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Formação de professores a partir de relatos de experiências: O trabalho pedagógico na Educação Infantil dos Municípios de Barão de Cocais e Rio Piracicaba

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Formação de professores a partir de relatos de experiências:

O trabalho pedagógico na Educação Infantil dos Municípios de Barão de Cocais e Rio Piracicaba

Formação de professores a partir de relatos de experiências:O trabalho pedagógico na Educação Infantil dos Municípios de Barão de Cocais e Rio Piracicaba

Adriana Torres Máximo MonteiroAlessandra Latalisa de Sá

Belo Horizonte, MG - 2016

Direção do COBAP: Maria Elena Latalisa de Sá

Acompanhamento da redação das práticas pedagógicas: Ana Paula Alves Rodrigues

Revisoras técnicas: Anna Cláudia D’Andrea, Carla Vimercate, Márcia de Assis Fonseca

Projeto gráfico e diagramação: Ivan Latalisa de Sá

Catalogação na Publicação (CIP)

Bibliotecária responsável: Cleide A. Fernandes CRB6/2334

É permitida a reprodução parcial ou total desta publicação, desde que citada a fonte e que não seja para venda ou qualquer fim comercial.

P429 O percurso de formação de professoras a partir de relatos de experiências : o trabalho pedagógico na educação infantil nos municípios de Barão de Cocais e Rio Piracicaba / Organizadoras Adriana Torres Máximo Monteiro ; Alessandra Latalisa de Sá. – Belo Horizonte : COBAP, 2016.

150 p. il.

ISBN 978-85-86369-10-0

1. Educação – Minas Gerais 2. Educação infantil – Minas Gerais 3. Currículos 4. Formação de professores I. Monteiro, Adriana Torres Máximo II. Sá, Alessandra Latalisa de III. Título

CDD: 370.71

Ilustrações: As fotografias contidas nesta publicação foram registradas e selecionadas por professoras da Educação Infantil de diversas escolas e creches Municipais de Barão de Cocais e Rio Piracicaba - Minas Gerais.

Foto de capa: Ana Paula Alves Rodrigues

Impressão: Usina do livro

Tiragem: 300

Edição e distribuição: Editora Balão Vermelho, 2016.

“Formação de professores a partir de relatos de experiências: o trabalho pedagógico na Educação Infantil dos municípios de Barão de Cocais e Rio Piracicaba”.

Congresso Brasileiro de Ação Pedagógica - COBAP

DireçãoMaria Elena Latalisa de Sá

Coordenação e organizaçãoAdriana Torres Máximo MonteiroAlessandra Latalisa de Sá

Acompanhamento da redação das práticas pedagógicasAna Paula Alves RodriguesMárcia de Assis Fonseca

Projeto gráfico e diagramaçãoIvan Latalisa de Sá

Maio de 2016

Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos contidos neste livro, bem como pelas opiniões nele expressas, que não são necessariamente as da Fundação Vale, nem comprometem a Organização. As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo desta publicação não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da Fundação Vale a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região ou de suas autoridades, tampouco da delimitação de suas fronteiras ou limites.

Fundação ValeConselho CuradorPresidenteVania Somavilla

ConselheirosZenaldo OliveiraLuiz Eduardo LopesMarconi ViannaAntonio PadoveziRicardo GrubaRicardo MendesLuiz Fernando LandeiroLuiz MelloAlexandre Campanha

Conselho FiscalPresidenteMurilo Muller

ConselheirosLino BarbosaBenjamin MoroFelipe PeresRodrigo LauriaVera Schneider

Diretora-presidenteIsis Pagy

Diretor-executivoLuiz Gustavo Gouvêa

Relações IntersetoriaisAndreia Rabetim

EducaçãoMaria Alice SantosAndreia PrestesAnna Cláudia D’AndreaCarla Vimercate

Agradecimentos

Agradecemos a todos os profissionais que fizeram parte desta produção

Rio Piracicaba: Adriana F. R. Breder de Carvalho, Adriana Gomes de Figueiredo, Aline A.

da Silva, Aline Cristina M. Bareno, Ana Márcia Marinho Costa, Andrea Cristina V.S. Oliveira,

Andréa da Silva, Aparecida Ma. da Conceição Euzébio, Beatriz Aparecida Ferreira, Celia

Maria Cota, Cibele de Freitas Santos, Cirlene Aparecida da Silva, Cleonice Vieira dos Santos,

Cleusa Rita Ferreira Domingues, Dalvelene Cota Carneiro, Dircilene Ma. de Azevedo

Vasconcelos, Edilane Cristina Lopes, Eduarda Diniz Mayrink, Elaine Neide S P. Bueno, Eliana

de Lima Souza, Elisângela Soares da Silva, Erlaine Miranda, Geralda Goreth Soares, Ione

de Morais Bueno, Lúcia Bonifácia R. Ramos, Lúcia Mendes G. Nascimento, Madalena,

Mágna Aparecida Crispim, Maria Aparecida Cota Freitas, Maria Aparecida de Araújo, Maria

Aparecida de Freitas Fraga, Maria Aparecida Donata, Maria Aparecida dos Santos, Maria

Aparecida Ezequiel Silva, Maria Aparecida M. Martins, Maria Aparecida R. V. Caldeira,

Maria da C. Martins, Maria da Consolação A. Costa, Maria da Consolação Mapa, Maria

das Graças de Freitas, Maria Geralda de Abreu, Maria José Caldeira da Costa, Maria Lúcia

S. Ferreira, Marilia da Conceição Pantuza, Marinersi Pessoa C.B. Guimar, Marineth Miranda

dos Santos, Marisa Bueno de Freitas, Marli Aparecida dos P. Torres, Marli Conceição da

Silva, Marta de Oliveira, Milene A. Lima Moreira, Monica Elizabete de Souza, Nadir Viana de

Andrade, Nazareth Coelho dos S. Soares, Patrícia Gonçalves da Costa, Renata da Graças

de Castro, Rosa Magna de Barros M. Vilela, Sheilla R. Caldeira, Simone Catarina, Solange

Maria M. dos Santos, Suelen Cerqueira Barros, Tatiana Silva Guimarães Cota, Tatiany Cota

Lima, Terezinha Cristina Braga, Viviane Cristina P. Lima

Barão de Cocais: Adriana de Lima Brandão, Aguida Nunis Soares de Moraes, Alcione

Gomes Cruz, Alessandra Luzia Nonato Santos, Ana Patricia Fonseca de Lima, Angelida

Aparecida Pereira Santos, Antônia das Dores Malaquias, Aparecida Maria Santos,

Auxiliadora Lucília Pena Gomes, Bruna Diana Dias, Cristiane Pereira de Melo, Cristina

Andreia Nunes dos Santos, Denísia Fonseca Nepomuceno, Ednéa Maria do Santos, Elida

Soares Silva, Eliza Aparecida dos Santos, Elk Soares Silva, Ericka Maria Viegas Carlos Santos,

Estelma Rodrigues Fernandes, Fátima Maria Borges, Flávia Regina Herculno Marques,

Gilmara dos Santos Melo, Gilvânia Bittencourt da Silva, Girlene Magna Simão, Giselda

Conceição Pereira, Grace Louise Botelho, Isaura A. Ribeiro Linhares Reis, Janaina Cristina

Matias, Jussara Fonseca de O. Gonçalves, Kátia Milene de Lima Fonseca, Kenia Lye Araújo

do Carmo, Lourdes Isabel do Carmo, Lourdes Nascimento Lopes, Lúcia Maria de Freitas

Oliveira, Ludvany Roberta O. do Carmo, Madalena de Fatima Rodrigues, Mafiza Vilela

Rodrigues Caldeira, Mara Cristina Almeida Soares, Márcia Fernandes da Silva Santos,

Margaretti S. Bretas Diniz, Margarida Lucianita Carneiro, Maria Aparecida Silva, Maria

das Graças Soares Rodrigues, Maria de Fátima Silva Costa, Maria do Carmo Nunes, Maria

Geralda Monteiro, Maria Isabel de Oliveira, Marilúcia de Araújo e Silva, Marlene de Souza

Dias, Miriam da Silva Marques Soares, Nilza Cássia de Souza Gonçalves, Raquel Fernandes

Lopes, Rita de Almeida Rodrigues, Rosimary Aparecida de Souza Silva, Rubinete Aparecida

Vital, Sabrina Luiza Marques Santos, Silvana Maria da Silva, Silvia Maria do Couto Santos,

Sonia Januária de Oliveira, Uara Priscila Libertino Souza, Vanda da Conceição Ferreira,

Vania Barbosa Carvalho Silva, Vanja Maria Duarte Jácome Arantes.

COBAP: Maria Elena Latalisa, Adriana Torres Máximo Monteiro, Alessandra Latalisa de Sá,

Ana Paula Rodrigues, Kenia Latalisa de Sá, Marcelo Monteiro de Siqueira, Márcia de Assis

Fonseca, Thiago Latalisa de Sá Antunes.

Professoras da Educação Infantil da Escola Balão Vermelho: Andréa Souza de

Toledo Salles, Bianca Luar, Cláudia Maria Alves Rocha, Renata Vidal Silva, Tucha Catão.

ApresentaçãoA Fundação Vale tem a Educação como um dos principais pilares de sua atuação social,

com base na premissa de que o ensino gratuito e de qualidade é um direito de todos os

cidadãos.

No Brasil, a Educação Infantil para crianças de 04 e 05 anos passou a ser obrigatória a partir

da Emenda Constitucional 59 de 2009. Com isso, os municípios precisaram se organizar

para ofertar essa etapa da educação básica, que foi definida como responsabilidade

municipal. Essa organização incluiu desde o aumento da oferta de vagas, e a consequente

ampliação das instalações físicas, até a discussão sobre quais as especificidades da

educação na infância e que tipo de formação de profissionais contribui para a qualidade

do atendimento a esse público.

Nesse contexto, a Fundação Vale considera fundamental apoiar os municípios em

processos de formação dos profissionais da Educação Infantil buscando um olhar apurado

sobre a infância e as possibilidades que essa fase da vida oferece. Assim, esperamos

contribuir para que as crianças sejam consideradas em suas necessidades visando seu

melhor desenvolvimento.

A presente publicação retrata o esforço de dois municípios, Barão de Cocais e Rio

Piracicaba, no estado de Minas de Gerais, de registrarem e problematizarem as práticas

cotidianas, à luz de conceitos e discussões promovidas no processo de formação do

projeto de Educação Infantil da Fundação Vale coordenado pelo Congresso Brasileiro de

Ação Pedagógica - COBAP.

Esperamos que a leitura das experiências contribua para que gestores e educadores

possam entender as especificidades da Educação Infantil – e consequentemente ajudar

a fortalecer essa modalidade de ensino – desenvolvendo estratégias que considerem a

criança como um sujeito que merece ser ouvido, respeitado e estimulado.

Bom trabalho a todos!

Fundação Vale

Sumário

Capítulo 1

A proposta de formação - Percursos e desafios ............................................................. 11

Capítulo 2

Contextos educacionais ..................................................................................................................... 15

A Educação Infantil em Barão de Cocais ......................................................................................... 15A Educação Infantil em Rio Piracicaba............................................................................................. 16

Capítulo 3

A escrita como possibilidade de revelação e transformação da experiência de professoras em sala de aula ...................................................................... 19

Capítulo 4

Problematização da prática - Percursos e desafios ..................................................... 23

Capítulo 5

As abordagens temáticas e a prática pedagógica dos municípios ............... 25

Tema 1A criança como sujeito do processo educativo .......................................................................... 25Entrevista - A Criança e a Educação Infantil .................................................................................. 27

Tema 2Afetividade e aprendizagem .............................................................................................................. 33Mini-história - O registro da brincadeira: diálogos, afetos, ações e emoções ................. 35

Tema 3Educar, cuidar e brincar ......................................................................................................................... 40Relato de Projeto - O cuidar e educar nas brincadeiras de circuito motor ........................ 41

Tema 4A pedagogia da escuta ......................................................................................................................... 51Relato de projeto - Alimentação Saudável ................................................................................... 53

Tema 5Avaliação e documentação pedagógica ....................................................................................... 60Mini-história - O trabalho pedagógico compartilhado: a força da parceria ..................... 63Relato de projeto - O que o professor aprende quando documenta o cotidiano com as crianças ........................................................................................ 70

Tema 6Ambiente educativo ............................................................................................................................... 77Mini-história - Redescoberta de espaços e ambientes educativos ...................................... 79

Tema 7Linguagens ............................................................................................................................................... 87

Artes plásticas ........................................................................................................................................ 87Relato de projeto - Aprender e fazer arte com o outro e a diversificação de propostas....................................................................................................... 89Linguagem musical ............................................................................................................................. 96Linguagem matemática ..................................................................................................................104Mini-história - O Jogo das cores ...................................................................................................106Linguagens oral e escrita .................................................................................................................112Relato de projeto - Projeto salada de frutas: compartilhando sabores, vivenciando textos .........................................................................114

Tema 8Projetos ...................................................................................................................................................... 125Relato de projeto - Reflexão sobre projetos a partir da experiência A metamorfose da lagarta ........................................................................................ 127

Capítulo 6

Reflexões finais e desdobramento .......................................................................................... 131

Revolvendo o jardim de infância ..................................................................................................... 131A formação em contexto de professores da educação infantil do município de Barão de Cocais ................................................................ 133

Considerações finais..................................................................................................................................... 137

Referência bibliográfica ............................................................................................................................ 138

A proposta de formação

Percursos e desafiosAdriana Torres Máximo Monteiro1

Alessandra Latalisa de Sá2

Caro(a) Leitor(a),Esta publicação é parte do projeto desenvolvido pela Fundação Vale, em parceria

com o Congresso Brasileiro de Ação Pedagógica (COBAP)3 e as Secretarias Municipais de Educação de Barão de Cocais e Rio Piracicaba, Minas Gerais, realizado nos anos de 2014 e 2015, com o objetivo de formar professores e gestores da Educação Infantil.

O texto, organizado por Adriana Torres Máximo Monteiro e Alessandra Latalisa de Sá, é uma produção conjunta, a partir do registro das práticas pedagógicas desenvolvidas nas escolas locais. Acreditamos que este material representa os 18 meses em que estivemos empenhadas numa formação em serviço, focada na palavra e na ação das professoras dos municípios onde o diálogo horizontal entre elas e as formadoras deu o tom democrático do caminhar deste projeto.

Para assumirmos o desafio de irmos além, era preciso conhecer as realidades locais para propor outros estudos e análises de práticas. Partir dos saberes já construídos foi fundamental para que a nossa proposta fizesse sentido e, de fato, promovesse transformações na práxis das escolas e creches de Educação Infantil.

Vale destacar que essa formação partiu do princípio fundamental de fazer valer o direito que a criança tem de ser cuidada e educada em um ambiente adequado e saudável, no qual possa brincar, apoderar-se dos saberes produzidos pela sociedade e produzir uma cultura própria da infância ao ser protagonista e, dessa maneira, construir sua identidade como cidadã. E ainda: espera-se que as escolas possam criar situações educativas para ampliar o universo de conhecimentos, saberes e experiências dessa criança.

Nessa trajetória, buscou-se promover o aperfeiçoamento da educação oferecida pelas escolas públicas de Educação Infantil pertencentes aos municípios citados, além do desenvolvimento de competências e habilidades dos professores e gestores pedagógicos, visando ao compromisso com a qualidade da educação, especificamente, dessa etapa da educação básica.

Para tanto, o processo formativo proposto contou com seis estratégias metodológicas, assim resumidas:

(I) O Seminário de lançamento do projeto de formação foi realizado com a intenção de conhecer o perfil dos participantes quanto as suas demandas e realidades educacionais. Na ocasião, expusemos a organização geral do projeto, carga horária a ser certificada e a proposta desta publicação. As coordenadoras e formadoras participantes foram apresentadas, e os representantes da Fundação Vale e dos municípios se pronunciaram.

1. Doutora e Mestre em Educação – Coordenadora Pedagógica deste projeto, organizadora desta publicação.

2. Doutora e Mestre em Educação – Coordenadora Pedagógica deste projeto, organizadora desta publicação.

3. O COBAP é uma organização sem fins lucrativos. Há mais de 20 anos, promove cursos de formação de professores, congressos e consultorias. Para a presente formação, estão envolvidas a direção, a coordenação, bem como as professoras da Educação Infantil Balãozinho.

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(II) Os Encontros de formação, grupos temáticos tiveram o objetivo de conduzir o aprimoramento conceitual e a reflexão da prática pedagógica. Cada grupo temático contou com duas etapas de formação, em datas distintas, permitindo a realização de atividades e o aprofundamento teórico e metodológico entre um encontro e outro.

Essa etapa contou ainda com uma formadora referência para acompanhar e desenvolver atividades presenciais entre um encontro e outro, tais como: avaliar o processo de formação, observar o ambiente escolar e as atividades realizadas pelos professores, reunir com gestores para selecionar professores e atividades que se adequariam ao cenário de discussão, planejar a atividade a ser observada e documentada para reflexão posterior, estabelecer relações entre as reflexões teóricas e práticas desenvolvidas nos encontros temáticos e no trabalho na escola local.

Nos encontros, que antecederam aos sábados, os conteúdos trabalhados nos Grupos Temáticos foram: A criança como sujeito do processo educativo; Afetividade e aprendizagem; Educar, cuidar e brincar; Avaliação e documentação pedagógica; A pedagogia da escuta; Ambiente educativo; Projetos; Linguagens, entre elas, Linguagem musical, Artes plásticas e visuais, Linguagem matemática e Linguagens oral e escrita.

(III) Os Encontros de formação dos gestores pedagógicos, realizados em Belo Horizonte, no espaço da Escola Balão Vermelho, foram desenvolvidos para acompanhar professoras em sala e correlacionar o que foi trabalhado nos grupos temáticos, sua viabilidade e interferência no trabalho pedagógico na escola e a articulação das ações necessárias para que a rede do município possa oferecer uma Educação Infantil cada vez melhor. Parte da carga horária desses encontros foi dedicada à observação do trabalho pedagógico da Educação Infantil da Escola Balão Vermelho. Ressalta-se que, ao longo da formação, avaliou-se a importância da participação de professores, especialmente para ver na prática, por meio das observações, as abordagens teóricas discutidas nos municípios. Além disso, as gestoras e as professoras presentes foram orientadas e escutadas nas questões relativas aos registros da prática para a publicação final.

(IV) Produção de material teórico escrito e (V) Publicação. Um dos produtos previstos neste projeto foi a publicação deste material aqui apresentado, tendo como referência os eixos temáticos abordados, bem como experiências educativas de cada município. O objetivo foi o de sistematizar conceitos fundamentais para o trabalho na educação de crianças de zero a cinco anos, relatar experiências e perspectivas dos educadores envolvidos e realçar os conhecimentos das realidades social e educativa das crianças e suas famílias. Com essa abordagem da dimensão local, buscamos reafirmar o protagonismo dos professores, a valorização das especificidades de cada região e o enriquecimento da prática pedagógica na Educação Infantil.

Nessa etapa de trabalho, em ações compartilhadas com os professores, os gestores registraram entrevistas, relatos de mini-histórias e projetos. Tudo isso com o auxílio das coordenadoras do projeto e de uma profissional que se dedicou ao acompanhamento desta escrita via e-mail. As avaliações das experiências apresentadas nesta obra foram realizadas ao longo do projeto de formação, entretanto, parte dela está registrada após cada relato.

(VI) No Seminário de conclusão, apresentamos a análise comparativa dos dados do questionário de aproximação da realidade educativa do município realizado no último encontro com as professoras, discussão dos temas abordados no projeto, por meio de relatos das práticas pedagógicas contidas nesta publicação. A proposta foi organizarmos uma atividade aberta à comunidade, com exposição de trabalhos desenvolvidos pelas

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professoras junto de seus alunos, apresentações culturais da região, confraternização e lançamento desta publicação.

Pela dinâmica do trabalho proposto de uma escrita compartilhada entre profissionais de diferentes áreas de conhecimento e regiões, esta produção foi elaborada durante o ano de realização da formação, com a escrita de vários profissionais e participantes4 locais, de acordo com as temáticas abordadas.

Trata-se, portanto, da documentação de uma vivência, que revela ao mesmo tempo uma análise histórica com um novo olhar para práticas anteriormente realizadas quanto à proposição de novas ações pedagógicas, gestadas e analisadas no período deste projeto.

Esta é uma documentação educativa que fornecerá elementos teórico-práticos das ações voltadas para crianças de zero a cinco anos de idade. É o resultado de um esforço coletivo, com relatos de experiência registrados por professoras gestoras, que, com o olhar atento e interlocução de Marcia de Assis Fonseca5 e Ana Paula Rodrigues,6 persistiram e conduziram o fio da meada da escrita reflexiva.

É com muito orgulho que concluímos este trabalho e presenciamos as professoras, auxiliadas e apoiadas pelas gestoras, abraçando o desafio de escrever e refletir a própria prática e compartilhá-las com seus pares próximos e leitores distantes, num exercício claro de empoderamento e apropriação de seus saberes. Nesse conjunto de acontecimentos, a presente publicação representa uma referência inicial de um longo trabalho que está por vir, pois educar é um projeto a longo prazo.

Nossa postura foi a de manter uma respeitosa relação com o fazer pedagógico de cada município, sem atropelos, preservando os valores e as identidades postos em seus projetos pedagógicos. Um exemplo disso é o uso da nomenclatura tia para se referir à maneira como as crianças chamam as professoras, realidade tão comum nos variados contextos da educação infantil.

Apesar de considerarmos as discussões iniciadas por Paulo Freire acerca da contradição entre ser tia e professora, entendemos que práticas como essas se reproduzem ao longo dos tempos por força da cultura escolar. Destacamos as implicações dessa questão, pois ser professora pressupõe estabelecer um laço político, ético, profissional, interpessoal, social e afetivo, com vistas ao ensino e à aprendizagem das crianças. Ser tratada pelo próprio nome significa respeitar a professora como sujeito que tem um nome, uma identidade. Por outro lado, ser tia independe do ano letivo e de uma escola como espaço definido para acontecer.

Assim, respeitando a preferência das professoras, não insistimos, porém indicamos à elas o livro Professora sim, tia não, de Paulo Freire, para que possam refletir sobre o tema.

Dessa forma, a situação dialógica de escutar e acompanhar as experiências das professoras, suas histórias, conhecer as escolas e as crianças nos fazia repensar na condução do trabalho. Conhecer as culturas locais, aproximar-se da educação do campo, dos valores quilombolas nos forneceu elementos para também refletirmos sobre a educação das crianças pequenas pertencentes a esses contextos. O contato íntimo que tanto crianças como os adultos têm com a natureza, as experiências que trazem sobre os hábitos rurais, ou como habitantes de pequenos municípios, as suas curiosidades, conhecimentos e formas de viver foram percebidas e motivaram novos redirecionamentos, como a forma de selecionar as atividades a serem desenvolvidas nas oficinas práticas.

Outro aspecto relevante é o acesso fácil das famílias às escolas. Como a maioria reside próximo às elas e em comunidades onde muitos se conhecem, essas condições

4. Embora não conste o registro da prática de todos os profissionais que participaram da formação, de algum modo, eles estão representados direta ou indiretamente e os nomes citados na sessão de agradecimentos.

