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FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA: MEMÓRIAS DE GUERRA E FORMAÇÃO DE IDENTIDADES CAROLINE MARTINS OJEDA 1 Na medida em que percebemos a ascensão de discussões pautadas na desconstrução e problematização de discursos, memórias e identidades, compreendemos que existe a necessidade de tratar de uma temática ainda pouco explorada pelos historiadores brasileiros. Procuramos discorrer sobre a formação da identidade febiana ao redor das memórias produzidas sobre a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial. Para tanto, buscamos subsídio na historiografia produzida a respeito da Força Expedicionária Brasileira, assim como interrogamos fontes entrevistas e fontes impressas que nos colocam, de forma direta, em contato com a história da FEB. A participação brasileira na Segunda Guerra Mundial impulsionou a formação de um Corpo Expedicionário, que fez sua história a partir dos confrontos engendrados no Teatro de Operações bélicas na Itália. Após o fim do conflito em solo italiano, retornaram ao Brasil no fervor dos acontecimentos como novos heróis da Nação. Teria início, então, a construção do que convencionamos chamar de identidade febiana. Mas poderíamos pensar na construção de identidades de forma homogênea, num contexto em, segundo Stuart Hall (2006), a diferença é a qualificadora das identidades fragmentadas, na chamada Pós-modernidade? O que pretendemos elucidar aqui não será a manutenção e sustentação de uma identidade hegemônica ou única. Buscamos analisar o processo de construção de vínculos, que resguardados através de memórias, podem nos esclarecer sobre o processo de formação de identificações. As experiências vividas em conjunto se transformam num meio de se compreender o indivíduo perante a sociedade, proporcionando-lhe um lugar e quiçá dando-lhe destaque. A formação da Força Expedicionária Brasileira e seu desempenho na Guerra marcaram a história do Brasil, e ainda mais a história institucional militar, tendo em vista o pioneirismo daquele Corpo especial das Forças Armadas brasileiras. Teria a FEB, no entanto, suas peculiaridades em contraponto ao corpo fixo do exército brasileiro. Por se tratar de uma 1 Aluna mestranda do Programa de Pós-graduação da Universidade Federal de Mato Grosso. Agência Financiadora: CAPES.

FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA: MEMÓRIAS DE ......pouco moderna para a conjuntura da Segunda Grande Guerra, sem mencionar a falta de estrutura logística para o preparo destes

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FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA: MEMÓRIAS DE GUERRA E

FORMAÇÃO DE IDENTIDADES

CAROLINE MARTINS OJEDA1

Na medida em que percebemos a ascensão de discussões pautadas na desconstrução e

problematização de discursos, memórias e identidades, compreendemos que existe a

necessidade de tratar de uma temática ainda pouco explorada pelos historiadores brasileiros.

Procuramos discorrer sobre a formação da identidade febiana ao redor das memórias

produzidas sobre a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial. Para tanto, buscamos

subsídio na historiografia produzida a respeito da Força Expedicionária Brasileira, assim

como interrogamos fontes – entrevistas e fontes impressas – que nos colocam, de forma

direta, em contato com a história da FEB.

A participação brasileira na Segunda Guerra Mundial impulsionou a formação de um

Corpo Expedicionário, que fez sua história a partir dos confrontos engendrados no Teatro de

Operações bélicas na Itália. Após o fim do conflito em solo italiano, retornaram ao Brasil – no

fervor dos acontecimentos – como novos heróis da Nação. Teria início, então, a construção do

que convencionamos chamar de identidade febiana.

Mas poderíamos pensar na construção de identidades de forma homogênea, num

contexto em, segundo Stuart Hall (2006), a diferença é a qualificadora das identidades

fragmentadas, na chamada Pós-modernidade? O que pretendemos elucidar aqui não será a

manutenção e sustentação de uma identidade hegemônica ou única. Buscamos analisar o

processo de construção de vínculos, que resguardados através de memórias, podem nos

esclarecer sobre o processo de formação de identificações. As experiências vividas em

conjunto se transformam num meio de se compreender o indivíduo perante a sociedade,

proporcionando-lhe um lugar e quiçá dando-lhe destaque.

A formação da Força Expedicionária Brasileira e seu desempenho na Guerra

marcaram a história do Brasil, e ainda mais a história institucional militar, tendo em vista o

pioneirismo daquele Corpo especial das Forças Armadas brasileiras. Teria a FEB, no entanto,

suas peculiaridades em contraponto ao corpo fixo do exército brasileiro. Por se tratar de uma

1 Aluna mestranda do Programa de Pós-graduação da Universidade Federal de Mato Grosso. Agência

Financiadora: CAPES.

