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Flora Süssekind | BRASIL HAGIOGRAFIAS “Existe uma caprichosa correlação entre as biografias das gerações e a marcha da história”. [Roman Jakobson] Talvez caiba uma observação sobre o título deste ensaio. Pois se o objeto fundamental de reflexão aqui é a obra de Paulo Leminski, em particular as diversas formas hagiográficas que foram trabalhadas por ele, tantos santos e referências sacras podem conduzir ao mesmo tempo a uma indagação sobre o exercício contemporâneo da crítica de cultura no Brasil. Não se trata, porém, de observação que diga respeito exclusivamente à cultura literária. Ao contrário, procurando detectar essas hagiografias num campo mais vasto, não é difícil, pensando, sobretudo, no panorama cultural recente, encontrá-las em diversas outras áreas. Na crítica contemporânea de música popular, por exemplo. No modo como tem tratado, em especial, Chico Science, Cazuza, Cássia Eller, Renato Russo, convertidos, em geral, em quase mártires. Uma conversão que pode chegar por vezes a resultados

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HAGIOGRAFIAS

“Existe uma caprichosa correlação entre

as biografias das gerações

e a marcha da história”. [Roman Jakobson]

Talvez caiba uma observação sobre o título desteensaio. Pois se o objeto fundamental de reflexão aqui éa obra de Paulo Leminski, em particular as diversasformas hagiográficas que foram trabalhadas por ele,tantos santos e referências sacras podem conduzir aomesmo tempo a uma indagação sobre o exercíciocontemporâneo da crítica de cultura no Brasil. Não setrata, porém, de observação que diga respeitoexclusivamente à cultura literária. Ao contrário,procurando detectar essas hagiografias num campomais vasto, não é difícil, pensando, sobretudo, nopanorama cultural recente, encontrá-las em diversasoutras áreas. Na crítica contemporânea de música popular, porexemplo. No modo como tem tratado, em especial,Chico Science, Cazuza, Cássia Eller, Renato Russo,convertidos, em geral, em quase mártires. Umaconversão que pode chegar por vezes a resultados

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reconfortantes como a ressurreição, quase trinta anosdepois, de um grupo musical com formação quase idên-tica à original. Foi o que aconteceu com Os Mutantes em2006, que, ressurectos, apareceram, como numaespécie de fantasmagoria sonora, tocando o repertóriodos seus discos do tempo da Tropicália. Passando aoterreno das artes visuais, alguns de seus objetos desantificação são também de fácil detecção. Como JorgeGuinle Filho, Márcia X e Leonilson, na geração deartistas que se afirmou nos anos 1980. Na vida teatralbrasileira, há, igualmente, um lamento persistente pelaatriz Isabel Ribeiro, pelos atores Chiquinho Brandão eFelipe Pinheiro, pelo ator, performer e professor LuizRoberto Galizia e pelos encenadores Márcio Vianna e LuizAntônio Martinez Corrêa, para ficar em alguns exemplosapenas. Nada, porém, que alcance o grau de mitificaçãoque envolve os mortos da área de música popular.Também no campo cinematográfico, há algosemelhante quando o luto pela morte prematura deGlauber Rocha, Leon Hirszman ou Joaquim Pedro deAndrade, lembrando três nomes de importânciaincontestável, se transforma em barreira analítica. Omesmo acontecendo, no domínio das artes plásticas,com muito do que se tem escrito sobre Hélio Oiticica ouLygia Clark. Ou em tentativas anacronizantes derecriação tal qual, fora de contexto, de obras,proposições ou formas de interação sugeridas pelotrabalho dos dois. Privilegiei de propósito exemplos de vida breve, mortesprematuras, por vezes trágicas, pois este costuma serfator preponderante nesses processos de canonização.O que se torna particularmente evidente quando seobserva a fortuna crítica de escritores como MárioFaustino, Torquato Neto, Ana Cristina Cesar, Antônio

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Carlos de Brito (Cacaso), Paulo Leminski ou CaioFernando Abreu. Não é perceptível somente umadominância biográfica na bibliografia referente a essesautores. Há a construção freqüente (mesmo quando seproduzem hagiografias malditas) de algo próximo àshistórias de santos quando se toma qualquer um delescomo objeto de estudo. São vidas impregnadas, aposteriori, de intencionalidade, são destinos nos quaisse enxerga, nos mínimos detalhes, a marca daexcepcionalidade (lembre-se a ligação telefônicaerrada, sempre citada, na qual uma vidente teriaprevisto a morte de Faustino). Eleitos cujas obras sãovistas como de eleitos também. Nesse sentido aperspectiva crítica parece se deixar contaminar quasesempre por esse dado hagiolátrico inicial. O que é nomínimo desconfortável. E pode por vezes sugerir areação inversa – a desconfiança de que só pode haveralgo errado aí. O que é que permite a eles serem vistoscomo tão exemplares? Ainda mais quando se percebeque já há mais de uma geração de críticos ocupados naconstrução dessas hagiografias (precocementenostálgicas) do tempo presente ou do passado recente.Pois se o processo de canonização foi iniciado peloscontemporâneos imediatos desses autores, ele seriareforçado significativamente por uma parcela dos quevieram depois. O altar parecendo tomar, para os maisnovos, o lugar de projetos próprios, de “motivos paraquê” mais definidos. Leminski tinha o seu “anjo davanguarda”, Cacaso retrabalhava, com a atençãovoltada para o cotidiano em tempos de ditadura, olirismo de Bandeira e o humor do poema-minutomodernista, Ana Cristina enformou essas tensões entreexpressividade e rigor em micro-enredos, ficçõesbiográficas e numa poesia-em-vozes, de ritmo e foco

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intencionalmente deambulatórios. Diante da situaçãohodierna de retorno estético ao poema-bem-feito, a umuso acrítico da métrica (lembre-se o dito oposto deLeminski: “O ritmo, não o metro”), a uma compreensãoda poesia como demonstração de habilidade artesanal,não é de estranhar o recurso a esses mitos recentescomo forma de resistência a uma atrofia deperspectivas. Uma resistência que, no entanto, nãopode deixar de perder poder de fogo ao assumir aspectoestritamente hagiolátrico. À santificação ou execração da geração de 1970 sesucederiam outras. E mesmo o presente mais imediatopassou a ter hagiógrafos à disposição. Não hápré-requisitos unânimes agora, porém. Podem serprivilegiados traços estilísticos, comportamentais,regionais, políticos. Formas diversas de vitimizaçãocostumam interessar. Qualquer que seja ela, aliás, oimportante é que o crítico se torne o garçon d’honneurde certo autor ou do grupo a que este se achavinculado. Desde que caiba a este crítico a função desumo sacerdote desse culto. De guardião de obras járeconhecidas a descobridor de talentos, de editortodo-poderoso a decifrador conclusivo das referências edos significados mais secretos do texto que estiver empauta. Mesmo que para isso deva abandonar de vez acrítica, tornando-se o divulgador de um autor individual(vivo ou morto), de uma inteira região, uma tendência,um lugar social, um grupo editorial ou uma faixageracional ou migratória específica.

QUESTÃO DE HORA E LUGAR

Ana Cristina Cesar, Paulo Leminski e Cacaso, com todasas suas diferenças, se tornariam exemplares em meio às

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legendas áureas dos anos 1970. Uma verdadeiraSantíssima Trindade. Internamente conflitante, porém.Basta lembrar do lamento de Leminski, depois deabandonar, de repente, um debate sobre poesiapromovido pela revista Isto é, no qual, dentre outrosescritores, estava presente Cacaso. Além de reclamar do“baixo nível da discussão” e bater em retirada, aindaacrescentaria depois, com endereço certo: “Nenhumlance de dados abolirá o Cacaso”1. A morte, no entanto,parece tê-los auratizado e transformado (com diferentesgraus de adoração, porém) em objeto de culto. Dessemodo, talvez se pudesse transferir para o trio díspar aindagação de Roman Jakobson, depois do suicídio dopoeta, sobre Maiakóvski: “Como escrever sobre suapoesia agora, quando a tônica já não é mais o ritmo, masa morte do poeta, quando (...) a “tristeza aguda” nãoquer mais se transformar em “dor clara e consciente”?2

Às vezes, contudo, nem se precisa de umdesaparecimento trágico para chegar à canonização. Asexigências para uma rápida santificação literária têmdeixado de lado, nas últimas décadas, a experiência doluto e a lista de autores de classe média mortos antesdo tempo. A auréola vem passando para autores cujapobreza, exclusão social ou vinculação a espaçoperiférico justifique a priori tal operação. E produza, nomesmo processo, uma certidão pública dereconhecimento do agente intelectual de suacanonização. Mudam os santos, mantém-se, porém,lógica hagiográfica semelhante. E de efeito duplo: asantificação e a “tristeza aguda” de um são garantia dealcance para a voz do outro, do hagiólogo.

Quanto a Antônio Carlos de Brito, sua morte precoce,em 1987, foi de causa natural, um infarto do miocárdio.

