esperar. — Antes que qualquer um possa responder, ele xinga e se

afasta, saindo da visão de Cassian. Minha irmã começa a segui-lo, mas pausa

e volta para Cassian.

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A conexão começa a se dissipar, mas eu estou confortada. Aliviada.

Não vai demorar muito mais. Eles virão nos buscar.

Exausta, eu durmo de novo e sonho com Will.

Não é a primeira vez que ele preenche meus sonhos, mas é a primeira

vez que ele está voando ao meu lado como um draki. Seus olhos são os

mesmos, exceto pelas pupilas totalmente verticais. Elas brilham com prazer

enquanto subimos e mergulhamos, cortando através dos beijos das nuvens

molhadas. A pele dele é iridescente, indo do dourado para o marrom para o

verde – igual aos seus olhos castanhos claros. Suas asas se movem

fluidamente pelo ar, grandes velas movendo-se como ondas ao meu lado.

Quando eu acordo, eu sinto a vontade irracional de chorar quando a

realidade bate de frente comigo.

Lágrimas queimam por trás de meus olhos. Porque Will está voando –

isso nunca pode acontecer. A doçura daqueles momentos encontrados no

sono nunca acontecerá. Ele e eu nunca poderemos ter aquilo, ficarmos juntos

daquela maneira, como dois draki. Mesmo se for provado que ele é outra

coisa, algo mais do que humano, ele nunca poderá tomar os céus comigo.

E ele tem que fazer isso? Uma voz baixa sussurra dentro da minha

cabeça. Você nunca se importou com isso antes.

Eu puxo meus joelhos até meu peito e esfrego minha pele flexionada

com as duas mãos. Talvez por estar aqui, uma prisioneira dos homens, aliada

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apenas com meus colegas draki (exceto um, claro, que preferia me matar) e

sentindo saudade do céu, estou sentido o abismo entre eu e Will mais

acentuadamente.

A porta da sala de observação abre. Mais jalecos fluem para dentro.

Eles estão empurrando uma maca coberta por um lençol com tiras de couro

marrom penduradas dos lados. A visão disso começa uma vibração lenta e

nervosa no meu estômago.

Eu fico de pé, meu ritmo cardíaco aumentando. Eu me afasto contra a

parede, pressionando minhas palmas no concreto gelado. Um draki no final

do corredor começa a fazer uma confusão. Quase como se ele estivesse

cavando o chão de concreto.

— O que está acontecendo? – eu chamo, esperando que um deles me

responda.

Lia responde – seu tom em desculpas – como se ela fosse de alguma

forma responsável. — Eles vieram te buscar. É a sua vez.

Eu ofego. — Minha vez de quê?

— No começo, eles levam cada um de nós... colocam alguma coisa

dentro de nós.

— Que coisa? — Eu grito, andando rapidamente dentro da minha cela,

de um lado pro outro, como se os meus rápidos movimentos pudessem de

alguma forma me levar para longe de tudo isso.

— Eu não sei realmente... um negocinho brilhante de metal. Machuca

apenas por um segundo.

Negocinho brilhante de metal?

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Eu achato minhas mãos contra a parede novamente e balanço a cabeça

de um lado para o outro como se eu pudesse fazer tudo isso parar, que os

enkros não viessem me pegar. Eu não havia previsto isso. Eu não achei que

eles teriam tempo de fazer qualquer coisa ruim comigo antes de eu ser

resgatada.

— Não adianta lutar contra, — Roc dá sua opinião, sua voz amarga. —

Todos nós temos que passar por isso.

Todos nós temos que passar por isso.

De alguma forma isso não me anima. O terror sobe pela minha

garganta enquanto eu assisto os humanos pararem do outro lado da minha

cela de Plexiglas. Não era para que eu passasse por isso. Apenas vinte e

quatro horas. Esse era o plano. Não isso. Isso nunca foi o plano. E agora

supostamente deveria ser mais cedo. Will disse que eles estavam vindo. Onde

eles estão? Algo deu errado?

Eu posso ter sido uma criatura dócil antes, quando eu cheguei e estava

interpretando um papel, mas eu não posso me dar ao luxo de ser uma vítima

tão fácil nem mais um minuto. Eu não posso ser nada a não ser eu mesma.

Estou pronta para eles quando eles abrem o acrílico. Eu faço um

caminho de fogo crepitante, com a intenção de evitar que eles cheguem a

mim.

Eles vão embora de início, mas depois voltam novamente, agachando-

se. Diversas vezes eles tentam, aproximando-se cuidadosamente da cela.

Cada vez eu os presenteio com fogo, empurrando-os de volta para fora.

Eu ofego ruidosamente, um hálito quente e enfumaçado saindo dos

meus lábios. Eu recuso a me perguntar por quanto tempo eu posso continuar

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com isso. Eu apenas digo a mim mesma que eu tenho que continuar. Eu

tenho que aguentar até Will chegar aqui.

Os rostos deles estão irritados e vermelhos quando eles fecham o

acrílico e se reagrupam. Eles me olham feio, a determinação deles de me ter,

de me pegar, me quebrar, não menos brilhante em seus olhos.

— Ela era fácil antes, — um diz sua voz próxima a uma lamúria.

Fácil? Certo.

Um finalmente ordena, — Já chega disso. Vão vestir os trajes.

Meu estômago se aperta e eu sei de que traje ele está falando. Aqueles

que são a prova de fogo, que usaram naquela floresta simulada para evitar

que eu e o dragão cinza nos matássemos.

Dois homens nas vestes retornam. Aparentemente eles pensaram que

dois seriam o suficiente para lidar comigo. Eu fico tensa, minhas coxas

tremendo em prontidão. Um rosnado baixo incha a minha garganta.

Os outros dão um passo pra trás enquanto os dois homens com as

vestimentas se enquadram na frente da minha cela, cada um segurando os

bastões elétricos dos quais eu me lembro tão bem de quando eu cheguei aqui.

O Plexiglas se abre de novo e eu os explodo com fogo, seguindo o

rastro de chamas. Eu me forço entre o corpo deles, com a intenção de fugir.

Mas eu não consigo passar por eles. Eles me dão um choque. Cada um

de meus músculos se contrai enquanto a corrente elétrica passa por mim. Um

grito estrangulado se prende na minha garganta. Eu não consigo me mover.

Não importa o quanto a minha mente comande o meu corpo a se mover, a ir

– eu não posso.

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Eu caio de joelhos, o impacto abalando profundamente meus ossos.

Alguém está atrás de mim. Eu ouço a alta descamação de uma fita adesiva.

Uma mão agarra um punhado do meu cabelo e força a minha cabeça pra trás.

O meu couro cabeludo arde.

Manchas pretas dançam perante aos meus olhos.

É a fita adesiva novamente, esticada sobre minha boca.

Ele larga o meu cabelo e eu caio para frente, um peso morto. Eu me

forço a me mover, a me levantar. Nada.

Eles não se importam em amarrar as minhas asas. Eles nem mesmo

prendem os meus pulsos. Eu acho que depois da descarga elétrica, eles não

estão muito preocupados que eu vá atacar. Dois homens pegam os meus

braços e me arrastam. Meus pés se contorcem, lutando para ficarem planos e

conseguir andar pelos ladrilhos lisos.

O cômodo gira. Rostos passam. Pessoas. Como eu. Eu quero gritar, Eu

sou como vocês! Vocês estão machucando alguém que faz todas as coisas, grandes e

pequenas, que vocês fazem. Alguém que pensa e vive e ama e odeia. E odeia... Odeia

todos vocês.

Fogo queima através de mim como uma doença que se propaga

rapidamente. Meus lábios formigam embaixo da fita sufocante.

Eles me arremessam em uma maca como se eu fosse nada. Já morta.

Um cadáver. Exceto que, se eu fosse um cadáver, eles não iriam se importar

em fazer as coisas horríveis que eles tinham planejado. Eles não precisariam

enfiar um negocinho metálico brilhante dentro de mim.

Minha mente gira, o cérebro acelerando-se descontroladamente,

tentando pensar no que poderia ser. O que isso faria comigo.

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Eles me amarram, me prendem com tiras de couro nos tornozelos e

nos pulsos.

E como se isso não fosse o bastante, uma faixa de couro se estica pelo

meu peito e nos meus quadris. Eles a ajustam apertam e prendem com tanta

força que eu mal consigo respirar pelo meu nariz. Eu começo a sentir tontura.

Um dos jalecos me observa. — Ela é forte. Certifique-se que esteja bem

apertado. — Ele faz uma careta e recoloca os óculos na ponte de seu nariz. —

Você tem certeza que ela não pode queimar a fita adesiva?

— Ela não o fez da última vez.

Tolos. Eu não tentei da última vez. Agora eu tenho que tentar.

Eu reúno as brasas do fundo do meu peito, deixo-as crescer. Eu

empurro o escaldo pela minha traqueia e tento deixá-lo preencher a minha

boca, mas não funciona. Não está certo. A fita é muito constritiva. Eu não

consigo trabalhar os meus músculos faciais, não consigo abrir a boca o

suficiente. Frustração queima um diferente tipo de fogo através de mim.

Fúria impotente.

Eu não consigo flexionar minhas bochechas como eu preciso fazer. Eu

nem consigo abrir meus lábios o suficiente.

Desesperada agora, eu luto contra as minhas tiras de couro. Inútil.

Um dos jalecos passa a mão com suavidade na minha sobrancelha

suada. — Calma aí, garota.

Como se eu fosse algum tipo de cachorro para ser acalmado. Se eu

tivesse o uso da minha boca eu cuspiria nele. Espere – não. Eu o queimaria

até ficar crocante. Foi para isso que eu nasci. Por causa disso que o clã sempre

achou que eu era importante. Mas eu não sou. Eu nem consigo me ajudar. Eu

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viro minha cabeça, dispensando o toque dele. Ele estala a língua e olha para

os outros.

Ele continua no seu tom apaziguador, — Isso nos ajudará a cuidar de

você, garantirá que você esteja segura... —

Eu tento adivinhar o que isso significa. É algum tipo de implante para

monitorar meus sinais vitais? Até que ponto eu não posso supor. Quem sabe

de que tipo de tecnologia eles são capazes? Tudo que eu sei é que eu não

quero isso em mim. Eu não posso deixá-los colocar isso em mim.

— Ela é mal-humorada. Essa vai precisar de uma supervisão séria.

— Se alguém pode fazê-lo é você. Você tem um jeito tão carinhoso com

eles.

Risadinhas baixas me acompanharam enquanto eu era levada da cela,

e eu sei que a última coisa que esse cara tem é um jeito carinhoso.

Eu estico minha cabeça e tento seguir a direção que nós tomamos pelos

corredores, que passam como um borrão por mim, eu tento descobrir

maneiras para sair de lá. Nós viajamos uma longa distância e então viramos

para a esquerda. De lá nós não vamos muito longe.

Eu sou empurrada através de um conjunto de portas duplas de

vaivém que me lembram daquelas nas salas de emergência que você vê na

TV. O interior da sala é tão estéril e hostil como uma sala de cirurgia.

Eu sou levada para o centro da sala embaixo de diversas luzes que

chegam a cegar de tão brilhantes. Outros jalecos esperam aqui. Eu vislumbro

uma ampla janela retangular à minha direita. Diversas pessoas se aglomeram

lá, mais jalecos e até mesmo pessoas de aparência comum, vestidas como

civis.

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Eles olham através do vidro curiosamente, como espectadores em um

circo vindo testemunhar uma aberração. E eu acho que é só isso que eu sou

pra eles. Minha cabeça gira ansiosamente, tentando achar uma maneira para

escapar disso.

Eu olho para cima e vejo o jaleco me observando. Ele é velho. Mais

velho do que os outros enkros que eu já vi. O cabelo é tão branco e esparso

em sua cabeça que eu posso ver a pele de papel fino de seu couro cabeludo.

Seu toque no meu braço é frio. Ele aperta um pouco como se estivesse

testando a minha textura e a densidade.

O terror me abraça, se torcendo ao redor do meu coração, e... e então

algo mais se intromete. Um fio crescente de emoção se tece através de mim. A

emoção espirala de uma dor torturante mordiscando a minha mente para um

poderoso golpe nas minhas entranhas. É preocupação. Pura e simples. Só que

não está vindo de mim... não está vindo nem um pouco de mim.

Cada nervo meu explode, ultrapassado e rebatido com um ataque

súbito de emoções.

O nome dele estremece através de mim num suspiro. Cassian. Ele está

próximo. Sua preocupação e ansiedade me lavam em picadas que causam frio

e calor. Eles estão vindo? Eu me animo com essa possibilidade. De repente eu

não me sinto tão miseravelmente sozinha presa nessa mesa.

Com uma nova explosão de energia, eu me concentro no velho sobre

mim e na maneira como o bisturi reflete ameaçador sob a luz implacável. A

mão enluvada dele trilha meu pescoço, deixando um rastro de arrepios.

— Agora, — ele murmura, — vamos ver. — Seus dedos viram a minha

cabeça e percorrem o meu cabelo, parando acima da minha orelha.

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Eu luto, me virando na direção oposta. Minha cabeça é forçada a voltar

para o lugar com mãos duras enquanto a tira grossa de couro é puxada com

força na minha testa, cortando minha pele.

O toque do velho fica mais firme enquanto ele mergulha entre as

mechas do meu cabelo... procurando por algo, aparentemente, no meu couro

cabeludo. — Esse local parece perfeito, — ele anuncia.

Os outros dois jalecos olham por detrás dele, observando seus

cuidados. O velho olha por cima do ombro, cada movimento dele impaciente

e incomodado. — Jenkins?

— Sim, doutor, — uma voz responde com deferência absoluta.

Um alto zumbido enche o ar. É um som irritante, vivo e ameaçador. Eu

não consigo mover minha cabeça. Meus olhos rolam descontroladamente,

tentando ver o que é.

Jenkins aparece ao lado do médico, um barbeador na mão.

Eu gemo contra a fita enquanto os dentes frios do barbeador são

pressionados em meu couro cabeludo, um pouco acima da minha orelha. Um

mero momento, um local pequeno está totalmente raspado. Um tufo de

cabelo vermelho dourado flutua diante dos meus olhos. Então há o silêncio

quando o dispositivo é desligado.

— Lá vamos nós. — O médico desliza seus óculos mais para cima do

seu nariz fino.

Jenkins pega o barbeador e dá um passo rápido para o lado, fora da

minha visão. Ele volta com um par de pinças que prendem um pedaço de

gaze. O algodão está manchado com uma coloração amarelo alaranjada com

algum tipo de pomada. — Aqui está, doutor.

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Ele pega a pinça e abaixa a gaze na minha cabeça.

Eu faço uma careta, incerta do que é, mas me preparo para o

desconforto. A gaze me acerta, gelada e molhada, mas indolor. Ele a esfrega

contra a pele nua do meu couro cabeludo em diversas passadas.

— Quase pronto. — O médico entrega de volta as pinças e volta para a

minha linha de visão com um bisturi na mão. Eu respiro fundo através do

meu nariz. Ele não fala, simplesmente franze a testa enquanto ele se

concentra na minha cabeça.

— Isso vai parecer apenas um beliscão. — Seu olhar corta para o meu e

se fixa por um momento, e eu me pergunto se ele suspeita que eu possa

entendê-lo.

Eu me empurro contra a tira segurando minha cabeça para baixo,

esticando meu pescoço.

— Vai machucar mais se você se mexer. — Ele segura o meu olhar com

aqueles olhos frios dele por um longo momento, e não há mais dúvidas. Ele

não acha que eu o entendo. Ele sabe. E isso apenas o torna ainda mais um

monstro. Derrota se espalha através de mim.

Ele dá um aceno com a cabeça, satisfeito que eu não me mexi mais na

maca. E eu não me mexo. A última coisa que eu quero é que ele corte a minha

garganta ou arranque minha orelha.

A lâmina desce.

Essa é a parte onde eu seguro a minha respiração e digo a mim mesma

que aquelas portas de vaivém irão se abrir com Will e Cassian e Tamra. Que

eles vão invadir a sala e me libertar das tiras que me restringem. Os braços de

Will vão se posicionar ao meu redor. Seus lábios irão se pressionar nos meus.

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É assim que deveria acontecer. Essa é a maneira que supostamente era

pra acontecer.

Só que não acontece.

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O médico me corta, empurrando a lâmina profundamente em minha

pele, passando pelos tecidos. Sangue quente se esvai livre, escorrendo pelo

meu cabelo. Eu grito através da fita, o som de um grito abafado. Fogo queima

minha garganta, uma defesa automática que não me faz nada bem agora. Ar

enfumaçado corre das minhas narinas.

Ele talha. Eu sei que leva apenas alguns segundos, mas parece uma

eternidade. Como tudo aqui embaixo, a pressão acentuada se estende

infinitamente.

Eu olho para ele quando ele se endireita, dedos enrolados em torno do

bisturi. Meu sangue cobre a sua superfície prata, um roxo reluzente na luz

brilhante, proclamando minha herança. Ele rapidamente solta a faca e, em

seguida aperta um pequeno frasco contra o corte ardente em meu couro

cabeludo e coleta o sangue.

— Nenhuma gota desperdiçada, — ele murmura.

Feito isso, ele aceita um novo item de Jenkins. Um disco de metal

pequeno, não maior do que a minha unha.

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Ele se move devagar, com cuidado, seus movimentos precisos e

experientes enquanto ele lida com o pequeno disco, e eu não posso deixar de

me perguntar se Papai deitou nesta mesma maca, um pequeno disco metálico

pousado sobre ele.

De repente, meu pânico declina em algo mais calmo. Eu me sinto

estranhamente em paz. Como se Cassian estivesse ao meu lado, sussurrando

encorajamento.

E eu sei que não posso ter aquela coisa dentro de mim. Eu luto

novamente, tentando afastar-me, mas minhas amarras não cedem. Não há

para onde ir.

Eu me encolho e tenciono contra as correias. Suas curvas de borracha

apertam contra meu crânio. Eu choramingo, narinas dilatadas rapidamente

com baforadas quentes quando ele se estende ampliando a incisão que fez,

baixando o disco de metal pequeno em direção a mim, trazendo-o mais para

baixo, de modo que eu não posso mais vê-lo.

De repente, as luzes piscam e brilham. O medico faz uma pausa olha

para cima com as sobrancelhas se juntando.

E então as luzes se apagam e estamos mergulhados na escuridão.

A escuridão dura apenas um momento. Apenas o suficiente para um

dos jalecos soltar uma maldição. Mas tempo suficiente para eu sentir a tensão

varrer sobre os enkros.

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Uma camada de temor drapeia na sala. As luzes de emergência voltam

a piscar. Um brilho vermelho escuro permeia o ar, lembrando-me sangue.

Sangue humano é claro. Ele colore tudo. Transforma seus jalecos brancos em

rosa. Pinta os rostos tensos dos meus captores em um vermelho demoníaco.

— O... o que é isso? — Jenkins praticamente sussurra.

O medico balança a cabeça. — Provavelmente apenas um exercício –

— E ninguém nos alertou?

O medico franze a testa, suas sobrancelhas de lagarta se juntando

ainda mais apertadas, e eu posso dizer que ele não está convencido, também.

Ele não sabe o que está acontecendo.

Ele balança a cabeça. — Tenho certeza de que estamos apenas

executando algum tipo de teste de operações ou –

Um zumbido baixo e firme grita pelo ar.

Jenkins engasga. — É a sirene!

Os olhos do doutor se arregalam. — Não pode ser.

Eles debandam, derrubando uma mesa em sua pressa, enviando as

ferramentas ao chão com barulho, e deixando-me amarrada a maca. Vozes

ansiosas desaparecem, colidem umas com as outras no corredor, e então eu

estou sozinha, presa a uma mesa, incapaz de até mesmo virar a cabeça.

Ótimo.

Logo eu não posso nem ouvir as vozes a distancia. Apenas a sirene.

Uma voz automática enche o ar, falando sobre o uivo incessante. Todos os

funcionários, evacuar através da escada. Proceder com cautela.

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Eu me agito contra minhas amarras. Sem esperança. Meu olhar se fixa

na sala de vidro, onde meu público estava. Vazia agora. Várias cadeiras

tombadas, a porta da sala boceja aberta. Tentadoramente perto, e ainda assim

eu não posso chegar lá.

Sobre o lamento da sirene, ouço um som. Eu me esforço para ouvir,

penso que são pés correndo. A porta de vai-e-vem atrás de mim dá um leve

baque – como se uma mão empurrasse contra ela – e em seguida um rangido

fraco de dobradiças.

Alguém entrou na sala. Prendo a respiração, quase com medo de ter

esperança...

— Jacinda?

Mesmo que eu reconheça a voz de Will, eu ouço o medo, e então

percebo que ele não pode ver o meu rosto. Estou deitada tão silenciosa como

uma pedra. Ele provavelmente acha que estou morta. Eu lamento contra a fita

cobrindo minha boca e contorço meu corpo para que ele saiba que estou viva.

Então ele está na minha frente, Cassian e Tamra bem atrás dele. Só a

minha irmã se manifesta. Cassian não.

Eu me rendo a meu alívio – e obtenho uma onda quente de alívio de

Cassian também. Unida à minha, a emoção me domina e eu afundo na maca.

— Jacinda! — Will está lá, cercando-me com seu calor. Não se passou

muito tempo, mas é como vê-lo com outros olhos, devorando a visão dele

com uma fome que eu nunca senti antes. Não até que fui rebaixada neste

abismo.

Enquanto Cassian e Tamra trabalham no resto das minhas correias, ele

rasga a fita da minha boca. Eu estou livre. Eu nunca vou olhar para qualquer

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coisa da mesma maneira, nunca tomarei nada nem ninguém sem

consentimento.

Will estremece e roça seu polegar sobre minha boca ferida,

pressionando um beijo rápido e febril nos meus lábios. Aperta meu rosto em

ambas as mãos, os olhos procurando e com fome ao mesmo tempo. Seu

brilhante olhar chega a meus fios de cabelo ensanguentados e ele olha mais

de perto a ferida lá. — O que eles fizeram com você? Você está bem?

— Não é tão profundo. Eu estou bem, — eu digo, sabendo, é claro, que

ele não pode me entender. Estou falando draki.

— Ela está bem, — responde Cassian, seu semblante sombrio na luz

vermelha quando ele varre-me com seu olhar púrpura misterioso. — Rápido.

Veja se ela pode ficar de pé.

Os olhos de Will brilham, revelando apenas um lampejo de irritação

ao tom de Cassian. Sempre o príncipe.

As mãos de Will se movem rapidamente, soltando as últimas correias,

e em um segundo eu estou livre e deslizo para fora da maca para os braços de

Will.

Então estou nos braços de Tamra, apertada em seu abraço com mais

força do que eu percebi que ela possuía. Ela dá um passo para trás para olhar-

me. — Esse tem que ser o pior dia da minha vida.

Eu quase sorri, pensando que provavelmente não se compara com o

meu.

Cassian me estuda, mas não se move para me abraçar. Seu rosto é uma

mascara rígida. Isso me lembra de tudo que aconteceu antes deste momento.

Embora tenhamos vindo aqui juntos resgatar Miram, apesar de que estamos

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unidos e tão próximos quanto dois draki podem estar, emocionalmente

ligados, nós não estamos... juntos.

Não da maneira como ele queria que estivéssemos.

Quando eu olho para ele, tudo isso me lava novamente. Que eu escolhi

Will. Ao invés dele. Ao invés do clã.

Cassian olha de mim para Will e volta, e sua irritação rasteja sobre

minha pele como uma coisa viva. Seu olhar sombrio brilha roxo, pupilas

verticais tremulam. Ele pisca e o aborrecimento desaparece de seus olhos,

mas eu ainda o sinto persistente nele. Em mim.

— Onde está Miram? — ele pergunta todo negócios agora.

Concordo uma vez, focando-me novamente. — Siga-me.

Nos apressamos através das portas vai e vem, mas eu paro, quando

encaro a obra de Tamra. Sua névoa paira, a deriva sobre os corpos dos enkros

caídos. Talvez apenas meia dúzia se espalham pelo chão. Os que não

conseguiram sair.

Ao meu olhar, ela encolhe os ombros, as pontas de suas asas brilhantes

pulando por cima de seus ombros. Eu prossigo, pisando em torno dos corpos,

levando-os pelos corredores ao som do alarme incessante e da voz

automatizada aconselhando todos os funcionários a proceder com cautela.

Minhas orelhas picam, detectando pés correndo a distância.

Aparentemente a névoa de indução ao sono de Tamra não se infiltra em cada

canto do prédio.

Os ecos dos passos desaparecem no espaço oco dos corredores, e eu

acho que ele é o último dos enkros em fuga.

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Não vemos ninguém nos arredores, e eu estou esperando,

fervorosamente, que todos os draki ainda estejam dentro de suas celas e que

não foram movidos no êxodo em massa. Os enkros não pararam para se

preocupar comigo, afinal.

Alívio passa por mim quando chegamos ao bloco da prisão. Eles ainda

estão lá. Alguns de pé, alguns passeando em suas celas pequenas, todos

claramente assustados devido ao alarme. Eles nos observam com olhos

desconfiados ao entrarmos na sala.

Cassian se atira em frente à cela de Miram. Ele toca o Plexiglas,

pressiona uma grande mão na barreira, como se pudesse chegar a ela.

Eu corro para a mesa de observação e estudo o painel com todos os

seus monitores e aparelhos, tentando descobrir como abrir as celas.

Tamra caminha lentamente para cima e para baixo na linha das celas,

examinando todos os outros draki. Ela para diante da cela de Lia. É a

primeira vez que eu dou uma boa olhada para ela, também. Ela é apenas uma

menina – a menor draki que eu já tinha visto – e eu sei que Tamra está

surpresa ao ver alguém tão jovem aqui.

— Jacinda, eu acho que sei como. — A voz de Will atrai minha

atenção. Ele aponta para uma linha de interruptores, cada um numerado. Ele

vira o numero três. A cela de frente a Cassian desliza aberta.

Miram sai e cai nos braços de Cassian soluçando. Eu sorrio leveza se

espalhando através de mim enquanto eu assisto Cassian levantá-la do chão

em um abraço. A felicidade de Cassian viaja através de mim. É impossível

não absorver a sua alegria absoluta de encontrá-la viva.

— Jacinda.

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Eu olho para Tamra. Ela virou-se para mim, mas está apontando para

a cela de Lia sobre o ombro. A mensagem em seus olhos é clara. Ela quer

libertar a menina. Eu vou fazer mais do que isso. Com um aceno de cabeça,

uso as duas mãos para virar cada opção de uma vez só. Todas as celas se

abrem.

Eles não esperam por um convite. Draki mergulharam fora

simultaneamente. Vários passam voando por nós sem uma palavra, com o

único objetivo de fugir. O que eu suponho ser Roc, um Ônix, pisca e acena

seus agradecimentos quando suas asas passam por nós.

Lia hesita, seus grandes olhos azuis encararam de mim para Tamra e

de volta, incertos.

Eu me afastei do painel e me aproximei dela. — Venha. Você deve

ficar com a gente. — Eu não percebi o que eu ia dizer até que saiu dos meus

lábios, mas é tão obvio para mim. É claro que eu não vou deixá-la sozinha.

De repente, a voz automatizada muda de tom, torna-se um novo

mantra.

Aviso. Retirada pelas escadas imediatamente. Operação Lilith terá inicio em

cinco minutos.

Operação Lilith? Os enkros devem ter se evacuado em segurança e

mudaram para o plano B. O que quer que seja isso, não deve ser bom para

nós.

— Eu acho que é hora de darmos o fora daqui, — Will anuncia.

Concordo com a cabeça e todos nos corremos para as portas, prontos

para ir às escadas uma vez que há obviamente um motivo que ninguém está

usando os elevadores. Mesmo se funcionarem, provavelmente não é uma boa

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ideia numa emergência. Se a energia acabasse, estaríamos presos dentro

deles.

— Esperem!

Paramos, observando enquanto Lia corre de volta para o quadro de

controle. Ela olha para as celas abertas por um longo momento, antes de

considerar o painel de botões.

— Venha! — Eu chamo, pensando naqueles cinco minutos que estão

correndo rapidamente.

Com um aceno firme de cabeça, como se chegasse a uma conclusão,

ela bate um botão.

A parede atrás das celas desliza aberta, expondo o verde exuberante

da floresta simulada.

Corro para frente. — O que você está fazendo?

Ela agarra meu pulso, me impedindo de bater o botão novamente para

fechar a parede – para nos defender daquele mundo... dele.

— Nós não podemos deixa-lo lá, — ela diz solenemente. Seus grandes

olhos, assim como os de Az, me espreitando, dentro de mim, parecendo saber

exatamente o que dizer para me afetar.

— Ele vai nos matar. — Mesmo enquanto eu pronuncio isso, eu não

estou totalmente certa. Se ele estiver livre, eu duvido que ele se importe o

suficiente para vir atrás de nós.

Ela balança a cabeça. — Eu acho que não. Ele vai se concentrar em

escapar, assim como nós.

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Eu angulo minha cabeça, estudando-a. Para alguém tão jovem, ela é

sabia.

— Ele é louco, — Miram sussurra fervorosamente para Cassian.

— Do que ela está falando? — Cassian questiona.

— Há outro draki lá... — Minha voz para. Eu olho nos olhos de Lia, as

pupilas verticais estremecendo com intensidade. Ela está determinada a

ajudar o cinza... e eu realmente não discordo dela.

Ele não merece ser um prisioneiro mais do que qualquer outro draki.

Mais do que eu.

Eu olho de volta ao pulsante mundo verde, tão em desacordo com o

resto desse submundo estéril, frio.

— Jacinda, — Will puxa meu braço. — Nós temos que ir.

— Tudo bem, — eu digo, — vamos dar o fora daqui antes que ele

perceba que as portas estão abertas.

Nós escapamos da sala. Ninguém pede mais explicações, e eu acho

que todo mundo está apenas satisfeito que finalmente estamos saindo. Eu

deslizo um olhar para Cassian. Ele corre com uma mão em volta do braço de

Miram, como se ele de alguma forma, tivesse medo de perdê-la novamente.

Em seguida, um guincho terrível rasga pelo ar. É um som que eu

reconheço. Foram somente algumas horas atrás que eu ouvi aquele som,

convencida de que eu poderia morrer?

O cinza está livre.

— Por aqui! — Will grita sem precisar que seja dito que o som não

natural vem de uma criatura que não queremos enfrentar.

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Nós corremos por outro corredor, pés e sapatos batendo duro no

ladrilho. Eu olho para Tamra. Seu cabelo branco parece vermelho no brilho

das luzes de emergência que cobrem o ar. Da forma como ele costumava ser.

Do jeito que eu sou.

À frente há uma passagem aberta e exatamente além dela, um

conjunto de amplos degraus de concreto.

— A escada, — Tamra grita, com um sorriso dividindo seu rosto. O

primeiro que eu vi desde que a convenci a se juntar a nós nesta viagem.

Eu sorrio também. Estamos quase lá. Nós conseguimos.

Em seguida o alarme para, juntamente com a voz estridente

automatizada vinda de cima. Um silêncio sepulcral desce – o único som é o

de nossas respirações explodindo quando estamos perto do primeiro degrau.

O primeiro passo para nossa liberdade.

O súbito mergulho na quietude nos força em câmera lenta, nos

fazendo pausar. Hesito, olhando ao redor incerta.

Um erro. De repente, uma grande porta de aço desliza fechada diante

de nós, cercando a escada.

E nos fechando dentro.

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Parece que ninguém diz nada por algum tempo, mas não pode ser

mais do que trinta segundos. Nós só olhamos em uma espécie de descrença

atordoada para o local onde uma vez estavam as escadas. Escadas que

deveriam levar-nos daqui.

— Onde está o elevador? — Tamra fala sem pensar, girando ao redor,

seu olhar penetrante como se ela fosse de repente encontrá-lo bem atrás de

nós.

É o único lembrete de que precisamos. Há outra maneira de sair daqui.

Arriscado ou não, subir em um elevador é a nossa única chance.

Temos pressa pelos corredores largos, nossas sombras escuras e

formas fluidas nas paredes tingidas de vermelho. Draki e humano – a

combinação ataca meu coração com um calafrio, especialmente neste

ambiente onde draki e humanos não se misturam.

E então eu me sinto culpada, porque eu sei o que eu sou. Eu sei o que

Will não é. E eu já decidi que não importava. Eu acredito nisso.

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Balanço a cabeça e me concentro no caminho diante de mim, os golpes

constantes de meus pés, ignorando o sussurro na parte de trás da minha

cabeça. A voz de que me lembra de que aqueles cinco minutos estão quase

acabando.

Nós puxamos para uma parada no elevador. As portas estão fechadas,

os painéis de prata completamente selados. Will aperta o botão, batendo duro

duas vezes. Nada. Nenhuma luz. Nenhum sinal de que ele está realmente

funcionando.

— Eles bloquearam o lugar —, Cassian anuncia severamente.

— O que você quer dizer? O que você está dizendo? — Tamra olha

descontroladamente para cada um de nós. — Nós não podemos sair? Tipo...

pra sempre?

— Deve ser o procedimento para fechar tudo quando algo dá errado –

como nossa infiltração, — Will explica. Mesmo sem entender Tamra, ele pode

adivinhar a essência da nossa conversa.

— Então, nós estamos presos? — Eu pergunto, balançando a cabeça,

recusando-me a acreditar nisso. — Por quanto tempo?

— Eles não querem correr o risco de que qualquer um de nós escape

—, anuncia Lia.

Eu rosno com desgosto. Nós não deveríamos ter voltado para salvar o

cinza. Deveríamos de ter conseguido sair daqui como os outros draki, todos

os quais estão provavelmente voando para casa agora. Se tivéssemos

continuado, estaríamos livres. Mas agora estamos presos aqui. Com ele.

Sinto uma picada na carne na parte de trás do meu pescoço e me

arrepio, olhando em volta, como se ele estivesse lá. Pronto para retomar de

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onde paramos. É tudo imaginação. Não há nada atrás de nós além de uma

sala confusa tingida de vermelho. Quando eu me viro, meu olhar encontra

Lia.

Ela dá um pequeno encolher de ombros em desculpas, lendo minha

mente perfeitamente. É. Agora, ela deseja que ela não tivesse apertado o

botão para libertá-lo.

Eu abro minha boca, decidida de que é melhor eu avisar os outros

sobre exatamente o que estamos enfrentando – que há um draki cinza de

mais de dois metros, capaz de abater alguém com um único toque. Que um

roçar contra ele pode decepar um membro.

Mas um novo perigo aparece primeiro.

O tubo fino que corre ao longo das bordas do teto vem à vida e jorra

uma névoa turva com um fraco som assoviado – como o ligar de um aspersor

de água.

Will aponta sua voz dura: — Eles estão inundando o prédio com gás!

— Com o quê? — Eu rosno, mesmo que ele não possa me entender.

Meus pensamentos dão uma guinada enquanto olho para aquela névoa

crescente. Eu não acho que os enkros vão nos matar – não quando somos

valiosos para eles vivos.

Cassian balança a cabeça, dando uma olhada para o spray fraco. — Eu

não sei... talvez seja algo para nos deixar inconscientes.

Assinto com a cabeça. Isso faz mais sentido do que nos envenenar até a

morte e matar todos os draki aprisionados. Eles perderiam sua coleção inteira

antes de chegar a realizar seus experimentos totalmente.

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Tamra ataca o botão sem luz do elevador como se pudesse de alguma

forma fazê-lo funcionar. — Seja lá o que eles estão tentando fazer, estamos

muito ferrados mesmo se não sairmos daqui!

Lia se abraça e cai para trás contra uma parede, como se suas pernas

de repente não pudessem suportar seu peso. — Eu sinto muito. Nós não

vamos conseguir fugir, vamos? —, ela sussurra, sacudindo a cabeça e

espalhando seus cabelos escuros, listrados de azul, ao redor de seus ombros

pequenos.

E a visão desta pequena menina indefesa faz algo comigo.

Ela não deveria estar aqui. Nenhum de nós deveria.

Algo torce e aperta com força dentro de mim. Eu pressiono quatro

dedos no centro do meu peito, mas isso não ajuda. A dor não vai embora e eu

inalo profundamente – então paro abruptamente, surpreendendo a mim

mesma. Eu olho para os vapores circulando acima de nós. Eventualmente os

vapores farão seu caminho até nós, através de nós, nos devorarão – e farão

tudo o que eles deveriam fazer. Uma calma repentina cai sobre mim. Eu

abaixo minha mão do meu peito e olho de minha irmã para Cassian, e então

para Will, percebendo que pode ser isso. E se for, eu sei quais braços eu preciso

sentir em torno de mim quando der o meu último suspiro.

Will olha para mim então, como se estivesse lendo minha mente. Ele

segura meu olhar por vários momentos antes de olhar de novo para o tubo

cuspindo vapor. Eu tremo ao pensar o que eles farão com ele quando

encontrá-lo aqui conosco. Se eles descobrirem que ele não é realmente como

eles – não inteiramente humano, não inteiramente draki – mas algo entre

isso...

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Essa ideia me dói fisicamente. Eu respiro profundamente. Pode ser

que eu sinta Cassian, mas eu quero Will.

Eu ando em direção a Will. Ele ainda está ocupado estudando a

tubulação, determinado a descobrir uma maneira de nos salvar, sem dúvida

observando uma maneira de impedir que o gás descarregue seus danos. Mas

não há nenhuma maneira. O tempo está acabando e eu não vou ter meus

últimos momentos desperdiçados.

Eu toco seu rosto, meus dedos firmes em seu queixo, inclinando-o a

olhar para mim. Não temos palavras agora. Eu não posso me desmanifestar.

Eu preciso ficar o mais forte que puder. E eu sou mais forte como uma draki.

Mas eu tenho que fazê-lo me ver, me ouvir em seu coração.

Seus olhos estão atentos e preocupados, brilhando com uma febre para

fazer alguma coisa, para salvar a nós. A mim. Eu sei que ele está mais

preocupado comigo agora do que consigo mesmo. Porque isso é tão como ele.

Tão Will. Bom, cuidadoso, auto sacrificante. Isso me faz sentir pior por

arrastá-lo para dentro do meu mundo.

Eu sorrio para ele e roço meu polegar em seus lábios. Algo reluz em

seus olhos cor de avelã, compreendendo. Sua cabeça se lança para baixo e ele

me beija rapidamente.

Digo a mim mesma que é assim que tudo termina, não é uma maneira

ruim de ir. Eu deslizo meus dedos ao redor de seu pescoço, acaricio a pele

macia lá, muito mais fria do que a minha, e não me importa que tenhamos

público. Eu os ignoro me concentrando apenas em Will. Nisso. Eu não vou

deixar qualquer das outras coisas tirarem isso de mim.

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Seus lábios são frios, também. Secos e frios enquanto eles se movem

contra os meus. Isso não me intimida – nenhuma das diferenças, o que eu

sou, o que ele é, o que não somos – nada disso importa mais.

Frustração brota dentro de mim, irritação... e uma dor devagar começa

a zumbir dentro do meu peito. Eu tento me concentrar em Will, sobre o gosto

dele. Nunca tinha sido uma tarefa difícil antes. Eu tento, mas aquela dor vaga

cresce, torna-se mais nítida, mais aguda. Eu recuo, esfregando os dedos no

centro do meu peito novamente.

— O que foi? —, pergunta ele, preocupado.

Eu balancei minha cabeça, me sentindo tonta. Eu engasgo. Dor. O

desconforto coincide com um barulho súbito. Eu pisco contra o mundo de

vermelho, olhando ao redor, reconhecendo Cassian a poucos metros de

distância, agora totalmente manifestado.

Ele está batendo seus punhos na parede até que suas juntas brilham

molhadas com sangue purpúreo. Eu estremeço, encolhendo-me enquanto o

cimento se entorta e se quebra sob a pressão, pedaços caindo aos seus pés. Eu

sempre soube que ele era forte. Ônix tipicamente o são. Meu pai era.

Mas vendo Cassian assim, sentindo isso...

Eu enrolo e desenrolo minhas mãos, o eco de sua dor vibrando em

meus ossos. Sua ira me atinge, tóxica como veneno. Por um instante eu me

preocupo se é alimentada por mim e Will... observando nos beijarmos. Eu fiz

a minha escolha, mas ainda assim, isso não significa que eu queira machucar

Cassian. Especialmente agora, possivelmente nosso último momento. Eu não

quero lhe causar dor.

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Eu sondo mais a fundo, sentindo-o lá dentro de mim... tentando pegar

o que quer que o esteja levando a agir tão loucamente. Ele perdeu a cabeça?

Miram grita seu nome, pressionando as mãos. O medo está por todo o rosto

dela e eu estou certa de que ela nunca viu seu irmão tão fora de controle

antes. Cassian sempre foi uma constante, forte e sereno.

Então eu percebo seu único pensamento está envolvido com a

sobrevivência, em se libertar.

Eu vejo como ele ataca a parede, seus músculos se esticando enquanto

ele trabalha pistas de carvão escuro ondulando sob a superfície de sua carne,

como piscadas de uma escuridão noturna.

Ele soca e rasga o cimento, em um frenesi. Tão tolo quanto esse

método pode parecer, ele não se importa. Seu desespero escoa para dentro de

mim e eu deslizo meio passo para frente... como se eu estivesse prestes a me

juntar a ele em sua loucura.

Eu paro, balançando a cabeça. É onde isso fica confuso. Separar seus

sentimentos dos meus.

— O que você está fazendo? — Eu grito. — Você não pode quebrar a

parede. Nós estamos embaixo da terra!

Eu me movo para me aproximar dele, mas Will agarra meu braço, me

segurando. Ele provavelmente está com medo de que eu seja pega em um dos

impulsos selvagens de Cassian.

Eu aceno um braço. — O que você vai fazer? Um túnel através da

terra?

Ele me envia um olhar rápido e continua batendo na parede. Sujeira e

fragmentos de pedra solta voam. Uma pedrinha afiada bate em minha

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bochecha. Eu aperto a mão no lugar. O cimento começa a dar lugar à terra

batida, um solo marrom escuro que cheira argiloso e rico.

— Isso soa apenas certo —, ele braveja enquanto continua seu ataque.

E então percebo que ele está falando sério.

A névoa pulverizada começa a descer mais perto de nós agora.

Tosses esporádicas soluçam através do nosso grupo. Eu ondulo o ar

em frente do meu nariz, como se isso fosse dispersar qualquer efeito que o

vapor exerça.

— Podemos fazer isso?— Tamra pergunta. Ela aperta as mãos

ansiosamente em frente a ela como se estivesse rezando que esta pudesse ser

uma possibilidade verdadeira.

— Se ninguém mais puder nos tirar daqui, Cassian pode —, Miram

diz, seu medo se foi agora, substituído com total confiança que seu irmão

mais velho pode resolver qualquer coisa. Reviro os olhos e resisto,

repreendendo que mesmo sendo Cassian, ele não pode cavar um caminho

para a liberdade. Estamos enterrados muito profundamente no subsolo.

