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Tópicos de Mecânica Quântica II Aplicações: Partícula numa caixa unidimensional com paredes rígidas. Partícula livre. Generalização para caixas bi e tridimensionais. Problemas propostos e resolvidos. Fernando Fernandes Centro de Ciências Moleculares e Materiais, DQBFCUL Notas para as aulas de Química-Física II, 2010/11 Uma equação diferencial geral muito importante para as aplicações que se seguem é: 2 2 2 d x k x dx (1.1) onde k é uma constante qualquer. Trata-se duma equação de valores próprios para o operador 2 2 d dx , na qual Ψ(x) representa as funções próprias e –k 2 os valores próprios do operador. Note-se que, mesmo sem resolver a equação, pode antecipar-se que as suas soluções têm sempre uma forma ondulatória. De facto, nos intervalos de x onde a função for positiva, a 2ª derivada é negativa. Mas a segunda derivada não é mais do que a variação da 1ª derivada da função, a qual se visualiza geometricamente através das tangentes à curva da função em cada ponto. Logo, nesse intervalo, a função é côncava: Nos intervalos de x onde a função for negativa, então a segunda derivada é positiva e a função será convexa: Donde: 1

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Tópicos de Mecânica Quântica II

Aplicações: Partícula numa caixa unidimensional com paredes rígidas. Partícula livre. Generalização para caixas bi e tridimensionais. Problemas propostos e resolvidos.

Fernando Fernandes

Centro de Ciências Moleculares e Materiais, DQBFCUL

Notas para as aulas de Química-Física II, 2010/11

Uma equação diferencial geral muito importante para as aplicações que se seguem é:

22

2

d xk x

dx

(1.1)

onde k é uma constante qualquer. Trata-se duma equação de valores próprios para o

operador 2

2

d

dx, na qual Ψ(x) representa as funções próprias e –k2 os valores próprios

do operador. Note-se que, mesmo sem resolver a equação, pode antecipar-se que as suas soluções têm sempre uma forma ondulatória. De facto, nos intervalos de x onde a função for positiva, a 2ª derivada é negativa. Mas a segunda derivada não é mais do que a variação da 1ª derivada da função, a qual se visualiza geometricamente através das tangentes à curva da função em cada ponto. Logo, nesse intervalo, a função é côncava:

Nos intervalos de x onde a função for negativa, então a segunda derivada é positiva e a função será convexa: Donde:

1

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Pode então afirmar-se que a equação gera sempre ondas. É fácil verificar que as funções: c1 exp(ikx), c2 exp(-ikx), a1 cos(kx) e a2 sen(kx), assim como qualquer combinção linear (c1, c2, a1 e a2 são constantes a especificar):

(1.2) c1 exp(ikx) + c2 exp(-ikx)

a1 cos(kx) + a2 sen(kx) são soluções da equação, todas representando ondas. Por exemplo,

21 1

12

2 2 21 1 1

d c exp ikx d c exp ikxd dc ik exp ikx

dx dx dx dx

d exp ikxc ik c i k exp ikx k c exp ikx

dx

(1.3)

o que mostra que a função c1 exp(ikx) é uma solução da equação. Problema proposto: Verifique que as outras funções são soluções da equação. Como vimos no texto T5 sobre números complexos, às funções exp(ikx) e exp(-ikx) correspondem ondas harmónicas sinusoidais a moverem-se segundo o eixo dos x, respectivamente, da esquerda para a direita e vice-versa. A infinidade de soluções para a equação pode dar a sensação de arbitrariedade. Qual a solução que devemos escolher? Ora bem, podemos escolher a mais conveniente para o problema concreto em estudo. De facto, qualquer problema físico é caracterizado por condições iniciais e/ou condições de fronteira bem como pela condição de normalização das funções de onda. São estas, precisamente, as condições que determinam os valores efectivos das constantes. Por outro lado, recorde-se que:

(1.4)

exp (ikx) = cos(kx) + i sen(kx)

exp (-ikx) = cos(kx) - i sen(kx)

significando que, afinal, as soluções anteriores estão todas directamente relacionadas.

