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7/25/2019 Flavia Adami - A Hibridação Entre Performance e Fotografia http://slidepdf.com/reader/full/flavia-adami-a-hibridacao-entre-performance-e-fotografia 1/10  Anais do VII Fórum de Pesquisa Científica em Arte. Curitiba, Embap, 2011. 76 A HIBRIDAÇÃO ENTRE PERFORMANCE E FOTOGRAFIA: UM ESTUDO SOBRE A PERFORMANCE, A FOTOGRAFIA E O ARTISTA LUIZ RETTAMOZZO Flávia Adami 1  [email protected] Resumo  A linguagem da performance sempre foi e continuará sendo um assunto controverso no campo das arte visuais. Questionamentos sobre o entendimento dessa linguagem continuam em pauta: de que maneira a performance interfere nas relações interpessoais, culturais e sociais?; como caracterizar os resultados obtidos pelos trabalhos performáticos? Essas são perguntas que exigem muita reflexão. Este artigo tem por objetivo discutir a relação entre performance e fotografia. Tentaremos identificar um tipo de performance que encontra na fotografia não apenas o registro, ou seja, uma performance que contraria o entendimento da ação ao vivo como única possibilidade. Para este estudo, foi analisado o trabalho intitulado  Ar Retta, publicado em 1981, pelo artista Luis Rettamozzo. Estes trabalhos fotográficos afirmam uma poética entre a performance e a fotografia, no qual a fotografia não é o registro de uma ação ao vivo, mas o lugar de seu acontecimento. Palavras chaves: Performance; Fotografia; Interseção. Abstract The performance language always has been and still is a controversial subject in visual arts. Questions about the understanding of this language are still in place: how does performance interfere in interpersonal, cultural and social relations?; how to classify results obtained through performative works? These questions require much thought. The specific objective of this article is to discuss the relation between performance and photography. We will try to indentify a kind of performance that finds in photography not only a record, in other words, a performance that contradicts the understanding of live action as the only option. For this study, we analyzed the work titled  Ar Retta, published in 1981 by the artist Luis Rettamozzo. This photographic works claim a poetic between the performance and photography, in which the photography is not the record (register) of a live action, but the place of its occurrence. Keywords:  Performance; Photography; Intersection. O corpo tem sido objeto de curiosidade do homem, desde que ele tomou consciência de sua materialidade. E vem sendo até hoje motivo de investigações de várias áreas de conhecimento, como a sociologia, as ciências, a antropologia, as artes visuais, entre outras. Na contemporaneidade, entendemos que o corpo carrega informações culturais, artísticas, sociais ou políticas. Como afirma Stephanie Batista: O corpo não contém apenas leis da fisiologia, não é somente carne e osso que escapam da história, mas sim algo formado por uma série de regimes que o constróem e nele estão escritas todas as regras, 1  Aluna do curso de Especialização em História da Arte Contemporânea, da Escola de Belas Artes do Paraná. (turma 2010).

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 Anais do VII Fórum de Pesquisa Científica em Arte. Curitiba, Embap, 2011. 76 

A HIBRIDAÇÃO ENTRE PERFORMANCE E FOTOGRAFIA:UM ESTUDO SOBRE A PERFORMANCE, A FOTOGRAFIA E O ARTISTA

LUIZ RETTAMOZZO

Flávia Adami 1 [email protected]

Resumo

 A linguagem da performance sempre foi e continuará sendo um assunto controverso nocampo das arte visuais. Questionamentos sobre o entendimento dessa linguagemcontinuam em pauta: de que maneira a performance interfere nas relações interpessoais,culturais e sociais?; como caracterizar os resultados obtidos pelos trabalhos performáticos?

Essas são perguntas que exigem muita reflexão. Este artigo tem por objetivo discutir arelação entre performance e fotografia. Tentaremos identificar um tipo de performance queencontra na fotografia não apenas o registro, ou seja, uma performance que contraria oentendimento da ação ao vivo como única possibilidade. Para este estudo, foi analisado otrabalho intitulado  Ar Retta, publicado em 1981, pelo artista Luis Rettamozzo. Estestrabalhos fotográficos afirmam uma poética entre a performance e a fotografia, no qual afotografia não é o registro de uma ação ao vivo, mas o lugar de seu acontecimento.Palavras chaves: Performance; Fotografia; Interseção.

