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Fotografia e pintura: dois meios diferentes?

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Laura González Flores

Fotografia e pintura: dois meios diferentes?

TraduçãoDanilo Vilela Bandeira

Revisão da traduçãoSilvana Cobucci Leite

são paulo 2011

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Para Gonzalo

A autora agradece o apoio do Departamento de Publicações do Instituto de Investigaciones Estéticas da Universidad Nacional Autónoma de México (Unam) para a pesquisa desta obra

Esta obra foi publicada originalmente em espanhol (México) com o títulofotoGrAfÍA y PINtUrA: Dos MEDIos DIfErENtEs?por Editorial Gustavo Gili, BarcelonaCopyright © Laura González flores, 2005, para os textosCopyright © Editorial Gustavo Gili s.A. Barcelona, 2005, para a edição em espanholCopyright © 2011, Editora WMf Martins fontes Ltda.,são Paulo, para a presente edição.

1ª. edição 2011

TraduçãoDANILo VILELA BANDEIrA

Revisão da tradução silvana Cobucci Leiteacompanhamento editorial Luzia Aparecida dos santosRevisões gráficas Maria Luiza favret e Helena Guimarães BittencourtEdição de arte Adriana Maria Porto translattiprodução gráfica Geraldo Alvespaginação Moacir Katsumi Matsusaki

todos os direitos desta edição reservados àEditora WMF Martins Fontes Ltda.rua Prof. Laerte ramos de Carvalho, 133 01325.030 são Paulo sP Brasiltel. (11) 3293.8150 fax (11) 3101.1042e-mail: [email protected] http://www.wmfmartinsfontes.com.br

Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIp)(Câmara Brasileira do livro, sp, Brasil)

González Flores, LauraFotografia e pintura : dois meios diferentes? / Laura González Flores ;

tradução Danilo Vilela Bandeira ; revisão da tradução Silvana Cobucci Leite. – São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2011. – (Coleção Arte&Fotografia )

Título original: Fotografía y pintura : dos medios diferentes?BibliografiaISBN 978-85-7827-458-0

1. Analogia 2. Arte 3. Estética 4. Fotografia 5. Fotografia – Linguagem 6. Imagens – Análise 7. Percepção visual 8. Pintura 9. Pintura – Linguagem I. Título. II. Série.

11-08400 CDD-770

Índices para catálogo sistemático:1. Fotografia e pintura : Linguagem : Analogia : Fotografia : Artes 770

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Sumário

Introdução 7

I Dois meios diferentes 15 II As definições da Pintura moderna 27

a “Visão objetiva” como definição convencional da pintura 29a modernidade como crítica e a mudança na pintura 35o abandono da mimese e o auge da criatividade 46Ciência e filosofia na arte moderna: espírito, forma, cor e linguagem 62

III As definições da Fotografia 87Definir a fotografia 89a câmara 100a fotografia como imagem 115a fotografia como memória 123a fotografia como arte 138a realidade construída 145Defeitos como virtudes: a sintaxe de impressão 152a sintaxe de câmara 166uma natureza híbrida 178

IV Pós-modernidade, pós-pintura e pós-fotografia? 211C de Crise 213M de Museu 216T de Texto 222a de autor 232G de Gênero 242p de pós-moderno, problema, prática, poesia 251À maneira de resumo 262Em conclusão 267

Bibliografia 269Índice de nomes 271agradecimentos 273Créditos fotográficos 274

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Este livro nasce da intuição muito pessoal de que Fotografia e Pintura são, no fundo, a mesma coisa. Meu sentimento deve-se ao fato de que, para além de suas diferenças superficiais e de sua aparente independência, ambas as disciplinas pertencem a um paradigma maior, de tipo ideológico-cultural, que não apenas as engloba, mas também determina suas características. O objetivo do livro é abordar e descrever essa analogia entre as duas disciplinas.

Ideia insensata ou brincadeira: minha intenção ao formular essa hipótese que ataca a especificidade de dois meios “diferentes” é vasculhar as raízes profundas de uma cultura para melhor entender a qualidade de seus produtos. O texto é, portanto, o itinerário que a mente geralmente segue ao se indagar sobre conectividade e identidade entre fotografia e pintura, guiada por uma intuição íntima e semioculta: apreender a incestuosa relação e a confusão ontológico- -genérica de duas linguagens com as quais, na vida diária, lidamos de maneira claramente diferente.