5. Neste projeto, teve a função de revisora dos registros de prática produzidos pelas professoras.

6. Neste projeto, foi a Formadora de referência nos municípios e Orientadora da escrita das práticas compartilhadas.

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permitem que se envolvam com as intervenções escolares e os projetos ganhem mais sentido e força de transformação situada localmente. Essa possibilidade é um anúncio de que é possível criar uma consonância entre a realidade que acontece fora da escola com aquela do seu interior.

Faz-se necessário dizer aqui que o compromisso e o entusiasmo de todos, mesmo diante dos desafios enfrentados ao longo desse percurso, são marcas da dedicação e persistência dos profissionais da Educação Infantil que, adotando uma visão global de sua condição de professor, vêm há tempos lutando pela qualidade e pelo reconhecimento do trabalho pedagógico com a criança de zero a cinco anos.

Por fim, ressaltamos que o presente documento se refere a um momento histórico, a um conjunto de intervenções propostas neste projeto, ao envolvimento do grupo de educadores e produzido ao longo desses 18 meses de projeto. Portanto, deverá ser constantemente lido, criticado, revisto e atualizado.

Coordenadoras da formação e organizadoras desta obra.

Contextos educacionais

A Educação Infantil em Barão de CocaisMara Cristina Almeida Soares7

O atendimento escolar de crianças de três a cinco anos de idade é uma das prioridades do município de Barão de Cocais. Temos 13 escolas municipais que ofertam a Educação Infantil, a um total de 1.020 crianças atendidas pela nossa Rede. Com base nas exigências dos Parâmetros Nacionais de Qualidade, a Administração Municipal vem equipando as nossas escolas com recursos pedagógicos, mobiliários, equipamentos tecnológicos, quadro de pessoal, condições de gestão, dentre outros indicadores relevantes para esse público. Entretanto, os prédios e espaços físicos existentes, como não foram projetados para atender à demanda da Educação Infantil e de acessibilidade, ainda geram problemas que exigem adequações.

A expansão do atendimento, com a inclusão das crianças de zero a dois anos na rede pública, ainda é uma demanda no município. Assim, com a construção de creches em tempo integral, que considerem as peculiaridades e necessidades das crianças pequenas, oferecendo-lhes espaços projetados para tais propostas, esses espaços poderão favorecer um atendimento educacional de qualidade para as crianças com o desenvolvimento das capacidades motoras, cognitiva, ética e afetiva por meio das relações interpessoais e da inserção social.

O acompanhamento das escolas é pautado no contato constante com os diretores e pedagogas que, com reuniões mensais, relatam as dificuldades, necessidades pedagógicas e administrativas das escolas. As questões gerais e diversificadas de cada realidade são delimitadas. Procuramos assessorar cada escola do município nas suas ações, em rede, com estudos e orientações referendadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais do MEC e nas Habilidades e Competências a serem desenvolvidas na Educação Infantil.

Buscamos a qualidade desse atendimento, acompanhando as escolas individualmente por meio de visitas às salas de aula. Diretores conversam com pedagogas para contribuir com ajustes do currículo à realidade do ensino no município. Na Casa do Aprender,8 a pedagoga de cada escola participa de formações tem oportunidade de discutir com as gestoras uma pauta com assuntos diversos sobre o cotidiano, dificuldades escolares ou práticas pedagógicas voltadas para a aprendizagem eficaz do aluno. No momento da formação continuada, a pedagoga repassa o que foi discutido ao professor da sua escola.

Na formação e capacitação profissional, acontecem discussões relativas à concepção da educação das crianças pequenas, reflexão sobre a prática, bem como mediações nas interações e aprendizagens. Nesse processo, surgiu a demanda de aprofundamento teórico-prático por parte das professoras e gestoras. A partir da parceria Fundação Vale,

7. Professora efetiva da Rede Municipal de Barão de Cocais. Atualmente trabalha na Casa do Aprender de Barão de Cocais, como coordenadora pedagógica da Rede, como formadora para os diversos segmentos escolares. É graduada em Pedagogia pela FAE de João Monlevade – MG, Pós-graduada em Tutoria em EAD pela UFMT e em Fundamentos Didáticos pela Faculdade São Luiz - SP.

8. A Casa do Aprender é um espaço aberto à comunidade que busca promover e valorizar práticas educativas, culturais e sociais por meio de ações de leitura, brincadeiras e cultura digital. Ela é fruto de uma parceria entre a Secretaria Municipal de Educação do município e a Fundação Vale.

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COBAP e Secretaria Municipal de Educação (SME), nasceu o curso de formação organizado pela Equipe Pedagógica do COBAP e Escola Balão Vermelho. Juntos, durante os anos de 2014 e 2015, buscamos construir uma formação em contexto para os professores de Educação Infantil da Rede Municipal. A proposta é um estudo contínuo, que assegure uma mudança de postura e práticas de sala de aula, visando à melhoria da qualidade nas ações e reflexões pedagógicas.

Segundo a Secretária de Educação de Barão de Cocais, Aguida Soares Nunis de Moraes:

A Educação Infantil é uma das etapas mais importantes na formação da criança. É nessa fase que se estabelecem muitos conceitos imprescindíveis para as futuras aprendizagens. Foi pensando na responsabilidade da escola no cuidar e educar, ao recebermos os alunos de três, quatro e cinco anos, que as escolas do nosso município fortaleceram, por meio de estudos referentes a essa fase, a sua prática pedagógica.

Em parceria com a Fundação Vale, esse trabalho proporcionou um olhar mais atento à ludicidade, à aprendizagem por meio do movimento, da liberdade de expressão, da arte e da construção da autonomia dos nossos alunos e, consequentemente, de um saber significativo.

Aguida ressalta ainda que “as escolas devem ser agradáveis e que precisamos despertar nos nossos alunos o prazer de estar na escola, porque nesse espaço é onde acontece a relação de amizade que se conquista, o gosto pelos estudos e a busca por um ideal”.

Sabemos da importância de um ambiente onde a criança, sendo escutada, pode interferir no meio em que vive. Assim, entendemos o brincar como uma atividade essencial da criança para o conhecimento de si e do outro, para as suas vivências e descobertas.

Com essa visão, os encontros com as professoras aconteciam aos sábados com a formadora de referência, Ana Paula, e às sextas-feiras que antecediam os grupos temáticos, com as gestoras. Os registros da prática com revisões e discussões a distância, além da possibilidade de observação e discussão da prática de algumas professoras da Escola Balão Vermelho, em Belo Horizonte, contribuíram com a revisão da concepção de infância e de criança que até então tínhamos.

Após um ano de formação, ainda teremos material para pensarmos e redimensionarmos nosso fazer cotidiano na escola e no município. A presente publicação, além de socializar práticas de algumas escolas em Barão de Cocais, nos possibilitará conhecer outras e ainda realizarmos novas aprendizagens.

A Educação Infantil em Rio PiracicabaNivaldo Inácio de Oliveira9

A Educação Infantil foi introduzida no Brasil com o caráter de assistência social. Desde os primeiros momentos, já era evidente a fragmentação das concepções do cuidar (corpo) e do educar (promoção intelectual), hercúleo desafio a ser superado. A

9. Secretário Municipal de Educação de Rio Piracicaba, licenciado em História/UNILEST e especialista em Ensino Religioso /SINOM.

Constituição de 1988 reconheceu a educação como direito social das crianças e um dever do Estado, e as inovações introduzidas para a Educação Básica influenciaram as concepções acerca da Educação Infantil, que foi elevada ao patamar de primeira etapa desse segmento.

A história da Educação Básica em Rio Piracicaba é marcada também pelos mesmos desafios e avanços, incluindo a Educação Infantil. O atendimento nesta modalidade de ensino requer a conjugação de esforços e a alocação de recursos físicos, materiais, financeiros e humanos, para cumprir a vasta gama de exigências legais e técnicas.

Dados do IBGE/2010 e do DataSus/2012 demonstram que, em dez anos, a população de zero a cinco anos decresceu no município de Rio Piracicaba. Esse fato foi levado em consideração na elaboração dos investimentos e planejamentos realizados pela Secretaria Municipal de Educação. O decréscimo populacional foi um dos fatores decisivos para promover a nucleação das escolas rurais e o encerramento de turmas multisseriadas, na busca de mais qualidade de trabalho para os profissionais e melhoria da assistência prestada às crianças.

A Educação Infantil em Rio Piracicaba está cumprindo a universalização preconizada no Plano Decenal da Educação para as crianças de quatro a cinco anos de idade. Desafia-nos diariamente a demanda reprimida de oferta de vagas em creches para atender as crianças menores de três anos, medida que requer espaços e materiais adequados, bem como mão de obra qualificada que dê conta de prestar o cuidar e o educar.

A rede pública das escolas municipais conta com seis escolas e duas creches que atendem crianças de zero a cinco anos. Em 2015, foram matriculadas 485 crianças dessa faixa etária. Nesse processo, estão incluídas as crianças com necessidades especiais, que começam a ser atendidas na APAE no primeiro ano de vida, iniciativa que contribui para o processo de aprendizagem e inclusão social.

Outro grande desafio para o gestor público é promover a qualificação continuada para os profissionais da educação, incluindo nesse grupo os auxiliares que atuam nas creches. Quando assumimos a Secretaria Municipal de Educação (2012), percebemos a necessidade de investir no desenvolvimento profissional dos educadores, conciliando conhecimento teórico e prática. Acreditamos no investimento educativo por meio de um processo contínuo, sistematizado e capaz de promover o aperfeiçoamento profissional. A decisão de implementar a formação foi motivada pelo ideal de um processo reflexivo e crítico sobre a prática educativa.

Cumpre ressaltar que, no município de Rio Piracicaba, há alguns anos, são olvidados esforços para propiciar aos profissionais da educação uma formação continuada de qualidade. Nesse sentido, formações foram possíveis pela iniciativa público-privada da Prefeitura Municipal com a Fundação Vale. No entanto, faltava ainda uma formação voltada para os educadores da Educação Infantil. Dessa forma, foi de primordial importância a conjugação de esforços da Secretaria Municipal de Educação de Rio Piracicaba, a Fundação Vale e a Equipe do Congresso Brasileiro de Ação Pedagógica (COBAP).

A obra que ora se apresenta é a materialização do esforço intelectual coletivo e para nós é motivo de muita honra e orgulho ver que todo o empenho despendido atingiu os objetivos pretendidos. Reconhecemos em cada escola e creche do município as novas práticas vivenciadas e aprendidas com a formação.

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Tecidas as reflexões acima, não nos resta outra missão senão apresentarmos nossos agradecimentos e homenagens, consignando nossa gratidão a todos aqueles que deram sua contribuição para o resultado exitoso que foi alcançado.

Inicialmente, nosso agradecimento especial às ajudantes das creches, professoras, especialistas e gestoras que aceitaram o desafio proposto e assumido com muito respeito e seriedade. A cada uma de vocês nosso profundo respeito e admiração.

Nossa homenagem especial às formadoras do COBAP, seguras no seu conhecimento teórico, empoderadas por uma prática consolidada nas salas de aula da Escola Balão Vermelho de Belo Horizonte e, acima de tudo, de uma simpatia ímpar e contagiante. A cada uma delas nosso mais caloroso e fraterno abraço.

Nosso agradecimento às coordenadoras do COBAP e dessa formação que, com muito esmero e pontualidade, realizaram as precisas e necessárias intervenções nos textos apresentados nessa obra, possibilitando a alquimia perfeita entre teoria e prática.

Nosso muito obrigado à Anna Cláudia D’Andrea, parceira e grande idealizadora do projeto, na pessoa de quem agradecemos aos gestores da Fundação Vale, parceiros de longa data, que não medem esforços para promover, em Rio Piracicaba, tão valioso investimento social na formação continuada de profissionais da Educação.

Finalmente, o sincero agradecimento ao Dr. Gentil Alves Costa, Prefeito Municipal de Rio Piracicaba, que, no seu segundo mandato (2013/2016), confiou-nos a digna e desafiante função de conduzir os rumos da Educação. A lembrança desses dias já faz parte da nossa história.

A escrita como possibilidade de revelação e transformação da experiência de professoras em sala de aulaMárcia de Assis Fonseca10

Há quem diga que escrever é “desnudar-se”. Alguns consideram uma prática difícil, às vezes desagradável. Já o poeta Pablo Neruda sugere que escrever é fácil: “começa-se com letra maiúscula, termina com ponto final e no meio colocam-se as ideias”. Porém, o que o ato da escrita proporciona ao autor que expõe suas ideias e as revela para si próprio ao torná-las públicas? E ao leitor que se apropria do texto e o interpreta?

Como revisora dos textos produzidos pelas professoras, não apenas me aproximei da prática de algumas escolas, mas também do processo de qualificação profissional dos que participaram dessa formação.

As referências conceituais utilizadas se inspiraram na prática aprendida e transformada com a experiência nas escolas de Reggio Emilia11 que nos convidam a observar e escutar. Escutar não apenas o que diz a criança, mas o que diz a infância. A Pedagogia da Escuta12 nos abre os olhos e os ouvidos para uma realidade sempre existente, mas só recentemente considerada e interpretada.

Disponibilizar-nos a escutar as crianças nos conduz a explorar o que elas dizem e o que dizem os adultos ou mesmo quando nos calamos ou como falamos. Registrar as experiências observadas e vivenciadas, iluminadas pela proposta de documentação, implica mais do que escrever. Exige da professora, além de organizar as ideias em uma descrição, utilizar fotos, diálogos entre as crianças, intenções e intervenções das situações que ela pretende comunicar. A escrita começa bem antes da ação de traçar letras. Envolve uma intenção. A produção mobiliza o autor em algumas escolhas e definições. Observa o tema, os dados coletados, um planejamento e uma organização que muitas vezes é clara para quem presenciou os fatos descritos, mas nem sempre tão evidentes para o leitor que estabelece relações a partir da sua interpretação.

Desse modo, a ação de escrever se torna uma estratégia de revelação, não apenas para a comunidade, mas para o próprio autor. Passar por esse processo, muitas vezes, conduz a uma revelação para si mesma de algo que lhe parecia muito conhecido. As professoras se tornam pesquisadoras de sua sala, das crianças e de suas ações e intervenções. Alternam da pesquisa para a ação e vice-versa. Além disso, toda documentação se torna uma fonte indispensável de materiais que nos possibilitam ler e refletir, tanto individual quanto coletivamente, sobre a experiência que estamos vivendo em sala de aula.

10. Graduada em Psicologia - UFMG, especialização em Educação Pré-Escola-AMAE; Especialização em Orientação e Supervisão - CEPEMG. Neste projeto, teve a função de revisora dos registros de prática produzidos pelas professoras.

11. Para saber mais, consulte: EDWARDS; GANDINI; FORMAN, (1999).

12. Para saber mais, consulte: KINNEY e WHARTON, (2009).

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Algumas professoras, assim como as crianças na sua diversidade de interesses e habilidades, avançam mais do que outras nessa pesquisa e nos seus esforços e métodos. Às vezes se arriscam e elaboram com mais substância a ponto de uma audiência mais ampla. Assim, justifica-se a apresentação pública dos textos pelas suas autoras, em um seminário com uma celebração.

No seminário de abertura, nos municípios de Barão de Cocais e Rio Piracicaba, o convite para estabelecermos um contato via e-mail, com envio dos textos e das respostas de sugestões e modificações, foi aceito como uma novidade, mas sem restrições ou questionamentos. A possibilidade de uma publicação final pareceu atrativa. Dizer sobre o trabalho que se faz diariamente, inicialmente, não remeteu a um desafio maior do que o de ser professora.

A proposta lançada foi a de registrar experiências, na estrutura de projetos, entrevistas ou mini-histórias. Como modelos de referência, oferecemos a elas uma apostila com o Projeto “O coelho de um olho só”,13 modelos de mini-história14 na Escola Sant Galdric Bressola, em Perpignan e uma entrevista15 com Bruna Giacopinni: cada criança é um indivíduo.

Em cada registro de projeto ou mini-história, solicitamos às professoras a descrição do contexto, das situações de interações, além de definição das características de aprendizagens visíveis nos projetos. Na entrevista, a gestora elaborou questões que foram respondidas por um grupo de professoras. Além da escrita, sugerimos-lhes registros com fotos e falas das crianças nas interações, nas trocas com seus pares e em situações de aprendizagem, selecionadas e escolhidas pelas professoras com o apoio das gestoras ou diretoras.

A escolha do tema do que seria escrito, do gênero e dos protagonistas, que por si só já nos dizem de um ponto de vista do escritor, foi apoiada e fundamentada nos grupos temáticos aos sábados. A maneira de evidenciar esses momentos, por meio da escrita, implica organizar um texto cuja descrição fique compreensível na ausência do autor. Para tanto, um revisor se torna necessário para compartilhar o processo de produção do texto, tornando-se parceiro e coautor no trabalho.

Como revisora, a busca foi de tornar o texto claro e coeso ao leitor mais distante da realidade relatada, com o desafio de manter-me fiel aos propósitos da escritora. É revendo que se apura a qualidade. A participação efetiva das autoras foi uma condição fundamental para as aprendizagens. A correção ortográfica e os aspectos gramaticais, por mais desafiadores que sejam, são superados pelo desafio de manter a autenticidade e proximidade da prática que o texto se propõe a apresentar. As trocas via e-mail de textos marcados e comentados geraram incômodos, mas também provocações e aprendizagens.

Nesse processo, coube a mim, como revisora, além de entender o texto, inteirar-me

de conceitos abordados no tema. Alternar o lugar de leitor, leigo ou não, com o lugar de

autor, profissional da área em questão. Compreender e me colocar no lugar do escritor

no seu momento de questionamentos, dúvidas e certezas. Tal condição se aproxima de

uma relação de intimidade que requer coragem: O que retirar do texto? O que modificar

continuando fiel à prática relatada e às intenções do escritor? O que acrescentar para

tornar o texto coerente, coeso e, acima de tudo, reflexivo? Qual o título mais convidativo

13. Para saber mais, consulte: KINNEY e WHARTON, (2009).

14. Para saber mais, consulte: ALTIMIR (2010, p.83-84; 99-101; 118-133).

15. GIACOPINNI B.E. Cada criança é um indivíduo. Disponível em: http://revistaescoal.abril.com.br/formação/cada=criança-indivíduo-422938.shtml.

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e adequado ao relato? Tantas questões não se esgotam na primeira leitura. Foram várias

e diversas as revisões e devoluções.

Em nosso primeiro encontro com as gestoras em Belo Horizonte, na Escola Balão

Vermelho, a exposição dos gêneros de entrevistas, mini-histórias ou projetos, o uso

de ferramentas de revisão de texto do programa Word e as datas de envio dos textos

causaram um burburinho na sala e o primeiro grande desconforto.

Os desafios, como a demora nas produções, dificuldade de se eleger quem ficaria

responsável pelos registros, selecionar o material para organizar o texto, demandaram

negociações e definições por parte da coordenação do projeto. Além de tudo isso, passar

por várias revisões recebendo a produção marcada, comentada, questionada, solicitando

mais dados foi um processo que ultrapassou bastante o ato da escrita e nos aproximou

da reflexão que tal ação possibilita.

Os primeiros registros levantaram questões e discussões entre professoras, gestoras,

diretoras e revisora. Mais do que respostas, apontaram-nos caminhos e direções da prática

em sala de aula, da necessidade de clareza das nossas intenções ao intervir e questionar

as crianças, de desenvolver, sempre e cada vez mais, um olhar e uma escuta atenta ao que

fazem e dizem as crianças diante do mundo e da cultura do adulto.

Ao se tornar público, por meio de textos, o que é feito no interior das escolas qual

será a pessoa do discurso, sendo a professora a autora? Os registros fotográficos, além de

demandarem recursos técnicos e tecnológicos, exigem celeridade no “clic” da máquina e

no enquadramento para registrar o momento do encontro, da ação, do olhar.

Das falas das crianças, tão solicitadas, nem todas eram significativas para ilustrar que

aprendemos com o outro e não apenas com o professor. Os receios de serem julgadas e

criticadas chegaram a paralisar algumas professoras. Quem escreve, sem dúvida, oferece

o que tem de melhor. Quem revisa tem o desafio de sugerir o que e como melhor ficaria!

“Elogiar sem bajular e criticar sem ofender” era a nossa meta!

A todas que se prontificaram a participar desse processo de escrita/revisão/reescrita/

revisão até chegar à finalização, devemos o reconhecimento do esforço e da dedicação

nas parcerias e coautorias. Ao primeiro grupo de escritores desses registros, devemos

um aplauso a mais! Foram corajosas e desbravadoras de uma prática de registro pouco

comum nessas escolas. Ofereceram esquemas e sugestões valiosas aos que vieram em

seguida:– Precisamos da ajuda de colegas para usar o revisor de texto, para formatar, para

enviar por e-mail.– Para escrever, precisamos de tempo.– Fotografar e registrar o que fazem e dizem as crianças necessita de ajuda na sala.– Se você vai ser responsável por escrever um texto nessa formação, registre sua

prática, registre tudo, para ter material com o qual vai trabalhar!– Discutir o roteiro do texto antes com a formadora de referência, Ana Paula,

esclareceu e deu mais segurança para começar.A prática de registro, revisão, reflexão demanda intenção, planejamento e

organização dos tempos e espaços da escola de maneira a torná-los ambientes educativos,

espaços de relação onde a criança seja protagonista e os professores mediadores. Essa é uma formação contínua e gradativa.

As discussões presenciais dos textos e revisões, conjugadas à observação da experiência das professoras da Escola Balão Vermelho, possibilitaram a tomada de consciência de que é possível transformar e qualificar a ação pedagógica a partir do diálogo com a teoria que foi apresentada nos grupos temáticos e textos.

Nesse processo, a escrita é um instrumento muito favorável a uma atitude reflexiva. Certamente, alguns conceitos e posturas ainda necessitam ser revisitados e, por vezes, aprofundadas. Diante do prazo de finalização dos textos, optamos por algumas sugestões de leituras e referências em notas de rodapé. Dessa forma, foi possível manter a coerência conceitual com a formação e o respeito à realidade das vivências em salas de aula em questão, que necessitam de mais tempo para mudanças.

Ao finalizar os trabalhos para a publicação proposta pela formação COBAP e Fundação Vale, em parceria com a SME, me deparei com a seguinte questão: – escrever a experiência da prática interfere na formação profissional de professores? Concluí que o ato de escrever nos exige decisões. As escolhas relativas ao conteúdo do que diz e como age a criança – o que por hora denominamos Pedagogia da Escuta – e escolhas de como vamos socializar essa escuta nos formam continuamente. Como revisora, busquei instrumentalizar as Educadoras questionando-as, solicitando-as a se lembrarem de situações, sugerindo-lhes que, nos próximos registros, ficassem ainda mais atentas às falas das crianças e ao que podemos aprender com elas!