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O que não barrou a nota quase hagiográfica nos textosde balanço de sua atuação. “Que anjos e pedrarias/para erguer um altar?”3, se poderia perguntar ecoandoo poeta no seu “Madrigal para Cecília Meireles”.Lembre-se, nessa linha, no Jornal do Brasil, para ficarem comentários muito citados, o obituário assinado porWilson Coutinho, texto significativamente intitulado “Osom de um anjo”: “Aos 43 anos, Cacaso conservava orosto juvenil, redondo, mantendo ainda os cabeloslongos, a barba por fazer e as sandálias de couro”4.Descrição cuja ênfase no despojamento de cunhoangelical, na figura meio franciscana e num aspectojuvenil, atemporal, encontraria correspondência críticaem “Pensando em Cacaso”5, nota de Roberto Schwarzpublicada na revista Novos Estudos Cebrap n. 22, deoutubro de 1988, na qual chama a atenção, dentreoutros aspectos, para as sandálias usadas com meias,os óculos de John Lennon, a sacola de couro, o paletósobre camiseta, portados regularmente pelo poeta, quevão se associando, ao longo do texto, a um forte apegoà infância (“a vida pra sempre colecionada no álbum defigurinhas”), a “certa informalidade de menino” e a umdesejo persistente de “liberdade de espírito”. Prefigurações dessa angelografia já se achamdisseminadas em momentos diversos da obra poéticade Cacaso, nas quais ecoam tanto o anjo tortodrummondiano quantos os muitos anjos de ManuelBandeira. E isso já desde os poemas dos anos 1960,alguns anteriores até ao seu primeiro livro. Como“Confidência a Vila Rica”, de 1963: “Vou ser um anjo degravata / num dia de quarta feira”. Em “Banquete”, de1966, texto incluído em A palavra cerzida, há o seguintetrecho: “(...) Um anjo me atravessa: sou Deus / e mereparto / na gravidade desta mesa: // Meus dias cegos

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no tempo”. Em “Poemas brancos”, da mesma época, oanjo, dotado de poderes verdadeiramente demoníacos,se mostraria capaz de transportar, de fato, o sujeito devolta ao passado: “Ó anjo anunciador, levai-me aopassado / onde desmancharei a vida futura, onde sereisinistro como / o coito / dos girassóis”. Em “Cinema mudo”, do livro Grupo escolar, já docomeço da década de 1970, há, dentro do poema, umpequeníssimo auto-retrato do poeta como querubim:“Livre na sua memória escolho a forma / que mais meconvém: querubim / gaivotas blindadas / suave otempo suspende a engrenagem”. Angelizaçãorecorrente que seria convertida, numa de suas letrasmais conhecidas, em eixo exemplar para a exposiçãoda lógica dual, da oposição entre dentro e fora,passado e presente, que parecem acompanhar essasautofigurações e a constituição da perspectiva lírica emseus poemas. Cito, então, apenas para rememoração,um trecho da canção “Dentro de mim mora um anjo”,parceria de Cacaso com Suely Costa: “(...) Dentro demim mora um anjo / montado sobre um cavalo / queele sangra de espora / ele é meu lado de dentro / eusou seu lado de fora / Quem me vê assim cantando /não sabe nada de mim (...)”. As aparições de anjos podem por vezes ganhar, emsua obra, aspecto francamente brincalhão. Comomuitas das referências prosaizadoras do poeta aaspectos da cultura religiosa. Para mencionar apenasalgumas delas, dentre as que já se encontramexpressas em títulos de poemas, lembre-se de “SantaCeia”, “Juízo Final”, “A palavra do Senhor”, “Dente pordente”, “Arca de Noé”, “Vacas magras”. Mas há outrasmanipulações, mais alegorizantes, dessareligiosidade. É o que acontece em “Jogos florais I”,

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onde um milagre de Cristo é acoplado aodesenvolvimentismo e ao “milagre econômico” doperíodo militar. Aí a água nem chega a virar vinho, jápassando direto ao vinagre. O novo milagre,queimando etapas, ainda mostra podertransformador. Nele, porém, a mudança é para pior:“Ficou moderno o Brasil / ficou moderno o milagre: / aágua já não vira vinho, / vira direto vinagre”.6

Por vezes a politização é praticamente instantânea.Vide “Obra aberta”: “Quando eu era criancinha / O anjobom me protegia / Contra os golpes de ar. /Comoconviver agora com / Os golpes? Militar?”. Neste caso,a referência ao anjo se faz presente apenas para quese restrinja de imediato a sua capacidade de proteção.Pois, se eficazes contra os golpes de ar, agora que setrata de outro tipo de golpe, de um golpe militar,parecem ficar sem função. E, em vez de escudos deproteção, sugere-se, via homofonia, a hipótese de umconfronto direto: de alguma forma de militância.Resposta diversa, intencionalmente nada heróica,daria Paulo Leminski numa de suas “ideolágrimas”:“casa com cachorro brabo / meu anjo da guarda /abana o rabo”. É interessante registrar, porém, que,com maior ou menor auto-ironia, via cooptação(“abana o rabo”) ou potencial resistência (“Militar?”),essa angelização aponta nos dois casos, sem maioresdisfarces, para os impasses da vida cultural nocontexto brasileiro do período dos governos militares.Quase como se não fosse mesmo possível existirintelectualmente naquele momento sem, de algummodo, incorporar modelos hagiográficos, sem umasimpatia explícita pelos mártires e santos, pelasexperiências corporais dolorosas, a ponto de semostrarem por vezes imperiosas as invasões de

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monstros e anjos nas obras, além de recorrentes asfigurações sacras ou martirológios do artista. Não é à toa, então, diante dessa situação de impotência(golpes, cachorros brabos), que se passe de um anjobom, agora inútil, a um outro, maligno, ameaçador. “Umdiabo habita o branco do olho da página”, avisa-se em“Sortes e cortes”, de Paulo Leminski. “Ainda hoje confiona chegada do capeta”, anuncia-se no último verso de“Desencontro marcado”, de Cacaso, texto já dos anos1980, sobre uma visita satânica aguardada e temida poruma “consciência infantil” tão cheia de culpas queparecia “tocar trombeta” na escuridão. Já numa cançãocomo “Se porém fosse portanto”, parceria de Cacaso comFrancis Hime, o tom sacro se ameniza e um santo vaipuxando outro, numa cadeia de impossíveis “se”: “sepudim fosse polenta / se São Bento fosse santo / donaBenta fosse benta / e o capeta sacrossanto / se a dezenafosse um cento / se cutia fosse anta / se São Bento fossebento / e dona Benta fosse santa”. E há, ainda, o “SãoTancredo” do lamento em homenagem a Tancredo Neves,cuja morte, sem chegar a ser empossado o primeiropresidente civil do país desde o Golpe de 1964,provocaria imensa comoção, e uma sucessão de elegiasfúnebres de todo tipo. “Um Presidente Doutor / Nosso Doutor Presidente / Seudia consagrador / É dia de grande ausente”, conta opoema “Presidente” de Cacaso. Nele o poeta se exercitacomo hagiógrafo e transforma o “Tancredo TancredinhoTancredão”, do começo do lamento fúnebre, no “SãoTancredo/ De São João”. Exercício que, com contornosmenos grandiosos, estaria presente no poema sobre amorte de Renato Landim (“Uma desgraça pelada/ umtoque de serafim?”), incluído em Mar de Mineiro, de1982, e na canção “Surdina”, feita em parceria com

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Maurício Tapajós. Nela há um canto funéreo, em formade lista, que vai do pianista Francisco Tenório Jr.,desaparecido na Argentina em 1976, a Elis Regina,morta em 1982, Vinícius de Moraes, morto em 1980,Clara Nunes e Ana Cristina Cesar, as duas últimasfalecidas em 1983, cabendo aí à morte reunir “a melhorprata da casa / o ouro melhor da mina”, e afinar “o coroque desafina”. “Se desse tempo eu falava / do salto da Ana Cristina”: éassim que se encerra “Surdina”, incluindo na listalutuosa o suicídio da poeta. E sublinhando, assim semfalar, essa morte. A morte sublinhando, por sua vez, a“melhor prata”, o “melhor ouro”. O que pareceprefigurar o sentido de boa parte das leiturasestritamente biográficas da obra de Ana Cristina Cesar,nas quais a morte prematura vira critério valorativo e seprojeta sobre seus mais ínfimos aspectos, quasepré-determinando uma linha lutuosa de apreciação.Talvez valesse a pena verificar, nesse sentido, quantosdos artigos e das teses sobre a sua poesia contêmsuicídio, salto, melancolia, paixão, morte ou expressõessemelhantes já no título, indicando inequívocapreferência por uma patologização temática.

Pois no caso da morte de Leminski e Ana Cristina, houve(de modo distinto, é claro) intencionalidade. Houve osuicídio de Ana, em 1983, e a morte de Leminski, porcirrose hepática, em 1989, apressada por sua dificuldadeem manter a abstinência alcoólica. Escolhas que, de fato,ajudaram a referendar certo martirológio como modofavorito de leitura da vida e da obra dos dois. Uma dormais secreta, no caso de Ana. E uma agonia pública, node Leminski. Apesar de um texto como “Malditos,marginais, hereges”, por exemplo, funcionar como recusa

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antecipada desse tipo de hagiografia por parte de AnaCristina Cesar, sua morte voluntária seria invocada, demodo recorrente, como chave oposta e preferencial deleitura. “As dádivas dos anjos são inaproveitáveis: / Osanjos não compreendem os homens”, lê-se na versão daLira dos Cinqüent’anos de “Belo Belo”, de Bandeira,poema particularmente caro à poeta (vide “21 defevereiro”em A teus pés). E, no entanto, uma angelolatriavigorosa acompanhou de perto a crescente repercussãopost-mortem de sua obra. Não é sem ironia, aliás, comrelação a esse gosto pronunciado pela perspectivamartirológica, que o título escolhido para a biografia daescritora publicada em 1996 por Ítalo Moriconi seria Osangue de uma poeta. Ana Cristina Cesar não criou para si, fisicamente, comoCacaso, uma persona pública de aspecto tão regular,uma imago exemplar, atemporal, estudadamentefranciscana, e, no entanto, tão presa à sua geração,quanto era a dele. Pois a visão hoje de qualquer retratode Cacaso possibilita sua imediata remissão aos anos1970. E, no entanto, não deixa de impressionar essainalterabilidade, essa autototemização, ao longo deduas décadas. “Fictício retorno à simetria”? Comrelação a Ana Cristina, basta observar as fotos maisdivulgadas. Mudam o tipo de traje, de cabelo, às vezesmais curto, ou mais longo, os óculos de grau oraescuros, ora de aro fino, com lentes transparentes.Mesmo havendo, em meio à sua fortuna iconográfica,um número restrito de retratos privilegiados, e mesmosendo possível datar os modelos dos óculos, a épocade certas roupas, ou os cortes de cabelo, não é aodesejo de manutenção de uma auto-representaçãosempre idêntica que essas imagens parecem atender. Quanto às referências religiosas, na poesia de Ana