— Eu posso fazer isso —, Will diz em voz baixa, olhando para todos

nós atentamente, absorvendo nossa troca mesmo sem compreender tudo. Em

seguida, ele anuncia novamente, — Eu posso fazer isso.

Com sua veemência, Cassian hesita. Ele recua seu punho, o sangue

escorrendo grosso de suas juntas rompidas para chão de ladrilhos.

— Will —, eu murmuro, e mesmo que o som de seu nome em meus

lábios seja diferente, mais um rosnado que um discurso real, ele vira a cabeça

para olhar para mim.

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Um olhar em seus olhos cor de avelã e eu sei. Eu entendo o que ele

quer dizer. Eu o vejo novamente como eu o vi lutando com Corbin, terra se

deslocando e voando em seu comando.

— Para trás, — Will ordena.

Surpreendentemente, Cassian o faz.

Nós todo observando, tentando manter nossas respirações pequenas e

esparsas, como se nós não pudéssemos de modo algum inspirar o ar que está

se tornando cada vez mais contaminado.

Will encara a parede quebrada. Miram começa a tossir, cobrindo a

boca com as duas mãos. Logo, Lia se junta a ela. Os sons de sua tosse apenas

torna tudo mais tenso, mais urgente. Eu estremeço em compaixão quando

Cassian dobra Miram em seus braços. E se estivermos errados? E se este gás

tem a intenção de nos matar?

Com as duas mãos posicionadas no ar em sua frente, Will concentra-se

na parede. Eu fico olhando para as palmas das mãos dele completamente

abertas, desejando que elas façam algo, possuam o mesmo poder que eu tinha

observado antes, quando ele enfrentou Corbin. Suas mãos começam a tremer,

mas nada. A parede cortada não mostra qualquer sinal de movimento.

Cassian grunhe com desgosto.

Eu balanço minha cabeça. Eu não sei o que eu esperava. Ver algo

milagroso? Que ele talvez pudesse fazer algo mais? Algo que mesmo os draki

da terra de meu clã não poderiam fazer? Ridículo. Isto não é como no meu

sonho onde ele desenvolve asas e se leva para o céu comigo.

Então, de repente, há um gigantesco desabamento. Uma enorme

nuvem de fumaça aumenta no corredor, temporariamente me cegando. Por

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um momento, eu acho que é uma súbita corrente de gás disparando da

tubulação acima de nós. Não mais uma morte lenta hesitante.

Mas então eu percebo que isso não é apenas fumaça por toda parte.

São detritos também. Partículas e pedaços de parede cobrem cada centímetro

da minha pele e ferroam meus olhos.

Eu olho para trás para a parede e suspiro ao ver que ela não só se foi...

mas um buraco bruto de vários metros de profundidade toma seu lugar.

Will fez isso. Ele realmente manipulou a terra para criar uma saída. É

claro, ele precisa fazer isso várias vezes mais para que nós realmente

escapemos.

— Como você sabia que...? — Minha voz desaparece maravilhada. E

claro qual seria a razão para perguntar? Ele não pode me entender.

Will encontra o meu olhar desnorteado. Ele deve ler a pergunta lá

porque ele dá de ombros. — Eu não sei. Eu só sabia que poderia fazê-lo. Um

sentimento... um impulso veio até mim.

— Bom trabalho —, diz Tamra em aprovação, pisando dentro do

buraco irregular que Will criou. — Você pode fazer mais alguma coisa? — Ela

aponta para frente.

O resto de nós segue, entrando na fissura na parede, um por um... mas

algo me dá o que pensar. A sensação de picadas na parte de trás do meu

pescoço está de volta. Os minúsculos pelos formigam e vibram. Viro-me e

olho para fora no corredor.

Atrás de mim, ouço os outros pedindo a Will que se repita, para fazê-

lo novamente e nos faça um túnel, um caminho de fuga para fora daqui. Mas

não todas as vozes estão aí.

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A de Cassian não está.

Will se obriga e outro boom sacode o ar, irradiando do solo e subindo

até minhas pernas. Uma onda gigante de vento, poeira e detritos bate em

mim na volta. Eu cambaleio por um momento antes de voltar ao meu

equilíbrio.

Imóvel, eu olho para fora no corredor de onde fizemos nossa fuga e

encontro Cassian de pé no meio do spray possivelmente tóxico, olhando para

a direita, sua atenção fixa em algo. Ele tosse, cobrindo a boca com a mão. Ele

precisa sair de lá, mas ele está hesitando por algum motivo.

— Cassian? O que foi?

Ele balança a cabeça. — Eu não sei. Alguma coisa –

Ele não termina o resto de sua sentença. De repente ele se foi,

arrancado da minha vista por uma faixa de cinza.

Aquela que nós libertamos.

— Cassian! — Eu grito, mergulhando depois dele, sabendo o que

estou prestes a encarar... e sabendo que desta vez não haverá qualquer enkros

para nos separar.

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Eu mergulho da cratera de volta para o corredor venenoso.

— Jacinda! — Will está lá, agarrando minha mão, me impedindo de ir

mais longe. Sua expressão é séria e desesperada, querendo que eu pare, fique.

Fique com ele. É tudo que eu sempre quis. Mas eu não posso. Não agora.

— Nós temos que ajudar Cassian, — eu recito na língua draki. Will

puxa minha mão com mais força para segui-lo de volta para dentro do túnel.

Eu balanço minha cabeça com um grunhido, lembrando que ele não

pode entender. E ainda assim não posso deixar Cassian. Eu não posso

abandoná-lo. Mesmo agora, no espaço de uma batida do coração em que eu

olhei de volta para os outros, eu sinto a dor profunda que irradia pelo corpo

de Cassian. Ela quase me dobra pela cintura.

Eu inalo uma respiração sibilante e forço-me a passar por isso,

lembrando-me que não é real para mim. Não é a minha dor. É dele. E eu tenho

que acabar com ela. Eu arranco a minha mão e a liberto de Will e irrompo

pelo corredor até um entroncamento. Olho para a esquerda e para a direita –

localizo Cassian no final do corredor, enrolado com o draki cinza. Eles são

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um borrão, movendo-se muito rápido, eu já posso sentir o cheiro de sangue

no ar. Eu não precisava ver seus ferimentos para saber que é o cheiro do

sangue de Cassian.

Eu me lanço em direção a eles, meio correndo, meio voando. Cinza em

preto, eles lutam, emaranhados um com o outro freneticamente. É difícil

distinguir entre os dois. Eu grito quando um jorro de sangue faz um arco

através do ar, por pouco não me acertando.

Eu tenho que parar com isso. Eu não posso deixar isso continuar. Não

sobrará nada de Cassian.

Eu foco minha atenção na maior área de cinza que eu posso detectar e

lanço uma rajada de fogo, esperando desesperadamente que meu alvo seja

preciso. Eu faço contato. O draki ruge e se rompe livre de Cassian. Eu me

concentro no cinza, fogo dança em minha língua, preparando-me para soltar

outra explosão de calor sobre ele. Suas escamas, como facas, agitam e fazer

um estranho som, assobiando. As escamas salientes em seu ombro se retraem

e se achatam. Seus dedos delicadamente testam a carne carbonizada de seu

ombro, rosnando enquanto a carne desliza e cai por entre seus dedos como

cera derretida.

A visão disso – do que eu posso fazer, o dano que eu posso trazer para

a minha própria espécie – faz o meu estômago se contorcer enjoado.

— Jacinda! — Will chega ofegante ao meu lado, tossindo com o ar cada

vez mais esfumaçado. Seu olhar oscila para o draki cinza e ele solta uma

praga.

O cinza deixa a mão cair de seu ombro e se põe em posição de defesa.

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— Ele parece irritado. Você fez isso com ele? — Will pergunta em meio

a um acesso de tosse.

Concordo com a cabeça. — Uh-huh. — Eu puxo uma respiração

profunda, pronto para puxar o calor acima dos meus pulmões, mas minhas

vias aéreas parecem muito finas, apertados. Eu inalo e depois engasgo,

asfixiada e tossindo violentamente enquanto sou atraída por uma golfada de

vapor tóxico.

Will compreende imediatamente. Eu não tenho nenhuma defesa.

Nenhum fogo. Eu preciso de oxigênio, bom e limpo. Sua mão agarra a minha.

— Temos que ir agora!

Ele está certo, é claro. Temos que ir antes que a fumaça nos derrube...

ou pior.

Mas não sem Cassian.

Eu fixo meus olhos em Cassian, avançando, sem pensar. Não penso

que ainda tenho que passar pelo draki cinza para chegar até ele.

Cassian balança a cabeça, os olhos brilhando ferozmente para mim. —

Vá, saia daqui!

Ele não pode pensar que nós vamos deixá-lo.

— Cassian, não! — Eu avanço mais um passo com uma batida de asas,

pronta para outra investida, mesmo que eu não possa respirar fogo. Will

agarra meus ombros para baixo, me puxando para trás.

As pernas do draki cinza se firmam abertas, prontas para mim. As

pupilas de seus olhos de estanho estremecem. Eu olho novamente para

Cassian, além do meu alcance.

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— Vá —, ele grita novamente em torno das pernas do draki, sua voz se

quebrando em um selvagem espasmo de tosse. Ele firma o olhar para Will. —

Tire ela daqui!

De alguma forma, intuitivamente, Will o entende. Ou talvez seja

apenas a coisa mais óbvia a fazer. Só que não para mim.

Will envolve um braço em volta da minha cintura, me arrastando de

volta.

— Cassian —, eu grito.

Will move o outro braço em um amplo arco e depois empurra sua mão

para fora no que está se tornando um gesto familiar.

A terra cai diante de meus olhos, em um rugido de poeira e detritos.

— Voltem —, Will grita por trás de nós para os outros. Seu domínio

sobre mim aperta enquanto ele me puxa de volta para o túnel. Nós caímos em

uma pilha confusa.

Então Will está de pé, carregando-me de volta enquanto a cortina de

pó continua vindo atrás de nós num maremoto voraz. Mas eu não me

importo. Tossindo violentamente, eu me sacudo e fico livre, e salto de pé.

Eu irrompo no turbilhão de terra que cai. — Cassian! — Eu não sou a

única a gritar. Miram está lá também, chamando por seu irmão. Nessa hora,

em nosso desespero para salvá-lo, estamos unidas.

— Jacinda, não! — Will me agarra novamente. — É tarde demais! Nós

temos que ir!

Eu giro e liberto meu braço dele. — O que você fez?

Ele não entende minhas palavras. Mas ele não precisa. Ele sabe.

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Seus olhos endurecem. — Temos que continuar andando. Nós logo

vamos ficar sem oxigênio aqui embaixo. — Voltando-se, ele andou e passou

os outros. Deixando-me para fazer o que ele deve.

Miram soluça perto de meus pés, batendo na parede de terra onde a

abertura para o corredor costumava estar. Eu fechei a mão em torno de seu

braço e a puxei de pé. Pela primeira vez, ela me deixou ajudá-la. Ela parece

mais leve, mais magra do que eu me lembro. O cativeiro faz isso, eu acho.

Meu coração torce quando me recordo do tempo em que ela permaneceu

prisioneira. E agora isso. Perder Cassian. Não era para ser assim. Eu nunca

tinha imaginado algo tão terrível quanto isso. Minha mão acaricia o braço

dela. Nós todos nos movemos, seguindo Will.

— Eu sinto muito —, Lia diz em um sussurro, se apertando ao meu

lado no espaço estreito. — Eu não devia ter libertado ele. Eu simplesmente

não podia suportar o pensamento –

Eu balanço uma mão, silenciando-a. Não é culpa dela. Eu poderia tê-la

impedido. Eu deixei a compaixão ficar no caminho. Eu não serei tão estúpida

novamente.

— Jacinda? — Tamra olha de forma penetrante para mim e então

recua para trás de nós. — Cassian?

— Nós não podemos salvá-lo —, eu reajo, então vacilo quando Miram

começa a chorar novamente.

Eu olho para trás novamente para onde a sujeira ainda gira no ar. Eu

vejo a descrença em seu rosto. Ela está rasgada, tentando entender aquilo que

eu já sabia. Cassian está perdido para nós.

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Eu abro minha boca para lhe dizer que não há nada a ser feito, quando

de repente uma dor lancinante me acerta, quase me deixando de joelhos. Eu

libero Miram e bato contra a parede de pedra áspera, com um suspiro.

Tamra me alcança. — Jacinda? O que foi?

Cassian. É Cassian.

Miram me olha com os olhos arregalados, seu terror tão palpável como

as partículas de sujeira que nadam a nossa volta, e eu aperto meus lábios

juntos enquanto meu peito explode num quente sofrimento ardente, que

rivaliza com a dor em meu coração.

— Jace, o que é? — A preocupação está gravada nas linhas suaves do

rosto de Tamra.

Eu balanço minha cabeça e engulo um grito de agonia. Eu não estou

preparada para dizer a ela o que eu sei – que Cassian está sendo ferido,

torturado em algum lugar por um draki diabólico. Que eu sinto isso

acontecendo.

Mesmo que ela não goste de Cassian, ainda há uma história aí da qual

ela não pode escapar. Uma história de carinho e desejo, de querê-lo e nunca

tê-lo. Ela não ia querer que ele se machucasse, não o queria... morto. Também

não quero dizer a Miram o que está acontecendo e arriscar que ela se recuse a

fugir com a gente. Cassian iria querer que eu levasse sua irmã em segurança.

Não posso deixar que tudo isso tenha sido em vão.

Eu me forço a ir, tentando fingir que eu não posso sentir a dor, que eu

não estou deixando um pedaço de mim para trás. — Eu estou bem. Vamos.

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Will trabalha à nossa frente, usando seus novos poderes para esticar

nosso túnel e levar-nos a liberdade. Lutamos com o redemoinho de poeira e

terra e seguimos vários passos em sua trilha.

Eu encaro as costas de Will, tentando não culpá-lo. Tentando não ficar

com raiva. É uma tarefa difícil. Depois de vários minutos, eu sinto que ele

está cansado, mas ele não para. Não desiste. Desistir não está nele. Eu sei

disso melhor do que todos. Ele continua indo, empurrando adiante, poeira e

terra sendo cuspidas em torno de nós num rugido precipitado. Penso em

perguntar-lhe se ele sabe para onde está indo, vamos sair bem no meio da

cidade? Isso seria constrangedor.

Eu quase rio da imagem. Mas não. Poderia acontecer. E nós ainda

podemos não conseguir sair daqui. Ainda podemos morrer. Mesmo que Will

não saiba onde estamos indo, ele não pode parar agora. Não há como voltar.

Atrás de nós, a morte espera. Então, eu não digo nada e confio nele,

deixando-o nos conduzir para fora deste inferno.

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Eu não sei por quanto tempo viajamos por baixo da terra. O tempo

está suspenso. É como se nós estivéssemos presos no ventre da terra. Will

começa a diminuir.

Meus olhos estavam bem acostumados com a escuridão, mas eu ainda

me esforço para enxergá-lo através da arenosa névoa de poeira quando ele

gesticula para que eu pare.

— Espere aqui. Eu volto logo.

Eu me interrompo, acenando com um braço ao meu lado para impedir

que os outros continuem. Will se move à frente, curvando-se um pouco até

que eu o perca de vista na crescente nuvem de sujeira.

Então somos apenas nós, meninas, no escuro. Eu sinto a respiração

delas em torno de mim, úmidas e ásperas no estalar do ar seco, partículas de

terra flutuando como purpurina a nossa volta. Eu pulo quando eu finalmente

ouço o som da voz de Will.

— Vamos! Está liberado!

Nós nos movemos à frente ansiosamente, seguindo o caminho que ele

esculpiu para nós. Eu estou liderando-as sobre o terreno irregular e sou a

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primeira a ver a luz à frente. É como acordar com a luz solar. Eu pisco e

estreito os olhos, protegendo-os com a mão. Através da terra áspera

imprensada a nossa volta, eu percebo uma abertura irregular à distância.

Pedaços de raízes e grama pendem ao redor da borda.

Eu não vejo Will. Ele se foi, e por um momento o meu peito sente

apertado, meu coração vibrando com pânico. Então seu rosto está lá,

aparecendo de volta através da abertura que mal é grande o suficiente para

caber seus ombros. — Está tudo limpo. Nós não estamos muito longe de onde

deixamos a van. — Ele joga algumas roupas para nós. — Desmanifestem-se e

se vistam.

Nós obedecemos. Miram, Tamra e eu vestimos rapidamente nossas

roupas. Eu passo uma blusa de moletom e uma calça para Lia, parando

quando eu a vejo como humana pela primeira vez.

Olhos enormes, sardas e um nariz ligeiramente arrebitado. Ela

dificilmente parece ter 12. O pedido de desculpas ainda está lá em seus olhos,

e eu gostaria de poder acabar com sua culpa. Ela é jovem demais para sentir

tão grande responsabilidade. O ônus de quem vive e morre em uma fossa

enkros não deve ser dela.

— Vamos. — As três meninas me seguem se espremendo para a

superfície. Eu fico vesga como uma toupeira emergindo de seu buraco. Os

últimos raios de sol do dia estão desaparecendo, enchendo o ar com uma

tonalidade vermelho-ouro. Partículas dançam nos raios enfraquecidos. Eu

caio no chão, permitindo que os meus dedos se enrolem na terra. Eu respiro

ruidosamente o ar, doce e fresco. Cassian. O pensamento dele, deixado para

trás, rasga em mim como uma ferida recém-aberta.

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Eu procuro Cassian dentro de mim, na esperança de encontrá-lo lá,

esperando que ele possa me sentir. Sua irmã está segura, Cassian. Ela está bem.

Eu estou bem.

Eu desejo que ele saiba disso, na esperança de acalmá-lo. Na esperança

de dar-lhe uma razão para lutar... para encontrar um caminho de volta para

nós.

Então eu o sinto. Como um grito fraco no meio da noite, seu alívio

vem a mim, envolve-me como um vento quente.

— Jacinda.

Eu olho para cima. Will está na parte de trás da van, mantendo uma

porta aberta e acenando para nós. Sua expressão ansiosa me lembra de que

não estamos fora disso ainda. Eu me ponho de pé, relutante em ir até onde eu

sei que devemos. Ir, de alguma forma, parece como fechar a porta para

sempre para Cassian. Agora eu o sinto, mas eu sei por minha Mãe que,

quanto mais distância houver entre nós, mais fraca nossa conexão será, e isso

faz com que meu peito aperte com inquietação. Agora mesmo, a única coisa

que me resta dele é o nosso laço.

Will me observa, seu olhar atento e eu sei que ele adivinha meus

pensamentos. Eu me sinto culpada. E então irritada. Eu odeio que eu não

possa abertamente sentir minha separação de Cassian sem me preocupar em

como isso vai fazer com que Will se sinta.

Tamra ajuda Miram a entrar na van. Eu observo a menina quando ela

se move para dentro, fazendo lembrar uma velha mulher.

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Lia olha para mim, claramente hesitante, e eu acho que ela sente a

tensão. Seu olhar se demora em Will e eu sei que ela está tentando

compreendê-lo – este não-draki com o talento draki para manipular a terra.

— Está tudo bem. Entre —, eu digo.

Então somos só Will e eu fora da van ... e não está "tudo bem".

Eu poderia ter-me desmanifestado, mas eu ainda fervo por debaixo da

minha pele. As emoções de Cassian ondulam através de mim quando eu

encaro Will. Mesmo confusa com isso, eu quero atacar e chorar e bater em

Will pelo que ele fez. Sentimentos injustos, eu sei, mas sou eu quem está aqui

sentindo cada pedaço do sofrimento de Cassian. Estou vivendo-os através

dele.

— Entre —, diz ele, lembrando-me de que o que quer que eu tenha que

dizer, agora não é o momento. Mal estamos fora da fortaleza enkros, com os

enkros correndo soltos. Nós não estamos seguros ainda.

Eu me movo em direção à parte de trás da van quando um helicóptero

rasga através do ar acima de nós, voando tão baixo que cria um vento forte.

Então mais dois rugidos surgem. Reforços.

Eu encaro o céu e depois desvio o olhar, olhando para baixo da

encosta, reconhecendo vários veículos conduzidos em alta velocidade ao

longo da estrada principal que leva às portas da fortaleza. Na luz fraca, eu

posso ver a agitação da atividade em seu estacionamento.

— Agora! Vamos, — Will grita.

Eu mergulho na parte de trás da van.

Em segundos, eu ouço a porta do motorista bater e estamos nos

movendo, o motor funcionando. A van faz uma curva acentuada, atirando-

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nos pela traseira. Lia desliza em mim. Eu passo um braço em volta da menina

e a firmo enquanto a van retumba a nossa volta como uma besta rugindo.

Tamra segura Miram cujo olhar me perfura. — E o meu irmão? — Para

ela, ele não está perdido. Tamra tenta calá-la, mas Miram não aceita nada

disso. — Jacinda? — Ela exige.

Eu balanço minha cabeça, incapaz de dizer qualquer coisa.

— Nós vamos apenas deixá-lo? — Ela pressiona. — Esquecê-lo?

— Ele se foi —, sussurra Lia.

A atenção de Miram se volta para a menina. — Você! Cale a boca! Você

nos fez deixar esse monstro solto. A culpa é sua.

Lia estremece em meus braços e vira o rosto, olhando para as portas

com autocontrole.

— Jacinda? — Tamra desliza para o meu lado e toca levemente meu

ombro. Mesmo que seja Tamra, eu me empurro do contato.

O terror de Cassian está todo em torno de mim agora, enjoativo e

profundo; ele se afunda em meus poros e se enraíza em meus ossos. É tudo

que eu posso sentir tudo o que sou – uma criatura que vive e respira medo.

Eu pressiono o metal frio da parede da van. Ainda me abraçando, eu

me sacudo, lutando contra o ataque das emoções de Cassian.

A parte mais básica de mim anseia para se libertar, mas o resto de mim

se apega a Cassian, lutando para manter a nossa conexão enquanto a

distância entre nós cresce. Ele não estará perdido enquanto eu puder senti-lo.

— Jacinda? — Tamra repete meu nome novamente, insistindo em

algum tipo de reconhecimento.

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— Eu estou bem. Só não me toque... —, digo entre os dentes enquanto

o som de outro helicóptero ruge nas proximidades.

Bloqueadas nas sombras da van, todos os nossos olhares se voltam

para cima, preocupado se o helicóptero vai nos localizar. Nós liberamos um

suspiro coletivo quando o som de lâminas zunindo recua.

A agonia de Cassian se intensifica, então, o medo é tão amargo que

inunda minha boca e me derruba de lado. Eu não posso cuidar ou pensar em

mais nada, além disso. Uma queimadura de gelo penetra meu corpo. Eu

silvo. Arco minha espinha. Liberando Lia abaixo meus punhos com força,

moendo meus dedos no chão implacável, como se a pressão pudesse me

oferecer algum alívio.

— Jacinda? O que há de errado? — Tamra grita sua voz um eco

distante em meus ouvidos.

Outro helicóptero sobrevoa ensurdecedoramente alto e então se vai,

um zumbido fraco enquanto ele desaparece.

— Cassian, — eu digo com os dentes apertados.

Não é o draki cinza que está fazendo isso com ele. Eu sei disso com

uma vibração profunda em meus ossos.

Algo mais o tem... está com ele. Seu medo tem um gosto diferente...

mais acre.

Eu fecho meus olhos quando minha agonia – a agonia dele – se

transforma em outra coisa.

Um tremor varre em mim. Eu me enrolo em uma pequena e completa

bola, me segurando com força.

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E de repente eu estou bem. Eu estou bem. Mas ele não. Cassian não

está bem. Ele não é nada. Ele se foi. Só isso.

Como uma corda que se parte. Não há nada mais lá. Nenhuma

conexão. Nenhum vínculo. Sem Cassian. É muito cedo para a distância ter

nos separado. O som do meu coração acelerado enche meus ouvidos. Eu

procuro dentro de mim, caçando por ele, uma prova de que ele ainda está lá.

Comigo. Mas nada.

Sem Cassian.

Eu me inclino para o lado com um suspiro e grito seu nome. —

Cassian!

Nós paramos horas depois.

Eu parei de gritar, consciente de que eu estava assustando os outros.

Eu não posso imaginar o que Will deve ter pensado preso atrás do volante,

dirigindo com meu barulho aqui atrás da van. Agora eu estou apenas me

abraçando novamente, balançando e me inclinando como se eu fosse uma

criança em necessidade de conforto. E eu sou. De muitas maneiras. Desde o

início, Cassian sempre esteve lá. Mesmo em Chaparral, quando ele não estava

lá, ele estava lá, um espectro constante. E então ele apareceu – nunca indo

embora, mesmo quando eu queria que ele fosse. Sempre olhando por mim. E

agora ele se foi.

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Tamra tenta me consolar, mas eu mal posso falar com os outros.

Especialmente Miram. Como posso olhar para ela e dizer o que eu sei com

certeza? Que Cassian se foi. Morto.

Em algum momento, Tamra sussurra a ela, explicando como Cassian e

eu fomos forçados a nos unirmos em minha volta ao clã – e que eu ainda

assim escolhi Will.

Eu vejo Miram se afastar, a fúria piscando no marrom opaco de seus

olhos. Ela se vira para mim com um olhar que eu conheço bem. Ela me odeia

agora mais do que nunca.

Em seus olhos, eu rejeito tudo o que eu deveria ter aceitado – o nosso

clã, a maneira draki. Seu irmão. Ela não consegue entender isso, e eu não

esperava que ela o fizesse.

Como eu poderia escolher Will sobre o precioso príncipe draki de nosso

clã? É a pergunta que eu vejo em seu rosto, e não há nenhuma razão simples

que eu possa dar.

Entretanto, não há nada simples em Will. Eu penso novamente no que

ele pode fazer – curvar a terra, resistir ao sombreamento, sua imensa força – é

evidentemente errado considerá-lo um ser humano. Por outro lado não posso

pensar nele como um draki também. E isso me deixa triste. Will não pertence

a qualquer lugar. Não entre humanos. Não entre draki.

Mas ele pertence a mim. A convicção ainda está lá, tão insensata e

perigosa como sempre, penetrando em meus ossos, meu coração. Um fato

que eu não mudaria mesmo se pudesse.

A porta de trás da van balança se abrindo e Will está lá no calmo

crepúsculo. Uma floresta escura encolhe-se em suas costas e eu sei que ele se

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certificou de estarmos longe da fortaleza. Onde quer que estejamos, estamos

seguros por agora.

Seu olhar percorre todas nós antes de se fixar em mim. A preocupação

está lá, brilhando nas profundezas de seus olhos cor de avelã. Ele, sem

dúvida, ouviu meus gritos, mas não pôde parar até agora.

— Você está bem? — Ele pergunta.

Eu seguro o seu olhar. — Ele se foi. Cassian está morto. — Minha voz

engasga com as palavras, odiando ter que dizê-las. Especialmente na frente

de Tamra e Miram, mas eu não posso esconder isso deles para sempre.

Will está silencioso. Seu rosto não revela nada. Eu pego um vislumbre

de algo mais em seus olhos, mas eu não tenho certeza do que isso significa.

Miram solta um grito e cai nos braços de Tamra.

— Eu sinto muito, — ele finalmente diz.

Eu sinto meu rosto ameaçar desabar e respiro fundo, lutando contra a

queimação das lágrimas. Eu não preciso de outra crise. Mas é horrível. Sentir

esta dor por Cassian, mas incapaz de mostrá-la porque eu não quero ser

insensível a Will – não quero que ele pense que eu estava apaixonada por

Cassian.

Um momento de silêncio constrangedor passa, e ele olha a nossa volta.

— Nós precisamos dirigir um pouco mais. Não me sinto confortável de parar

ainda, mas eu queria checar todas vocês. Algumas horas mais e podemos

comer e descansar um pouco.

Ele espera por um momento como se eu fosse reagir a isso. Nenhum

de nós fala. Os únicos sons são os soluços de Miram. Eu não olho para ele

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novamente. Eu não posso. Não com estes sentimentos horríveis se agitando

dentro de mim. Em vez disso, eu dou um firme aceno com a cabeça.

As portas batem e se fecham. Eu escuto o barulho de seus passos e a

batida da porta do motorista. Em instantes, a van está murmurando ao nosso

redor novamente e estamos seguindo adiante na noite.

— Você fez isso, Jacinda, — sussurra Miram acaloradamente,

ignorando a minha irmã silenciando-a. — Você fez isso. Cassian está morto

por sua causa.

— E você não participou? — Eu reajo, sofrendo muito por dentro e me

recusando a toda dor nisso – toda a responsabilidade. — Não foi você quem

me seguiu e nos fez ser capturadas? Não foi você que se recusou a fugir

comigo quando nós tivemos a primeira chance?

Ela me olha com ódio, e isso quase faz seus frios olhos de visiocrypter

parecerem vivos. Outra coisa brilha lá, também – a consciência de que eu

estou certa. Ela não pode esconder sua culpa completamente. E então eu me

lembro de Cassian, e do amor que ele sentia por ela. Saber que Miram se

culpará para sempre me faz sentir pior. Até Tamra olha para mim com tal

decepção, e eu me sinto horrível.

Miram torce seu nariz com uma fungada e fixa o olhar na parede da

van.

Lia sopra uma respiração. — E eu que pensei que tinha problema com

todo o drama na minha vida.

Eu olho para Lia, esta menina, esta estranha. Eu não possuo a energia

para perguntar a ela sobre sua vida e de onde ela vem e qual poderia ser

possivelmente o seu drama. Em qualquer outro momento eu teria gostado de

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conhecer um draki de outro clã – para trocar ideias e descobrir se havia uma

maneira melhor de vida fora do meu clã, longe dos poderes absolutos de

Severin. Mas eu não posso pensar nisso agora. Talvez mais tarde.

Eu deito de lado, deslizo a mão debaixo da minha bochecha, e olho

cegamente. Estranho, eu deixei a fortaleza enkros para trás, a prisão que

quase me enlouqueceu, mas eu não me sinto como se tivesse escapado.

Eu ainda me sinto derrotada, para sempre sua prisioneira.

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Paramos várias horas mais tarde, estacionando ao lado de uma

pequena estrada rural.

Precisávamos discutir os próximos passos. O plano era nos dividirmos

neste ponto – Cassian e Miram voltariam para o clã, enquanto nós

seguiríamos nosso próprio caminho.

Claramente isso mudou agora.

Eu não posso imaginar voltar para o município. Especialmente agora.

Sem Cassian. E Miram ainda precisa chegar em casa.

Eu engulo e fecho os olhos. Um alvo iria sempre marcar minhas costas

depois que o clã soubesse o que aconteceu com Cassian. Levantando o meu

rosto para a noite, eu deixo uma brisa acariciar minha pele e sei que nunca

irão me deixarão em paz, nunca pararão de me caçar. Eles vão me culpar por

Cassian. Severin nunca descansaria até me pegar, até que eu esteja de volta ao

clã, uma prisioneira. Ele vai mandar um dos seus mais fortes atrás de mim.

Corbin. Ele pode ser primo de Cassian, mas ele não possui um grama de sua

integridade. Ele não iria me mostrar nenhuma piedade.

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— Jacinda.

Eu estremeço ao som do meu nome. Eu sou a única que ainda está

dentro do veículo. Tamra está fora da van, olhando para mim, sua expressão

apertada com preocupação, sua testa lisa, enrugada. Will está além dela,

trocando seu peso em ambos os pés. Eu nunca tinha visto ele assim – tão

incerto em como se aproximar de mim.

Escapando para fora, eu caio no chão e o encaro. Os pensamentos

sussurram através de minha mente que eu deveria dizer a ele que nada disso

é culpa dele. Eu preciso tranquilizá-lo de que eu não o culpo por nos fazer

deixar Cassian. Ele merece isso. Mas eu não consigo olhar para ele e dizer as

palavras. Não importa o quanto a minha cabeça me diz para pronunciá-las,

meu coração se recusa. É muito cedo, a minha dor é muito fresca e eu não

posso dar voz a isso. Ao invés, eu passo por ele.

Eu vejo a silhueta de Lia e Miram à distância, de pé ao lado de duas

lanternas elétricas. Vários sacos de dormir estão perto delas, mas elas não

fazem nenhum movimento para desdobrá-los.

Os passos de Will soam atrás de mim. Eu suspiro, sabendo que não

posso ignorá-lo para sempre. Eu não quero ignorá-lo. Eu quero que tudo

esteja bem entre nós novamente, mas eu não tenho certeza de que isso seja

possível agora. Eu não posso simplesmente enfiar a cabeça na areia e fingir

que eu estou bem. Eu posso ter escolhido Will, mas Cassian é – era – uma

parte de mim. E o que isso significa para mim e Will se eu não me sinto livre

para expressar a minha tristeza?

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Abro a minha boca para falar, ainda não sei o que dizer. As palavras

morrem em minha garganta enquanto eu vejo Lia começar a despir as suas

roupas. Imediatamente, eu entendo. Eu sei que ela está nos deixando.

Miram, no entanto, não tem a menor ideia. — O que você está

fazendo? — Ela exige, olhando para a menina como se ela tivesse ficado

louca.

Lia levanta um ombro fino como se fosse óbvio. — Indo para casa. —

Seus olhos azul-escuros presos aos meus. Chutando livre suas calças grandes

demais, ela prende suas roupas numa trouxa apertada, amarrando juntas as

mangas de sua camisa para nada escapar, criando uma espécie de alça.

De frente para mim, ela alinha seus ombros. — Obrigado. Você salvou

a minha vida. Eu nunca vou me esquecer disso. Ou de você.

— Você tem certeza? — Eu pergunto a preocupação por ela amarrando

meu peito. — Você sabe como –

— Eu sei o meu caminho de casa.

Mais uma vez, eu tento. Ela é tão jovem. Não parece certo deixá-la ir

sozinha. — Mas você não pode voar durante o dia. O que você vai –

— Eu vou ficar quieta durante o dia. Não deve demorar muito tempo

para chegar em casa. Uns dois dias. Eu vou ficar bem. — Ela sorri confiante, e

eu percebo que ela não é uma criança. Não mais. Quem poderia ser depois de

viver como uma prisioneira dos enkros?

E eu sei que ela vai ficar bem. Ela é uma draki da água. Ela nunca

andaria muito longe de uma fonte de água. Isso vai oferecer proteção se ela

precisar. Por um breve momento, eu penso em sugerir que ela fique com a

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gente, mas o que podemos oferecer a ela, exceto risco e instabilidade? Ela

provavelmente estará melhor em outro lugar.

— Adeus Lia, — eu digo. — Se cuida.

— Ah, eu vou. O resto da minha vida vai ser bem tedioso, eu prometo.

Eu sorrio um pouco. — Isso soa como o paraíso.

Ela me surpreende com um abraço rápido antes de se virar e caminhar

alguns passos, sua aparência humana derretendo enquanto ela se manifesta

no azul profundo de um draki da água. Em seguida ela se vai, lançando-se na

noite. Eu vejo o azul escuro e reluzente de seu corpo até que ele é

indistinguível contra o céu noturno.

Vê-la ir é outro peso, um pouco mais de sofrimento adicional, saber

que eu nunca vou vê-la de novo – nunca saber ao certo se ela chegou em casa

e reivindicou aquela vida monótona para si mesma.

— Vamos lá, Miram, — Tamra diz suavemente. — Vamos desenrolar

estes sacos de dormir. — Minha irmã olha para Will. —Tem alguma comida?

Ele concorda e se volta para a van.

A menção de comida faz meu estômago roncar, mas meu cansaço

vence. Eu movo meus membros pesados. Caindo, eu desenrolo os sacos de

dormir e deslizo para dentro, sentindo a necessidade de fazer algo para

fugir... mesmo que isso seja fingir dormir. Olhar Will agora, dizer-lhe o que

está no meu coração – ou melhor, o que não está o que está morto e perdido –

é simplesmente demais. Só que eu acabo não fingindo. No momento em que

minha cabeça bate no chão, a exaustão toma conta e eu vou.

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Eu acordo de repente, todos os nervos do meu corpo em um fio

apertado. Uma estranha sensação de satisfação corre através de mim. Sento-

me, o tecido liso como plástico do meu saco de dormir deslizando para minha

cintura com um sussurro arranhado.

Eu examino a área a minha volta. Miram e Tamra dormem nas

proximidades. Por um momento, eu admiro a fluidez do cabelo da minha

irmã, uma cachoeira prateada derramando pelo chão. Eu me acostumei a vê-

lo. Eu já não penso nela como a nova Tamra. Ela é simplesmente Tamra.

Minha irmã. Uma respiração de alívio sai pelos meus lábios. Pelo menos eu

não a tinha perdido.

E você ainda tem Will.

Com este lembrete, meu olhar se arrasta, procurando por ele.

Eu o encontro. Observando-me. Ele se senta de costas contra uma

árvore, uma perna dobrada de modo que seu braço está sobre o joelho. Eu

quase posso acreditar que ele estava esperando eu acordar.

Sento-me um pouco mais reta. — Will.

O som suave da minha voz jorra no silêncio morto da floresta. Eu olho

para as meninas dormindo, preocupada se eu as acordei. Elas não se movem.

— Por que você está acordado? — Eu pergunto.

— Apenas sentado aqui pensando.

Eu lambo meus lábios. — Sobre o quê?

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Ele olha para mim por um longo minuto através da distância, os seus

olhos cor de avelã nada mais que dois brilhos escuros. — Sobre como você

sempre vai se perguntar se eu quis deixá-lo para trás.

Minha respiração fica presa e eu levo um momento para responder.

Quando eu faço, eu estou feliz com a firmeza da minha voz. — E você quis?

— Eu pergunto, mesmo que eu não suspeite por um momento que ele

quisesse. Will não é assim.

Ele balança a cabeça contra a árvore. — Eu fiz o que ele queria que eu

fizesse Jacinda. Eu vi nos olhos dele. Era tudo que eu poderia fazer.

Concordo com a cabeça devagar. — Isso é verdade.

Seus olhos se estreitam e me penetram. — Mas isso não é bom o

suficiente para você.

— Eu não culpo você.

— Você não precisa fazer isso. Eu posso ver em seus olhos. Você nem

mesmo me deixou tocar em sua mão... — Sua voz falha.

Ele acha que eu o culpo por perder Cassian? Eu saio do saco de

dormir, determinada a lhe corrigir deste equívoco. Talvez eu tenha estado

brava com ele no começo, no momento, mas eu sabia até então que ele fez a

única coisa que podia para o resto de nós sobrevivermos.

Ele observa com intensidade constante enquanto me aproximo dele,

meus pés estalando sobre as folhas secas. — O que você está fazendo? —, ele

pergunta enquanto eu me abaixo ao lado dele, determinada a provar que eu

não estou brava com ele... Que eu acredito nele. Em nós. Estive tão envolvida

em esconder minha tristeza dele... com medo de machucá-lo, revelando a

minha dor. Acontece que eu tinha o machucado de qualquer maneira.

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— Mostrando a você —, eu digo.

— Mostrando-me o que?

— Que nós estamos bem. Eu sei que você teria salvado ele se pudesse.

Eu não pretendia que você pensasse que eu o culpo. Eu tenho evitado você

porque eu senti culpa.

— Culpa pelo quê?

— Por sentir falta de Cassian. Por me sentir assim... triste. — Eu

sacudo minha cabeça. Triste parece uma palavra tão inadequada. Tinha

perdido para sempre uma parte de mim. Parte de mim está morta. Cassian se

materializa na minha cabeça e é como um golpe físico. Como um soco

diretamente no estômago e não consigo recuperar o fôlego. Meu peito sobe

entrecortado, lutando por ar. Um tufo de cabelo vermelho como fogo cai

diante de meus olhos.

— Você não tem que fingir que não está de luto. Não se sinta culpada

por sentir. Por... — Ele faz uma pausa, e eu vejo que as palavras seguintes são

uma luta para ele. — Não se sinta culpada por se preocupar com ele, também.

Meu coração se aperta e sei que amar Will é certo. Sempre foi certo. E

ele dizer essas palavras, só prova que meus instintos nunca tinham estado

errados sobre nós – sobre ele. Ele nunca faria nada para prejudicar ninguém

deliberadamente. A mim. Nem mesmo a Cassian.

Will escova a mecha de cabelo para trás de meus olhos, seu olhar

suave. — Jacinda —, ele sussurra. — Você não tem que provar nada para

mim. — Sua testa enruga. — Especialmente porque eu não estou tão convicto

quanto você está.

Eu franzo a testa. — O que você quer dizer?

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Ele suspira e sua expressão aperta como se fosse uma dor física. — Eu

continuo repetindo o momento final em minha mente, me perguntando se

havia alguma maneira... que não tivéssemos que deixá-lo para trás.

Eu coloco minhas mãos em seu rosto e o forço a olhar para mim,

determinada que ele me ouça. — Você fez tudo o que podia.

— Como você está tão confiante disso?

— Porque você não estaria aqui se debatendo sobre isso, se você

tivesse feito de propósito. E você não iria me machucar.

E essa é a verdade. Essa tem sido a verdade desde o primeiro dia.

Desde que nos conhecemos. Ele não iria prejudicar Cassian se isso fosse me

machucar. Eu sei disso.

Meu polegar roça seu lábio inferior, traçando a sua forma,

memorizando sua textura suave. Suas pálpebras se fecham, e eu trago a

minha boca mais perto. Seu lábio se abre e eu provo o calor de sua respiração.

Seus olhos se abrem, e eles estão mais escuros do que momentos antes

e eu sinto um tiro de satisfação com o meu efeito sobre ele.

Eu me aproximo mais e coloco minha mão em seu peito, beijando-o

com ternura, lentamente no início. Me afastando, eu olho em seus olhos

novamente, tão perto dos meus. Eles brilham sombriamente. Eu me inclino

para outro beijo e ele me interrompe com uma mão firme no ombro.

— O quê?

— Você não tem que fazer isso.

Eu balanço minha cabeça. — Você não me quer –

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Ele aperta os olhos com força. Ele dispara um olhar para onde Miram e

Tamra estão dormindo e depois sopra um suspiro de frustração. De repente

ele se levanta e agarra a minha mão, me arrastando atrás dele, nos arrastando

através das árvores. Nossas pernas cortam a grama alta. Ele me pega quando

eu tropeço em um galho caído. Ambos os braços me cercam, sólidos e

quentes. Eu olho para o rosto dele e me perco no brilho escuro de seus olhos.

Seus olhos estão tão limpos, mas o resto de seu rosto é nebuloso, todas as

linhas sombrias e vazias.

O veludo de sua voz acaricia-me e eu me inclino para ele. — Eu quero

você, Jacinda. Com tudo o que eu sou. Com cada respiração minha. Mas você

perdeu alguém importante hoje e você não tem que fazer nada para me

convencer do seu amor. — Sua respiração se agita um pouco, o ar quente

roçando minha bochecha.

Eu caio contra ele e depois libero as lágrimas que eu estava segurando

lá atrás em sua presença. Eu agarro sua camisa até que meus dedos estão

doendo e sem sangue. Seus braços se apertam em torno de mim, me

segurando.

