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Luan Bonini Bonilha de Oliveira Professor Waldemar Fon/Fon Numero USP: A VARIAÇÃO Linguística na música de ADONIRAN BARBOSA

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Luan Bonini Bonilha de OliveiraProfessor WaldemarFon/FonNumero USP:

A VARIAÇÃO Linguísticana música de ADONIRAN BARBOSA

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I. INTRODUÇÃO

Este trabalho trata da variante presente em São Paulo, em especial de

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influência italiana, na música de Adoniran Barbosa. Tem como base principal a música “Tiro ao Álvaro” de Adoniran, demonstrando posteriormente outras canções que se assemelham no tipo de variação linguística. O objetivo do trabalho é realizar uma comparação entre a música de Adoniran e as determinadas variantes da língua portuguesa, demonstrar sua constância e determinar certos padrões de utilização. Da italianização do português até seu papel para a música brasileira, Adoniran demonstra de maneira única aquilo que é falado pelas pessoas. Traços tão singulares de um artista tão completo e criativo. Objetiva-se realizar um diálogo entre Adoniran e as variantes do português. O exercício de comparar as obras permite à nossa percepção leituras mais variadas e amplas.

II. DESENVOLVIMENTO

O samba surgiu no Brasil de uma fusão de ritmos e harmonias de origem

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africana. Logo de início, esse gênero musical é malvisto e perseguido, por ser associado às classes menos favorecidas e aos negros. O preconceito, porém, não impediu que o samba se popularizasse e logo ganhasse poder até entre as elites sociais do país. Seus temas são o cotidiano do trabalhador brasileiro, a boemia, sentimentos e emoções transbordadas, a luta diária pelo reconhecimento social e contra a miséria, entre todos os outros que poderiam vir a calhar para um sambista. Porém, em meados dos anos 40 e 50, a linguagem do samba começa a se aproximar mais do sublime, temas como a malandragem são abandonados, há certa elitização do gênero, tanto por parte dos compositores tradicionais que querem se aproximar da expressão das elites, como também das composições que surgem dessas elites e que se apropriam do ritmo, porém se distanciam do conteúdo. Nesse momento que, em São Paulo, surge João Rubinato, compositor e cantor que viria a ser conhecido pelo nome de Adoniran Barbosa. Adoniran vai à contramão dessa nova linguagem do samba. Seus temas são as dificuldades de se obter uma moradia (como em “Despejo na Favela” e “Saudosa Maloca”), o amor, mesmo que demonstrado por gestos simples (como em “Prova de Carinho” ou “Tiro ao Álvaro”), tragédias (como em “Iracema”) e o cotidiano de muito trabalho, mas muita diversão (em “Trem das Onze”, “Samba do Arnesto” e “Mulher, Patrão e Cachaça”). Não só nos temas das suas composições que Adoniran Barbosa se mostra um artista popular: ele incorpora também a expressão linguística das massas, as variações formais e influências principalmente de dialetos dos italianos em São Paulo. Ao reconhecer e se apropriar do falar de seu povo, Adoniran não só se mostra um artista diferenciado, como também afirma o valor social da periferia paulistana.

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(Vetado: a falta de gosto impede a liberação da letra. O parecer da censura no ano de 1973. O preconceito linguístico disfarçado de “bom gosto”)

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A seguir “Tiro ao Álvaro” de Adoniran¹ Barbosa:

Tiro ao Álvaro

De tanto levar

frechada do teu olhar

Meu peito até

Parece sabe o que?

talbua de tiro ao Álvaro

Não tem mais onde furar

Teu olhar mata mais

Do que bala de carabina

Que veneno estriquinina

Que pexeira de baiano

Teu olhar mata mais

Que atropelamento

De automóver

Mata mais

Que bala de revórver

A primeira variação aparece em frechada, onde o fonema /l/ é substituído por /r/. Temos também talbua, onde a palavra tábua sofre um acréscimo do fonema /u/ depois de ta, formando um ditongo. Há ainda um trocadilho com a palavra alvo, sendo esta substituída por Álvaro, um substantivo próprio, referente ao eu lírico da música. A palavra estriquinina é uma variação de estricnina, o nome de um componente químico inseticida contra ratos. Peixeira é o nome popular de uma espécie de facão para corte de peixes e carnes. Na última estrofe aparece em automóver e revórver, o fonema /r/ vibrante, substituindo o fonema /u/.