Abstract

The performance language always has been and still is a controversial subject in visual arts.Questions about the understanding of this language are still in place: how does performanceinterfere in interpersonal, cultural and social relations?; how to classify results obtainedthrough performative works? These questions require much thought. The specific objectiveof this article is to discuss the relation between performance and photography. We will try toindentify a kind of performance that finds in photography not only a record, in other words, aperformance that contradicts the understanding of live action as the only option. For thisstudy, we analyzed the work titled Ar Retta, published in 1981 by the artist Luis Rettamozzo.This photographic works claim a poetic between the performance and photography, in whichthe photography is not the record (register) of a live action, but the place of its occurrence.Keywords: Performance; Photography; Intersection. 

O corpo tem sido objeto de curiosidade do homem, desde que ele tomou consciência

de sua materialidade. E vem sendo até hoje motivo de investigações de várias áreas de

conhecimento, como a sociologia, as ciências, a antropologia, as artes visuais, entre outras.

Na contemporaneidade, entendemos que o corpo carrega informações culturais, artísticas,

sociais ou políticas. Como afirma Stephanie Batista:

O corpo não contém apenas leis da fisiologia, não é somente carne e osso que escapam da história,

mas sim algo formado por uma série de regimes que o constróem e nele estão escritas todas as regras,

1 Aluna do curso de Especialização em História da Arte Contemporânea, da Escola de Belas Artes do Paraná.(turma 2010).

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todas as normas e todos os valores de uma sociedade específica. Junto a seus adornos, o corpo formaidentidade.2

É justamente por ser considerado um instrumento de comunicação, que ele foi e

ainda é usado nas artes visuais como elemento de constituição do trabalho do artista. Seolharmos para a linguagem da pintura ou da escultura podemos perceber que a

representação do corpo é um dos temas mais frequentes dos artistas, desde o

Renascimento. Essa representação se torna, com o passar dos séculos, não a única forma

possível de se pensar a corporalidade, porque já não é suficiente para expressar os anseios

modernos. Desta forma, a partir do século XX, o corpo se transforma também em material,

instrumento e veículo para a arte.

Em meados dos anos 1960 e início dos anos 1970, houve uma mudança na maneira

de se pensar e de se fazer arte. Com o surgimento da arte conceitual, que tem como base acrítica a um modelo institucional, o corpo passou a ser suporte para muitos trabalhos,

quebrando assim uma ideia histórica do que seja o objeto artístico. Assim, a linguagem da

performance começa, neste periodo, a ser desenvolvida no meio das artes plásticas.

Os artistas optavam pela performance para libertarem dos meios de expressão dominantes  – a pintura ea escultura – e das limitações de se trabalhar dentro dos sistemas de museus e galerias, e de que modoeles a usaram como uma forma provocativa de responder às mudanças que então se operavam  – querpolíticas, no sentido mais amplo, quer culturais.3 

 A performance é muitas vezes entendida como um processo artístico que só ocorre

ao vivo e que a ação do artista precisa de um público para que seja consumada. Essa

maneira de pensar a performance correlacionada ao público é muitas vezes parecida com a

concepção da linguagem do teatro, principalmente do século XIX, na qual a relação entre

espetáculo e público é intrinseca. A partir da década de 1960, surgiram alguns trabalhos

performáticos, nos quais a obra final era uma fotografia ou um vídeo e o público não tinha

mais uma efetiva participação ao vivo. Desta forma, ocorre uma mudança na maneira de

compreender a performance, já que o público passou a ser, em muitos casos, importante

apenas na observação da obra final, no caso, uma fotografia ou um vídeo. Surgem então

duas questões: a do entendimento de o que seria um registro fotográfico, usado para

documentar uma performance que ocorreu ao vivo; e o entendimento da obra fotográfica,

que registra a ação corporal de um artista. A busca por esclarecer as questão da possível

diferença entre registro e obra e entre obra fotográfica e performance ao vivo foi o caminho

traçado neste artigo.

2 BATISTA, Stephanie. Focus in corpus  – focus in corpore: uma reflexão sobre o corpo e suas representaçõesenquanto tempo e enquanto conhecimento. p. 3.3 GOLDBERG, Roselee. A arte da Performance. São Paulo: Martins Fontes, 2006. Prefácio.