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participação limitada aos objetivos bélicos do país e seus aliados, e por sua constituição

majoritária de civis, a FEB construiu, ao longo de sua existência, certas especificidades.

Como podemos compreender o que foi a Força Expedicionária Brasileira? Certamente

pela perspectiva institucional podemos inferir que a FEB fora um Corpo militar/civil, que teve

como principal função a recuperação do solo italiano, diante da invasão das tropas inimigas

do Eixo. Pensemos, contudo, pela visão não oficial da história da participação Brasileira no

confronto.

Desta forma, lançamos alguns questionamentos: Como a sociedade enxergava o

desempenho do Brasil na Guerra, no decorrer do conflito e após o retorno dos ex-

combatentes? Como os próprios expedicionários compreendiam-se diante do papel que

tiveram de exercer? Qual a importância da memória no processo de formação de identidade

da Força Expedicionária Brasileira?

As perguntas lançadas acima contemplam, de maneira variável, um problema central:

Qual a importância do “outro” na formação de nossas identidades? Propomos desenvolver,

enfim, uma análise em torno da produção histórica e documental a respeito dos heróis

brasileiros da FEB – também conhecidos como pracinhas da FEB – tendo como foco de

estudo a relação produzida entre memória e identidade, a partir da participação destes

indivíduos na Segunda Guerra Mundial.

A Segunda Guerra Mundial e o processo de fabricação do herói brasileiro

Para que possamos falar a respeito da construção de uma identidade febiana,

primeiramente devemos nos situar diante do que provocou a formação da Força

Expedicionária Brasileira. Sendo assim, iniciamos com uma breve recordação de fatos

marcantes do ano de 1942. Em pleno desenvolvimento da Segunda Guerra Mundial, com

diversos países beligerantes por todo o território europeu e, indiretamente, o envolvimento de

diversos países ao redor do Mundo, a parte americana do Hemisfério ocidental do globo

encontrava-se ameaçada.

O ataque à base militar estadunidense Pearl Harbor, no fim do ano de 1941, despertara

em todo continente americano o sinal de alerta de expansão do conflito Mundial. A entrada

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das Forças Armadas estadunidenses da Segunda Grande Guerra impulsionou, política e

economicamente, o apoio brasileiro aos Estados Unidos da América. Pressionado a escolher

um lado diante das partes beligerantes da Guerra, o Brasil cortaria relações diplomáticas com

as Forças do Eixo, em 28 de janeiro de 1942.

Sob este contexto, muitos países se posicionavam com neutralidade, como foi o caso

do Brasil. Todavia esta postura não pôde perdurar, quando as proporções bélicas foram se

tornando mais catastróficas. Podemos compreender os acontecimentos do ano de 1942, do

envolvimento do Brasil na Segunda Guerra Mundial, a partir de uma cadeia de ações e

reações, as quais se iniciariam, no Hemisfério ocidental, quando dos frios ataques à Marinha

mercante na costa brasileira:

Reconheceria naquele momento, o governo brasileiro, que as ofensivas eixistas

haviam ultrapassado os limites de seus continentes, e infringiam o estado de neutralidade do

país diante do conflito bélico, que se tornara mundial. Tais ataques ocorreram devido ao

rompimento de relações com os países do Eixo, em solidariedade à América agredida.

Diante da comoção e movimentos da população brasileira em prol da entrada no Brasil

na Guerra, e ainda motivado pela nova e frutífera relação diplomática desenvolvida com os

Estados Unidos, o Governo brasileiro decidiu-se pela formação de uma Divisão

Expedicionária, que lutaria em solo europeu. Tal Corpo das Forças Armadas brasileiras teria a

função de contribuir diretamente, ao lado das Forças Aliadas, no confronto e vitória contra o

segmento nazi-fascista da Guerra.

Por meio da Portaria Ministerial nº 47-44 (LINS, 1985, p. 55), de Agosto de 1943,

expedida pelo Ministro de Estado de Guerra Eurico Gaspar Dutra, seguiam as instruções para

os Comandos das Regiões Militares do país, no intuito de organizarem a formação da 1º

Divisão de Infantaria Expedicionária brasileira. Podemos afirmar, a partir do peculiar

contexto do período de formação da FEB, que a Força Expedicionária Brasileira apresentou-

se como um corpo fora do padrão do que se compreendia enquanto exército no Brasil, nos

anos correntes de sua existência.