Partícula numa caixa unidimensional com paredes rígidas

2

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U = ∞ U = 0 U = ∞

II I III

Figura 1. Modelo para uma partícula numa caixa unidimensional com paredes rígidas

x = 0 x = L

Como o potencial é ∞ nas regiões I e III, as respectivas funções de onda ΨI = ΨII = 0, uma vez que a partícula não penetra nessas regiões. Relativamente à região II, a equação de Schrödinger é:

22

2

d xE x

2m dx

(1.5)

pois U(x) = 0. Isto é, a partícula só possui energia cinética. Rearranjando a equação:

2

2 2

d x 2mEx

dx

(1.6)

Comparando esta forma com a equação geral (1) é óbvio que as podemos identificar considerando k = (2mE)1/2 / . Como tal, pode escolher-se uma das soluções possíveis que vimos acima. Qual? Ora a partícula move-se na caixa, mas não penetra nas paredes rígidas. Logo, terá de sofrer reflexões nas paredes, ou seja, deverá ser traduzida por uma função de onda que contenha as possibilidades de movimentos da esquerda para a direita ou vice-versa. Então, a solução apropriada que traduz a situação física deve ser:

(1.7) (x) = c1 exp(ikx) + c2 exp(-ikx) com k = (2mE)1/2 / . Todavia, esta solução tem de obedecer às condições de fronteira, isto é, Ψ(0) = Ψ(L) = 0, pois as funções de onda para qualquer sistema são contínuas. Estas condições deverão determinar os valores efectivos de c1 e de c2. Introduzindo as condições de fronteira na função anterior obtém-se:

(1.8) (0) = c1 + c2 = 0

(L) = c1 exp(ikL) + c2 exp(-ikL) = 0

cujas formas são aparentemente insolúveis para a determinação das constantes. Contudo, considerando as fórmulas (1.4) é fácil deduzir que (1.7) é equivalente a: (1.9) (x) = A cos(kx) + B sen(kx)

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com k = (2mE)1/2 / . Nesta forma, torna-se imediata a imposição das condições de fronteira. Veja-se que cos (0) = 1, logo A = 0, e como sen(0) = 0, então Ψ(0) = 0. Resta: (x) = B sen(kx) (1.10) que terá de verificar: (L) = B sen(kL) = 0 (1.11) Atendendo à periodicidade da função seno, tal só será possível se: (1.12) kL = n k = n /L, com n = 0, 1, 2, ... donde:

nx B sen x ; n 1,2,3,...

L

(1.13)

pois que n = 0 implicaria Ψ(x) = 0, ou seja, a inexistência da partícula entre 0 e L. O número n designa-se por número quântico. Impostas as condições de fronteira, deduz-se de k = (2mE)1/2 / = n π / L :

2 2

2

n hE ; n 1,2,3,...

8mL (1.14)

Como n não pode ser igual a zero, o nível fundamental (n = 1) tem sempre uma energia diferente de zero, a qual se designa por energia do ponto zero. O valor da constante B, determina-se pela condição de normalização das funções de onda:

L L L

2 2 2

0 0 0

n x| | dx x x dx B sen dx 1

L

(1.15)

Da resolução do integral obtém-se B 2 / L , donde:

2 nx sen x ; n 1,2,3,...