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Cristina, também não se manifestam exclusivamentecomo ecos remotos de fantasias infantis ou de um paísde formação predominantemente cristã. No seu caso, éimportante lembrar a vinculação estreita de suafamília, em especial do seu pai, à Igreja Presbiteriana eao Movimento Ecumênico, e da própria poeta, quandomenina, a atividades ligadas ao Instituto MetodistaBennett e à Comunidade Cristã de Ipanema, assimcomo a viagem de estudos, realizada por ela, emprograma da juventude cristã, para a Richmond Schoolfor Girls, em Londres, em 1969. Não faltam, então,volta e meia, nos seus escritos, estocadas diretasdirecionadas a essa presença religiosa tão forte em suaformação. É exemplar, nesse sentido, o “presépioanfíbio na privada”, do seu “Conto de Natal”. Assimcomo o poema “16 de junho”7, no qual gestos esensações banais, olhos pintados de lilás, peitosempedrados, frio nos pés, se imbricam a expressõesligadas ao culto cristão, como “Amém, mamãe”, “Vinde,meninos, vinde a Jesus”, “Eu sou o caminho, a verdade,a vida”, “A Bíblia e o Hinário no colinho”, “A bençãofinal amém”. Não faltam, igualmente, ao longo de suaobra breve, algumas figuras de anjos e santos eênfases, aqui e ali, na dor física, na mortificação. Porvezes se divisa até mesmo um “Deus na Antecâmara”,como no poema com este título, de 1969. Os anjos que irrompem nos seus poemas, no entanto,só muito raramente estão lá apenas como aparições ouícones sacros. “No flanco do motor vinha um anjoencouraçado”, lê-se em “Atrás dos Olhos das MeninasSérias”. Não é à toa que os nomeia, em geral, deacordo com alguma função determinada: “anjo queregistra”, “anjo / que extermina / a dor”, “anjo damorte”. Fazendo questão de revelar, ainda, quando as

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fontes angelográficas não são propriamente sagradas,como na referência (em poema de A teus pés) ao “AnjoExterminador”, de Buñuel, ou (ainda em “Atrás dosOlhos das Meninas Sérias”) às “Charlie’s Angels” doseriado de televisão “As Panteras”. Por vezes, contudo, anjos e santos se encontramexatamente onde seria de se esperar: em templos,catedrais. Como em “Protuberância”: “(...) Uma lâmpadaqueimada me contempla / Eu dentro do templo chuto o tempo / Uma palavra medelineia / VORAZ / E em breve a sombra se dilui, / Seperde o anjo”. Ou em “Encontro de Assombrar naCatedral”: “Frente a frente, derramando enfim todas as /palavras, dizemos, com os olhos, do silêncio que / não émudez. / E não toma medo desta alta compadecida /passional, desta crueldade intensa de santa que te /toma as duas mãos”. No primeiro poema, mais do queno templo, é na indefinição que parecem habitar osanjos. Cabendo à palavra – voraz – a transformação deuma zona de sombra em sujeito. No segundo poema, aocontrário, é de um silêncio intenso, mas derramado,repleto de palavras, que surge a imagem da santa, eque se realiza a aproximação passional na catedral. Olugar e as figuras sacras parecendo, paradoxalmente,ressaltar o caráter físico desse encontro, e de um sujeitocuja presença (ávida, cruel) se define exatamente porformas diversas de intensidade.E não é de estranhar que o traço característico dessasanta dentro da catedral seja especificamente acrueldade. “Os santos, claro, são cruéis”8, afirmaLeminski, falando de Trotski. Pela “integridade do seusacrifício”9, pela auto-entrega “para livrar outros da

dor”10, pelo “resgate da dor”, como diz na biografia de

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Bashô. Na poesia de Ana Cristina se não há tantasfigurações do sujeito como anjo ou santo quanto emCacaso ou Leminski, não faltam, porém, assobreposições entre dor e criação, as imagensviolentas, dolorosas que, em meio a ninharias, relatospela metade, em meio a notações lacunares, breves,soltas, irrompem, às vezes de modo quaseimperceptível, nos poemas.

“Eu penso / a dor visível do poema”, lê-se num texto dosanos 1970, incluído em Inéditos e Dispersos. O “corpodói”, “dói a culpa intrusa”, “ai que outra dor súbita”,pois, por vezes, “é outra / outra a dor que dói”, e é comas “tetas da dor” que se amamenta nossa fome, é o“pulso que melhor souber sangrar” que se impõe em“Flores do Mais”. Bofetada de estalo, baque de fuzil,estilete pontiagudo, punhal, som de serras de afiarfacas, fúria, farpas, garras afiadas, lâmina cortante, afaca nas costelas da aeromoça, degolar, atemorizar,ambulâncias, sirenes, pássaros que gemem, barril depólvora plantado sobre a torre de marfim, asas batendofreneticamente, caça, caça: há quase sempre algumaviolência potencial plantada ali, tensionando de dentroos textos. Como “indicação seca do presente”, é claro.Mas também como meio de a palavra virar carne,matéria. Nem que para isso se tivesse que flertarabertamente com o agônico, e fazer de alguma formade dor uma contraparte irônica da escrita. De uma“poética quebrada pelo meio”. Processo sintetizadobelamente por Ana Cristina Cesar em texto bastanteconhecido de Cenas de abril (1979): “olho muito tempoo corpo de um poema / até perder de vista o que nãoseja corpo / e sentir separado dentre os dentes / umfilete de sangue / nas gengivas”.

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“A crueldade é seu diadema”, diz uma das vozes em“Sexta-feira da Paixão”. É, sobretudo, no corpo dopoema, porém, que essa crueldade, mais uma vez santa,deixaria sua marca. No esfacelamento – em falas,referências, inconclusões – do texto e de seu sujeito:“cacos sem peso”, “vidros soltos”, “dividir o corpo emheterônimos”. Na tensão entre, de um lado, registros dobanal, diários, conversas, chás, postais, e, de outro,sugestões quase sempre meio imperceptíveis de imagensdolorosas e instrumentos ou ecos brutais. Apesar dasaltas compadecidas passionais que percorrem algunstextos, a imolação se opera na escrita, no líricoconvertido em lição de anatomia, na auto-exposiçãoesfacelada (aspas, quebras, travessões) da própriamatéria, de suas vozes e deambulações.

Já os anjos, santos e demônios de Cacaso não atuamsobre a estrutura do poema. Mantêm-se coesos em suaconcisão humorística, política ou nostálgica,funcionando as aparições como registro prosaico de umimaginário religioso popular, e possível indício de umainversão, de uma resistência figural à demonização,pelos governos militares, de todo e qualquer esforço deresistência à época. Na obra de Leminski, essas trilhashagiográficas exerceriam função mais abrangente, eatuariam como princípio ativo, todo-poderoso, no seuprocesso de composição e na constituição de suaidentidade intelectual. Como em Ana Cristina Cesar eCacaso, no entanto, há também, evidentemente, umareapropriação interessada, política, de um imagináriodevoto invocado à saciedade pelo empresariado, pelaala conservadora da Igreja católica e pela classe médiaque serviram de base de apoio e ratificação ao golpe

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militar de 1964. Uma reapropriação que encontrariarespaldo não só nas facções mais libertárias dopensamento religioso, mas, igualmente, nos relatossobre a prática da tortura e os assassinatos envolvendodesaparecidos e presos políticos no país. Históriascujos detalhes cruentos as aproximamindisfarçavelmente das lições contidas nas coletâneashagiográficas, colocando martírios e santificações naordem do dia. O modo de a escrita literária, a produção artística e ahagiografias se associarem, nesse momento, não foi,porém, como já se observou aqui, sempre idêntico.Houve as compilações de testemunhos diretos detortura, e os relatos de ações de resistência, houve asrecriações ficcionais mais ou menos realistas deepisódios similares, e os elogios genéricos àmarginalidade (hagiografias heréticas), houve desarmesirônicos, iconoclastas, desse imaginário devoto, e houveenfrentamentos de outra ordem, nos quais o dadohagiológico converteu-se, por vezes, para além decondutas exemplares e martírios de domínio público, emparte capital da experiência artística. Lembrem-se,nessa linha, obras como o filme “Os Inconfidentes”(1972), de Joaquim Pedro de Andrade, ou, nas artesvisuais11, as “Trouxas ensangüentadas”, de ArthurBarrio, de 1969, que lembravam pedaços de corposembrulhados e desovados ao léu pelo espaço urbano, ou“Tiradentes: totem-monumento ao preso político”, deCildo Meireles, na qual se ateava fogo a dez galinhasvivas amarradas a um poste, e encharcadas de gasolina,e se assistia a esse verdadeiro martírio durante aexposição “Do Corpo à Terra”, realizada no ParqueMunicipal de Belo Horizonte, em 1970. E seria este ocontexto de um livro como o Catatau, de Leminski. É,

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pois, em diálogo constante com hagiografias diversasque talvez se possa compreender não só o processo decomposição do seu travelling monológico, doromance-idéia (como ele mesmo o definiu) no qualtrabalhou durante quase nove anos, mas também dasbiografias que escreveu, durante os anos 1980, para aEditora Brasiliense, assim como a forma quase oracularde alguns de seu textos, sua autofiguração monásticafreqüente, ou mesmo seu gosto pelo apostolado, poruma intensa exposição pública, mesmo quando acirrose já se encontrava em estágio avançado.