Como dizemos às crianças “escrever se aprende escrevendo”, repetimos para nós mesmos a todo o momento: “registrar se aprende registrando”. Essa é uma proposta de formação que exige persistência, continuidade, troca e renovação. A quem escreve resta escrever e não falar a respeito do que escreve. Sem sombra de dúvida, a escrita é um instrumento valioso, não apenas para eternizar momentos, historiar processos, mas primordialmente para a formação continuada de professores.

Nos relatos a seguir, o leitor terá a possibilidade de conhecer momentos passados em algumas escolas dos municípios de Barão de Cocais e Rio Piracicaba. Foram preciosos conteúdos de discussão, questionamentos, decisões e provavelmente mudanças na ação das professoras e gestoras que participaram desta proposta. Pretendemos que esse registro continue sendo material de debates e que possibilite novos aprendizados.

Além do conteúdo escrito e fotografado, o aprendizado das professoras e gestoras, ao escreverem o que não fica evidenciado nos textos que retratam a sala de aula, se tornou muito significativo. O processo de revelação da experiência para o autor e para a comunidade a partir da escrita é a semente que foi lançada. Se regada e cuidada, certamente trará bons frutos aos profissionais da Educação Infantil com quem muito aprendemos e a quem ensinamos por meio de trocas constantes como as que nos formaram.

Problematização da práticaAna Paula Rodrigues16

Educação é desassossego, é reflexão permanente, é desejar compreender mais e mais sobre infância, suas delícias, desafios e possibilidades!

Ao longo da minha trajetória profissional, sempre me encantei com as trocas possíveis durante os encontros de professores de Educação Infantil, em eventos e formação nos quais pude participar como ouvinte, como ministrante, além de contribuir com relatos de experiência. Entre uma e outra chance, mostrava minha sala de aula, contava sobre minhas escolhas, ouvia perguntas, críticas e elogios num constante exercício de reflexão.

Digo tudo isso porque, quando fui convidada para atuar no projeto que gerou a presente publicação, busquei recursos em cada uma dessas experiências anteriores: atenção para conhecer educadores e educandos, respeito para entrar nas salas de aula, escutar sobre as escolhas de cada professora, dialogar, trocar ideias e possibilidades.

Durante os anos que atuei como professora da Educação Infantil, sempre gostei de compartilhar minha prática e trazer diferentes olhares para dentro da minha sala de aula. Esse foi um dos caminhos que mais me conduziu a ampliar o olhar e as possibilidades: as diferentes leituras e olhares sobre minhas escolhas, os questionamentos e as provocações para avançar...

Ocupar o lugar de Formadora Referência neste projeto exigiu uma postura minuciosa, de escuta e olhar cuidadosos diante das muitas conversas, perguntas, práticas assistidas, escolas visitadas... Estar presente nos municípios em dias letivos, presenciar ações das crianças e professoras e perceber a dinâmica e a rotina propostas me deram o privilégio e a responsabilidade de registrar, documentar e estabelecer as interlocuções possíveis entre tudo isso e as reflexões levantadas pelas formadoras.

O esforço foi, a todo momento, manter o respeito às práticas e à cultura locais, e, ao mesmo tempo, promover um diálogo que pudesse ampliar as possibilidades de intervenção e do fazer pedagógico. Não se tratava de uma proposta de mudança de postura. Pelo contrário, o desejo era somar olhares e reflexões, ampliar possibilidades e dividir o que, na verdade, queríamos multiplicar: a concepção de infância e a criança como protagonista do seu processo educativo.

Lidar com ajustes no planejamento e na nomenclatura, escutar o que o grupo de professoras queria dessa formação, buscar nas entrelinhas o que mobilizava verdadeiramente as educadoras de cada município e reprogramar o uso do tempo na tentativa de aproveitar cada minuto de trocas e aprendizados foram alguns dos desafios vividos, com muito orgulho, por nós!

Nos encontros, às sextas-feiras com as gestoras e aos sábados com as professoras de cada município, meu esforço, durante todo o tempo, era convidar a equipe a somar experiências. E sabe o que consegui? Aprender! Aprender! Aprender!

Foi assim o que vivemos! A cada encontro um mundo de possibilidades nos era apresentado: falamos sério, rimos, buscamos jeitos diferentes de dizer a mesma coisa quantas vezes fossem necessárias, ajustamos nomenclaturas, revisamos bibliografias,

16. Graduada em Psicologia - UFMG, especialização em Educação Pré-Escola-AMAE; Especialização em Orientação e Supervisão - CEPEMG. Neste projeto, teve a função de revisora dos registros de prática produzidos pelas professoras.

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cantamos, dançamos, brincamos (e como brincamos!), experimentamos situações e propostas antes mesmo de compartilhá-las com as crianças, permitimo-nos tentar sem medo de errar, usamos múltiplas linguagens, documentamos, flexibilizamos o planejado e ajustamos a proposta cada vez que isso fez sentido, sentimos incômodo e conversamos sobre eles, saímos do lugar, avançamos e retrocedemos (pois um passo atrás, às vezes, faz-se necessário) e crescemos como pessoas e educadoras!

Depois de muito bem acolhida em cada um dos municípios, entre um e outro gole de café, fui aprendendo que sorrisos encurtam distâncias e que flexibilidade aproxima práticas distintas. Aprendi que, para conquistar a licença para participar do cotidiano do outro, também precisamos permitir o acesso ao nosso. Que diálogo faz a coragem tomar conta do medo. Que se mostrar é muito diferente de expor-se e que nada, nada, nada acrescenta tanto quanto a permissão que damos a nós mesmos de viver, experimentar e aprender.

Posso afirmar que conheci pessoas e práticas que levarei comigo sempre. Vi e senti olhares encantados de crianças que me confirmavam a cada segundo o quanto as suas vivências mudam apenas de endereço.

Desejo verdadeiramente que tenha conseguido contribuir com experiências próximas às que recebi, de cada sala de aula visitada, de cada cantinho observado das escolas, de cada provocação, de cada criança que me abordou pelos corredores, de cada professora que me escutou e me fez escutar! Hoje afirmo que escuto melhor a infância, que vivo com mais cuidado a Educação Infantil e que assumo, ainda com maior responsabilidade, o lugar de Formadora que ocupo.

Com a certeza de uma deliciosa parceria, cresci e vi crescer, ouvi relatos de novas maneiras de atuar a partir dos encontros temáticos, ideias instaladas, espaços modificados. As crianças e suas ações reveladas em murais são exemplos das mudanças de posturas e de concepções a que pude assistir enquanto estive ao lado de cada um que me permitiu atuar e ver atuando.

As abordagens temáticas e a prática pedagógica dos municípios Adriana Torres Máximo Monteiro17

Alessandra Latalisa de Sá18

Introdução

Os textos apresentados a seguir têm como objetivo contribuir para o enriquecimento e aprofundamento do trabalho realizado na Educação Infantil além de provocar a reflexão da prática, a partir dos atravessamentos teórico-práticos postos nesta proposta formativa. Acreditamos que a concretude deste material pode orientar discussões e pesquisas futuras, subsidiando o aprofundamento das ações educativas de gestores, professores e auxiliares que atuam nesse segmento da educação.

Conforme explicitado, esse conjunto de escritas produzidas pelas professoras, em parceria com as gestoras, foi ancorado em 11 Grupos Temáticos, abrangendo concepções educativas relativas à formação das crianças, a diferentes objetos de conhecimento e linguagens: A criança como sujeito do processo educativo; Afetividade e aprendizagem; Educar, cuidar e brincar; Avaliação e documentação pedagógica; A pedagogia da escuta; Ambiente educativo; Projetos; Linguagens, entre elas Linguagem musical, Artes plásticas e visuais, Linguagem matemática e Linguagens oral e escrita.

Na estrutura dos textos temáticos, as apresentações e reflexões finais foram elaboradas por Adriana Torres Máximo Monteiro e Alessandra Latalisa de Sá, relacionando-as aos relatos. Essas escritas, de caráter avaliativo, se basearam na valorização da consciência da professora sobre sua prática e no entendimento de que a construção do saber docente não ocorre de modo fragmentado e isolado. Ao contrário, faz-se de maneira integrada, global e inter-relacional.

Tema 1

A criança como sujeito do processo educativo

A concepção de criança vista como ator social e sujeito de direitos dotado de pensamento reflexivo e crítico é o princípio básico que sustenta essa proposta de formação pedagógica das professoras da Educação Infantil. Nesse sentido, destaca-se a superação de concepções tradicionais dominantes sobre a infância, que definem as

17. Doutora e Mestre em Educação – Coordenadora Pedagógica deste projeto, organizadora desta publicação.

18. Doutora e Mestre em Educação – Coordenadora Pedagógica deste projeto, organizadora desta publicação.

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crianças como seres irresponsáveis, imaturos, incompetentes e meros receptáculos das determinações postas pelos adultos.

O conceito de criança que guia os princípios das práticas discutidas com as professoras dos municípios de Barão de Cocais e Rio Piracicaba define as escolhas nesse processo de formação. Falamos da criança como sujeito que tem voz e vez, capaz de tomar decisões, que apreende o mundo à sua maneira, produz conhecimentos e dialoga com a cultura por meio das interações com seus pares e com os adultos. Essas relações são mediadas por produtos culturais, como as linguagens, objetos e artefatos.

Para planejar qualquer projeto pedagógico, é fundamental antecipar que a criança será a protagonista do processo educativo. Essa consciência é revelada na escrita da professora Marília Pantuza, de Rio Piracicaba. Para ela, é importante conhecer as crianças para “considerar o que sabem e valorizar os seus saberes como fundamento de novas aprendizagens”.

Desse modo, as decisões pedagógicas estão atreladas à interpretação que a professora tem sobre a criança e como ela vive a sua infância. Por isso, uma das ações educativas fundamentais para essa abordagem é a escuta19 atenta da professora para que tenha elementos que respeitem a lógica infantil e, assim, possa construir um projeto pedagógico com a criança e não por ela. A participação da criança no espaço da Educação Infantil se dá de diferentes formas. O brincar é a principal delas. É brincando que a criança experimenta, reproduz e se apropria do mundo adulto.

Para um grupo de professoras de Rio Piracicaba, trabalhar com a concepção da criança como protagonista é um desafio permanente que coincide com as questões postas por essa proposta de formação. Assim, sentem-se fortalecidas para o enfrentamento de suas inquietações. Segundo as professoras, há de se desconstruir o padrão de Educação Infantil em que as crianças sejam meras receptoras de conhecimentos artificializados. Essa condição levou as professoras da Escola Mickey e da Creche Eunice Lelis a refletirem sobre a importância do papel de serem professoras e atuarem de maneira que reconheçam o valor dos primeiros anos de vida na formação do ser humano.

A ideia da criança como sujeito social e cidadão de direitos está alinhada às políticas públicas voltadas para a infância e Educação Infantil, pois, sendo a criança um cidadão de direitos, sua educação deve caminhar na vertente que valoriza o direito ao brincar. Nos documentos oficiais atuais, como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2010) e em diferentes propostas curriculares municipais, é possível encontrar tal proposição. O caminho é investir em um currículo que priorize a brincadeira, o educar e o cuidar no contexto das situações reais vividas em seu dia a dia escolar. Dessa forma, configura-se a construção de uma escola voltada para a infância.

A gestora Marisa Bueno de Freitas, de Rio Piracicaba, organizou a entrevista a seguir com algumas professoras sobre o tema, quando explicitaram a concepção que tinham de criança como sujeito de seu processo educativo, a função da escola em suas vidas e de suas famílias, além de citarem algumas situações práticas que vivenciam no cotidiano escolar.

19. Esse assunto é abordado no tema 4 desta publicação.

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Entrevista

A Criança e a Educação InfantilMarisa Bueno de Freitas20

Aline Cristina Martins Barino21

Edilane Cristina Lopes de Souza Júlio22

Erlaine da Conceição Miranda Alvarenga23

Marília da Conceição Cota Pantuza24

Maria Aparecida Ezequiel Silva25

Nadir Viana de Andrade26

O contextoNesta entrevista, inicialmente as professoras situaram os contextos da escola e

da creche. A comunidade na qual a Escola Mickey está situada pertence a um bairro de periferia, com demandas específicas a essa realidade, algumas ruas não possuem saneamento básico, calçamento e iluminação. As famílias são grandes. Há um número considerável de crianças que vivem com padrastos e/ou com os avós. Quase todos os pais e/ou cuidadores trabalham fora.

De acordo com a história local, a Creche nasce no ano de 1980, a partir da necessidade de um lugar onde as mães pudessem deixar suas crianças para poderem trabalhar. Sua origem, de caráter assistencialista, se deu em uma realidade na qual a fome era um imperativo e remete aos sopões e mingaus distribuídos à população em fila indiana. A Educação Infantil se insere nesse contexto na década de 90, embora apenas nos anos 2000, associada ao “Programa de Transferência Direta de Renda”, e passa a desenvolver um trabalho pautado num ideário pedagógico.27

A acolhida e a vivência plena da diversidade são os pontos fortes da Escola Mickey. As educadoras vêm estabelecendo uma práxis a partir da intervenção na realidade e no processo de construção identitária da Educação Infantil. Entretanto, há desafios a serem superados, pois ainda encontramos em nossa escola práticas enraizadas nos processos da educação preparatória.28

As professoras atuam na Educação Infantil há, no mínimo, 14 anos. Na Escola Mickey, elas trabalham com classes de crianças de quatro e cinco anos há pelo menos quatro anos, sendo que a história de vida profissional de algumas se confunde com a própria história da escola, uma vez que nela atuam por aproximadamente 29 anos. Ao longo

20. Gestora da Escola Mickey. Licenciada em Pedagogia pela UFOP/MG. Especialista em Gestão Escolar pela UFOP.

21. Graduada em Letras pelo IES/FUNCEC, Especialista em Docência Anos Iniciais e Educação Infantil pela UCAMPROMINAS.

22. Graduada em Pedagogia pela ULBRA, Especialista em Docência Anos Iniciais e Educação Infantil e Educação Infantil, Especial e Transtornos Globais pela UCAMPROMINAS.

23. Graduada em Pedagogia pelo IES/FUNCEC.

24. Graduada em Normal Superior pela UFOP, Especialista em Docência Anos Iniciais e Educação Infantil pela UCAMPROMINAS e em Psicopedagogia pelo IESD/CASTELO BRANCO.

25. Graduada em Normal Superior pela UFOP, Especialista em Docência Anos Iniciais e Educação Infantil pela UCAMPROMINAS e em Psicopedagogia pelo IESD/CASTELO BRANCO.

26. Graduada em Pedagogia pela UNOPAR.

27. A Educação Infantil passou a atender crianças de zero a cinco anos após a promulgação da Lei do Ensino Fundamental de nove anos, Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006.

28. Para saber mais, consulte: KRAMER (1987).

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desse tempo, têm buscado a construção e respeito à infância, em que as crianças são tratadas como sujeitos de seus processos educativos. A formação em serviço favorece reflexões e interfere nesse olhar.

As crianças nos fazem pensarA fala de Heitor, cinco anos, aluno da Escola Mickey inspirou o início da entrevista: – Já que vocês são pessoas adultas e nós somos pessoas pequenas, vocês

pensam do jeito de vocês e a gente pensa do jeito da gente. Por que é que vocês podem fazer o que a cabeça de vocês pensa e a gente não pode fazer o que a cabeça da gente pensa?

– E quem te disse essas coisas, Heitor? – perguntou a professora.– Ora, o meu cérebro, Tia!29

As professoras seguem as questões colocadas por Marisa Bueno de Freitas:Marisa: Para o pesquisador e sociólogo Bernard Charlot (2003), as crianças

produzem uma interpretação de sua posição social, do que lhes acontece na escola, gerando um sentido de mundo. Assim, não se pode compreender a história escolar se não se levar em conta o que a criança faz na escola. Para vocês, quem são as crianças da Escola Mickey?

Professoras: Trabalhamos com crianças de zero a seis anos, vindas de classes populares, com constituição familiar bastante variada. Umas moram com os avós apenas; algumas com pais e avós; outras com a mãe, os irmãos e padrasto, ou somente com a mãe. A maioria dos pais é muito jovem. Mais de 80% das famílias são beneficiadas pelo programa “Bolsa Família”. Vivem em uma comunidade sem espaços públicos de lazer. São crianças que assistem muito à TV e a DVD’s. Gostam e cantam com frequência os ritmos que têm se tornado os mais populares, como o funk e o sertanejo. Boa parte delas frequenta a escola desde o berçário, para que seus pais ou cuidadores possam trabalhar. A maioria das famílias é moradora do entorno da escola e a tem como referencial de segurança e expectativa de que seus filhos tenham uma realidade diferente das suas experiências. Pensam a escola como uma projeção positiva para o que entendem como um futuro melhor.

Marisa: o que elas fazem na escola?Nas primeiras semanas na escola, passam por um período de adaptação, tanto

com o espaço físico e novos vínculos afetivos, quanto com construção de regras. Em um segundo momento, a socialização, o brincar e o contato com as letras e os números são referências para o planejamento das atividades propostas.

Marisa: Perguntamos a algumas crianças por que vêm à escola e elas responderam: – Para aprender a ler, escrever, fazer as atividades, lanchar na hora da

merenda, fazer tudo, copiar, ficar quietinho, brincar, respeitar as pessoas, brincar sem brigar, fazer arte do Romero Britto.

– Porque tem que estudar.A gestora Marisa continua:Marisa: As crianças da Escola Mickey dão qual sentido às situações vivenciadas no

cotidiano da escola?Cida Santos: A Escola Mickey é o espaço no qual as crianças podem aprender a

se cuidar e desenvolver atividades que promovam a independência, como amarrar o cadarço, limpar o nariz. E, também, a ampliar a socialização, aprendendo a respeitar o outro. Esse processo se dá por meio da ludicidade. Em outras palavras, a Escola Mickey

29. Como explicado no capítulo 1, p. 14, desta publicação, respeitamos aqui a decisão das professoras dos municípios de usar o termo tia quando as crianças se referem elas.

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é um espaço de possibilidades, responsável por desenvolver em nossas crianças uma autonomia capaz de auxiliá-las na organização de suas ideias e na execução de atividades que possam desempenhar sozinhas, respeitando o direito essencial de ser criança.

Marisa: E qual o sentido essas crianças têm para a escola?Marília: Mesmo sendo a educação responsabilidade da escola, da família e de toda

a sociedade, cada criança deve ser protagonista de sua própria educação. Ela precisa ser reconhecida como sujeito do processo educativo, o que significa considerar o que já sabem e valorizar os seus saberes como fundamento para novas aprendizagens. As atividades de cuidado e educação de crianças cujos direitos são reconhecidos e garantidos pela instituição e por seus educadores devem envolver o respeito à identidade familiar, ao gênero, à raça e o direito ao brincar. Criar situações com as crianças que possibilitem o desenvolvimento do autoconceito positivo, aprendendo a gostar de si próprias, bem como reconhecer e respeitar as diversidades e as características pessoais do outro, constituindo, assim, uma tarefa educativa das mais importantes.

Marisa: Como nossa escola da Educação Infantil vem tentando desconstruir a exigência de uma prática preparatória para o Ensino Fundamental tão presente na cultura educacional, para pensar no brincar, cuidar e educar dentro da lógica infantil?

Aline: Os pais e educadores acreditam numa cultura que dita que “a criança tem que ir à escola para aprender a ler e a escrever”. Porém, essa forma de compreender a educação vem mudando gradativamente, uma vez que as políticas públicas e o “Plano Nacional de Educação” (2014)30 valorizam cada vez mais os direitos das crianças por meio de mecanismos legais que garantem o direito ao brincar, comunicar e expressar sentimentos e desejos. Por meio da brincadeira e experimentação, desenvolvem vários aspectos sociais, cognitivos e intelectuais. Essas aprendizagens contribuem na construção da sua identidade. Observamos que nossas crianças são, em sua maioria, observadoras, interessadas, com bagagem de conhecimento de mundo. A expectativa que têm de aprender é alta, não apenas para a alfabetização, mas para uma aprendizagem mais ampla, envolvendo a arte, a matemática, a ciência, a linguagem oral, entre outras. Pensamos que essas aprendizagens acontecem no contexto do brincar, que é a principal atividade da criança na Educação Infantil.

Marisa: Recebemos uma criança que disse à sua professora:– Tia, aqui nessa escola os alunos não são bons. Eles são bagunceiros. Aqui

só eu fico quietinha – referindo-se às crianças que conversavam e interagiam dentro da sala.

Na percepção de vocês, na nossa escola, em que medida uma criança é sujeito de seu processo educativo?

Edilane: Segundo Vygotsky (1984), o desenvolvimento das crianças ocorre em função das interações. A imagem acima reflete a ideia de que a criança quieta e calada é a que aprende. A escola vem desconstruindo esse processo, a partir do momento em que cria intencionalmente situações para a criança interagir no contexto social em que atua, quebrando esse paradigma, ao promover situações de interação, proporcionando à criança construir seus argumentos, falar e escutar, dar sentido à fala do outro, negociar, posicionar-se, mediadas pela ação do professor. É fundamental incentivar sua autonomia em rodas de conversa, jogos, brincadeiras, momentos livres, atividades de arte e a hora da história, por exemplo, de modo que as crianças se sintam ouvidas e fazendo parte do coletivo da escola.

30. Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), sancionado em junho de 2014 com a Lei 13.005. O PNE define as bases da política educacional brasileira para os próximos 10 anos.

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Marisa: Vocês acreditam que as famílias contribuem para a formação de nossas crianças nessa perspectiva? Em caso afirmativo, de que maneira? Em caso negativo, o que as leva a terem tal conduta?

Nadir: Acreditamos que sim. As famílias contribuem à medida que incentivam seus filhos a virem para a escola e os trazem diariamente. E ainda na vivência dos momentos que a escola prepara, como festividades, reuniões de pais e entrevistas. Retomar em casa o que foi aprendido é outra maneira de contribuírem. Os pais dos alunos da Escola Mickey frequentemente demonstram confiança no trabalho dos professores e na permanência de seus filhos na instituição. Colaboram para que seus filhos participem do processo educativo com interesse, respeito e confiança. O choro é um bom exemplo dessa situação. De imediato, as famílias tendem a querer voltar com seus filhos para casa e retornarem com eles no ano seguinte, quando estiverem maiores. A confiança conquistada com os anos de trabalho na Educação Infantil faz com que muitos pais acreditem que os professores conseguirão ajudar a criança a superar o estranhamento inicial.

Marisa: A Escola Mickey contribui com as famílias para que suas crianças sejam reconhecidas e respeitadas como sujeitos da própria história? Em que momentos isso é evidenciado?