L L

(1.16)

Problema proposto: Resolva o integral anterior recorrendo ao programa “Matemática” disponível em: http://www.wolframalpha.com Note-se que a quantização da energia do sistema é uma consequência directa da imposição das condições de fronteira, ou seja, dos constrangimentos a que o sistema está sujeito. Na ausência destes constrangimentos a energia poderá adquirir qualquer valor, isto é, será uma grandeza contínua. Esta é uma característica essencial da

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mecânica quântica: sempre que um sistema esteja constrangido verifica-se quantização, de acordo com o que se observa experimentalmente. No caso unidimensional que acabámos de estudar uma única dimensão está constrangida. A ela corresponde um número quântico com valores discretos. No que se segue, veremos que por cada dimensão constrangida surge um novo número quântico com valores discretos. Na figura 2 representam-se as funções de onda para os três primeiros níveis quânticos e as respectivas densidades de probabilidade. A diferença de energias entre o nível n+1 e n é:

2 2 22 2

2 2

n 1 h 2n 1 hn hE

8mL 8mL 8mL

2 (1.17)

Desta expressão conclui-se que a separação entre os níveis de energia aumenta com o valor do número quântico, n, o que se representa na figura 3.

Figura 2. Funções de onda e densidades de probabilidade para os primeiros níveis

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Figura 3. Níveis de energia para a caixa unidimensional A outra conclusão que se tira da expressão anterior é que a diferença entre os níveis diminui com o aumento da massa e/ou do comprimento da caixa. Isto significa que para massas e/ou comprimentos suficientemente grandes essa diferença aproxima-se de zero, ou seja, a energia tende para valores contínuos.

Partícula livre Note-se que numa caixa de comprimento muito grande (L → ∞), a partícula passa a maior parte do tempo a mover-se livremente da esquerda para a direita, ou vice-versa, e só muito esporadicamente sofrerá reflexões nas paredes, as quais, nesse limite, se podem considerar ausentes. Qual a descrição quântica de uma partícula livre (não constrangida)? A equação de Schrödinger é a mesma do que a da partícula na caixa (1.5):

22

2

d xE x

2m dx

(1.18)

mas neste caso não há condições de fronteira. Suponhamos que a partícula se move da esquerda para a direita. Então, a solução apropriada para a equação deve ser:

c exp (ikx) com k = (2mE)1/2 / , e c uma constante

Uma vez que não há condições de fronteira, a energia não está quantizada, isto é, pode tomar qualquer valor. Para uma partícula livre, U(x) = 0, e a energia é inteiramente

cinética, 2xp

E2m

. Substituindo este valor em k, a função de onda é:

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x

x

i2 p x i2 xx cexp cexp

h h

/ p

(1.19)

a qual representa uma onda sinusoidal harmónica (ver texto T5) de comprimento de onda λ = h/px, ou seja, a relação de de Broglie, que como sabemos é bem comprovada experimentalmente. Este caso, mostra que, de facto, a equação de Schrödinger contém implícita na sua estrutura a base experimental da mecânica quântica. A energia da partícula livre está exactamente definida assim como o seu momento linear. Ora isto significa que a função de onda para além de ser uma função própria do hamiltoniano terá também de ser uma função própria do operador momento linear,

ix

, com valor próprio px. Vejamos que assim é:

x x xx

i2 p x i2 p i2 p x i2 p xi cexp i cexp p cexp

x h h h h

x

(1.20)

A energia e momento estão exactamente definidos, isto é, as respectivas incertezas são: ΔE = 0 e Δpx = 0. O que dizer acerca da posição da partícula? A respectiva densidade de probabilidade é:

2 2xi2 p x i2 x| | x x cexp cexp c

h h

(1.21)

ou seja, a probabilidade de encontrar a partícula em qualquer intervalo x dx é constante. Por outras palavras, a incerteza da posição é Δx = ∞, de acordo com o princípio da incerteza de Heisenberg.

Problema proposto: Verificar se as funções próprias referentes à partícula numa caixa unidimensional com paredes rígidas, estudado anteriormente, são ou não funções próprias do operador momento linear. Interpretar o resultado.

Problema resolvido Determinar as funções de onda e energias para uma partícula de massa m a mover-se numa caixa quadrada, de lado L, com paredes rígidas. No interior da caixa a energia potencial é U(x,y) = 0 e no exterior U(x, y) = ∞. Como tal, o movimento da partícula está limitado aos intervalos 0 x L e 0 y L . Generalizar para uma caixa tridimensional cúbica de lado L. E se os lados tiverem comprimentos diferentes, Lx= a Ly = b e Lz = b?