“AI, AI, AI, COMO EU ERA CRISTO”

O primeiro esboço de livro escrito por Paulo Leminskifoi, segundo conta Toninho Vaz na sua biografia doescritor, uma série de vidas de santos ligados à Ordemdos Beneditinos. Um exercício biográfico que, muitosanos mais tarde, seria retomado nos volumes escritospor ele para a coleção “Encanto Radical”, sobre Bashô,Jesus Cristo, Trotski e Cruz e Sousa. E que parece teremprestado, igualmente, alguns modelos monásticos,no Catatau, para o isolamento de Cartésio nozoológico de Nassau e para sua luta, ao longo danarrativa, contra as visões hiperbólicas da naturezalocal e contra o monstro textual, o gênio malignoOccam, que invade e estala sua língua, desdobra edramatiza internamente o seu monólogo.

Rascunhado num caderno escolar, quando cursava aterceira série ginasial no Mosteiro de São Bento, emSão Paulo, o primeiro exercício hagiográficoleminskiano começou com a vida de São Bento deNúrsia e foi, aos poucos, segundo Toninho Vaz,

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abrangendo toda a “tradição secular dos beneditinos,sua história e seus personagens”. Mesmo depois dedeixar o curso dos oblatos, onde ficou por pouco maisde um ano, já de volta a Curitiba, e matriculado numcolégio dirigido por frades franciscanos, eleprosseguiria com o interesse pelas biografias devotas.É o que afirma em carta, de 1959, dirigida a DomClemente, o diretor do Colégio São Bento: “Procureimais santos e vultos beneditinos para minha lista numaenciclopédia católica italiana”12. Além dessas vidasexemplares, como atesta, ainda, a correspondênciacom D. Clemente, dedicou-se, por conta própria, em1959 e 1960, à leitura das cartas de São Jerônimo, aoestudo da Sagrada Escritura e do Livro dos Salmos, doqual, desde o período que passara como interno emSão Paulo, já tinha o hábito de saber trechos de cor.“Demonstrava preferência pelo de número 105, cujoversículo 34 faz um resumo do xodo, referindo-seespecialmente às ‘nuvens de mosquitos egafanhotos’”13, informa a biografia O bandido que sabialatim.

Aliás, antes até de se candidatar ao noviciado entre osbeneditinos (para o qual logo perceberia não estartalhado), quando aluno semi-interno no Colégio dosIrmãos Maristas no Paraná, já demonstrara umcomprometimento particular com os assuntos ligados àcultura religiosa. Foi lá que conheceu a obra de PadreAntônio Vieira, por exemplo. E que evidenciou tamanhoempenho na leitura de escritos exemplares da tradiçãocatólica que logo sugeriram a ele que seguisse umapossível vocação eclesiástica. Se não chega a seadaptar, porém, ao cotidiano restritivo da ordem de SãoBento, o que o levara até lá – o interesse pela vida

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monástica – se manteria presente, de certo modo, aolongo de toda a sua vida. Como ele mesmo repetiria emdiversas ocasiões: “Ainda me sinto um beneditino – evai ser assim para sempre”14.

Houve forte influência de vários monges em sua vida,como assinalam seus escritos e testemunhos decontemporâneos. Ainda no São Bento, Dom JoãoMehlmann o auxiliaria no aprendizado do grego e dolatim, nas leituras de autores clássicos, nos estudos demitologia e do canto gregoriano. Era com o beneditino,também, segundo o ex-colega Sinval Leão, que Leminski“discutia os primeiros sábios da Igreja”15, conversas eleituras que ecoam aqui e ali em alguns textos e nasescolhas formais e imagéticas do escritor. No correr dosanos, elegeria, agora à distância, outros monges eteólogos como interlocutores. Teve interesse, por exemplo, na vida e nos escritos deThomas Merton, monge trapista e autor de livros degrande repercussão nos anos 1950 e 1960, pautadospor uma visão ecumênica, pela preocupação emcolocar o catolicismo em diálogo com as tradiçõeshassídica, budista, hinduísta e islâmica, e cuja estreitaligação entre vida contemplativa e consciência dopresente, cuja pregação contra o racismo, a opressãopolítica, a guerra do Vietnã, contra o uso de armasatômicas e o militarismo de modo geral, levariamcristãos conservadores e ultranacionalistasnorte-americanos a condenarem suas obras e o serviçode inteligência do seu país a tê-lo sob constanteobservação. O privilégio por Merton do vivido, dasformas autobiográficas de escrita não poderia, aliás,deixar de interessar a um escritor como Leminski, quechegou a declarar certa vez, numa entrevista a Cesar

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Bond: “Não existe nenhuma experiência – das maisíntimas, eróticas, emocionais – que eu não tenhatransformado em poemas e tornado pública através daliteratura”16.

No Brasil, muitas das obras de Merton se achamtraduzidas, boa parte delas pela Irmã Maria Emmanuelde Souza e Silva, e, graças à influência de pensadorescatólicos como Alceu Amoroso Lima e Dom BasílioPenido (que foi abade do Mosteiro de Olinda), dentreoutros, tiveram, além de forte repercussão laica, amplotrânsito no interior da Igreja Católica mais liberal ecomprometida com mudanças sociais. Para Leminski,além das reflexões sobre a experiência da vidacontemplativa, a solidão e o silêncio, parecem ter sidode particular relevância os escritos de Merton sobre osmestres zen e os místicos em geral, desde osprimórdios do monaquismo cristão, passando pelosmísticos ingleses, pelos ortodoxos russos, pelascomunidades shakers americanas. Certamentecontribuindo também para esse interesse alguns dadosconhecidos da trajetória pessoal mertoniana, seudesconforto com as hierarquias eclesiásticas, sua lutapelos direitos civis, a exposição pública constante deseus pontos de vista na grande imprensa, além do seuconfesso envolvimento amoroso com uma enfermeira eda dependência alcoólica durante certo período de suavida.

Se a aproximação da obra de Merton correspondeu,principalmente, ao interesse pelas filosofias e tradiçõesmísticas orientais, intensificado durante o período emque Leminski começa a praticar o judô, é curiosoassinalar que os estudiosos que serviram de ponto de

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partida nessas leituras sobre o zen-budismo tenhamsido justamente dois religiosos de comportamento erepercussão bastante invulgares. Pois, além de Merton,o outro estudioso a cujos livros Leminski recorreu, emfins dos anos 1960, foi Alan Watts17, ex-clérigo da IgrejaEpiscopal, teólogo especializado em estudoscomparativos entre zen-budismo, taoísmo, cristianismoe hinduísmo, além de conhecido por sua ênfase narebelião da consciência, em ações contra-culturais, narelação entre sessões psicodélicas e experiênciareligiosa, por seus experimentos com drogasalucinógenas como o LSD, a mescalina, o DMT, e porsua aproximação com John Cage, Timothy Leary, e comos poetas Gary Snyder e Allen Ginsberg.

Como Thomas Merton, que, desde A Montanha dos SetePatamares, de 1948, se tornaria um best-sellerinstantâneo, os livros, as palestras radiofônicas e a figurapública de Watts também teriam repercussão de massa.E ele se tornaria, de fato, um dos divulgadores maisconhecidos internacionalmente do zen-budismo e dotaoísmo, num momento em que, como observariaLeminski em “O sonho acabou”, as “religiosidadesorientais” eram “digeridas às pressas”18. Não poderia, noentanto, deixar de despertar interesse a leitura dealguém como Watts, misto de teólogo e guru, admiradordo sábio taoísta Chuang Tzu (como ele), alcoólatra,aprendiz de artes marciais chinesas, vivendo ora numbarco, ora numa cabana no alto da montanha. O entusiasmo de Leminski por experiências monásticasnão se limitaria, porém, a monges reais. E até mesmo oseriado de televisão dos anos 1970, “Kung Fu”, criadopor Ed Spielman, com David Carradine e Philip Ahn,sobre um monge meio chinês, meio americano, Kwai

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Chang Caine, “misto de ninja com iluminado”19, comorelataria em carta ao irmão, comentada na biografia deToninho Vaz. Mestre em artes marciais chinesas,adestrado para “dominar o medo, a dor e a dúvida”20,Caine se vê forçado a deixar a China, depois de matar osobrinho do Imperador, viajando, então, para a América,onde descobre ter um meio-irmão que passa a procurarenquanto é caçado simultaneamente por chineses eamericanos. “O maior barato que eu já vi na tv”21, diriaLeminski.

Ele via monges, aliás, até onde não havia. Em YukioMishima, por exemplo. No texto que acompanha atradução de Sol e aço, o último livro do escritorjaponês, Leminski o distingue do escriba, do scholarocidental, “último descendente do monge beneditino, ameio caminho entre o céu e o texto”22, e o aproxima,via haraquiri, de outro tipo de experiência monástica.“Para essa morte-protesto, morte de mártir, morte demonge budista se queimando vivo no Vietnã, Mishimase preparou durante anos”23, diz Leminski, detalhando,com cuidado, essa preparação para a morte: “treinandohalteres, desenvolvendo os músculos, treinando artesmarciais, desenvolvendo ao máximo suaspotencialidades, enquanto matéria”24. Pois, segundo oseu tradutor, para o escritor japonês, o suicídio ritual,“a auto-imolação”, seria “uma obra de arte, algo a serpreparado, saboreado por antecipação”, seria “a chavede ouro de uma vida, um clímax”25, a superação da“contradição entre corpo e espírito”.