Vejamos, então, quem foram os pracinhas da FEB, e o processo de fabricação dos

heróis brasileiros da Segunda Guerra Mundial. Daremos lugar, aqui, para a seguinte pergunta:

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quem formou a Força Expedicionária Brasileira? A “Canção do expedicionário” nos esclarece

um pouco a respeito da origem dos combatentes febianos:

Venho do morro, do Engenho, das selvas, dos cafezais, da boa terra do coco, da

choupana onde um é pouco dois é bom, três é demais. Venho das praias sedosas das

montanhas alterosas, dos pampas, do seringal das margens crespas dos rios, dos

verdes mares bravios da minha terra natal [...] Você sabe de onde eu venho? É de

uma Pátria que eu tenho no bojo do meu violão; Que de viver em meu peito foi até

tomando jeito de um enorme coração.2

Formada por um contingente de 25.374 homens, oriundos de 20 Estados brasileiros e

capital, os combatentes da Força Expedicionária Brasileira foram convocados a lutar na frente

de combate da Segunda Guerra Mundial, no Teatro de operações bélicas italiano. Mas estes

homens, que formavam um corpo de guerra majoritariamente de civis transformados em

soldados, estavam preparados para utilizar um morteiro, atirar com um canhão, ou mesmo

fazer varredura em terrenos cheios de minas explosivas? A resposta é simples: não.

Como denomina o historiador Francisco César Ferraz, os “cidadãos-soldados”3,

aqueles que não faziam parte do corpo de oficiais da FEB, formavam grande parte do total de

combatentes brasileiros na Guerra. Foram recrutados de diversos lugares do país, como

menciona a canção do expedicionário, ou seja, não tinham preparo algum para enfrentar a

situação que os impunham, porque eram civis. Pensemos ainda que estamos nos referindo a

um Brasil da década de 1940, em que boa parte de sua população vinha da zona rural. Havia

nesta situação um grande problema, pois esta grande massa de “cidadãos-soldados” deveria

ser treinada para combate.

Todavia, existia aí um conflito: a estrutura militar brasileira era de origem francesa,

pouco moderna para a conjuntura da Segunda Grande Guerra, sem mencionar a falta de

estrutura logística para o preparo destes combatentes, e mesmo a precária seleção realizada

por consultas médicas. Tinham aí um descompasso entre o interesse de participar da Guerra

com o nítido atraso das Forças Armadas do Estado brasileiro. De acordo com Sirlei de Fátima

Nass:

O Exército brasileiro não possuía material de guerra moderno. A infantaria,

estruturada desde 1920 segundo a escola francesa, era voltada para a guerra de

2 Canção do expedicionário, autor: Guilherme de Almeida; música: Spartaco Rossi. 3 “Pela expressão cidadão-soldado entende-se o indivíduo que, ao prestar o serviço militar – na paz ou na guerra

– por um determinado período à sua pátria, adquire a qualificação de sua cidadania por meio do “tributo de

sangue”. (FERRAZ, 2012, p. 45).

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trincheira. Não dispunha de meios motorizados, nem compreendia o movimento como

gerador de ação decisiva. A artilharia, além da carência de material adequado, tinha

a técnica, os conceitos e os processos superados. As dificuldades também eram graves

nos setores das comunicações e de apoio logísticos, vitais na guerra moderna (NASS,

p. 36, 2005)

Contando com o apoio das Forças Armadas estadunidenses para o treinamento e apoio

logístico, foram enviados para a Itália em cinco escalões, entre 1944 e 1945, os combatentes

brasileiros. Deveriam lutar nos terrenos instáveis do norte da Itália contra as forças alemãs e

italianas que dominavam aquele território. Apesar de muitos desacreditarem na vitória

brasileira4, realizaram diversas missões com êxito.

Devido à grandeza da miscelânea social que constava na Força Expedicionária,

homens recrutados de quase todos os Estados brasileiros, muitos eram os embates entre praças

e oficiais, devido às tendências de conservação de hierarquia por parte dos militares de

carreira. O expedicionário Gabriel Ferreira de Jesus5 nos afirmou, quando interrogado sobre a

FEB, que “o pessoal não escolhe soldado nenhum pra ir pra frente, aguentou pegar fuzil, se

sabe atirar [...] Não vai escolher soldado bonito pra ir pra frente, porque lá não ta precisando

de bonito nem feio, porque lá o povo é dureza”. O Corpo da FEB era

Composto de cidadãos-soldados que tinham a consciência de que a posição

hierárquica superior era consequência de méritos individuais e somente poderia ser

exercitada em serviço, o oposto ao modelo brasileiro, em que muitos oficiais

entendiam a superioridade hierárquica como algo imanente, e que deveria permear

todas as relações sociais, dentro e fora dos quartéis (FERRAZ, 2003, p. 92)

Apesar das adversidades, sabemos que as ações da FEB em combate ultrapassaram em

muito as expectativas. Tendo em consideração o despreparo físico, estratégico e técnico dos

soldados, a capacidade de adaptação destes brasileiros fora admirável. Foram 25.374 homens

que, com eficiência “venceram os obstáculos de aprendizagem com equipamentos

desconhecidos; o fator clima e o duro inverno europeu, assim como a difícil topografia

italiana; a falta de equipamentos e armamentos adequados, e finalmente, venceram um

inimigo com tropas de elite e a fama de mais de 100 anos de vitórias”. (SILVEIRA, 1989, p.