Resolução No exterior da caixa, as funções de onda são nulas pela mesma razão invocada no caso unidimensional. No interior, e supondo que a caixa se encontra no plano x-y as funções de onda dependem das variáveis x e y, Ψ (x, y). A equação de Schrödinger é:

2 22

2 2

x, y x, yE x, y

2m x y

(1.22)

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Para resolver a equação utiliza-se a técnica da separação de variáveis, isto é, admite-se que a solução é da forma: (x, y) = X(x) Y(y) (1.23)

Se a solução nesta forma conseguir traduzir as condições do sistema, então teremos o problema resolvido. Note-se que já se utilizou esta técnica na equação de Schrödinger dependente do tempo (ver texto T6). Introduzindo a forma anterior na equação de Schrödinger:

2 22

2 2

d X x d Y yY y X x EX x Y y

2m dx dy

(1.24)

Dividindo ambos os membros por X(x)Y(y):

2 22

2 2

d X x d Y y1 1E

2m X x dx Y y dy

(1.25)

Através de considerações semelhantes às que utilizámos no texto T6:

2 22 2

x y2 2

d X x d Y yE X x ; E Y(y); E E E

2m dx 2m dy

x y (1.26)

As equações anteriores têm exactamente a mesma forma da equação para a caixa unidimensional. Assim, impondo as condições de fronteira para cada dimensão e a normalização das funções, não é difícil obter:

yxx y

n yn x2 2x, y sen sen ; n 1, 2,...;n 1, 2,3...

L L L L

(1.27)

2 22 22 2

x yyx2 2 2

n n hn hn hE

8mL 8mL 8mL

2

(1.28)

Neste caso, onde existem duas dimensões constrangidas, surgem dois números quânticos: nx e ny que podem tomar, independentemente, valores inteiros. Para visualizar as funções de onda tem de recorrer-se ao grafismo tridimensional. Por exemplo, no programa “Mathematica” já referido, podem obter-se diferentes representações para a função com nx = 4 e ny = 2 (ver figura 4).

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Figura 4. Gráficos tridimensional e de contorno para o estado nx = 4 e ny = 2. Como os valores dos números quânticos são independentes é evidente que existem níveis de energia degenerados (com a mesma energia), por exemplo, o nível anterior terá a mesma energia do nível com nx = 2 e ny = 4. Na figura 5, representam-se os níveis de energia.

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Figura 5. Níveis de energia para a caixa bidimensional Por analogia, pode inferir-se que, para o caso da caixa tridimensional, as funções de onda e energias são:

yx z

x y z

n yn x n z2 2 2x, y, z sen sen sen

L L L L L L

n 1,2,...;n 1,2,3...;n 1,2,3,...

(1.29)

2 2 22 22 2 2

x y zyx z2 2 2 2

n n n hn hn h nE

8mL 8mL 8mL 8mL

2

(1.30)

Mais uma dimensão constrangida, como tal, um novo número quântico, nz. É óbvio que neste caso também existem degenerescências dos níveis de energia como se mostra na figura 6.

Figura 6. Níveis de energia para a caixa tridimensional com lados iguais (caixa cúbica)

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Uma vez mais, não é difícil inferir a situação no caso dos lados da caixa terem comprimentos diferentes: a, b e c:

yx z

x y z

n yn x n z2 2 2x, y, z sen sen sen ;

a b c a b c

n 1,2,...;n 1,2,3...; n 1,2,3,...

(1.31)

2 2 22 2 2 2 2 22yx z x

2 2 2 2 2

n h nn h n h n nhE

8ma 8mb 8mc 8m a b c

y z2 (1.32)

Neste caso, não devem existir degenerescências dos níveis de energia, pois a, b e c são diferentes.