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Nessa composição, as variações são apenas fonéticas, tendo a sintaxe sido respeitada de acordo com o português padrão. O linguajar popular influenciou bastante as letras das composições de Adoniran, onde o povo fala como o povo fala, e não como se lê nos livros. Não é um português com sotaque de italiano. Mais que isso, é a reconstituição perfeita (e muitas vezes engraçada) da mistura de diferentes sotaques e entonações de migrantes que se juntaram em São Paulo. Uma mistura que se misturava também com o português mal falado das classes baixas, que Adoniran sempre retratou nas suas composições.

“Adoniran vai continuar por aqui” Publicado no Jornal da Tarde, 24/11/1982. Texto de Sérgio Vaz:

Adoniran, o cantor, compositor, humorista e ator, imortalizou em suas canções o linguajar típico dos italianos que viviam na capital paulista. A linguagem espontânea de Adoniran ainda se faz sentir nos bairros populares e tradicionais de São Paulo, lugares onde as letras de Adoniran encontram abrigo, lugares onde o compositor espelhou-se para suas canções. Canções que por ora tinham o caráter de crônicas, ora bem-humoradas, ora trágicas. ”²

Adoniran, ao mesclar diversas linguagens de maneira clara e concisa, quebra preconceitos relacionados à forma de falar das camadas mais pobres da sociedade. Pretendia reproduzir em suas letras o linguajar da população não escolarizada, além dos imigrantes italianos e de seus descendentes, que viviam em bairros como os do Brás e do Bexiga, onde viveu o autor em São Paulo. O “Embaixador da maloca”, como muitos dizem, traz à tona toda a peculiaridade da linguagem de botequins, ruas e periferias.

Samba do Arnesto

O Arnesto nos convidô

pr'um samba, ele mora no Brás

Nóis fumos não encontremo ninguém

Nóis vortemos com uma baita de uma reiva

Da outra vez nóis num vai mais

Nóis não semos tatu!

No outro dia encontremo com o Arnesto

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Que pediu descurpas mas nóis não aceitemos

Isso não se faz, Arnesto, nóis não se importa

Mas você devia ter ponhado um recado na porta

Um recado ansim ói:

“Ói, turma, num deu pra esperá

Aduvido que isso, num faz mar, num tem importância,

Assinado em cruz porque não sei escrever”

Nessa canção podemos destacar a falta de concordância entre as palavras, além da forma variante de escrita/fala. Em encontremos, semos e aceitemos, variações morfológicas e sintáticas; em vortemo variação fonológica por rotacismo (troca do L pelo R).A palavra tatu é uma variação lexical: uso de uma palavra que denotativamente é um animal, usado aqui como expressão de bobo, tolo.Essas variações são muito comuns entre pessoas do interior, as chamadas “caipiras” (variação diatópica) e entre pessoas de classe social mais baixa (variação diastrática).

Adoniran Barbosa e Elis Regina (1978)

Nesse registro datado de 1978, no Bar da Carmela, em São Paulo, Adoniran canta Iracema e Um Samba no Bixiga, acompanhado de Elis Regina.³

IRACEMA

(Elis Regina)

Iracema, eu nunca mais que te vi

Iracema meu grande amor foi embora

Eu chorei, eu chorei de dor porque

Iracema, meu grande amor foi você

Iracema, eu sempre dizia

Cuidado no atravessar essas rua

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Eu falava, mas você não me escuitava não

Iracema você travessou contramão

E hoje ela vive lá no céu

Ela vive bem juntinho de nosso Senhor

De lembrança guardo somente suas meia, os seus sapato

Iracema, eu perdi o seu retrato.