É curioso comparar o texto de 1985, sobre Mishima,com Bashô: A lágrima do peixe, perfil biográficopublicado por Leminski na Coleção “Encanto Radical”

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dois anos antes. Nele não é o suicídio, mas o própriosamurai que se vê como “obra de arte”. “Em Bashô,não se pode esquecer a origem”, diz Leminski, “Umsamurai. Uma obra de arte”26. E estenderia a descrição:“ao mesmo tempo, um guerreiro e um idealista”, “umatleta, um místico, um artista”, treinado, na “severadisciplina de corpo e alma”, para o dever, para osacrifício, para dar a vida “por um código de honra declasse”27. Como aconteceu, de certo modo, comMishima. No caso de Bashô, no entanto, a morte de seusenhor (com quem costumava se dedicar à poesia) esua renúncia a continuar como samurai dariam a ele apossibilidade de escolher o próprio destino,dedicando-se, então, à prática zen e à prática poética,como monge budista e mestre peregrino de haicai. Noque se aproximaria, segundo Leminski, de outrospadres-poetas seiscentistas como ele: Góngora eDonne.

Mas Leminski iria mais longe em seu perfil. “Santapessoa, esse Matsuó Bashô”28, comenta. E, colocandolado a lado a disciplina, o sacrifício, o dever (doguerreiro) e o estado de iluminação (do monge e dopoeta), passaria do esboço biográfico a uma reflexãosobre a experiência mística e a santidade. Começa, noentanto, seu elogio aos santos decretandoparadoxalmente o fim da santidade, conceitoanacrônico no Ocidente, a seu ver, desde o séculoXVIII, desde a burguesia iluminista, e cujo término seriaselado com a afirmação da morte de Deus. Pois “sesantos são aqueles que mantêm comunicaçãoprivilegiada com alguma transcendência, Deus oudeuses”, se só neles “dá para ver os deuses”, e seestes estão mortos, então, não há mais lugar para

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santos. Persiste, contudo, um problema, diz Leminski:“É que há santos. E sempre haverá. Santos artistas,santos poetas, santos atletas, santos marxistas,inclusive”29.Sugere, então, alguns dos traços que caracterizariamesses santos meio fora de esquadro na vida moderna: oascetismo (tanto o do resgate budista da dor, quanto oda recusa da ordem atual das coisas, cultivada peloscínicos gregos, por exemplo), a radicalidade, a entregaa um princípio, e o exagero (“herói do espírito, da idéia,do signo”30). Daí a santidade em Bashô, “guerreiro,monge e poeta”, se apresentar, segundo seu brevebiógrafo, sob a forma de uma “concisa extravagância”,“concentrando num lugar formal (as dezessete sílabasdo haicai) toda a herança da cultura oriental”31. É quase indisfarçável a intromissão de um auto-retratoleminskiano como santo em meio a essa lista dequalidades sacras. Santo poeta, santo atleta, como elemesmo, judoca e poeta. Monge, como ele também quisser ao se candidatar ao noviciado entre os beneditinos.Estóico – no rigor dos estudos, no “trabalho de formigadas letras treinando para o grande salto”32, comoescreveria para Augusto de Campos. Asceta, comoparece atestar o seu desleixo crescente com aaparência pessoal, com as roupas, os dentes, as unhassujas, e o uso, qualquer que fosse a temperatura, deum casacão escuro e surrado.

Todo o seu ciclo de biografias, aliás, ajuda a figuraresse santo. Esses “quatro modos de como a vida podese manifestar”, quatro modos de perceber “a grandezada vida em todos esses momentos”, funcionando, naverdade, como uma espécie de teoria da santidade, deinvestigação sobre a autoria, sobre a criação artística,

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entendida aí como radicalidade e extravagância, comodevotamento e iluminação. Ao falar de Cruz e Souza,por exemplo, Leminski (ele mesmo descendente denegros e polacos) sublinharia o dilaceramento entre ofato de ser negro, “oriundo da raça-mão-de-obra” e dedispor do repertório branco “mais sofisticado daépoca”, entre um “destino de sofrimento e carência”33

(que vê inscrito no nome do poeta simbolista e no desua cidade de origem: “Cruz, Desterro”34) e a produção,via poesia, via pensamento por imagens, de beleza esentido. Ao final do livro, porém, o biógrafo nãoesqueceria de tirar a máscara (a dele e a do leitor), e,num epílogo mínimo, no qual a prosa beira a poesia,avisaria: “Perfeição só existe na integração / dissoluçãodo sujeito no objeto. Na tradução do eu no outro. É porisso que você gostou tanto deste livro. Você, agora,sabe. Você, eu sou Cruz e Sousa”35.

No livro sobre Trótski, a santidade receberia tratamentodiverso, e envolveria, nesse caso, a “auto-entregaidealista a uma causa maior”. Canonização partilhadacom outros “santos da Revolução”, outros “homensexcepcionais”36, “dedicados à mais difícil das tarefas” –“a transformação radical do ordenamentosócio-político-econômico de uma sociedade”37. Comrelação ao biografado, seriam ressaltadas a paixão eentrega à causa revolucionária e à crença na “revoluçãopermanente”, uma grande habilidade oratória (“suapalavra era fogo e ordem, lógica e fonte deentusiasmo”38), aliada a “vasta produção textual” (“tudoo que fazia, escrevia”), e a um “percurso errático”,dispersivo, segundo Leminski, por se tratar de um“homem de mil interesses”, e com grande capacidadede se auto-metamorfosear. Percurso marcado,

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sobretudo, pelo enfrentamento por Trótski da dor daperda de todos os seus filhos, da clandestinidade, daexpulsão do partido comunista, da derrota (para ostalinismo), do exílio (na Turquia, na França, na Noruega,no México). Daí o subtítulo da biografia leminskiana deTrótski ser A paixão segundo a revolução, anunciandoque o relato é o de uma paixão, como a de Cristo, “umapaixão ligada não à intimidade e aos abismos da alma,mas ligada às exterioridades solares da história”. Lembre-se que Leminski, como Trótski, perdeu tambémum filho. E que, como ele, apresentava, dentre outrosaspectos comuns, uma multiplicidade de focossimultâneos de interesse, uma notável facilidade deexpressão em público (ampliada pelo seu hábito de falaraltíssimo), e uma produção prolífica, mesmo nascondições mais adversas. Produção que tinha, por sinal,na metamorfose um dos seus procedimentos maiscaracterísticos, literariamente falando. “Abaixo asmetamorfoses desses bichos”39, grita o Descartes doCatatau. Pois são incessantes os fluxos metamórficosde bichos e aparições, assim como as transformaçõesverbais do livro. O modo mesmo de pensar a forma, emLeminski, envolvendo necessariamente a mudança, atransformação, a transitoriedade. O que encontrariatematização direta num livro como Metaformose,publicado apenas depois de sua morte, em 1994. É inequívoca, pois, a projeção, em rastro rarefeito, deaspectos da sua vida na dos biografados. E daperspectiva hagiográfica adotada nessas “vidas” sobrea sua própria trajetória. Não que não haja de fatodados em comum. Não que esses dados não sejamrelevantes na vida sob escrutínio. Mas não é à toa aênfase, por vezes, em aspectos capazes de “traduzirum no outro”, o biógrafo no biografado.

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Mesmo em Jesus A.C., biografia publicada em 1984, fazescolhas curiosas. O biografado passa a ser “osigno-Jesus”,“subversor da ordem vigente, negador doelenco de valores de sua época e proponente de umautopia”40, e enfocado de acordo com um método líricode leitura, por meio do qual se procura revelar “o poetaque Jesus, profeta, era”41. Ele é apresentado como um“lunático”, uma “espécie de ‘louco de Deus’,desfrutando das imunidades das crianças, dos muitovelhos ou dos bobos da corte”42. E, ao mesmo tempo,como alguém que “ocupa um lugar muito especial nalista dos Cromwells, Robespierres, Dantons, Zapatas,Villas, Lênins, Trótskis, Maos, Castros, Guevaras,Ho-Chi-Mins, Samoras Machel”43. Fisicamente,sugere-se a possibilidade de cabelos compridos, talvezroupa branca, compleição forte. Como na biografia deBashô, sublinha-se o exagero: “Jesus veio paraexagerar a pureza da doutrina de Moisés”44. Como nade Trótski, o potencial de subversão. Como na de Cruze Sousa, um pensamento icônico que “revelaocultando”. “A melhor parte da mensagem de Jesus”, diriaLeminski, “é transmitida através de parábolas etrocadilhos, recursos de arte que só um poeta, comoum profeta de Israel, podia produzir”45. Jesus A.C.acrescenta dados novos à poética da santidade expostano políptico hagiográfico leminskiano: o profeta nãofalava claro. O que caracterizaria o discurso de Jesusseria o “desvio do caminho”, um modo enviesado,cifrado, uma expressão por parábolas, jogos depalavras, um falar ao contrário, em vez de via cadeiaslógicas, raciocínios lineares. Uma expressão viahistórias e sentidos paralelos, dizendo sempre uma