Will é uma boa pessoa. Puro e simples. Caso contrário, ele não estaria

aqui, me segurando enquanto eu sinto pesar por Cassian. Ele ainda poderia

estar com sua família de caçadores.

E eu provavelmente teria morrido meses atrás.

E de repente a necessidade de beijá-lo é tudo. Tudo o que é certo e real.

O bálsamo para as minhas muitas feridas.

Meus lábios encontram os dele. Lágrimas quentes escoam de minhas

pálpebras enquanto nossas bocas se fundem com veemência. Sua mão desliza

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pelo meu cabelo. Minhas próprias mãos se movem em todos os lugares,

tocando, sentindo, deleitando-se com a sensação forte e firme dele. Ele faz um

som gutural contra meus lábios e meu pulso pula descontroladamente na

minha garganta.

Lágrimas deslizam pelo meu rosto, o gosto salgado delas se

misturando em nosso beijo. Emoções brigam dentro de mim, faminta, o

desejo por ele – e um coração partido por Cassian. Eu nunca teria pensado

que esses sentimentos pudessem existir simultaneamente. Mas, de alguma

forma, estar com Will, me perder no calor do nosso beijo... alivia a dor dentro

do meu peito.

Eu pressiono minha boca contra a sua, focada nele, sobre a fusão dos

nossos lábios, a sensação de sua mão na parte de trás da minha cabeça, os

dedos longos que atravessam os nós do meu cabelo. Não me lembro da

última vez que o escovei. Devo estar horrível, mas ele ainda me quer.

Eu perco a mim mesma no gosto e sensação. Em Will. Eu não noto a

mudança de vento, o levantar do meu cabelo dos meus ombros, o farfalhar

das folhas nas árvores... ou o cheiro de algo mais no ar, até que seja tarde

demais.

O grito de Miram corta através da noite, sacudindo-me de volta ao

presente.

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Enquanto eu rasgo por entre as árvores, minha respiração falha de

meus lábios e o medo corre alto em meu peito com o que eu poderia

encontrar. Deixe Tamra ficar bem. E Miram, também. Eu não posso perder a irmã de

Cassian, não depois que ele morreu para salvá-la. A fumaça sopra fortemente de

meu nariz, quando Will e eu explodimos de volta para o acampamento ao

mesmo tempo.

Vejo minha irmã imediatamente, de pé protetoramente na frente de

Miram. Já plenamente manifestada, Tamra está envolta em uma nuvem fina

de vapor. Como shader, é tudo que ela tem. Uma grande defesa ao lidar com

os seres humanos, mas não oferece nenhuma proteção ou defesa no confronto

com um de nossa própria espécie. Ela não pode sombrear outro draki.

E é um draki que ela enfrenta.

Eu balancei minha cabeça, incapaz de conciliar o que eu vejo. O draki

cinza está ali de pé, todos os músculos elevados e os tendões ondulando,

diante de minha irmã. A única coisa tranquilizadora sobre a visão dele é que

sua pele está lisa e macia, não levantada em lâminas incontáveis sobre seu

corpo. Mas eu sei que só leva um instante para ele se armar para o ataque.

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Lembro-me bem, e o medo por Tamra treme através de mim, forte demais

para resistir.

Eu me manifesto, minhas asas se levantando, rasgando minha camisa,

o nome da minha irmã num grito em meus lábios.

O draki cinza olha por cima do ombro para mim, mas não faz nenhum

movimento, mesmo quando seu olhar se estreita com o reconhecimento.

Will está ao meu lado, seu braço roçando o meu.

— Por que você está aqui? — Eu exijo. — Você está livre. — Ele pode ir

a qualquer lugar. Por que ele está nos perseguindo?

Ele olha de novo para Tamra. Ele olha para ela como se ele nunca

tivesse visto nada parecido antes. Meu estômago treme com inquietação. Ele

olha para ela como se ela fosse um saboroso lanche que ele gostaria de

experimentar.

— Você é livre, — Tamra ecoa. — Você pode ir.

Ele finalmente olha para longe, mas não para qualquer um de nós. Ele

olha para o céu, estendendo sua garganta.

Eu sigo o seu olhar. No começo eu não vejo nada além da noite escura,

em seguida, um som atinge meus ouvidos – como se enormes pancadas de

vento atingissem a vela de um barco. Eu o reconheço em qualquer lugar. Um

draki voando.

Então é como se a própria noite se movesse – um negro líquido se

derramando sobre o ar que é quase tão escuro quanto. Quase, mas não

completamente. Eu distingo as asas, o brilho dos olhos que eu conheço tão

bem.

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— Cassian, — eu respiro.

Ele aterrissa sem um som, se movendo mais lento do que o habitual –

claramente ferido. Ele acena com a cabeça uma vez para o draki cinza em um

reconhecimento silencioso de pouco valor.

Eles estão juntos? Como isso é possível? A última vez que os vi eles

estavam tentando matar um ao outro.

— Cassian, — Miram grita e salta sobre toda a distância, lançando-se

nos braços do irmão. Meus músculos tensos, querendo fazer o mesmo. Mas

eu hesito. As coisas estão complicadas o suficiente. Enquanto eu estou

emocionada e aliviada de que ele está vivo, eu estou ciente de Will ao meu

lado.

Eu avanço lentamente, me aproximando de Cassian. — Você não está

morto?

— Aparentemente não.

Então eu não posso resistir. Estou abraçando-o, sentindo todas as

sólidas sensações dele em mim. — Mas você estava com dor... Eu senti que...

e então houve de repente nada. Vazio. Você... morreu.

— Os enkros vieram. Eu ainda estava acordado. Apenas atordoado

pelo gás. Eles me removeram com algum tipo de tranquilizante.

Eu dou um passo para trás, deixando cair os braços, colocando

distância entre nós quando eu olho dele para o draki cinza. — E o que? Vocês

são amigos agora? Como vocês dois chegaram aqui?

Cassian gira o pescoço e olha em volta, o movimento esgotado.

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— Quando voltei a mim, ele estava lutando contra eles. O gás não

funcionou com ele. Ele nos salvou a ambos. Nós escapamos através do túnel

que vocês deixaram para trás. Eles não sabiam o que fazer com ele e

imediatamente começaram a atravessá-lo. — Ele levanta um grande e

musculoso ombro. — Eu acho que eles pensaram que vocês poderiam ter se

escondido no outro lado. — Seu olhar oscila até Will e ele inclina a cabeça em

um gesto de agradecimento. E eu sei que ele está agradecendo Will por mais

do que o túnel. Ele está agradecendo-lhe por me salvar, por salvar sua irmã.

A todos nós.

Ele está agradecendo a Will por ouvir e deixá-lo para trás. Will não

consegue entender uma palavra do que ele está dizendo, mas eu vejo em seu

rosto que ele entende isso.

Eu sacudo um polegar em direção ao draki cinza novamente. — E

agora você confia nele?

— Eu não teria conseguido sair de lá sem ele. Ele se soltou primeiro e

acabou com vários dos enkros que estavam nos vigiando. — Ele olha para si

mesmo. — Você tem roupas à mão?

Eu aponto para a van, assumindo que suas coisas ainda estão lá. Ele

decola em direção a ela em passos largos, sua irmã o seguindo.

Eu volto minha atenção para o draki cinza. Ele parece não ter pressa

para se desmanifestar, ainda olhando para Tamra com foco exclusivo e a

irritação é tal que começa a aquecer e picar em minha pele. Eu não tenho

certeza se poderia me desmanifestar agora mesmo se eu quisesse.

Tamra não parece totalmente confortável com a atenção que está

recebendo também. Ela olha ao redor de si e se abaixa, reunindo suas roupas,

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a maioria em ruínas. Ela as segura autoconsciente contra o peito e se afasta

lentamente, andando para trás deste draki que não consegue parar de olhar

para ela quando embora ele pudesse devorá-la a qualquer momento.

Ela se lança em direção ao furgão onde Cassian e Miram

desapareceram, deixando a mim, Will e o cinza sozinhos.

Ele dá um passo para frente como se pudesse seguir Tamra. Eu

bloqueio seu caminho, meu peito arfante, o fogo baixo ardendo em seu

caminho até minha traqueia. Eu balanço minha cabeça em sinal de

advertência para ele.

Seus olhos incendeiam quando ele fica cara-a-cara comigo. Ele se

lembra bem de mim.

— Ela é minha irmã, — eu anuncio como se isso pudesse sufocar seu

interesse por ela. Ele tentou me matar, apesar de tudo – algo que eu não

esqueci, não importa que eu pudesse mostrar compaixão por seus motivos

naquele momento. Ele olha de mim para sua figura recuando e volta para

mim novamente.

E ainda assim, ele se mantém em silêncio, de forma irritante.

— Não tem outro lugar para ir? — Eu aceno com a mão, apontando na

direção que Lia tomou. — Você está livre.

Um estrondo baixo sobe de seu peito, não é bem um grunhido, mas

quase.

Eu angulo minha cabeça. — O quê? Você não fala?

— Jacinda, o que você está fazendo? Tentando irritá-lo? — Will se

move ao meu lado, pronto para saltar em qualquer briga potencial que possa

estourar. Ele pode não compreender minhas palavras, mas ele reconhece o

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meu tom de provocação. Seu queixo quadrado se aperta com força, um

músculo alisando da carne de sua bochecha.

O barulho vem de novo, muito menos rosnado, quase como a língua

draki... e então eu percebo que é a língua draki. O som é um pouco

enferrujado por falta de uso e negligência, mas é inegavelmente o dialeto

draki. — Ouça o humano. Não me encha o saco, respira fogo.

Sua voz, tão profunda e gutural, me assusta, mais do que a ameaça de

suas palavras. Passos soam atrás de mim e eu vejo Tamra se aproximando

hesitante, vestida com uma camiseta e calça jeans, parecendo normal e

estranhamente bonita, com seus olhos gelados e cabelos prateados.

Seus olhos arregalados estão embevecidos e fixos no draki cinza na

minha frente. Ela parece menos desconfortável agora. Eu franzo a testa.

Menos desconfortável e mais intrigada, e isso só me deixa desconfortável. Eu

não sei nada sobre esse cara, exceto que ele foi construído para matar – uma

arma perfeita. Mas então, eu também.

— Talvez devêssemos nos desmanifestar, — eu sugiro olhando de seu

corpo para o meu, brilhando na noite. — Isso talvez nos deixe mais

confortáveis.

Ele angula a cabeça e me dá um olhar engraçado. — Eu não estou

incomodado.

Claro que não. Ele pode fazer brotar mil lâminas por todo o seu corpo

simples num piscar de olhos. Por que ele deveria se sentir desconfortável?

— Só desmanifeste, — eu retruco.

Passa um longo tempo antes que ele responda. — Eu não sei como.

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Eu me demoro em processar suas palavras, mas uma vez que eu as

entendo, eu me afasto, precisando da distância, não me sentindo segura perto

deste draki que é essencialmente um dragão.

— O que? — Will pergunta, imediatamente registrando a minha

reação e sabendo que algo está errado. — Você pode desmanifestar e falar

comigo? Diga-me, o que está acontecendo?

— Ela pediu para ele desmanifestar e ele disse que não pode, —

explica Tamra, aproximando-se de mim. Mas ela é cuidadosa em ficar atrás

de mim. Como se ela tivesse medo de ficar muito próxima deste draki.

— O que você quer dizer? — Eu exijo.

Ele não sabe como? Como isso é possível? Isso é o que somos – o que um

draki faz. A parte humana de nós é tão real quanto o draki.

— Foi há muito tempo atrás, — diz ele. — Eu não me lembro como.

Eu olho para ele e para baixo. — Há quanto tempo você está assim?

— Desde que me capturaram e a meu clã.

Eles capturaram seu clã inteiro?

Como se pode ler minha mente, ele continua, — Meu clã foi caçado

por tanto tempo. Nós éramos apenas um punhado no final. Dezessete de nós.

Sem crianças. Agora eu sou tudo o que restou.

Estremeço, pensando nisso, de como ele deve ter se sentindo ao ser

capturado ao lado de todos que você conhece e ama, a família e os amigos.

Em perder todos eles. — Quanto tempo você ficou preso? — eu repito uma

dor partindo do meu peito.

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Ele balança a cabeça, jogando seus cabelos louros acinzentados de

lado. Seu cabelo cai até os ombros – tão emaranhado e selvagem quanto o

resto do seu corpo. — Eu não posso saber com certeza, — ele diz com a voz

rouca. — Você não conta os dias lá. Não é possível. É como se eu tivesse

passado várias vidas naquelas paredes.

Eu concordo, bem lembrando como o único dia em que passei naquela

cela pareceu muito mais tempo. Para sempre.

— Eu vi minha família morrer totalmente. Eles sucumbiram até que a

morte os levasse ou os enkros os mataram com seus experimentos. Eu desejei

a morte, para que eu pudesse ser livre, também. — Ele inclina o rosto para a

noite, claramente saboreando o vento em seu rosto. As cristas ao longo de seu

nariz se movimentam com a respiração.

— E agora você está livre, — eu digo.

— Foi há muito tempo atrás. Eu tinha quatorze anos quando entrei lá.

— Seus lábios se retorcem, o lábio superior curvado sobre um flash de dentes

branco-osso.

Tamra suspira atrás de mim.

Ele aponta aquele sorriso sofrível para ela. — Eu estou supondo que

eu não pareça ter 14 mais?

Não. Não, ele não parece. Ele parece endurecido e experiente.

Provavelmente mais velho do que eu.

Ele está com eles há anos. Meus pensamentos se desenrolam como um

carretel. Pelo menos quatro anos, eu acho. E é um draki por todo esse tempo.

Não é de admirar que ele seja tão primitivo... quanto um selvagem.

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Will e Tamra conversam em voz baixa enquanto ela traduz tudo o que

foi dito.

Cassian retorna em seguida, e eu estou aliviada. Eu não sei mais o que

dizer a este draki sem nome, um animal selvagem libertado de sua gaiola. A

maneira como ele agiu... não é nenhuma surpresa.

— Ele precisa de um lugar para ir, — Cassian anuncia em voz que

ressoa com a confiança de um destinado a governar e dominar, especialmente

se Severin não tem uma palavra a dizer. — Nós vamos levá-lo conosco.

Eu giro em torno. — Para o clã?

Eu não tenho certeza sobre isso. Mesmo que eu me sinta um pouco

mais compreensiva para com ele, é pedir muito esquecer o perigo que ele

representa.

— Onde mais? — Cassian pergunta. — Ele não pode se desmanifestar.

— Aparentemente, o draki explicou sua situação para Cassian, também. —

Nós não podemos deixá-lo aqui por conta própria.

E então eu me lembro de que eu não vou voltar. Quando deixei o clã

que eu não tinha a intenção de retornar e agora que Cassian pode escoltar

Miram para casa, não há necessidade. Eu não deveria me importar se Cassian

quer levar um animal selvagem de volta para o clã.

Mas eu me importo.

Não é um interruptor que eu possa desligar. Eu me importo com

Cassian e com Az e muitos outros que ainda vivem no clã. Aceitar esse draki

pode colocar todos em risco.

Eu olho para Cassian. Sua respiração está ofegante. Ele ainda está

sofrendo, uma mão apertando a seu lado. Como é que ele vai lidar com

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Miram e um draki que não pode se desmanifestar? Tudo por conta própria?

— Ele é um pouco imprevisível, não é?

— Deixá-lo assim seria irresponsável, — diz Cassian com um aceno

em direção a ele. — Ele não tem clã. Não tem para onde ir. Ele não pode ser

libertado. Ele poderia ser capturado novamente ou acabar prejudicando

alguém.

— Jacinda, isso é a coisa certa a fazer, — insere Tamra.

Eu rosno agora. Pela frustração com esta situação toda. Do altruísmo

de minha irmã.

Então, eu me sinto mal porque eu sei que não é justo pensar assim. Ela

está aqui por minha causa. Quando saímos de casa, ela teria sido feliz em

deixar o clã para trás para sempre e procurar Mamãe. Eu a convenci a adiar

esse plano em nome de Miram. Eu devo isso a ela, ouvir sua opinião.

Com esse pensamento, eu mordo de volta a vontade de discordar e

ando arrogantemente para a van para localizar mais roupas – e para tentar

me acalmar o suficiente para desmanifestar.

Will fica para trás com os outros, com o olhar desconfiado ainda sobre

o draki cinza, e eu sei que ele não vai baixar a guarda nem por um momento.

Não apenas porque ele sentiu meu desconforto, mas porque ele é inteligente

para isso. Como um caçador, querendo ou não, ele possui sua própria quota

de instintos bem afiados.

Isso me tranquiliza um pouco.

Até o meu olhar cair sobre Cassian. Meu queixo se levanta quando eu

comunico a ele que ele realmente deve reconsiderar levar este draki para casa

com ele. Sua mandíbula se trava firmemente com resolução. Ainda assim, eu

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tento alcançá-lo. Eu me comunico com meus olhos... com o vínculo que

sussurra entre nós. E eu suspiro. Não importa o que, teremos sempre isso.

Não importa o que eu tenho com Will. Eu tenho alguma coisa com Cassian,

também.

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Saindo da vista dos outros, circulo a van. Abraçando a minha solidão,

eu respiro fundo, arrastando o ar fresco para dentro de meus pulmões que

queimam, por vários momentos. O calor se acalma, e eu também. Minhas

asas relaxam e se abaixam, desaparecendo no meio dos meus ombros como

lâminas com um estalo de ossos e cartilagem... Até a próxima vez.

— Aqui está você.

Dei um pequeno pulo ao ouvir a voz de Will. Virando, eu aceito a

camisa que ele estende pra mim e a puxo sobre a minha cabeça. — Obrigada.

— Você está bem? — Seus olhos perfuram os meus.

— Sim. Claro. Cassian está vivo. — Estou tremendo por dentro

enquanto eu digo isso e percebo que isso é o que está me atingindo. Cassian.

Vivo. Não está morto. Minhas pernas tremem prontas para despencarem.

A chegada do draki cinza ofusca meu alívio. Olhar para ele é como ver

o que eu poderia ser, o que nós poderíamos ser — somente draki — se

tivéssemos sido mantidos em cativeiro por anos e sido tratados como animais

selvagens. E o jeito que ele estava olhando para Tamra só me deu um mau

pressentimento.

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Will me encarava com sobriedade. — Nós estamos nos despedindo

deles, Jacinda. Se lembra? Você não deveria se sentir responsável por eles.

— É. — Eu acenei com a cabeça, ainda que eu não esteja convencida.

As emoções de Cassian corriam fortes, me puxando. Ele acredita que precisa

de mim para voltar para o clã. Precisa... Ou quer. Eu não tenho certeza do

qual. Talvez os dois.

Eu inalo. E é quando eu sinto o cheiro dele. O aroma que é

nitidamente de Will. Permanecer tão perto dele de novo, me faz sentir meu

peito ficar apertado e dolorido. Houve momentos nas últimas vinte e quatro

horas onde eu duvidei de que teria isso de novo. Eu inclinei meu rosto até ele.

Em todo lugar por onde o olhar de Will vagava parecia um toque, uma

carícia.

Logo seremos só eu e Will. E Tam. Estaremos a salvo. E nós vamos

encontrar Mamãe. Tudo ficará bem.

Ainda assim, o desconforto continua em mim.

Meu couro cabeludo formiga e aperta sabendo que o draki cinza esta a

poucos metros de distância. E Cassian pretende levá-lo de volta para o clã,

embora ele mesmo dificilmente vá conseguir voltar lá.

E mais do que isso. Alguma coisa ainda parece errada. Eu me

preocupo que nós não tenhamos escapado completamente. Nós podemos não

estar livres ainda. Parece como se algo ainda estivesse... vindo.

Como se sentindo meus pensamentos sombrios, Will chegou mais

perto. Suas mãos deslizavam para cima e para baixo nos meus braços. Eu

olhei para cima em seu rosto e me perdi nas profundezas de seus olhos.

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— Tudo deu certo. Nós estamos no nosso caminho, assim como nós

planejamos. E nenhum momento mais cedo. — Um canto da sua boca se

curvou. — Eu já esperei tempo suficiente para ter você sozinha.

E eu não posso dizer às palavras que estão queimando dentro de mim

com seu olhar esperançoso trancado em mim. Eu não posso dizer para ele

que no fundo da minha essência, na medula dos meus ossos, eu sinto que isso

tudo não terminou ainda.

Eu escondo meus sentimentos com um sorriso. — Nós não estaremos

tão sozinhos assim. Ainda haverá a minha irmã.

Ele sorri. — Ela gosta de mim –

— Você acha? — Eu provoco.

— Eu sei. Não vá tentando colocar dúvidas na minha cabeça. — Seus

dedos dançam ao longo das minhas costelas, fazendo cócegas. Mesmo esse

leve toque me deixa sem fôlego – e não porque eu sou sensível. Eu o empurro

e salto para o lado, mas ele me segue, me puxando contra ele e nos apoiando

contra a van.

— Ela gosta de mim e vai sentir pena de mim e vai nos dar um

momento a sós agora e depois. — Seu olhar examinou meu rosto, aquecendo

minha pele.

— Oh, sério?

— Sim.

— Bom. — Eu provoco de volta. — Você me deve esse encontro.

Jantar. Cinema.

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A risada se desvanece nos olhos cor de avelã, e seu olhar cresce atento

e sério. Desejo transborda lá. A saudade de alguém que já esperou muito

tempo. — E você? Você vai ter pena de mim e vai aliviar meu sofrimento? —

Ele enterra seu nariz no meu cabelo e inala profundamente.

— Como tem sido seu sofrimento? — Eu sussurro, minha vaidade

anseia pelas palavras.

— Eu sofro por você... por querer você e só conseguir esses momentos

roubados aqui e ali.

Como se para provar que ele tem razão, o som do meu nome se

estendeu no vento. — Jacinda!

Will geme e derruba sua cabeça na palma das mãos. — Vê o que eu

quero dizer?

Tamra nos aborda, seu cabelo brilhando como pérolas à luz da lua. —

Ah, aí estão vocês. Cassian acha que devemos começar a nos mover

novamente... que ainda estamos muito perto da fortaleza dos enkros.

Eu mordo de volta a minha pergunta: desde quando você se importa com o

que Cassian acha? Eu me paro apesar disso. Melhor que ele a afete tão pouco

que ela possa dizer seu nome como se ele nunca tivesse partido seu coração.

— Claro, — eu digo, apertando através do peito de Will, sólido e

quente, com um suspiro. Eu gostaria de nada mais do que me enrolar e

dormir com ele como meu travesseiro.

Tamra se afasta. Eu escuto a porta traseira da van ranger aberta e

começo a me dirigir para lá, não querendo deixar a minha irmã sozinha com

um draki que olha para ela como se ela fosse seu primeiro vislumbre de luz

solar. Will me para e rapidamente me puxa de volta em seus braços para um

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beijo quente. Seus lábios. Nos meus. É tudo. Eu me deleito com a sensação

das mãos dele, a textura de suas palmas ásperas ao segurar meu rosto. Seus

polegares pressionando levemente em minhas bochechas. Eu me derreto

contra ele.

Quando nós finalmente nos separamos por ar, ele sussurrou contra o

meu cabelo, — É só até chegarmos à parada de caminhão onde deixamos o

carro. Espere até lá.

Suas palavras me lavam como água fria. Eu deveria falar agora e

deixá-lo saber que eu estou preocupada em abandonar Cassian ferido, com o

fardo de Mirian e o draki cinza.

Mas eu ainda não posso encontrar a minha voz. E talvez Cassian tenha

se recuperado o suficiente antes de chegarmos à parada de caminhões. Nós

nos curamos rapidamente, afinal. Eu flexiono meus dedos contra o algodão

de sua camiseta e o seguro perto por mais um momento. — Não se preocupe

comigo. Eu vou ficar bem.

Nós estávamos apertados dentro da parte de trás da van. Mesmo com

Miram sentada na frente com Will, Cassian e o draki cinza ocupam muito

espaço. Especialmente um draki completamente manifestado.

Cassian insistiu que Miram se sentasse na frente, alegando que ela

tinha ficado confinada em uma cela por tempo suficiente. Como foi uma

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experiência bastante infeliz – minha breve estadia na fortaleza dos enkros

pode atestar isso – eu não argumentei.

O draki cinza parece enorme. Ele devora todo o espaço, suga tudo

para dentro de si, deixando Tamra e eu pressionadas juntas. Eu sinto saudade

do banco do passageiro na frente, que Miram agora ocupa.

— Então, você tem um nome? — Tamra me surpreende ao perguntar

para ele. Seu tom era um pouco amigável demais para o meu gosto. Eu lhe

atirei um olhar. Ela entende meu olhar e dá de ombros. Mantendo meu olhar

vigilante nele, eu resisto um revirar de olhos. Ele deve ter um nome. Ele

existia em outro lugar, provavelmente neste país, antes dos enkros o levarem.

Ele acena uma vez. — Deghan, — ele diz.

Deghan. Um nome antigo. E ele se encaixa nele perfeitamente.

— Por que você não se concentra em tentar se desmanifestar enquanto

você está preso aqui? — Cassian sugere.

Deghan olha para Cassian e seus lábios se enrolam com desgosto. Eu

não posso culpá-lo. Quem quer lutar abertamente, na frente de uma plateia,

para fazer algo que não pode?

— Talvez em outra hora, — Tamra diz rapidamente, sua voz

confortando suavemente. — Você só se esqueceu de como é tudo. Isso vai

voltar para você.

Deghan a observa atentamente, os estranhos olhos de dragão

devorador. Eu não posso entender seus pensamentos. Eu só sei que não gosto

que ele a observe.

Nós paramos em um restaurante no meio do nada. O som do tráfego

nas duas pistas da estrada é raro. Eu cheirei o aroma da carne cozinhando

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antes de Will abrir uma das portas. Meu estomago resmungou. Nós

compartilhamos um saco de donuts essa manhã – dificilmente a comida dos

campeões. Nós podíamos todos aproveitar alguma comida de verdade. Luzes

brilhantes se inclinavam pelas frestas das portas traseiras e eu cerro os olhos

com a intrusão.

— Obviamente, nós não podemos entrar e nos sentar para comer, —

Will anuncia, olhando por cima do ombro como que para se certificar de que

ninguém perambulava por perto e por acaso pudesse descobrir uma criatura

alada de mais de 2m na parte de trás da van. — Jacinda e eu podemos pedir

comida para todos e trazer para cá. — Ele acena com sua cabeça, indicando

que eu deveria sair.

Eu desci e nós atravessamos o estacionamento. O cascalho solto faz

barulho sob meus sapatos. É uma longa caminhada. Will estacionou na parte

de traz do estacionamento. Longe das portas e dos olhos curiosos.

— Obrigada, — eu murmuro. — É bom dar um tempo de lá.

— Eu imaginei mesmo, — ele responde, deslizando sua mão ao redor

da minha. — E Miram não parece ansiosa para se cercar de seres humanos.

Ela não é exatamente tagarela comigo lá na frente.

Nós pedimos hambúrgueres e batatas fritas na lanchonete. Eu me

certifiquei de pedir extra, sabendo o quanto Cassian come e adivinhando que

Deghan deveria ter o mesmo apetite voraz.

Sentada numa banqueta no balcão, esperando nossos pedidos, eu

quase me senti normal. Já que Tamra nos interrompeu na última vez em que

estávamos sozinhos, é ótimo passar esse tempo juntos.

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— Vocês gostariam de beber algo enquanto espera? — a garçonete

atrás do balcão pergunta. Com nossos acenos, ela derrama dois refrigerantes

em copos plásticos vermelhos e os deixa suando na nossa frente.

Eu brinco nervosamente com o canudo. — Isso pode ser o mais

próximo que nós vamos ter de um encontro real por um tempo.

Ele sacode a cabeça. — Não é exatamente o que eu tinha em mente.

Nós podemos fazer melhor. — Ele pisca pra mim. — Nós vamos.

Rasgando o papel extra do canudo, e o aliso, amassando-o na metade

com os meus dedos até que ele fique totalmente plano. Trazendo uma das

pontas para os meus lábios, eu cuidadosamente envolvo minhas mãos,

posicionando-as perfeitamente em um bolso e começo a soprar uma melodia.

Abaixando minhas mãos, eu pergunto — Impressionado?

— Você não faz ideia.

Concordo com satisfação. — Então espere. Eu posso fazer melhor. —

Em seguida, eu começo a assobiar a melodia de Camptown Races2.

— Tudo bem, — ele diz fingindo seriedade. — Agora você está me

excitando.

Eu quase me atrapalho, tentada a rir disso. Termino, eu me inclino

para trás com um floreio e sorrio largamente. Ele bate palmas.

— Você não sabia do meu talento particular, sabia? — eu pergunto, me

divertindo.

— Isso deixa envergonhadas as suas outras... habilidades.

2 Música folk americana popularizada na voz de Johnny Cash.

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Eu rio, e giro no banquinho. Parece tão normal, tão certo e bom estar

com ele assim. Feliz e boba e despreocupada. Eu quase posso fingir que os

outros não estão lá fora esperando por nós. Ele pega minhas pernas e me

para. Seu rosto é solene quando ele se inclina para me beijar com seu fresco e

suave lábio, sem se importar se alguém está nos assistindo. Eu agarro a borda

de sua jaqueta com meus dedos, puxando ele pra perto, aprofundando o

beijo, desejando que nós estivéssemos sozinhos.

Depois de um momento, nós nos separamos. Sem fôlego. Ele sempre

foi bonito, mas eu tinha esquecido o efeito daquele sorriso. Do flash ofuscante

dos dentes branco. Dos sulcos profundos ao longo de sua boca. Foi o primeiro

sorriso genuíno que eu o vi dar desde que escapamos da fortaleza e meu

coração se apertou. As inconstantes cores de seus olhos brilham como pedras

preciosas. Como se pudesse ler a minha mente, ele completa, — Seremos nós

em breve. Desse jeito. Nós teremos todo o tempo do mundo. E você poderá

me ensinar como fazer música com o canudo.

Nós voltamos, os braços pesados com os sacos quentes de alimentos,

gordura vazando através do papel branco. Pela janela de Miram, passamos a

comida para ela e Will. Ela sorri com um relutante agradecimento. É alguma

coisa. Agora que Cassian está de volta, talvez ela aprecie tudo o que fiz para

ajudar a salvá-la. Talvez as coisas possam ser diferentes entre nós agora. Um

caroço inesperado aparece na minha garganta quando percebo que gostaria

disso.

Antes de Will abrir a porta ele pressiona um beijo na minha têmpora.

— Amanhã nós estaremos livres.

Eu inspiro de novo. Amanhã. Ansiedade passa por mim quando eu

penso em todos os momentos que eu vou ter, junto de Will exatamente como

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o que dividimos na lanchonete. Só que ainda melhores, porque os beijos e as

conversas não vão ter que parar.

Ele fecha seus dedos ao redor da maçaneta da porta para abri-la, em

seguida para.

Eu congelo, também, estudando-o quando uma quietude predatória

vem sobre ele.

— O que?

Ele levanta a mão como se precisando de silêncio total para ouvir.

Eu inclino minha cabeça e examino o estacionamento. Não há nada no

trecho escuro de cascalho exceto uma variedade aleatória de carros e

caminhões. E um ocasional cliente que entra e sai da lanchonete. No entanto a

expressão de Will é firme, seus olhos cor de avelã estão tensos enquanto ele

vasculha a área.

— Will? O que foi?

Ele sacode sua cabeça, arremessando seu cabelo castanho na sua testa.

— Nada, eu acho.

Ele abre a porta da van e me ajuda a entrar. Tenho um ultimo

vislumbre de seu rosto antes dele fechar a porta, na minha mente sei que algo

ainda o incomoda, mas não sei o que.

Virando, eu entrego a comida de todos e me sento pra comer. Eu

mordo um pedaço da minha batata e tento ignorar a sensação de

formigamento ondulando em meu couro cabeludo.

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É imperceptível à primeira vista. Apenas um ligeiro aumento na

velocidade da van. Um mínimo aumento no rosnado do motor. Então,

tomamos outro rumo e todos nós deslizamos para um dos lados da van,

comida voando por toda parte. Minha cabeça bate no chão duro.

Tamra tomba contra Deghan e as sólidas e musculosas faixas de seus

braços se envolvem em torno dela. Eu tremo ao ver, mas não há muito que eu

possa fazer da minha posição, deitada contra o chão de metal frio.

Outros sons crescem no ar sobre o rugido da van: o soprar do vento e

as buzinas dos outros no trânsito, enquanto Will se desvia, para dentro e para

fora.

— O que está acontecendo? — Tamra grita. — Por que ele está

dirigindo como um maníaco?

Há apenas uma razão. Fogo irrompe em meu interior, subindo pela

minha garganta. Carvão enche minha boca. Cassian anuncia o que eu já sei

em minha intuição. — Alguém está atrás de nós.

A pouca cor no rosto de Tamra se esvai com essa revelação. Reflexos

de pérola brilham sob sua pele. — Enkros?

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A pupila de Cassian estremece em finas fendas verticais. Ele balança a

cabeça. — Eu não –

— Enkros não fazem a sua própria caçada, — digo entre os lábios

dormentes.

Meu olhar se choca com o de Cassian. Eu sinto a sua tensão, sua

prontidão, mas não medo. Não como o que eu sentia quando ele era

prisioneiro dos enkros.

Seus lábios se movem, pronunciando a palavra que corre por minha

mente. — Caçadores.

Tamra libera uma respiração tremida. Deghan toca seu braço, uma

demonstração surpreendente de... eu não tenho certeza do que. Apoio?

Conforto? Eu não sei. É ainda difícil compará-lo com o draki que tentou me

matar. Minha inclinação natural é para não gostar dele. A parte de trás de

minha garganta arranha com a vontade de explodi-lo com vapor. E, no

entanto, ele é gentil com Tamra.

Will desvia e somos jogados novamente. Meu ombro bate na parede e

eu grito. Então nós paramos, sacudindo com a freada abrupta. Eu me levanto

meus braços tremendo. O cheiro de pneus queimados enche meu nariz.

— Jacinda! — Cassian está lá, deslizando um braço a minha volta e me

ajudando a ficar sentada. — Você está bem?

Concordo com a cabeça, ainda tremendo e um pouco tonta. — D-

devemos sair? — Eu pergunto, imaginando o que está acontecendo fora da

van. Eu sinto a batida na porta de Will mais do que a eu ouço. Ela balança a

van inteira. As portas de repente se abrem para uma inundação de luz. Will

olha ansiosamente para nós. Miram, com o rosto pálido com o pânico que

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todos nós sentimos, rapidamente aparece ao lado dele. — Eu os despistei, —

Will anuncia. — Mas eles não estão muito atrás.

— Caçadores?

Will acena. — Sim. — Poeira flutua no ar por conta da viagem

selvagem da van. Ele olha por cima do ombro, espreitando primeiro para

baixo na pequena estrada rural em que estamos estacionados e em seguida,

examina as árvores altas que nos imprensam na estrada estreita.

— Eles vão nos alcançar em breve. Vão. Corram. — Com um sacudir

de cabeça, ele acena para as árvores. — Se eles os acharem, apenas ajam como

se vocês estivessem caminhando. Eles não vão suspeitar de qualquer coisa se

eles apenas esbarrarem em um monte de crianças. É a única chance de vocês.

Podemos nos encontrar na parada de caminhões onde deixei meu carro. Não

é muito longe. Lembram-se do lugar?

Cassian concorda.

Will olha quase se desculpando para Deghan. — Você está sem sorte,

amigo. Pena que você não pode mudar. É melhor voar para longe, se

esconder, seja lá o que você possa fazer. Fique fora de vista.

Deghan balançou a cabeça uma vez em entendimento. Ele está

claramente acostumado a se defender por conta própria. E eu quase sinto

uma sensação de alívio. Se o perdermos isso vai cuidar da minha

preocupação pelo clã.

Will se agacha e pressiona os dedos no chão, com uma expressão de

intensa concentração quando ele sente por aqueles que se aproximam. Meu

coração bate loucamente contra meu peito, imediatamente entendendo o que

ele está fazendo e fico maravilhada que ele tenha essa capacidade de se

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conectar à Terra de tal modo. Como qualquer draki da terra pode. Talvez

mais. É quase como se ele sozinho pudesse ouvir o sussurro da Terra.

— E você? — Eu exijo o pavor arranhando em seu caminho através de

mim com a ideia de me separar de Will novamente. Não outra vez. Ele se

endireita, os olhos suavizando quando olham para mim, lembrando-me

musgo crescendo sobre rochas encharcadas da água do rio. — Eles não vão

me machucar –

Eu explodo em direção a ele e agarro suas duas mãos nas minhas. —

Não! Eu não vou deixar você.

— Eles não estão atrás de mim, Jacinda. — A determinação em seu

olhar me corta. Ele não vai ser influenciado.

— Como eles nos seguiram? — Murmura Cassian, olhando para Will

como se pudesse saber.

O olhar de Will passa de mim para Cassian. — Eu não sei. Os enkros

devem tê-los alertado da fuga. — Ele acena uma mão. — Eles provavelmente

têm caçadores que cobrem um amplo raio a partir da fortaleza agora. Não

seria apenas a minha família, mas outros também.

— O que é isso? — Deghan olha para Will com suspeita. —Sua família

nos caça?

— Sua família. Não ele, — eu explico.

Deghan falha em parecer totalmente satisfeito.

— Eu sei como você se sente. Levei um tempo para aceitar que há uma

distinção entre ele e os outros, — Cassian oferece.

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Eu respiro aliviada. É a primeira vez que eu ouço Cassian admitir que

Will é diferente.

Will fixa seu olhar em mim, seus olhos castanhos claros resolutos e

cheios de um propósito que quase me convence de que tudo vai ficar bem

logo que eu mergulhe naquelas árvores. — Se eles toparem com vocês, ajam

como se vocês não tivessem nada a esconder. Se eu puder, eu vou encontrá-

los na parada de caminhões.

Se eu puder...

As palavras ecoam em minha cabeça enquanto eu contemplo os vários

cenários que mantê-lo longe de mim. Nenhum é bom.

— É, com certeza você vai, — Miram rosna, o som de sua voz

inesperada. Ela disse tão pouco desde que deixou a fortaleza. — Você e sua

família.

— Miram, — Cassian diz suavemente.

— Será que ele não fez o suficiente para provar sua lealdade? — Eu

exijo, minhas mãos se enrolando em punhos. — O que é que vai fazer?

— Oh, e quando é que você vai ver que ele sempre vai ser um deles?

— Explode Miram, com seus olhos brilhando com mais animação do que eu

já vi nela. — Se a sua pequena estada com os enkros não te ensinou a

diferença entre nós e eles –

— Então, nada vai, — eu termino, a minha voz dura. — Precisamente.

Nada jamais o fará.

Ela me encara como se não pudesse me compreender. E eu imagino

que ela não possa.

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— Jacinda... — Ela agita as mãos, balançando-as no ar. — Vocês nunca

serão compatíveis.

— Já chega. As duas, — Cassian interrompe. — Temos caçadores

caindo em cima de nós, com a intenção de nos esfolar vivos... ou nos levar de

volta para esses bastardos que me querem aberto. — Ele gesticula atrás de

nós.

Eu olho desesperadamente para Will, meu peito arfando com uma

emoção quente.

Eu começo a balançar a cabeça, determinada a ficar com ele, quando

Cassian diz meu nome bruscamente, o controle imediato. — Jacinda. — Seu

olhar vai direto em mim. — Você vem com a gente.

Eu me irrito com seu tom. E então eu sinto sua fúria. Ela derrama

através de mim, grossa como o alcatrão. Enterrado em meio à raiva, eu sinto

algo mais quando ele olha para mim. Outra emoção. Tão quente quanto. Tão

intensa quanto. Medo. Por mim. Meu temperamento se acalma. Ele já passou

por muita coisa por minha causa.

— Jacinda? — A voz de Will rouba minha atenção. — Você precisa ir.

Eu luto contra o meu pânico de deixar Will. Novamente. Com meus

olhos queimando, eu concordo, olhando para a minha irmã até que minha

mente zumbe tentando achar alguma maneira de permanecer com Will sem

perturbar a todos. Eu não posso me separar dele de novo.

Com a mandíbula definida em um ângulo de teimosia, Tamra me

observa, esperando meu próximo movimento. A visão me dá um soco como

um punho. Ela não vai sem mim. Arrependimento pesa sobre mim, ferroando

minha carne com agulhas de calor. Eu não posso colocar minha irmã em

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risco. Eu já perdi Mamãe. Eu não posso me arriscar a perdê-la, também. Eu

tenho que tirá-la desta estrada, e então eu vou voltar para Will.

Eu olho de volta para Will. — Eu vou encontrar você, — eu anuncio,

meu tom indicando que é melhor que ele esteja em algum lugar onde eu

possa encontrá-lo. Ou aqui ou no seu carro.

— Eu estarei esperando. — Ele balança a cabeça, olhando

ansiosamente para trás na estrada.

E foi aí que os ouvi. O ronco dos motores chegando. Como é que eles

estão nos rastreando?

— Vá! — Seu olhar se derrama sobre nós antes de descansar em mim,

insistindo para que eu me mova. — Vá! Agora!

Os outros viram e fogem, indo de encontro às árvores, como uma

manada de elefantes em sua pressa. Eu estremeço.

Will chama minha atenção novamente, deslizando os dedos pelo meu

cabelo e me puxando contra ele para um beijo rápido, duro. Eu me deleito

com a sensação de sua boca na minha, a curva de suas mãos contra o meu

couro cabeludo. Ele para, respira e sussurra quente contra meus lábios, —

Esteja segura. Se cuide lá fora.

Eu abro minha boca para lhe dar o mesmo conselho, mas o zumbido

distante dos motores me faz sacudir e eu aperto os olhos, encarando a estrada

de terra. Eu não vejo nada ainda. Apenas uma nuvem de marrom. Sem olhar

para mim, Will se afasta e me empurra para as árvores. — Vá. Eles estão

vindo!

Eu corro para as árvores, o meu coração pronto para estourar em meu

peito. Minha pele faísca com o calor. Explosões de vermelho-ouro colorem a

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minha pele humana em ondas de calor. Eu mergulho na cobertura das

árvores. A folhagem imediatamente me engole. Eu paro imprensada dentro

da escuridão dos arbustos grossos e da grama que me arranha, tão selvagem

que atinge minha cintura. Lá, eu paro, ouvindo sussurros ao meu redor. Eu

não vejo qualquer um dos outros, e isso é bom, desde que eles estejam

seguros. Contanto que Tamra esteja segura. Ela tem que estar.

Assim que eu começo a pensar que estou por conta própria, que eu fui

deixada para trás, eu ouço o sussurro de Cassian.

— Jacinda – o que você está fazendo? Vamos lá!

Eu o reconheço no meio das árvores, com o rosto apertado e ansioso,

intermitente entre a sua pele humana morena e sua carne draki preto carvão.

Atrás dele está Miram seu rosto pequeno numa mancha de medo de um bege

comum.

Eu balanço minha cabeça para ele e olho para trás em direção à

estrada.