A inércia cultural leva-nos a considerar definido o caráter das coisas: elas se afirmam diante de nós por meio de um caráter lógico e objetivo e de modos de pensar que se apresentam como naturais. No entanto, ao fazer uma análise mais profunda, descobrimos muitas vezes que os pilares de nossas crenças não são tão firmes quanto pensávamos: são feitos de um material diferente ou mais “fraco” do que imaginávamos. Por isso, mais do que tentar responder a uma simples pergunta, o que este texto pretende é reconsiderar os modelos convencionais de teoria, análise e crítica com que se abordam as disciplinas artísticas como meios.

Este livro surge de uma insatisfação pessoal com os textos que tratam da relação entre Fotografia e Pintura. Para mim, é evidente que muitos não conseguem esclarecer o panorama

Introdução

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de tal relação: é como se, ao subir os degraus da teoria e da crítica, o senso comum com que compreendemos o tema em nossa dimensão cotidiana ficasse obscurecido. E, embora eu não negue a utilidade de muitos dos textos existentes sobre o tema, creio que eles não permitem abordar problemas relacionados à pintura e à fotografia em suas manifestações artísticas contemporâneas de tipo híbrido, eletrônico, industrial e/ou virtual. O desafio de desenvolver uma hipótese que aborde a conexão entre esses dois meios não se limita a determinar se eles são iguais ou diferentes, mas implica falar sobre como, por que e para que existe essa analogia ou essa diferença, e a partir daí tentar abordar os complexos modos de participação desses meios nas formas de arte atuais.

Muitas das pesquisas teóricas e históricas que abordaram a fotografia partem de uma hipótese similar, de tipo evolucionista: a representação mimética da realidade – função cardeal da Pintura até o século XIX – culmina na eventual invenção de outro gênero, a Fotografia. A invenção da fotografia apresenta-se, assim, como o ponto culminante de um processo histórico e cultural relacionado com a representação realista. O problema desse tipo de argumentação é a redução da complexidade de valores e funções das imagens à mera questão de sua verossimilhança e veracidade. Esse tipo de explicações sobre o meio fotográfico provocou o surgimento de teorias como as de Boris Kossoy ou Joan Fontcuberta, que se centram no desmascaramento da outra possibilidade da linguagem fotográfica, a saber, a do potencial de “engano” da imagem realista1. O problema desse tipo de raciocínio para explicar a essência dos meios é que ele tende a produzir argumentos como a já comum percepção de que as imagens digitais são uma evolução lógica da tecnologia fotográfica.

É imprescindível, portanto, separar o processo tecnológico dos meios que o definem. Isso permite reconsiderar sua história à luz das múltiplas funções possíveis de suas linguagens, e não das aparentes “qualidades” atribuídas à sua tecnologia. Minha intenção ao abordar os meios a partir de

1. Joan Fontcuberta, El beso de Judas. Fotografía y verdad, 5. ed., Barcelona, Gustavo Gili, 2004, e Boris Kossoy, Realidades e ficções na trama fotográfica, 3. ed., São Paulo, Ateliê Editorial, 2002.

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uma perspectiva que cruza história e filosofia é mostrar que, embora estejam relacionados com a tecnologia, os atributos diferenciais são determinados principalmente por aspectos sociais e culturais. O perigo em confundir gênero tecnológico com gênero artístico é dificultar a abordagem de questões tão simples e cotidianas como a classificação de imagens híbridas que apresentam características de ambos os meios, ou a compreensão da essência de novos meios que manifestam propriedades heterogêneas. Dessa forma, a pergunta que dá título ao livro, Fotografia e Pintura: dois meios diferentes?, é simplesmente um ponto de partida para discutir a essência dos meios como conceitos construídos. Note-se que escrevo ambos os termos com maiúsculas para acentuar a qualidade dos meios como gêneros artísticos ou paradigmas culturais.