(Adoniran Barbosa)

— Iracema, faltavam vinte dias pra o nosso casamento

Que nóis ia se casar

Você atravessou a Rua São João

Veio um carro, te pega e te pincha no chão

O chofer não teve curpa, Iracema

Você atravessou contra mão

Paciência, Iracema, paciência

(Elis Regina)

E hoje ela vive lá no céu

Ela vive bem juntinho de nosso Senhor

De lembranças guardo somente suas meia, os seus sapato

Iracema, eu perdi o seu retrato

Iracema, meu grande amor foi você

Iracema, você travessou contra mão

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UM SAMBA NO BIXIGA

Domingo nós fumos num samba no Bixiga

Na Rua Major, na casa do Nicola

À mezza notte o'clock

Saiu uma baita duma briga

Era só pizza que avuava junto com as braxola

Nóis era estranho no lugar

E não quisemo se meter

Não fumo lá pra brigar, nós fumo lá pra comer

Na hora “H” se enfiemo de baixo da mesa

Fiquemo ali, que beleza vendo Nicola brigar

Dali a pouco escutemo a patrulha chegá

E o sargento Oliveira falá

“Num tem importância

Foi chamada as ambulância”

Carma pessoal,

A situação aqui está muito cínica

Os mais pior vai pras crínica

Sublinhado, as variações presentes nas composições, em relação ao português padrão.

É comum encontrar nas composições de Adoniran Barbosa, supressões do plural, como em suas meia ou pras clínica. Essa é uma variação presente em dialetos de inúmeras regiões paulistanas e possui influência certeira da imigração italiana. Na língua natal dessa colônia, o plural não é marcado com a terminação –s em

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substantivos, mas sim com alterações na vogal final, como em ragazzo-ragazzi (menino-meninos), persona-persone (pessoa-pessoas) ou calza-calze (meia-meias). São mudanças fonéticas sutis se comparadas com a mudança no português quando se trata da formação de plurais. No processo de aprendizagem, provavelmente a mudança não foi assimilada na formação dos substantivos e acabou sendo incorporada pelos falantes, depois transmitida para os descendentes. Proposições, pronomes e artigos recebem a partícula –s normalmente. Também aparecem enfiemo e escutemo, no lugar de enfiamos ou escutamos. Aqui, além da supressão da partícula –s do plural, há uma troca entre os fonemas /a/ e /e/. Em travessou, a palavra atravessou perde o fonema /a/ inicial e em duma, há uma aglutinação entre de e uma, também perdendo uma vogal no processo (/e/). Nessas palavras, as vogais trocadas ou perdidas não são significante expressivo, por isso, mesmo com as mudanças, não se perde o significado do que foi expresso.

Em falá e chegá, a variação é predominantemente escrita. Na oralidade corrente, os verbos falar e chegar são pronunciados dessa forma, ao invés da pronúncia do –r final. Em mais pior, além do adjetivo comparativo, há a presença de um advérbio de intensidade, o que não é admitido pela variante padrão do português. Esse tipo de construção é comum no português popular, considerando que a palavra pior não só funciona como um adjetivo comparativo, mas como um substantivo que demonstra inferioridade.

III. CONCLUSÃO Vivemos em uma sociedade complexa, na qual diferentes grupos sociais inter existem e por isso mesmo há a variação linguística. Alguns desses grupos não tiveram contato com a educação formal, enquanto outros tiveram mais contato

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com a norma culta. Também torna-se possível observar que de acordo com suas situações de uso, pois um mesmo grupo social pode se comunicar de maneira diferente, de acordo com a necessidade de adequação linguística. As composições de Adoniran são de extrema importância para o combate ao preconceito linguístico, quando certas variantes sociais são discriminadas em razão do privilégio de outras.

IV. REFERENCIAS

1. “Tiro ao Alvaro” de Adoniran Barbosa. https://www.youtube.com/watch?v=6RvIvOZkSqY

2. Sergio Vaz.

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http://50anosdetextos.com.br/category/sergio-vaz/page/42/

3. “Iracema” de Adoniran e Elis.https://www.youtube.com/watch?v=Ea5nMXIRxQM