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REGISTRO FOTOGRÁFICO OU OBRA, A PERFORMANCE COMO VEÍCULO

 A partir do anos 1980, o termo e a prática da performance tendem a ser ampliados

por alguns autores, entre eles Regina Melim, Philip Auslander e Kristine Stiles. Estaampliação do termo é resultante de pesquisas artísticas que incorporam outras linguagens,

como a fotografia e o vídeo, aliadas às ações corporais dos artistas. Isto resultou em obras

nas quais existe uma ação performática que prescinde da presença real do corpo do artista.

O público, nestes casos, não é mais considerado como uma “testemunha” da performance,

mas sim, aquele que construirá a sua narrativa ou sua ação de forma em seu pensamento.

São, portanto, de caráter diferente das performances ao vivo, nas quais o espectador

observa a obra sendo produzida naquele instante, participando ativamente do processo

artístico. Regina Melim afirma que esta ampliação do termo que ultrapassa a presença física

do artista está “libertando” a performance de “seus estereótipos mais comuns,

estabelecidos, via de regra, pela presença do corpo do artista como núcleo central de

expressão e investigação, próximo ou similar à body art .”4 

Devemos destacar que existem diferenças entre o registro da performance, que é

feito por meio da fotografia e do vídeo, e os trabalhos que usam as linguagens da fotografia

e do vídeo como meios para produzirem ações performáticas. Cristina Freire, no artigo

intitulado Gestos perenes: o registro fotográfico na arte contemporânea, descreve que a

fotografia e o vídeo documental passam a ter nos anos 1970, mais especificadamente, uma

função de presença-ausente, porque são eles que tornam visíveis no presente, uma ação

que ocorreu num determinado tempo passado, ou melhor, num tempo ausente. Desta forma,

os registros das performances mediante fotografias e vídeos são considerados como partes

de um processo e não como obra final. Como explica Freire:

São sinais que algo se passou, e em sua quase efemeridade permanecem como testemunhos deprocessos em fotografias, livros, filmes e vídeos. Nas fotografias e filmes de ações e performances, aobra de arte mistura-se com sua documentação desafiando assim o fetichismo do objeto, afeito àsexpectativas do mercado e a ideia aceita e naturalizada do que seja obra de arte. 5 

 A autora toca exatamente na questão que estamos abordando, ou seja, o que difere

uma obra de arte fotográfica, por exemplo, de um registro fotográfico? Podemos entender

então, que o registro de uma performance, seja ele fotográfico ou em qualquer outro meio,

faz parte de um processo artístico, tendo a função de documentar da melhor maneira

possível o processo performático e torná-lo, por intermédio de imagens, um discurso inteligível.

4 MELIM, Regina. Performance nas artes visuais. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 56.5 FREIRA, Cristina in SANTOS, Alexandre. A fotografia nos processos artísticos contemporâneos. Porto Alegre:UFRGS, 2004. p. 32.

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Regina Melim intitula de “ações orientadas para fotografia e vídeo” alguns trabalhos 

nos quais existem características performativas dos artistas:

Uma das características presentes tanto nos vídeos quanto nas fotografias é o aspecto performativo queeles engendram, através das ações empreendidas pelo artista diante da câmera, instaurando seupróprio corpo como matéria artística, eleito, muitas vezes, como lugar de desdobramento das categoriasescultura e pintura.6 

Podemos perceber que quando Melim nomeia alguns trabalhos de “ações orientadas

para fotografia e vídeo”, está, de certa forma, diferenciando a obra do registro. Podemos

entender que a obra diferencia-se do registro porque é compreendida como sendo parte

integrante de uma linguagem, que não é somente da performance, pensada de maneira

tradicional, mas está acrescida das preocupações específicas da fotografia ou do vídeo, por

exemplo. Desta forma, na prática, o trabalho concentra-se naquela linguagem específica,

seja vídeo ou fotografia, embora contenha uma discussão conceitual da performance, já que

o corpo do artista está presente em sua proposição de uma ação.

Entre muitos exemplos de artistas que usaram estas linguagens artísticas como meio

para desenvolver trabalhos performáticos, podemos citar o trabalho da brasileira Brígida

Baltar, no qual o uso da linguagem fotográfica foi aliada às ações corporais. Assim, os

resultados do trabalho são fotografias e não o registro de uma performance.