Meu ponto de vista questiona a crença comumente aceita de que a Fotografia e a Pintura são dois meios diferentes. Essa dúvida emerge da experiência contraditória que temos com os meios no âmbito especializado e no cotidiano. No âmbito especializado, tentou-se estabelecer a diferença entre eles compreendendo-os como “gêneros” diferentes. No entanto, o estudo do desenvolvimento histórico da Fotografia nos revela um paradoxo: ela só é considerada artística quando se assemelha à Pintura, e é julgada com parâmetros críticos de tipo estético. Por outro lado, no âmbito cotidiano – e através dos meios de comunicação – encontramos uma crescente quantidade de imagens dificilmente atribuíveis a um ou outro meio. A diferença entre os meios parece ser irrelevante. Vemo-nos submergidos num turbilhão de imagens de características híbridas: às vezes são feitas com pintura, às vezes com fotografia, às vezes com ambas. E, se na maioria das vezes vincular as imagens cotidianas a um ou outro meio não é relevante, esse fato se torna importante quando a imagem deve ser utilizada como prova testemunhal e/ou documental: a diferença essencial entre os meios se torna frágil (Haverá alguma manipulação nesta fotografia? Podemos confiar em sua veracidade?). É precisamente a experiência banal e cotidiana que temos com os meios que torna válido perguntar se a diferença real entre eles se estabelece num âmbito de essência (gênero) ou se a diferença se dá apenas num âmbito de uso ou manifestação (espécie).

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Este texto tem por objetivo demonstrar que por trás da suposta diferença qualitativa e de essência dos gêneros artísticos há um complexo processo de construção ideológica ao longo do tempo que se deve a razões culturais, sociais e institucionais. Tal processo produz tantas e tão surpreendentes analogias em relação ao funcionamento e à valorização histórica dos meios que semeia entre nós a dúvida: os meios são realmente diferentes? Como ponto de partida, parece-me fundamental postular que, no uso comum dos termos fotografia e pintura, o genérico e o específico normalmente se confundem. Em sua acepção genérica, os termos aludem a disciplinas técnicas de uso variado e extenso: fotografia e pintura com minúsculas. Seu sentido é social, descritivo e inclusivo. No segundo caso, por outro lado, os termos se associam a noções paradigmáticas especificamente definidas pelo mundo institucional da Arte: Fotografia e Pintura com maiúsculas. O sentido, nesse caso, é prescritivo, normativo e exclusivo, e tem a ver com o que, no mundo da Arte, associa-se a um ou outro meio específico. A pintura é uma atividade que qualquer um pode realizar, ao passo que a Pintura se refere a produtos concretos de uma tradição cultural associada ao mundo da Arte e dos museus.

A ambiguidade na utilização comum dos termos não se produz apenas por uma confusão entre ambos os sentidos – o de atividade genérica e o de paradigma cultural específico –, mas também porque a definição deste último se baseia normalmente num mal-entendido. É um erro comum pensar que os paradigmas sociais se definem por suas qualidades essenciais, e não por prescrição. No caso das disciplinas mencionadas, essa confusão linguístico-ontológica deve-se ao fato de se utilizar o termo em maiúsculas como se fosse o termo em minúsculas: uma pseudoqualidade que na realidade é uma construção normativa e exclusiva aparenta ser uma atividade genérica, descritiva, inclusiva, universal etc. Por meio de uma suposta universalidade, uma aparente naturalidade e uma qualidade objetiva, esses paradigmas escondem sua origem cultural e sua autoridade social-institucional.

Outra tentação comum ao se falar de fotografia e/ou pintura é tratá-las apenas em relação àquilo em que se centra sua diferença como atividade genérica: sua técnica. Essa

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tendência se acentua na medida em que a técnica tem um maior peso na realização de uma atividade, como no caso da fotografia. A confusão resultante, no entanto, é semelhante à do caso anterior: ao focar o discurso apenas nas minúcias da técnica, evita-se falar de seus valores e condicionantes sociais, econômicos e de significação. Assim, a maior parte dos livros de fotografia fala dela apenas como técnica, e não como meio ou disciplina cultural. Esse tipo de discurso dá a impressão de não ter nada em comum com o caso anterior, mas é, na realidade, o reverso da moeda: trata aparentemente do genérico-popular da atividade, quando na realidade está estendendo sua normatividade.