Não posso me mover. Eu tenho que ver. Tenho que saber. Não

importa o que ele me disse para fazer. Apesar de ter me curvado a isso, eu

não vou deixar Will. Eu engulo contra a grossura quente da minha garganta.

Não outra vez.

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Olhando ao redor, um plano começa a se formar. Vejo uma árvore

completamente tomada de folhas, com um tronco inclinado de escalada fácil.

Enfrentando-o, eu subo com pouco esforço, meus dedos cavando com

facilidade na casca.

— Jacinda. — O sussurro de Cassian é menos discreto desta vez. Ele se

moveu e agora está abaixo de minha árvore. Miram segue, de cara feia para

mim e torcendo a borda de sua camisa com as mãos.

Cassian aponta um dedo em direção ao chão como se eu devesse

descer imediatamente para aquele local.

— Não. Eu vou ficar bem. — Eu dou-lhe um olhar significativo. — A

menos que você nos entregue. — Eu aceno para ele. — Agora dê o fora daqui.

Ele solta um suspiro de frustração e se volta para sua irmã. — Vá.

Esconda-se. Eu vou encontrar você.

Terror pisca em seu rosto. — Eu não quero ir sem você.

— Você vai ficar bem, — diz ele. — Vá fundo na floresta e encontre

Tamra. Basta ficar humana.

Eu ronco. Da última vez, ela não conseguiu fazer isso.

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Ele me ignora e continua com as suas instruções. — Você está mais

segura lá fora. Se eles tropeçarem em você, não vão suspeitar...

Ela balança a cabeça de um lado para o outro; claramente com a ideia

de que eles a encontrarem a faz surtar.

— Cassian, — eu sussurro para ele, — você deve ir com ela.

Ele levanta uma mão no ar para me calar. Olhando para sua irmã, ele

ordena: — Vá.

Com um último olhar de súplica para ele, ela foge para dentro das

árvores, seus ombros caídos como os de uma mulher se encaminhando para a

sua execução.

Ele rapidamente sobe em uma árvore que praticamente cruza os

troncos com a que eu estou escondida.

— Você está sendo estúpido, — eu sussurro. Mandar Miram para

longe assim me faz sentir desconfortável. Como se ele me escolhesse ao invés

de sua irmã. Eu não quero que ele faça isso. Nunca. — Você deve estar com

sua irmã.

— E você está sendo assim tão inteligente? —" Ele reage, seu escuro

olhar roxo se chocando com o meu. E então eu sinto. Novamente. Confuso e

desconcertante, o seu desejo se derrama sobre mim em um banho quente, a

sensação me droga. Eu balanço minha cabeça, lutando para me recuperar.

Minhas emoções, não as dele. As minhas já são o suficiente para eu lidar – eu

não preciso da interferência das dele. Eu me arqueio contra a invasão.

Lutando contra ela – contra ele.

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Ele olha para mim duramente através do emaranhado de galhos,

nossos rostos afastados por poucos centímetros, mesmo em nossas árvores

separadas.

Motores rosnam mais próximos, inconfundíveis. Espio por entre os

galhos. A bola de poeira é maior; os veículos, formas escuras no seu centro.

Até agora, Will está ocupado em olhar sob o capô. É esse o plano dele?

Fingir problemas no motor? Eu inspiro, esperando que ele vá funcionar.

Na nuvem grossa de sujeira, eu distingui dois veículos. Um caminhão

preto com janelas tão escuras que é impossível ver o interior. Uma van segue

atrás dele, com janelas igualmente escuras. Esta van não é nada como a nossa.

Inteiramente equipada, ela brilha mesmo submersa na nuvem de poeira.

Will espia por debaixo do capô, e eu sinto uma pontada de

preocupação. Os caçadores vão machucá-lo? Um dos deles?

Os veículos param e os motores se apagam.

Por um momento, ninguém sai e eu me pergunto o que eles estão

fazendo lá. Suas janelas me lembram de olhos frios e escuros, silenciosamente

observando e condenando. Meu peito sobe e desce, ofegando rapidamente.

Vapor se lança de minhas narinas em faixas idênticas. Will acena uma mão

em saudação cordial, sua cautela efetivamente mascarada. Eu fico imóvel,

inspirando uma respiração, e a prendo dentro do meu peito totalmente

apertado, esperando por um dos membros de sua família surja.

Finalmente, as portas do caminhão são abertas, seguidas pelas portas

da van. Vários homens saem. Cinco ao todo. Eu examino todos eles... e não

reconheço ninguém.

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Meu pulso se acelera em meu pescoço, pulando contra minha carne.

Meu olhar voa para Will e eu posso ver que ele, também, não os conhece. Até

este momento, eu não percebi o quanto eu esperava que fossem da família de

Will.

Eu balancei minha cabeça e dou um tapa em uma mecha de cabelo no

meu rosto. Mas se Will não os reconhece, então, estes caçadores não são do

grupo de Will. Eles são estranhos. Uma sensação de alívio gritante passa por

mim. Eles não conhecem Will. Ele terá uma chance melhor de convencê-los

de que ele é apenas um motorista encalhado.

— Ei, — Will diz, conseguindo parecer aliviado e tímido ao mesmo

tempo. Apenas um adolescente infeliz. — Que bom que vocês apareceram,

rapazes. Estou com um pouco de problemas com o carro aqui. — Ele dá um

tapinha no lado enferrujado da van.

— É? — Um dos caçadores dá alguns passos para frente, sua voz alta e

estridente, com um desafio mudo. Os raios de sol se refletem na fina

penugem loira de seu cabelo curtíssimo, em estilo militar. — E não é mesmo?

— Ele olha em volta, observando nossos arredores. Seu olhar desliza até o

local onde Cassian e eu nos escondemos. Eu endureço, agarrando mais firme

a casca bruta e áspera, piscando com alívio que sua atenção não se prolonga

em nossa direção.

Olhando para frente de novo, ele estreita seus olhos claros para as

portas traseiras de nossa van, como se pudesse de alguma forma ver seu

interior.

— É. — Will dá uma risada afável. — Acho que ela está em seu último

suspiro.

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O caçador líder lança um olhar para sua tropa. Um olhar que traduz:

Esse cara está cheio de merda. Eu luto para engolir contra a grossa explosão de

calor em minha garganta. Eles não estão acreditando na sua história.

— Por que você não confessa logo pra nós, garoto? —, pergunta um

caçador com um rabo de cavalo penteado para trás e profundamente

marcado com cicatrizes de acne. — Você não está com problemas no carro. —

Ele acena com a cabeça para a parte de trás da van. — O que você tem aí?

E então eu percebo outro caçador segurando um dispositivo estranho.

Como uma caixa de metal, exceto que tem algum tipo de antena. Da minha

posição eu posso ver uma fileira de luzes vermelhas piscando no rosto dele.

Ele se vira com a caixa, girando em um círculo. Às vezes, as luzes vermelhas

desaparecem, dependendo da maneira como ele se direciona – outras vezes,

eles começam a piscar a sério. Minha barriga torce doente, e eu sei que caixa

significa problemas para nós. Eu pego o olhar de Cassian e vejo que ele

percebeu isso, também. Seu rosto está sombrio, suas feições repuxadas de

forma apertada.

Eu olho de volta para Will, evitando espiar para a caixa novamente. A

visão dela me dá pânico, e eu preciso manter a calma. Calma. Fria. Draki

enterrado.

Eu tenho que dar crédito a Will. Ele faz um bom trabalho fingindo a

sua perplexidade.

— Do que você está falando? — Ele faz um gesto para as portas. — Eu

não tenho nada lá. No momento, ele está vazio. Normalmente está cheia de

equipamentos para o negócio do meu pai, paisagismo. — Agora ele parece

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envergonhado. — Mas eu, ah, tinha outros planos para ela neste fim de

semana então eu a esvaziei.

E então eu sei o que tenho que fazer. Eu começo a me arrastar para

baixo na árvore.

Cassian sussurra meu nome, seus olhos arregalados, quando eu caio

no chão macio. Sua ira me atinge. Está unida com medo. O sabor amargo dos

dois cobre minha boca, misturando-se com as cinzas e o carvão que surgem

dentro de mim.

Eu olho para Cassian – o parceiro com quem estou unida quer eu goste

ou não. Seu nariz se achata, cordilheiras aparecem ao longo da ponte. A

qualquer momento ele vai se perder para seu draki.

Eu balanço minha cabeça para ele e atiro-lhe um olhar implorando

para que ele confie em mim. Eu vou corrigir isso. Eu ponho tudo que eu sinto

neste apelo, toda a minha determinação, toda minha confiança. Nossos olhos

se travam em uma comunicação silenciosa. Eu sei o que estou fazendo.

Seus ombros cedem e eu sei que ele cedeu – esperançosamente ele não

me cobrará por isso depois. Olhando ao redor, eu vejo algumas flores

silvestres amarelas, recém-brotadas e caídas. Elas precisam de mais algumas

semanas para atingir seu pleno potencial, mas eles têm de servir. Eu as

arranco do chão e pego algumas ervas daninhas, apressadamente arranjando-

as juntas com a aparência de um buquê.

Com um último olhar para Cassian, eu ando em direção à estrada,

sentindo o calor de seu olhar enquanto ele queima em minhas costas.

Felizmente, ele só estará lá, firme e assistirá enquanto eu tento salvar a todos

nós.

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Eles não te conhecem. Eles não te conhecem.

Este é o mantra que corre cada vez mais e mais em minha mente

enquanto eu saio para a estrada. Para a luz e para o alcance da visão dos

caçadores.

Will olha primeiro, provando que apesar da forma blasé que ele

aparenta, ele está muito alerta com a situação e com nosso ambiente. O

pânico brilha através de seus olhos quando ele me vê, só por um segundo

antes de desaparecer.

— Ei, — um dos caçadores exclama quando me vê.

— Ah, bom, — eu digo. — Você conseguiu ajuda. Eu estava

preocupada de ter que ligar para minha mãe e que isso não seria assim nada

legal.

Todos os outros se voltam para olhar para mim. Suas expressões de

choque são quase engraçadas. As fêmeas não têm lugar no mundo dos

caçadores. A seus olhos, por suas regras, eu não deveria estar aqui. Minha

presença os deixa perdidos, o que é exatamente o que eu queria.

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— É uma menina, — alguém fala.

— Uh, é, — eu respondo, o tom da minha voz parecendo dizer duh. —

O que você esperava? Um guaxinim? — Eu rio da minha piada e me junto a

Will. — Olhe para as flores que eu encontrei baby. — Eu agito meu pequeno e

desleixado maço de flores do campo no ar como se fosse algum tipo de

prêmio. Elas estão realmente bem patéticas, já começando a murchar, mas eu

tento fingir que as hastes pendentes são algo mais. Algo que valesse um Oh a

mais.

Will desliza sua mão para as minhas pequenas costas. — Legal gata. —

Ele se inclina e me beija longo e profundamente. Sinto os olhares dos

caçadores em mim e tento não me deixar assustar com isso. Nosso

desempenho neste momento é importante. É tudo.

— O que você está fazendo aqui? — O líder pergunta, ainda

parecendo confuso.

— Nós só saímos para um passeio. — Eu franzo minha testa e olho

para Will. — Vocês todos não deveriam estar trabalhando na van ou algo

assim?

Will olha para os caçadores. — Alguém de vocês se importaria de

olhar sob o capô comigo?

— Esqueça isso, — o caçador com rabo de cavalo dispara. — Nós não

temos tempo. — Ele se vira para o seu líder. — Vamos lá, vamos lá. Nós

talvez os tenhamos perdido –

— Não, — o cara segurando a caixa de metal protesta. — Nós estamos

perto. — Ele segura a caixa para revelar o monitor com suas luzes vermelhas

piscando. — Nós temos pelo menos um deles nas proximidades!

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Eu fico na ponta dos pés e encaro a caixa, tentando não parecer muito

interessada.

— O que você tem aí? É um daqueles descobridores de tesouro? Vocês

estão caçando moedas ou algo assim? — Will pergunta, conseguindo se sair

não mais do que como uma criança curiosa.

Cabelo Curtíssimo atira-lhe um olhar de nojo e balança a cabeça. Fora

isso, eles ignoram Will.

— Olhe, é mais forte nessa direção. — O cara que segura a caixa se

movimenta para a beira da estrada, na direção que tomamos para a floresta.

Minha mão se aperta em torno de Will. Ele a aperta de volta. Eu não posso

evitar. Meu olhar flutua para cima, para onde sei que Cassian se esconde, nos

observando.

A multidão de caçadores se amontoa perto e falam um com o outro

com vozes que não podem ser ouvidas.

— O que está acontecendo? — Will pergunta.

Cabelo Curtíssimo olha para nós, a sua expressão mais irritada do que

nunca. — Você e sua namorada precisam seguir em frente.

— Uh, olá? Problemas com o carro, — eu lembro com uma voz

exasperada.

Ele murmura algo ininteligível. Caçar draki na frente de testemunhas

não é o MO3 deles, mas esse é o nosso plano. Dificultar seu trabalho, e dar

tempo aos demais para fugir. Exceto Cassian. Ele não vai a lugar nenhum,

aparentemente.

3 MO – Modus Operandi – Maneira de Operação

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— Precisamos nos mover, — o cara segurando a caixa diz. — Antes

que essa coisa fique fora de alcance.

Coisa.

Eu me irrito plenamente consciente de que eles estão falando sobre

draki. E agora eu estou certa de que o pequeno dispositivo preto significa

graves problemas – como se eu tivesse alguma dúvida antes. De alguma

forma, é um rastreador de draki. Mas não está em alerta total em torno de

mim. Talvez eu tenha que me manifestar plenamente? Se for esse o caso,

então o dispositivo só poderá estar dando sinais por causa de Deghan. Eu

quase sorrio ao pensar neste pequeno grupo vindo contra Deghan. Sim. Boa

sorte em abatê-lo.

Meu meio sorriso se desfaz à medida que um pensamento me inunda.

Eu levanto uma mão para a minha cabeça e toco com meus dedos,

através da massa espessa de cabelo, no pequeno pedaço de pele exposta

acima da minha orelha, onde me rasparam. De repente, tudo se encaixa. Uma

fria realização congela minha espinha.

Um caroço sobe em minha garganta e eu luto para engoli-lo de volta

para baixo.

Estou bem certa de que se eu fosse verificar a cabeça de Miram,

acharia um local semelhante raspado em seu crânio. Agora eu entendo o que

eles estavam tentando fazer comigo logo antes de Will e Cassian me

resgatarem. Eles estavam indo implantar um dispositivo de rastreamento de

algum tipo...

O mesmo tipo de coisa que está agora dentro de Miram.

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Meus dedos deslizam de meu couro cabeludo e meu olhar se encaixa

na linha de árvores com uma consciência súbita. Eles falharam comigo, mas

não com Miram. Ou Deghan. Não com a quantidade de tempo em que

ficaram prisioneiros. Bile sobe na minha garganta, misturando-se com uma

queimação amarga. Eu não tinha pensado em perguntar a Miram se ela tinha

sido forçada sob a faca como eu tive. Eu estava muito ocupada focada com a

fuga, e depois, mais tarde, lidando com a morte presumida de Cassian.

Urgência incha dentro de mim agora. Se Miram ou Deghan foram

implantados, não há nenhuma fuga para eles. Todos os caçadores são feitos

para a perseguição. Cães de caça. E graças aos enkros, lhe foram dadas as

ferramentas para se destacarem em sua tarefa.

Cabelo Curtíssimo estala os dedos para nós como se fôssemos cães

para ser ordenados, e eu não posso evitar e salto um pouco, sabendo o

verdadeiro perigo da caixa. — Vocês dois. Na van. Tranquem as portas.

Sabendo que eu pelo menos tenho que pará-los, eu balanço a cabeça e

cruzo os meus braços firmemente em meu peito, aliviada que a minha voz

não tremeu enquanto eu digo, — Eu não sigo ordens –

Minhas palavras morrem enquanto ele caminha a passos rápidos

atravessando a estrada, em minha direção. Will alcança meu braço, me segura

parada, comunicando que eu deveria manter-me centrada agora, embora a

perspectiva de soprar uma bola de fogo no rosto deste caçador não só me

emociona – como parece necessária.

O caçador aponta um longo dedo para Will. — Mantenha sua garota

na linha e entre na van. Estamos caçando um animal perigoso e eu não

preciso que duas crianças burras sejam pegas no fogo cruzado.

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Atrás dele, sua equipe começa a retirar seus equipamentos e armas de

seus veículos. Preparando-se para ir atrás dos outros. Eu sigo os seus

movimentos com um pânico desesperado.

Meu olhar se estreita na caixa e os meus dedos se curvam, unhas

cavando profundamente em minhas palmas. Eu luto contra o impulso de tirá-

la deles e destruí-la. Quebrá-la e estilhaçá-la ao chão. Eles sabem que Will e

eu não somos um casal ingênuo, com problemas com o carro. Minha garganta

se aperta. Tem de haver uma maneira melhor...

Ainda assim, eu me movo para frente, atraída pelo desvanecimento

lógico da caixa, enquanto eu penso em somente por minhas mãos sobre ela,

arrebatando-a e destruindo-a.

Will começa a me puxar para a nossa van. Eu arrasto meus pés,

enviando-lhe um olhar penetrante que ele ignora.

Uma vez dentro do veículo, fechada no pequeno espaço da frente da

van, eu explodo com — A caixa é um dispositivo de rastreamento!

— Eu já imaginava, — ele responde. Balançando a cabeça como se isso

não fosse sua maior preocupação, ele resmunga: — Você não deveria estar

aqui.

Pela janela suja, eu vejo com pavor quando os caçadores desaparecem

pelas árvores. — Você não entende. Eu acho que os enkros implantaram

algum tipo de dispositivo de localização nos draki que eram cativos. Em caso

de fuga, você sabe... — Eu aponto para minha própria cabeça. — Eles

estavam prestes a fazê-lo em mim. Você sabia algo sobre isso? — Minha voz

soa mais afiada do que eu pretendia.

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A expressão de Will se endurece, a pele ao redor dos seus olhos se

aperta mais. — Se eu soubesse, eu teria mencionado isso, você não acha,

Jacinda?

Eu estremeço, odiando o que eu disse, odiando o eco de acusação que

paira entre nós. — Desculpe, — eu digo sinceramente.

Will acena, perguntando em um tom enérgico que me permite saber

que ele está seguindo em frente, concentrando-se na vinda de um plano, —

Então este dispositivo está dentro de Miram? E Deghan?

— Sim – eu acho que sim.

— Vamos, — Will dispara. Nós saímos fechando as portas suavemente

atrás de nós. Eu lidero o caminho, pisando em silêncio em uma linha reta

para a árvore de Cassian.

Olhando para cima, eu sussurro em voz alta: — Venha para baixo.

— Eu estou bem aqui.

Eu giro ao redor com um arfar. Meu coração acelerado pula. Cassian

está atrás de nós, quase totalmente transformado. Seu rosto está totalmente

draki – ângulos afiados e depressões sulcadas no nariz, pele tonificada como

carvão. Somente seu corpo não está lá ainda. Sem asas esticadas sobre seus

ombros.

— Eles foram nesta direção. — Ele acena para nós.

Will e eu compartilhamos um olhar e eu sei que tenho que tentar

explicar. — Cassian... espere.

Ele olha por cima do ombro para mim sem parar.

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Eu começo a andar junto a ele. — Miram tem um dispositivo de

rastreamento nela. Os enkros o colocaram.

Ele para e me enfrenta. — O que?

Eu suspiro, minhas palavras saem livremente. — Você me ouviu. Eles

podem encontrá-la. Em qualquer lugar.

Pânico marca seu rosto enquanto a informação se esclarece e ele

começa a se mover novamente, rosnando por cima do ombro, — Por que você

não me contou?

— Eu acabei de perceber isso, — eu digo logo após.

Os ferimentos de Cassian rapidamente se tornam óbvios. Ele não se

move com sua velocidade normal e logo temos que desacelerar para ficar

perto dele. Sua respiração é trabalhosa atrás de nós em barulhentos ofegos e

eu sei que ele está se empenhando o máximo que pode.

Os caçadores não são difíceis de rastrear. Mesmo sendo furtivos, eles

rasgam um caminho através de ervas daninhas e arbustos. Will assume a

liderança e eu coloco o meu pé onde ele pisa, um olho em sua incansável

corrida à frente e outro assimilando o mundo verde pulsando em torno de

nós. O vento penetra através da grama e folhas, mas nada mais se mexe.

Will para, levantando a mão. Ele olha por cima do ombro para mim,

depois para Cassian. Estejam prontos, ele murmura. E eu sei o que significa.

Ele está confiando em mim para usar o meu fogo para nos ajudar a sermos

salvos. Ele até mesmo está contando com Cassian, mesmo ferido como está.

Concordo com a cabeça, determinada a fazer o que posso com o que

eu sou. Eu não vou deixar nenhum de nós voltarmos para os enkros... ou

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acabarmos como uma pele sem vida em qualquer quarto de algum caçador.

Isso não vai acontecer.

Um galho estala e nós congelamos. Um pássaro garganteia em uma

árvore próxima e para, a sua canção morre de repente.

Eu não ouço mais nada. Silêncio sufocante. Muito quieto.

Meu pulso pula no meu pescoço, rápido e feroz. Eu olho para a direita

e para a esquerda, pânico se infiltrando enquanto eu me preparo, esperando

que um caçador pule em cima de mim, em qualquer momento.

Quando acontece, o grito se derrama através de mim como uma dose

de ácido. O som treme no ar e minha pele pisca espinhosamente quente em

reconhecimento. Eu já ouvi esse grito antes. Ouço nos meus sonhos mais

obscuros onde vive o passado.

Cassian o conhece também. — Miram, — ele grita, batendo à nossa

frente, não mais preocupado em fazer barulho. Não há nenhuma razão em

alertá-lo para tomar cuidado, para tentar manter o elemento surpresa. Não

quando sua irmã está ameaçada.

Eu corro para alcançar, meus pensamentos cambaleando, querendo

saber o que está acontecendo, o que eles estão fazendo com ela.

Cassian faz uma parada adiante, olhando através dos ramos enquanto

ele luta para respirar. Nós chegamos atrás dele. Ele move um braço para cima

para nos impedir de dar um passo mais longe e segura o outro perto de seu

lado.

Agachados, vemos através da folhagem a cena se desdobrando. Meu

estômago se afunda como rochas pesadas quando eu enxergo Miram, ainda

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em sua forma humana, apoiada contra uma árvore por uma multidão de

caçadores, os olhos tão selvagens como um animal encurralado.

Cassian rosna baixo em sua garganta. Sua raiva me consome,

misturando-se com o meu medo e pânico. Pânico alimentado pelo

conhecimento de que seu disfarce humano não vai protegê-la. Ele quer entrar

no meio deles e rasgá-los em pedaços, cada um.

Eu olho a meia dúzia deles, armados até os dentes, e enrolo uma mão

ao redor dos bíceps de Cassian, pedindo-lhe para ficar. Seus bíceps flexionam

com tensão sob meus dedos. O desejo de danificar, de destruir, pulsa por ele.

Eu engulo de volta uma leva dessa emoção raivosa, tentando me libertar

desse perigoso sentimento e lhe injeto um pouco da minha emoção... uma

dose constante de calma que vai levá-lo a se concentrar e não fazer nada

estúpido.

Eu olho de volta para Miram e me pergunto onde estão os outros.

Minha irmã e Deghan. Eu não os culpo por abandoná-la, se é isso o que

aconteceu. Com um mecanismo de localização em Miram, era inevitável que

os caçadores a localizariam.

Eu estou só satisfeita que Tamra esteja em um lugar seguro. Eu sei em

primeira mão que Miram não se mantém bem em situações de alto risco.

Estou bastante chocada que ela não tenha se manifestado. Como uma

visiocrypter, mesmo quando ela se manifesta, ela permanece com a mesma

cor nude, e por isso não é imediatamente claro quando ela começa a mudança

que ela não é nada além de humana. E então eu percebo que está acontecendo

agora. Eu vejo como os flashes de sua carne brilham, mas ela não está

totalmente perdida ainda.

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Eles a cercam como uma matilha de cães – gritam com ela, um para o

outro, confusos com a sua visão, uma menina aparentemente humana, e

tentam dar sentido do por que eles foram levados a ela quando, obviamente,

eles esperavam um draki.

Não vai demorar muito tempo para desvendarem isso.

— Nós não temos muito tempo, — eu sussurro. Nós temos que fazer

algo antes que eles percebam quem – o que - eles encurralaram. Que eles não

cometeram nenhum erro.

O cara segurando a pequena caixa preta olha para ela e a sacode como

se pudesse estar quebrada. — Aqui diz que estamos bem em cima daquela

coisa.

— Coisa — novamente.

Cabelo Curtíssimo pega o aparelho de suas mãos. — Deixe-me ver! —

Ele se adianta em direção a Miram e coloca a caixa em cima dela, varrendo-a

sobre sua cabeça e para baixo no comprimento de seu corpo. Ela hesita como

se isso fosse uma faca prestes a apunhalá-la.

Mesmo de onde nós estamos agachados podemos ouvir o sinal sonoro

se tornar uma constante, um incessante bipe. Cabelo Curtíssimo o levanta de

volta para a cabeça de Miram e o som aumenta ainda mais.

— Que inferno? — Ele puxa a caixa para longe e se afasta de Miram,

olhando para ela e para a caixa várias vezes. — Não pode ser! Ela é uma

menina!

Os caçadores irrompem de uma vez em conversa acalorada.

Meu corpo fica tenso, cada músculo esticado, pronto para saltar para a

briga. Porque não há uma escolha. Eu troco um olhar com Cassian. A

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qualquer momento agora, eles vão começar a entender. Inacreditável como

deve parecer para eles, eles estão prestes a descobrir o nosso maior segredo.

Mais uma vez, estamos prestes a sermos expostos.

Quase que como para confirmar isso, o bipe se reinicia, tocando alto e

incessante. Eu olho de volta para Miram e vejo que eles estão segurando o

dispositivo de localização sobre ela novamente. Pairando logo acima de sua

cabeça. Ela esmaga sua mão contra isso e solta um pequeno miado de medo.

— Olhe para seus olhos, — o caçador com o rabo de cavalo elegante

grita.

Agora eles estão dando uma maior atenção para ela. Percebendo todos

os pequenos sinais. Como as pupilas de seus olhos. Mesmo de onde eu estou

agachada, eu posso detectar a mudança nelas. As fendas verticais afiadas,

estremecendo com seu terror.

— Ela é uma deles!

— Mas ela é uma menina!

— Olhe para ela! Olhe para a sua pele – ela não é. Ela é um dragão.

Eu me livro das minhas roupas, deixando-as cair aos meus pés. Nós

nos movemos para frente, mas não chegamos a Miram. Alguém nos supera e

chega até ela.

De repente Tamra está lá. Magnífica, completamente manifestada,

uma névoa pálida flui dela, se infiltrando por todos os poros. Como um anjo,

ela está suspensa a vários metros do chão, suas asas brilhantes batendo e

criando grandes rajadas de vento, girando as folhas e os pequenos detritos

pelo ar.

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Orgulho incha em mim – ao ver o que Tamra é, o que ela se tornou, e

em tão pouco tempo. Ela realmente é esta coisa bela, maravilhosamente

poderosa.

Os caçadores começam a gritar, atirando ordens enquanto eles buscam

por suas armas. Mesmo com a entorpecente névoa derramada do corpo de

Tamra, vejo que não está acontecendo rápido o suficiente. Não irá atingir os

caçadores a tempo. Não antes de eles começarem a atirar.

Cassian percebe isso também. Ele varre todo o trecho e se apossa de

Miram, tirando-a de lá, enquanto a atenção de todos ainda está fixa em

Tamra.

Eu saio para a clareira, gritando para distraí-los de atirarem em Tamra.

Eu recebo o que desejo. Suas atenções se dirigem para mim. Will mergulha

para a briga, me puxando para fora do caminho, no mesmo momento em que

um dardo tranquilizante passa perto de mim.

Eu me recupero e fico de pé e assisto com horror quando um caçador

levanta uma besta, mirando diretamente para o peito de Tamra.

— Não! — Eu mergulho pelo ar. Vento explode à minha volta

enquanto eu parto diretamente para frente de Tamra. Meus pulmões se

contraem e incham. O calor corre através de mim e explode para fora em uma

respiração.

Chamas azuis alaranjadas queimam o caçador antes que ele possa

apertar o gatilho. Sua forma está lá, uma mancha escura, uma figura borrada

perdida dentro de uma explosão de fogo.

Seus gritos arranham meus ouvidos enquanto as chamas crepitantes o

engolem. Eu toco no chão, congelada. Meu sangue coalha em minhas veias,

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repugnada com a vista do que eu fiz. Os outros caçadores o cercam, lhe

tirando a jaqueta e o empurrando ao chão, gritando com ele para rolar para

que eles tentem bater as chamas que devoram o homem. O cheiro de carne

assando enche o ar.

Eu fiz isso.

A névoa gira mais espessa do que nunca, e os movimentos dos

caçadores ficam cada vez mais lentos, e um por um, eles começam a cair,

entrar em um sono profundo.

— Jacinda! — Eu olho para cima. Will salta sobre um caçador caído e

me agarra pelos braços, me dando uma pequena sacudida. —Você está bem?

Eu saio do meu torpor e olho para longe de todos os caçadores caídos.

O odor de carne queimada ainda me engasga. Ok? Não. Eu não estou bem. Os

olhos de Tamra se fecham e sua cabeça rola quase bêbada em seus ombros.

Eu percebo um movimento a minha esquerda e giro pronta para

liberar o meu fogo novamente, mesmo estando chocada com o dano que eu

causei. Apesar do que o caçador poderia ter feito com um prazer para Tamra,

para mim, eu estou abalada porque eu poderia tê-lo matado.

Mas não é nenhum caçador ali. É Deghan, nos observando com

espanto em seus olhos de ardósia. Ele nos assimila com sua atenção

persistente em minha irmã. Tamra dá um passo instável e ele está lá,

socorrendo-a quando suas pernas desistem debaixo dela. Ele a levanta contra

seu peito. Ela fecha seus olhos e coloca seus dedos em suas têmporas como se

sua cabeça doesse.

Seu olhar trava com o meu. Eu dou um aceno de cabeça único,

aceitando que ele a tem. Que ele irá mantê-la segura.

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Meu olhar varre através da névoa, medindo cada um dos caçadores

caídos, demorando um pouco no que tem as queimaduras em seus braços. Eu

me movo até ele, sabendo que sem tratamento, deixando-o aqui inconsciente,

ele poderá não sobreviver.

Cassian está lá novamente, Miram perto de seu lado. Ele balança sua

cabeça para mim. — Nós temos que ir. Há provavelmente outros, esperando

o relato deles.

— Eu não vou deixá-lo aqui para morrer.

— Ele teria nos matado –

— Eu não me importo! — Eu olho para Will e vejo que ele está

olhando para o corpo queimado também. Os olhos de Will parecem distantes,

estranhamente vidrados... e eu não posso deixar de pensar se ele está se

perguntando sobre sua família. Que seu pai ou Xander poderiam estar

deitados lá. Que eu poderia ter queimado qualquer um deles, se tivessem

sido eles a nos rastrear.

Isso ainda pode acontecer. Ele está enojado com o que eu fiz? Como eu

estou enojada...

Os lábios de Will mal se movem quando ele fala. — Nós não podemos

deixá-lo morrer aqui. — Alívio passa por mim ao saber que ele está comigo

nessa.

Cassian bufa, seus olhos escuros piscando com aborrecimento. —

Claro que você diria isso.

— Por que não chamamos o 9-1-1? — Tamra oferece, piscando como se

lutasse para recuperar o controle de si mesma. Ela assinala a Deghan que a

coloque no chão. Ele cuidadosamente a liberta, uma mão ainda em seu braço

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no caso dela perder o equilíbrio novamente. — Deixamos uma denúncia

anônima. Uma ambulância virá.

Will e eu compartilhamos um olhar. Eu concordo com a cabeça. — Ok.

— Bom — declara Cassian. — Agora, vamos nos mover.

Meu peito se aperta. Eu massageio ali, bem no centro, como se eu

pudesse apagar o sentimento. Inútil. Eu duvido que alguma dia irá embora.

Que eu me sentirei normal novamente. Normal para mim, de qualquer

maneira.

Eu podia ter matado um homem. Saber que eu fiz isso para salvar a

minha irmã não o torna mais fácil de aceitar. De repente, eu não sei mais o

que eu devo fazer. O que é certo. O que é errado. Em todas as direções que eu

olho, eu vejo dor. Eu envio um olhar de soslaio para Will. Seus traços são algo

intenso, como se esculpidos em pedra.

Com um aceno de cabeça triste, eu sigo, mergulhando de volta para a

floresta. Mas eu não me sinto aliviada. Eu não me sinto livre. Meu peito está

pesado, sobrecarregado... como se a cada passo, a cada quilômetro, a carga só

ficasse ainda mais pesada. Esta viagem parece... sem fim.

Quando alcançamos a van, paramos, nossas respirações irregulares,

mas eu acho que é mais pela emoção e pelo tumulto de tudo que aconteceu

do que pela nossa corrida real.

O rosto de Will é severo, sua mandíbula quadrada travada quando ele

abre a porta para nós e continua lá, nos impedindo de entrar. — Antes de

irmos a qualquer lugar precisamos conversar colocar algumas coisas em

questão.

Eu concordo com a cabeça. As regras do jogo mudaram.

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Tamra olha ao nosso redor, inquieta como se mais caçadores

pudessem aparecer. As árvores altas até o céu bloqueiam o sol da tarde e nos

encobrem com longas sombras.

Will levanta uma sobrancelha para mim. Eu aceno devidamente. Ele

está certo, é claro. É meu dever explicar. Eu sou a única que descobriu sobre o

dispositivo caseiro de rastreamento em Miram.

— Os caçadores vão nos alcançar novamente. — Eu engulo e corto o

meu olhar para Miram, emendando: — Você. Eles vão te encontrar de novo.

— Eu olho para Deghan, perguntando se ele sabe do que eu estou falando e

se ele só não se preocupou em dizer. — E você, também. Onde quer que você

vá, eles irão lhe seguir. Ambos. Vocês não podem escapar deles.

— Como isso aconteceu? — Cassian exige seus olhos brilhando

selvagens, suas pupilas tremendo de emoção enquanto ele lida com o

conhecimento de que sua irmã não está livre. Ainda não.

— Os enkros plantaram dispositivos de rastreamento nas cabeças de

seus cativos. — Eu escovo com meus dedos, em reflexo, o meu próprio

caminho pálido de carne escondido no meu cabelo. Eu aceno na direção de

Miram. — É assim que os caçadores foram conduzidos diretamente para ela.

Will me observa atentamente, não perdendo nada – incluindo a forma

como eu esfrego minha cabeça. Eles tinham chegado tão perto de colocar a

sua marca em mim – dentro de mim.

— Eles fizeram isso com você? — Cassian pergunta.

Eu balanço minha cabeça, deixando minha mão cair. — Não. Vocês os

pararam justo antes que pudessem fazer isso.

— Você teve sorte, — Deghan diz em seu discurso draki estrondoso.

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— E você? — A cabeça de Cassian chicoteia em sua direção. — Você

esteve lá por muito tempo. Eles lhe implantaram o chip também.

— Eles nunca puderam chegar perto o suficiente de mim para que

fizessem isso. — Ele olha para baixo em direção a sua carne cor de aço. —

Qualquer um que... — sua voz desaparece, mas eu o entendo.

— Eles nunca o abateram com alguma das suas armas com

tranquilizantes? — Cassian pergunta.

— Quando eles tentaram, eles não conseguiram passar por minha pele.

— Ele bate em si mesmo. — Bom como armadura.

De repente, eu tenho uma boa ideia de porque ele sobreviveu tanto

tempo com eles – porque ele viveu quando todos os outros de seu clã

pereceram. Eles jamais puderam lhe tocar.

Cassian arrasta suas mãos pelos seus cabelos e abre uma pequena

linha invisível, parando apenas para olhar com angústia para sua irmã a

poucos metros de distância, olhando também para fora na espessa fileira de

árvores. Ela tem que ter ouvido o que dissemos, mas ela não mostra nenhuma

reação. Ela não parou de tremer desde que ela se viu rodeada por caçadores.

Desde que ela foi informada sobre o que está dentro dela. Ela nunca estará

livre até que descubramos uma maneira de removê-lo. Eu provavelmente

estaria tremendo também. Meus dedos se movem novamente para aquele

local raspado na minha cabeça. Talvez fosse pior. Eu poderia estar

arrancando essa coisa de mim mesmo.

— O que nós vamos fazer? — Cassian oscila seu olhar para cada um

de nós. Este é o momento em que eu poderia – deveria – dizer O que você quer

dizer com nós?

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Eu não digo nada. Só penso agonizando, mascarando o pensamento.

Eu deveria estar saindo, indo embora de tudo isso. Eu fiz o que prometi e tirei

Miram da fortaleza. Isto deveria ser o fim de tudo.

Eu sinto o olhar de Will ao lado do meu rosto e sei o que ele está

pensando, também. Que nós deveríamos estar livres do clã. Agora mesmo. A

liberdade está perto, e é quase nossa – se eu somente a tomasse.

O olhar de Cassian se direciona para mim, e pior do que aquele olhar

penetrante são as ondas de absoluta impotência correndo dele para mim

como um rio furioso e inchado. Sua necessidade e desespero se misturam

com minhas próprias emoções... as superam, as afogam até elas serem apenas

um eco sussurrante. Eu não posso ignorá-las. Eu não posso ignorar a ele.

Ele balança sua cabeça novamente. — Nós não podemos abrir um

túnel em sua cabeça para alcançar essa... coisa e tirá-la. Nós podemos matá-la

ao fazer isso.

Concordo com a cabeça devagar. — Eu sei. Você tem que levá-la para

casa, conversar com os outros. — Por mais que eu desconfie de Severin e

muitos dos anciãos, eles estão aqui a muito mais tempo do que qualquer um

de nós. Eles sabem das coisas. Especialmente Nidia. Talvez eles já tenham

enfrentado algo assim antes. — Talvez Nidia ou um dos verda saibam o que

fazer, — eu sugiro.

Eu não consigo pensar em uma solução melhor. Não é como se

possamos admitir Miram em um hospital local e lhes pedir para remover o

implante. Eu mordo a ponta do meu polegar. Minha mãe teria tido ideias,

tenho certeza. Ela poderia ter removido o chip sem matar o paciente.

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Isso só me faz lembrar que ela se foi. Que eles a baniram. Eu mordo um

pouco mais sobre a borda salgada do meu polegar, acolhendo o golpe de dor.

Eu não posso pensar sobre essa traição agora. Só vai me irritar e ofuscar meus

pensamentos, e eu preciso de uma cabeça fresca agora.

— Você quer levá-la para casa? — Tamra se inclina mais perto de

Deghan, e me pergunto se ela está consciente da ação. — Voltar para o clã

onde os caçadores poderão nos seguir? Como que isso é inteligente?

— Não diretamente para o município. Miram pode se esconder em

algum lugar próximo... nas montanhas, — eu digo, pensando rápido. — Se os

caçadores a rastrearem nessa área, não é um grande risco. Eles já sabem que

draki estão na vizinhança.

Estou me referindo à família de Will, é claro.

Will olha para mim, seu olhar ilegível, e eu me pergunto o que ele está

pensando. Pelo menos com Cassian, eu conheço suas emoções. Isso é o que

acontece quando você experimenta todo e qualquer sentimento em conjunto.

E então, logo que eu tenho esse pensamento, eu me sinto mal por comparar

os dois. Desejando que o meu relacionamento com Will seja algo parecido

com o que eu tenho com Cassian. Will e eu somos reais. O que tenho com

Cassian é uma manipulação, um resultado da união. Nada mais.

Cassian concorda. — Sim. Isso irá funcionar. — Ele se aproxima de sua

irmã e aperta seu ombro carinhosamente. Ela olha para ele, finalmente

mostrando que está prestando atenção. — Você ficará bem, Miram. Nós

vamos para casa... vamos corrigir isso.

Ela balança a cabeça e se inclina para ele. Ele coloca um braço em torno

de seu ombro e acaricia a mão em seu cabelo castanho arenoso, acariciando

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como se ela fosse uma criança. E eu percebo que ela realmente é uma. Mais

velha do que Lia, mas não mais difícil. Com o pensamento em Lia eu

estremeço. Poderia um caçador já tê-la pego? E sobre o resto dos draki

libertos? Roc e os outros? Eles já foram capturados? Ou pior?

Eu exalo uma respiração pesada. Eu não posso me preocupar com eles

também. Temos o nosso próprio problema para lidar. Miram nos braços de

Cassian enche-me de tal desolação... É impossível permanecer inalterada. Não

me importar. Especialmente com as emoções de Cassian me bombardeando.

Raiva. Derrota. Medo e tristeza.

— Tudo bem. Nós não podemos ficar aqui. — A voz de Will me traz

de volta à realidade. Eu rompo meu olhar de Cassian e Miram. Sua expressão

é tão sábia, e eu me lavo com a culpa, minha pele formigando com

veemência. Eu odeio que tenha essa ligação com Cassian que nos une para

sempre. Isso é algo que eu e Will nunca poderemos ter. Se eu tivesse que ter

este vínculo com qualquer pessoa, deveria ser Will. Mas isso não é possível.

Nunca foi.

— Vamos nos mover.

Nós todos nos empilhamos novamente. Eu monto na frente com Will

desta vez. É um alívio não ter que enfrentar os outros, especialmente Miram.

Há muita dor e arrependimento quando eu olho para ela e penso no que os

enkros fizeram. Ela ainda é uma prisioneira mesmo estando conosco.

Nós nos movemos em solavancos ao longo da estrada de terra

esburacada enquanto voltamos para a estrada principal. Will estende sua

mão por todo o espaço que nos separa e segura minha mão. Eu liberto uma

respiração que eu não sabia que estava segurando. Meus dedos se ajeitam em

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torno de sua mão e a apertam duramente, precisando tanto dele que chego a

ter uma pontada física no meu peito. O medo de perdê-lo sempre beliscou em

mim, uma besta rosnando e mordendo meus calcanhares. Mas, agora, veste

minha boca como uma película metálica azeda. E eu sei o porquê.

Eu estou pensando em ajudar Cassian e Miram na volta para o clã. E

eu posso perdê-lo se eu o fizer.

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Eu e Will não dizemos nada. É como se uma vez que nós comecemos a

falar, coisas serão ditas que mudarão tudo. Mudarão a nós. Os sonhos que

tivemos para nós mesmos não estão tão próximos de se tornarem realidade

como pensávamos. Ele tem que saber disso. Perceber isso. Nesse momento, o

silêncio é o meu único conforto.