O trabalho intitulado Abrigo foi elaborado em 1996 e tem um caráter autobiográfico. A

artista desenvolveu uma relação entre corpo e espaço, concebida como sua própria

residência. Desta forma, começou a escavar as paredes de sua casa, para que estas

tivessem a forma de seu corpo. Ao final da escavação, Brígida preencheu este espaço na

parede com seu corpo. Este trabalho foi apresentado por uma sequência de fotografias,

possuindo um caráter narrativo. Podemos perceber que é um trabalho que discute a

linguagem da performance, afinal, a ação efetuada pela artista com seu corpo é

performática, mas a linguagem escolhida pela artista para apresentar seu trabalho foi a

fotografia.O autor Philip Auslander, no artigo intitulado A performatividade da documentação da

performance,  discute sobre essa mesma questão, ou seja, o que seria considerado uma

documentação fotográfica e o que seria uma fotografia que discute a performatividade,

chamada por ele de fotografia teatral. Para Auslander, a fotografia documental de uma

performance é um registro através do qual o próprio evento (no caso a performance) pode

ser reconstruído. Desta forma, existe uma relação ontológica entre a performance e o

documento fotográfico. Esta relação é considerada, pelo autor, como sendo uma relação

ideológica, já que a fotografia cria a ilusão de ser uma correspondente exata da realidade.

6 MELIM, Regina. Performance nas artes visuais. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 49.

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Portanto, a fotografia documental neste caso atua como substituta da realidade, tornando-se

a performance.

Na categoria teatral, Auslander insere o termo  performed photography   – fotografias

interpretadas – que são entendidas como o único espaço onde a performance ocorreu. Ouseja, a performance foi elaborada unicamente para a fotografia, sem a intenção de uma

audiência, tornando-se obra final. Como exemplo destas fotografias interpretadas, podemos

citar os trabalhos de autorretratos de Cindy Sherman e até mesmo a emblemática fotografia

de Marcel Duchamp interpretando Rrose Sélavy. Esses dois trabalhos são considerados,

pelo nome a eles dado  –  performed photography , segundo o autor, como um tipo de

fotografia e não uma performance, embora tenha uma ação performática. E é justamente

esta questão que Auslander quer discutir em seu artigo, argumentado que esses dois tipos

de fotografias (documental e teatral) podem ser entendidos, em muitos trabalhos, como

possuidoras do mesmo significado e também como performances.

É importante citar que Auslander acredita que a experiência de assistir a uma

performance ao vivo pode ser, muitas vezes, mais enriquecedora, do que se vista através de

fotografias. Desta forma, não nega a importância do público numa performance ao vivo, mas

complementa afirmando que não é a audiência que irá defini-la como tal. Para isso, cita um

depoimento de Gina Pane, comentando a importância da fotografia em seu trabalho. Para a

artista, muitas vezes o registro fotográfico da sua obra é mais importante do que o público; e

acrescenta que as fotografias não são tiradas aleatoriamente, mas sim estudadas antes da

performance. Podemos concluir que o autor acredita que tanto o documento de uma

performance quanto a fotografia teatral podem ser entendidas como tendo uma relação

ontológica com a performance, ou seja, podem ser entendidas como uma performance, só

que produzida num suporte fotográfico.

RETTAMOZO, A PERFORMANCE ESPONTÂNEA

Depois de abordar as discussões sobre o que é o registro fotográfico e o que seria

uma obra fotográfica, na qual existe uma ação corporal que pode ser entendida como

performance, podemos identificar essa questão na obra do artista Luiz Rettamozo. O

trabalho artístico que analisaremos neste artigo é intitulado Ar Retta (1981) e foi exposto na

Sala Miguel Bakun, em Curitiba. Ele consiste em um envelope, que possui três folhas de

tamanho A3, nas quais estão impressos trabalhos fotográficos e poemas. Nestas fotografias

o artista opera nas fronteiras entre as linguagens performática e fotográfica.

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Envelope Ar Retta, 1981. Conteúdo do trabalho Ar Retta, 1981.

 Antes de abordarmos as questões específicas, apresentaremos o artista,

considerando-o “precursor da anti-arte em Curitiba”7. Luiz Carlos Ayalla Rettamozo nasceu

em São Borja, Rio Grande do Sul, no dia 3 de janeiro de 1948. Frequentou a Faculdade de

Belas Artes da UFSM em 1967, como aluno ouvinte das cadeiras de estética, história da

arte, desenho e escultura, além de ter feito cursos de litogravura e litografia. Passou a residir

em Porto Alegre quando tinha vinte anos, para trabalhar numa agência de propaganda e dar

aulas de serigrafia no Ateliê Livre da Prefeitura. Mudou-se para Curitiba na época da

ditadura, pois estava sendo procurado pela polícia por causa do movimento estudantil.