223).

4 Sobre os problemas enfrentados durante a formação da Força Expedicionária Brasileira vide “A guerra que não

acabou: a reintegração de veteranos da Força Expedicionária Brasileira”, Francisco César Ferraz. 5 Entrevista realizada no dia 28 de Setembro de 2013, em Várzea Grande-MT, na residência do senhor Gabriel

Ferreira de Jesus.

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Francisco César A. Ferraz reflete, em sua Tese a respeito da reintegração social dos

veteranos de Guerra da FEB, sobre as condições do Exército regular brasileiro e o impacto da

criação da FEB sob o olhar das oficialidades das Forças Armadas. Segundo Ferraz, o Exército

refletiria os problemas socioeconômicos do Brasil no período. Foi mais longe ainda quando

pondera a respeito das precárias condições de formação da FEB: “Pertencer à FEB e ir para a

Guerra era considerado, para muitos dentro da própria instituição militar, uma punição. Era a

oportunidade de comandantes “limparem” suas unidades, enviando para os regimentos

expedicionários os indesejáveis dos quartéis” (FERRAZ, 2012, p. 61).

Além da má fama acumulada dentro do corpo militar, a FEB não era bem vista por

uma parcela da população brasileira, descrente no poder bélico do país, assim como na sua

suposta “insignificância” no desenrolar da Guerra. Sobre a preparação dos expedicionários,

ainda em solo brasileiro, a historiadora Maria de Lourdes F. Lins, argumenta que:

Quando da realização dos grandes desfiles da FEB pelas principais ruas do Rio de

janeiro, era comum ouvir frases como estas: – “Qual! Vocês não vão. A guerra vai

acabar por esses dias. A coisa lá na Europa está de ‘colher’ para os aliados. Tudo

isso é ‘lero-lero”. Tais e tantos eram os boatos e notícias contraditórias e

tendenciosas (LINS, 1975, p. 74)

Mesmo com o fim da Guerra os feitos da FEB em combate e sua participação no

Teatro de Operações na Itália eram tidos como falácias, como recorda Francisco Ferraz,

referindo-se ao correspondente de guerra brasileiro, Rubem Braga:

[...] era constantemente perguntado, ao longo dos anos, se os brasileiros haviam

entrado mesmo na guerra, se não fora uma encenação patrocinada pelos Estados

Unidos, e se não havia sido uma moleza, pois a guerra já teria acabado quando os

brasileiros chegaram. Braga negava as tentativas de desvalorizar a FEB. (FERRAZ,

2012, p. 52)

Quando do retorno do corpo expedicionário ao Brasil, após a obtenção de resultados

positivos – e a superação de diversos obstáculos durante o decorrer da Guerra – os veteranos

da FEB voltavam para a “pátria” como heróis. Abraçados pela repentina fama e respeito pelo

trabalho que desempenharam na Itália. Os “pracinhas”, espantaram-se com a alegria e respeito

da população. Em entrevista ao historiador Alessandro Rosa, o senhor Aristides Saldanha

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Verges6 discorre que “O retorno foi mais tranquilo, mais calmo, quando chegamos no Rio de

Janeiro foi a coisa mais inesquecível, que já vi, muito bem recebidos. A população nos

agarrava, uma festa muito bacana”.

Ao recordar das comemorações do Rio de Janeiro, o ex-combatente da FEB,

Agostinho da Motta7, relatou: “olha, eu vou te dizer, foi a maior apoteose que eu já vi na

minha vida. Que coisa espetacular, maravilhoso”. Mas logo em seguida faz uma ressalva

muito importante:

Mas foi só os três dias, depois que acabou não queriam nem ver a gente [...] Você vê

o que eu estou dizendo, eu passei cinco anos sem entrar nos quartéis. Eu quando vim

da Guerra, você sabe que é o... porque nós ficamos no abandono, quando saímos da

Itália. Chegaram, puseram nós no abandono, sem direito a nada. Quando você ia

pedir emprego a maioria “não, não quero você”, que era louco. Foi um desajuste

social fora de...o que morreu de companheiro na miséria, na...foi...foi coisa de doido.

Assim, nos deparamos com uma contradição diante do reconhecimento – ou falta deste

– dos Expedicionários enquanto indivíduos que lutaram e puseram suas vidas em risco, em

defesa de propósitos que muitas vezes nem ao menos compreendiam direito. Desta forma,

segue um questionamento: quem foram (ou ainda o são) os pracinhas da FEB? Loucos e

lunáticos que supostamente lutaram na Segunda Guerra Mundial, ou homens de histórias

singulares, protagonistas de momento significativo da história brasileira?