Apesar de todo aquele silêncio, minha mente volta para a coisa terrível

que eu fiz para a possibilidade de que eu matei alguém. Nós paramos em um

lugar para ligar para a emergência, mas as sensações horríveis me

incomodam ainda. Um aperto aumenta dentro de mim que torna cada

respiração uma agonizante busca por ar. Palavras estão além de mim. Mas

mesmo sem palavras, meus pensamentos estão falando alto dentro da minha

cabeça. E eu tenho bem mais a considerar. Há o problema de Miram.

Enquanto ela estiver conosco, enquanto o dispositivo localizador estiver

dentro dela... eu sacudo minha cabeça. Nós nunca estaremos a salvo. É uma

situação que eu não posso ignorar. Eu não posso deixar todos eles seguirem

seus caminhos felizes de volta ao clã como se isso não fosse um problema.

Nós viajamos por uma hora antes de Will diminuir a velocidade da

van. Eu pisco como se estivesse acordando de um sonho enquanto ele

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estaciona em um desses mega centros de viagem que ostenta vários

restaurantes e chuveiros. É praticamente uma cidade pequena. A perspectiva

de cabelo limpo e roupas limpas me animam um pouco. Will estaciona no

canto mais distante do estacionamento, onde não existem quaisquer outros

veículos.

Eu me junto a Will enquanto ele abre a porta traseira. Todo mundo

parece drenado, caído, adrenalina há muito gasta. Cassian agarra sua lateral

como se suas costelas ainda causassem dor. Ele provavelmente se machucou

de novo na corrida louca para resgatar sua irmã. Tamra torce uma mexa

embaraçada de cabelo entre os dedos.

— Alguém aí quer um banho? — eu pergunto, forçando um pouco de

alegria em minha voz.

Tamra é a mais rápida. Agarrando nossas bolsas, ela salta para baixo,

igualmente deliciada. Cassian segue. Miram não se move.

— Miram, — eu digo gentilmente, olhando para ela onde ela se

encolheu no canto com seus joelhos puxados no peito, sua expressão incerta,

como se ela não tivesse certeza se ela pode vir ou não. E quem pode culpá-la?

— Você gostaria de se lavar também? Você pode usar uma de nossas roupas.

Ela não responde.

Cassian a encoraja. — Miram?

Ela dá uma pequena sacudida e então assente uma vez, escapando em

direção à porta da van. — Sim. Obrigada, — ela sussurra, descendo. Cassian

coloca um braço ao redor dela e a puxa para perto. Ela força um sorriso

aquoso e se acomoda no abrigo de seu corpo. Seu rosto faz uma contração,

mas ele não reclama ou a lembra de seus ferimentos.

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Tamra permanece na porta, olhando para Deghan. Ele está sentado

com seus pulsos posicionados em seus joelhos. — Você vai ficar bem? — Ela

pergunta.

Eu cutuco o ombro dela e seguro um suspiro. — Vamos lá. Com

certeza ele pode se cuidar, Tamra.

Suas bochechas pálidas ficam rosa, e ela concorda. Will fecha a porta

da van, e nós andamos todos juntos para dentro do estabelecimento, garotos

e garotas se separando quando nós alcançamos a área dos chuveiros. Eu

deixo Tamra e Miram irem primeiro. Há chuveiros suficientes, mas com

Miram agindo como um dispositivo localizador gigante para caçadores...

bem, alguém tem que ficar de guarda.

Miram surge com uma toalha em volta dela. Sua incerteza retorna

quando ela me vê. Eu sorrio encorajadora, na esperança de acalmá-la. Sua

expressão se alivia, se suaviza. Eu entrego a ela algumas roupas e espero

enquanto ela se troca. Ela ressurge com roupas limpas, secando seu cabelo

com a toalha.

— Você pode ir. — Ela gesticula na direção do chuveiro.

— Está tudo bem. A Tamra ainda está no chuveiro. Eu não posso

deixá-la sozinha ainda.

— Oh. — Ela assente quando minha razão para ficar se torna clara. Se

endireitando em frente do espelho, ela ergue a minha escova de cabelo para

começar a desembaraçar seu cabelo e para, a escova pairando em meio ao ar,

diretamente acima da cabeça dela. Eu entendo de uma vez, seguindo seu

olhar para onde ele está fixado... a incisão atrás da orelha dela.

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Eu gentilmente removo a escova de seus dedos cerrados. — Aqui.

Deixe-me. — Ela me encara, parecendo quase surpresa em me ver.

Eu começo a escovar. Seus fios cor de areia desembaraçam facilmente.

Eu olho por cima da cabeça dela, encontrando seus olhos enquanto ela me

observa no espelho. Está tudo silencioso, a não ser pelo distante barulho dos

chuveiros.

Eu me assusto com o som da voz dela. — Eu deveria ter ido contigo.

Eu pauso por um momento, então continuo a escovar. — Como assim?

— Quando você tentou me fazer ir embora contigo e com Will... eu

deveria ter ido. Eu estava tão acostumada a não gostar de você. Eu não queria

te seguir.

— Está tudo bem. — O que mais eu podia falar? Está feito e acabado.

— Nada disso estaria acontecendo se eu tivesse ido com você. Sinto

muito. Por tudo, Jacinda.

Eu dou de ombros, tentando agir como se não fosse nada. — Então nós

nunca teríamos encontrado o Deghan. Alguma coisa boa saiu disso. Ele ainda

seria prisioneiro lá. Todos aqueles outros draki ainda estariam cativos.

Verdade, todos os draki tinham implantes, e provavelmente seriam

capturados de novo, mas eles pelo menos têm uma chance agora. Igual a

Miram. E eu não quero que ela se concentre na parte negativa.

— Eu acho que eu deveria me importar com eles, — ela diz, olhando

para o seu rosto recém-limpo no espelho. Impossivelmente jovem inocente.

— Mas eu só queria que nada disso tivesse acontecido. Eu queria estar em

casa. Com Papai. Tia Jabel.

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Eu termino com o cabelo dela, incerta do que dizer a isso. Sem ter

certeza de que haja algo a dizer.

Tamra se junta a nós, já vestida. — Sua vez, — ela diz.

— Ótimo. Eu serei rápida. Por que vocês duas não vão pegar comida e

eu encontrarei vocês de volta na van?

Tamra assente e junta suas coisas. Eu tomo um banho rápido, apesar

de que eu amaria nada mais do que ficar embaixo da ducha morna por uma

hora e deixa-la tirar toda a tensão do meu corpo.

Eu me encontro com Will na volta do banho. Ele está carregando um

pacote de papel marrom.

— Conseguiu alguma coisa boa?

— Ah sim. — Ele sorri. Agora que ele acabou de sair do banho e fez a

barba, seu cheiro limpo de sabonete enche o meu nariz. — Vamos. Eu vou te

mostrar. — Pegando minha mão, ele me puxa pelo estacionamento asfaltado,

para uma das mesas de piquenique que pontilham a grama.

Nós sentamos no topo de uma mesa de madeira lascada e ele fuça

dentro do pacote marrom. Eu tento dar uma olhada, mas ele balança um

dedo pra mim e gira seu corpo para que eu não possa ver dentro.

Ele olha por cima do ombro. — Pronta?

Eu sorrio e balanço os joelhos. — Sim! Me mostre.

Ele se vira. — Ta-Ram!

Eu olho confusa para a caixa nas mãos dele. — O que é isso?

Ele olha para mim e para a caixa, maravilhado. — O que é isso? —, ele

ecoa. — Você não sabe?

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Eu leio a impressão na caixa. — Cracker Jack?

Ele assente excitadamente.

Eu examino a caixa. Pipoca e amendoim cobertos de caramelo. —

Então... comida porcaria?

Ele parece chocado. — Não é qualquer porcaria. É como a melhor

porcaria de todas. — Ele rasga a caixa e coloca um pouco de pipoca grudenta

na minha mão, e então na dele. — Esse era o favorito da minha mãe.

Ele joga o petisco na boca e mastiga. Eu o observo por um momento,

desfrutando da vista dele, a maneira como seus olhos se enrugam de prazer.

Eu aprecio estar sentada aqui. Com ele. — Você não fala muito dela.

— Eu era tão novo quando ela morreu. Eu queria poder me lembrar

dela mais claramente, — ele diz com naturalidade enquanto ele coloca mais

um pouco de Cracker Jack em sua mão. — À noite, na minha cama, eu tento

repassar por todas as memórias dela que eu tenho, como se eu tivesse

exercitando-as, sabe? — Ele olha para mim. — Mantê-las frescas e em forma

antes que elas sumam completamente.

Eu concordo e pisco meus olhos, que de repente, estão ardendo. — É.

Eu sei como é. — Eu não tenho feito a mesma coisa com as minhas próprias

memórias do meu pai?

Seu olhar vagueia sobre o meu rosto – como se ele estivesse

memorizando a mim e esse momento. — Sim. Eu acho que você sabe.

Jogando sua cabeça pra trás, ele joga mais alguns Cracker Jack em sua

boca.

Eu o copio. — Humm, muito bom.

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Ele balança a cabeça e me empurra com o ombro. — Eu não acredito

que você nunca comeu Cracker Jack antes.

Meus olhos se arregalam. — Não? Eu nunca sequer tinha visto esse

negócio, — eu confesso.

— Ah, blasfêmia.

— Ei! Eu passei tipo... o quê? Dois meses fora, no mundo humano?

Minha cultura ainda não alcançou o Cracker Jack. — Eu dou uma risadinha,

balançando no topo da mesa. — Eu tenho muito a aprender. Eu admito.

Ainda mostrando aquele sorriso derretido, ele alcança meu cabelo,

passando a mão pelas mechas molhadas. — Nós teremos todo o tempo do

mundo. E eu vou te ensinar, — ele murmura. E de repente eu estou quase

certa que nós não estamos falando sobre futuras lições sobre as comidas

porcaria.

Minhas bochechas queimam quando ele se inclina para me beijar. Nos

meus lábios, ele sussurra, — Logo, Jacinda. Seremos nós. Nós teremos paz.

Nós seremos livres. E felizes.

Cada parte de mim se torna viva com o primeiro roçar de sua boca. Eu

sinto o gosto salgado do Cracker Jack em sua boca e sei que eu nunca vou me

esquecer da sensação desse momento.

— É melhor nós voltarmos, — eu digo, me levantando.

— É. — Ele suspira, pegando a sacola. — Mas espera. Quase esqueci a

melhor parte. — Ele derruba pipoca pra todo lado, cavando a caixa. — Ah,

consegui!

— O que é isso?

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— O prêmio. Cada caixa vem com um prêmio. — Algo cai em sua

mão. Ele olha para o objeto por um longo momento, um lento sorriso

curvando seus lábios bem desenhados.

— O quê? — Eu o acotovelo de brincadeira.

Ele pega a minha mão. — Isso é perfeito. Até que eu possa te arrumar

algo melhor. — Ele desliza um anel de plástico roxo em meu dedo. O anel se

encaixa perfeitamente.

Nós dois olhamos para ele por um momento. O topo do anel de

plástico é um coração em baixo relevo. Eu circulo o pequeno coração com a

ponta de um dedo.

— Agora você pode olhar para sua mão a qualquer momento. Mesmo

que eu não esteja lá, você saberá. — Seus dedos quentes apertam os meus, e

nossos olhares se encontram.

— Saber o quê? — Eu sussurro.

— Que você tem o meu coração. Que eu te amo.

Aquelas palavras, seu olhar intenso... eu não consigo respirar. Mas eu

sinto como se alguma coisa como o oxigênio pudesse não ser necessária

quanto eu a ele. Ele me alimenta... respira vida em mim. Faz tudo se tornar

bom. Ele ficou comigo através de tudo: o meu desaparecimento, a minha

ligação com o Cassian... sempre me colocando acima dele. É um milagre que

ele não tenha corrido na direção oposta.

Na distância, a van buzina. Eu olho para cima e acho Tamra parada

próximo ao lado do motorista, deslizando seu braço para fora da janela. Ela

está ansiosa para ir – sem dúvida nervosa sobre os caçadores nos alcançando.

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Com esse lembrete, o sorriso some do meu rosto. Bem assim, o momento feliz

se reduziu.

— Vem. — Eu sigo na direção da van. Eu apenas ando alguns metros

antes que Will recupere a minha mão. E eu estou feliz por isso. Contente com

a sensação de seu dedo contornando o anel na minha mão. Que não importa

o quão ruim tudo está, ele não desistiu de mim. Talvez ele nunca desista. Não

importa o que venha. Não importa o que eu peça a ele. Eu não sei o que eu fiz

para merecê-lo. Eu só sei que eu não quero perder esse garoto que se tornou

tanto para mim. Tudo.

— Ah, ei. Eu me esqueci de pegar as baterias para as lanternas e as

lamparinas. Eu acho que temos pouco. — Ele enfia um pacote de comida nos

meus braços. — Eu já volto.

Eu viro, admirando a sua forma enquanto ele corre para o

megacomplexo.

— Jacinda?

Eu me assusto com o som do meu nome. Cassian está de pé atrás de

mim. Eu não estou surpresa que eu não ouvi sua abordagem... mas estou

surpresa que eu não o senti lá. Aborrecimento aparece em seu olhar quando

ele olha de mim para Will. Voltando o olhar pra mim, ele rapidamente esfria

a emoção de seus olhos, mas eu ainda a sinto persistindo dentro dele.

— Sim? — Eu pergunto, odiando o embaraço do momento.

— Eu só queria te agradecer.

— Pelo quê?

— Por tudo o que você fez pela minha irmã. Eu sei que vocês duas

nem sempre se entenderam.

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Eu sorrio. — Que tal nunca?

Ele sorri de volta, indicando concordância com a cabeça. E com aquele

sorriso matador, uma amostra de seus dentes brancos e retos em seu rosto

moreno, eu me lembro de quantas garotas cobiçam esse garoto. E não apenas

por seu poder e posição no clã. — Sim. Ela não tornou fácil para você gostar

dela. Receio que meu pai teve muito a ver com isso. — O sorriso dele some.

— Mas você ainda quis resgatá-la... e ficou do lado dela quando você pensou

que eu havia morrido.

— Eu fiz isso por você.

Silêncio cai entre nós e eu me mexo nervosamente sob seu olhar

atento. Eu penso em suas palavras... como nós arriscamos tanto para resgatá-

la... e engulo com dificuldade. Ela ainda está em risco. Ela não está fora de

perigo ainda. Ele estava tentando me fazer me sentir culpada para ficar e

ajudar? Mas olhando seus líquidos olhos escuros, eu vejo apenas sinceridade

nas linhas de seu rosto. Não há segundas intenções nessa conversa.

— Aqui. — Ele pega uma sacola dos meus braços e juntos nós

andamos em direção a van, nossos passos silenciosos no asfalto.

Eu envio-lhe um olhar observador. Há um ligeiro mancar em sua

caminhada. — Como você está?

— Eu vou viver. Devo ser meu velho eu de sempre logo. Nós saramos

rapidamente, afinal de contas. — Verdade. O que me faz pensar que ele deve

ter sido ferido gravemente para ainda sofrer os efeitos. Algo se revira e

retorce dentro de mim ao pensar em Cassian com dor.

Ele me lança um olhar, os lábios se torcendo em um sorriso que eu

imagino ser para me encorajar e me convencer do seu bem-estar. — Não se

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culpe Jacinda. — Claro que ele sentiria os meus sentimentos – que a ideia dele

ferido me deixa enjoada. — Já acabou e está feito. Eu ficarei bem, — ele diz,

gentilmente roçando um dedo na minha bochecha. Ele faz uma careta, dando

um passo pra trás e deixando a mão cair. Arrependimento por causa do toque

rapidamente desliza por ele. Nós chegamos a van e ele convenientemente se

afasta, carregando a sacola para o assento da frente.

Eu fico de pé perto das portas traseiras, o ruído de suas palavras

repassando na minha cabeça. Acabou. Será? Será mesmo? Eu posso desistir

dele e dos outros com essa pergunta, esse medo se insinuando dentro de mim

como um vírus?

Eu descanso minha cabeça contra a parede dura da van e sopro uma

rajada grande de fôlego. Uma dor de cabeça maçante palpita por trás de meus

olhos. Cassian quis viajar na frente. Eu achei o pedido estranho, mas eu não

achava que um pouquinho de tempo sozinho entre Cassian e Will seria uma

coisa ruim.

Eu esfrego minhas pálpebras com meu polegar e o indicador,

pressionando para cima, na ponte do meu nariz. Eu faço isso diversas vezes,

tentando acalmar a minha dor de cabeça.

Deghan está sentando a minha frente, apenas encarando com seus

olhos de estranho... olhos tão frios que eu estremeço. Finalmente, eu não

consigo suportar mais. Eu tiro minhas mãos dos olhos e exijo, — O que você

está olhando?

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— Você.

Eu bufo. — É logico. Por que você fica me encarando?

Tamra olha para cima, evidentemente interessada na resposta dele.

Ele faz um pequeno movimento com sua mão. — Você me lembra de

alguém.

Balançando minha cabeça, desvio o olhar, olho para o chão da van,

sentindo seu movimento pelas solas dos meus sapatos. Eu não estou

interessada em algum draki que eu o faça lembrar, algum draki que ele –

Meu olhar volta para ele. Cada nervo do meu corpo está tenso,

repentinamente alerta.

— Quem? — Eu exijo.

Ele dá de ombros. — Apenas outro cativo. Ele estava lá quando eu fui

trazido. Ele era um ônix, mas você me lembra dele. A maneira como você

esfrega seus olhos e nariz. Ele fazia isso. Também a maneira como você se

porta... inclinando a cabeça para o lado quando alguém está falando. Você

fica com esse olhar atento em seu rosto. Quase como se você estivesse quase

brava.

Estava? É a palavra que ricocheteia pela minha cabeça.

Ele continua — Você tem o mesmo... jeito dele.

Estou tremendo agora. Uma sensação de enjoo queima o meu

estômago. — O que aconteceu com ele?

— Eles o tiraram de sua cela um dia para mais experimentos. — Uma

apatia entra em seus olhos. — Ele nunca voltou. Mas você sabe qual é a pior

coisa nisso?

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Pior do que a morte dele?

— O quê? — Tamra pergunta, mantendo-se imóvel como uma pedra, e

eu sei que os mesmos pensamentos zunem pela mente dela.

— Seu próprio povo que o traiu. Ele disse que alguém em seu clã o

enganou e o fez ser capturado. O guiou diretamente no caminho dos

caçadores.

Minha pele fica quente e fria com isso. Eu luto para engolir o caroço na

minha garganta. — Qual era o nome dele? — Eu digo tensa, meus lábios

amortecidos, mal se movendo.

Não diga o nome do meu pai. Não Magnus. Não Magnus.

— Magnus.

Eu dou um salto e fico de pé, braços estendidos, esticando para os

meus lados como se estivessem procurando um lugar para me apoiar, algo

para me agarrar. Meu mundo gira. Vermelho enche minha visão. Tamra

abaixa sua cabeça em suas mãos e se rende ás lágrimas que tremulam seu

corpo inteiro.

Eu bato na parede da van até que minhas mãos estão ardendo, e

mesmo assim eu não paro. — Pare, — eu grito. — Pare!

A van diminuiu de velocidade. Uma vez que a van para, eu abro as

portas e corro – saio correndo pelas árvores o mais rápido possível. Sem me

importar onde estou indo. Apenas tentando fugir, escapar da dor, da dor

latejante e incessante no meu peito.

Na distância, eu ouço o meu nome sendo gritado, mas eu não me viro.

Eu não paro.

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Eu corro, voando entre árvores. Mas a dor não some. Eu não consigo

deixá-la para trás. Ela ainda me segue. E em uma nova onda de angústia eu

percebo que ela sempre seguirá.

Eu paro, lágrimas silenciosas fluem em rastros quentes pelas minhas

bochechas. Eu balanço por um momento antes de cair, aterrissando em meus

joelhos. Com um soluço agudo, eu me curvo na cintura e vomito, esvaziando

o conteúdo do meu estômago. Quando não há mais nada dentro de mim, eu

me enrolo em uma bola no chão. Galhos e pinhas arranham cada centímetro

exposto de mim, mas eu não tenho a energia para me importar.

Agora eu sei. Eu finalmente sei. Depois de todo esse tempo. Papai está

morto. Traído por alguém do clã. Alguém com quem eu vivi por anos.

Folhas farfalham perto de mim quando Tamra se torna visível, como

um fantasma se materializando do nada. O peito dela arfa de sua corrida pela

mata. Seu cabelo flutua como uma auréola selvagem de branco prateado ao

redor dela. Nossos olhares se prendem enquanto nós dividimos o

conhecimento da verdade sobre o que aconteceu com Papai. Seu olhar gelado

se mostra molhado entre os poucos metros que nos separam.

— Tamra, — eu sussurro, seu nome se desmoronando de mim.

Seu rosto está arrasado, a reflexão perfeita do que eu estou sentindo.

Ela assente bruscamente, palavras são desnecessárias entre nós. Nós estamos

vivendo o mesmo pesadelo agora.

Em um instante nós estamos nos abraçando. Chorando como duas

garotinhas. Eu limpo o meu nariz escorrendo.

— Eu acho que eu sempre esperei que ele pudesse estar vivo, — eu

digo entre soluços e suspiros.

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— Eu sei. Eu também. — Ela concorda com a cabeça obstinadamente.

— Mamãe. Eu quero a Mamãe. — A voz dela se quebra e ela está chorando

novamente.

Eu agarro os ombros dela, determinação me inundando. — Nós vamos

encontrá-la. — Ela é a única família que nos resta. Agora com a verdade sobre

o destino de Papai me sufocando, eu sinto o vazio de Mamãe com ainda mais

intensidade.

Um galho se quebra. Nós viramos para ver Will. Ele para, erguendo a

mão como se estivesse pedindo desculpas por se intrometer.

— Está tudo bem. — Tamra funga, e limpa suas bochechas molhadas.

— Eu – eu preciso de um momento sozinha.

— Você não tem que — Will começa a dizer, mas ela balança a cabeça

e passa por ele.

Eu olho para Will, me sentindo exposta e sensível, quebrada. Como se

eu nunca fosse ficar inteira de novo.

Então ele está lá, me puxando para os seus braços. Eu caio contra ele,

deixo-o me apoiar. Ele suspira meu nome. — Jacinda.

Eu agarro a camiseta dele com força, meus dedos sem sangue

enquanto eles apertam. — Ele realmente se foi, — eu digo, olhando para os

seus olhos em constante mudança.

— Eu sei, eu sei, — ele sussurra.

— Eu sempre quis a verdade... mas lá no fundo eu acreditava que ele

estava vivo. Eu percebo isso agora. Todo esse tempo – eu nunca pensei que

ele realmente tivesse morrido.

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— É melhor saber. Sem mais desejar e tentar adivinhar inutilmente.

As lágrimas rolam pelas minhas bochechas. Estou convencida de que

não há nada melhor nisso. Antes eu tinha esperança. Agora eu não tenho

nada. Nada além de dor na absoluta certeza de que o pai está morto. Eu

nunca o verei novamente.

Como se fosse possível, eu seguro Will ainda mais apertado. Como se

isso pudesse de alguma forma aliviar essa dor atroz. Mas a dor apenas

aumenta. Ela floresce no meu peito até que uma emoção ainda mais poderosa

toma conta. Fúria enche meu interior enquanto pensamentos novos e feios se

empurram para dentro da minha cabeça. E eu deixo isso acontecer – eu deixo

a fúria tomar conta.

Eu drago uma respiração quente profundamente quando ela apenas

fica ainda mais quente. Alguém traiu o meu pai, e não demora muito para

concluir quem aquele alguém provavelmente era. Severin. Corbin havia

evidenciado a animosidade de seu tio para com o meu pai – o quão ameaçado

Severin se sentia por meu pai.

Mas Papai não havia tentando assumir o controle. Ele apenas queria

levar sua família para outro lugar, para longe do clã. Uma pena que nós não

conseguimos escapar antes dele ser levado para uma armadilha.

Eu expirei pelo nariz, flexionando meus dedos cerrados, afrouxando o

aperto em Will, sem precisar me segurar tão firmemente mais, quando um

novo propósito me preenche. Eu sei o que eu tenho que fazer. Eu vou voltar.

Voltar para o clã.

Antes eu buscava a verdade. Agora eu busco justiça.

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Apenas quando eu a encontrar, quando o traidor for revelado e

punido pelo que ele fez com o pai, eu posso me curar. Então eu serei livre.

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Pouco foi dito desde o meu retorno para a van com Will. Todos nós

nos sentamos em estado de choque na traseira, expressões dormentes em

nossos rostos. Meu estômago revira doentio. Primeiro, o encontro com os

caçadores, depois a descoberta de que Miram é uma bomba-relógio, e depois

as notícias sobre Papai. O que vem agora? Eu sinto a van estremecer a uma

parada como se também estivesse esgotada.

Nós finalmente chegamos à parada de caminhões onde deixamos o

Land Rover de Will. É aqui onde Will e Tamra e eu devemos nos despedir de

Cassian e Miram. É quando eu finalmente vou deixar o clã para trás.

Só que eu não posso fazer isso.

Eu já deveria saber que agora nada é tão simples como eu esperava.

Mesmo que eu não soubesse a verdade sobre Papai, ainda há Miram. Algo

tem que ser feito sobre seu implante de rastreamento. Embora ela seja filha de

Severin, e ainda trabalhou para ele, espionando a mim, eu não vou descontar

minha raiva nela.

Eu dou uma piscada dolorida. É isso nunca vai ficar mais fácil? Já não

é tão... difícil?

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Pulando pra fora, eu olho em volta para nossa nova vizinhança.

Estamos estacionados atrás de um posto de gasolina abandonado, o que nos

impede nossa visão da estrada e os carros que passam rapidamente. Eu mudo

minha posição. Asfalto solto desmorona sob os meus sapatos, ervas daninhas

crescem entre as rachaduras irregulares. O Land Rover de Will está ali perto,

bem onde o deixamos.

As portas da van permanecem abertas, mas Deghan fica escondido

dentro dela. Tamra emerge, mas paira perto das portas, com o corpo

inclinado para o maciço draki cinza, cujos olhos nunca a deixam. Uma ligação

estranha e silenciosa se formou entre eles desde o nosso encontro com os

caçadores. É como se eles estivessem ligados por algum cordão invisível.

Reviro os olhos. Agora não é o momento para Tamra desenvolver

algum tipo de paixão adolescente e boba por um draki que não pode nem

mesmo acessar o seu lado mais humano. Isso me parece especialmente

irônico já que não faz muito tempo que Tamra era incapaz de acessar seu

próprio draki.

— E agora? — Ela me pergunta, quando seu olhar se desvia em

direção a Deghan.

Eu olho para ele incisivamente. — Ele tem que ir para o clã. Como

disse Cassian.

Os lábios de Tamra se achatam em uma linha fina. Eu conheço bem

suas expressões. Ela está ainda mais ligada a Deghan do que eu tinha

percebido, se a ideia de deixá-lo a incomoda tanto. Ela parece a ponto de

dizer algo quando Will fala.

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— Bem, — Will anuncia. — Eu acho que isso é um adeus. — Nada

pode esconder a luz de seus olhos ansiosos. Ele esperou muito tempo para

isso. Nós dois esperamos.

Mas eu não posso ignorar a pequena chama bruxuleante de pânico

dentro do meu peito. É isso. Eu tenho que romper com ele agora.

— Acho que sim. — Cassian acena bruscamente, revelando nenhum

arrependimento em se despedir de nós. De mim. Mas eu sinto isso de

qualquer maneira – um ardor queima por trás de meus olhos. — Nós vamos

levar a van. Os caçadores não devem se lembrar dela, graças a Tamra.

Graças a Tamra os caçadores não devem se lembrar de nós. Ponto final.

Eu olho para Miram. Ela se afastou um pouco do resto de nós. Ela

abraça a si mesma e olha para a linha das árvores distantes, e me pergunto no

que estão seus pensamentos.

A voz de Will vem do meu lado. — Pronta?

Virando-me, eu encontro seu olhar e o encaro por um longo tempo.

Tempo suficiente para ele saber que tem algo errado, tempo suficiente para

uma cautela cair sobre seu rosto.

Seus olhos se afiam. — Jacinda?

Eu dou de ombros debilmente, e ergo uma mão em súplica, desejando

que ele entenda o que eu estou dizendo. E tudo que eu vejo nesse momento é

o anel de plástico roxo no meu dedo. Ele zomba de mim quando as palavras

se derramam dos meus lábios: — Não podemos deixá-los voltarem sozinhos.

Cassian ainda não está cem por cento. E se eles forem perseguidos por

caçadores antes de chegarem ao clã?

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E há mais. Mais, que eu não posso admitir em voz alta. Eu quero

vingar meu pai. Eu quero que todos saibam o que aconteceu com ele. Eu

quero que o assassino do meu pai seja levado à justiça. Minhas mãos se

enrolam firmemente em meus lados, abrindo e fechando. Cassian me lança

um olhar curioso e eu forço minhas mãos a pararem.

Como a primeira draki a entrar numa fortaleza enkros, eu vou ter

credibilidade. Ajudei a resgatar Miram... e outro draki – uma testemunha da

morte do meu pai. Deghan é toda a prova de que eu preciso. O clã vai ouvir e

depois será a vez de Severin ser julgado na frente de todos – exposto por seus

crimes. Meu pulso se agita em antecipação com a perspectiva.

Cassian fica entre mim e Will, seus olhos de repente brilhantes. Eu

sinto sua esperança. Incha por mim em uma vertiginosa e borbulhante

corrida.

— Venha comigo, Will. Veja isso através de mim. — Eu o observo. Eu

espero, sem fôlego, meu peito insuportavelmente apertado com a noção de

que ele vai recusar. Que ele não vai querer vir comigo. Que ele vai ouvir as

minhas palavras e se afastar de mim. Meu polegar rola a banda do anel de

plástico. — Eu sei que é pedir muito... — eu baixo o meu olhar para as

minhas mãos. — Eu entendo se você não puder vir comigo... — Mas isso vai

partir meu coração.

Ele sai irritado, sem uma palavra. Algo dentro de mim estremece

enquanto eu assisto sua retirada. Ele não se move para a van, em vez disso

caminha para o edifício em ruínas. Eu olho para todos rapidamente e sigo,

correndo atrás dele. — Will! Will, espere!

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Ele contorna a lateral do edifício. Quando ele passa por uma antiga

máquina de venda, ele se vira e manda o seu punho na velha frente de

plástico manchado. O plástico amarelado estilhaça em pequenos pedaços por

toda parte.

Eu paro, ofegando, menos pela corrida curta e mais pela minha

ansiedade em chegar a ele. Ele aperta as duas mãos em cada lado da máquina

antiga com a cabeça baixa, os músculos do pescoço esticados pela tensão.

Molho meus lábios e olho atrás de mim para garantir que ninguém

tenha nos seguido. — Will? — Eu nunca o vi com esta raiva... tão sem

controle. Eu não sei o que dizer. — Você está bem?

Ele olha para cima rapidamente, alcançando-me com os olhos

brilhantes de fúria. — Se eu estou bem?

Eu resisto à tentação de recuar, em vez disso, eu apenas concordo.

— Você está brincando? — O som da sua voz me corta. Ele não é o

Will que conheço tão bem. A poeira se agita a meus pés, enrolando tufos de

terra, e eu sei que ele o está fazendo, a sua ira afeta o próprio terreno onde se

sustenta. — Eu estou começando a achar que nunca vamos estar juntos,

Jacinda.

— Não diga isso.

Ele acena uma mão. — Você não quer deixar qualquer um ir. Nem

mesmo por mim.

— Isso não é verdade.

— Não, — ele angula sua cabeça enquanto me estuda. — Você pode

me dizer se algum dia será capaz de desistir? Do clã? De Cassian?

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— Sim, — eu digo feliz em saber que minha voz é forte e constante. —

Eu vou. Nós apenas temos que fazer essa única coisa –

— Voltar para o clã não é pouca coisa. Especialmente para você. — Ele

engole e vejo as cordas de sua garganta funcionar. — E para mim.

Eu expiro e concordo, um sentimento de naufrágio começando no meu

estômago. Eu estou pedindo muito. Muito mesmo. — Eu não posso esperar

isso de você. Você está certo. — Eu mordo meu lábio, devastada por dentro

com o que isso significa. — Nesse momento, Corbin deve ter contado a eles

tudo sobre você.

Um silêncio toma conta dele. — Então o que você está dizendo?

O que estou dizendo?

Eu engulo. — Nós podemos nos separar. Temporariamente, é claro, —

eu digo rapidamente. — Vamos nos encontrar mais tarde –

Ele ganha vida novamente. Suas mãos fecham em torno de meus

braços. — Não. De novo, não. Eu não vou deixar você de novo, Jacinda. Não

enfrentará isso sozinha.

O alívio ondula por de mim. Mas eu o afasto.

— Não, você está certo, — eu digo determinada a mantê-lo seguro,

mas não menos determinada a levar isso a cabo e obter justiça. — O risco

para você é muito grande –

Ele balança a cabeça ferozmente, com os olhos brilhando. — Nós

faremos isso. — Ele desliza a mão ao longo do meu rosto, a palma da mão

colocada em minha bochecha. — E então nós veremos se você virá com outra

razão para nos impedir de estarmos juntos. Então, eu vou saber.

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Eu balancei minha cabeça. — Não é assim –

— Sério? Não é? Você não se sente vinculada ao clã? A Cassian? — Ele

segura meu olhar, sem piscar.

O silêncio se estica. Molho meus lábios. — Não é por isso que...

— Então o que é? —, pergunta ele, seus olhos suaves e derretidos

quando mergulham em mim. O apelo não é algo que eu possa negar. Incapaz

de parar, eu me inclino em sua mão, me deleitando com a sensação de sua

pele contra a minha, o arranhar de seus calos na curva do meu rosto.

— Meu pai –, eu paro com o olhar em seus olhos aguçados com a

compreensão.

Minha voz cai em um sussurro, fervoroso e apressado. A dor da morte

de meu pai, sua traição, apunhala através de mim novamente com uma

ferocidade súbita. Duvido que isso algum dia vá acabar. Sempre estará lá,

pronto para me cumprimentar, a primeira coisa a cada manhã. Mas se eu

puder alcançar alguma desforra, talvez isso suavize as bordas da dor, torne-a

mais controlável. — Eu não posso ignorar isso ainda.

— Será que você vai, Jacinda? E se você não obtiver a justiça que você

quer? Por quanto tempo podemos fazer isso? Por quanto tempo vamos nos

manter nos arrastando de volta para a teia de uma vida que você quer

reivindicar, sem chegarmos à parte alguma?

— Eu tenho que tentar. Eu vou te dizer quando isso acabar. — Eu

gostaria de poder lhe dar uma resposta menos imperfeita do que essa, mas é

muito complicado para qualquer outra coisa.

— Você vai me dizer? — Ele arqueia a sobrancelha.

— Sim. — Eu prendo a respiração, incerta de sua resposta.

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Ele sorri então. Um sorriso autodepreciativo, um pouco torto, que faz

com que a minha barriga trema. — Ok, Jacinda. Estou dentro.

Ele pega a minha mão e me puxa junto dele. Algo se solta e vibra

dentro de mim. Eu tenho certeza de uma forma que eu nunca senti antes. Eu

sei que estou onde eu deveria estar. Para todo o sempre. Se eu viver entre o

clã – um novo clã, mudado para melhor, uma vez que Severin seja deposto,

ou no mundo humano – ou talvez de alguma forma, abrangendo ambos os

mundos, eu estou destinada a estar com Will. Nós. Isso é o que eu tenho

lutado para ter... e em algum momento ao longo do caminho, eu esqueci

disso, muito ocupada lutando por outras coisas: minha draki, Mamãe, Tamra,

Papai, Miram.

— Combinado? — Ele para antes de rodearmos o edifício, seu olhar

avelã preso em mim.

Concordo com a cabeça. E eu percebo que estou mais forte e ao mesmo

tempo mais fraca com ele. E eu acho que é amor. Quando você está mais

vulnerável.

— Eu te amo, — eu digo de repente.

Ele pisca como se as palavras o surpreendessem. Eu não tinha dito isso

para ele antes? Eu pensei que tivesse... lá em Chaparral, quando eu tive que

deixá-lo. Mas eu estava em forma draki então. Ele não poderia ter entendido.

Tomando seu rosto em minhas mãos, eu estou na ponta dos pés. — Eu te

amo, — eu repito antes de pressionar minha boca na dele, beijando-o longa e

lentamente.

Ele hesita apenas um momento antes de puxar-me mais perto, mais

apertada contra ele. Desespero queima entre nós. Suas mãos se movem do

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meu cabelo, aos meus braços, e minhas costas. Vagando, me tocando em

todos os lugares. Como se eu pudesse desaparecer dele no flash de um

segundo. Ele me gira e pressiona minhas costas contra a parede de tijolos. Sua

boca, minha boca... não há distinção...

Há somente necessidade.

Ele se afasta, seu hálito inconstante e quente soprando em meu

ouvido, me excitando e deixando meu pulso mais rápido. Sua voz profunda

enche meu ouvido. — É melhor a gente se apressar.

Relutante, eu concordo e dou um passo para trás.

Ele olha por cima do ombro, como se pudesse ver os outros pela

esquina. — Com esse dispositivo de localização em Miram, os caçadores

estarão vindo. É só uma questão de tempo.

É só uma questão de tempo.

— É. É claro. — Virando-me, eu lidero o caminho de volta para a van,

ainda segurando a mão de Will e tentando sacudir a centelha de inquietação

em meu coração, de que isso possa ser um erro. Eu tenho que acreditar que o

retorno para o clã com Will ao meu lado é a coisa certa a fazer. A escolha

certa.

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De volta em casa, na montanha, no chão que eu conheço tão bem, eu

me sinto restaurada, animada. Uma névoa fraca se espalha sobre a grama

exuberante que roça minhas pernas enquanto andamos por uma folhagem

espessa onde não existe trilha. Cassian é o único que pode conhecer essa

montanha melhor do que eu. Nós seguimos com cuidado. Além de nossos

companheiros draki, que poderiam estar escondidos entre as árvores,

tentando decidir o que fazer com o nosso grupo heterogêneo, os caçadores

podem não estar muito atrás de nós. Cassian lidera o caminho, seu andar um

pouco mais animado, seus ferimentos menos evidentes, e eu suspeito que só

estar de volta aqui, o tenha rejuvenescido também.

Nós seguimos enquanto ele nos guia para algum lugar para

esperarmos – igualmente escondidos dos caçadores e do clã – enquanto ele

fala com seu pai. Pelo menos esse é o plano pelo qual nos decidimos. Temos

de lidar com a questão de Miram primeiro. Minha vingança vai ter que

esperar até que o perigo acabe.

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Deixamos os veículos na base da montanha. Will se mantém tenso,

vigilante. — Tamra, — eu digo somente para os ouvidos dela enquanto

caminhamos lado a lado. — Eu ainda estou deixando o clã.

Eu não sei por que me sinto obrigada a dizer-lhe isso. Como se ela,

assim como Will, pudesse duvidar da minha capacidade de cortar os laços

com o clã. Como com ele, espero corrigi-la de que equívoco.

— Você acha? — Um sorriso se forma em sua boca. — Eu me lembro

de você dizendo isso antes.

— Nós vamos consertar as coisas com Miram, acertar as contas para

nosso pai, e então eu vou embora. Nós vamos começar de novo e

encontraremos a nossa mãe assim como nós –

— Eu não vou.

Eu paro para olhar para ela. Só que ela continua andando, então eu

tenho que correr para alcançá-la, enviando olhares cautelosos sobre meu

ombro para os outros que nos seguem. Quase como se eu estivesse com medo

de que a tenham ouvido fazer este anúncio.

— E os nossos planos? E sobre a mamãe?

— Mudança de planos, Jacinda. Além disso, eu nunca tive muito

tempo para pensar sobre isso. Era o seu plano. Não o meu. Eu estava tão

irritada com o vínculo entre você e Cassian que eu não estava vendo as coisas

com clareza.

— É isso mesmo. Você estava louca, — eu lembrei, — com a minha

ligação forçada. Com o clã ter banido a Mamãe. Por que você quer ficar aqui?

— Porque eles precisam de mim. Nem todo mundo é Severin. Eu não

quero desistir do clã inteiro só por causa dele. Ele pode ser removido. Ele

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será. Cassian ou outra pessoa pode assumir. É hora de uma nova liderança, e

eu quero estar aqui para ajudar com isso. Eu preciso estar. Eu posso ser útil e

fazer algo de bom.

Ela faria grandes coisas. Ela é sábia e sensata... vê as coisas de todos os

ângulos. E eles vão aceitá-la de volta de braços abertos. Sem perguntas.

Minha respiração cai rasa. Deixar o clã para sempre pode se traduzir em uma

perda maior, eu jamais imaginei que isso significaria perder a minha irmã.

Houve consolo em saber que ela estava vindo comigo. Mas eu terei Will.

— Então você vai fazer isso para o clã? — Eu pergunto.

— É tão difícil de acreditar?

— Hum, na verdade. Sim. — Por anos ela odiou o clã – queria ser livre

dele para sempre. Eu era aquela que queria ficar. Então, ela se revela. Seu

olhar desliza levemente para longe, para o lado. Eu sigo os olhos para o

enorme draki cinza, ladeando o nosso grupo. Quando eu olho para trás, ela

está virada para frente de novo, tentando fingir que não entendi seu olhar

inconsciente. Mas é tarde demais. Eu vi. Eu já suspeitava que houvesse algo

entre os dois. O começo de algo, de qualquer maneira.

— Nós todos mudamos, — diz ela vagamente.

— Sim. Mudamos. — Eu acho que Tamra olhando para alguém além

de Cassian atesta isso. Ela está certa. Tudo muda... evolui. E eu sinto um

senso de antecipação através de mim, ansioso para o futuro que virá com

Will. Aconteça o que acontecer, eu sei que nós vamos estar juntos.

Eu recuo alguns passos, caminhando ao lado de Will. Ele olha para

mim e eu sorrio para ele, tão feliz, tão aliviada por tê-lo aqui comigo. Com

meu sorriso eu tento transmitir-lhe que isso não é para sempre, que nós

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vamos partir em breve. Eu não sou Tamra. O clã pode precisar dela, mas não

de mim. Eu não vou abandonar Will – ou a mim mesma.

Ele olha para mim particularmente atento, curioso.

— Este é o lugar, — Cassian anuncia quando entramos em uma

pequena clareira na floresta. Ele retira sua mochila e se coloca de frente para

uma parede de galhos emaranhados. Eu vejo como ele começa a removê-la,

galho por galho, jogando os ramos para o chão e revelando uma caverna

profunda.

Eu passo em frente e olho para dentro, surpresa ao encontrar um

esconderijo e suprimentos que já está lá. Eu olho para Cassian

interrogativamente. Ele dá de ombros. — Você nunca sabe. Melhor prevenir

do que remediar.

— Que lugar é esse? Será que o clã sabe sobre isso? Seu pai?

— Não. Só eu.