Butadieno

O modelo da partícula material numa caixa, pode ser utilizado para racionalizar, de modo aproximado, algumas propriedades de substâncias químicas. Um exemplo típico é o butadieno (CH2=CH-CH=CH2), onde existem ligações duplas conjugadas entre os átomos de carbono, ou seja, duas ligações duplas intervaladas por uma ligação simples. A estrutura deste composto pode compreender-se, com base nas orbitais de valência do carbono e hidrogénio, através da hibridação das orbitais 2s, 2px e 2py dos átomos de carbono (originando três orbitais híbridas sp2, em cada átomo de carbono, dispostas com simetria triangular e planar) ficando as orbitais 2pz, de cada átomo de carbono, perpendiculares ao plano de hibridação. As orbitais híbridas dos átomos de carbono formam ligações moleculares σ entre eles e as orbitais 1s dos átomos de hidrogénio. Restam as 4 orbitais 2pz, de cada átomo de carbono, cada uma com 1 electrão, perpendiculares à estrutura molecular σ, as quais dão lugar, por sobreposição, a orbitais moleculares π deslocalizadas conforme os diagramas da figura 7.

Figura 7. Estrutura electrónica da molécula de butadieno.

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Suponhamos, agora, que os 4 electrões π se movem numa caixa unidimensional de paredes rígidas, e potencial V(x) = 0, não interactuando entre eles. Trata-se, obviamente, de uma aproximação grosseira. Por um lado os electrões π “sentir” a influência dos átomos de carbono como esquematizado na figura 8, donde V(x) não é exactamente zero ou infinito. Por outro lado, os electrões interactuam entre si.

Figura 8. Potencial real versus modelo. Contudo, assumindo o modelo, pode ver-se até que ponto as conclusões que dele se retiram apresentam alguma realidade. Assim, supondo os níveis de energia da partícula numa caixa unidimensional com paredes rígidas, estudado acima, a distribuição electrónica dos electrões π, no estado fundamental, representa-se na figura 9, juntamente com uma hipotética transição dum electrão da orbital molecular HOMO para a orbital LUMO.

Figura 9. Distribuição electrónica do estado fundamental e transição de HOMO para LUMO. Considere-se o comprimento da ligação carbono - carbono como o valor médio da ligação simples e dupla (d (C-C) = 154 pm ; d (C=C) = 135 pm), e o comprimento da caixa igual a 4 ligações médias carbono – carbono (metade duma ligação para além dos carbonos terminais, para evitar que nas posições destes as funções de onda se anulem, devido às condições de fronteira do modelo). Com estes dados, e os valores da massa do electrão (9.109 x 10-31

kg) e da constante de Planck (h = 6.626 x 10-34 J s) pode calcular-se

o comprimento de onda da radiação (λ) necessária para promover um electrão do HOMO para o LUMO, a partir da equação (1.17):

2 2 22 2

2 2

n 1 h 2n 1 hn hE

8mL 8mL 8mL

2

com n = 2, e sabendo que /E h hc ,onde c é a velocidade da luz (3x108 m s-1). O valor calculado é λ = 220 nm, o qual compara excelentemente com o valor experimental determinado espectroscopicamente, λ = 217 nm. Adicionalmente, as funções de onda são dadas pela equação (1.16):

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2 nx sen x ; n 1,2,3,...

L L

introduzindo o valor do comprimento da caixa calculado anteriormente. As respectivas densidades de probabilidade e interpretações para os três primeiros níveis estão na figura 10.

Figura 10. Densidades de probabilidade e interpretações para os três primeiros níveis de energia. Embora para o caso do butadieno o resultado teórico esteja em excelente concordância com o experimental, uma vez que o modelo é muito grosseiro não deve esperar-se que ele conduza ao mesmo grau de concordância para outras moléculas e propriedades. No entanto, como uma primeira aproximação, o modelo da partícula na caixa pode ser muito útil, pelo menos para estimar as ordens de grandeza de algumas propriedades moleculares.

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