Para que possamos responder ao questionamento acima, lançaremos mão de alguns

recortes de fontes orais e impressas, para construirmos nosso argumento em torno do que

consideramos a identidade febiana dos “pracinhas” da FEB e qual seria a importância deste

vínculo, mesmo depois de passados tantos anos do fim do conflito mundial, para a vida dos

soldados, cabos e mesmo sargentos da 1º Divisão Expedicionária do Brasil.

Vínculos sociais e memórias: os caminhos percorridos para a construção da identidade

febiana

6 Entrevista realizada por Alessandro Rosa, em 12 de novembro de 2009, em Curitiba – PR, com o ex-

combatente da FEB Aristides Saldanha Verges. 7 Entrevista realizada no dia 09 de agosto de 2014, na Associação Nacional dos Veteranos da FEB – Seção

Campo Grande – MS, presidida pelo senhor Agostinho da Motta.

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Para dar continuidade ao debate em torno da história da FEB e a construção da

identidade da comunidade febiana – que se originou a partir da participação dos brasileiros na

Segunda Guerra Mundial, através da Força Expedicionária Brasileira - partiremos de um

questionamento-chave: Qual a importância do outro na formação da nossa identidade?

Entendamos, primeiramente, enquanto comunidade um espaço - mesmo que abstrato –

em que indivíduos identificam-se entre si por meio do que chamaremos por pertencimento.

Esta comunidade possui proporções relativamente pequena (em comparação ao total da

população brasileira), na qual seus componentes comungam de uma história de vida

entrelaçada. Possuem em comum um momento ímpar dentro da trajetória que caminharam aos

longos dos anos, sendo este momento algo extremamente marcante, colocando-se como

referencial para suas vidas.

Tomemos como ponto de partida a comunidade dos ex-combatentes da Força

Expedicionária Brasileira, composta por civis transformados em soldados, que possuíam (ou

ainda possuem) em comum o fato de terem feito parte de uma Divisão Expedicionária, num

momento singular da história do Brasil, participando da Segunda Guerra Mundial. Mesmo

que cada um destes sujeitos tenha compreendido seu papel dentro daquele episódio de

maneira diferente, eles ainda assim possuem o vínculo de ligação, através da Força

Expedicionária Brasileira.

O que gostaríamos de frisar com o conceito de comunidade é a capacidade de síntese

de um grupo, que neste contexto, compartilha de uma mesma história. As experiências vividas

pelos expedicionários da FEB são significativas pelo aspecto singular do contexto em que se

viam – em meio ao conflito da Guerra – e, desta forma, auxiliam no processo de identificação

entre estes sujeitos.

Mas qual seria o papel da memória dentro do processo de construção de identidades?

De acordo com Paul Ricoeur a memória é um instrumento desenvolvido pela capacidade

humana de buscar a realidade anterior, “[...] a anterioridade que constitui a marca temporal

por excelência da ‘coisa lembrada’, do ‘lembrado como tal’” (RICOEUR, 2007, p. 26), de

forma que a constituímos como coisa do passado, de experiência de um tempo já transcorrido.

Ricoeur crê que a memória possui pretensão de veracidade. De modo que, a lembrança, aquilo

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que está guardado na memória, o que recordamos de uma experiência já vivida, é uma

representação de pretensões fidedignas ao passado.

Para Ricoeur, certas lembranças estão interligadas aos acontecimentos singulares do

passado – que não se repetirão – torndo-as objeto de um esforço de recordação. O filósofo

retoma Henri Bergson (Matière et Mémoire, 1896) para discutir a relação constituída em

tordo da memória-lembrança, ligando-a ao acontecimento:

[...] a lembrança de certa lição particular, de certa fase de memorização não

apresenta ‘nenhum dos caracteres do hábito’ (op. cit., p. 226): ‘É como um

acontecimento de minha vida; sua essência é trazer uma data, e não poder, por

conseguinte, repetir-se’ (ibid) [...] E ainda ‘A lembrança espontânea é, de imediato,

perfeita; o tempo não poderá acrescentar coisa alguma à sua imagem sem deturpá-la;

ela conservará, para a memória, seu lugar e sua data’ (op. cit., p. 229). Em suma: ‘A

lembrança de uma determinada leitura é uma representação, e somente uma

representação’ (op. cit., p. 226) (RICOEUR, 2007, p. 44)

Contudo, não é porque uma memória foi compartilhada que ela vai representar o

mesmo significado para diferentes indivíduos. O que pode auxiliar na maneira como os

sujeitos se identificam são os acontecimentos, as experiências (a origem), acarretando no

processo de identificação dos sujeitos.