Olho de novo para os sacos de comida e diversos utensílios e

equipamentos, vendo-o pelo que ele é – um estoque. Eu não posso acreditar

que Cassian alguma vez pensou em tomar tais medidas. Se o clã estivesse em

alguma dificuldade ou perigo, eu só assumi que Cassian afundaria com ele,

em vez de fugir. É o que ele me levou a acreditar.

Olhando para os suprimentos, vejo até pedras preciosas. Não é apenas

um estoque de emergência. É tudo o que um draki iria querer se ele

precisasse fugir e começar de novo em outro lugar. Em algum lugar novo. Ele

termina de limpar a abertura e começa a verificar seus suprimentos, me

lançando olhares rápidos como ele trabalha, claramente sentindo a minha

perplexidade.

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— Você pensou em deixar o clã? — Eu luto com isso, tentando

conciliar o Cassian eu achava que conhecia com o Cassian que estava diante

de mim.

Ele sempre existiu pelo clã – fazendo o que era melhor para a

comunidade. Mas isso... meu olhar varre o esconderijo bem abastecido de

suprimentos. Ele me faz pensar se talvez Cassian não tivesse outros planos,

antes. Planos que não incluíam se tornar o futuro alfa do clã.

Cassian dá de ombros mais uma vez e isso me faz inclinar da confusão

à irritação. Ele é quem tem sido a minha consciência, a voz na minha cabeça

que fez com que eu me sentisse tão culpada por abandonar o clã nos últimos

meses. Ele é o único que me fez lembrar mais e mais que o clã é mais

importante do que qualquer um de nós. E aqui está ele... com um plano de

fuga em vigor. Eu o deixo sentir o meu aborrecimento por sua hipocrisia –

pela primeira vez desfrutando do fato de que ele pode sentir minhas

emoções.

Ele pisca e olha para longe, um rubor queimando sob sua pele morena.

Nós nos movemos para o abrigo da caverna. Deghan tem que abaixar

a cabeça para não colidir com o teto baixo. Dobrando as asas de couro

grandes perto de seu corpo, ele segue apertado a Tamra, juntando-se a ela

quando ela começa a olhar através do esconderijo de Cassian.

— Vocês devem ficar bem aqui até eu voltar.

Miram está centímetros mais perto de seu irmão. — Eu não quero que

você vá. Não me deixe.

Cassian lhe dá um abraço apertado. — Você vai ficar bem. Não deixe o

grupo. Eles podem protegê-la se você for rastreada.

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Ela choraminga um pouco e treme. — Eu estou com medo, Cassian.

Ele a abraça e, então meus aborrecimentos anteriores desaparecem. Eu

entendo o seu medo, sua necessidade de se agarrar a Cassian. Quando eu

estava sem amigos no clã, uma pária virtual, eu me agarrei a ele, também. Eu

me aproximei e toquei o braço de Miram, tentando lhe dar um conforto

adicional.

— Eu não posso levá-la para o clã. Você sabe disso. Eu prometo que

não vou demorar. Nós vamos solucionar isso e você estará de volta em sua

cama antes de você perceber. — Ele olha para mim e então acrescenta, —

Você pode confiar em Jacinda.

Ela considera por um momento e então concorda. Estranhamente,

suspeito que a minha ligação com o seu irmão a tranquiliza de alguma

maneira apesar de uma vez a ter incomodado.

Cassian tem que tirar os braços dela ao redor dele. Ele olha para ela e

para mim, para cada um de nós. — Eu não vou demorar, — ele repete e

depois mergulha para fora.

Os ramos farfalham quando ele os organiza de volta por cima da

entrada da caverna, encharcando-nos em uma escuridão sombria.

Will se agacha sobre o material e logo o brilho fraco de uma lanterna

elétrica permeia a caverna. Ele se levanta. A lâmpada lança a ele uma

misteriosa luz amarela. — Alguém deve ficar de guarda do lado de fora. Eu

vou.

— Você tem certeza de que é uma boa ideia? — Tudo o que posso

pensar é alguém do clã encontrando ele. Corbin o encontrando. Estremeço,

pensando no primo de Cassian tentando terminar o que não conseguiu fazer

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antes – matando Will. Tão perigoso quanto para mim, é ainda mais para ele.

Meu estômago embrulha.

— Eu vou ter cuidado e ficar fora da vista, — ele me garantiu, mas eu

não estou convencida. Ele suspira com meu olhar sombrio. — Olha, alguém

tem de ficar de vigia. Nós não podemos deixar que fiquemos encurralados

dentro desta caverna.

Consciente da ameaça que ele enfrenta aqui, eu balanço minha cabeça,

com medo de deixá-lo ir sozinho.

— Ele está certo, Jacinda, — Tamra diz. Ela olha para Will. — Nós

vamos fazer turnos.

Deghan balança a cabeça, aparentemente concordando também. Ainda

assim, não consigo me livrar do meu medo. Eu sou o único que vê Will vagar

sozinho lá fora, no território draki, como uma má ideia?

— Eu vou com você.

— Você fica aqui. Você precisa do seu descanso. Você não é boa sem a

sua força. — Ele olha para Miram. — Se os caçadores aparecerem por ela,

você vai precisar defendê-la.

Cruzo os braços sobre o peito. Meu olhar deriva para Miram. Ela olha

para a lanterna, um olhar tão jovem, tão vulnerável. Tão sozinha, sem seu

irmão. Eu atrito minhas mãos para cima e para baixo em meus braços de

repente gelados e avanço em sua direção. — Tudo bem. Eu vou ficar.

Como Cassian, Will sai, abrindo caminho no meio dos galhos que

protegem a caverna. Ele cuidadosamente reposiciona os ramos atrás dele.

Tamra se abaixa, sentando-se ao lado de Deghan. Depois de um

momento, eu me sento ao lado de Miram, esperando que minha proximidade

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lhe dê algum conforto. Enquanto nos arrumamos, eu me pergunto como

Cassian vai explicar tudo para o clã – os enkros, eu, Will, Deghan. E Miram.

Eu fico mais impaciente pensando no quão perto eu estou do clã... e do

traidor responsável pela morte de meu pai. Mesmo sabendo que eu tenho que

ser paciente e esperar que as coisas sejam resolvidas com Miram, não me

acalmo. Sentada e esperando, gostaria de saber o que está por vir e se eu vou

estar pronta. Se qualquer um de nós vai.

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Estou rindo e correndo, a água do oceano respingando contra minhas

panturrilhas. Eu olho para trás. Mamãe e Papai andam de mãos dadas em um ritmo

mais lento, apenas satisfeitos com estas raras férias longe do clã. Tamra está se

aproximando, rápido nos meus calcanhares, mas eu sou mais rápida.

Formações rochosas pontilham a praia e se elevam sobre mim. Elas são coisas

bonitas e curiosas. Tamra me alcança e nós rimos, caindo uma contra a outra e

apontando para vários afloramentos, comentando as coisas bobas que eles lembram.

— Essa aqui parece um palhaço.

— Lá tem um coelho gigante – e essa se parece com o nariz do meu pai!

— Essa se parece com a Torre Eiffel.

— E essa se parece com uma palmeira, — diz Papai, apontando por cima do

meu ombro para a formação rochosa que é realmente aberta em seu topo e então se

estreita para baixo para uma forma fina, como um tronco.

— Ei, — Mamãe diz, procurando por sua câmera. —Vocês duas vão e fiquem

sob ela.

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Eu fico debaixo dela, olhando para o pedaço de pedra sobre a minha cabeça. Ele

envia um sussurro fraco através da minha alma, muito parecido com a terra lá de

casa.

O afloramento áspero marrom avermelhado me fascina, e minha mãe tem de

gritar meu nome para eu olhar para a câmera. Viro-me e sorrio, inclinando minha

cabeça para que ela se encoste a minha irmã.

Então Papai está lá, apertando um braço ao meu redor. Ele aponta para o

guarda-chuva de pedra acima de nós. — Uma palmeira, Jacinda. — Ele diz isso de

novo, sorrindo.

Concordo com a cabeça, sorrindo de volta. — Muito legal.

Todo o resto desaparece em seguida. Mamãe. Tamra. O som do mar. É apenas

Papai, com os olhos brilhando para mim. — Não, é uma palmeira, Jacinda...

Eu acordo com um suspiro, meu peito arfante, como se eu estivesse

numa corrida. A penumbra do ambiente me confunde. Eu não sei onde estou.

O ar é turvo, levemente tingido com um amarelo doentio. Sombras estranhas

dançam junto às paredes escuras, irregulares.

Então, tudo volta de volta rapidamente para mim.

Eu me esforço e identifico Miram enrolada de lado, em cima de seu

saco de dormir ao meu lado. Devemos ter adormecido enquanto

conversávamos. Eu queria animá-la, tirar sua mente de tudo isso.

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Quando minha visão se ajusta à escuridão da caverna, uma pontada

de decepção me enche. Eu ainda vejo Papai muito claramente, a imagem dele

clara e fresca. Quase como se eu não estivesse sonhando com um evento do

meu passado realmente, mas vivendo-o novamente.

De repente a minha garganta dói. Eu quase posso sentir o cheiro do

vento frio do mar. A voz do meu pai sussurra dentro de meus ouvidos.

Palmeira.

Meu coração salta no meu peito e meu pulso começa a martelar

furioso contra meu pescoço. Eu não preciso ver o pedaço de papel que minha

mãe deixou para mim para me lembrar das palavras rabiscadas nele.

Lembre-se da palmeira.

Na época, as palavras não tinham feito qualquer sentido para mim. Eu

confiei que ele viria para mim, que eu iria descobrir isso eventualmente. E

agora eu descobri.

Eu salto de pé, ansiosa para dar a notícia para Tamra. Eu sei onde

Mamãe está. Podemos ir encontrá-la! Então eu paro minha respiração

expulsando rapidamente quando eu lembro que eu não posso ir a qualquer

lugar. Ainda não. Estou aqui para obter justiça para Papai. Para ajudar

Miram. Por Cassian... o clã. Eu tenho um monte de coisas para corrigir antes

que eu esteja livre para encontrar Mamãe. Eu tomei essa decisão. Esta é a

realidade que eu escolhi – e para a qual eu arrastei Will comigo.

Tamra tinha escolhido algo diferente. Eu sei que é o direito dela... mas

talvez se nós tivermos um destino certo, a localização atual de Mamãe, ela

venha comigo.

Eu continuo a andar, ansiosa para contar a Tamra.

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Ela não está em lugar nenhum. Nem Deghan. Meu estômago afunda.

Não é difícil adivinhar que eles foram para algum lugar juntos.

— Tamra? — Pergunto, desejando saber quanto tempo eu dormi, há

quanto tempo ela se foi.

Eu ando mais fundo na caverna, onde o abajur está em seu ponto mais

fraco, mal esticando seu brilho pelo chão da caverna. De repente, a caverna se

divide se abre para uma sala maior, à esquerda e um espaço estreito mais

escuro, para a minha direita. Eu dou uma olhada para o túnel menor. O ar

parece mais frio nessa direção.

Eu olho para o espaço maior, para as sombras escancaradas lá. Algo se

move em toda a penumbra. Como a ondulação de um peixe contra águas

escuras. Eu aperto os olhos e chego mais perto, percebendo uma forma lá. Eu

aperto meus lábios, pronta para gritar –

Uma mão segura meu ombro. — Jacinda?

Eu grito e giro ao redor. Uma explosão de fogo irrompe de meus lábios

antes que eu veja quem está lá e consiga retrair o calor de volta para dentro.

Will está atrás de mim, jogando as mãos para trás no ar como se eu estivesse

apontando uma arma para ele.

— Desculpe, — eu suspiro.

— Ei. Não queria assustá-la. Só vim para trocar com um de vocês.

A luz do lampião faz uma auréola a sua volta, o brilho amarelo

dourando o cabelo castanho.

O frio da segunda caverna chega até mim, seu ar gelado me

envolvendo em seu abraço, esfriando o súbito brilho do calor em meu corpo.

Esfrego meus braços.

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— Desculpe, — eu repito. — Eu só estou nervosa. Eu não consigo

encontrar Tamra ou Deghan. — Eu mostro para trás de mim. — E eu pensei

que tinha visto alguma coisa lá dentro.

O olhar de Will se fixa além de meu ombro. Um olhar estranho vem

sobre o rosto. Sua testa se enruga. Ele dá um passo para frente que nos deixa

lado a lado.

— O que... — Sua voz se apaga quando eu giro em torno de volta, com

medo de um caçador se esconda lá – pronto para atacar – que eles tenham

nos encontrado e de alguma forma penetrado na caverna.

Não é nenhum caçador.

Um casal entra no limite da luz.

— Tamra? — Eu respiro, a questão clara em minha voz quando eu

olho para o menino ao lado dela. Menino? Ele está em torno de nossa idade.

Talvez mais. Mas tão grande que a sua cabeça quase raspa no teto da caverna.

Ele está vestindo uma calça jeans que eu reconheço como sendo de Cassian,

mas ela se encaixa confortavelmente em torno dele seus quadris e fica um

pouco curta. Mais uma prova de quão grande ele realmente é.

Meu olhar varre tudo nele. Todo o humano nele. Começando com o

cabelo loiro cinza que roça seus ombros, até seus pés descalços. Seus olhos

ainda possuem aquela selvageria, as pupilas ainda são fendas verticais que

revelam a sua natureza selvagem.

Eu tento falar, tento expressar minha perplexidade. — Como?

Tamra sorri. É um sorriso que eu nunca vi nela antes. É reservado e

vago, mas cheio de felicidade. — Deghan está trabalhando nisso.

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Deghan concorda. — E Tamra ajudou-me a passar por isso. Ainda me

sinto um pouco artificial, — diz ele, e é quando percebo o seu sotaque. Ele

parece... irlandês?

De onde exatamente ele e seu clã vêm? Um lado de sua boca se inclina

numa espécie de sorriso. — Espero que eu possa manter o controle de mim

mesmo.

— Você pode fazer isso. — Tamra concorda, cheia de brilho e

otimismo. Não a vejo assim desde Chaparral. Borbulhando com esperança de

que o mundo é de repente certo.

E ele seria a causa dessa mudança? Eu não sei se me aproximava para

abraçá-lo ou socá-lo. Medo de que Tamra vá acabar ferida ou decepcionada

novamente me consome. Ela já passou por muito disso. Anos disso. Mas a

ideia de que ela poderia encontrar a felicidade com ele... seria melhor que

ótimo.

Eles estão tão perto um do outro, e então eu percebo que eles estão de

mãos dadas, os dedos intimamente atados. E ocorre-me que o que eu acho

não importa. Tamra já está conectada a ele. Eu não posso influenciar o que

será ou não será. Eu posso apenas esperar o melhor.

Deghan acena para Will. — Acho que vou dar uma volta agora. Deixar

que você descanse um pouco.

— Eu vou com você, — Tamra rapidamente se oferece. Para meu olhar

arqueado, ela acrescenta, — Eu conheço a área.

Eu os assisto saírem, ainda segurando a mão um do outro. — Ei, —

Will diz uma vez que estamos sozinhos, mas o que ele está realmente

dizendo – o que ele está realmente perguntando – é se eu estou bem.

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Eu passo a mão para baixo em meu rosto. — Eu acho que eu

suspeitava que isso fosse acontecer, mas ainda...

— Eles talvez mereçam um ao outro.

— Como assim? — Eu pergunto.

Ele levanta um ombro misterioso, se encolhendo. — Ela é nova sendo

uma draki... e de algum jeito, ele é novo em ser humano. Talvez eles possam

apoiar um ao outro.

Eu inclino minha cabeça. — Eu nunca pensei nisso dessa forma.

— Denominador comum, você poderia dizer.

Eu sorrio para ele. — Você é um cara inteligente, Will Rutledge.

— Eu já tinha dito isso antes.

O sorriso se vai de meus lábios, porque o súbito pensamento me

atinge. Inteligente demais para mim. Para isso. Muito inteligente para estar aqui se

envolvendo na bagunça que é o meu mundo.

— Por que é que você está aqui comigo? — As palavras voam para

fora antes que eu possa pará-las. Honestamente, a última coisa que eu quero

para afastá-lo.

— Isso não é óbvio?

Eu balancei minha cabeça. Eu tenho que ser justa com ele. Isso é amor,

não é? Fazer o que é certo o que é melhor, mesmo quando isso dói? Eu não

posso ser egoísta e mantê-lo comigo quando é apenas estúpido e perigoso

para ele estar aqui. E eu vejo isso agora. Eu não via antes, mas agora o meu

medo por ele... os riscos que ele está correndo por estar aqui me consomem.

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Eu inspiro, enchendo meus pulmões e solto as palavras em uma

respiração pesada. — Se você fosse esperto você se afastaria de mim e nunca

olharia para trás.

Ele bufa. — E voltar para o meu pai? Isso meio que joga fora a sua

teoria de que eu sou inteligente.

— Você tem a sua avó. — Ele me contou tudo sobre a mãe de sua mãe

em Big Sur. O fato de que ela nunca se deu bem com o pai de Will é

praticamente tudo o que eu preciso saber para gostar dela. — Ela receberia

você. — Amaria a ele. Apoiaria em tudo o que ele quisesse fazer. Ao contrário

de seu pai.

Ele acena com a cabeça devagar. — Você está tentando me convencer a

deixá-la? Você quer que eu vá? É isso? Porque você pode só dizer isso. Você

não tem que jogar comigo, Jacinda.

— Eu não estou jogando com você. Eu nunca faria – é... complicado.

— E não tem sido desde o início?

Eu estremeço. Ele está certo sobre isso. — É que nada disso é justo com

você. Eu não sou justa com você. Eu tenho tudo isso — eu aceno meus braços

— coisas horríveis acontecendo e eu continuo esperando que você passe por

isso.

Ele fica quieto por um momento. Eu desesperadamente desejo que eu

possa ver seu rosto na escuridão. — Então essa é a sua consciência falando?

Garantindo que eu entenda o risco que eu estou correndo por estar aqui?

Acredite em mim, eu entendo. Não é algo que eu possa esquecer. Assim

como eu não vou esquecer o risco que você correu por mim. Você lembra? —

Seus olhos brilham através da escuridão. — Você se lembra de mergulhar

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daquele penhasco atrás de mim? Lembra de se manifestar na frente de

alguém que sabia ser um inimigo? Eu nunca vou esquecer. Foi corajoso e

estúpido e altruísta. Então, se eu quiser ser corajoso e estúpido e altruísta por

você, então me deixe ser.

Nós estamos de igual para igual. Água escorre de algum lugar na

caverna escura. Um som rítmico distante que aumenta o silêncio repentino.

Eu não tenho certeza de quem se move primeiro. Eu ou Will. Eu só sei

que estamos nos braços um do outro. Suas mãos estão no meu cabelo, na

minha cintura, me pressionando contra ele, segurando-me com tanta força

que eu mal posso até mesmo respirar. Uma coisa boa, porque os meus

membros parecem moles, não mais firme do que geleia. Tenho certeza que se

ele me soltasse eu deslizaria para o chão da caverna em uma poça derretida.

Ainda agarrados um ao outro, ele leva mais fundo na caverna. É um

pouco mais frio, o ar é mais úmido e pegajoso agora.

E então eu não posso mais pensar. Apenas sentir. Saborear o arrastar

da boca de Will no meu pescoço. Suas mãos na minha pele. Seus dedos roçam

o pulso irregular na minha garganta e eu ronrono, arqueando contra a parede

quente do seu peito, puxando-o ainda mais.

Sua boca volta à minha, o beijo mais forte, com fome. A pele sensível

de meus lábios se aquece e formiga. Meu corpo inteiro excitado, a

queimadura familiar acendendo no meu interior apesar do frio da parede da

caverna.

Will geme, aprofundando o beijo. Uma de suas mãos desliza em torno

de minha cabeça, inclinando meu rosto mais perto. Sua outra mão desliza

para baixo no comprimento do meu pescoço. Seu polegar roça novamente

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meu pulso que martela e eu estremeço, colocando uma mão sobre o plano de

seu rosto, saboreando o raspar de seu maxilar eriçado sob meus dedos. Eu

saboreio tudo. A pressão dele sobre mim, a fusão quente de nossas bocas, a

forma como as suas mãos se movem sobre mim, sempre tocando, me

acariciando como se eu fosse algo especial.

Um estalo agudo divide o ar, como metal no osso.

De repente, os lábios de Will se foram, arrancados dos meus. Todo ele

desaparece de mim, deixando-me sozinha e tremendo, braços vazios,

doloridos, mãos se esticando para ele no escuro.

Eu o ouço cair com um baque. Confusa, eu agacho, batendo no chão,

procurando por ele no escuro enjoativo. — Will!

Eu começo a tatear. Eu toco suas costas, o algodão de sua camiseta frio

sob meus dedos. — Will! — Eu o sacudo levemente, passando minha outra

mão sobre o seu corpo, sentindo uma lesão. — Você se machucou? O que

aconteceu?

Nada. Ele não se move. Não emite um som.

Eu congelo de repente ciente de que eu não estou sozinha. Minha

carne se aquece em advertência. Sinto outra respiração através do ar. Tão

perto que quase imagino que levanta os fios de cabelo perto do meu rosto.

Minha pele se contrai e salto quando a voz se revela pra mim, saindo

da escuridão.

Eu balanço em sua direção. A luz na extremidade do túnel desenha

seu corpo. — Olá, Jacinda.

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Eu sinto a amplitude dele ao meu redor. Um draki, completamente

manifestado, suas imensas asas se estendendo em seu corpo como um

desafio, como se ele pudesse voar aqui mesmo nesta caverna onde o céu é

uma coisa morta, inexistente.

Eu levanto em minhas pernas bambas e começo a cambalear para

longe, mas em seguida, percebo que isso deixa Will caído indefeso entre nós.

Eu paro – dou um passo sobre Will, trazendo-me mais perto do que eu queria

estar dele – mas não tenho escolha. O nome treme por meus lábios. —

Corbin?

— Saudades de mim?

Eu olho para baixo, para o escuro em redemoinho abaixo de mim,

onde eu sei que Will está deitado. — O que você fez com ele?

— Só o acertei com uma pedra. Forte.

— Você poderia ter matado ele! — Eu caio de joelhos novamente.

Meus dedos gentilmente movem a sua cabeça, localizando o corte sangrento

lá.

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Tudo dentro de mim se desintegra e desaba com a possibilidade de

que Will poderia estar mais do que ferido. Minha voz treme, — Nós

precisamos levá-lo a um hospital.

Com essa sugestão, Corbin ri amargamente. — Você acha que eu dou a

mínima para a vida dele? Ele não é apenas um ser humano, mas um caçador.

Um caçador que tentou me matar. Que levou você.

Eu encaro a sombra dele. — O que você quer?

— Cassian está ocupado agora falando com Severin e os anciãos,

defendendo o seu caso. — Eu não preciso de luz para saber que seu lábio se

curva com um sorriso de escárnio. Eu posso ouvir o desprezo em sua voz. —

Ele se recusa a abrir mão de sua localização até que lhe prometam que não

vão machucar nenhum de vocês. — Corbin ri então, um som baixo, escuro,

que parece se enrolar ameaçadoramente em torno de mim. — Eu não preciso

que Cassian me diga onde escondeu você. Eu não tenho sido parte do clã por

todo esse tempo, vendo cada movimento de meu primo, para não saber sobre

este lugar. Seu pequeno santuário. Agora, onde está Miram? E Tamra? Estou

levando todas três de volta.

— Eu não sei onde elas estão, — eu minto, sabendo que ele não vai

ouvir o porquê de Miram não poder ser trazida para o clã ainda. Ele

claramente não estava prestando atenção quando Cassian explicou a situação,

então por que ele acreditaria em mim?

— O que quer dizer com você não –?

— Miram fugiu. Tamra foi atrás dela.

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Ele pega no meu braço e me puxa para os meus pés. — Você está

mentindo. Por que você ainda está vadiando por aqui, então? Por que você

não foi com Tamra?

— Alguém precisava esperar por Cassian.

— Por que Miram fugiu? — Suas palavras socam o ar, testando a

minha história.

Vapor incha do meu nariz. — Ela ficou brava que Cassian a deixou.

Ela se foi... provavelmente voltou para o clã. — Uma esperança desesperada

queima por mim quando ele não se incomoda em verificar a minha história

por ele mesmo ou que, se ele faz, Miram tem o sentido de usar seu talento e

se misturar nas paredes da caverna. O silêncio aumenta e eu sei que ele está

pensando, pesando minhas palavras.

Cinza quente se reúne na parte de trás da minha garganta, e eu sei que

eu preciso forçar seus pensamentos para longe de Miram. — Mas eu não vou

a lugar nenhum com você. — Eu liberto meu braço de suas garras.

Ele me agarra novamente. — Achei que você poderia dificultar as

coisas. É por isso que eu trouxe isso.

Alguma coisa brilha na penumbra.

— O que é – eu retruco de volta a pergunta enquanto eu pego o flash

de uma lâmina.

Corbin se agacha e puxa Will pela parte de trás do seu cabelo, a lâmina

pronta em sua garganta. Claro que não significaria nada para ele acabar com

a vida de Will.

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— Vá em frente, — ele provoca, com os olhos brilhando no escuro. —

Queime-me, Jacinda. Mas eu vou ter a certeza de cortar a garganta dele

primeiro.

— Corbin, — eu sussurro rouca, — você não é assim. — Mas mesmo

que eu diga isso, eu percebo que é apenas um desejo, uma esperança. Até eu

sei que Corbin é cruel o suficiente para matar alguém que ele vê como um

inimigo do clã, alguém que o impeça de conseguir o que quer.

— Tudo bem. — Eu levanto, recuando. — Não o machuque e eu vou

com você. — Talvez Tamra e Deghan encontrem Will e cuidem dele. É tudo

que eu posso esperar... a única coisa que posso fazer agora.

— É bom ver você usar a cabeça. Agora, ande na minha frente. Para lá.

— Ele faz um gesto para o túnel estreito. Deve haver um caminho de volta

para fora da caverna, que explica como ele se esgueirou até nós. Isso também

explica o ar fresco que senti antes.

Eu marcho na frente dele, meus olhos se ajustando à escuridão

implacável. Minha mão desliza na parede fria e úmida quando eu passo,

Corbin logo atrás, cutucando minhas costas com a ponta de sua lâmina se os

meus passos ficam muito lentos.

Ele me dá uma estocada particularmente acentuada na coluna

vertebral e o sangue quente ensopa a minha camisa, deslizando para a

minhas costas. Eu olho fixamente por cima do meu ombro para a vaga forma

dele.

— Você sabe que não vai ter sempre essa faca.

— Eu acho que posso lidar com você sem ela, Jacinda.

Eu faço um som, parte rosnado, parte um ronco de dúvida.

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— O problema é que você é muito mole. Você se importa muito com

os outros. Isso será sempre a sua queda... e como eu posso chegar até você.

Eu ando em frente às cegas, as lágrimas em meus olhos cada vez mais

difusas. Eu não posso nem absorver o que ele está dizendo para mim. Só

posso pensar em Will deitado lá na caverna, desamparado e sangrando.

— Acelere. Eu não posso esperar para aparecer com você. Talvez então

eles parem de ouvir Cassian e me retribuam com um pouco de respeito.

— Ele é seu primo, — eu acuso. — Por que você age como se ele fosse

seu inimigo?

— Porque, embora ele possa ser o próximo na linha de sucessão, eu

sou o único que merece isso. O que tem feito Cassian além de ter nascido

filho de Severin? Nada. Eu seria um alfa melhor do que ele. Ele se importa

muito. Assim como você. Isso afeta seu julgamento. Eu faria o que é certo

para o clã, sem emoções, sem perguntas.

— Eu aposto que você faria, — eu resmungo.

A luz emerge em frente, cada vez mais brilhante e maior à medida que

avançamos. Eu abaixo minha cabeça e saio para um matagal pesado. Árvores

e arbustos arranham-nos por todos os lados. Nós atacamos nossa passagem

através deles, nos apertando ao longo do caminho estreito que Corbin usou

para chegar à caverna.

Piscando os olhos para me ajustar, eu vejo que a luz não é tão brilhante

como eu pensava. O anoitecer já caiu. Minúsculas partículas de poeira

dançam nos sombrios raios amarelos. Ele me cutuca para continuar.

— O que você acha que vai acontecer, Corbin? Você só vai para

mostrar-se comigo e eles vão –

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— Eles vão ver que eu faço as coisas. Quando algo precisa acontecer eu

faço isso acontecer. Depois que eu entregar você, eu vou encontrar Miram e

Tamra, também.

Eu olho por cima do ombro. A luz fraca atinge seu rosto e seu fervor

está preso lá, brilhante e intenso em seus olhos negros purpúreos. Seus olhos

não são nada como os de Cassian. Há algo morto lá, insensível. Algo

desesperado e feio.

— Você não entende o que está acontecendo. — Eu aponto de volta

para a caverna. — Se você apenas tivesse ouvido Cassian –

— Eu não tenho nenhum desejo de ouvir Cassian.

— É sobre Miram. Algo aconteceu com ela –

— Poupe-me. Você não espera que eu acredite que você realmente se

preocupa com Miram.

— Eu espero que você se importe com ela – e com a segurança do clã.

Se você realmente pensa que é material de liderança e quer o melhor para o

clã você me ouviria.

— Basta! — Ele me força a me virar e empurra seu rosto perto do meu.

A faca me espeta nas costelas.

Eu olho para baixo, e então me volto para ele, sentindo uma fria calma.

— Você está totalmente louco, — eu sussurro.

— Eu já tive o suficiente de nunca ser ouvido. De ninguém escutando.

Ninguém se importando. Especialmente você. Você andou pelo clã por anos

torcendo o nariz para mim. — Ele sorri lentamente. — Bem, eu tenho sua

atenção agora, não é?

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— Sua faca tem, — eu respondo incapaz de não manter o tom

desafiador em minha voz, mesmo com uma arma apontada para mim.

— Dá no mesmo. Agora, vire-se.

— Você acha que seu tio vai aprovar se você me machucar?

— Você faz o que eu digo, e não vai chegar a esse ponto. Além disso,

meu tio já está cheio de você. — Ele inclina sua cabeça. As finas pupilas

verticais de seus olhos tremem. — Se eu me livrar de você ele poderia até me

agradecer.

Um azedo sabor metálico reveste minha boca. Lembro-me que isso

poderia muito bem ser verdade. Afinal, Severin já estava corrompido o

suficiente para matar um dos nossos. Talvez ele feche os olhos, se Corbin me

fizer mal.

Eu permito que Corbin me coloque em movimento novamente. Eu

logo reconheço a área. As árvores pulsantes, o vento sussurrando. Apenas

alguns quilômetros e nós vamos chegar ao clã. Eu não posso deixar que ele

me leve como uma espécie de prisioneira. Eu tive o suficiente desse papel

para uma vida inteira. E a minha aparição pode interromper qualquer

fundamento que Cassian tenha feito com Severin. Eu não posso correr esse

risco.

E há Will. Eu tenho que voltar para ele. Eu fecho meus olhos em um

piscar dolorido, pensando nele deitado, machucado e sozinho. O que vai

acontecer com ele se Corbin informar a todos que ele deixou um caçador

inconsciente no chão da caverna? Eu não posso deixá-los encontrá-lo assim –

indefeso. Presa fácil.

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Cassian. Eu sussurro seu nome dentro de mim. Deixo-o flutuar através

de mim como uma brisa familiar. Corbin me pegou. Estamos chegando. Eu sei

que ele não pode ler o meu pensamento, mas espero que ele entenda o

suficiente em minhas emoções. Eu aguardo, sondando dentro de mim,

tentando encontrar Cassian lá. Ele deve estar demasiado preocupado lidando

com seu pai. Eu não tenho nada além de um leve zumbido dele. Apenas o

suficiente para me deixar saber que ele está lá e tudo bem.

Eu examino as árvores familiares, meus ouvidos filtrando, ouvindo

qualquer coisa fora do comum na luz que está desaparecendo. Algo em que

eu possa me agarrar como uma distração.

Nada. Terrivelmente, aceito que vou ter que inventar a minha própria,

ao invés.

Satisfeito com a densidade das árvores à minha direita, eu paro. — O

que é isso?

— Continue andando.

Eu ignoro seu empurrão. — Não. Ouça.

— Eu não ouvi nada.

Eu me viro para encará-lo. — Cale a boca então e ouça a menos que a

você agrade a ideia de caçadores nos encontrando.

Seus olhos se estreitam em mim com desconfiança, mas ele ergue a

cabeça e escuta.

Eu o assisto, mal respirando, esperando o momento certo...

E então ele faz isso. Olha para longe por uma fração de segundo para

perscrutar a folhagem por caçadores em potencial.

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É tudo que eu preciso. Eu mergulho para as árvores próximas. Corbin

grita atrás de mim, mas eu não paro. Meus músculos se juntam e queimam

enquanto eu rasgo por entre as árvores. Enquanto eu me movo, luto me

libertando da minha camisa. Minhas asas se desfraldam do meu corpo,

estalando no ar.

Eu empurro firme, trabalhando minhas pernas e sondando meus

braços – resistindo ao impulso instintivo de voar. Ele me veria assim que eu

saísse acima das árvores. Ainda assim, eu uso minhas asas para me deslocar,

batendo-as para aumentar a minha velocidade. Eu sei que Corbin faz o

mesmo. Eu olho para cima várias vezes para me certificar de que ele não está

me sobrevoando e prestes a pousar em cima de mim. Nenhum sinal dele no

céu e eu prossigo.

Ele é terrivelmente barulhento, uma besta de um pesadelo

arrebentando a vegetação rasteira, quase bloqueando o som da água corrente

do rio nas proximidades.

Ele grita meu nome e eu tremo, pensando na faca na mão dele. Se ele

me pega de novo, eu não tenho certeza de que ele não vai usá-la em mim.

Posso não ter escolha a não ser recorrer a minha melhor defesa – meu

fogo. Isto me faz tremer severamente – a ideia de matar um dos meus, um

companheiro draki, primo de Cassian. Mesmo que ele esteja tentando me

machucar, eu não quero. Eu não quero isso.

Ele ainda vem forte, rugindo meu nome. Nosso professor de Manobras

Evasivas iria dar-lhe notas baixas para a confusão que ele está fazendo. Se

caçadores estão próximo à pista de Miram, ele está tornando mais fácil para

ele nos rastrear.

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Eu teço por entre as árvores, saltando sobre troncos apodrecidos e

arbustos de galhos finos. Eu navego pelo ar e aterrisso em uma pedra

incorporada profundamente em uma elevação. Eu não vou muito longe. Só

avanço lentamente e me escondo atrás de uma cortina de troncos e folhas.

Alta em meu poleiro, eu prendo a respiração e espero. Corbin passa

como um chicote, meio voando, meio correndo, suas maldições queimando

meus ouvidos. Eu espero, ouvindo quando ele desaparece na floresta.

Então eu broto de meu esconderijo e voo de volta pelo caminho que

vim, para a caverna, a urgência me dando uma nova energia. Uma vez que eu

chego lá, eu rasgo e libero a folhagem obscurecendo a frente da caverna e

explodo para dentro, ofegante, sabendo que eu não tenho muito tempo.

Quando Corbin não puder me encontrar, ele vai saber que eu voltei para cá.

Miram levanta a cabeça de onde ela repousa sobre um palete,

nivelando o seu olhar vazio para mim. Por um momento, eu olho em volta,

esperando ver a minha irmã, mas então eu lembro que ela e Deghan pegaram

um turno de guarda fora da caverna.

Naquele momento, eles correm atrás de mim para dentro, sem fôlego,

aparentemente distraídos demais um com o outro para serem guardas muito

bons. Ainda bem que eu não era um caçador.

— Jacinda? Onde-como-

— Corbin nos encontrou. Há um caminho nos fundos para a caverna.

— Eu corro mais profundo, no escuro, para Will, gritando por cima do meu

ombro, — Cuidado! Ele ainda está lá fora!

Tamra diz algo atrás de mim, mas sua voz é um eco quando eu

mergulho no túnel estreito na parte de trás da caverna, em busca de Will. Eu

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o encontro onde o deixamos. Agachado, eu o toco, tão aliviada que eu quase

choro quando sinto a ascensão de seu peito. Ele ainda está respirando. Ainda

está vivo.

— Aqui. — Voz de Deghan soa no escuro ao meu lado. — Eu o peguei.

— Sem um som, ele levanta Will e o leva para frente da caverna. Uma vez na

luz, eu inspeciono o dano. O corte não parece tão profundo quanto eu temia.

O sangramento parou.

— Will, — eu digo, apertando seu ombro.

Ele geme e esmaga a minha mão para longe dele.

— Eu acho que ele vai ficar bem, — Deghan anuncia. — Ele está

acordando. E não parece uma ferida muito perigosa.

Will pisca lentamente, olhando contra a luz moderada como se ferisse

os olhos. Ele se concentra em meu rosto. — Jacinda? O que aconteceu?

Eu balanço minha cabeça. Mesmo se ele pudesse me entender, não há

tempo para longas explicações. Agarrando o braço de Will, eu o ajudo a ficar

de pé. Will estremece.

Precisamos sair daqui antes que Corbin apareça novamente. Ele ou

outros. Há uma boa chance de ele ter voltado e dito ao clã onde eles

poderiam encontrar a mim. A nós.

— Jacinda? — Eu me dirijo à nitidez da voz de Tamra. Ela não está

olhando para mim embora. Eu sigo o olhar dela.

Ela está olhando para o palete de Miram. Um palete vazio. O casaco de

Miram enrolado, usado como um travesseiro, ainda está lá – mas ela não está.

Ela não está em lugar nenhum.

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— Miram, — Tamra chama, olhando ao nosso redor, rodando todo o

seu corpo como se ela fosse encontrar a menina escondida em algum lugar,

em algum canto escuro da pequena caverna.

É verdade, Miram é um visiocrypter, que pode se fazer invisível, mas

de alguma forma eu duvido que seja o que aconteceu. Não vendo ela, Tamra

para e me encara, e anuncia o que eu já sei: — Ela se foi.

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Eu me desmanifesto e puxo a minha camisa por cima da minha cabeça.

Saímos da caverna rapidamente. Will está andando, mas lentamente, e eu

insisto em ajudá-lo, passando o braço dele por cima de meu ombro enquanto

nos movemos através das árvores.

— Ela foi por aqui. — Deghan nos leva, estudando o solo e as pegadas

frescas lá.

— Para o rio, — murmura Tamra com um aceno de cabeça. — O que

ela está pensando, deixando o grupo? Ela sabe que é quem mais corre perigo.

— Ela não tem estado certa desde que ela descobriu sobre o

dispositivo de localização, — eu digo.

Will se esforça para respirar enquanto tenta se manter em nosso ritmo.

A floresta é calma, o som da água borbulhante enche o silêncio. Os últimos

raios de luz solar se filtram por entre as árvores, batendo no cabelo de Tamra

e dando-lhe um aspecto de prata.

Eu conheço estas montanhas, essa floresta, e não me lembro de alguma

vez ter estado assim tão tranquila. Algo não está certo. Naturalmente minha

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mente voa para os caçadores. Lembro-me de cada vez que me perseguiram.

Eles nunca foram silenciosos. Seus veículos e helicópteros sempre

anunciaram sua presença. Às vezes, tarde demais, mas eu sempre os ouvi

antes de vê-los.

Por alguma razão, eu não acho que vai ser assim de novo. Se eles

tiverem o dispositivo que os levará diretamente para Miram, então eles vão

usar discrição e surpresa para atacá-la.

O som da água correndo se aproxima. Pela primeira vez, essas árvores

não se parecem com o conforto que sempre foram para mim. Em cada folha

de grama, em cada galho sussurrando, por trás de cada tronco de árvore se

esconde uma ameaça potencial.

Eu olho em volta bruscamente e enterro os meus dedos na mão de

Will. Sólida, maior do que a minha, ela me dá força. Ele olha para mim e eu

começo a dizer-lhe minhas dúvidas... o sentimento ruim que está dentro de

mim, mas Deghan ergue a mão, parando-nos na linha das árvore que

margeiam o rio.

Eu passo por debaixo do peso do braço de Will. Devo estar tão

preocupada quanto pareço, porque ele acena com a cabeça uma vez para mim

quando se inclina para trás contra uma árvore.

— Vá em frente, — diz ele calmamente. — Eu vou ficar bem.

Sangue fresco corre do corte em sua testa. Tão perto dele, o aroma

acobreado enche meu nariz e eu estou de repente mais preocupada com ele

do que com os caçadores. Seus olhos parecem atordoados, sua expressão

apertada, como se ele se concentrasse em estar bem, desejando que seja

assim, mas esse não é o caso.

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— Will, — eu sussurro, agitando seu ombro. — Você está bem?

Ele pisca lentamente e acena, seu olhar se prendendo em mim e

entrando em foco, parecendo menos vidrado. — Eu estou bem.

Acreditando nele, o ar se expele calorosamente dos meus pulmões. Eu

aliso a palma da minha mão sobre o rosto dele, já arranhado e precisando

fazer a barba. Apenas a sensação dele contra a minha mão, inteiro e vivo e

comigo, o zumbido de seu sangue murmurando sob sua carne, me torce.

Deghan retém um ramo e assinala para mim, para que eu verifique o

que quer que ele e Tamra estejam olhando. Hesito, encarando incerta para

Will, odiando deixá-lo.

— Vá, — ele insiste.

Balançando a cabeça uma vez, eu me movo em frente para ver por que

paramos.

Curvando-me ao lado de Deghan, eu sigo o seu olhar e vejo que sua

cautela é desnecessária.

Não há caçadores, apesar da pontada de advertência na parte de trás

do meu pescoço. Miram está do outro lado do rio e com ela sua tia Jabel.

Miram se une a ela, seus lábios se movendo.

— É só sua tia, — eu sussurro, ainda olhando em volta, um olho nas

sombras aninhadas entre as árvores, onde eu me preocupo que os caçadores

se escondam, observando, esperando o momento para atacar.

Eu me abaixo, meus saltos cavando na terra que cede na intenção de

permanecer escondida. Segurança sempre reside nisso, aparentemente – estar

escondido.

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Jabel concorda com simpatia enquanto Miram fala, sem dúvida,

explicando sua situação. Vários momentos passam antes que Jabel tome sua

sobrinha em seus braços, alisando uma mão em seus cabelos soltos. A

emoção se repuxa em meu coração. Jabel é sua tia, claro, mas ela nunca foi do

tipo acolhedor, calorosa. É bom ver uma prova de seu amor por sua sobrinha.

O que resume Jabel é o seu olhar afiado, vigilante. Assim como seu

filho, Corbin. Sua grande naturalidade como um draki hypnos sempre me

deixou inquieta. É difícil imaginar que ela e Mamãe tenham sido as melhores

amigas um dia. Estou deprimida com a imagem suave e gentil, feliz com o

conforto que Miram encontra nela.

Então acontece.

Eu não tenho tempo de me mover, muito menos de fazer um som. Não

há tempo de gritar e avisar, sem chance de entender... de processar até que

tenha sido tarde demais.

Nós podemos somente assistir, como idiotas, enquanto Jabel levanta

uma lâmina de dentro de sua manga e mergulha-a nas costas de Miram.