Tida: O processo educativo da criança começa na família. Portanto, quando ela chega à escola, já tem internalizados alguns conhecimentos e valores. A escola continua esse processo a partir de estratégias nas quais o professor favorece a criança a vivenciar situações de interação, valores e práticas sociais, ampliando as experiências que podem resultar em aprendizagens significativas para a constituição delas como sujeitos. Um bom exemplo é a eleição que realizamos para escolher o nome da boneca da sala. Estávamos desenvolvendo uma sequência de atividades com o livro a “Bonequinha Preta”, de Alaíde Lisboa de Oliveira, que, em 2013, fez 75 anos. A escola estava empenhada em eleger um nome para uma boneca. Cada turma de quatro e cinco anos havia sugerido algumas possibilidades. Posteriormente, realizaram uma votação secreta, com cabine de votação, cédula, urna e apuração. Conversamos sobre a questão de o voto ser secreto e valorizarmos o respeito e a vontade do outro. Todas vivenciaram a condição de eleitores e a maioria não comentou em qual nome votou, nem quando perguntada. Duas semanas depois, ocorreram as eleições presidenciais e um menino abordou sua professora:

– Tia, olha só, nem foi o nome que eu votei na Bonequinha Preta que ganhou e eu não briguei, fiquei triste. Agora as pessoas ficam com uma “brigaiada”, porque a Dilma ganhou e o Aécio perdeu.

Marisa: Nas nossas conversas do dia a dia, muitas de vocês relatam casos de crianças que se dispersam facilmente ou concentram muito pouco, não entendem o comando do professor e que a todo o tempo perguntam:

– Tia, o que é mesmo que é pra fazer?Enfim, parecem ausentes de corpo presente. Não se situam em certo modelo de

aula. Como o grupo lida com as crianças que não entendem por que estão na escola, não se encaixam em uma lógica institucional que lhe é específica?

Erlaine: Essa questão não tem uma receita pronta, pois podem existir inúmeros fatores que levam uma criança a não se situar no universo escolar. Ao olhar cuidadosamente para uma criança que vai à escola e não se encaixa no universo em que se encontra, faz-se necessário conhecer o ambiente em que ela vive, o seu histórico familiar. Isso deve ser encaminhado e orientado pela gestora em parceria com a professora em prol da criança. A partir daí, o trabalho em sala de aula deve considerar a bagagem de conhecimentos que ela traz. Conduzir as aprendizagens a partir dos interesses da criança, da escuta e

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do diálogo, além de possibilitar a socialização com os demais alunos e funcionários da instituição. Em algumas situações, além das mediações escolares, torna-se necessária a ajuda de outros profissionais da área da saúde, como fonoaudiologia, neuropediatria, terapia ocupacional ou psicologia. Nesses casos, a parceria entre os profissionais, a escola e a família é um caminho fundamental para auxiliá-los no desenvolvimento e na aprendizagem das crianças.

Marisa: No que a possibilidade de uma formação continuada e a reflexão sobre a prática educativa na Educação Infantil contribuiu com a ideia da criança como sujeito de seu processo educativo?

Professoras: Em uma realidade na qual a prática tradicional muitas vezes acaba sendo mais segura para o professor, a criança estar no centro da prática pedagógica podendo falar, sendo escutada e construindo significados, é um tanto desafiadora. Diante da pouca oferta de reflexão e estudos coletivos com nossos pares, a formação continuada tem a função de nos tirar da zona de conforto, fazendo-nos refletir sobre nosso real objetivo. A reflexão da prática educativa e o estudo contextualizado são fundamentais na busca de soluções para os problemas vivenciados no processo. Assim sendo, a formação promove estudos, debates e troca de experiências entre os professores na busca de alternativas em prol da criança e de seu desenvolvimento pleno. Essa formação veio ao encontro das nossas inquietações sobre entender a criança dentro de sua lógica e como sujeito de seu processo educativo. Levou-nos a pensar sobre o papel que o professor tem a desempenhar, possibilitando que a criança brinque e aprenda ao mesmo tempo, sendo cuidada e educada a partir das situações reais vividas em seu dia a dia.

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Escutar, registrar, refletir: diálogos que provocam

As colocações das professoras regentes da Creche Eunice Lelis e da Escola Mickey mostram o quanto são reconhecidas nos locais onde as escolas estão inseridas, provavelmente por fazerem parte de instituições que, historicamente, se dedicam a criar e manter vínculos de troca, respeito e confiança com as famílias e comunidades. O mérito também está na busca que as professoras têm por compreender as crianças a partir de suas expressões e linguagens específicas que compõem a infância. Isto é, procuram entender a comunicação da criança, como o choro, as histórias, suas formas de pensar e indagar o mundo. E, desse modo, consideram os Direitos da Criança,31 na medida em que se empenham em oferecer-lhes um ambiente adequado às características infantis, realçando as brincadeiras como um dos eixos do trabalho pedagógico.

Nos depoimentos das professoras, é possível notar que se preocupam com os processos de aprendizagem das crianças. Suas ações buscam superar a ideia do “aluno ideal” e assumem a diversidade e a valorização das diferenças entre as crianças. Ainda, desconstroem a concepção do papel do professor como detentor do saber e condutor único do processo pedagógico. Elas se lançam ao desafio de promover a participação das crianças, para que, juntas, possam atribuir sentido ao que vivem na escola em diálogo com suas práticas sociais e culturais, como exemplo, a atividade de eleição do nome da boneca.

No afã de educar e cuidar, as professoras procuram se informar sobre o perfil das famílias e sabem que a escola, como qualquer outra instituição, tem limites. Para o enfrentamento das condições de vida, conjugadas às particularidades das crianças, as professoras destacam a importância da articulação política entre a escola e os equipamentos públicos ligados às áreas da saúde e ao desenvolvimento social, visando à constituição de uma rede de atendimento infantil que favoreça à criança o acesso aos bens culturais, bem como lhe promova as condições necessárias ao seu pleno desenvolvimento.

As inquietações das professoras as levam a investir, ampliar e refletir criticamente sobre seus referenciais teóricos e práticos, reconhecendo que não há um caminho pronto e que as possibilidades são múltiplas quando fundamentam suas práticas pedagógicas numa concepção da criança como cidadã, sujeito ativo da construção do seu conhecimento e pessoa em processo de desenvolvimento. Essa postura as instiga a puxar meadas com as quais vão tecendo e formando a trama de uma educação voltada verdadeiramente para a infância.

31. Para saber mais, consulte: ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente (1990).

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Tema 2

Afetividade e aprendizagemA primeira vivência do homem na vida intrauterina é biológica. Desde o dia do seu

nascimento, o bebê passa a transformar sua condição biológica passo a passo, até se tornar um sujeito social e histórico. Em outras palavras, o bebê se torna uma criança que, mesmo dependente do adulto, pertence a uma família que faz parte de uma sociedade, com uma determinada cultura, em um determinado momento histórico.

Esse processo começa no contato físico com a mãe e na sua inserção no ambiente físico, social e cultural. Esse contato inicial com a mãe (sua forma de acolher, seu toque físico, tom de voz) marca para a criança pequena o início do estabelecimento de laços afetivos. Assim, considerando que as interações com as pessoas exercem um papel fundamental no desenvolvimento infantil, a criança modifica o ambiente e por ele também é modificada e, desse modo, segue constituindo o seu eu, a sua identidade e a sua aprendizagem.

Um dos primeiros impulsos para que o aprendizado aconteça é o desejo de aprender, que mantém a curiosidade acesa, bem como a busca para a resolução das perguntas, de problemas e o enfrentamento dos desafios que surgem ao longo da construção e aquisição dos conhecimentos. Afinal, perceber os interesses da criança é considerar seus modos de pensar para ir além. Essa é uma complexa dinâmica que requer ações cognitivas, da mesma forma que tais ações pressupõem a presença de aspectos afetivos.

Assim, consideramos que a afetividade é o centro desse desenvolvimento, pois as emoções e os sentimentos estão imbricados nas relações entre criança-criança, criança-adulto, criança-conhecimento e criança com ela mesma. Nesse decorrer, as trocas afetivas vão dando sentido à vida.

Esse reconhecimento possibilita à criança o autoconhecimento, a socialização e o conhecimento de mundo. Significa, portanto, compreendê-la como pessoa única em suas manifestações, como o choro, a ameaça, o ciúme, a disputa e também a alegria e o contentamento, pois são pistas que revelam o que ela sente diante das situações que lhe são apresentadas.

Dessa forma, é de fundamental importância acolher as diversas formas de expressão infantil e ajudar a criança a reconhecer e nomear seus sentimentos, para que aprenda a lidar com as próprias emoções. E quando surgem situações conflituosas em que ela não tenha autonomia para resolvê-las sozinha, torna-se necessário que o adulto assuma um posicionamento firme na busca da resolução conjunta dos conflitos, seja com uma criança ou mais.

No plano coletivo, é preciso fortalecer as formas de expressão utilizadas nas diversas linguagens de tal forma que as crianças desenvolvam a capacidade de compartilhar as experiências afetivas numa convivência social com seus parceiros e professores.

Na presente proposta de formação de professores da Educação Infantil, trabalha-se explicitamente a necessidade de organizar momentos de brincadeiras para que a criança identifique e expresse seus afetos, desejo, desagrados e emoções. O pensamento, a imaginação e a afetividade se entrelaçam por muitas vias.

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Numa brincadeira registrada sob a forma de uma mini-história, realizada em outubro de 2014 pela professora Maria da Graça Freitas, de Rio Piracicaba, é possível observar sua atenção e seu cuidado de disponibilizar objetos, favorecer a participação das crianças na intervenção do ambiente e na movimentação em diferentes espaços. Observa-se que a imaginação e o vivido alimentam o jogo de representação de papéis, no qual o que liga as crianças é o conteúdo afetivo que a brincadeira traz.

Isso significa dizer que é papel da professora de Educação Infantil promover situações interativas entre as crianças, em que a ludicidade torne esses encontros em momentos prazerosos. Para tanto, como o fez a professora Graça, foi preciso fornecer às crianças a possibilidade de participar, negociar e serem sujeitos ativos das atividades.

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Mini-história

O registro da brincadeira: diálogos, afetos, ações e emoçõesMaria das Graças Freitas32

O contextoNesta turma, algumas crianças costumam se organizar espontaneamente para

as brincadeiras. Ao acompanhar a movimentação delas em um desses momentos, foi possível captar que revelam a maneira particular como compreendem o mundo dos adultos, suas interações entre seus pares e adultos, bem como as preocupações que têm diante das situações da vida.

Pode-se observar que, na brincadeira descrita a seguir, são destacados quatro momentos distintos, quando as crianças começam formando uma família extensa, com filhos, pais, avós e tios. A família, como pano de fundo, passa por situações inusitadas.

Hora do faz de conta: Brincando de famíliaAs crianças, tomadas pela ludicidade e inventividade, se transformaram em

agrupamentos sociais e criaram cantos que se aproximam ao modelo que têm do que vem a ser uma família e um lar. É como se atualizassem experiências já vividas. Negociavam com bastante propriedade a montagem da casa. Às vezes, repetiam ambientes escolares, numa clara referência ao trânsito que têm nos espaços casa e escola. Assim, optaram por montar a sala, a cozinha, o quarto das crianças, o banheiro e o cantinho de leitura, sem se esquecerem de separar uma área específica “para as crianças brincarem” – conforme um deles comentou.

Crianças brincando de família.

32. Professora de crianças de quatro a seis anos de idade, turma do 2º período da Escola Municipal Sebastião Araújo, no município de Rio Piracicaba. Licenciada em Pedagogia pelo IES/FUNCEC. Especialista em Educação Especial/Faculdade de Educação São Luís.

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E a brincadeira segue...Luiz Fernando: – A gente vai brincar de quê?Giovana: – É de papai, mamãe e filhinhos. Luiz Fernando: – Eu sou o Henrique, o filho de 10 anos. Giovana: – Eu sou a Andréia, filha de 4 anos. Amanda: – Eu sou a Maria: mãe dos filhos e Halley é o Mauro, pai dos filhos. Júlia: – Eu sou Maria Alice, a tia dos filhos, que é irmã da mãe, e Luiz Felipe é

o tio Rafael, que é irmão do pai. Amanda: – Mariane vai ser a vó e Arthur é o avô. Como vai ser seu nome

Mariane? Qual é o nome que você quer ter? Mariane: – Meu nome é Gabriela. Mariane: – E o seu Arthur?

Arthur: – É Anderson.

A brincadeira ganha forçaAs crianças constroem uma narrativa, reproduzindo o modo como se dá a relação

entre criança/criança e criança/adultos, em que, por muitas vezes, a criança ocupa um lugar de obediência diante do adulto. O enredo ganha conteúdo e ludicidade. Acontecem alguns conflitos, mas a brincadeira se transforma, ganha um novo rumo e renasce com a expressão de liberdade de cada menina e menino.

Na organização da brincadeira, todos moram juntos. A representação dos papéis dos adultos é o que se destaca. A mãe parece muito equilibrada, amável, comprensiva e dialoga com todos. Os filhos são crianças que fazem o que querem sem o impedimento dos pais. O pai, bem grosseiro, não é de muita conversa. Os tios e avós têm responsabilidade financeira da família. Até esse momento, o ambiente da sala de aula não tem uma organização prévia de moradia, de um lar - isso ainda não é uma preocupação das crianças.

Maria: – Todo mundo aqui! Vamos reunir nossa família e cuidar dos filhos. Filhos, prestem atenção na mamãe. O papai vai ajudar olhar vocês, a titia vai fazer a comida, o titio vai consertar os carros na oficina, a avó e o avô não fazem nada, porque são velhinhos e só brincam com os netos e dão os presentinhos, essas coisas.

Maria: – Mauro, a gente precisa ir à rua levar as crianças para passear, comprar um tablet pra elas, depois levar no parquinho, né, filhos?

Henrique: – Êbaaaaaa!!!É bom que a gente nem vai à escola hoje! Andréia: – Eu quero ir à aula sim!!! Mauro: – Se não for para escola, não vai passear. Maria: – Vamos logo, filhos!

A brincadeira se prolonga até o pátio da escola. A turma troca de espaço para continuar a brincadeira. O pátio da escola serve de

cenário para o passeio familiar. Chegando ao local de compras, o filho tenta desviar-se da família e sai para comprar celular sem dar satisfação para os pais. Quando a mãe percebe o distanciamento do filho, reage como se estivesse aflita e chama a sua atenção para ficar próximo a eles.

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A mãe se aflige com o distanciamento do filho.

O filho circulando sozinho.

Mauro: – Henrique, volta aqui, senão, vou te bater. Maria: – Oh! Você vai bater no filho aqui na rua? Mauro: – Claro que vou. Ele não está me obedecendo. Agora mesmo a

Andréia vai fazer tudo que ele está fazendo! Maria: – Ela não vai fazer isso! Ela é uma filha obediente, gosta de estudar...

Olha lá! Tem que pegar o Henrique. É perigoso ele nos perder na cidade. O pai alcança o filho e o repreende, numa demonstração de imitação do modelo

do adulto. Mauro: – Você tem que ficar é perto de mim. Não é correndo na minha frente

não!

Voltando do passeio.

Neste momento, o faz de conta deixa de ser a tônica e as crianças param de representar. Maria se afasta, Amanda procura pela professora se queixando:

Amanda: – Tia Graça, o Halley (Mauro) não pode brincar, ele não sabe ser pai. Toda hora quer bater nos filhos.

Professora: – É bom apanhar? Halley: – Não, ué! Eu num gosto não!Professora: – Agora, eu vou fazer uma pergunta para toda a família. Se o pai não está

sabendo ser pai, o que fazer? Maria: – Conversar muito e ter mais amor com os filhos, cuidar mais, essas

coisas assim...

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Professora: – Fale isto para o Halley, Maria. A aluna preferiu não se manifestar.Professora: – Temos 15 minutos para terminar a brincadeira de hoje.

Hábitos locaisGiovana: – Ele é meu pai e nem conversa comigo. Andréia: – É só com meu irmão. Mauro: – Eu vou conversar com você também, filha. Se ficar obediente, vou

levar todo mundo pra praia. E é amanhã. Pode arrumar a mala. Nós vamos ficar muito tempo lá.

Os avós e os tios na Estação Ferroviária Voltando da praia.

Maria: – Agora estamos felizes, né, Mauro? Passeamos muito e vimos o mar com os filhos, tios e avós. – concluindo a brincadeira.

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Escutar, registrar, refletir: diálogos que provocam

A professora Maria das Graças de Freitas produziu interessantes reflexões acerca do registro dessa mini-história:

A partir das minhas observações e reflexões sobre brincar e brincadeiras, aposto na ideia de investir no brincar e, para isso acontecer, é importante planejar a atividade, selecionando objetos e interferindo na organização do ambiente. A brincadeira reflete as ideias e os sentimentos que as crianças têm de família e do cotidiano.

A brincadeira é uma atividade necessária à criança, pois promove o seu desenvolvimento afetivo, cognitivo e social. As crianças, enquanto brincam, interagem com seus pares, aprendem brincadeiras que fazem parte do nosso patrimônio cultural e produzem cultura, pois também criam novas formas de brincar e agir. Portanto, é necessário criarmos oportunidades que permitam à criança a realização do brincar individual e coletivo, por meio da ação física e da imaginação. Isso significa incorporar ao nosso cotidiano, de modo sistemático, duas abordagens: o “brincar pelo brincar” e o jogo como estratégia didática.

Na medida em que brinca, a criança imita o mundo adulto e o reapresenta a seu modo. A presença da dimensão lúdica nas brincadeiras não significa dizer que as crianças vivenciem apenas o prazer. Tanto é que, nessa brincadeira, as crianças também revelam sentimentos de ameaça, insatisfação e frustração. Isso significa dizer que a brincadeira favorece à criança revisitar suas emoções e vivências, sendo possível reelaborá-las pela via do “faz de conta”.

Desse modo, é preciso que as crianças se sintam acolhidas e seguras no ambiente escolar para que possam explorar todo o conteúdo inventivo de suas formas de pensar. Entretanto, é importante a presença da professora para nutrir e problematizar esses momentos. Afinal, brincar não é fazer o que quiser. É necessário estabelecer as regras da brincadeira, pois não vale agredir e tampouco desrespeitar os pares envolvidos nessa atividade.

Na brincadeira descrita, a temporalidade é resolvida por meio do “faz de conta”. Assim é que “o amanhã” para as crianças acontece nos próximos segundos e a brincadeira se transforma em uma viagem maravilhosa para a praia. A simples ocupação dos ambientes escolares provoca o surgimento de outras situações. O pátio se transforma em cidade, a escada simboliza uma viagem.

É interessante observar que, como o município é servido pela estrada de ferro, a opção de transporte das crianças na brincadeira é viajar de trem. Pode-se com isso dizer que a brincadeira se constitui a partir do processo de imersão cultural. Observando a criança brincar, é possível aproximar-se da realidade vivida por ela, conforme o entendimento que ela própria tem de suas experiências vividas.

Logo, como é possível constatar, acontecem ricos processos interativos entre as crianças e essa condição aciona o desenvolvimento global delas, destacando aqui as dimensões afetiva, cognitiva, corporal, social e cultural. E, por isso, a importância do brincar é tão grande que está garantida no Estatuto da Criança e do Adolescente. Para atender a essa exigência, a brincadeira deve estar incorporada ao cotidiano da Educação Infantil, por meio da intencionalidade do brincar. Para tanto, os adultos devem organizar

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os tempos, espaços, brinquedos e objetos para tal fim. Nada mais afetivo na Educação Infantil que acolher as linguagens da criança e promover aprendizagens mediadas por elas. Esse ato é sinal de respeito à infância.

Tema 3

Educar, cuidar e brincar A indissociabilidade entre educar e cuidar está presente em todos os momentos do

cotidiano escolar. A criança está em constante aprendizado e, por isso, a importância de manter o princípio de contribuir para a sua formação integral de tal forma que todos os adultos, sobretudo as professoras, sejam responsáveis por criar condições de bem-estar e preparo de ambientes/espaços/contextos em rotinas de trabalho que atendam as necessidades e os interesses da criança.

Na concepção abordada no presente curso de Formação de Professores da Educação Infantil, cuidar vai para além de atender às necessidades físicas das crianças. Significa também valorizar seus processos de conhecimento, tornando as estratégias cognitivas visíveis e compreensíveis, para que as crianças participem e se apropriem dos diferentes percursos de aprendizagem que realizam.

Desse modo, organizamos situações que favorecem a interatividade, a socialização, a cooperação e o desenvolvimento de habilidades, sem perdermos de vista a formação de hábitos que incentivam o aprender a cuidar de si, a cuidar do outro, sobretudo seus pares, e cuidar do ambiente de acordo com a visão sistêmica e planetária: agir local e pensar global, portanto, cuidar do planeta. Sinteticamente, envolver-se em ações que levam ao aprender a cuidar de si, do outro e do planeta.

Os estudos recentes sobre a infância33 indicam que a identidade da criança se forma no interior das suas atividades diárias. Esse é um modo específico de agir e significar o mundo que ocorre especialmente por meio das brincadeiras, sejam elas advindas de nosso patrimônio cultural ou inventadas simbolicamente. Elas, por sua vez, estão referenciadas no contexto do mundo adulto. Seus elementos constitutivos, como dito anteriormente,34 são os jogos, os brinquedos, os rituais, as movimentações, os gestos e as palavras.

O relato seguinte, fruto do trabalho realizado com crianças de seis meses a cinco anos, em 2014, na Escola Municipal de Pré-Escolar Mickey,35 localizada no bairro Córrego São Miguel, funciona no mesmo prédio da Creche Eunice Lelis, no município de Rio Piracicaba. Trata-se de um projeto construído a partir do olhar da professora, que é educadora física. Conforme seu olhar investigativo, as crianças necessitavam de maior destreza em alguns movimentos corporais que fazem parte de atividades rotineiras. Respeitando cada criança, Maria Aparecida Caldeira planejou uma série de movimentos interligados a objetos, em que ela explorou atenta e cuidadosamente o potencial de seus alunos.

33. Para saber mais, consulte: CORSARO (2002 e 2003); GOUVÊA (2003); ROCHA (2008).

34. Ver Tema 2 sobre Afetividade e aprendizagem.

35. A escola atende aproximadamente 200 crianças, de seis meses a cinco anos, nas modalidades Creche e Educação Infantil. Aproximadamente 20% das crianças permanecem na escola em horário integral. Atende a um bairro da camada popular e muitas crianças têm na escola uma importante referência social.

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Relato de Projeto

O cuidar e educar nas brincadeiras de circuito motorMaria Aparecida Caldeira36

Marisa Bueno de Freitas37

O contextoNo início do ano, momento em que a professora realiza observações do grupo

para uma avaliação diagnóstica sobre diferentes aspectos, um deles chamou mais a sua atenção: o uso do corpo em situações de brincadeiras com regras. Destacou-se o embaraço das crianças em pular com um pé só, brincar de corda e amarrar os cadarços dos sapatos. Ainda, precisavam de ajuda nos movimentos necessários para realizarem brincadeiras, como “Coelhinho sai da toca”, pois muitos não se mantinham de mãos dadas no círculo para brincar de roda. Partindo dessa avaliação, entendemos ser importante ampliarmos seus repertórios de brincadeiras de tal forma que o corpo das crianças fosse abordado como um todo, tanto nos jogos com regras, como nas brincadeiras livres.

Desse modo, a concepção de corpo da qual tratamos aqui propõe a integração das dimensões física, social, cultural, cognitiva, política e emocional, de maneira a favorecer uma relação das crianças com o meio em que estão inseridas, com os outros e com elas mesmas. Para tanto, é condição essencial respeitar as diferentes habilidades das crianças e, ao mesmo tempo, proporciona-lhes o maior número possível de experiências corporais.