O conjunto de representações da memória, num âmbito expandido ao social, faz

emergir, sobre as experiências “um enunciado que membros de um grupo vão produzir a

respeito de uma memória supostamente comum a todos os membros do grupo” (CANDAU,

2011, P. 24). É dentro de uma tênue linha entre tempos correntes que se formam as

identidades, quando o presente deixa de o ser para se tornar passado, se constituindo enquanto

memória (mesmo que recente).

Dentre as várias dimensões existentes da memória, procuramos trabalhar com a faceta

mais “explícita” desta, aquela provocada pela vontade de lembrar – em que encontramos os

testemunhos orais – numa tomada de decisão consciente do exercício da memória, pela

recordação voluntária.

Contudo, buscamos também aquela memória involuntária, deixada como um rastro de

pegadas do passado, identificadas aqui como fontes impressas (periódico). A mídia impressa

possui o papel aqui de representar (mesmo que de forma restrita) os meios de comunicação e

o seu papel de referencial, perante a sua influência na formação de identidades. Acreditamos

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que o periódico fizera parte de um rol de meios capazes de reproduzir dadas representações

sobre o passado, como fora no caso da participação da FEB na Segunda Grande Guerra.

Posta a definição de memória e sua intrínseca relação com os acontecimentos,

voltamos a interrogar sua importância dentro da construção da identidade febiana. Cremos

que a memória produzida sobre este grupo militar não pode ser considerada a representação

exata do passado, mas sim o que os indivíduos trazem ao mundo do real sobre aquilo que

acreditam ser parte de seu passado. Deste modo, as memórias fazem parte da construção das

identidades. É dentro de um papel central e formador da memória que agora podemos analisar

o papel dos sujeitos no desenvolvimento de suas identidades.

Poderíamos falar, então, da existência de uma identidade febiana? Não tencionamos

aqui afirmar que todo expedicionário que participou da FEB se compreende, no decorrer de

sua vida, ainda enquanto um febiano. Contudo, podemos tratar de uma questão hegemônica,

que perpassa por todas as fontes com as quais trabalhamos. O papel do herói da nação –

mesmo não sendo reconhecido como tal – representa um vínculo extremamente forte entre os

veteranos de Guerra da FEB. Citamos, aqui, a fala do senhor João Batista Mascarenhas de

Moraes, sobre suas memórias, ainda no fim da Guerra, enquanto comandante da FEB:

Não foram muitos os meses que aqui passamos; muitos foram, entretanto, os triunfos

que incorporamos ao rico patrimônio e às nossas belas tradições militares: Camaiore

– Monte Prano – Barga no Vale do rio Sercchio; Monte Castelo [...] Esses nomes se

inscreverão, por certo, dentro daqueles que receberam o culto das gerações patrícias,

porque na Itália, como nos campos de batalha sul-americanos, o Exército brasileiro

mostrou-se digno do seu passado e á altura do conceito que os deus chefes e soldados

de outrora firmaram com a espada e selaram com o sangue dos seus legítimos e

sempre venerados heróis. (MORAES, 2005, p. 222)

Vejamos a relação de um dos periódicos mais influentes do período com a memória

sobre a FEB. O jornal “O Globo” desenvolveu uma edição especial no período em que o

Brasil esteve em estado de Guerra, e enviou os combatentes para o conflito. Durante os anos

de 1944 e 1945 este meio de comunicação fora uma das formas de popularização de

informações, tornando-se um forte meio, ainda, de formação de opiniões. Sua função

consistia, naquele período – além de publicar diariamente notícias – em criar vínculos entre

leitores que estavam no Brasil, e na Itália, com o jornal, como pretendiam seus idealizadores:

O GLOBO EXEDICIONÁRIO se destina a ser uma imagem gráfica do Brasil nos

campos de batalha da Europa, levando periodicamente aos nossos bravos soldados

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combatentes, e sem qualquer ônus para eles ou para o Estado, o máximo possível da

presença da Pátria, através dos acontecimentos mais palpitantes na sociedade [...]

sobretudo nos próprios lares ou círculos de relações afetivas dos que se encontram no

“front” [...] O GLOBO EXPEDICIONÁRIO há-de construir no teatro de guerra e até

que de lá retornem os nosso valorosos patrícios – um verdadeiro mapa dos mais

ternos e dos mais nobres sentimentos brasileiros. 8

Percebemos que durante os anos de 1944 e 1945 as reportagens sempre tinham o

caráter informativo sobre a guerra, em tom patriótico e de saudação pelo bom desempenho do

Brasil na Guerra. Era constante as chamadas que reivindicavam, aos combatentes brasileiros,

o adjetivo de heróis, dizendo-se formar a FEB por uma “Forja de heróis”9. A Guerra e a

confiança na vitória, segundo as vividas manchetes do jornal, supostamente inspiravam

diariamente a população. De acordo com o periódico:

Raro é o dia em que os jornais do Rio, como os dos Estados, não publicam manchetes

sobre a brilhante progressão efetuada pela F.E.B. na Itália. O povo recebe essas

notícias com indescritível entusiasmo e acompanha, através dos mapas divulgados

pela imprensa, a marcha das operações em que estão envolvidas nossas tropas10.