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coisa por meio de outras, e privilegiando sempre oconcreto. Ele falava coisas, assinalaria Leminski,lembrando que na parábola a “revelação de verdadesabstratas” se faz por meio “da materialidade de umaanedota, uma unidade ficcional mínima”46. O queaproximaria, a seu ver, a parábola das epifanias,revelações inesperadas da divindade ou da natureza ousignificado de algo, que teriam na primeiramanifestação de Cristo aos gentios sua figuraçãomodelar.Uma aproximação que levaria imediatamente a outra. Adesse Jesus-poeta a James Joyce. Aspecto central naestética joyceana, as epifanias apresentam-se, em suaobra, como lampejos súbitos, efêmeros, de algum tipode revelação (ora “numa vulgaridade das palavras oudos gestos”, ora de “natureza espiritual”), comoiluminações profanas, passagens sem aviso prévio docotidiano mais estrito para um repentino e impactante“levantar-se do véu”47 das coisas. Lampejar presenteigualmente nos seus jogos paronomásticos, nos quaisde alguma semelhança fônica se extrai “um polissignocríptico, que quer dizer (e diz) muitas coisas ao mesmotempo”48. Como nos jogos entre Pedro e pedra,pescadores de peixes e pescadores de homens, e emoutros “inúmeros momentos” da vida de Cristo,registrados pelos evangelhos, que se distinguemexatamente, como aponta Leminski, pordesdobramentos semânticos expostos em trocadilhos. Jogos analógicos como os do próprio Leminski, que fezda contaminação sonora, das cacofonias, dasassonâncias vertiginosas, recursos fundamentais doseu método de escrita. “O eco do berro dum bicho é oberro de outro bicho”49, comenta no Catatau. Não foi àtoa que incluiu contaminação de outra ordem no

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romance – “Salta uma cruz a capricho aqui para ocristo neste capricórnio”50 – colando, a certa altura,Cartésio e Jesus Cristo, em meio a uma sucessão deinvenções vocabulares trocadilhescas: “O despaitériocrucidado num sacrufilho, crux interpretum!”51. Cada um desses ensaios biográficos que ele foiescrevendo de 1983 a 1986, e que desejava ver (e defato seriam) reunidos (por Alice Ruiz) num volumeúnico, parecia incluir, como se observou aqui, trilhasdistintas, mas muitas vezes complementares, nosentido de uma estética dispersa, e, com freqüência,disseminada sob forma hagiográfica. Por vezesavizinhando-se de uma ética, de um conjunto deprincípios comportamentais, por vezes apontando parauma série de procedimentos de escrita e leitura, e paraformas discursivas intencionalmente em diálogo com oimaginário devoto e a experiência religiosa. Diálogoprefigurado desde os seus escritos de juventude, mascuja primeira manifestação ficcional consistente seria“Descartes com lentes”, conto que serviria de ponto departida para o Catatau.

CARTÉSIO E ANTÃO

“É estranho que tenha passado despercebido até hoje”,observa, nesse sentido, Rômulo Valle Salvino, no seuestudo, publicado em 2000, sobre o Catatau, “que hajaum evidente modelo para o embate entre Cartésio eOccam: o da luta entre o monge cristão e o demônio,que possui na tentação de Santo Antão a sua imagemclássica”. Mais curioso ainda é que não se tenhaobservado o modelo literário mais imediato para aapropriação ficcional leminskiana deste toposhagiográfico tão característico. Sobretudo quando o

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próprio autor o indica diretamente na lista52 de fontesque acompanha o datiloscrito da primeira versão dolivro. Trata-se de A Tentação de Santo Antônio, de Flaubert,listado em segundo lugar, logo depois de Gargantua,de Rabelais, por Leminski. Uma indicação que seriareforçada, ainda, pelo fato de o seu autor ser o único aaparecer duas vezes nesse registro de débitos. PoisSalammbô aparece também na lista, só que em posiçãode menor destaque. Talvez, no entanto, não se limite aessas duas obras a presença flaubertiana no universodo Catatau. Outras de suas “tentações” parecendoecoar igualmente no monólogo de Cartésio. Para ficarem três dos textos de juventude de Flaubert, há ahistória de Smarh, “mistério”, de 1839, no qual umeremita se vê tentado, seguidas vezes, pelo demônio;há o monge de “Bibliomania”, que, devorado por umaúnica paixão – os livros –, sacrifica Deus, o dinheiro e aprópria alma para obtê-los; e há a Viagem ao Inferno,história breve na qual se descobre que o lugar doinferno seria na própria terra. Mas são, sobretudo, astrês ficções hagiográficas de Flaubert, envolvendo avida de Santo Antônio, a de São João Batista e a de SãoJuliano que Leminski parece revisitar em sua obra. João Batista volta e meia aparece nos textos deLeminski. Não exatamente via Flaubert. Mas ambospartilham o santo com uma vasta legião de autores,como os das muitas Salomés do começo do século XX.Em Leminski, o santo aparece, em Jesus A.C., “comvestimenta de pele de camelo, com uma cinta decouro”, alimentando-se de “gafanhotos e mel silvestre”,e comportando-se como “um daqueles furiosos de Deus,a boca cheia de pragas e maldições contra todos os quepareceram trair a original pureza de uma fé”53.

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Descrição semelhante à que faz dele Herodíade noconto de Flaubert: “Tinha uma pele de carneiro àcintura, e a cabeça parecia a de um leão. Assim que meavistou, cuspiu contra mim todas as maldições dosprofetas. As pupilas flamejavam; a voz rugia; levantavaos braços, como para empunhar um trovão”54. Ambosseguem os evangelhos, mas é interessante perceberque privilegiam justamente esses dados ao caracterizaro santo. Há, é claro, a cabeça cortada do santo. Sustentadapelos cabelos, no ar, pelo carrasco Manaei no conto deFlaubert. Com a sua morte anunciando a de Cristo nabiografia de Leminski: “Ia ter um fim como João, seuguru e batista, que teve a cabeça cortada porHerodes”55. Mas o santo voltaria, de modo não tãodireto, porém, em alguns poemas.“Minha cabeçacortada / Joguei na tua janela / Noite de lua / Janelaaberta”, lê-se num dos poemas de Caprichos erelaxos56. “Ter sempre uma cabeça cortada a mais”,pede um poema de Polonaises57, numa espécie deprece ao dia na qual se misturam o filme de GlauberRocha e o destino de São João Batista. Ele não é o único santo invocado por Leminski. Numpoema de Não fosse isso e era menos, não fosse tantoe era quase58, a perspectiva lírica parecendo tomarSanto Antônio como máscara, e recriar episódioregistrado por Jacopo de Varazze na Legenda Áurea.“Vendo os cristãos submetidos a toda sorte desuplícios, São Paulo fugiu para o deserto”, contaVarazze. Santo Antônio, que se acreditava o primeiroeremita, foi avisado, em sonhos, da existência dePaulo. Passou, então, a procurá-lo pelas florestas, ondeencontrou primeiro um centauro, que lhe deu umaindicação, em seguida, um sátiro, e depois um lobo,

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que o levaria à cela de São Paulo. Pois o poema deLeminski parece recriar o primeiro desses encontros,com “um ser metade homem, metade cavalo, que lhedisse que se dirigisse à direita”59. É a ele que se dirigeo poema: “você / com quem falo / e não falo // centauro// homem cavalo // você / não existe // preciso criá-lo”. Às vezes o próprio sujeito do poema leminskiano é quevira monge, santo, pajé. Como neste de La vie enclose60: “Esta vida de eremita / é, às vezes, bem vazia. /às vezes, tem visita. / às vezes, apenas esfria”. Comona “Oração de Pajé”: “que eu seja erva raio / nocoração de meus amigos / árvore força / na beira doriacho / pedra na fonte / estrela / na borda / doabismo”. Às vezes se faz até milagre, como em “Águaem Água”: pedirem um milagre / nem pisco /transformo água em água / e risco em risco”. Às vezesapenas se deseja poder passar por santo:“(...) tenhoandado só / lembrando que sou pó // tenho andadotanto / diabo querendo ser santo (...)”. Ou inventa-se,de repente, o próprio santo de devoção, como em “SãoNão”: “não são / são não/ rogai por nós / para que não /sejamos senão”. Noutras ocasiões é, ao contrário, da própria inexistênciade santos, da impossibilidade de se contar com formasprivilegiadas de “comunicação com algumatranscendência”, que falam os poemas. “O mar o azul osábado / liguei pro céu / mas dava sempre ocupado”,avisa um deles. “Eu ontem tive a impressão / que deusquis falar comigo / não lhe dei ouvidos // quem sou eupara falar com deus? / ele que cuide dos seus assuntos /eu cuido dos meus”, lê-se noutro, também de Distraídosvenceremos61. Com ou sem santos, porém, muitos dostextos leminskianos ostentam formato, situação oudicção de prece62. Há Padre-Nosso, Libera nos domine,

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Ave Maria. Há, em “Anch’io son Pittore”, Fra Angélico, dejoelhos diante da própria obra, orando como se fossemenino, como se fosse pecado, como se a pintura fossede deus. “Tem deus, / eu rezo”: avisa-se em “Profissãode febre”. Reza-se pela descrença, em “Ais ou Menos”:“(...) sim, quero viver sem fé, / levar a vida que falta /sem nunca saber quem é”. Mistura-se a oração a umaviagem ao inferno: “Senhor que prometestes / a vidaeterna aos filhos de São Bento / obrigado pelos invernosao vento / e pelo invento do inferno/ ainda aqui nestaterra”. Por vezes desejando-se “que nenhum deus nemdragão” possa servir de alívio, e que se possa apenas,como num dos poemas de La Vie en close,“transformar” a prece “em pedra fria”. O feitio de oração não é, no entanto, a únicamanifestação formal do lastro religioso presente na obrade Leminski. Mas é tamanha a sua incidência, como sepôde observar, que talvez se possa imaginar queconstitui quase um “subgênero” reformatado em suapoesia. Se, no entanto, a questão é delimitar atitudes ouperspectivas que resultem de uma secularização deprocessos ou expressões extraídas de experiências deoutra ordem, é a epifania que, de fato, se apresentacomo manifestação mais recorrente desse trânsito emsua obra. De que é exemplar a incorporação à suapoesia da prática do haicai, ele mesmo movido aepifanias, a deslizamentos súbitos de sentido oupercepção, que projetam as coisas do mundo “para foradas vestes da sua aparência, na nossa direção”. Há também uma surpresa da percepção e dos sentidosna “tentação”, forma que – via Flaubert e vidas desantos – Leminski tomaria de empréstimo para oCatatau. “Inalo maus espíritos”, “Duvido de Cristo emnheengatu”, reclama Cartésio. O mundo, a carne e o