Este livro trata a parte técnica dos meios como um elemento indispensável da significação e como uma ferramenta para abordar sua função como objetos artísticos. A “aura”, conceito-curinga cunhado por Walter Benjamin para os objetos artísticos, tem um caráter físico real, apreensível, descritível e, sobretudo, associável à sua técnica. Daí a importância de abordá-la como parte do processo de significação e valoração do objeto artístico: na “aura” construída mediante um uso específico da técnica reside, precisamente, a diferença entre os conceitos escritos com minúsculas (fotografia e pintura) e maiúsculas (Fotografia e Pintura).

Pintura ou Fotografia, Pintura e Fotografia: o problema não está em classificar as imagens segundo sua espécie ou em utilizar uma ou outra conjunção para relacioná-las entre si, mas sim em entender como funcionam as imagens dentro de determinado paradigma. A história das ideias e dos objetos culturais é sempre um sistema de vasos comunicantes. O problema que uma imagem nos apresenta não é o de classificá-la como pintura ou fotografia, e sim o de entender como essa diferença técnica influencia o funcionamento da imagem dentro de categorias culturais como a Arte, a Ciência e a Tecnologia. É justamente na associação a tais paradigmas que podemos compreender se a diferença técnica dos meios efetivamente importa e, em caso positivo, no que ela reside.

Como o espectro de temas que podem ser abordados é muito amplo, eu gostaria de delimitar algumas ideias com respeito à metodologia da argumentação. Segundo o modo

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de pensar convencional, a Fotografia e a Pintura não são apenas meios diferentes, mas opostos. Funcionam como disjunção: ou são uma coisa, ou outra. A Fotografia se identifica com o mecânico e documental, enquanto a Pintura corresponde ao humano e expressivo. Essa dualidade não deixa de ser reducionista, porque às vezes as coisas são um pouco ou muito iguais e também um pouco ou muito diferentes. Embora nossa tendência natural seja evitar o problema reduzindo-o à disjunção do sim ou não, há outros modos de pensar que permitem abordar a complexidade dos conceitos sem temer a indefinição absoluta. A analogia é uma poderosa ferramenta hermenêutica que permite apreender simultaneamente a conjunção e a disjunção. Como bem sabiam os pensadores escolásticos, a analogia permite abordar um conceito a partir de sua relação de e/ou com outro conceito: a coisa é e não é, ao mesmo tempo, outra coisa. Transcendendo a ambiguidade, a analogia permite examinar mais atentamente a complexidade das coisas tratando-as como símbolos: uma coisa é, mas ao mesmo tempo, em sua mesmidade, remete a outra coisa que amplia seu significado. A analogia é, em suma, uma ponte metafórica que permite ir de um significado a outro sem abandonar o primeiro. É um recurso que, ao permitir a alusão a uma segunda – ou terceira – realidade, altera nossa compreensão do primeiro significado. Referente e metáfora se confundem, ou melhor, cedem continuamente o lugar um para o outro, numa contínua transfertilização no ir e vir da interpretação.

Mais do que pretender explicar a diferença dos meios, este livro tenta interpretá-los, fazer uma exegese deles dentro de uma tradição cultural. O fator interpretação introduz inevitavelmente o ponto de vista pessoal, que em alguns pontos coincidirá com a tradição e com o que outros comentaram sobre ela. Em outros pontos, e no melhor dos casos, poderá ampliar o alcance do que já foi dito. Uma interpretação é sempre uma relação de jogo entre o antigo da tradição e a inovação da tradução pessoal.

A argumentação que apresento é uma tentativa de interpretar as coisas à luz de uma intuição – a diferença dos meios se produz no âmbito específico, e não genérico – e de uma necessidade – construir uma ponte analógica entre disciplinas diferentes. Seu objetivo é a compreensão no

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sentido último da hermenêutica: uma apropriação crítica e consciente da tradição que incorpora seu significante. Meu texto é mais uma proposta de diálogo criativo com a tradição para sugerir ao leitor novas e ricas possibilidades interpretativas. Que o leitor possa sentir o mesmo prazer de contemplar esses dois meios com uma luz diferente.

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