Não existia faculdade de Propaganda etc... os redatores eram jornalistas ou poetas e os diretores dearte eram advindos das artes. Na realidade sou autodidata. Quando encontrei essa palavra enconteimeu método de conhecimento. O fato de ser autodidata nos dava abertura para estudar sem amarras...daí fazer arte. Arte era o caminho para a liberdade... a liberdade da pintura... gravura, das ideias! 8 

O artista participou de inúmeras exposições, entre elas, quatro Salões Paranaenses,

referentes aos anos de 1975 a 1978, tendo sido premiado em todas as edições. Teve

também participações na XVI Bienal de São Paulo, no Museu de Arte Contemporânea doParaná, no Museu Metropolitano de Arte e no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro,

além de ter exposto seus trabalhos em algumas galerias de Curitiba e de outras cidades.

Participou de alguns festivais de cinema super 8, na década de 1970, e publicou livros de

poemas que foram editados em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Curitiba. Teve importante

participação no meio publicitário, tendo ganho vários prêmios referentes a campanhas

publicitárias.

Falaremos sobre dois trabalhos fotográficos que compõem o envelope Ar Retta, essas

fotografias estão dispostas em papéis de tamanho A3. O primeiro é intitulado Ocupação

7 Gazeta do Povo, 13 de maio de 1992.8 Depoimento do artista feito pela web, 18 nov. 2009.

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 para um espaço sensível à anarquigrafia  – projeto para a reconstrução do gesto suspeito; e

o segundo, Poema/escultura gestual .

O primeiro trabalho é formado por uma sequência de oito fotografias e consiste na

ação do artista em pichar um muro. A questão é que essa pichação, na última fotografia dasequência, extrapola o espaço e se insere no papel suporte das fotos. Para produzir esse

efeito, Rettamozo, que foi fotografado por Nélia Kurtz, fingiu estar pichando o muro, ou seja,

desenvolveu movimentos corporais que representassem a ação da pichação, sem a ter

realmente executado. Depois da fotografia ampliada, usou um aerógrafo para pintar uma

linha preta, que seria a suposta pichação. Desta forma, usando o aerógrafo, ele estrapolou o

espaço da última fotografia, passando a incorporar o espaço do papel. O processo acaba

quando o artista refotografa o trabalho.

O que mais nos interessa, neste trabalho, é que a fotografia possui uma ação

corporal, como atesta a teoria de Philip Auslander, na qual a fotografia teatral, ou usando o

termo do autor, performed photography   – fotografia interpretada –, pode ser considerada um

seguimento da performance, pois possui uma relação ontológica com a mesma. Desta

forma, podemos entender que esse trabalho fotográfico de Rettamozo é uma performance

que ocorre exclusivamente na fotografia sem a presença do público, que neste caso, não é

imprescindível ao seu desenvolvimento. Não estamos afirmando que o público não é

importante, já que sabemos que sem ele não é possível que qualquer trabalho artístico seja

considerado como tal. Estamos argumentando que a presença do público ao vivo, ou seja,

quando essa performance ocorreu, não é um elemento importante para esse trabalho

específico. Se considerarmos que a obra final é uma fotografia e que o público irá tomar

conhecimento da ação do artista através dela, entendemos que a relação obra/público se dá

no momento da observação da mesma. Assim, neste caso as linguagens da fotografia e da

performance têm uma relação intrínseca. A questão é que não podemos afirmar que esse

seja somente um trabalho fotográfico. Ele possui um corpo, que está produzindo uma ação e

que acaba sendo o elemento essencial desta fotografia, que está inserida no processo da

performance.

Para entendermos melhor a questão, podemos fazer um exercício visual: imagine

essas fotografias sem o corpo do artista ou imagine-as com o corpo de outra pessoa, que não

o do Rettamozo. Percebemos que o trabalho seria completamente diferente. Mas se

pensarmos numa fotografia de moda, por exemplo, aquelas em que o corpo da modelo serve

de suporte para a roupa. Se mudarmos a modelo, ou sua posição/ação na fotografia, ainda

sim a ideia inicial continuará, ou seja, a roupa será destacada de qualquer forma.