Nesse contexto, optamos pela exploração corporal em situações de circuito motor. Tal recurso foi utilizado para que as crianças pudessem explorar diferentes posturas corporais, como assentar-se em diferentes inclinações, deitar e ficar em pé. Assim, ao se movimentarem com maior precisão diante dos desafios proporcionados pelo percurso proposto, poderiam adquirir maior consciência dos próprios movimentos, seus limites e possibilidades.

O que é circuito motorVítor Emanuel: – Têm várias coisas: uma cadeira de passar por baixo, tem

bambolê de pular, colchão para rolar e trave de equilíbrio. – 5 anos.

Chamamos de circuito motor um espaço organizado em estações, onde são dispostos materiais em uma sequência que proporciona desafios de naturezas distintas para a criança. Ao trajeto circular, chamamos circuito; ao conjunto de materiais dispostos, denominamos setores ou estações, e aos desafios e obstáculos, consideramos deslocamentos corporais.

Na montagem do circuito, são utilizados diferentes materiais, como bancos, bambolês, colchonetes e cadeiras que compõem as diferentes estações que as crianças deverão transpor. Isso lhes permite vivenciar sensações e percepções de equilíbrio,

36. Graduada em Educação Física pelo ICMG- Instituto Católico de Minas gerais. Especialista em Orientação Educacional pela Universo – Universidade Salgado de Oliveira. Especialista em Educação Física para pessoas com deficiência pela UFJF – Universidade Federal de Juiz de Fora.

37. Gestora da Escola Mickey. Licenciada em Pedagogia pela UFOP/MG. Especialista em Gestão Escolar pela UFOP.

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agilidade, coordenação, concentração, além do desenvolvimento das habilidades motoras.

Durante as brincadeiras nos circuitos, observo como as crianças vibram. Quando concluem o trajeto, é possível ver, em seus sorrisos, a satisfação. Em outras situações, percebo a ansiedade dos colegas quando alguém apresenta dificuldade, chegando a levantar a cadeira para o outro conseguir passar.

Crianças brincando nos circuitos.

Conhecer por meio da experiênciaAo longo de algumas semanas, os materiais foram disponibilizados separadamente

para exploração e conhecimento das crianças, de maneira livre ou com orientação das professoras.

Pular nos arcos com um ou dois pés. Rolar no colchonete frente ou para o lado.

Passar por baixo das cadeirinhas enfileiradas.

Usar diversos materiais criando situações inusitadas. – Crianças do berçário.

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Com as traves de equilíbrio, delimitamos um espaço retangular que possibilitou um jogo de faz de conta:

Professora: – E agora? O que está acontecendo, minha gente?

Rafaela: – A gente tá na piscina.Davi: – Eu vou dar um pulo, olha tia!Professora: – Cuidado na hora de nadar. Esta piscina

tem muita gente.Vitor Hugo: – Eu sou um tubarão.Rafaela: – Ai, o tubarão mordeu o meu pé.Vitor Emanuel: – Na piscina não tem tubarão. Ele é

muito grande.Professora: – Vitor Hugo, nessa piscina não cabe um

tubarão?Vitor Emanuel: – Não. Essa piscina é só de crianças.Alguém bate o pé nas traves.Davi: – Ah... Acabou a água toda. Esvaziou tudo!

– reclama.

Nesse instante, as crianças saem da área delimitada, “a piscina”, e Vitor Emanuel fecha as laterais, simulando pegar uma mangueira e começar a encher a piscina novamente. E a brincadeira recomeça.

Essas situações de espontaneidade e diversão são para elas momentos de descoberta e integração. Além disso, a brincadeira de faz de conta desenvolve não só a imaginação, mas alimenta afetos, elabora conflitos e, nesse caso, explora habilidades corporais das crianças.

Ampliando as vivências para além do espaço da sala de aulaAs situações vividas no pátio possibilitam que as professoras observem antes de

interferirem na ação da criança. É necessário avaliar se as intervenções não impedirão o processo de independência da criança.

Professora orienta, fica por perto para que a criança se sinta segura. A criança arrisca e experimenta novos movimentos.

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Brincando com arcosIsabela: – A gente pode brincar de coelhinho na toca, colocar no chão e ir

pulando. – criança de seis anos.

Geralmente, prevemos que a forma como as crianças brincarão com os arcos será “bamboleando” na cintura ou colocando-os no chão para pular. Porém, podemos pensar numa infinidade de maneiras de explorar o material, bastando ofertar-lhes e permitir que elas explorem e utilizem os arcos como um brinquedo.

Turma brincando de morto-vivo.

As crianças jogam os arcos para cima, tentam pegá-los, colocam-nos na cintura para rodar. Quando experimentam rodá-los em um braço, um novo desafio:

Professora: – Se já sabe com um braço, tente com o outro.É praxe que alguém venha mostrar como faz, dizendo:Criança: – Tia, olha o que eu consigo.

É comum uma criança demonstrar o que é capaz de fazer e um colega que está por perto tentar fazer igual.

No jogo simbólico, as crianças fazem do arco o volante do carro, brincam de dirigir, saem para comprar algo no supermercado, vão à rua, ao centro da cidade, ou mesmo realizam uma viagem em que cada um traz aquilo que comprou.

Nesses eventos, a criança experimenta várias habilidades motoras: corre, pula, desloca-se, faz a condução do bambolê, abaixa e levanta. Para quem está de fora, tudo pode parecer confuso, todavia, nesse momento, a criança experimenta, cria, transforma um objeto em outro, conhecendo suas próprias possibilidades e as dos outros.

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Brincando com as traves de equilíbrioSabrina: – É só a gente montar alguma coisa,

subir em cima e andar. – criança de seis anos.

Usamos três jogos de traves adaptados do material usado para o teste de equilíbrio (KTK).38

Permiti que as crianças brincassem livremente, para observar os conhecimentos prévios relacionados ao equilíbrio e ao domínio do corpo. De repente, uma criança pega uma peça que se transforma em um martelo; outra anda apoiada equilibrando; um grupo menor faz um cercadinho onde os bichos imaginários ficam presos. Às vezes, eram animais domésticos, outras vezes, ferozes. Com algumas barras faziam casinha.

Crianças construindo uma escada para os colegas saltarem sem derrubar os degraus, utilizando as mesmas traves.

As professoras também experimentaram o material.

38. Teste de Coordenação Corporal para Crianças (Körperkoordinationstest Für Kinder - KTK)

Um aluno brinca de se equilibrar nas traves.

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Escolher, explorar, inventar e organizarEm outra aula, propus às crianças escolherem o material para brincar entre os que

foram apresentados anteriormente. Kauã: – Eu quero aquele brinquedo que brilha e que a gente faz piscina. –

criança de quatro anos.

Durante as brincadeiras as crianças se organizaram expontaneamente em diferentes agrupamentos. (crianças do 1º período).

Durante as brincadeiras foi possível perceber parcerias e crianças brincando sozinhas.

Com a intenção de trabalhar estratégias e raciocínios no uso das traves, dividi a turma em três grupos, cada um com um jogo de trave, para realizar o seguinte desafio: montar as traves em linha reta unindo as cores iguais.

Inicialmente, um dos grupos, por mais que se esforçasse, não conseguia organizar as traves conforme solicitação. Foi preciso refazer o trabalho várias vezes. O grupo que fez com mais rapidez tentou por várias vezes ajudar a outra equipe dizendo que as cores não estavam iguais.

Brincando com os colchonetesKayky: – Dá pra virar cambalhota, dá pra nadar, dá até para dormir. Dá pra

gente fazer casinha em pé. – criança de seis anos.

As crinaças exploram colchonetes livrimente ou com a juda da professora.

Depois de muitas tentativas, as traves ficaram alinhadas conforme a proposta.

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Na exploração dos colchonetes, contamos com a diferença da consistência e da textura desse material encorpado, mas macio, o que permite outras descobertas.

A primeira brincadeira que surge é pular nos colchões e cair. Situações que podem parecer engraçadas à professora são para as crianças vivência de desequilíbrio ou quedas sobre as superfícies macias. Enquanto umas se jogam, outras ficam mais recuadas.

Virando cambalhotas!Ao perceber que alguém tenta virar de cambalhota, consideramos que, por

uma questão de segurança, é o momento de parar, explicar como se faz e conduzir o movimento com um apoio:

Ajuntar os pés e flexionar os joelhos; projetar tronco para frente com o qeuixo encostado no peito.

Posição inicial. Execução.

Impulsionar as pernas elevando o bumbum; com o corpo redondinho.

Projetar os braços para frente e voltar à posição inicial.

Brincando com as bolasDemétrius: – Tem de couro, tem de basquete, tem de vôlei. A de futebol é

dura demais. – criança de cinco anos.

As bolas utilizadas são de diferentes tamanhos, cores e pesos, sendo uma para cada criança. Essa é uma oportunidade de apresentar para elas os diferentes tipos de bolas e seus respectivos esportes. Algumas já nomeiam a bola de futebol, futsal, handebol, tênis, ping-pong; outras crianças sabem que são diferentes e têm usos distintos.

Jogar a bola usando as mãos. (crianças do 2º período).

Conduzir a bola com uma das mãos.

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O uso de materiais diversificados, como as diferentes bolas descritas, possibilita às crianças estabelecerem comparações entre tamanho, peso, velocidade. É nesse sentido que nossa concepção é ampla, pois atividades como as descritas abrangem outras esferas de informação, não focam apenas o exercício motor.

Como o uso dos equipamentos vai sendo estruturado e significado com e pelas criançasApós várias experimentações e exploração dos equipamentos livremente, chega a

hora de direcionar seu uso no circuito e em brincadeiras.

A trave de equilíbrio, com o objetivo de se deslocar sobre a superfície de costas (equilíbrio dinâmico).

Alunos do maternal fazendo rolamento para frente.

Corrida do “cotonete” com uso dos colchonetes - uma das brincadeiras que surgiu durante a exploração dos materiais.

Oferecemos colchonetes e observamos as crianças organizarem novos percursos. Elas criaram maneiras muito diferentes de transpor aquele percurso, descobriram situações que, às vezes, o adulto nem imagina serem possíveis. Por isso, as brincadeiras que surgem nos grupos devem, portanto, ser valorizadas. Elas são fruto de uma construção coletiva, dão identidade às crianças e fortalecem a noção de pertencimento ao grupo. Por outro lado, é uma produção que passa a fazer parte do patrimônio cultural daquela escola, gerado pelas crianças.

Experimentando circuitos, vivenciando maneiras diferentes de explorar o corpo e estabelecendo regras para o grupoTemos uma forma de brincar de circuito já conhecida pelo grupo. Quando um novo

percurso está montado, cada um tem que passar de um jeito diferente.

Crianças passando pelo circuito.

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Outra possibilidade é o professor estabelecer o percurso, perguntar como transpor ou como fazer naquela estação. De acordo com seu objetivo, pode demonstrar como as crianças deverão executar os movimentos, observar e fazer intervenções necessárias ao controle da ação.

Na condução do trabalho, a professora também aprende; foram diversas situações elaboradas por ela com o objetivo de promover a ação, a experiência e o desafio pelas crianças.

Desafio de percurso organizado pela professora para as crianças.

Características principais tornadas visíveis• Todo jogo tem regras e conteúdos imaginários. Ora se destacam as regras, ora a

imaginação. No circuito, há a possibilidade de explorar essas dimensões a partir da participação das crianças.

• De uma maneira lúdica e prazerosa, as crianças aprendem a respeitar o tempo do outro, esperar a vez, conhecer suas limitações, suas possibilidades, enfrentar novos desafios e superá-los.

• Os jogos e as brincadeiras abrem a possibilidade de as crianças se arriscarem, observarem, tentarem novamente. A cada tentativa ocorre alguma aprendizagem.

• A vivência dos movimentos e a consciência corporal possibilitam ao indivíduo o conhecimento de seu próprio eu, não só para a infância, mas por toda vida, por meio de interações corporais, mentais, sociais, emocionais, culturais e afetivas.

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Escutar, registrar, refletir: diálogos que provocam

Escutar a criança, por meio da observação de suas ações, movimentos, suas interações, indagações, nos provoca e promove reflexões pedagógicas que, por vezes, podem orientar planejamentos e alavancar proposições cada vez mais ajustados às suas necessidades. Os materiais e artefatos utilizados, suas propriedades permitem e estimulam diferentes usos. Manter-se aberto ao imprevisível, ao inusitado é dar a oportunidade que a criança precisa para criar alternativas genuínas, resolver problemas, relacionar, inventar e reinventar brincadeiras, reconhecer-se, recriar-se.

No projeto descrito anteriormente, a professora organizou situações que vão para além do desenvolvimento de habilidades corporais. A sua abordagem favoreceu a interatividade, a socialização, a cooperação e o desafio físico. Certamente, as crianças aprenderam. Corpo e mente não se separam. O corpo é o ser, conforme Merleau-Ponty (2006),39 ser no mundo, composto pela subjetividade e corporeidade e mediador das relações da criança com o mundo.

Nessa direção, retomamos a questão de que é preciso que as professoras da Educação Infantil tenham intenções claras no sentido de incentivar seus alunos a manterem um corpo/mente saudável para manter suas relações com o mundo. A criança aprende a cuidar de si no interior das atividades diárias, quando acontece a formação de hábitos. De uma maneira geral, aprende-se a cuidar de si, cuidando do outro.

Portanto, não se pode negligenciar que, na Educação Infantil, é fundamental que se ensine as crianças a exploração da corporeidade em situações corriqueiras, como o uso adequado das instalações sanitárias, inclusive mantendo-as limpas para que outras crianças possam usá-las, alimentar-se saudavelmente, desenvolver a autonomia para calçar e vestir-se, aprender a brincar respeitando seus colegas. Se agredir ou machucar o colega, mais que se desculpar, aprende-se a reparar o erro, cuidando daquele que foi agredido.

De acordo com a visão sistêmica, para a sobrevivência planetária, é urgente agir local e pensar global. Aprender a cuidar de si envolve cuidar do outro, sobretudo, seus pares. E, cuidando do outro, cuida-se do ambiente. Sinteticamente, para a nossa sobrevivência, é necessário que as ações pedagógicas na Educação Infantil levem ao aprender a cuidar de si, do outro e do planeta.

39. Para saber mais, consulte: MERLEAU-PONTY (2006).

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Tema 4

A pedagogia da escutaA escuta é uma atitude receptiva por parte dos adultos – gestores, professoras e

auxiliares –, que pressupõe uma disponibilidade para interpretar as mensagens expressas pelas crianças por meio de diferentes linguagens. Nesse sentido, se a criança elabora teorias e hipóteses, então ela é protagonista e participativa, e os verbos mais importantes que guiarão a ação educativa não serão o falar/transmitir, mas sim o escutar/conhecer a infância em suas formas de expressar e se comunicar.

Escutar para agir é atender às necessidades postas pelas crianças e, assim, organizarmos as situações educativas que as levem a conhecer, gerar e articular conhecimentos socioculturais, combinar sentimentos, imagens e pensamentos. Nas palavras de Rinald (2012, p. 124):

Escuta, portanto, como metáfora para a abertura e a sensibilidade de ouvir e ser ouvido – ouvir não somente com as orelhas, mas com todos os nossos sentidos (visão, tato, olfato, paladar, audição, e também direção).

Escuta das cem, das mil linguagens, símbolos e códigos que usamos para nos expressar e nos comunicar, e com os quais a vida expressa a si mesma e se comunica com aqueles que sabem ouvir.

Nesta formação, refletimos e analisamos o modo como a escuta educativa pode interferir e orientar as decisões pedagógicas das professoras, em especial, o valor que elas atribuem ao que a criança deseja, o que ela faz, o que ela consegue produzir, as suas possibilidades, as suas teorias. Se a escolha que o Educador faz se relaciona com esses elementos, consequentemente, não é possível fazê-la à revelia da criança.

Por meio de oficinas e análises de experiências, foram destacados alguns dos objetivos que podem guiar nossa escuta e nossa documentação:

• Dar centralidade à criança no processo educativo escolar;• Reconhecer a capacidade formativa e de crescimento das crianças;• Reconhecer o direito da criança de ser autora de sua aprendizagem;• Valorizar a história individual de cada criança integrada à história do grupo de

pares;• Instrumentalizar o trabalho do professor;• Conhecer as crianças e a nós mesmos;• Avaliar o processo de aprendizagem;• Democratizar a experiência educativa;• Permitir uma releitura e redefinição da relação adulto-criança.Sendo assim, a escuta é motivada e retroalimentada por interesse, por

disponibilidade, por dúvida, por inquietação, por sensibilidade, por curiosidade, por compromisso, por aprendizagem, por respeito e alteridade.

Por meio da escuta, os educadores agem, refletem, narram, representam suas teorias e interpretações, oferecendo-as aos companheiros envolvidos no contexto

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educativo. Trata-se, portanto, de uma postura de compartilhamento e diálogo, em que vários olhares e escutas se encontram na diversidade.

A professora Alcione Gonçalves, de Barão de Cocais, sensibilizada e instigada por essas reflexões, se propôs a registrar um projeto realizado em 2014 e nele destacar sua escuta a fim de voltar-se para a análise desse tema. Seu esforço está evidenciado no projeto a seguir.

No registro que se segue, pode-se verificar a busca da professora em evidenciar o modo como percebeu as crianças, suas necessidades, envolvimento com o trabalho proposto, contribuições, indagações, modos de interagir e compartilhar experiências. Tudo isso foi enfatizado nos encontros desta formação de profissionais da Educação Infantil, destacando a importância de se escutar a criança, tal como ressaltado por Edwards e Gandini (2002, p. 152):

Através da observação e da escuta atenta e cuidadosa às crianças, podemos encontrar uma forma de realmente enxergá-las e conhecê-las. Ao fazê-lo, tornamo-nos capazes de respeitá-las pelo que elas são e pelo que elas querem dizer. Sabemos que, para um observador atento, as crianças dizem muito, antes mesmo de desenvolverem a fala. Já nesse estágio, a observação e a escuta são experiências recíprocas, pois, ao observarmos o que as crianças aprendem, nós mesmos aprendemos.

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Relato de projeto

Alimentação SaudávelAlcione Gonçalves Cruz40

Eliza Aparecida dos Santos41

O contextoEste relato de projeto42 foi elaborado pela professora Alcione Gonçalves Cruz com

a diretora Eliza Aparecida dos Santos da Escola Municipal Pedro Gonçalves, localizada no povoado Córrego da Onça, de uma área rural situada no município de Barão de Cocais. Essa escola atende crianças de quatro a dez anos.

Alcione era professora regente da turma “Prestígio”, no ano de 2014. Uma turma multisseriada, composta por 12 alunos de quatro a oito anos, que compreendem os 1º e 2º períodos da Educação Infantil e os do 2º ano do Ensino Fundamental. Ela ressalta que, nesse contexto, os maiores respeitavam o tempo e o espaço dos menores e, quando necessário, os ajudavam, principalmente na hora do conto e das brincadeiras direcionadas. Na condução do trabalho pedagógico, a professora procurou organizar projetos que atendiam à diversidade da turma.

O projeto destacado aqui foi desenvolvido nos meses de agosto a outubro de 2014. Na finalização, foi realizada uma apresentação para os pais, quando cada criança explicou o que tinha curiosidade em saber no início do projeto e o que havia aprendido com ele.

Como podemos saber se o alimento faz bem à saúde?Ao refletir sobre a alimentação com as crianças, uma delas falou:Criança: – Eu gosto de comer só salada para não engordar.Embora a criança explicite sua preocupação com a estética corporal, quando

diz que não quer engordar, as falas que seguiram estavam mais relacionadas à saúde. Entretanto, comecei a me indagar: qual seria a relação estabelecida pelas crianças entre alimentação e saúde? Pensei, então, que a exploração dessa temática poderia ser um trabalho bastante interessante.

Assim, um projeto sobre alimentação pode favorecer a criação de hábitos alimentares saudáveis, considerando o educar e cuidar como ações complementares que caracterizam o trabalho com a infância.

Com a intenção de escutar o que as crianças pensavam sobre a qualidade da alimentação, a importância dos alimentos saudáveis e os efeitos deles à nossa saúde, convidei-as para uma roda de conversa. A partir da minha indagação sobre o que é bom e o que não é para comer, elas listaram:

– Salada de frutas;– Biscoitos;

40. Formada em Pedagogia e Pós-graduada em Psicopedagogia, leciona há 13 anos na Escola Municipal Pedro Gonçalves, em Barão de Cocais.

41. Formada em licenciatura básica para Ensino Fundamental UFOP.

42. Sobre projetos de trabalho, leia no tema Projetos desta publicação, em que perceberá a distinção do modo como o projeto relatado foi organizado e a concepção de “Projetos” discutida nesta formação. O projeto aqui registrado foi realizado em momento anterior ao grupo temático 5, mas é pertinente nesta publicação como ilustração das reflexões sobre a Pedagogia da Escuta.

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– Hambúrguer;– Pizza;– Sucos naturais; – Sucos de pacotes; – Pastel.Com essa lista, ficou evidente que as crianças enumeraram o que gostavam de

comer e não necessariamente a relação dos alimentos com a saúde. Conduzi, então, a conversa com elas para o que é saudável e faz bem e o que, mesmo sendo gostoso, pode fazer mal para nossa saúde. Selecionei imagens de alimentos tendo como referência aqueles feitos pela nossa cozinheira na escola e o que as crianças disseram que comem em casa. Propus-lhes que separassem os alimentos em dois grupos: o que é saudável e não saudável.

As próprias crianças começaram a dar sugestões sobre o que elas mais gostavam de comer e o que era muito doce e gorduroso. Comentaram sobre familiares obesos e hipertensos:

Criança: – Professora, minha vó é gorda e tem pressão alta. Considerando as realidades de escola rural e famílias com menos contato com livros

e revistas, responsabilizei-me por fazer pesquisas informativas e trazer para os alunos materiais que ampliassem nossas discussões. Além disso, propus-lhes que perguntassem para os conhecidos e familiares o que sabiam sobre esse tema. Depois de coletarmos as informações, registramos o que foi falado no quadro.

Para termos melhor visibilidade das nossas questões e do desenvolvimento de nossa pesquisa, fizemos uma roda de conversa diante do mural e fixamos nele alguns títulos para pesquisarmos ao longo do trabalho. Minha intenção com essa documentação era dar visibilidade às intenções, intervenções e aos saberes construídos com o grupo.

O mural é um dos suportes que utilizamos para tal fim. A participação das crianças em sua composição foi fundamental para a compreensão e o envolvimento com o Projeto. Assim, combinamos de organizar as nossas questões, separando-as da seguinte maneira: O que sabemos? E o que queremos saber?43

Na montagem do painel, as crianças discutiram sobre sua organização e fixaram as informações. Nós intitulamos o Projeto de Qualidade de vida, saúde e nutrição.

Dois alunos, um de oito e outro de cinco anos, montando painel sobre o projeto Qualidade de vida, saúde e nutrição.