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demônio costumam funcionar, na teologia católica,como as fontes mais habituais de sedução e oferta das“delícias do mundo”. A elas correspondendo três grausdistintos de tentação. O primeiro deles é a impressãoprovocada por essa surpresa, a que podem se seguir odeleite mórbido com ela, e o consentimento da vontadena prática de atos julgados condenáveis. Possibilidadesque costumam apontar, de um lado, para a açãodemoníaca; de outro, para a “tentatio probationis”,induzida por Deus para testar, fortalecer e purificar ocaráter. É o que acontece em “A Legenda de São JuliãoHospitaleiro”, caçador violento, colérico, responsávelpela morte dos próprios pais, que, no entanto, subiria“aos espaços azuis, face a face com Nosso Senhor JesusCristo, que o levava ao céu”63. Provação e purificaçãofuncionando como dualidade necessária nas vidasexemplares. Por isso mesmo uma parte significativa dashagiografias se compõe do relato das tentações a que osanto se vê submetido. Se essas provações costumam, no entanto, oferecerboa parte da estrutura episódica nas hagiografias,coube a Flaubert transformar a tentação, de episódio,em eixo ficcional. E, estendendo-a por toda a narrativa,cria-se assim uma espécie de impossibilidade para aprópria forma romanesca. Algo semelhante ocorre comLeminski, que, de saída, forja um nome híbrido –“romance-idéia” – para sua experiência narrativa. Nocaso de Flaubert, é um texto estranho até hoje. Lê-seaquela longa fantasmagoria vertiginosa, aquelasucessão de tentações, de visões que se desdobram deoutras, criaturas monstruosas em fluxo, cenas que malacabam, figuras que se substituem umas às outras, atéo nascer do dia e a aparição final do Sol. De umCristo-Sol, que, no entanto, é, ele também, uma nova

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aparição, outra epifania. E como o Artyshevsky doCatatau (que esquece Cartésio na Torre de Vrijburg)parecendo dar nome a uma espécie de inútil ponto defuga para uma longuíssima espera. Como estender, no entanto, algo que se defineexatamente pela evanescência, pela irrupçãoimprevista, como as epifanias, a uma dimensão a rigorinteiramente incompatível com elas? Como, por outrolado, compor um romance a rigor desprovido deenredo, no qual se substitui a ação pela metamorfose,no qual se está o tempo todo diante de um homemabsolutamente só, acompanhado unicamente de umlivro (e uma luneta, no caso de Cartésio) e do seudelírio? Mais do que a promessas, visões demoníacasdiversas, e ao turbilhão herético impostos a uma vidasanta, no caso de Flaubert, mais do que à pressão dostrópicos sobre a razão européia, no caso de Leminski, éà pressão amórfica de uma espécie de descontroleimagético contraposto a um forte rigor construtivo, éao esgarçamento intencional da forma romanesca, quese assiste em A tentação de Santo Antônio e Catatau.“Depois de Santo Antônio, São Juliano; em seguida, SãoJoão Batista; eu não saio dos santos”, diria Flaubert,ironizando as próprias ficções hagiográficas. Evaticinaria: “A continuar assim terei meu lugar entre asluzes da Igreja”64. Ao lado dessa sucessão de santos,caberia assinalar o seu tempo de dedicação à Tentaçãode Santo Antônio, obra que o acompanhou por quasetrinta anos, de 1849 a 1872, e que reescreveria maisde uma vez, deixando-o, conforme observa Foucault,“na retaguarda de todos os seus textos”, como umaespécie de “negativo de sua escrita”, como “a prosasombria, murmurante, que ele precisou recalcar epouco a pouco reconduzir ao silêncio” para que as

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outras obras “pudessem emergir”. E, no entanto,acrescentaria ainda, seria do “incêndio desse discursoprimeiro” que emergiria, na sua opinião, toda a ficçãoflaubertiana, a “cinza preciosa”, o “negro, durocarvão”65 que resta das várias tentações. Flaubert, ao descrever o trabalho com o Santo Antônio,costumava sublinhar as diferenças com relação a todosos seus outros textos. “Trabalhei como um carpinteiro”,“suei, tirei a camisa”, “cheguei a ter momentos degrande exaltação, delírio”, relatou, parecendo ecoarSanto Antônio e a “voz sibilante” do Valentim de seulivro: “A obra de um deus em delírio”. Fala da escrita deA tentação de Santo Antônio como de uma experiênciaextremamente física, ligada a grande esforço corporal.Quase uma autoflagelação, como a de um santo. Nocaso do Leminski, os testemunhos sobre o processo deescrita do Catatau, ressaltam que ele andava comaquele calhamaço embaixo do braço, os papéismisturados ao seu suor. Anotava coisas na rua,liapedaços em voz alta em qualquer lugar, ia incorporandocoisas que ouvia em conversa. O texto o acompanhavaa toda parte, a mesas de bar, a casas de amigos. Eleconviveria cotidianamente com ele de 1966 a 1975. A primeira idéia surgiu numa aula de História numcursinho pré-vestibular, quando, ao falar dos holandesesno Brasil seiscentista, lembrou-se dos vínculos deDescartes com a família Nassau, e imaginou-o nacomitiva holandesa, vivendo no Nordeste durante aocupação holandesa. Esse primeiro esboço resultaria noconto “Descartes com Lentes”, no qual a situaçãoganharia contornos mais definidos – o filósofo, nozoológico de Maurício de Nassau, sob o efeito do calordos trópicos e “dessa erva-que-dói”, que fuma o tempotodo, espera longamente pelo militar Krzystof

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Arciszewski, que deveria encontrá-lo lá, enquanto bichose visões, calor e mosquitos o acossam e seupensamento apodrece entre mamões. O conto seriainscrito no II Concurso Nacional de Contos do Paraná em1969, mas, por um equívoco com o pseudônimo doescritor, acabaria perdendo o prêmio. E o texto serviriade base para o romance, no qual Leminski trabalhariaainda por mais seis anos. E, como nas várias versões daTentação flaubertiana, também parece ser dos ecos doCatatau que se nutriu toda a obra leminskiana posterior.Observe-se outro eco. O de um roteiro, de 1863,anotado no “Caderno 19”, de Flaubert: “Animaismicroscópicos: um sábio os estuda. As bestasaumentam de tamanho aos poucos, povoando a cena,tornam-se monstruosas e acabam por devorar o sábio”.Traz inequivocamente à lembrança o conto “Descartescom Lentes” e o Catatau de Leminski. Não por qualquertipo de influência direta, é claro. É improvável queLeminski o conhecesse. Lembra, igualmente, ATentação de Santo Antônio, então em processo dereescritura. Com a diferença de entre o sábio e o santo,salvar-se o segundo. E, no entanto, a situaçãosemelhante – um sábio solitário diante de monstrosheréticos ou monstruosidades naturais – parecesublinhar, na tentação convertida em romance, umatensão semelhante entre ficção e ciência. Se as bestasescapam ao microscópio, os monstros escapam àclassificação: Flaubert divertindo-se em utilizardescrições científicas para tratá-las com aparatoreligioso, e apresentar visões demoníacas com cuidadode naturalista. Produz-se assim, como observa Judith Wulf sobre ATentação de Santo Antônio, um tipo de relação “entresujeito e objeto na qual domina uma perspectiva

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híbrida, que mistura ficção e análise, modelo estéticoe modelo epistemológico”66. Parecendo tensionar-se, eironizar-se mutuamente, desse modo, o positivismo e“o câncer do lirismo”, como o próprio Flaubert ochamava. Daí a ruptura dos fios de enredo, da intriga,por um moto contínuo, uma sucessão de imagens quese sobrepõem, desfiguram e dissipam. Daí, por outrolado, a anatomia dos discursos heréticos, a descriçãominuciosa, quase científica, das fantasmagorias maisdiversas. E não é de estranhar, em meio aotensionamento entre percepção e denominação,classificação e figuração, que o texto flaubertiano seteatralize, o sujeito parecendo mesclar-se,como noCatatau, aos seus objetos de observação, quase seapagando, por vezes, entre eles. E se não há, naTentação de Santo Antônio, a figuração de umprincípio claro de “não-forma”, lembre-se dasintervenções perversamente satíricas de Yuk em“Smarh”, espécie de antecessor ficcional do Occam,do Catatau, que vai roubando de Cartésio aarticulação discursiva, e transfigurando, a cada passo,a sua fala. Se Flaubert expõe, na sua hagiografia ficcional, apoética narrativa oitocentista, não é à toa queLeminski sempre chamasse atenção para a vinculaçãodo Catatau à sua hora histórica. Pois o seu livrofunciona como um verdadeiro monstro textual secontrastado ao ideário naturalista da década de 1970.Mais do que contraste, porém, a cada mirada deCartésio pelo telescópio, a cada invasão de Occam, acada intromissão gráfica das letras em caixa alta, seoperaria verdadeira desmontagem não só do alicerceótico dos romances-retrato da nacionalidade, mas dascertezas, da perspectiva coesa, objetiva, à distância,