Tamra engasga em um grito ao meu lado quando Jabel torce a lâmina,

puxando-a para trás e esfaqueando-a uma segunda vez antes de empurrar

Miram no rio.

Com meus olhos queimando, eu encaro, com os olhos arregalados.

Minha boca se separa aberta em um grito silencioso. Meu coração explode em

meu peito, um martelo batendo dolorosamente dentro de mim. Atrás de mim

algo estala. Eu me viro em torno, para encontrar Corbin ali, sua expressão

horrorizada enquanto olha sobre nossas cabeças para sua mãe. Para sua

prima.

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Claramente, ele não sabia nada dos planos de sua mãe, nem

suspeitava de fosse capaz disso.

Naquele momento, olhando para seu rosto pálido, ele é o menino com

que eu cresci. E ele testemunhou sua mãe assassinar sua prima. Eu alcanço

sua mão.

Ele a arranca fora, balançando a cabeça firmemente como se ele não

pudesse acreditar em seus olhos. — Não, — ele coaxa. — Não!

Girando, ele rasga pelo meio do mato, fugindo do que ele não pode

enfrentar. Piscando, eu olho depois dele, espantada. Acho que eu meio que

esperava que ele fosse enfrentar Jabel. Ela é sua mãe, afinal. Ele não pode ter

medo dela, não é?

Eu volto e vejo como a correnteza ondulante carrega o corpo de Miram

para longe como se ela não tivesse peso. Não posso me mover, só posso olhar

em choque quando ela passa por nós, por cima da água. Seus olhos estão

vagos, olhando para o céu, sem ver.

Eu rapidamente mergulho para o lado e afundo, vomitando em um

arbusto próximo. Meu corpo treme e estremecem, dedos dormentes agarram

as espinhosas folhas verdes prateadas. Will passa por mim e espreita no rio

para ver por si mesmo o que me fez vomitar minhas entranhas.

Levanto a cabeça e me junto novamente a eles, meus membros

instáveis tremendo, enquanto vemos a assassina de Miram se abaixar de

joelhos, com naturalidade, no banco do rio e limpar a faca na água. Calmo e

sereno, o rosto de Jabel não revela nada, nenhuma emoção, nenhum

arrependimento pelo assassinato que ela acaba de cometer. E eu sei, sinto a

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verdade em meus ossos... Eu estou olhando para a mesma pessoa que traiu

meu pai. Não foi Severin, mas sua irmã.

— O que vamos fazer? — Tamra sussurra.

Não me lembro de uma vez um draki matar outro a sangue frio. Isto é

ainda diferente de enganar meu pai e fazê-lo ser capturado. Um ser humano

desprovido de qualquer decência. Miram era sua sobrinha. Talvez tenha

acontecido há muito tempo, nos dias das Grandes Guerras, quando éramos

primitivos, tribos hostis – talvez tenhamos derrubado um ou outro por

capricho. Mas não agora. Não mais. Nós somos mais esclarecidos. Isso é o

que sempre me foi ensinado. Os seres humanos são os assassinos, os que

cometem crimes contra a sua própria espécie. Não nós.

— Ela não pode fugir disso, — eu anuncio severamente. Viro-me e

encaro Will. — Você pode encontrar o caminho de volta para o seu carro?

— O que? — Ele pisca, focando o seu olhar em mim.

Talvez seja algo em seu rosto, mas eu tenho que olhar para longe dele

logo em seguida. Eu olho para a minha irmã e Deghan. — O orgulho tem de

ser avisado. Agora mesmo. Jabel não pode escapar impune disso. Ela é um

perigo.

Eu sinto o olhar de Will e olho de volta para ele. Ele me estuda por um

momento antes de se virar, olhando para as árvores exuberantes, como se as

visse pela primeira vez. — Você nunca vai chegar ao final disso, — ele

murmura.

Molho meus lábios repentinamente secos, pronta para explicar como

tudo mudou e eu apenas sou necessária aqui. Novamente. Que eu vou

caminhar diretamente para o clã e exigir um julgamento e eu não posso trazer

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Will comigo. Eu preciso dele fora de perigo, enquanto tudo isso afunda. Eu

não posso estar preocupado com a segurança dele.

— Will –

Ele levanta a mão para me parar. — Eu posso encontrar o caminho. —

E então ele está se movendo. Fugindo de mim.

Eu disparo para ele. Ele torce livre, nem mesmo diminui.

Eu grito, — Eu vou te encontrar –

Ele gira ao redor. Seus olhos castanhos brilham em fogo. — Eu teria

que esperar para sempre. Porque você nunca vai chegar.

As palavras me atingiram como uma bofetada. Ele continua através

das árvores de novo, deixando-me. Meu peito aperta quando suas costas

desaparecem de vista. De mim.

— Jacinda, — Tamra insta bem atrás de mim, — podemos lidar com

isso. Vá atrás dele.

Eu olho para Tamra... sobre o ombro dela, para a pequena figura de

Jabel desaparecendo por entre os galhos.

— Vai, Jacinda, — Tamra insiste.

Desespero se mexe em meu peito. É hora de acabar com essa minha

divisão entre dois mundos, esta sensação de sempre ser rasgada ao meio,

puxada em duas direções.

Minha irmã está certa. Ela pode lidar com isso. Eu posso ir.

— Eu vou voltar... ou estarei em contato, — digo finalmente, olhando

ansiosamente para o local onde Will desapareceu. O mínimo, Tamra e eu

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temos que nos comunicar sobre Mamãe. Eu realmente não sei se vou estar de

volta. Eu só sei que eu estou indo embora com Will.

Decisão tomada, eu decolo atrás de Will. Empurrando através da

folhagem, eu me arremesso entre árvores, certa de que ele não está muito

longe. Especialmente por ter sido ferido tão recentemente. Na verdade, eu

olho o chão à frente, esperando que ele não tenha desmaiado por sua lesão na

cabeça. Eu nunca deveria tê-lo deixado ir sem mim.

É o silêncio outra vez que me alerta. Eu não posso ouvir Will à minha

frente, não importa quanto eu me esforce por seus sons. Eu paro e escuto

bem, meus nervos esticados.

— Will, — eu digo em um sussurro alto, de repente, consciente de que

não devo gritar o seu nome.

Eu olho para cima, também, não esquecendo Corbin. Embora me caçar

seja, provavelmente, o último pensamento em sua mente agora. Não há nada

no céu. Eu sigo em frente, desta vez mais devagar, me perguntando para

onde Will desapareceu. No meu ritmo, eu já deveria ter encontrado com ele.

Balançando a cabeça, prossigo, sabendo a direção que ele tomou e

determinada a encontrá-lo.

Um pássaro grita sobre a madeira em silêncio e eu paro minha pele

estalando apertada. Eu conheço esta floresta, as criaturas e os sons que

existem aqui. E aquele canto de pássaro estava longe de ser natural. Ele não

se encaixava no mundo pulsando ao meu redor. Como rastreador experiente

que Will é, ele está provavelmente ciente do perigo, também.

Eu giro ao redor, com a intenção de voltar para Tamra e Deghan. Eles

precisam ser avisados de que não estamos sozinhos. E eu estou esperançosa

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de que Will possa ter mudado de ideia e voltado atrás, bem como que ele

tenha percebido que há algo mais além de nós aqui. Nossas chances de

sobrevivência são melhores juntos.

Eu mergulho em frente, tecendo um caminho através de grossos

troncos de árvores, as minhas palmas nuas se estendendo e raspando as

cascas ásperas quando eu passo. Um lembrete de que eu estou viva.

Eu agarro uma árvore para dar a volta em torno dela – e dou de cara

diretamente com algo duro. Perdendo o equilíbrio, eu abro os braços para me

estabilizar e encontro uma parede implacável. Meus dedos se contraem.

Macho perigoso.

Eu olho para um rosto familiar. — Xander, — eu balbucio, incapaz de

encontrar a minha voz. Meu pulso trava antes de saltar intensamente,

batendo contra a minha pele. Eu dou um passo atrás, mas suas mãos se

agarram em torno de meus pulsos.

Eu olho para a esquerda e para a direita, procurando loucamente por

Will. Como se ele fosse aparecer milagrosamente para me salvar de seu

primo. Mesmo que eu queira, eu sei que não vai acontecer.

Eu engulo o meu medo. Outros caçadores devem estar por perto.

Mesmo que ele esteja caçando sozinho mais adiante, Xander não está aqui

fora sozinho desta vez. Eu posso senti-los. Eu sei que eles estão aqui... como

eu sei por que eles estão aqui. Eles estão na trilha de Miram. Miram que agora

está morta, flutuando rio abaixo.

Meu coração se contrai quando eu penso neles encontrando ela.

Apenas uma garota. Não o "dragão" que eles esperam. O que vão pensar? Se

Jabel matou Miram pelo risco que ela representava para o clã, ela

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evidentemente não considerou que os caçadores encontrariam o cadáver de

uma menina humana com um dispositivo de rastreamento em seu interior,

que tinha sido implantado numa draki.

Eu entendo a aparência de Xander. Ele está equipado em camuflagem

completa, uma arma tranquilizante sobre o ombro. Ele não está segurando o

dispositivo de localização, mas eu sei que alguém está... um dos outros

caçadores em seu grupo.

— Jacinda?, — Ele exige com sua voz incrédula, perplexo. — O que

você está fazendo aqui? Onde está Will? — A pergunta que não quer calar.

Ele aperta mais forte os meus pulsos e eu estremeço. — Onde está meu

primo?

— Eu-eu não sei. Eu o perdi. — Isso é verdade, pelo menos. — Ele está

aqui em algum lugar. — Eu espero.

Xander olha para mim tão atentamente, seus olhos escuros sondando e

desconfiados. — Venha comigo.

Com uma mão circulando meu pulso, eu não tenho muita escolha.

Não se eu quiser parecer uma garota humana azarada que simplesmente se

perdeu nestes bosques. E isso é tudo que eu posso ser. Tudo o que posso

deixá-lo ver.

Ele gira um bocal preto pequeno perto de seus lábios. — Ei, nós temos

uma situação aqui. Eu estou chegando.

Eles não se espalharam muito longe uns dos outros. Em segundos, nos

encontramos com uma dúzia de outros caçadores, todos vestidos com roupas

similares. Eu reconheço Angus e alguns outros. Eles olham para mim com

choque igual.

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— O que ela está fazendo aqui? — Angus exige.

— Não é a menina com quem Will estava saindo? — Outro caçador

pergunta, apontando para mim com sua arma tranquilizante.

Xander bate a arma para longe com um grunhido irritado. — Olhe pra

onde você aponta isso, idiota. Aparentemente, ela ainda é sua namorada.

Xander me considera desdenhosamente. — Eu estou apostando que ela é a

razão da fuga de Will. — Ele balança a cabeça como se esta ideia fosse mais

do que ridícula para ele.

Para eles, eu não sou nada. Apenas uma garota estúpida muito

intrometida para seu próprio bem. Estou segura, desde que eles pensem

assim. Eu tenho que tirá-los desta montanha antes que eles percebam a

verdade.

— O que vamos fazer com ela? — Angus se inclina em direção a

Xander, dizendo no que ele imagina ser um tom discreto, — Estamos aqui

para –

— Eu sei o que estamos fazendo aqui. — Os olhos negros de Xander se

instalam em mim. — E eu estou me perguntando se ela sabe por que estamos

aqui, também.

Eu respiro profundamente dentro de meus pulmões contraídos. Ele

sabe que eu sei? Ele não pode se lembrar do que eu sou. Que eu sou a coisa

que ele caça. Meus músculos se contraem e se preparam. Se isso continuar, eu

vou ter que tentar correr mais rápido do que eles. Eu não posso me expor

como uma draki na frente deles. Tamra não está aqui para sombreá-los.

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Xander levanta a cabeça, prendendo-me com seu olhar. E eu sinto

assim – como um inseto alfinetado no local em algum experimento. — Will te

contou sobre nós, não foi?

Eu pisco, recuando levemente. Percebendo que admitir isso não me

tira disso, eu aceno. — Uh, é.

Xander rosna, como se ele já soubesse. Ele olha para os outros. —

Assim como eu pensava. Ele disse a ela! Ela pôs uma coleira nele.

Angus se aproximou de mim, seu rosto mais vermelho do que eu me

lembro. O suor se carrega como o vapor para fora de sua estrutura

atarracada. Eu viro meu rosto para longe do intenso odor. — Então o que

você está fazendo aqui agora? — Ele exige sem noção do termo espaço

pessoal.

Eu penso rápido. — Eu queria ver por mim mesma. Eu disse a Will

que eu queria ver... eles. — Eu quase escorrego. Quase nos chamei de draki –

um termo que esses caçadores não usam. Para eles, nós somos simplesmente

dragões.

Eles todos parecem loucos agora. Irritados e perigosos. Como, se eles

pudessem por suas mãos em Will... minha mente recua do pensamento. Ele

está muito mais seguro com eles do que com o meu clã.

E você ainda que o trouxe aqui, a este lugar perigoso, praticamente no colo do

clã.

— Espere até seu pai ouvir sobre isso, — diz Angus com prazer. — Aí

não haverá perdão para Will.

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O lábio superior de Xander se curva contra os dentes. — Ele não vai se

importar. Ele quer muito que Will volte. Com suas habilidades especiais, seu

pai vai deixar mesmo depois desse deslize.

Ele quer dizer a incrível capacidade de Will para rastrear o meu tipo.

Só que eles não têm ideia de quão profunda é essa habilidade. Eu tremo,

pensando sobre seus poderes. Se eles descobrissem, ele nunca se livraria

deles.

— Bem, nós não podemos mantê-la conosco e completar a nossa

missão, — um dos caçadores mais velhos diz para o grupo. Ele parece estar

em seus vinte e poucos anos. Ele mal ergue seu olhar para mim, muito

preocupado com o dispositivo que ele tem nas mãos – uma caixa localizadora

exatamente como a que os outros caçadores tinham.

Assim como eu pensei, eles estavam aqui por Miram. Ele sacode a

caixa preta e a move em um amplo arco em torno dele. — Ele está se

movendo rápido. Para lá. — Ele acena para a direita. — Temos que ir. Agora.

Ele está apontando na direção do rio e do corpo de Miram que flutua

na correnteza. Longe, mas não rápido o suficiente. Com o localizador, eles

sempre terão uma informação sobre ela. Eles vão encontrá-la. E a verdade.

— Eu sei meu caminho de volta para o carro. — Eu estremeço

percebendo o quanto minha voz soa ansiosa e estridente. — É provavelmente

para onde Will foi, — acrescento com um forçado dar de ombros e me

movimento para sair. — Eu digo a ele que vocês estão todos procurando por

ele –

Xander pega a minha mão. — Eu acho que não, Ruiva. Você pode vir

conosco. Ele vai aparecer. — Ele me olha de cima a baixo com uma espécie de

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sorriso em seu rosto. — Com você, ele sempre aparece. E quando ele

aparecer, nós vamos colocá-lo para trabalhar fazendo o que ele faz de melhor

– caçar dragões. — Ele acena para o dispositivo que o caçador mais velho

detém. — E então você vai ter o seu desejo, querida.

A última coisa que eu posso dizer é que eles estão perseguindo um

fantasma, então eu não digo nada quando ele me puxa junto com ele.

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Sou arrastada para frente pelo grupo. O bip localizador nos leva mais

perto do rio, então não há nenhuma chance de que a coisa não esteja

funcionando. Eu me esforço para vislumbrar as luzes vermelhas piscando,

tentando ver o quão perto estamos de Miram. O bip fica mais alto, enquanto

nos aproximamos da água correndo, combinando com o ritmo de meu pulso

acelerado.

Paramos na margem, a água corre apressada por nós.

— Eu não vejo nada, — Angus anuncia desnecessariamente.

Xander pega o localizador do outro caçador e o acerta algumas vezes,

como se isso de alguma forma fosse ajudar a leitura. — Esse troço diz que

estamos bem em cima da coisa.

Coisa. Minha garganta arde em cinzas e carvão. Isso é tudo que eu sou.

Tudo o que sempre seremos para eles. Como caçadores, como eles poderiam

ver algo mais?

Will vê. Via.

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Eu olho à minha volta, procurando desesperadamente, como se de

repente eu vá avistá-lo. Espero que seja como Xander previu e ele vá nos

encontrar. Me encontrar.

Examinando o ambiente, não vejo Will. Mas outra coisa me chama a

atenção. Na correnteza, para a esquerda, uma barragem de troncos e folhas se

estende do outro lado do rio. Ela é difícil de detectar em meio aos vários tons

de marrom, mas o corpo de Miram está preso lá, enredado na torção de

ramos e madeira podre. Prendo a respiração, esperando que a água vá

conseguir puxá-la livre e varrê-la rio abaixo antes que eles a vejam.

— Ali! O que é isso?

Meu coração afunda. Eu pisco uma vez, lenta e miserável com a

exclamação. Os caçadores ao meu redor irrompem numa conversa,

especulando sobre o que poderia estar preso na barragem. Eles se movem

para a beira do rio. Um dos caçadores caminha timidamente em toda a

represa instável, mãos estendidas ao seu lado para o equilíbrio.

Tomara que quebre. Tomara que quebre.

Ele se agacha e cutuca em Miram com sua arma. — É uma menina! Ela

não está se movendo. Morta.

Xander acena com um braço. — Traga ela para cá.

Quando o caçador arrasta o corpo de Miram da represa, eu volto

lentamente para trás, passo a passo, enquanto toda a sua atenção está

centrada em Miram. Este poderia ser a minha melhor chance de escapar. Para

encontrar Tamra para que ela possa sombreá-los e fazê-los esquecer de tudo.

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O corpo de Miram é derrubado, frouxo, na praia. Seu rosto parece de

cera, o choque ainda gravado lá em seus olhos cegos. Os caçadores se

aglomeram em torno dela.

— O que aconteceu com ela?

— Malditos dragões. Aposto que fizeram isso com ela.

O localizador está mais alto agora, os sinais sonoros que vêm mais

rápido com Miram perto. Xander olha feio, com atenção, um olhar de

concentração se estabelece nas linhas duras de seu rosto. Eu vejo como ele

olha do localizador para Miram, o pânico aumenta rapidamente dentro de

mim. Não vai demorar muito para que ele descubra.

Eu deslizo mais um passo para longe deles, e depois outro, preparada

para fugir, quando eu sinto alguém atrás de mim.

Eu olho por cima do ombro, parando um segundo antes de bater no

peito enorme.

— Indo a algum lugar? — Angus olha maliciosamente para mim. Eu

não sabia que ele não estava com os outros.

— Não, — eu nego. — Eu só não quero ver um corpo morto. Não está

exatamente na minha lista de coisas a fazer.

Ele bufa. — Que pena. Você está aqui... como você queria, certo?

Certo. Isso é o que me faz lembrar... que eu queria uma amostra da

vida secreta de Will.

Angus pega meu braço e me puxa para o grupo. Meus pés se arrastam

contra a margem do rio rochoso. O grupo de caçadores continua a especular.

— Coitadinha, — um resmunga. — Ela é tão jovem.

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Xander está parado acima de Miram, olhando impassível enquanto

acena o localizador sobre ela, fazendo com que ele apite freneticamente.

— O localizador deve estar quebrado, — diz alguém.

— Não, não está, — Xander declara, estudando Miram de uma

maneira que aumenta a minha inquietação. — Ele está funcionando. O

dispositivo de localização tem que estar dentro dela.

— Por que está dentro de uma menina? Não pode ser.

Angus solta seu aperto em volta do meu braço quando ele avança para

inspecionar Miram. Liberto meu braço e fico a poucos metros atrás dele,

alertando-me a esperar. Se eu sair correndo, eles vão notar.

— Só há uma maneira de descobrir. — Xander puxa uma lâmina de

seu colete e se agacha sobre ela.

O caçador mais afetado pela visão de Miram se opõe. — Nós não

podemos apenas cortá-la! Ela é um ser humano –

— Não mais. Agora ela é um cadáver. — Xander se move em direção a

ela, seus lábios numa linha reta e sem humor.

Bile surge dentro da minha garganta. E eu não posso ficar. Eu não

posso testemunhá-los dilacerar Miram.

— Olhe para o sangue, — diz uma voz de repente. — É sangue de

dragão.

Sufocando um grito, me viro para fugir assim quando Will emerge das

árvores sobre a margem do rio.

— Will! — Eu corro para ele. Ele me pega em seus braços, apertando-

me com tanta força que ele esmaga minha respiração. Ele se afasta para olhar

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para mim, emoldurando meu rosto em suas mãos. — Me desculpe ter

deixado –

— Não, eu sinto muito, — eu disse, balançando a cabeça. — Você

estava certo.

Nossas vozes são baixas e febris, nossos lábios perto. Seu olhar agudo

passa uma vez por cima do meu ombro, captando tudo, todos, num relance

antes de se assentar em mim.

Eu engulo e murmuro as palavras mais do que as falo, — Eles acharam

Miram. O sangue dela...

Ele balança a cabeça com força. — Eles vão descobrir tudo em breve.

Balanço a cabeça em concordância. — Sim, assim que passar a negação

e a descrença, eles saberão.

Ele desliza a mão no meu rosto e domina uma das minhas mãos,

entrelaçando os dedos firmemente com os meus.

Só este toque, seu aperto forte, me faz sentir melhor, encorajada. Não

só. É o golpe de força que eu preciso.

— Não se preocupe. Nós não vamos estar aqui quando isso acontecer.

— Ele nem sequer dá uma volta completa antes de seu nome ser chamado.

— Will!

Um tremor ondula através de mim.

Will me aperta ainda mais quando ele encara seu primo, sua... família.

Sua expressão não revela nada, a máscara perfeita implacável quando ele

acena com a cabeça em reconhecimento a cada um dos membros do grupo.

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Em alguns passos curtos Xander está diante dele. — Seu pai estava

preocupado. Ele pensou que você tinha ido para a sua avó, mas ela disse que

não viu você, não que nós tenhamos acreditado naquela velha bruxa. Onde

você esteve?

Will dá de ombros, a única resposta que ele vai dar, aparentemente.

Xander o encara sem piscar.

O silêncio se estende desconfortavelmente. Eu olho entre os dois, pelo

menos feliz que a atenção esteja fora Miram. Fora de mim. Mas o momento

não dura.

O mais velho caçador do grupo parece ansioso, irritado com essa

distração. — Vamos lá, — diz ele, acenando uma faca sobre Miram. — Vamos

fazer isso ou o quê?

Xander de repente sorri. — Por que não deixamos o Will aqui fazer

isso?

Ele quer que Will corte Miram? Meu estômago se agita. Meus dedos

pressionam a mão de Will, desejando que ele não faça isso... que ele tenha

outra saída para isso.

— Nós estávamos saindo, — diz Will.

Xander olha de mim para Will, seu olhar escuro paira sobre nossas

mãos entrelaçadas. — Qual é a pressa? — Ele pisa entre nós, batendo no

ombro de Will e arrastando-o junto. — Qual é? Nós realmente poderíamos ter

sua ajuda. Este é o seu lugar, afinal de contas.

De seu olhar arqueado, eu sei que ele não quer ou precisa da ajuda de

Will. Ele está simplesmente empurrando Will nisso porque Will não quer

fazê-lo. Ele quer irritá-lo. Ele tem sucesso com isso. Como sempre.

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Vários momentos pesados passam. Todos os caçadores encaram Will,

avaliando a capacidade dele. Will me lança um olhar significativo e se move

para frente. Os olhos de falcão de Xander percebe o olhar. Seus olhos negros

se estreitam em mim e eu sinto o velho e conhecido aperto em meu peito – a

sensação de que ele vê mais em mim do que deveria. E talvez agora ele sinta.

Ele foi o primeiro a imaginar que o dispositivo de rastreamento estava em

Miram, talvez ele já esteja chegando às suas próprias conclusões sobre mim.

Cada terminação nervosa em meu corpo queima, chia, o draki

desesperado para sair, para me proteger, proteger Will – sobreviver. Porque

tudo em estar aqui, agora, neste momento, com estes caçadores grita perigo.

Mais do que qualquer outro momento antes disso.

O ar engrossa como algo que eu posso tocar. Denso e sufocante. Uma

rajada rola sobre mim, levantando o cabelo do meu ombro. Minha pele

aperta, se arrepia com consciência. Eu examino o rio, as ondulações sobre a

superfície da água. Árvores exuberantes roçam com um vento súbito. Eu olho

para cima. Nada estraga a linha do horizonte. Ainda.

Eu tenho que tirar Will daqui. Agora.

Eu engulo de volta a queimadura acre na minha garganta e avanço

para frente para onde estão parados sobre Miram. Eu agarro manga de Will e

dou-lhe um puxão.

Ele não mostra que ele tenha ao menos me sentido. Olho ansiosamente

por cima do meu ombro para a cobertura das árvores, olhando para trás

quando Xander bate uma faca na mão de Will.

— Os enkros implantam um dispositivo de localização na cabeça de

cada dragão capturado, — explica Xander, seus olhos escuros frios e mortos.

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— Como é que nós não sabíamos disso? — Will pergunta.

— Eu acho que nós nunca soubemos por que nunca precisamos.

Nenhum dragão jamais escapou antes.

— Bem, vamos lá, — Will diz com um encolher de ombros, apontando

para Miram. — Isso é uma menina. Não é um dragão. Ela não pode ter um

nela.

O caçador mais velho segura a caixa preta. — Este localizador diz que

ela tem.

— Ele deve estar errado. Quebrado, — Will responde.

— Mas seu sangue. — Angus aponta para o ferimento de faca. —O

que é isso?

— Bem. — Will assinala seu peito e depois para o grupo em geral. —

Isso pode ser por outros motivos, você sabe. — Eu observo com temor,

impressionado com sua calma e bom senso nesta situação. Ele sorri, tentando

desarmá-los. Não funciona.

— Sim, eu não acho que ela é a aberração maravilhosa que você é, —

diz Xander acentuadamente, amargamente, enquanto pega a faca de Will. Ele

a joga de forma leve, facilmente capturando-a pelo cabo. — Alguma coisa

está errada aqui, e eu acho que você sabe mais do que você está dizendo. —

Seu olhar desliza para mim. — Eu vou descobrir isso. — Com um aceno

firme, ele se agacha e levanta a lâmina, preparado para cortar Miram.

Eu respiro fundo e desvio meu olhar, incapaz de assistir, mas incapaz

de deixar Will também. Não vamos mais deixar um ao outro. Nunca.

O vento se intensifica em seguida. Meu cabelo se vira meu rosto,

atacando minhas bochechas. Eu liberto os fios empurrando-os apenas a

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tempo de ver um borrão escuro diante de meus olhos, uma rajada de ar

derrubando-me no chão.

Eu tiro o emaranhado de cabelo do meu rosto, vendo quando Cassian

aterrissa sobre Xander com as mãos e pés com garras estendidas e o rasga

para o chão.

Todos olham como idiotas congelados.

Xander se contorce e oscila como uma minhoca no anzol. As grandes

asas de couro de Cassian batem elegantes velas negras agitando o ar.

Ele acha que Xander matou sua irmã. Eu sei isso imediatamente, sinto

a força de sua ira como uma faca cortando um caminho através de mim, e eu

sei que não haverá controle em sua fúria. Sua emoção me engole tão forte que

me tira de meus pés.

Enquanto os caçadores ganham vida, gritando e procurando

desastradamente por suas armas, Cassian lança Xander para o alto. Ele dá

cambalhotas várias vezes no ar antes de colidir com uma árvore. Galhos e

ossos se quebram enquanto Xander cai violentamente para baixo através de

um labirinto de galhos. Tão rapidamente quanto apareceu, Cassian se foi.

Mais uma vez, todo mundo fica imóvel.

Will e eu encaramos, os caçadores são um painel congelado. Ninguém

respira enquanto Xander permanece imóvel no chão em um amontoado

quebrado e sem vida.

Eu inspiro profundamente, surpresa com o arrebatamento em meu

peito. Eu não sinto nada por Xander. Ele é meu inimigo, sim, mas a pena

cresce em mim, apesar de tudo.

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Minhas mãos cavam e se enrolam no chão enquanto eu examino o céu.

Folhas sussurram como o canto de uma criança nas árvores, mas não há

nenhuma visão de Cassian em qualquer lugar. É como se ele tivesse

desaparecido. Mas eu sei que ele está aqui, um espectro sombrio à espreita,

observando-nos, preparando-se para seu próximo movimento – um ataque

inevitável. Mesmo que eu não saiba disso sobre ele, eu posso senti-lo. Sinto o

seu propósito mortal correndo por mim, se espalhando como veneno.

Imparável.

Por um momento, meu olhar pega os olhos vidrados de Miram. Nesse

segundo parece que ela está olhando diretamente para mim – dentro de mim.

Mas não há vida mais lá. Ela não me vê. Com a morte dela, eu sei que Cassian

não vai deixar um único desses caçadores sobreviver. Não enquanto ele

acredita que eles sejam os responsáveis. Ele vai morrer antes de deixar que

até mesmo um deles escape. Ele vai vê-los pagar pela morte de sua irmã.

Xander é só o primeiro.

Então, eu pisco. Volto a mim num estalo. — Will. — Minha voz soa

alta, discordante e dissonante no silêncio atordoado.

Vários caçadores se sobressaltam com o som, olhando para mim e

balançando suas armas em minha direção, sem pensar. Ou deliberadamente.

Seus olhos são selvagens, cada movimento um empurrão em pânico. Eu

engulo o carvão que queima em minha boca, sinto a fumaça encher o meu

nariz e espero que eles não percebam isso.

Como se minha voz o desperte, Angus grita palavrões no ar, girando

seu corpo atarracado em um círculo frenético. — Vem para fora! Saia, lixo!

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Ele começa disparando sua arma. Não é uma das armas

tranquilizantes. Todos eles mudaram de armas tranquilizantes para outras

armas de fogo, rifles, bestas. Eles não estão mais aqui para recuperar. Eles

estão aqui para matar. Assim como Cassian.

O fogo queima minha traqueia e não há como lutar contra o meu

medo.

— Will, — eu digo novamente, minha voz um estrondo rosnando,

revelando que já estou meio entregue.

Will alcança e agarra a minha mão. Seus dedos seguram firmes nos

meus. Ele acena duro para as árvores, e eu aceno de volta, compreendendo.

Juntos, corremos para as árvores.

— Ei! — Angus grita atrás de nós e eu ouço os golpes de pés correndo,

alguém, um deles vindo atrás de nós. Um rápido olhar sobre o meu ombro

confirma. É o outro caçador – o mais velho, com o rosto sério e os olhos

duros.

Um momento depois de eu vê-lo, a escuridão surge diante dos meus

olhos como um grande véu preto se abaixando. Cassian. Mais uma vez, ele

está lá, enchendo as proximidades de trevas.

Tiros explodem no ar em estalos nítidos, mas isso não impede Cassian

de arrastar o caçador fora de seus pés e desaparecer com ele para as árvores.

É um caos em todos os lugares enquanto os caçadores gritam

instruções frenéticas um ao outro. — Ele está nos destruindo um a um!

— Temos que sair daqui!

— Pro inferno! Vamos atrás dele!

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Estamos quase nas árvores quando de repente um vento estremece e

levanta o cabelo dos meus ombros e chicoteia tudo ao meu redor. Olhando

para cima, vejo outro draki descendente.

— Não! — Eu grito fortemente. Corbin.

Ele arrebata o meu braço e me puxa para cima de meus pés. Minhas

pernas se debatem no ar.

Will grita e salta, tentando me alcançar. Mas eu já estou muito alto.

Os caçadores se redirecionam sua atenção para mim e Corbin. Balas e

flechas voam.

Eu ouço o grito de pânico de Will. — Cuidado! Vocês vão atingi-la!

Eles não estão muito preocupados. Uma seta voa tão perto que roça o

meu cabelo com um apito. Ela me erra, mas não a Corbin. A flecha atinge-o

no peito, empalando profundamente o músculo do seu peitoral. Ele envolve

uma mão ao redor do eixo da seta. Seu sangue purpúreo flui grosso entre os

dedos dele.

Ele grita e nós mergulhamos por entre as árvores, as minhas pernas

voando como fossem feitas de nada. Ele aterrissa rígido em suas costas. Estou

esparramada metade sobre ele, metade no solo. Eu me levanto, me apoiando

com as palmas das minhas mãos, cuidando para não incitar a flecha.

Olho para esse menino com quem eu cresci. Apesar do que nos

tornamos, ele tem sido parte da minha vida, já em minha lembrança mais

antiga. Seu rosto se contorce com a dor, as arestas de seu nariz se alargando

para dentro e para fora rapidamente... como ele não pudesse puxar o ar

rápido o suficiente. Eu não desejo isso nem mesmo para ele.

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— Corbin, — eu digo, mas o nome dele sai mais um soluço. Eu cubro

minha boca e sufoco o som.

Ele está vivo agora, e se ele pudesse voltar para o clã, poderia

sobreviver a isso. Minha mandíbula se trava apertada quando a resolução se

infiltra em mim. Eu não posso deixar que eles o matem. Tão louco e egoísta

quanto ele tem sido, eu acredito que ele estava tentando me salvar agora

mesmo. E ele levou um tiro nessa confusão.

Os caçadores atravessam das árvores para nós com as armas

engatilhadas.

Will grita para que eles parem, agitando os braços enquanto ele

mergulha na luta. — Vocês vão acertá-la! — Ele aborda um caçador antes que

ele possa levantar a arma em nossa direção.

Angus rompe à frente do grupo, puxando uma faca, e eu sei que ele

tem a intenção de usá-la em Corbin. Acabar com ele. Com um berro, ele a

levanta para o alto.

Meu olhar balança para Corbin, indefeso no chão. Seus olhos fixos e

arregalados, perdidos na dor. Nada do duro desprezo usual se grava a seu

rosto. Ele parece tão jovem e assustado. Como o menino com quem eu fui

para a escola primária e que gaguejava suas respostas.

Minha mente trabalha febrilmente. Ele é um grande alvo. Eu não

posso protegê-lo. Eu só posso fazer... isso.

Usar essa parte de mim – aquilo que eu sou.

Deslizando minha mão de Corbin, eu me ponho de pé num

movimento fácil e estou diretamente na frente dele, me preparando para o

que está por vir. Para o que eu estou prestes a fazer.

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Por um minuto, parece que tudo para. Alguém bateu o botão de pausa em

todos, exceto em mim.

Inclinando minha cabeça, eu olho ao redor para todas as figuras

estáticas, as expressões congeladas, corpos suspensos em movimento. Eu

olho e absorvo tudo com uma estranha sensação de calma.

E, então, todos começam a se mover novamente. Mas apenas como criaturas

subaquáticas, lutando contra o fluido ao redor de nós, tentando

desesperadamente ganhar impulso. O grito, Will gritando o meu nome – tudo

vem a mim como se de uma distância muito longe.

O cabelo de Angus se destaca brilhantemente como ele fechasse a

distância entre nós. Quase como uma tocha correndo para mim. A ironia não

está perdida em mim. Eu expiro, alongando meus pulmões ardentes. Não há

nada a esconder mais – nenhuma razão. Eu fiz a minha mente se ajustar a isso

novamente. Mostrar o que eu sou.

Toda a atenção deles está direcionada para Corbin. A besta inimiga.

Angus está quase em mim.

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Eu simplesmente deixo acontecer. Minhas asas se aumentam nas

minhas costas, rasgando minha camisa e rachando no ar.

Minhas asas se empurram livres e se desdobram. Como aves em

cativeiro as folhas de membranas se agitam no ar, ansiosas pelo céu. Calor

explode em meu peito, arrebentando de meus lábios em uma grande bola de

chamas vermelho-azuladas. Angus voa para trás com a explosão de fogo que

eu sou cuidadosa em apontar na frente dele, mal o chamuscando.

Brotos de fogo lambem seu braço direito. Ele bate neles ferozmente,

gritando. Um de seus companheiros pula em cima dele e ele rola no chão.

Leva apenas um momento para os outros caçadores me atacarem. Agora eles

me veem. Seus rostos se torcem, vermelhos de fúria, enquanto apontam suas

armas. Vapor escorrega de meus lábios e escoa do meu nariz, ondulando

como fitas no ar. Aceno com a cabeça para Angus, ladeado pelos outros

caçadores, silenciosamente transmitindo a eles que venham. Eu estou pronta.

Então Will está lá – onde ele não deveria estar! De pé, exatamente em

frente a mim. Isso não os impede, no entanto. Não de tentar chegar a mim.

Um dos caçadores levanta a coronha da sua espingarda, apontando-a para o

rosto de Will.

— Will! — Eu grito, minha voz perdida para a língua draki, o som de

um grito profundo e desumano. Todos hesitam.

Então, meu grito é esquecido. Eu estou esquecida.

Um rugido como um trem de um redemoinho de terra devora todos,

cegando a todos nós. Eu não consigo ver nada. Eu ouço apenas um uivo

ensurdecedor como se uma enorme parede de terra surgisse na frente dos

caçadores.

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Will. Ele está fazendo isso.

O turbilhão gira em torno de mim, seixos e galhos atingindo-me em

todos os lugares, rasgando minha carne. Sem querer que os esforços de Will

sejam desperdiçados, eu recuo e me abaixo, procurando Corbin, o agarro sob

os ombros, e o transporto para a cobertura de árvores, tossindo contra a

sujeira, sem saber por quanto tempo Will vai pode continuar com isso.

Eu arrasto Corbin até que meus músculos queimam pelo esforço, os

braços tremendo, e então eu continuo, os sons do trabalho de Will como um

gemido distante.

— Cassian! — Eu grito, esperando que ele possa me ouvir.

Liberando Corbin, eu agacho ao lado dele. Examino a flecha. Seus

olhos vidrados de dor se concentram em mim. — Não remova isso, — eu

instruí. — Espere até chegarmos de voltar no clã.

— Jacinda, — ele engasga, — Eu-eu sinto muito –

Eu balanço minha cabeça e pressiono os dedos nos lábios. — Calado.

Você vai ficar bem. Não vá se desculpando como se estivesse morrendo.

Além disso, você provavelmente não queria dizer isso, de qualquer maneira.

Nós dois sabemos que você é um idiota.

Ele começa a rir, mas acaba em um violento espasmo de tosse.

Eu rosno. — Eu vou voltar logo.

— Eu vou estar aqui.

Eu estremeço. É claro que ele vai.

Eu volto para o rio. Para Will. Para Cassian.

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A sujeira está por toda parte, inevitável, tão espessa e em redemoinho.

Como numa tempestade de areia, que eu mal posso ver através dela. Meus

olhos de draki lutam para se ajustar, avaliando meu ambiente, olhando para

o marrom esbranquiçado à minha volta.

Eu só preciso encontrar Cassian, alcançar Will e tirá-lo daqui, localizar

Tamra para que ela possa sombrear os caçadores. Então nós vamos ficar bem.

Nós vamos ficar livres. Eu me agarro a essa esperança, essa crença enquanto

eu cambaleio de volta para a briga.

Eu detecto uma forma alta e magra em todo o redemoinho marrom. —

Will, — eu grito, esperando que ele possa me ouvir sobre o vento que ruge,

mesmo em meu irreconhecível discurso draki. Nesse ponto ele deve conhecer

a minha voz, não importa o idioma.

O vento se altera, cresce mais vivo, mais violento. Ele não sabe que

pode aliviar um pouco a pressão? Eu luto contra a barragem para chegar ao

seu lado. Partículas atingem minha pele como agulhas. Segurando a mão

sobre meu rosto em uma tentativa fraca de proteger meus olhos, eu procuro,

apertando os olhos contra o ataque da areia.

Por um momento, eu acho que vejo sombras ondulantes, formas

escuras que rodam através da terra e detritos que voam – como formas turvas

se movendo através de águas pantanosas – mas com o ar opaco que é

impossível dizer com certeza o que é real.

Eu me movo na direção de Will, cerrando os dentes, como se eu

batalhasse por cada passo contra o vento forte, minhas asas dobradas para

que não apanhem ar e me puxem de volta. Estou quase nele, meus olhos

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doloridos devorando a visão dele – e então ele se foi, cai derrubado de costas

por um draki que desce claramente inconsciente de que Will está ajudando.

Instantaneamente, o tornado de terra morre, com o corte na

concentração de Will. Ele segura seu rosto e eu vislumbro um fio de sangue

que corre entre seus dedos, onde o draki o arranhou.

Eu pisco e examino tudo rapidamente. Caos reina quando meia dúzia

de draki grita no céu, mergulhando para os caçadores. Eles são todos ônix, os

soldados de nosso clã... fazendo o que foram treinados a vida toda para fazer.

Cassian está lá, correndo atrás de um caçador no rio, suas grandes asas de

couro completamente esticadas em um voo baixo e fluido. Com um olhar

desesperado para Will, eu grito para Cassian, mas ele não olha para trás. Ele

está cheio de uma fria determinação, ávido por vingança. Eu sinto isso. Ela se

envolve em torno de mim como uma fome. Se Will e eu queremos sair dessa,

vamos ter que fazer isso por conta própria.

Vários draki voam em círculo acima de nós, aves de rapina no ar

aberto, chamando uns aos outros com gritos guturais. Will está deitado,

exposto, um alvo fácil. Medo por ele reveste minha boca enquanto eu corro

na direção dele. Vejo Severin, abrangendo a cena toda do alto. Suas asas são

grandes, cortadas em alguns pontos, às pontas denteadas e de forma

irregular. Seu olhar se aguça em Will e ele guincha. Eu mergulho para Will,

determinado a protegê-lo.

E isso é quando Tamra e Deghan surgem lado a lado, vindos das

árvores. Plenamente manifestados, eles parecem poderosos e magníficos, um

par assustador.

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— Tamra, — eu grito enquanto ajudo Will a ficar de pé, estremecendo

com os cortes sangrentos marcando seu rosto. — Sombreie-os, Tamra!

É a única maneira de acabar com isso – antes que cada um dos

caçadores seja morto. Talvez eu não tivesse me importado antes, mas agora...

com os corpos inertes de Miram e Xander há poucos metros de distância, eu

só quero que isso pare antes que mais sangue seja derramado.

Estou farta de tudo isso. E estes são os amigos e a família de Will. Eu

não quero a morte deles em sua consciência, e eu sei que isso pesaria sobre

ele. Em nós dois.

Tamra acena decididamente e caminha para frente. Em meio ao

tiroteio, gritos, e draki guinchando, ela estende os braços e uma névoa

começa a fluir.

Parada perto de Will, eu assisto, maravilhada com o dom de minha

irmã. Ela possui um talento que pode salvar vidas. Como shader, ela é

esperança e salvação.

A névoa não tem a chance de se construir e crescer. Uma das muitas

balas zunindo pelo ar encontra seu alvo.

Eu grito quando Tamra cambaleia pelo impacto, uma mão voando

para a cabeça onde o sangue jorra. Ela abaixa a mão, olha para ela com

incompreensão.

Minha agonia é intensa... a coisa mais próxima que eu já senti antes foi

quando perdi Papai.