43. Essas perguntas são típicas de um determinado referencial teórico distinto do estudado nesta formação no grupo temático 5.

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Selecionando e classificando as informaçõesEm uma roda de conversa, apresentei às crianças a Cartilha do MEC sobre alimentos

saudáveis do Sítio do Pica-Pau Amarelo, que citava os hábitos alimentares do Sítio, seguindo as receitas de Dona Benta. Após a conversa, partimos para informações e esclarecimentos dos alimentos saudáveis.

As crianças começaram a comentar como era a alimentação em casa e questionaram se ela estaria adequada. Perceberam que, na escola, a merenda oferecida é saudável e que eles poderiam fazer da mesma maneira em casa.

Fragmentos desse diálogo:Criança: – Lá em casa a gente come muita carne e arroz.Criança: – Eu não gosto de comer salada. Nossas rodas de conversas passaram a acontecer sempre em frente ao painel,

quando fazíamos leituras, acrescentávamos e alterávamos as informações.

Roda de conversa e organização das informações no mural.

As crianças de oito anos questionaram qual a caloria dos alimentos e quais vitaminas têm as frutas e verduras. As de seis anos queriam saber qual a diferença entre verduras e legumes. As de quatro anos queriam saber se hambúrguer e sorvete fazem mal à saúde.

Com a intenção de favorecer que uma criança aprendesse com a outra e promover trocas, coletivizei as dúvidas dos maiores e conduzi o diálogo procurando responder-lhes algumas questões.

Com os conhecimentos adquiridos em livros e nas discussões das rodas de conversa, chegamos a algumas definições sobre os alimentos que, se comermos em excesso, podem não fazer bem à saúde e quais poderiam ser comidos para termos uma alimentação mais saudável.

Cada um tem um gosto: conhecendo as preferências As crianças começaram a manifestar as preferências e resistências alimentares. Nem

sempre o saudável era do agrado de todos. Aproveitando os conhecimentos prévios de algumas crianças sobre gráfico, propus-

lhes a construção de um para representar as preferências em relação às frutas, legumes e verduras.

Cada criança escolhia uma figura da fruta de sua preferência e a colava no gráfico, construindo, progressivamente, as colunas.

O mesmo aconteceu com os legumes e as verduras preferidas.

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Montando o gráfico de legumes e verduras.

Brincadeira: A viagem dos alimentosMais uma vez, enfatizando o cuidar, educar e brincar como referência estruturante

do trabalho, apresentei às crianças jogos e brincadeiras com a temática do nosso Projeto.Inventei uma brincadeira de viagem imaginária. Em roda, fiz um barco de papel e

fichas com o nome das crianças. Definimos o destino: Rio de Janeiro. Em seguida, uma criança escolhia um colega e pegava a ficha com o nome dele. O escolhido deveria falar o nome de uma fruta ou verdura para ser levada com ele. Dessa maneira, seu nome era colocado no barco e ele passava a participar da viagem até que todos estivessem a bordo.

Criança: – Adoro viajar nesse navio porque só têm alimentos saudáveis, já que me preocupo muito com meu corpo e não quero ficar gorda igual à vovó.

Cada aluno escolheu um colega para viajar e falar um alimento saudável que levaria para viagem.

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Montando uma pirâmide alimentarEm outro momento, apresentei às crianças a pirâmide alimentar. Conversamos sobre

cada uma das suas partes: carboidratos, frutas e verduras, laticínios, carnes e gorduras e também a indicação da quantidade adequada de alimentos que devemos ingerir.

Em seguida, os alunos desenharam esses alimentos e montamos uma pirâmide de acordo com as novas informações.

Alunos montando a pirâmide com o desenho dos alimentos.

Experimentando novos saboresPara aguçar o paladar das crianças, propus a elas uma receita usando abacaxi.

As crianças foram à cantina para preparar o suco da polpa da fruta. E, no dia seguinte, reaproveitando a casca do abacaxi, fizemos o brigadeiro de abacaxi. Enquanto experimentavam a nossa produção, disseram:

Criança: – Como é gostoso o suco e não tem açúcar.Criança: – Minha mãe faz brigadeiro com chocolate e não coloca abacaxi.

Revendo o percurso, divulgando as descobertasComo uma forma de síntese do Projeto e

tratamento das informações exploradas, elaboramos um jogo de trilha contendo perguntas sobre o tema estudado. A cada rodada, o jogador era desafiado a responder a uma questão e, somente assim, poderia jogar o dado novamente e deslocar-se pela trilha.

Na finalização do trabalho, propus-lhes que apresentassem o Projeto para as famílias. Para isso, construímos um convite. No dia combinado, cada uma explicou o que havia aprendido sobre alimentação saudável. Depois, convidaram algumas pessoas para participarem da trilha. As crianças jogavam o dado e os participantes respondiam às perguntas de acordo com o que foi apresentado por elas. Ao final, servimos para a comunidade escolar o suco e o brigadeiro de abacaxi.

Crianças brincando com o jogo de trilha elaborado por elas.

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Receitas trabalhadas

Suco com a polpa do abacaxi

Ingredientes:1 abacaxi1 litro de água filtrada

Modo de preparo:Lavar bem o abacaxi e descascá-lo. Depois colocar a polpa

do abacaxi e a água no liquidificador e bater bem.Sirva o suco em seguida.

Brigadeiro de casca de abacaxi

Ingredientes:Casca de um abacaxi1 lata de leite condensado1 colher de manteiga

Modo de preparo:Bater a casca e o leite condensado no liquidificador;

depois colocar a manteiga em uma panela e levar ao fogo até o conteúdo se desgrudar da panela. Depois de esfriar, untar as mãos com manteiga e enrolar o brigadeiro.

Características principais tornadas visíveis• Na hora da merenda, uns começaram a cobrar dos outros hábitos saudáveis, ou

seja, observando no prato do colega se ele estava comendo verdura ou não.• Nos horários de alimentação, as crianças passaram a questionar qual seria a

parte da pirâmide em que encaixaria o que eles estavam comendo.• Ao retomar os objetivos do Projeto, uma das indagações era sobre a imagem

corporal. Percebi que as crianças conseguiram compreender que, para ter um corpo saudável, depende dos alimentos que comemos.

• Neste Projeto, a participação e valorização do trabalho pelas famílias foi fundamental. Assim, foi possível falar com os pais sobre o processo de ensino-aprendizagem que acontece na escola e essa é uma maneira de dar visibilidade às nossas práticas.

• Alguns pais elogiaram a iniciativa e pediram cópias das receitas para casa.• O envolvimento e a participação das crianças foram pontos fortes deste

trabalho. • Desenvolveu-se um processo contínuo de resolução de problemas, em que as

ideias das crianças eram escutadas e algumas colocadas em prática, além do confronto de suas hipóteses e conhecimentos prévios. Tudo isso em ambiente de respeito e consideração.

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Escutar, registrar, refletir: diálogos que provocam

Após várias análises desse relato e a progressão no processo de reflexões temáticas que esta formação propôs, outras características foram identificadas ou mesmo vistas como potentes, embora não estivessem relatadas de modo evidente:

• Desenvolveram-se atividades que possibilitaram, para alguns alunos, aprofundamento de conhecimentos prévios; para outros, o contato inicial com novas linguagens. Essas diferenças e trocas ajudaram as crianças na construção de conhecimento, mesmo que ele não esteja descrito ou enumerado neste registro.

• O painel serviu de registro coletivo, elaborado de modo conjunto. Nesse contexto, a participação e a elaboração dos recursos interpretativos das crianças poderiam ter sido estimuladas, acompanhadas e explicitadas.

• A exploração e representação das informações por meio de gráficos foi uma forma de utilizar e valorizar a linguagem matemática e imagética. A sua presença em diversos meios de comunicação (jornais, revistas, internet) poderia ter sido explorada, favorecendo, assim, o contato e a ampliação de conhecimentos pelas crianças, além de podermos interpretar as informações que registramos com facilidade e rapidez.

• Evidenciou-se que o planejamento de um projeto não pode determinar, no início, todo o percurso de investigação a ser seguido; que o passo seguinte, vivido pelas crianças, está estreitamente relacionado ao anterior, e toda a imprevisibilidade é inerente aos seus modos de pensar e agir.

A leitura deste Projeto nos permite acompanhar o esforço da professora em diversificar as maneiras de abordar e tratar as informações diante de um grupo multisseriado, com a exploração de textos escritos e imagéticos, textos informativos e instrucionais, relatos de experiência e de hipóteses, construções de gráficos e de jogos, realização de receitas e apresentação oral dos conhecimentos. Há, portanto, a criação de contextos em que as crianças puderam, ao seu modo, explicitar suas ideias sobre alimentos e saúde, suas aquisições e indagações.

Trata-se de um percurso educativo em que a criança teve vez e voz. Ela foi considerada capaz de contribuir e interferir em sua aprendizagem, na dos colegas e da professora. Além disso, foi valorizada em sua individualidade sem perder de vista a sua integração no grupo.

As famílias foram envolvidas na medida em que as crianças trouxeram para a sala relatos sobre o modo de vida, os hábitos e as culturas em torno do alimento. Elas também participaram da apresentação do Projeto ao final do estudo, jogando, fazendo perguntas e respondendo-lhes, degustando alimentos feitos especialmente para elas.

A grande lição que fica deste Projeto é que não somente as crianças foram aprendizes, mas também a professora.

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Tema 5

Avaliação e documentação pedagógicaAvaliação é um tema recorrente na formação de professores da Educação Básica,

mas vem ganhando mais relevância na Educação Infantil, especialmente com a sua crescente oferta. Considerando que há diferentes concepções e modos de se realizá-la, a novidade aqui é a documentação e o modo como esse conceito se inter-relaciona, integra, complementa a avaliação.

Defendemos a ideia de implementar na escola uma avaliação que seja verdadeiramente formativa, não somente para a criança, mas também para seus pais e professoras. Sendo assim, o desafio é romper com a avaliação cujo propósito é dar uma nota ou classificar uma criança. Diferentemente disso, propomos uma avaliação que orienta as crianças para a realização de seus trabalhos e de suas aprendizagens, ajudando-as a localizarem suas dificuldades e potencialidades, redirecionando-as em seus percursos. Trata-se de uma avaliação que ajuda a criança a aprender e o professor a ensinar. Para isso, observamos, registramos e analisamos os percursos educativos, a fim de compreender o vivido e obter dados que direcionem os próximos passos para a progressão do trabalho pedagógico e a trajetória da criança.

Com essa visão, chamamos esses registros de “documentação”, tal como indicado por Edwards e Gandini (2002, p. 151):

A documentação constitui uma ferramenta indispensável para que os educadores possam construir experiências positivas para as crianças, facilitando o crescimento profissional e a comunicação entre os adultos. A documentação serve para confirmar algo que nós consideramos relevante: dar prova disso e comunicá-lo.

Nessa concepção de avaliação, não cabem professores que trabalham isolados, que não partilham suas experiências, que não se sintam pertencentes a uma comunidade educativa. Ao contrário, devem descobrir formas de se comunicar e documentar as experiências evolutivas das crianças na escola. Devem preparar um fluxo constante de informação de boa qualidade dirigida aos pais, mas apreciada por crianças e professores. (EDWARDS E GANDINI, 2002, p. 153, apud MALAGUZZI, 1998, p.69-70).

Nesta formação, apresentamos algumas alternativas que utilizamos no trabalho da Educação Infrantil da Escola Balão Vermelho para registrar as observações que fazemos do percurso educativo das crianças nas dimensões individual e coletiva. Além das anotações das professoras, também analisamos fotos e videogravações de situações preciosas que revelam o vivido pelas crianças, objetos e falas que representam descobertas, jeitos de pensar, de se desenvolver, os comportamentos, reações e preferências.

A ideia foi demostrarmos como tudo isso nos auxilia na interpretação e aproximação dos significados que as crianças atribuem às suas ações e produções, bem como seus processos de socialização e aprendizagem.

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Para produzir a documentação na dimensão individual, que chamamos de “Portifólio individual”, o ponto de partida é a imagem da criança como um sujeito capaz de conhecer, gerar e articular conhecimentos socioculturais. Esse processo acontece em um contexto interativo que valoriza as linguagens e expressões próprias da infância, que promove laços de amizade entre seus pares e fortalece o vínculo afetivo com os adultos da escola.

Mantendo sempre uma postura investigativa, aberta, criativa e afetiva, a professora se empenha em produzir registros que revelem e possibilitem às crianças reconhecimento de seus desafios e conquistas, e às famílias apresentar narrativas – imagéticas e escritas – mostrando-lhes a importância desses momentos.

Além do Portifólio individual, apresentamos como potencial documentação qualquer registro que contribua para a compreensão das experiências pedagógicas e seus significados para crianças e adultos. Entre eles, mencionamos: murais das salas, corredores, pátios da escola, materiais e objetos diversos, quadro da sala, circulares e bilhetes, notícias das turmas, material discutido em reuniões de pais, produções da professora.

Toda essa documentação serve para fundamentar os processos de desenvolvimento das crianças e auxiliar os educadores na compreensão dos significados atribuídos por elas às suas próprias produções, pois toda a organização do material é feita de modo compartilhado. Assim, a criança lê a documentação que ela própria produziu e a que foi produzida sobre seu trabalho pela interpretação da professora.

No tratamento dessa temática, nos encontros de formação, analisamos essa variedade de documentos, discutindo, em especial, como podemos conduzi-lo das margens para a centralidade do processo educativo, tornando-o potente instrumento de formação e comunicação.

As professoras cursistas trouxeram fotos e relatos de suas práticas, que foram analisados e trabalhados na dimensão aqui proposta. Em pequenos grupos e coletivamente, imagens e memórias foram tomando forma, revelando ao grupo o que antes estava circunscrito a uma classe ou apenas a um profissional.

Ao longo deste Projeto, percebeu-se a sensibilização e o encorajamento de profissionais que, aos poucos, traziam seus registros para socializar, fragmentos de vida em forma de textos, que eram apresentados ora com orgulho, ora com certa timidez. Mas sempre com a coragem e ousadia de tentar se reinventar e fazer diferente.

É isso que pretendemos e defendemos quando trazemos para esta formação a proposta de documentação. Afinal, valorizamos, e muito, a história de cada criança integrada à história do grupo de pares, que também é mediada por nós – professoras, auxiliares, coordenadoras e diretoras. É também uma maneira de valorizar o trabalho pedagógico, a autoria e autonomia das professoras, sua dimensão subjetiva, pessoal e profissional.

Nos encontros dessa temática e ao longo do processo de registros propostos, ficou evidente o quanto as professoras em formação se mobilizaram com essa ousada prática de documentar episódios e detalhes do cotidiano escolar. O que inicialmente foi nomeado por elas como um grande incômodo e impossibilidade, após muitas reflexões e interlocuções com outras temáticas, fotografar, anotar e filmar passou a fazer parte das intenções das professoras.

Vale ressaltar aqui o quanto as professoras em formação se mobilizaram e inquietaram com essa concepção e sistemática de trabalho – prestar atenção, documentar, descrever e analisar detalhes do cotidiano escolar.

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Apresentamos a seguir dois registros de práticas. O primeiro aborda um percurso didático que a professora Vânia Barbosa Carvalho, de Barão de Cocais, se propôs a conduzir, pela segunda vez, para nele vivenciar a documentação.

Mais que problematizar a questão de reviver uma experiência, o que acolhemos é o investimento da professora em documentar sua escuta, em capturar imagens, em analisar e planejar sua prática a partir dessas ações.

O segundo, elaborado por Eduarda Diniz Mayrink e Elaine Neide Silva Paulo, de Rio Piracicaba, revela o movimento de crítica da prática de registro realizada até o momento da formação e o desafio de experimentar alternativas, bem como a análise da repercussão disso para as crianças, as famílias e para a própria formação.

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Mini-história

O trabalho pedagógico compartilhado: a força da parceria

Vânia Barbosa Carvalho44

Élida Soares Silva45

O contextoEsta mini-história foi elaborada a partir de uma conversa entre a gestora Élida Soares

Silva e a professora Vânia, da Escola Municipal Trenzinho da Alegria, também conhecida por Núcleo Infantil Recanto Feliz. Essa escola fica localizada no município de Barão de Cocais e as crianças que a frequentam estão na faixa etária de três a doze anos.

Em uma conversa com a gestora Élida, Vânia relata um momento em 2004, como professora de crianças de três anos, em que compartilhou com uma colega as propostas pedagógicas que ela desenvolveria em seu trabalho. Sua colega, na ocasião, escutava, criticava, sugeria, colocando-se como parceira nesse planejamento.

Vânia acolhia as contribuições e repensava suas ações. Embora procurasse assumir uma atitude reflexiva, sua escuta com as crianças - para ajustar cada vez mais as atividades às vivências junto delas - não era seguida de registros escritos e fotográficos. A professora enfatiza que ela e as crianças aprenderam muito e que foi uma ótima experiência. Salienta ter saudade dessa época quando, ao planejarem as aulas, consideravam as expressões e manifestações da criança. Mas, com a ausência de documentação, muito do que foi vivido se perdeu na memória. Hoje, diz que aprendeu nesta formação que esse “olhar” sobre a prática e os processos da infância devem ser repensados todos os dias e registrados no cotidiano escolar.

Vânia relata que, no Maternal III, as crianças estão dispostas a muitas descobertas, além da aquisição e ampliação da linguagem oral. Sendo assim, ela procurou considerar outras linguagens, como as visuais, teatrais e musicais.

Diante do desafio do registro dessa experiência, Vânia percebe a importância de um olhar sensível e escuta atenta das crianças e a falta do registro mais significativo de ações praticadas e vivenciadas. Esses registros possibilitariam representar e identificar os percursos educativos das crianças no cotidiano escolar. Contribuiriam ainda para intervenções e aprimoramento das aulas, valorizariam o potencial dos alunos na construção dos saberes nas diversas atividades propostas. Mesmo com poucos dados específicos, a professora construiu um portfólio de desenvolvimento individual do aluno, que foi apresentado aos pais em reuniões pedagógicas.

Entretanto, ao longo dessa entrevista e com a proposta de escrita de uma mini-história, deparamo-nos com indagações feitas tanto pelas parceiras nesta produção, quanto por nós, em função das novas discussões estabelecidas nesta formação.

Diante disso, decidimos realizar novamente intervenções antes feitas na primeira experiência, a fim de apurarmos nossa escuta, experimentarmos diferentes registros

44. Formada pela UNIPAC em Normal Superior e Pós-Graduada em Educação Infantil pela FINOM, a Professora Vânia Barbosa Carvalho completou uma década lecionando na rede municipal de educação de Barão de Cocais, na Escola Municipal “Trenzinho da Alegria”, onde atua há sete anos na Educação Infantil.

45. Formada em Pedagogia e Normal Superior pela UniPac, atua na coordenação da Núcleo Infantil Recanto Feliz.

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e coletar dados que pudessem enriquecer esse novo relato e especialmente a nossa formação. Embora com a mesma professora (Vânia), as crianças dessa segunda experiência são mais velhas, têm cinco anos e estão no 2º período.

Compreendemos as limitações e complexidade da nossa escolha, mas, naquele momento, a intenção era experimentar na prática os pressupostos teórico-metodológicos apresentados e discutidos na formação do grupo temático 2: Avaliação e documentação pedagógica e pedagogia da escuta.

Aqui, além da riqueza da experiência pedagógica, pode-se verificar a postura e disposição da professora para as mudanças que esta formação de profissionais da Educação Infantil pretendeu, especialmente, no que diz respeito à documentação e avaliação.

Sabe-se que os registros representam uma escolha entre muitas outras. Ao realizar a documentação que segue, Vânia demonstra envolvimento com sua prática e com seu percurso de amadurecimento profissional, e, ao mesmo tempo, um olhar diferenciado e cuidadoso para as crianças: seus avanços e desafios.

Do improviso à intenção: um caminho de parceria e reflexão que deu certoA necessidade de reformar a nossa escola em 2004 nos trouxe uma situação de

improviso ao juntarmos duas turmas de Educação Infantil. O espaço físico da sala do maternal era pequeno para cerca de trinta crianças na faixa etária de três anos. Inicialmente, foi um grande desafio. Até então, não tínhamos vivido essa experiência com tantos alunos e duas professoras na mesma sala.

A docência compartilhada com a professora Vilma,46 uma colega de trabalho, nos deu oportunidade de explorar, orientar, escutar e avaliar no dia a dia o percurso pedagógico, tanto meu quanto das crianças. Essa parceria favoreceu algumas discussões proveitosas.

A troca de experiência deu muito certo. Enquanto contávamos uma para a outra sobre o que pensávamos e proporíamos, tínhamos a necessidade de esclarecer e justificar as escolhas, os passos seguintes, o modo como direcionaríamos as atividades e organizaríamos as crianças nesse novo ambiente.

Dessa forma, conquistamos um pouco mais de autonomia nas decisões e na organização do espaço físico. De uma situação inesperada, provocada pela reforma da escola, descobrimos que a intenção da professora é um diferencial no trabalho pedagógico.

Com o término da reforma, quase ao final do ano, voltamos às salas de origem. As crianças choravam, pois não queriam se separar. Continuaram trocando ideias e visitando os colegas. Logo descobriram que, para haver trocas, não é necessário estar no mesmo espaço físico todo o tempo.

No ano seguinte (2005), eu recebi as duas turmas unidas. Algumas crianças foram para outra escola, outras chegaram. Pude observar as diferenças entre aquelas que haviam vivenciado essa experiência compartilhada com outra professora e as novatas. As crianças contavam as histórias vividas aos colegas recém-chegados. Nossas visitas ao pomar eram diárias e, com um regador pequeno, jogávamos água nas plantas. Alguns pais se envolveram na revitalização do jardim, enviando mudas de outras espécies.

Em 2014, propus novamente parte dessa experiência para crianças de cinco anos, do 2º período. Dessa vez com mais intenção e menos improviso. Para recriar um contexto

46. Vilma Teixeira da Conceição é formada pela UFOP e atua na Rede Municipal há 18 anos na Educação Infantil e no Ensino Fundamental.

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de aprendizagem, trouxe para sala acerolas, com a intenção de desencadear uma conversa sobre germinação das plantas relacionada aos cinco sentidos, destacando cores e sabores.

Mediante a curiosidade das crianças nas rodas de conversa, quando me perguntavam se eu tinha dado aula para os seus irmãos ou primos e querendo saber o que faziam e como a escola era antes de eles chegarem, contei-lhes sobre o Projeto.

Consciente de que essa oportunidade poderia gerar momentos para aprendizagem, resgatei essa história com o intuito de trabalhar temas propostos no Planejamento Anual do 2° período. O que deu certo no passado poderia ser resgatado, porém, com aprimoramento de registros fotográficos, filmagens, textos, bem como atenção às especificidades do novo grupo de crianças.

Professora: – Eu trouxe algumas sugestões para podermos aprender um pouco sobre as plantas. O que vocês acham?

Lucas: – Todos os dias, pego acerola na casa do vizinho Juarez.

Sophia: – Eu quero conhecer outras plantas da escola.