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que os caracteriza. Ao contrário, acossado por bestas etrava-línguas, Cartésio se vê cada vez mais próximo,do “mênstruo desses monstros”, das “fezes dessasreses”, das “bostas dessas bestas”, das“metamorfoses desses bichos”. E se a opção leminskiana por um modelo hagiográficopode parecer, à primeira vista, recursoatemporalizador, talvez, diante do contexto brasileirodos anos 1960 e 1970, esse aparente anacronismotenha se mostrado particularmente apto a captar osimpasses estético-ideológicos do período. Bastalembrar os santos, anjos e martírios em meio à obra deCacaso, Ana Cristina Cesar, Cildo Meirelles, Barrio,dentre outros, para dimensionar historicamente, emsuas diferenças, essa recorrência.“Senhores demônios, / Deixem-me em paz!”: essa era aepígrafe, como lembra Dolf Oehler, da primeira versãoda Tentação de Santo Antônio.67 Exorcismo entendidopor ele como uma defesa, por parte de Flaubert, “dasforças liberadas pela história” e reprimidasviolentamente em 1848, ano em que trabalharia nolivro. Como se essa defesa fosse a “condição deexistência de sua arte”. E, no entanto, “na cacofonia domal que estridula em torno do santo de Flaubert,podem-se ouvir certas inflexões dos debatesideológicos de 1848, assim como ecos da Comunaressoam na terceira versão da Tentation”68. E, noentanto, seria possível acrescentar, não é bem deexorcismo que se trata quando Flaubert diz, com todasas letras, que o que interessa a ele é “explicar como oburguês mais pacífico torna-se um antropófago”69. “Avanço, com uma máscara no rosto” é uma dasepígrafes do Catatau. Lema de Descartes, transformadoem protagonista e narrador do livro, se sublinha, por um

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lado, um ocultamento, indica, simultaneamente, umaexposição, um colocar-se em movimento. Tensão queparece acompanhar as figurações hagiográficas, assimcomo o contraste entre a extrema virulência e aininteligibilidade intencional, “a informação fechada,intratável”70 do Catatau. “O coração em apuros, cheirode heróis, odor de santidade”71, reclama,auto-desqualificando-se, Cartésio. E, no entanto, nessavasta prosa, onde cabia tudo, cabiam cárceres (“Nocárcere – eu! – soldado com horrores, erros no peito”),suplícios (“o ambiente dos melhores, cantando naguerra, e supliciado na festa”), torpezas, dependências(“ao vento que vem de Brasília, que o mundo omanda”), milagres (“milagre numa festa, o arcanjoganha o jogo do arlequim, xeque-maiêutico,salamaxeque”). E algumas vezes travava-se a língua aodizer Brasília, lugar ficcional da ação, e se dizia Brasil,“Verzuymt Brasilien”, lugar histórico da escrita. E,nessa proliferação de bichos e medos, no desconfortode um narrador em delírio, onde se anunciava umahagiografia, tudo passa a se transformar,satiricamente, em fantasmagoria. Pois se o hagiógrafo“faz de conta que é deus quem fala”72, na suavertiginosa auto-satirização, o olhar de Cartésio perdea profundidade, a escala, e mistura-se à matéria que ocerca. Talvez trava histórica, talvez fidelidade ao finalepifânico de Flaubert, detém-se subitamente o fluxotextual, aumenta-se o telescópio e se voltacartesianamente ao ponto hagiográfico de partida:“sãojoãobatavista”! Impasse que aponta diretamente parao “odor de santidade” que acompanharia, com maior oumenor ironia, a auto-análise de uma geração.

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NOTAS

1 Vaz, Toninho. O bandido que sabia latim. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 58.

2 Jakobson, Roman. A geração que esbanjou seus poetas. São Paulo:Cosac Naify, 2006, p. 9.

3 Os poemas de Cacaso citados aqui foram extraídos de Lero-lero (1967-1985), reunião de sua poesia publicada pelas editoras Cosac Naify e 7 Letras em 2002.

4 COUTINHO,Wilson.“O som de um anjo”. Jornal do Brasil, Caderno B. Rio de Janeiro, 28 dez. 1987.

5 SCHWARZ, Roberto. “Pensando em Cacaso”. Novos Estudos Cebrap, n. 22, São Paulo, out. 1988, pp. 135-36.

6 Cf. Cacaso, Grupo Escolar. Rio de Janeiro: Coleção Frenesi, 1974.7 Os textos de Ana Cristina Cesar aqui mencionados foram extraídos

das seguintes edições: A teus pés, São Paulo, Brasiliense, 1982, e Inéditos e dispersos, São Paulo, Brasiliense, 1985.

8 Leminski, Paulo. Vidas. Porto Alegre: Editora Sulina, 1998, p. 201.9 Id., ibid.10 Id., ibid., p. 90.11 Ver, a respeito, o artigo de Milton Machado “Power to the

Imagination: art in the 1970s and other Brazilian miracles” (In: Arara n.3 -http://www2.essex.ac.uk/arthistory/arara).

12 Apud Toninho Vaz, op.cit., p. 47.13 Id., ibid., p. 38.14 Id., ibid.,p. 49. 15 Apud Toninho Vaz, p. 321.16 Id., ibid., p. 360.17 Sobre a importância de Watts para Leminski, vejam-se, também, as

observações de Paulo Franchetti em “Notas sobre a história do haikaino Brasil” (In: Revista de Letras. São Paulo, Unesp, n. 34, 1994, pp. 197-213).

18 leminski, Paulo. Anseios Crípticos. Curitiba: Edições Criar, 1986, p. 26.

19 Apud Toninho Vaz, p. 154.

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20 Id., ibid.21 Id., ibid., p. 355.22 Leminski, Paulo. Anseios Crípticos 2. Curitiba: Criar Edições, 2001,

p. 27.23 Id., ibid., p. 35.24 Id., ibid., p. 29.25 Id., ibid. 26 Leminski, Paulo. Vida, p. 62.27 Id., ibid.28 Id.Ibid, p. 65.29 Id., ibid., p. 66.30 Id., ibid.31 Id., ibid., p. 67.32 Apud Toninho Vaz, p. 128. 33 Leminski, Paulo.Vida, p.17.34 Id., ibid., p. 22.35 Id., ibid., p. 55.36 Id., ibid., p. 242.37 Id., ibid., p. 201.38 Id., ibid., p. 211.39 Leminski, Paulo. Catatau. Curitiba: Travessa dos Editores, 2004,

p. 34.40 Leminski, Paulo. Vida, p. 113.41 Id., ibid.42 Id., ibid., p. 118.43 Id., ibid., p. 155.44 Id., ibid., p. 123.45 Id., ibid., p. 143.46 Id., ibid., p. 138.47 Cf.Harry Levin no seu livro James Joyce. Apud Leminski, Vida,

p. 138.48 Leminski, Paulo. Vida, p. 140. 49 Leminski, Paulo. Catatau. Curitiba: Travessa dos Editores, 2004,

p. 73.50 Leminski, Paulo. Catatau. Porto Alegre, Sulina, 1989, p. 120.51 Leminski, Paulo. Catatau. Porto Alegre, Sulina, 1989, p. 45. Ver,

sobre essa colagem Cartésio-Cristo, o comentário de Rômulo Valle Salvino em Catatau: As Meditações da Incerteza. (São Paulo: EDUC/Fapesp, 2000), p. 76.

52 Salvino, Rômulo Valle. Catatau: As Meditações da Incerteza. São

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Paulo: EDUC/Fapesp, 2000, p. 67.53 Cf. Marta Morais da Costa et alii. “Processo de Estabelecimento

da Edição Crítica”. In: Leminski, Paulo. Catatau. Curitiba,Travessa dos Editores, 2004, p. 315.

54 Leminski, Paulo.Vida, p. 121.55 Flaubert, Gustave. Três Contos, São Paulo: Cosac Naify, 2004,

p. 97.56 Leminski, Paulo. Vida, p. 126.57 Leminski, Caprichos e Relaxos, São Paulo: Brasiliense, 1983.58 Polonaises. Curitiba: Ed. do Autor, 1980.59 Não fosse isso e era menos, não fosse tanto e era quase,

Curitiba, Zap, 1980.60 Varazze, Jacoppo de. Legenda Áurea: Vidas de Santos. São

Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 158.61 La Vie en close. São Paulo: Brasiliense, 1991.62 Distraídos venceremos. São Paulo: Brasiliense, 1987.63 Lembre-se que Leminski se dedicaria a uma reflexão sobre as

modalidades básicas de oração (prece, salat, despacho, za-zen) em “Comunicando o Incomunicável”, artigo incluído no primeiro volume de Anseios Crípticos.

64 Flaubert, Gustave. Três contos, p. 88. 65 Apud Contador Borges. “A santidade em crise”. In: Flaubert,

Gustave. As tentações de Santo Antão. São Paulo: Iluminuras, 2004, p. 240.

66 foucault, Michel. “Posfácio a Flaubert”. In: Estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 76.

67 Wulf, Judith.“Les Sciences naturelles dans la tentation de saint Antoine: entre esthétique et épistémologie”. Revue Flaubert n. 4, Rennes, 2004 (http://www.univ- rouen.fr/flaubert/10revue/revue4/revue4.htm).

68 Oehler, Dolf. O Velho Mundo desce aos Infernos. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p .314.

69 Id., ibid., p. 314.70 Apud Oehler, p. 315.71 Cf. Carta de 10/07/1979 a Régis Bonvicino. Bonvicino, Régis (org.)

Envie meu dicionário. São Paulo: Editora 34, 1999, p.143. 72 Leminski, Paulo. Catatau, p. 94.