Com a intenção de voz perante a população, anunciava:

COBRI-VOS DE GLÓRIA! Quarenta e cinco milhões de brasileiros acompanham

confiantes a vossa heroica atuação. [...] o presidente Getúlio Vargas redigiu a

seguinte mensagem: a intrepidez cívica com que acorrestes às armas, o animo

valoroso que levastes para as jornadas ásperas e decisivas da Itália, exaltam e

emocionam o povo brasileiro11.

Quando nos deparamos com diversas reportagens sobre a forma como a população, de

acordo com o jornal, se portava diante da participação brasileira na Guerra, temos a tendência

a crer que o exaltado heroísmo que se impunha à FEB fora sentido de forma homogênea pela

população brasileira nos anos de ocorrência da Guerra. Todavia, não devemos simplificar

nossa visão a respeito do papel dos jornais naquele período. O Globo Expedicionário

representa apenas um olhar sobre o desempenho brasileiro na Guerra. Levando em

consideração ainda as censuras e deveres diante da imprensa oficial do Estado Novo e o papel

8 O GLOBO EXPEDICIONÁRIO, Ano I N. I, Rio de Janeiro - 7 de setembro de 1944. In: O globo expedicionário. Agência Globo, 1985. 9 O GLOBO EXPEDICIONÁRIO, Ano II N. 2I, Rio de Janeiro – 25 de janeiro 1945. In: O globo expedicionário. Agência Globo, 1985.1945 10 O GLOBO EXPEDICIONÁRIO, Ano I N. 9, Rio de Janeiro – 2 de novembro de 1944. In: O globo

expedicionário. Agência Globo, 1985. 11O GLOBO EXPEDICIONÁRIO, Ano I N. I, Rio de Janeiro - 7 de setembro de 1944. In: O globo

expedicionário. Agência Globo, 1985.

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do Departamento de Imprensa e Propaganda, no direcionamento das reportagens a respeito

dos acontecimentos da Guerra e sobre a FEB.

Vejamos o que Joaquim Xavier da Silveira, nos relata, em sua obra “A FEB por um

soldado”, a respeito da relação da população brasileira e os recém ex-combatentes de guerra,

na reintegração social dos febianos:

Toda tropa que se desmobiliza após uma guerra tem dois problemas fundamentais: a

readaptação e o amparo psicossocial e material. Nada disso foi feito a tempo

quando da desmobilização da FEB. O povo brasileiro não foi preparado

adequadamente; o soldado não foi esclarecido de como deveria proceder para se

readaptar ao dia-a-dia e o povo não foi informado como deveria recebe-lo. Recepção

triunfal, como ocorreu na chegada da tropa, não significa que exista um preparo

psicológico da coletividade para receber em seu meio homens possivelmente

portadores de neuroses ou de síndromes que evoluíram para uma inadaptação à vida

civil. (SILVEIRA, 1982, p. 235)

Não queremos aqui negar a possibilidade de legítimo entusiasmo a respeito da participação

brasileira na Segunda Guerra Mundial. Queremos apenas refletir sobre as diferentes circunstâncias que

fizeram substancial diferença para o vínculo dos veteranos de Guerra com a memória que carregam

sobre a FEB. A partir do contato com os veteranos de Guerra e suas histórias sobre a FEB, percebemos

claramente que a relação entre os ex-combatentes e a sociedade brasileira, ao longo do processo de

reintegração social, de modo geral, não fora tão amistosa. Neste sentido, a aliança e a valorização das

lembranças dos veteranos sobre a FEB e a busca pelo reconhecimento social e material tornam-se

formas eficazes de produção de vínculos, diante de um propósito em comum.

Interligados por uma história conturbada e marcante, reconhecemos nos testemunhos orais

certos traços de histórias que não querem se deixar apagar e esquecer. O companheirismo fora um

dos aspectos mais homogêneo dentro das entrevistas que analisamos:

Porque lá era o seguinte, lá era muito difícil, lá nós éramos um todo, entendeu? Cada

um fazia sua parte, a infantaria fazia a parte dela, a engenharia fazia a parte dela, a

artilharia fazia a parte dela. A infantaria não fazia coisa da engenharia, não sabe. A

engenharia não fazia coisa da infantaria, não sabe. Tudo pra dar um só. O nosso

coisa era a vitoria, era a única coisa que nós queríamos, só a vitoria, só a vitoria.