Milenia: – Eu queria plantar. Pedro Lucas: – Vou pedir planta pra minha

avó. Professora: – Vocês sabem como uma planta se

desenvolve? Lucas: – Com uma semente e terra. Professora: – Vocês sabem como nasce uma

planta? Lorrane: – Da semente da laranja. Daniel: – A laranja tem vitamina C, não é

verdade, professora? Sophia: – Com ajuda do sol e da água. Professora: – De onde vêm as sementes e os

frutos? Pedro Lucas: – Da outra árvore. Professora: – O que uma planta necessita para

crescer e viver? Sophia: – Água. Lucas: – Sol. Professora: – Depois desse passeio, o que vocês

observaram ao redor da escola? Milenia: – Árvores. Pedro Lucas: – Passarinhos. Professora: – Eu trouxe algumas sementes que

podemos plantar e cuidar.

Alunos do 2° período, crianças de cinco anos, com a professora Vânia, aprendendo a poesia: A sementinha, do autor João Ccarlos de Mello Souza.

Professoras Vânia e Vilma visitando o pomar com os alunos.

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Dias depois, plantamos mudas e sementes dessa fruta no pomar da escola. Desde então, cuidar da terra e regar as mudas passaram a fazer parte da nossa rotina.

Porém, quando já estavam crescidas, depois de uma chuva de granizo, restou apenas uma que estava em um vaso, protegido por um telhado e que, posteriormente, foi replantada na revitalização do jardim.

O tema foi explorado sob diferentes possibilidades. Algumas delas registradas em cartaz. Nas conversas entre as crianças, pude escutar suas ideias sobre as características dessa fruta, seus benefícios para a saúde concentrados na polpa:

Dilan: – A laranja é grande e a acerola é pequena.

Enzo e Kaique: – O suco de acerola ajuda para não tossir, passar mal e ficar com febre.

Enzo: –A cor da acerola é vermelha, parecida com a amora.

Kaique: – Também é igual à maçã. Enzo: – Ela é gordinha e tem muita

vitamina. Dilan: – É tipo goiaba. É mesmo,

por dentro é vermelha. Em sala, enquanto as crianças bebiam

o suco que ajudaram a preparar, uma delas observou:

Kaique: – O gosto do suco de acerola é igual ao gosto do suco de laranja, o caldo é igual.

Crianças bebendo o suco de acerola que ajudaram a fazer com a professora.

Registro das crianças em cartaz.

Crianças cuidando das mudas e sementes plantadas.

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Levei as crianças para plantar as sementes, observar os jardins, ver bichos, sentir o vento. Esse contexto favoreceu discussões sobre o uso da água e o cultivo de uma planta frutífera.

Além da muda plantada no pomar, observaram uma antiga árvore de acerola. Em seguida, foi proposto às crianças desenhá-la.

Crianças desenhando o pé de acerola.

Os desenhos foram expostos no mural da escola para que outras turmas apreciassem os trabalhos.

Enquanto realizavam suas representações, comentavam umas com as outras:Nathiely: – Eu fiz o galho, ele é de pau e fiz muitas acerolas vermelhas. Milenia: – Eu fiz a acerola vermelha porque ela tá boa, ela tá doce.

41 Essas perguntas são típicas de um determinado referencial teórico distinto do estudado nesta formação no grupo temático 5.

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Desenhos dos alunos expostos no mural.

Ao longo das semanas seguintes, as crianças brincaram de trilha dos sabores, fizeram uma adaptação da música “Une-duni-te salamé minguê”, acrescentando quem come acerola é você. Escutaram e declamaram a poesia “Folhinha verde”, da autora Marieta Leite, além de fazerem pinturas de frutas e plantações.

Durante dois meses, acompanhamos as transformações da muda de acerola plantada no pomar:

Enzo: – A flor nasce, a acerola sai e fica verde, depois ela vai ficando vermelha... vermelha...

A muda cresceu. Das raízes nasceu o tronco, flores e frutos. Continua no jardim da escola como a representação desse trabalho das crianças e das professoras que, juntas, sensibilizaram a escuta, o olhar para seus alunos e suas inúmeras possibilidades.

Continuo com a vontade e o interesse de compartilhar esse trabalho com pessoas dispostas a recebê-lo, que prezam a educação e o respeito ao próximo.

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Escutar, registrar, refletir: diálogos que provocam

Neste trabalho, ressaltamos a disponibilidade, o empenho e o investimento da professora Vânia em resgatar uma experiência que já havia sido vivenciada no passado, sem os registros propostos nesta formação, para novamente fazê-los, só que agora experimentando a grande contribuição da escuta e desses registros, trazendo-lhe novas aprendizagens para a sua prática em sala de aula.

Como contribuição ao enriquecimento do Projeto, à medida que as versões da mini-história nos chegavam, devolvíamos o trabalho à professora com algumas indagações: O que as crianças disseram sobre isso? Por que propôs essa situação? Baseada em que leitura do grupo você escolheu tal intervenção? Qual foi a reação das crianças diante disso ou daquilo?

Ao longo da revisão desta documentação e na interlocução com a professora, à luz da teoria abordada, foram identificados e analisados diferentes aspectos relacionados à linguagem escrita. Alguns tornados visíveis intencionalmente pela professora; outros que poderiam ser mais explorados, se potencializada a sua prática. Esse é um dos objetivos desta formação.

Portanto, no trabalho da escuta, do registro e da reflexão, faz-necessário não apenas em fotos e frases sobrepostas ditas pelas crianças, mas, fundamentalmente, relacioná-las, conectá-las, situá-las ao contexto em que emergiu, problematizá-la, significá-la, descrevê-las de tal modo a fazê-las “falar” sobre o vivido para além dos fatos imediatamente percebidos. Atribuir significado, reconhecer sua potência não somente para a professora, mas também para os pais e, principalmente, para as crianças.

Essa mini-história representa um primeiro salto para uma experiência que encoraja novos olhares e investimentos em documentação que, aos poucos, vão se desenvolvendo, se fortalecendo e se impondo como rica ferramenta de trabalho e formação docente.

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Relato de projeto

O que o professor aprende quando documenta o cotidiano com as criançasEduarda Diniz Mayrink47

Elaine Neide Silva Paulo48

O contextoA escola Municipal Murillo Garcia Moreira atende crianças de Educação Infantil de

quatro a cinco anos, que possuem uma rotina planejada de acordo com um currículo definido pela escola, a partir de estudos realizados com o grupo de professores que atuam nessas turmas.

A situação educativa aqui relatada foi realizada no primeiro semestre de 2015. Tem como principais autoras a coordenadora pedagógica Eduarda Diniz Mayrink e a professora das crianças de cinco anos, Elaine Neide Silva Paulo, de Rio Piracicaba.

A prática de sala de aula e as aprendizagens cotidianas, como planejamento e reflexão, já eram registradas pelas crianças em um caderno de atividades, cujo principal objetivo era ser um meio de comunicação entre criança, escola e família.

A partir desta formação para Educação Infantil, ampliamos o conceito e o entendimento da documentação pedagógica com um enfoque reflexivo e com a intenção de dar maior visibilidade aos costumes e interesses das crianças e das mediações realizadas pela professora. Desde então, modificamos a maneira de registrar os processos vividos pelas crianças, suas experiências e as estratégias utilizadas no processo de aprendizagem.

Hoje, o nosso modo de registrar ampliou muito. Utilizamos vídeos, fotos, produções dos alunos, falas das crianças, registro das interações entre elas. A nossa comunicação com a família também foi aprimorada. Tornar visível o processo de aprendizagem e as estratégias de cada criança possibilitou a leitura, a revisão e avaliação do tempo e espaço da sala de aula como parte integrante do cotidiano. O caderno do aluno ainda é utilizado, mas outras formas de documentar ganham espaço. Passamos a anotar o que falam as crianças, registrar, gravar, fotografar como forma de representar fragmentos de uma memória que, aos poucos, torna-se objetiva no cotidiano das atividades realizadas dentro e fora da sala.

Muitas vezes, para que as crianças tenham aprendizagens significativas,49 precisamos planejar a forma de avaliar e documentar as experiências realizadas. Como exemplo da documentação que estamos realizando atualmente, registramos uma pesquisa realizada na classe das crianças de cinco anos.

Dentro da rotina da classe, realizamos projetos em sala de aula. Planejamos várias atividades e formas de documentar a partir das pesquisas, leituras, discussões em

47. Licenciada em Pedagogia pelo IES/FUNECE João Monlevade. Especialista em Psicopedagogia Institucional pela Universidade Castelo Branco, RJ.

48. Professora da classe de Educação Infantil de cinco anos, formada em Magistério de 1º grau – 1º ao 5º ano, na Escola Estadual Antônio Fernandes Pinto, em Rio Piracicaba.

49. Para saber mais, consulte: COLL (1994).

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sala, visitas à biblioteca da escola realizadas pelos alunos. O interesse e o estudo pela metamorfose das lagartas foram um episódio que mereceu destaque.

A metamorfose das lagartasSemanalmente, vamos à biblioteca da escola onde os alunos têm a oportunidade

de escolher livros para folhearem. O interesse pelas borboletas iniciou durante uma dessas visitas.

No acompanhamento das aprendizagens, registrei falas, observações e comentários das crianças durante as pesquisas. As reflexões, após as atividades e os relatos dos pais, eram enviadas para casa em formato de “notícias”.

Crianças na biblioteca pesquisando sobre a metamorfose da lagarta.

Crianças na biblioteca pesquisando sobre a metamorfose da lagarta.Estávamos desenvolvendo na classe o Projeto “Pequena enciclopédia de

curiosidades dos animais”. Na biblioteca, os alunos buscavam informações sobre animais e suas características. Durante a pesquisa, uma das crianças trouxe uma imagem da metamorfose da lagarta e muito curiosa perguntou:

Maria Fernanda: – Professora como é que a lagarta vira borboleta? Ao escutar o diálogo, outras crianças se aproximaram e mostraram curiosidades

sobre o assunto.Luis Davi: – Eu também quero saber!Professora: – Que tal a gente pesquisar sobre isso? Fizemos uma lista de animais que poderíamos pesquisar e a decisão de começar

pela borboleta foi unânime.Inicialmente, conversamos com as crianças em relação às informações:Professora: – O que sabemos sobre as borboletas? Maria Fernanda: – Ela tira néctar da flor. Professora: – E como você descobriu que ela tira néctar da flor? Maria Fernanda: – Eu vi na televisão. Vitor Hugo: – A borboleta tem língua comprida. Eu vi no desenho! Professora: – Por que a língua dela é comprida? Você sabe me dizer? Vitor Hugo: – Para puxar o néctar da flor. Luís Davi: – A lagarta vira borboleta. Professora: – Antes de virar borboleta, o que ela é? Luis Davi: – Ela é uma larva. Professora: – Alguém aqui sabe o que é uma larva? Alunos: – Não!

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Luis Davi: – Será que é da terra? Professora: – Agora o que vocês querem saber sobre a borboleta? Pedro: – O que as borboletas comem? Mariana: – Quais as cores? Como a lagarta vira a borboleta? Ela tem

que ter a mesma cor que a borboleta? Quanto tempo vive a lagarta e a borboleta?

Vitor Gabriel: – E quanto tempo a lagarta leva para virar borboleta?

Uma das primeiras ações foi selecionar textos e informações que chegavam até as crianças por meio de pesquisas e leituras realizadas por mim.

Após alguns dias, no início da aula e durante uma reunião de pais que aconteceu durante a realização do projeto, recebemos relatos das famílias de como a experiência estava chegando a casa.

Assistimos a vídeos com imagens e explicações da metamorfose. Organizei materiais na sala de aula para que as crianças pudessem acompanhar a transformação da lagarta em borboleta e, dessa maneira, compreender melhor todo o processo.

Em sala, tiveram a chance de acompanhar, em tempo real, lagartas se transformarem em borboletas. Para tanto, contamos com a colaboração das famílias nas fases iniciais de estruturação do projeto.

Fase 1 - Pedimos aos pais para enviarem lagartas para a escola.Fase 2 - Colocamos as lagartas em uma caixa de vidro cheia de folhas e galhos para

sua alimentação. As crianças observaram as lagartas por aproximadamente um mês.

Crianças observando as lagartas dentro da caixa de vidro.

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Fase 3 - As lagartas cresceram, penduraram-se em um dos galhos disposto no interior do vidro e começaram a fazer os casulos.

Lagartas começando a fazer casulos.

Fase 4 – Depois de aproximadamente 10 dias, os casulos se transformaram em borboletas. As crianças presenciaram um dos fantásticos processos de transformação na natureza. Todas as lagartas colocadas na caixa se transformaram em borboletas.

Lagartas transformadas em borboletas dentro da caixa de vidro.

Fase 5 – As crianças soltaram as borboletas no jardim da escola.

Crianças soltando as borboletas no jardim da escola.

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Para finalizar nosso trabalho, registramos todo esse processo no formato textual de uma notícia.

A produção das informações foi realizada com as crianças e elas deram sugestões sobre o que queriam colocar, considerando o que foi mais importante no estudo sobre a metamorfose da lagarta. Registrei no quadro as sugestões e depois organizei a notícia.50 Antes de ela ser enviada para os pais, apresentei-a para as crianças e, juntos, revisamos o texto e fizemos as modificações necessárias. Depois de pronta, a notícia foi enviada aos familiares com as etapas do trabalho e as aprendizagens adquiridas pelas crianças.

Registro da experiência em formato de notícias.

Características principais tornadas visíveisDistanciando do que foi realizado, percebemos que poderíamos conduzir e envolver

ainda mais as crianças no processo de documentar a prática. Vale ressaltar que, após o período de formação, já identificamos novas possibilidades de registros para melhor documentar as ações cotidianas da sala de aula.

Cada vez mais, estamos aperfeiçoando a nossa prática em relação à documentação pedagógica e destacamos:

Para o professor:

• Comunicação mais próxima com as famílias.• As crianças se reconhecendo no processo de aprendizagem.• Ganho da professora em relação à escrita.

50. Este é um dos formatos de documentação apresentado e trabalhado nesta formação. Ressalta-se a disponibilidade e investimento da professora em experimentar e compartilhar sua produção e seu processo de formação.

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• O material que se produz e as formas de registros servem de apoio à memória para consultas futuras e também como instrumentos de reflexão.

• Reconhecimento pela professora de que a documentação pedagógica organiza o trabalho.

• Maior visibilidade do trabalho realizado em sala e da relação com as famílias.• Possibilidade de escutar e de rever os acontecimentos em que as crianças foram

protagonistas.• Escutar mais as crianças e se aproximar delas, tornando visíveis suas

aprendizagens e necessidades.

Para as crianças:

• Maior envolvimento e participação das crianças ao fazer registros.• Maior comprometimento com as experiências realizadas, tornando-se mais

responsáveis por si e pela turma.• Ter o professor como seu ouvinte.

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Escutar, registrar, refletir: diálogos que provocam

Os caminhos para se documentar a prática são vários. Nessa formação, privilegiamos a observação/escuta, o registro e a reflexão em diferentes instâncias. Entendemos que, quanto mais sujeitos forem envolvidos na reflexão das práticas, mais sentidos elas ganham e, assim, maior é a regulação entre os processos de ensino e aprendizagem, pois o registro sistemático revela as realizações infantis.

Na documentação e avaliação processual apresentada anteriormente pelo município de Barão de Cocais e nesse relato de Rio Piracicaba, identificamos as vantagens pedagógicas da construção coletiva e avaliação dos projetos desenvolvidos. O desafio está em tecer uma participação polifônica, destacando as vozes da criança, das famílias e da comunidade. Para tanto, a proposta pedagógica é aquela que valoriza a criança real que chega à escola.

A ideia de buscar outros instrumentos que alimentem o processo formativo e avaliativo, que revelem essa criança “de verdade”, propõe o uso de diferentes ferramentas que possam favorecer a documentação pedagógica que não se resume à narrativa da professora. Nesse relato, observamos o empenho das educadoras em conjugar a narrativa da professora, à fala das crianças, suas produções e imagens que foram geradas.

O destaque está no uso de imagens como fonte documental. E, para isso, levar uma máquina fotográfica para a sala de aula não é o suficiente. O primeiro passo é que as crianças têm que se sentir confortáveis diante do equipamento de tal forma que o banalizem, a ponto de não se preocuparem mais com ele, de não precisar fazer poses diante da lente.

O cuidado inicial é o de informar às crianças que serão fotografadas não em poses pré-concebidas, mas na espontaneidade de suas ações. Faz-se necessário, portanto, pedir-lhes permissão e também aos seus responsáveis. Algumas escolas já estão inserindo, na documentação de matrícula para o ingresso da criança na escola, o termo de livre consentimento de uso da imagem, desde que para situações educativas e de pesquisa científica.

A partir daí, é preciso que a professora tenha um roteiro do que quer fotografar, qual instante não pode deixar escapar, pois não é tudo que deve ser fotografado e sim uma seleção preciosa do processo educativo. Recomendamos-lhe que o exercício de planificar o que se quer fotografar ou filmar deva ser constante, para que se aprimore a técnica de captar as imagens. Essa intencionalidade do registro imagético de situações inesperadas ou realizadas favorecerá uma possível apropriação da realidade em outro momento, quando as imagens são vistas e analisadas pelas crianças.

Essa condição é fonte de elaboração de conhecimentos e subjetividades, pois as crianças ali se reconhecem. Há a possibilidade de as próprias crianças desenvolverem a sensibilidade e responsabilidade do registro. Isto é, também ter a máquina fotográfica nas mãos, para compartilhar o seu olhar de uma determinada realidade.

Por outro lado, caso alguma criança não se identifique com aquela realidade, vale recuperar com ela o acontecido e retomar as informações. Por meio do que se tem documentado, levantar a memória do vivido e, então, ressignificar a presença da criança naquele processo coletivo, na medida em que, crianças e adultos, contemplam e refletem juntos as imagens de suas experiências. Refletir a partir de uma documentação pedagógica é fundamental para todo professor que deseja se aprofundar nos propósitos de seu ensino.

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Tema 6

Ambiente educativoIniciamos a abordagem desta temática conceituando os termos espaço e ambiente:

O termo espaço refere-se aos locais onde as atividades são realizadas e caracterizam-se por conter objetos, móveis, materiais didáticos e decorativos. O termo ambiente diz respeito ao conjunto desse espaço físico e as relações que se estabelecem nele, as quais envolvem os afetos e as relações interpessoais das pessoas envolvidas no processo – adultos e crianças. Assim sendo, na perspectiva do espaço, temos as coisas postas em termos mais objetivos; na perspectiva do ambiente, mais subjetivas. (HADDAD e HORN, 2011, p.45. Vol. 1).

Para dar mais visibilidade ao que estávamos propondo bem como conduzir o olhar das professoras sobre o ambiente educativo em que atuam junto às crianças, problematizamos este tema a partir das seguintes questões:

1. Como são as atividades desenvolvidas pelas crianças?2. Onde se encontram os materiais de uso das crianças?3. A maior parte do tempo das crianças é dedicado a qual(is) atividade(s)?4. Como o espaço é decorado?5. A organização do espaço contribui para ou limita o desenvolvimento da

autonomia? Por quê?6. Como o espaço contribui para o acesso à cultura? Por quê?7. Nesse espaço, as crianças são estimuladas a desenvolverem a imaginação, a

solidariedade, a coordenação, a troca de experiências?8. O espaço estimula o desenho livre, as brincadeiras e o faz de conta?9. Quais objetos da cultura estão acessíveis na sala?Após relatos e trocas de experiências, justificamos o porquê da escolha dessa

temática. O fato é que atribuímos grande valor educativo ao ambiente, devendo ser a escola um espaço que promove múltiplos olhares, interações, explorações e aprendizagens. Nesse contexto, há a necessidade de se escutar a criança para saber como ela vive e interpreta o espaço da escola, bem como garantir o seu direito a um espaço acolhedor, alegre e estimulante.

Assim, o espaço da escola não só comporta toda essa movimentação da criança como também se caracteriza como conteúdo educacional, contendo mensagens e estímulos próprios que interferem diretamente no modo como a criança o ocupa e o significa.

Outro aspecto do ambiente educativo destacado nessa formação foi a relevância da construção da identidade e memória local. Para que as crianças possam admirar e explorar os lugares, é necessário que se dê vida a eles por meio da participação de diferentes pessoas, como funcionários, pais, crianças e especialistas. Além do trabalho e das interferências pessoais no ambiente, também a memória – vivências de diferentes

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gerações e atribuição de significado a elas – pode construir a identidade local, mediante relatos do passado, imagens, produções, por exemplo.

O alcance das transformações provocadas pelas discussões temáticas e da compreensão do que vem a ser um ambiente educativo, ficou elucidado pela ressignificação do espaço até então ocupado pela Creche Dona Rita e pela Escola Bernardo Ferreira Guimarães, de Rio Piracicaba.

As problematizações, levantadas por toda a equipe, considerando desde o sono das crianças e a queixa de repetição de atividades até a valorização da cultura local Quilombola como conteúdo de aprendizagem, confirmam o empenho e a dedicação de todos os envolvidos nesta formação.

Raquel Machado Martins de Barros, as professoras e gestoras da creche Dona Rita e da Escola Bernardo Ferreira Guimarães, com muita acuidade e sensibilidade, produziram a descrição a seguir, considerando os sujeitos envolvidos – crianças e adultos – e suas ações na busca pela transformação e ocupação dos ambientes escolares, focalizando uma creche e uma escola. Com riqueza, ela conduz o leitor na compreensão de como era e como ficaram esses espaços na perspectiva educativa, após a participação nesta formação.

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Mini-história

Redescoberta de espaços e ambientes educativosRaquel Machado Martins de Barros51

Das diferentes reflexões feitas sobre ambiente educativo, neste texto um grupo de gestoras enfatiza as mudanças ocorridas na rotina e no olhar das professoras sobre as crianças a partir da formação oferecida pela parceria entre Fundação Vale, COBAP e SME.

O contextoAs instituições escolares Creche Dona Rita e Escola Municipal Bernardo Ferreira

Guimarães são vizinhas e estão situadas na Praça José Júlio de Souza, no distrito Padre Pinto e pertencem à rede de ensino da Secretaria Municipal de Educação de Rio Piracicaba, Minas Gerais. O distrito é reconhecido pela Fundação Cultural Palmares como comunidade Quilombola, com forte influência cultural étnico-racial.

Na Creche Dona Rita, são atendidas crianças de seis meses a seis anos que, a partir dos quatro anos, quando ingressam na Educação Infantil, passam a frequentar a Escola Municipal Bernardo. Assim, pela manhã, as crianças estão na creche e, à tarde, são levadas para a escola.

Essas instituições escolares buscam trabalhar em conjunto, valorizando o cuidado e a aprendizagem das crianças desde os primeiros anos de vida, considerando seus conhecimentos prévios.

As professoras, da creche e da escola, em uma produção conjunta com as gestoras, diretora e secretária52 de divisão pedagógica, refletiram sobre o processo de transformação de profissionais e espaços em ambientes educativos na produção de conhecimento.