Deghan agarra e segura Tamra. A cabeça dela se apoia e em seguida,

cai em seu ombro. Ele abaixa-a no chão, gritando seu nome. A angústia na

expressão dele ecoa o que gira dentro de mim.

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Quase imediatamente, a blindagem do nevoeiro começa a evaporar, e

nós estamos expostos novamente, imprensados de volta em uma zona de

guerra com nenhum lugar para nos escondermos.

— Tamra! — Eu grito. Eu me movo na direção dela, um braço ainda

em volta da cintura de Will, me recusando a soltá-lo.

É um trajeto lento, e eu acho que nunca vou alcançá-la quando minhas

costas explodem em dor, levando-me para frente.

Eu pouso primeiro de peito no chão, incapaz de me mover, muito

chocada, muito ferida. Minha visão cresce confusa, rasgada e turva. Eu tento

falar, gritar. A dor se irradia por toda a extensão do meu corpo. Mesmo

assim, as dores físicas não são concorrência para a miséria do meu coração.

Tamra. Tamra!

O rosto de Will está ali, enchendo a minha visão. Sua boca formando

meu nome. Ele toca o meu rosto, mas estranhamente tudo é silêncio em torno

de mim, como se alguém tivesse recheado meus ouvidos com algodão.

Eu sinto meus lábios se abrirem, falarem, dizerem alguma coisa. Eu

não posso ter certeza do que – não enquanto eu não posso ouvir a minha

própria voz. Não enquanto um milhão de pensamentos ricocheteiam através

de mim.

Eu acho que eu disse o nome de Will. Tamra. Mamãe.

Ajuda, ajuda, ajuda...

Então não há nada além de escuridão me envolvendo.

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Fragmentos de luz vão e vêm, quebrando a escuridão, oferecendo

esperança num segundo e então um desolador nada em seguida. Vozes

murmuram passando como um trovão distante, tão perto que eu quase posso

entender quase decifrar as palavras.

Mas é impossível me concentrar quando todo o meu mundo é dor.

— Ela não vai sair dessa... —

— Não diga isso. Nunca diga isso. — Estremecendo, eu me viro para o

som dessa voz, reconhecendo-a em um nível instintivo, mesmo quando eu

não posso chegar ao nome. Não consigo formá-lo na minha cabeça. Porque eu

não posso pensar... apenas sentir.

Então, como o desbotamento de uma névoa da manhã, as vozes

desaparecem. Tudo desaparece. Inclusive eu.

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A dor me traz de volta. Toda vez que eu abro meus olhos é para esta

angústia, cegando-me a tudo o mais. É a única coisa que me convence de que

ainda estou viva.

Rostos brilham. Mãos me seguram. Nenhum é registrado. Nada disso

afunda em mim como o tormento ardente do meu corpo. A agonia se irradia

através de tudo em mim. O calor... até o calor é demais para mim.

A única coisa que posso fazer é me render ao cobertor de escuridão

onde eu não sinto nada, não vejo nada. Onde até mesmo os pesadelos não

podem me encontrar. Nada de clã. Nada de caçadores. Nada.

Onde eu posso deixar de existir.

Sussurros se tornam mais altos em meus ouvidos – crescem em vozes

reais, verdadeiras. Palavras e não farpas dos sonhos. Elas me persuadem de

volta à vida. Tornam-se mais do que sons fantasmagóricos que se sobrepõem

em minha cabeça.

Eu as reconheço. Nidia. Tamra.

Tamra! Ela está viva. Como um bálsamo para as minhas feridas, este

conhecimento me fortalece.

E há outra voz que eu mais do que reconheço. Uma voz que eu

conheço profundamente em todos os meus poros, na minha alma – a voz de

Will.

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— Will, — eu arranho, tentando levantar minha cabeça, perguntas

zumbindo por mim.

Eu ouço o sorriso em sua voz, a alegria.— "Bem-vinda de volta,

Jacinda.

Eu pisco lentamente, abrindo meus olhos para um mundo sombrio.

Rostos desfocados estão lá, mas antes que eu possa focá-los eu tenho que

fechar meus olhos contra a tontura repentina que me assalta.

Abro a boca e fecho-a novamente com a secura áspera. Um copo é

pressionado sobre mim e eu bebo avidamente, ignorando o amargor ácido de

raiz verda misturado na água. Quando o copo deixa meus lábios, eu viro

minha cabeça. Um toque frio roça minha bochecha, e é só então que eu

percebo que eu estou deitada sobre minha barriga, minha bochecha esquerda

contra o lençol fresco de um colchão.

Eu reabro os olhos de novo e percebo que o mundo já não está

rodando. — Caçadores... Tamra... —, eu solto, o medo ainda existe, uma

ferida fresca. Para mim, foi apenas há alguns momentos que eu lutei pela

minha vida, a vida da minha irmã e amigos... Will...

A voz de Tamra vem a mim de novo. Mais do que um sussurro desta

vez. — Eu estou bem, Jacinda. A bala passou de raspão. Sangrou muito, mas

nada mais. Nidia me remendou.

— Os caçadores se foram, — a voz de Nidia me tranquiliza. — Nós os

levamos há quilômetros de distância. Eles não têm memória do que

aconteceu. Eu me preocupei com isso.

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Alívio se libera através de mim. Eu luto para limpar até a última

confusão de minha visão, e quando o faço, é para ver a pessoa que eu estive

esperando. Will.

Eu consigo suspirar seu nome logo antes da bebida de Nidia tomar

conta de mim e me derrubar novamente.

—Jacinda, você tem visitas. — A voz me traz de volta de meu leve

cochilo. Abro os olhos e viro lentamente a cabeça.

Eu tinha caído no sono logo após o meu reencontro com Will e Tamra.

Após Nidia forçar um pouco de caldo em mim. Uma vez que eu tive a certeza

de que Will, Tamra, Cassian e Deghan estavam todos seguros, tinha sido um

alívio afundar de volta no sono, sem qualquer preocupação à espreita. Exceto

para Miram, todos nós conseguimos.

E até agora, ninguém no clã parecia decidido a destruir Will. Bônus

duplo. Eu podia dormir sem medo... Eu não tenho certeza de quando foi a

última vez em que me senti assim.

Eu rolo de costas. A pressão não era tão terrível e me senti bem em

mudar de posição. Eu olho para Will em uma cadeira à minha direita e Nidia

sobre de mim. Eu aceno para ela quando me manobro cuidadosamente em

uma posição sentada, consciente das minhas costas ainda feridas. Nidia

rapidamente rearranja os travesseiros atrás de mim.

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— Você está pronta para isso? — Will pergunta, colocando o livro que

ele está lendo na cama.

Eu aceno, mesmo que eu não tenha certeza do que isso seja.

Os passos marcham através do piso de Nidia, fora do quarto. Corro os

dedos pelo meu cabelo emaranhado, desejando um espelho e depois decido

que é melhor que eu não saiba como me pareço.

Enquanto os anciãos atravessam o limiar um por um, eu prendo a

respiração, esperando ver Severin, mas ele nunca entra na sala. E então eu

acho que isso não deve ser tão surpreendente, afinal. Ele acaba de descobrir

que sua filha morreu... nas mãos de sua irmã. Mesmo que ele queira

continuar em seu papel como alfa, eu não tenho certeza que ele possa. Mesmo

que ele seja emocionalmente capaz disso, os crimes de sua irmã, sem dúvida

o ofuscarão.

O último a entrar é Cassian, e minhas suspeitas se confirmam. Se

Cassian está aqui, ele deve ter tomado o lugar de Severin.

Prendo minha respiração. Ele, sem dúvida, comprovou a si mesmo.

Ele será um líder muito melhor. E isso explica por que Will está ileso. Meu

olhar vagueia sobre a forma alta de Cassian. Ele parece curado. Nenhum sinal

de ferimentos. A última vez que o vi ele estava ocupado matando caçadores o

mais rápido que podia. Para vingar Miram. Eu sinto uma pontada no peito

com o pensamento de seu assassinato. Eu brinco com a borda do lençol,

querendo dizer algo... estender a mão e tocá-lo, aliviar a dor remetente que

chega até mim através da nossa ligação, ameaçando me consumir. Sua

expressão não revela nada, mas ele não consegue esconder sua tristeza. Não

de mim.

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— Jacinda, nós viemos para pedir a sua colaboração.

Meu olhar se lança entre Will e Cassian. — Vocês não ouviram tudo

ainda?

O ancião que falou inclina a cabeça. — Recebemos relatórios sobre a

morte de Miram de sua irmã, o draki que chama a si mesmo de Deghan, e

Corbin. Mas precisamos ouvir de você. — Corbin? Ele falou a verdade? Eu

avalio cada um dos rostos dos anciãos, tentando avaliar seus pensamentos.

— Eu testemunhei Jabel matar Miram e depois jogá-la no rio. — Eu

umedeço os lábios e olho para Cassian, odiando dizer às palavras que eu sei

que seria a dor para ele. Mas não dizê-las não vai fazer isso menos

verdadeiro. Puxando uma respiração, eu acrescento, — Ela fez isso sem

piscar um olho.

Um músculo treme na bochecha de Cassian. Fora isso, ele não mostra

nenhum sinal exterior de que as minhas palavras o afetam. Ele não dá

nenhuma dica sobre a raiva e tristeza que surgem dentro dele. Mas eu sinto

isso. Minha respiração escapa em um assobio entre os dentes e eu aperto a

mão no lençol enquanto luto contra o assalto das emoções.

— Eu não acho que ela seja capaz de fazer isso agora, — Nidia

interrompe, mandando um olhar de reprovação a todos os anciãos,

demorando um pouco mais em Cassian. Ela sabe o que realmente está me

incomodando – que as emoções de Cassian estão me atrapalhando.

— Ela disse a mesma coisa que todos nós dissemos, — Will comenta.

— Até mesmo Corbin, — Nidia diz incisivamente, me surpreendendo.

Corbin disse a verdade? Se o próprio filho de Jabel a implicou, eles não têm

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nenhuma razão para duvidar de nossa versão dos fatos. Não com Corbin

corroborando-o.

— Nós temos o que queríamos. Vamos deixá-la. Ela precisa descansar,

— Cassian anuncia.

Todos saem em fila do quarto exceto Cassian. Ele hesita, ajustando seu

peso de um pé para o outro. — Estou feliz por você estar bem. — Eu observo

as mãos fechadas em punhos em seus lados. — Eu deveria ter estado lá para

você. — Seu olhar desliza para Will, e eu sei que ele está pensando que Will

estava lá. Ele lhe dá um leve aceno de cabeça, reconhecendo isso.

— Você não me deve um pedido de desculpas.

— Sim, bem, eu estou feliz que Will e Tamra estavam com você.

— Esse era o plano quando acordamos que você fosse até o clã.

Ficaríamos para trás e esperaríamos. Eu sabia dos riscos voltar aqui. Nenhum

de nós –

Eu paro abruptamente pouco antes de dizer que ninguém se

machucou. Perdemos Miram. Meus olhos ardem com a lembrança. Isso não

deveria ter acontecido, mas aconteceu. — Eu sinto muito sobre Miram,

Cassian.

As pupilas verticais vibram com a magnitude de sua dor. — Eu não

deveria tê-la deixado –

— Não, eu deveria tê-la protegido melhor. Você deixou ela comigo –

Ele balança a cabeça. — Ela era minha responsabilidade. Eu falhei com

ela.

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— Sua própria tia matou. — A voz de Nidia é calmante e firme ao

mesmo tempo. — Assim como estamos todos certos que ela é a pessoa que

traiu Magnus. Não há muito que você possa fazer quando está na cama com

uma serpente e não o sabe.

Cassian concorda com a cabeça, mas eu sei que ele não está

convencido. Ele vai sempre sofrer a culpa pela morte de sua irmã.

Ele avança lentamente para a porta. — Eu vou passar por aqui mais

tarde.

Parte de mim quer lhe pedir para ficar, mas então eu vou ter que

suportar todas as suas emoções, terríveis como elas estão agora. Egoísta ou

não, eu prefiro que ele vá.

Eu sorrio timidamente enquanto seu olhar me varre apoiada na cama.

E nesse aspecto, eu sei que ele sente a minha esperança. Por mim, por si

mesmo, ele vai ficar longe.

Will parece nervoso em dar o primeiro passo fora da casa de Nidia no

redemoinho de névoa.

— Pare de olhar tão preocupado, — eu digo, batendo-o de leve com

meu quadril. Não muito fortemente. Eu não gostaria de perder o equilíbrio e

cair.

— Vendo como você acordou hoje e mal podia andar, eu sou o único

que vai ter problemas se formos pegos.

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— Então se apresse antes que Nidia perceba que estou sumida.

Com um braço em volta da minha cintura, Will toma a maior parte do

meu peso e me guia através do município, seguindo minhas instruções para o

norte através do centro da cidade e depois a oeste, passando por casas em

direção aos cemitérios.

Eu inalo profundamente o frio da noite, o argiloso ar, deixando-o

alimentar o meu espírito. Eu sinto os cemitérios antes que eles entrem em

vista. As canções dos mortos chegam a mim através das pedras que levam a

sua marca. Passamos por uma cobertura de pinheiros até chegar à clareira...

onde todos os draki são colocados para descansar.

Gemas de cada variedade cobrem o chão, algumas na superfície e

algumas enterradas, situadas no fundo da terra e das cinzas de draki há

muito tempo atrás.

Elas brilham, colorindo a noite, inundando o ar em um arco-íris de

tons suaves.

Will suspira ao meu lado.

— É lindo, não é? — Eu murmuro.

— Eu-eu... —, ele gagueja.

— Você os sente, — eu ofereço.

Ele pisca várias vezes, superando. Um sentimento que eu entendo.

Eles estão aqui. Todos eles. Miram, também. A memória de cada draki, que eu

conheci ou não, permanece aqui. Sua energia estala no ar e atinge

profundamente dentro de mim.

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— Papai precisa estar aqui, — eu digo. — Tam e eu temos que pegar

uma pedra... e deixá-la para ele. — É difícil pronunciar estas palavras. Sem a

prova de sua morte, sem as suas cinzas, nunca tinha pensado em fazer uma

coisa dessas antes. Mas a hora chegou.

Will acena em concordância, sua expressão solene. — Você deveria

fazer isso.

As gemas cintilam de suas camas de barro. Uma em especial me

chama a olhar. Um topázio. A pedra preciosa de Miram. Eu respiro seu

nome. Há vários topázios no cemitério de cinzas e joias... mas este fala

comigo, me chama como se fosse a própria Miram. E eu não posso deixar de

pensar que poderia ser.

Eu pisco meus olhos ardentes. Minhas pernas de repente se rendem e

Will me pega, me balançando em seus braços.

— Sinto muito. — Eu choro em seu ombro, detestando que eu pareça

ser tão fraca. Depois de tudo, eu não deveria ser mais forte do que isso?

Imune a essa perda?

— Não se desculpe. — Ele nos relaxa para baixo, segurando-me como

uma criança em seus braços e cantando bobagens no meu ouvido. Sua mão é

forte e firme em minhas costas. Seu toque se move para a minha cabeça,

acaricia meu cabelo. — Ela merece ser lembrada... e que sintam sua falta.

Eu soluço através das minhas lágrimas. — Nós nos preparamos para

salvá-la... e ela acabou morta de qualquer maneira. — A realidade disso só

faz com que a dor seja muito mais amarga.

— Um de nós a matou... não os enkros ou caçadores. Um draki. Sua

própria tia a matou. E ao meu pai.

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Eu bato meu punho no chão, atingindo uma pedra preciosa, a borda

corta minha mão. Eu assobio. Sangue brilhante, quase preto na noite, a cor

roxa indetectável, brota na minha pele. Will murmura uma maldição e usa a

camisa para limpá-lo.

— Ei, tenha cuidado. Você já está ferida o suficiente, — repreende,

puxando minha cabeça em seu ombro e eu me percebo chorando não pela

dor em minha mão, mas pela dor no meu coração.

— Eu ensopei sua camisa, — eu indico, arrancando o tecido molhado

por sobre seu ombro.

— E sangrou nela, — ele simula uma acusação.

Eu fungo e sorrio, alisando a mão sobre seu ombro. Estamos em

silêncio por alguns momentos, sentados juntos à luz das pedras.

— O que eles fizeram com ela? — Eu pergunto, e esclareço, no caso

dele não ter entendido o que quero dizer, — Jabel.

Ele suspira. — Era para ter sido um julgamento... —

— Era?

— De acordo com Nidia, ela sabia qual seria o resultado.

Meu coração bate mais rápido. — A sentença seria a morte. — Pelo o

que ela fez... a justiça do clã seria rápida e impiedosa. — Nada menos do que

ela merecia por eviscerar sua própria sobrinha como se fosse lixo a ser

descartado. — Eu balanço minha cabeça, consciente de que eu sou dura, mas

sobre esse assunto eu não me importo.

— Eu nunca vou esquecer a imagem de Miram sendo arremessada

naquela água.

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Will me mantém mais perto. — Jabel escapou antes que pudessem –

— Ela foi embora, então, — eu declaro, as palavras são difíceis

enquanto eu penso nela. Lá fora. Impune. Por Miram. Por Papai.

— Ela dificilmente será feliz, Jacinda. Completamente sozinha entre os

seres humanos. Ela não é você. Ela matou para proteger essa vida. — Ele

aponta ao nosso redor. — Agora ela a perdeu.

Não é o suficiente. — Perdoe-me se eu não me sinto satisfeita. Eu

ainda acho que a execução seria melhor.

— Você vai ter que deixar pra lá. — Ele coloca o cabelo para trás da

minha bochecha. — Não acha que houve derramamento de sangue o

suficiente? — O sentimento ecoou em mim mesma, não muito tempo atrás, e

eu caio quieta, pensativa, incapaz de discutir a questão.

Will pega a minha mão e enlaça nossos dedos, então eu sinto o baque

de seu pulso. Seus olhos castanhos procuram pelos meus, tentando ver

dentro de mim. Quase como se ele estivesse preocupado que eu saia de tudo

isto danificada... ou talvez apenas a garota que costumava ser. Uma garota

que está em uma missão para salvar a todos – sem espaço suficiente em sua

vida para ele, porque ela está ocupada buscando justiça que nem sempre há

de ter tido.

Eu cubro nossas mãos ligadas com o minha mão livre e me inclino

para frente, com fome de alcançá-lo, tocá-lo – estar tão perto quanto eu possa.

E deixar para trás a velha Jacinda.

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É um raro dia ensolarado quando eu ando pelo município com o braço

de Tamra envolto em minha cintura. Uma leve névoa que conseguiu

sobreviver aos raios gananciosos flutua acima de nossas cabeças,

suficientemente fina para que a luz do sol filtre e aqueça o meu cabelo.

É a minha primeira excursão sancionada desde que acordei desde que

Cassian e os anciãos me visitaram há três dias. Antes disso, eu fiquei

inconsciente por quatro dias. Sem que eu soubesse, naquela semana, o meu

mundo renasceu.

— É uma sensação diferente, — eu digo enquanto duas garotas correm

atrás de nós em direção à escola. Atrasadas, pelo jeito.

— Desde que Severin se afastou, é diferente.

Remy passa e acena um olá. Percebo que a sua braçadeira de patrulha

se foi.

— Sem braçadeira, — eu murmuro.

— Eles conseguiram se livrar delas. — As braçadeiras representavam

um clã dividido para mim. Aqueles que usavam tinham sido os executores, o

resto de nós os subjugados.

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— Não posso dizer que sinto saudades da visão deles. — Eu aceno

com satisfação, sabendo quem estava por trás da ordem. — Cassian vai fazer

coisas boas para o clã, — acrescento.

Tamra me dá um olhar engraçado, mas não diz nada.

Um grupo aparece na distância, sete ou oito draki retornando com o

peixe fresco do dia. Eu pisco quando reconheço dois entre eles.

— Will? Deghan?

Eles saem do grupo quando nos veem. Sorrindo, eles sustentam suas

trouxas de peixes. Deghan se abaixa para beijar Tamra, ali no meio do

município, em plena luz do dia. Eu tento não encarar, mas não é uma visão

comum. E não é somente um beijinho. É o beijo que um homem dá a uma

mulher quando ele é libertado da prisão.

Eu não posso deixar de sorrir, porque eu acho que é uma descrição

apropriada para Deghan. Eles ainda estão se beijando quando eu olho para

Will.

E então eu os esqueço.

Eu nunca posso ver muito mais quando ele está por perto. Eu olho em

seus olhos mutáveis... agora eles estão como um marrom quase dourado. Seu

cabelo cai sobre sua testa. Precisando de corte. Ou talvez não. Há apenas mais

para eu tocar, mais a deslizar meus dedos.

Ele abaixa a sua cabeça e me dá um beijo lento e fácil, seus lábios

suaves e frescos como o ar da montanha. — Oi, — ele diz em uma voz

aveludada que envia arrepios por de mim.

— Oi, — eu devolvo, apontando para o peixe. — Boa pesca.

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— É. Eu estou tipo impressionado comigo mesmo. Eu sempre achei

que as ruivas eram sexy.

— Ha-ha. Eu quis dizer o peixe.

— Ah. Sim. — Ele se afasta e levanta sua trouxa ao alto e admira o seu

trabalho antes de olhar para mim. — Como você está se sentindo hoje?

— Bem. É bom ver você ganhar seu sustento por aqui, — eu brinco.

— É bom saber que eu posso... e não, você sabe, ser –

— Morto, — eu termino.

Ele acena com a cabeça. E a estranheza disso tudo não é perdida para

mim. Will. No clã. Fazendo coisas comuns. Adaptado.

— Vem, Will. Vamos limpar estes —, diz Deghan.

Will balança a cabeça, ainda segurando meu olhar. — Eu vou lhe

encontrar por aqui hoje à noite.

— Ótimo, mas você cheira a peixe. Limpe-se em primeiro lugar.

Seu sorriso se alarga, e eu me sinto leve, flutuante só por vê-lo feliz

aqui. Aqui. Uma perspectiva que eu sempre esperei que pudesse acontecer,

mas nunca imaginei possível.

Tamra e eu seguimos adiante, ambas nos deleitando com o resto do

momento que tivemos com os meninos que amamos. Quem teria pensado

que isso se tornaria a nossa realidade? Mesmo agora, parece um sonho... algo

que poderia ser arrebatado a qualquer momento.

Nós paramos no pequeno parque infantil em frente à escola primária.

Uma dúzia de crianças brinca, descendo o escorregador ou subindo na

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parede de pedra. O professor que supervisiona sorri e acena para nós. Eu

aceno de volta, sem jeito. É estranho ser aceita novamente.

Duas meninas correm para o último balanço disponível. A que o

alcança primeiro salta com um sorriso triunfante. A outra garota dá língua e

se desfaz daquilo como se ela tivesse algo melhor para fazer.

Eu sorrio. — Lembra quando éramos assim?

Az sai da porta da sala de aula naquele momento, e eu me lembro de

que ela trabalha como auxiliar de professora como sua ocupação. Ela passou

para me ver ontem, me enchendo por ser pega pelos caçadores de novo, e

depois me colocando em dia com todas as fofocas do clã.

Ela corre para a beira do parque quando nos vê, seu longo cabelo preto

listrado de azul se balançando. — Ei, que bom ver você andando por aí.

Cansada da cama? — Ela me abraça. — Quero dizer, quão chato isso pode

ser quando tem um cara lindo esperando por você em sua cabeceira? — Ela

revira os olhos.

— E você? — Ela aponta um dedo para Tamra. — É melhor manter

esse seu Deghan bem próximo. Você já viu todas as meninas olhando para

ele? — Ela aperta uma mão contra o peito. — Menos eu, é claro. — Ela pisca

para mim. — Eu tenho muito mais respeito do que ficar babando pelo cara de

outra garota.

— Az! — O professor chama do outro lado do playground.

— Tenho que correr. — Az suspira. — Alguns de nós tem deveres...

vocês sabem, em vez de se aventurarem com caras gostosos.

Tamra e eu estamos rindo enquanto ela se distancia.

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— Oh, como eu senti falta dela, — eu digo, balançando a cabeça.

Virando, eu examino o perfil pensativo de Tamra. — Eu vou sentir saudades

de você, também.

As feições de Tamra se tornam melancólicas. — Você pode ficar aqui

agora, você sabe. Will, também. — Ela morde seu lábio, liberando-o para

dizer, quase como se ela estivesse lendo meus pensamentos, — Vai ser

diferente agora.

— Eu sei disso.

— E não é como se Will fosse completamente humano também.

Concordo com a cabeça. Isso é verdade. Eu respiro fundo e considero

Will. O veredicto ainda está incerto com relação a ele. Ele não é um draki,

mas também não é humano. Ele tem poderes, verdade... Mas será que o

sangue de draki estende a sua vida, também? Só o tempo dirá.

— Sei que o clã é um lugar melhor agora. Com Cassian.

— Jacinda.

Algo na voz de Tam me para. Seu braço se desliza em minha cintura.

Eu me viro para encará-la, cuidadosamente me posicionando diante dela.

— E se Cassian não estivesse no comando?

Minhas sobrancelhas se elevam — Quem mais... —

— Ontem à noite, Cassian e os anciãos restantes vieram me ver.

Eu viro a minha cabeça para o lado, esperando que ela me explique.

— Eles não querem mais um alfa no comando. Eles querem manter um

conselho formado por representantes... — Ela se prolonga por um momento.

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Ela olha para as crianças brincando, e eu não posso deixar de pensar

que entre eles pode ter um respira-fogo, ou uma draki extinta como todos

pensavam que Tamra era. E assim o novo clã irá tratá-los ambos com justiça.

Uma brisa chicoteia brotos de fogo em meu rosto e eu as tiro de mim.

— Bem. Isso soa muito democrático.

Ela finalmente continua. — Eles querem que eu esteja no conselho. E

Deghan.

Eu recuo. Inclinando minha cabeça, eu olho para ela, maravilhada que

minha irmã se tornou alguém que outros admiram. Eu sempre soube que

havia grandeza nela, mas até recentemente, o clã nunca havia percebido isso.

— E eu posso ouvir na sua voz que você está interessada.

— Eu disse sim.

— Eu vejo. — Acenando lentamente, eu processo a informação e digo

a mim mesma que deveria estar preparada para isso. Ela já tinha me dito

isso... que ela queria permanecer no clã. Não é realmente um choque. Desde

Deghan, as coisas mudaram. Tamra não estaria mais satisfeita em me seguir

pela vida. Uma coisa boa, eu sei. Nós vamos ser irmãs, sempre, e ainda

amaremos uma a outra, só levaremos vidas separadas. Isso é como deveria

ser. Ainda assim... é um ajuste pensar no meu futuro sem ela ao meu lado. E

fere um pouco. — Você vai ser boa para o clã. Justa. Eles têm sorte de ter

você. — As palavras estão apertadas em minha garganta, mas eu consigo

deixá-las sair.

Se eu dissesse a ela sobre Mamãe, ela ainda iria querer ficar aqui?

Mesmo eu me questionando, eu sei que não é justo manipulá-la com essa

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informação apenas porque eu não quero perdê-la. Mas então eu posso não

dizer a ela? Não é algo que eu possa guardar para mim.

— Nós não somos menininhas mais, — ela murmura.

— Não. Nós não somos, — eu concordo. Um silêncio cai. — Eu sei

onde encontrar a Mamãe, — eu finalmente admito. — Lembra-se de nossa

viagem a Oregon? Aquela nossa fotografia na frente de uma formação de

rocha que parecia uma palmeira?

Tamra balança a cabeça, sua expressão brilhando. — Sim! A palmeira!

— Ela está lá, — eu digo. — Ela voltou para lá. — Eu observo Tamra,

esperando – injustamente, eu sei – que isso possa mudar sua ideia.

Em vez disso, ela diz, — Bem, ela pode voltar para cá agora. Seu

banimento não é mais válido –

— Eu duvido que ela se importe. — Eu dou uma olhada em Tamra. —

Você não espera que ela queira viver aqui novamente, não é? Ela nunca quis

isso.

Tamra suspira. — Você está certa.

E então eu me sinto mal... por tentar usar Mamãe contra ela. — Eu

tenho certeza que ela vem nos visitar, eu digo. — Ela vai ficar feliz por você

estar feliz. Eu também estou.

Ela olha para mim com alívio.

Eu balanço minha cabeça, pensando em outra coisa. — E Cassian? Ele

está satisfeito por ser apenas outro membro deste conselho?

Ela me olha como se eu já devesse saber essa resposta. — Ele está indo

embora.

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— O que?

— Ele está deixando o clã.

De repente é difícil respirar.

Ela me olha com preocupação. — Jacinda? Você está bem?

— O clã precisa dele. — Isso é o que ele sempre me disse – que o clã

precisava dele. De nós. Ele quase me convenceu disso.

— Ele não parece pensar mais assim. Seu pai se demitiu. Severin está

quebrado, envergonhado. Assim como ele e Corbin. — Ela hidrata os lábios e

olha para trás em direção as crianças. — Eu não acho que Cassian possa mais

ficar aqui. Não depois de tudo o que aconteceu.

E eu acho que entendo isso. Eu não o vejo permanecendo aqui,

sumindo, desaparecendo na sombra ao lado de seu pai e primo. Não que eu

esteja o agrupando com Severin e Corbin. Eles estão lutando com sua

vergonha enquanto ele luta com a sua tristeza por Miram. Meus olhos se

fecham em um piscar de dor quando o rosto de Miram aparece diante de

mim. Eu o conheço bem o suficiente para saber que ele está se culpando. —

Eu acho que é verdade.

— E você, Jacinda? O que você vai fazer?

O que eu vou fazer? É a pergunta que eu tenho me feito há meses.

Ainda mais do que isso. Mesmo antes de ter Will me puxando para um

caminho e Cassian para outro...

Quando tudo se resume a mim – apenas a mim – o que eu quero?

Onde é que eu deveria estar? Pela primeira vez, eu tenho a liberdade de fazer

essa escolha. Um lento sorriso toma conta dos meus lábios.

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Eu laço meu braço com o de Tamra e nos afastamos do playground. O

riso das crianças desaparece atrás de nós. — Acredite ou não, eu ainda estou

desvendando isso. Primeiro, é claro, eu e Will estamos indo encontrar

Mamãe. E então... — Minha voz morre e sinto meu sorriso se esticar mais

amplo.

Ela me cutuca brincando. — De que você está rindo?

— Nada. Só me sinto bem por ter uma escolha. Até agora, eu nunca

tive a liberdade de decidir e depois tornar essa decisão uma realidade. Mas

onde quer que eu vá, eu vou voltar para visitar. Eu tenho que ver minha irmã

gata e bem sucedida levando o clã para o futuro, afinal.

Tamra revira os olhos.

— Agora, vamos lá, — eu digo. — Toda essa caminhada me fez ficar

faminta.

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Eu ando na ponta dos pés pelo corredor escuro da casa de Nidia,

tomando um cuidado especial quando entro na sala de estar onde Will dorme

no sofá. Eu o observo por um momento, apreciando a beleza áspera dele

antes de escorregar para fora. Eu preciso fazer isso sozinha. Não faz sentido

acordá-lo.

O município zumbe com todos os sons da noite, mas ninguém se

ocupa enquanto eu me movo para o norte em direção à casa de Cassian. A luz

passa através das sombras. Alguém está acordado. Eu penso em Severin.

Tamra o chamou de envergonhado. Quebrado. É difícil pedir remorso para o

homem. Eu sei que ele perdeu sua filha... e, de certa maneira, sua irmã,

também.

Alinhando meus ombros, eu bato e espero, torcendo que não seja

Severin a abrir a porta. Eu sei que Jabel foi responsável pela morte de meu

pai, e não ele, mas ele ainda teve parte nos sofrimentos da minha vida. Eu

não quero olhar em seu rosto novamente se eu não precisar.

Eu sei quem está do outro lado da porta antes que ela se abra. Eu o

sinto tão intensamente quanto a minha própria respiração se derramando de

meus lábios.

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— Jacinda. — Seu olhar se derrama sobre mim em minha camisola e

olha por cima do ombro. — Você veio sozinha?

Concordo com a cabeça.

Ele aponta para trás dele. — Entre.

Eu aceno para o balanço da varanda. — Podemos nos sentar aqui?

Ele fecha a porta atrás de si e se senta. Sento-me ao lado dele. Por um

tempo, só balançamos, e me pergunto se isto é como teria sido se eu nunca

tivesse deixado o clã. Cassian e eu nos balançando juntos em balanços de

varanda nas noites, para o resto de nossas vidas?

— Você está indo embora, — eu anuncio.

Ele inclina a cabeça. — Sim. E você também. — Não é uma pergunta.

— Sim. Para onde você vai?

Ele vira uma mão preguiçosamente pelo ar. — Eu não sei. Há muito

para ver lá fora... outros clãs. Eu gostaria de me conectar com eles.

Compartilhar o que eu aprendi avisá-los sobre os enkros e seus dispositivos

de rastreamento. Talvez eu vá aprender com eles também.

Eu penso em Lia, Roc, e os outros – me perguntando se eles

conseguiram. Um gosto amargo reveste minha boca.

— Eu tenho certeza que existem lugares melhores para mim do que

aqui, — acrescenta.

Eu me viro para a ele. — O que você está procurando?

— Talvez algum lugar em que eu possa contribuir com alguma coisa

boa.

— Você pode fazer isso aqui.

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Ele estremece. Um canto de sua boca se curva em um sorriso parcial.

— Então, talvez algum lugar onde eu possa esquecer. Que tal essa franqueza?

Seus escuros olhos purpúreos cortam em mim, e eu sei que ele está

falando de mais do que sua família, mais do que sua irmã.

Eu abro minha boca, mas ele levanta uma mão para me parar. — Eu

entendo Jacinda. Eu não entendia antes, mas agora... desde que fomos

ligados. — Ele ri duramente, e há desconforto no som. — Eu entendo o que

você sente por Will. Deus, eu entendo.

Minhas bochechas esquentam com constrangimento, o significado por

trás de suas palavras entrando em minha cabeça. Enquanto eu senti tudo que

Cassian sentia, ele vem experimentando todos os meus sentimentos também.

Até mesmo os meus sentimentos por Will.

— Uau, — murmuro. — Isso é meio estranho.

Ele ri novamente e desta vez o som é genuíno.

Eu escovo uma mecha de cabelo do meu rosto, mas ele cai novamente

em meus olhos. Nossos olhares se travam. — Eu espero que você encontre o

que você está procurando lá fora. — O que você merece.

Ele levanta a mão e enfia o cabelo errante atrás da minha orelha. —

Você também, Jacinda.

Sem outra palavra, ele deixa cair sua mão e se move em direção à

porta. Lá, ele faz uma pausa e olha para mim. — Adeus, Jacinda.

Eu arrasto uma respiração profunda que estremece em meus pulmões,

sabendo que eu posso não vê-lo novamente – nunca mais. — Adeus, Cassian.

Então, ele se vai. A porta clica suavemente atrás dele.

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Eu me levanto incapaz de ficar mais um momento em sua varanda, em

tal proximidade que eu possa sentir sua emoção toda. Nenhuma delas é

agradável neste momento em particular. Tristeza. Luto. Um cansaço que

corre profundamente em sua alma.

Mas o que eu não sinto nele é arrependimento. Isto é o que eu levo

comigo, quando eu fujo de sua varanda. No que eu me apego. No saber que

nós dois estamos seguindo nossos corações sem remorso. E nesse momento o

meu está me levando para Will.

Eu corro pelo caminho, minha camisola farfalha em meus tornozelos.

De repente, uma figura emerge da névoa.

Eu ofego e recuo até que eu vejo que é Will. — Você me assustou.

Ele se aproxima devagar, com as mãos enterradas profundamente nos

bolsos da calça jeans.

— Desculpe. Acordei quando você estava saindo. Eu estava

preocupado com você. — Eu não posso imaginar o que ele pensou... eu sai

sorrateiramente no meio da noite e fui até Cassian, de todas as pessoas.

Ainda assim, eu não vejo nenhuma raiva em seu rosto. Só paciência. Ele está

me observando, esperando ao que parece, seu olhar não tão desconfiado, mas

cauteloso. Eu já o levei ao inferno e voltei, mas ele esteve lá comigo em tudo

isso.

— Eu estou bem. Cassian e eu estávamos dizendo adeus. — Eu olho

por cima do ombro. — Ele não vai estar aqui de manhã. — Eu sei disso,

mesmo que não tenha sido dito diretamente. Eu sinto isso. Ele estava

esperando que eu viesse. Esperando para dizer o seu último adeus.

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Will olha por cima do ombro, avaliando a casa tranquila de Cassian.

Uma brisa agita, e o balanço da varanda se move. — Ele está indo embora?

— Sim. — Eu tomo a mão de Will. Seus dedos longos se envolvem em

torno dos meus. — Ele vai ficar bem, — eu digo, acreditando nisso. Cassian

vai encontrar o que ele precisa. Em outro lugar.

Eu começo a andar, mas me faz parar e encará-lo. — Você está bem? —

Sua testa enruga com preocupação.

Eu me inclino para frente e suavizo as linhas em sua testa antes de

deslizar minhas mãos ao longo de suas bochechas, segurando seu rosto com

ternura entre as minhas palmas. — Isso definitivamente acabou. Estamos

livres. — Finalmente. — Nós podemos ir a qualquer lugar. — Eu pressiono

minha boca na dele, beijando-o com tudo, tudo o que sou – até que o calor

familiar cresce em meu interior e me sinto pronta para estourar da minha

pele. Eu me afasto e digo com voz rouca contra seus lábios, — Eu estou mais

do que bem.

Ele me puxa de volta e me beija e eu não preciso de uma ligação para

sentir se ele está bem.

Eu sei que ele está. Nós dois estamos.

O oceano é um movimento suave em meus ouvidos enquanto eu ando

de mãos dadas com o Will. Na outra mão, as tiras das sandálias balançam dos

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meus dedos. As barras enroladas das minhas calças jeans irritam a parte de

trás dos meus joelhos.

— Tem certeza de que é aqui?

Eu seguro meu braço sobre meu rosto, sapatos balançando. O sol

poente pinta o ar um magnífico rosa-alaranjado, tão brilhante que machuca

meus olhos. Várias estruturas rochosas pontilham a costa. Por um momento,

eu me vejo aqui anos atrás, correndo com a minha irmã, Papai e Mamãe nos

seguindo em um ritmo mais lento, segurando suas mãos e divertindo-se ao

nos assistirem enquanto nos lançamos na arrebentação. Tamra perde um

chinelo e grita, se atirando no oceano para recuperá-lo. Eu sorrio com a

lembrança e a deixo me aquecer.

— Sim. Eu tenho certeza.

Will aperta minha mão.

Continuamos meus pés afundando na areia. Eu ando uma linha reta,

mesmo com a areia densa me puxando. A antecipação passeia por mim

enquanto eu analiso a costa, na esperança de que ela esteja aqui. Que eu não

estou errada. Eu esperei muito tempo para isso. Se ela não estiver aqui, vou

continuar procurando até que eu a encontre.

Enquanto isso, Will e eu temos um ao outro. E todo o tempo do

mundo para momentos como este – nós dois caminhando juntos em uma

praia. Sem medo do amanhã. Sem qualquer questionamento de quem somos

ou o que queremos.

Vejo uma mulher à frente na praia, com os cabelos parcialmente

cobertos com um lenço roxo. As extremidades onduladas levantam com o

vento como chamas dançando enquanto ela olha para o mar. Ela abraça a si

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mesma quando olha resolutamente à frente, em busca de algo nessas águas

de ouro fundido e no sol descendente.

Eu paro sob a sombra de uma das formações rochosas e sigo seu olhar,

olhando para o sol se pondo no mar. Meu peito aperta. É uma bela vista.

— Lá está ela. — Will aperta meu braço. — Vamos.

Concordo com a cabeça, olhando-a um momento, quase com medo de

gritar, com medo que ela possa desaparecer como nos meus sonhos. —

Mamãe!

Ela se vira para me encarar com uma rapidez que me diz que ela está

esperando por mim. Ela sabia que eu viria. Eu entrelaço meus dedos com os

de Will. Nossas palmas pressionadas completamente uma contra a outra e eu

posso sentir a batida do seu coração imenso no mesmo ritmo do meu.

— Vamos, — eu declaro, saindo das sombras para a luz.

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AGRADECIMENTOS

Após três anos enterrada profundamente no mundo de Firelight, é

difícil dizer adeus a Jacinda e amigos. Mas, como na vida, todas as coisas

devem ter um fim, e eu simplesmente me considero afortunada por ter sido

capaz de compartilhar o mundo de Firelight com tantos leitores. Obrigada por

terem feito essa viagem comigo.

Eu quero agradecer especialmente a todos da HarperCollins por

ficarem por trás desta série. É claro, nada disso poderia ter acontecido sem os

meus editores maravilhosos, Farrin Jacobs e Kari Sutherland. Farrin, obrigada

por dar uma olhada para a "história de dragão" em primeiro lugar e dar a ela

(e a mim!) uma chance. O seu apoio significou muito. Kari, seu olho para os

detalhes nunca deixa de me surpreender. Obrigada por nunca se contentar

com "bom o suficiente." Os resultados finais são tão seus quanto meus.

Um grande abraço para a minha agente, Maura Kye-Casella, por estar

ao meu favor por todos esses anos. Nós chegamos longe juntas. Eu nunca

duvidei de nossa parceria e levo em conta minhas estrelas da sorte que eu

tenha assinado com você desde o início. Publicitária extraordinária, Marisa

Russell, obrigada por estar no topo de tudo e sempre ter trabalhado tão

rapidamente – especialmente quando eu a surrei com meus e-mails. Sasha

Illingworth, Cara Petrus, e Sarah Kaufman – obrigada pela criação de tais

capas maravilhosas. Tera Lynn Childs, você foi a primeira a me dizer para

correr atrás desse meu objetivo – muito obrigada.

Eu tenho sorte de estar rodeada de familiares e amigos, cujo apoio

ajuda a me manter à tona: Tera Lynn Childs (de novo!), Sarah MacLean, Jane

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Welborn, Lindsay Marsh, Mary Lindsey, Shana Galen, Vicky Dreiling, Sparks

Kerrelyn, Kady Cross, Kim Lenox, Gina Endecott, e Laura Griffin.

E para os meus pais, Gene e Marilyn Michels, obrigada por sempre

estarem orgulhosos de mim e se gabarem para quem quiser ouvir. Robert

Michels e Rosanne Kohler, vocês são culpados pelo mesmo – amo e agradeço

a vocês dois.

E para os meus filhos, que mantêm tudo em perspectiva, vocês

adicionam alegria e significado a cada dia. Eu sou uma escritora melhor por

isso. E, finalmente – Jared. A cada dia que passa, eu o valorizo e aprecio mais

do que no dia anterior. Você faz tudo possível. Eu te amo. Eu amo a nossa

vida.

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A trilogia Firelight é composta por:

No Brasil é série é publicada pela editora Agir

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Tradutores

Catty

Thais

Serena

Kitten

Gabi

Ravana

Ana

Revisoras

Renata, Jaque

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