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RETTAMOZO, Luiz. Ar Retta / Ocupação para um espaço sensível à anarquigrafia  –  projeto para a reconstrução do gesto suspeito, 1981. 

O segundo trabalho que compõe o envelope  Ar Retta é intitulado Poema/escultura

gestual   e também é composto por uma sequência de fotografias, ao todo, cinco. Nesta

sequência, fica mais evidente a relação entre a linguagem da fotografia e a linguagem da

performance. Esta obra, segundo o artista, foi desenvolvida espontaneamente. Rettamozo

estava recortando a margem de uma fotografia que iria usar para algum trabalho publicitário.

 Ao se deparar com o pedaço de papel isolado dela, resolveu usá-lo como a margem da

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margem da fotografia. Desta forma, foi fotografado desenvolvendo ações, nas quais joga

com a questão do enquadramento fotográfico.

Neste trabalho, podemos perceber que a ação do artista está discutindo a linguagem

da fotografia e ainda está sendo apresentada através de uma fotografia. Se fizermos maisuma vez o exercíco visual de imaginar essa ação sendo feita ao vivo, como numa

performance “tradicional”, a discussão do enquadramento fotográfico seria diferente, pois o

que dá uma significação mais satisfatória a este trabalho é o fato de ele apresentar-se como

uma metafotografia.

RETTAMOZO, Luiz. Ar Retta /Poema/escultura gestual , 1981. 

Quando a ação corporal do artista passa a compor uma fotografia, os

questionamentos sobre seu processo e sobre a linguagem da performance são ainda mais

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confusos. Como mencionado, é comum que o entendimento desta linguagem tenha

referência somente à performance ao vivo, embora existam trabalhos, desde a década de

1960, que usam a performance na fotografia ou no vídeo. Não existe uma única resposta

absoluta, para explicar esse procedimento. Mas, neste artigo, identificamos algumasdiscussões que argumentam e defendem a relação de interseção entre as linguagens da

performance e da fotografia. Ou seja, em alguns casos, quando a obra final é uma fotografia

e possui uma ação corporal do artista, ela pode ser identificada como parte de um processo

performático, diferente do registro fotográfico, que também é parte de um processo, mas

visa à documentação. Concluímos que a obra fotográfica possui uma relação ontológica

com a linguagem da performance, quando é composta por ações corporais.

Concluimos também que não se pode definir uma estrutura fixa para a performance.

Como por exemplo: que ela é uma linguagem que é executada exclusivamente ao vivo e

que só é considerada como tal se tiver a presença do público, no momento da execução das

ações. A performance é uma linguagem híbrida e, se nos empenharmos para defini-la,

estaremos negando sua natureza, a qual é construída pela permeação de linguagens e

conceitos.

Com essa pesquisa tivemos a grata satisfação de conhecer o trabalho do artista Luiz

Rettamozo, que foi importante para exemplificar as discussões estabelecidas. Através de

seus conceitos e a sua maneira de produzir, foi possível compreender a maneira de pensar

do artista e o porquê da performance ser uma linguagem voltada à vida. Temos consciência

de que sua obra performática vai além de Ar Retta e de que é merecedora de uma pesquisa

mais profunda. Por isso, demostramos nossas espectativas de produzir essa pesquisa, no

futuro.

REFERÊNCIAS

 AUSLANDER, Philip. The performativity of performance documentation. PAJ 84 A journal of performance an Art , The MIT Press, 2006, p. 1-10.

BATISTA, Stephanie. Focus in corpus  – focus in corpore: uma reflexão sobre o corpo e suasrepresentações enquanto tempo e enquanto conhecimento. 

CLARK, Lygia. In: FERREIRA, Glória; COTRIM, Cecilia. Escritos  de Artistas: anos 60/70 .Rio de Janeiro: Zahar, 2006.

Gazeta do povo. Rettamozo. Curitiba, 13 de maio de 1992.

GOLDBERG, RoseLee. A arte da performance. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

MELIM, Regina. Performance nas Artes Visuais. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

SANTOS, Alexandre; SANTOS, Maria Ivone.  A fotografia nos processos artísticoscontemporâneos. Porto Alegre: UFRGS, 2004.

STILES, Kristine. Performance. In: NELSON, Robert; SHIFF, Richard. Critical terms for arthistory. Chicago: The University of Chicago Press, 2003.