Nada interessava pra nós. Sem uma parte a outra não consegue andar, então

trabalhou em conjunto, todo mundo12.

12 Entrevista realizada no dia 28 de junho de 2013, em Cuiabá-MT, na residência do senhor Zeferino Santana

Ribeiro.

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Considerando a participação brasileira na Guerra de modo muito positivo e mesmo

depois de mais de sessenta anos do fim do conflito, têm o orgulho de descrever o que foi o

desempenho dos brasileiros no Teatro de Operações na Itália:

Alemanha falou ‘Aquele brasileiro nós não tem medo, não tem medo do brasileiro,

brasileiros são tudo miudinho, igual macaco’ ‘Aquele com a macaca, aquele nós

acaba com ele só com o pé, nós acaba com eles, com o Brasil, os brasileiros são tudo

miudinho’. Aí quando topavam com o Brasil ‘mas não é que os macacos são valentes,

eles avançam mesmo, um ta caído, mas já alcança aquele’ [...] pois é, pois é. É a

macacada do Brasil é danada, eles avançam mesmo, avança e avança, era o que

avançava mais! Era o que avançava mais e sempre caia menos13.

Contudo, carregam ainda a mágoa, de possuírem histórias de vida tão emocionantes,

mas ao mesmo tempo pouco valorizadas. Em suma, o que podemos perceber diante das

narrativas orais, inflamadas pela condição de heroísmo, riscos e experiências únicas na vida

destes indivíduos, o orgulho de ter participado da Força Expedicionária, seria, a nosso ver, o

sentimento que guia a condição da identidade febiana.

Lançamos mão, aqui, de um último fragmento de entrevista, que transparece a

necessidade de desenvolvimento de análises a respeito da memória sobre a FEB e da

identificação dos ex-combatentes com este momento ímpar da história brasileira: “Para nós a

FEB constitui a nossa vida, nós fomos para a Itália, lutamos e nunca esperamos benefícios,

nunca esperamos reverências, a única coisa que nós queremos é não sermos esquecidos”14.

A história e a manutenção da memória da FEB perpassam, ainda hoje, por um

processo de esquecimento historiográfico, que acaba refletindo, de certa maneira, no

esquecimento deste grupo pela sociedade. Possibilita, ainda, as contradições a respeito do

papel desempenhado pelos ex-combatentes na Guerra:

A participação da FEB na Segunda Guerra não implicou nem em perdas

substanciais de vidas humanas, nem a ocupação estrangeira do território brasileiro,

sendo vista à distância pela sociedade. Fato esse que foi fundamental para o rápido

esquecimento por parte da sociedade. [...] essa falta de proximidade com os efeitos

violentos da guerra não justifica o silêncio e a omissão, na medida em que o mundo

acadêmico brasileiro mantém-se, curiosamente, distante do enfrentamento dos

problemas suscitados pela necessidade de se interpretar a história militar e as

memórias a ela associadas (ROSA, 2010, p.15)

Acreditamos, assim, que o empenho na realização de estudos a respeito da FEB e de

seus combatentes, incentivam a curiosidade da população sobre esta parte tão singular e

13 Entrevista realizada no dia 28 de Setembro de 2013, em Várzea Grande-MT, na residência do senhor Gabriel

Ferreira de Jesus. 14Entrevista realizada por Alessandro Rosa, em 12 de novembro de 2009, em Curitiba – PR, com o ex-

combatente da FEB Italo Conti.

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significativa da história brasileira. Tais pesquisas tornam-se importantes, ainda, na medida em

que possuem inegável papel social, como são os casos de projetos de história oral, tendo nos

ex-combatentes uma fonte extremamente rica e única.

Conclusão

Consideramos a importância dos estudos que estão sendo realizados sobre a reinserção social

dos veteranos de Guerra da FEB, para o reconhecimento e manutenção de uma memória que estaria

fadada ao falecimento, tendo em vista a idade avançada dos febianos ainda vivos. Estes trabalhos têm

a função ainda de tornar público os problemas, gerados pelo desinteresse do Estado, em cumprir sua

função quanto à proteção social de sua população e o desrespeito pela cidadania.

Encerramos, enfim, nossa breve análise a respeito da construção de identidades – em

torno da história da Força Expedicionária Brasileira – reiterando a necessidade de realização

de trabalhos em volta deste período pouco explorado da história brasileira. Por meio de fontes

orais ou impressas pudemos ter a noção de que se torna imprescindível o papel dos

historiadores na perpetuação e transmissão desta pequena parte da história sobre a Segunda

Guerra Mundial.

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1989.