Uma criança quer mais do que espaço físico: Como era e o que transformou o nosso olhar em um olhar atentoOs dirigentes das duas instituições, atentos ao perfil socioeconômico das famílias e

às necessidades das crianças, buscaram realizar um trabalho educacional que contribuísse para melhor qualidade de vida e da alfabetização dos alunos.

Importante esclarecer que, além da creche e da escola, as crianças são de uma comunidade com um cotidiano mais rural do que urbano, que oferece oportunidades diferenciadas. Nesse sentido, é preciso pensar nas múltiplas atividades e ações que podem ser valorizadas e tornadas visíveis em ambientes educativos que proporcionem

51. Chefe da Divisão Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação, graduada em Enfermagem pela UFMG e Direito pelo IES/FUNCEC de João Monlevade; Especialista em Gestão Regional da Saúde pela Faculdade Senac/MG e Planejamento Financeiro e Orçamentário do SUS Municipal pela PUC/MG. Especialista em Direito Processual pelo IES/FUNCEC.

52. Creche Dona Rita - Gestora: Andréa Silva- Graduada em Pedagogia pela FUNCEC, Pós-graduada em Educação – Pitágoras, Especialista em Psicopedagogia pela FUMEC. Professora: Suelen Cerqueira Barros- Graduada em Pedagogia. Escola Municipal Bernardo Ferreira Guimarães - Diretora: Elizara Aparecida Mendes- Graduada em Pedagogia (UNINTER), Pós-graduada em Gestão em Prática pelo Instituto Pró-Minas. Gestora: Marinersi Pessoa Cota Bueno Guimarães- Graduada em Normal Superior pela FUNCEC, Pós-graduada em gestão escolar UFOP. Professora: Simone Catarina Pereira- cursando Pedagogia a distância – UFOP.

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às crianças conhecimento, cultura, lazer e prazer, considerando o conhecimento prévio e o meio em que vivem.

A mesma proposta educacional era referência tanto para a Creche quanto para a Escola, mesmo sendo instituições distintas com diferentes objetivos. As práticas eram semelhantes e focadas na decodificação do nosso sistema de escrita alfabética de maneira restrita, além de priorizar atividades motoras, como colorir desenhos estereotipados para um treinamento motor descontextualizado.

Modelo por decodificação alfabéticausado na Creche Dona Rita.

Atividade em sala de aula na Escola Bernardo Ferreira Guimarães.

Na creche, oportunizava-se um pouco mais o brincar, porém, na escola Bernardo Ferreira Guimarães, as crianças brincavam apenas dentro da sala de aula, mesmo tendo outros locais a serem explorados e melhor aproveitados.

As ações pedagógicas na Educação Infantil eram adaptadas a partir do que é feito nos anos iniciais do Ensino Fundamental I. Os projetos eram formatados em um padrão único e aplicados em outras escolas do município, com atividades a partir de matrizes pré-elaboradas. As características da cultura local, de musicalidade muito forte trazida pelas crianças por meio da influência étnico-racial quilombola do congado, não eram consideradas. Uma alegria contagiante, com muita vontade de aprender e investigar o mundo à sua volta, era pouco explorada e reconhecida pelas professoras.

Em razão da atividade laboral rural de muitos pais que saem de madrugada, algumas crianças acordam muito cedo. Sendo assim, são deixadas com cuidadores que as levam para a creche, o que também contribuía para que as extensas e repetitivas atividades se tornassem ainda mais cansativas.

Durante muito tempo, a atitude dos dirigentes e educadores foi disponibilizar colchonetes para as crianças dormirem e ainda constatar a pouca evolução da aprendizagem de algumas, justificadas pelo sono e cansaço.

No turno vespertino, as crianças se apresentavam desinteressadas, irritadas e diziam para as professoras:

– Tia, já brinquei disso hoje.– Tia, eu tô cansado de ouvir essa música.– Tia, tô cansado de falar do Ivan Cruz.Diante dessa situação e sensibilizadas pelas reflexões recém-empreendidas,

chegamos ao limite do incômodo. Mas, como rever e mudar essa rotina?No ano de 2014, com a formação proporcionada pela parceria entre Fundação Vale,

COBAP e SME, a mudança de paradigma foi estimulada e as comunidades da Creche e da Escola iniciaram algumas transformações para redimensionar o processo de alfabetização e valorizar, na rotina, o brincar.

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No ano de 2015, adequar-se às propostas didático-pedagógicas se tornou uma necessidade e motivou os profissionais das duas entidades a repensarem a rotina. Realizamos um encontro para apreciação, seguido de uma reflexão com professoras e gestoras para análise do documentário Tarja Branca, que valoriza o brincar como parte do processo educacional das crianças. Esse foi um momento de crucial importância nas discussões e decisões que se seguiram.

Salas de aula na Creche Dona Rita. Antes da formação, eram organizadas por séries.

Depois da formação: participação das crianças na escolha do nome da turma e trabalho de arte.

Encontro com as professoras e gestoras: reflexão sobre a prática escolar.

Foi elaborado e registrado pelas professoras um cronograma de atividades para as turmas que são atendidas nas duas instituições, iniciando às 7 horas na Creche e terminando às 17 horas na Escola, com o objetivo de organizar o que acontece nos turnos matutino e vespertino.

Importante mencionar que tal organização é sequenciada, evitando-se a repetição daquilo que se faz nas duas entidades. Consideramos nessa organização os momentos de brincadeiras, artes, músicas, escritas, experiências, banho, escovação de dentes, refeições, leituras, atividades físicas e dança.

Na Creche Dona Rita, as crianças do berçário passaram a ter atividades ao ar livre no parque, estimulando a ação e experimentação nas atividades cotidianas, como subir escadas, fazer a higiene, tentar se alimentar sozinhas, entre outras. O auditório passou a ser utilizado como sala de cinema para ambas as entidades.

Crianças construindo autonomia.Crianças superando desafios.

Crianças aprendendo o autocuidado.

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Na escola, as crianças passaram a utilizar a biblioteca como local de leitura e investigação. O espaço da Fundação Caxambu, como ambiente cultural, promoveu apresentações abertas ao público no pátio da Escola para valorizar as origens étnicas raciais. O campo de futebol e as praças se tornaram salas ao ar livre, ou seja, espaço de vivências e aprendizagens.

Crianças pintando a amarelinha no pátio da escola.

Crianças pesquisando na biblioteca sobre a vida no deserto.

Apresentação do coral da Escola, durante roda de conversa com o escritor Dagoberto José Fonseca.

Para valorizar as mudanças pensadas e implantadas, foi preciso envolver a comunidade e, durante momento festivo do dia das mães, fizemos uma reunião de pais, explicando-lhes os detalhes da nova rotina.

Recriar nossa escola: repensar o espaço, promover novos ambientesA formação em Educação Infantil, propiciada pela parceria público-privada entre

a Prefeitura Municipal de Rio Piracicaba e a Fundação Vale e conduzida pelo COBAP, possibilitou aos professores e especialistas conhecer e discutir um novo paradigma, no qual a criança é protagonista do processo de aprendizagem.

Pensar um ambiente propício às potencialidades da criança e favorável ao seu desenvolvimento, antes de tudo, nos remete a pensar na própria criança, em como percebe o mundo e como o traduz, em suas ações, as relações com o meio. Para Vygotsky (1998), essa relação com o meio é o que promove sua aprendizagem.

O desafio para as duas entidades e seus profissionais foi perceber a importância da criança e pensar no que ela gostaria de experimentar em cada espaço construído. A fim de proporcionar um ambiente educativo, precisamos refletir em como a organização do espaço influencia as relações. Assim, para que experimentem novas sensações e descobertas, precisamos de educadores que lhes permitam ir além e valorizem as produções das crianças.

As crianças escrevem seus nomes para identificar porta escova de dente e copos; tomam banho e escovam os dentes estimulados na construção da autonomia; exploram o espaço e os brinquedos do parquinho; participam de rodas de leituras; vão à biblioteca da escola; colaboram na organização dos brinquedos e materiais nos ambientes educativos e das próprias mochilas; descansam no intervalo entre os dois turnos. Tudo isso revelando nova postura e disposição.

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Crianças identificando objetos pessoais.

Pinturas sobre azulejo feitas pelas crianças.

Os alunos com necessidades especiais participam desse processo sendo respeitados nas suas possibilidades e potencialidades. Na organização da sequência de atividades nas duas entidades, foram redescobertos outros ambientes e espaços educativos, além das salas de aulas. A nova organização possibilitou às crianças vivenciarem, no turno vespertino, experiências às quais somente os alunos da creche tinham acesso.

Os resultados que vêm sendo observados são: crianças mais tranquilas, mais espontâneas, mais concentradas, maior capacidade de escuta, falas mais elaboradas e contextualizadas. Entre os dois turnos, passou a ser garantido um momento para descanso e não há mais a menção quanto às atividades repetidas.

Projetos desenvolvidos a partir da mudança de olharesNesse processo de reflexão, as experiências vividas nas instituições ilustram como

a ação da criança passou a orientar a prática pedagógica. Crianças e professoras se debruçaram sobre o tema Deserto, traçando juntos possíveis caminhos para o estudo na Escola Bernardo Ferreira Guimarães. Da mesma forma, na Creche Dona Rita, vivenciaram, no projeto Habitantes do Fundo do mar, a oportunidade de aprenderem, tendo como ponto de partida suas próprias dúvidas e anseios.

A leitura da história Os habitantes do fundo do mar, realizada por uma criança de cinco anos, no pátio coberto, despertou muito interesse, provocando várias perguntas:

• Quais são os animais que moram no fundo do mar?• Qual é a cor da água do mar?• Têm conchas no fundo do mar?• Como os caranguejos andam?

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• Tem sereia no fundo do mar?• O tubarão é perigoso?• Quais são as cores dos peixinhos?

Roda de leitura: habitantes do fundo do mar.

Questões listadas pelas crianças:Têm plantas no fundo do mar?Tem cavalo-marinho no fundo do mar?A tartaruga mora no fundo do mar?Qual é a cor da água do mar?Têm conchas no fundo mar?Como os caranguejos andam?Tem cereia no fundo do mar?

Desenhos sobre os habitantes do fundo do mar.

Assim, o projeto possibilitou às crianças múltiplas experiências no pátio, salas de aulas, sala de vídeos da Creche e biblioteca da Escola. As atividades incluíram investigação, leituras de textos informativos, artes, dança, música, mostras de vídeos, escritas, votação pelos alunos para a escolha dos nomes das turmas a partir de nomes de animais marinhos.

Questionar, selecionar, tratar e registrar: pesquisa compartilhadaNa Escola Bernardo Ferreira Guimarães, em fevereiro de 2015, a marchinha

“ALALAOÔ” foi a escolhida pelos alunos para trabalhar em sala de aula. Em roda, surgiu a curiosidade pela palavra deserto:

Criança: – Por que o sol queima a cara?Criança: – O que é deserto?

“Atravessamos o deserto do Saara...O sol estava quente e queimou a nossa cara.Mas que calor, ô ôôôôô

Música escolhida pelas crianças.

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A professora explicou às crianças sobre a vida no deserto e se comprometeu a trazer mais informações sobre esse lugar. Dessa forma, foram levadas para a sala de vídeo imagens da vida no deserto: animais, pessoas, cidades, plantas, paisagens. Para aprofundar os estudos, os alunos manusearam areia branca e cactos, elementos característicos do deserto.

Naquela oportunidade, uma menina da comunidade foi hospitalizada após um acidente com cobra. Os alunos pensaram que era a mesma cobra do deserto – a naja. Posteriormente, a menina picada pela cobra foi convidada a ir à sala de aula para ser entrevistada pelos alunos.

Sentindo os espinhos do cacto. Entrevista com uma menina da comunidade que foi picada por uma cobra.

Enfim, os encontros, as leituras e discussões com o grupo de professoras e gestoras, mediadas pelas formadoras do COBAP e pela Escola Balão Vermelho, nos favoreceram um olhar atento sobre nossa prática e as possibilidades de melhorias. Não apenas a tomada de consciência dos professores, mas uma busca na valorização da cultura local, do interesse e das capacidades das crianças nos fizeram transformar espaços físicos em ambientes de relações, interações e encontros: de crianças com outras crianças, com adultos, com famílias; todos em busca de realizações que se tornaram visíveis na prática por meio de registros e no processo de documentação.

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Escutar, registrar, refletir: diálogos que provocam

A trajetória de um grupo de educadoras que se propõe a repensar seu fazer pedagógico a partir do espaço da escola é destaque nesse relato. Elas partem do reconhecimento e da valorização da cultura e do ambiente local, externo à escola, para refletirem sobre o potencial educativo do espaço interno a ela e o modo de vivenciá-lo.

A primeira questão problematizada foi a prática pedagógica proposta às crianças e seu foco na alfabetização. Onde e quando o brincar estava presente? Ou melhor, previsto? Quais eram os materiais didáticos oferecidos? Como eram utilizados? Outro ponto questionado foi a perspectiva preparatória com que o trabalho pedagógico era desenvolvido. O olhar estava voltado para o Ensino Fundamental, o por vir, e não o aqui e agora da Educação Infantil. Na relação entre o educar e o cuidar, o segundo sobressaía ao primeiro, sem muita crítica e reconhecimento de sua interdependência e indissociabilidade.

A rotina, e nela o brincar, foi a chave de acesso a outro modo de se fazer escola, em contraste com que estava estabelecido, aquietado. O desafio foi ocupar e valorizar os diferentes espaços da escola, alternar ambientes fechados e, ao ar livre, propor atividades de soltura e maior contenção do corpo, promover ações mais independentes pelas crianças e de documentação pelas professoras. Nesse contexto, a criatividade, a descoberta, o entusiasmo foram conduzindo a mudança no ambiente educativo.

Outros diálogos se tornaram necessários. Pais e comunidade em geral entraram na escola e a escola entrou na cidade: o espaço e seu potencial formativo passaram a ser vistos para além da materialidade; a criança a ser valorizada e reconhecida em sua atualidade; as professoras passaram a questionar e a inquietar-se com a repetição acrítica; e as famílias estreitaram parceiras na trajetória educativa de seus filhos.

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Tema 7

LinguagensNós, seres humanos, utilizamos diversas linguagens para nos comunicarmos. A

função simbólica e a dimensão lúdica são as principais fontes para o surgimento das linguagens que o ser humano constrói ao longo da vida. “A possibilidade de construir símbolos é dada pela constituição genética da espécie e a realização efetua-se por um complexo processo de natureza cultural e biológica. Este processo efetua-se, também, como uma realização social e individual”. (LIMA, 2002,2003, p. 2).

Portanto, as linguagens são múltiplas e só ganham sentido se forem vividas socialmente no interior da dinâmica das interações vividas pela criança, que, por sua vez, se apropria das informações que recebe do adulto e produz modos específicos de se comunicar, por exemplo, o desenho, o movimento, a dramatização e a brincadeira.

Assim, cabe à professora da Educação Infantil explorar ao máximo essas situações de maneira lúdica, pois isso permite que a criança organize as ações e os pensamentos, desenvolvendo diferentes formas de ser, estar e se comunicar com o mundo.

Nos grupos temáticos organizados para este curso formativo, abordamos as linguagens oral e escrita, as brincadeiras, a corporeidade, as artes, a música, e a matemática. Nesta seção, destacamos o projeto de artes visuais, no qual cada criança é encorajada a se expressar por meio das mais diferentes linguagens: desenho, pintura, palavras, movimento, montagens, dramatizações, colagens, escultura, música.

Artes plásticasA arte está presente no mundo. Desde a pré-história, o homem faz arte.

Considerando essa prática e o pensamento infantil potente, entende-se que a presença da arte na escola se faz necessária, visto que a criança, pela via da experiência artística, constrói e reconstrói o mundo, expressando-se e se comunicando com ele.

Essa experimentação só se torna possível na exploração de materiais, na contemplação das artes produzidas pelos inúmeros artistas, na apreciação de produções individuais ou coletivas, nas construções da natureza, no mergulho nas cores, movimentos e sons.

A apropriação das múltiplas linguagens realizada pelas crianças tem como fonte primordial a imaginação e a criatividade. Entretanto, ninguém cria do nada. É preciso interagir com as construções estéticas e artísticas para servir de alimento criação e imaginação. A arte para as crianças se entrecruza entre o fazer e o pensar artístico. As professoras podem fazer muito para que isso aconteça.

Segundo Barbieri e Baroukh (2012, p. 19):53

O papel do professor de artes é observar e escutar as pistas que as crianças deixam ao longo do percurso. Cada criança é um universo potente de expressão, que oferece alguns pontos de partida para o professor criar ações poéticas e momentos de interação. Tais ações, por sua vez, ampliam as ideias e a imaginação das crianças, as encorajam a

53. Para saber mais, consulte: BARBIERI e BAROUKH, (2012).

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fazer perguntas, projetos e a buscar sua realização. É importante que o professor crie condições e ofereça tempo para que as crianças possam realizar seus trabalhos.

Por intermédio das palavras da autora, convocamos as professoras a criarem seus roteiros de ação para permitir às crianças a interação com as artes plásticas de tal forma que possam atribuir significado às suas criações. E mais: que as aulas de artes não sejam apenas a hora de pintar, colar ou desenhar, esvaziadas de significado. Mas que seja um momento de expressão, comunicação, portanto, um diálogo com o mundo por meio da arte.

O trabalho a seguir pretende socializar uma experiência de ensino de artes plásticas, na busca de evidenciar a intenção de ensino da professora em sintonia com a criação dos alunos. O percurso da criação é individual, porém se dá a partir de uma vivência coletiva, por meio das interações entre as crianças, intermediadas pelas construções culturais e das propostas feitas pela professora.

O Projeto mostra o quanto a troca de experiências entre as crianças aponta caminhos para a formação na diversidade, respeitando o processo criativo de cada um. Conforme a professora que desenvolveu o projeto, Rosa Magna de Barros Machado Vilela, “as atividades apresentadas são um recorte das propostas que são lançadas às crianças. Afinal, acreditamos que explorar, experimentar e investigar são ações características das crianças na fase da Educação Infantil”. Nesse sentido, fazer e pensar a arte são um campo fértil neste momento da escolaridade.

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Relato de projeto

Aprender e fazer arte com o outro e a diversificação de propostasRosa Magna de Barros Machado Vilela54

Solange Maria Martins dos Santos55

O contextoO projeto foi desenvolvido pela professora Rosa Magna de Barros Machado Vilela, na

turma de 2º período, composta por 19 alunos. Maguinha, como é conhecida, considera-se uma pesquisadora de sua prática. Mais do que dotar seus alunos de conteúdos e habilidades técnicas, instiga as crianças a desenvolverem a sensibilidade a partir de vivências artísticas, propõe ações que possibilitam experiências de criação que provocam um novo sentido para a arte na escola de Educação Infantil.

As artes plásticas fazem parte da rotina das crianças nas modalidades de pintura, desenho livre com diferentes suportes, recorte, colagem, desenho com interferência e gravura. Também é associada a esse trabalho a linguagem oral e escrita, como parlendas e textos relacionados aos interesses das crianças.

Observei que elas apresentavam questões relativas às suas próprias produções, como a ocupação do espaço do papel, o recortar e explorar a diversidade das cores. A partir da vontade das crianças em querer aprimorar suas performances relativas a essas questões, passei a intervir nas aulas de arte com a intenção de aproveitar as possibilidades de cada criança, bem como explorar seus processos criativos. Para isso, propus-lhes alguns procedimentos:

• trabalhar com diferentes suportes e ferramentas;• usar a tesoura para criar formas e figuras;• realizar pinturas em etapas para explorar mais possibilidades;• repensar as suas produções e as dos colegas;• utilizar e combinar várias cores em um único desenho.

Adivinhar o animal da parlenda Selecionei as parlendas para desenvolver as atividades de arte planejadas. Ao

mesmo tempo, apresentei-lhes a parlenda escrita e o desafio seria ilustrar os animais de cada texto. Usei adivinhas para dar pistas sobre cada animal. Procurei estimular a imaginação das crianças, fazendo uma lista de animais conhecidos e convidando-as a anteciparem o que pretendiam desenhar:

54. Graduada em Pedagogia pela Funcec - Faculdade de Educação de João Monlevade. Pós-graduada em Processo Ensino-Aprendizagem pela Faculdade Claretiana, São Paulo e em Ensino a Distância pela UFOP (Formação de orientadores acadêmicos). Começou sua carreira na Educação Infantil no Instituo da Criança em BH. Trabalha há 30 anos na rede municipal de Rio Piracicaba, sendo 28 anos nas escolas Rurais, nas funções de professora, supervisora e diretora. Atualmente, ajuda na gestão da Escola municipal Pré-Escolar Dona Rita Martins.

55. Graduada em Pedagogia, com ênfase em Supervisão pela Funcec - Faculdade de Educação de João Monlevade e Pós-graduação em Psicopedagogia Institucional pela da Faculdade Castelo Branco, Rio Grande Sul. Hoje aposentada, trabalhou por 30 anos na rede estadual como professora do Ensino Fundamental em seu maior tempo de carreira, e exerceu as funções de supervisora e vice-diretora por um período menor. Atualmente, trabalha na Escola Municipal de Pré-Escolar Dona Rita Martins, no 2º período da Educação Infantil, perfazendo quase 17 anos de trabalhos na rede municipal de Rio Piracicaba.

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Professora: – Qual será o animal que vai aparecer na parlenda?

Primeiro momento:

Professora: – Com as canetas hidrocores, façam o desenho desse animal.

Segundo momento:

Antes mesmo de começar a dar pistas, as crianças perguntaram:Ana Laura: – É um bicho grande ou pequeno? Victor Augusto: – Ele morde? Juan Pablo: – Será que é de boca grande ou boca pequena? Ester: – Ah, eu tenho medo de bicho bravo!

Terceiro momento:

Depois de responder às questões colocadas pelas crianças, cada uma representou suas ideias de acordo com o que havia imaginado.

Depois da apresentação dos desenhos para os colegas, passei a dar as pistas.

Desenho do animal a partir da imaginação das crianças.

Quarto momento:

Lista construída no quadro coletivamente a partir do que as crianças falavam:

Pista 1:

Professora: – A parlenda tem dois bichos. Um é ave e o outro um mamífero. Lucas Gabriel: – Eu sei. Ave tem penas. É a águia. Professora: – Ave é isso mesmo. Tem pena e o que mais? Renan: – Tem pés. Ester Luíza: – Acho que é galinha. Davi Diogo: – Não é. É passarinho. Professora: – Mas têm tantos passarinhos! E agora?

Pista 2:

Professora: – A ave tem penas coloridas, aprende a falar e nasce do ovo. Henrique: – Ah, já sei! É o papagaio. Professora: – Muito bem! Acertou um bicho e o outro? Lucas Gabriel: – Professora, tem também o papagaio que é pipa. Professora: – Gente, o Lucas falou que tem papagaio que é Pipa, o que vocês acham? Érick: – É mesmo! Eu já fiz um de papel.

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Professora: – É mesmo, este papagaio é chamado de pipa, pandorga, arraia, papagaio. E agora? O papagaio animal é de quê?

Crianças: – É de penas, tem dois pés, tem bico. Professora: – Então, o papagaio é uma ave. E o outro animal? É um mamífero. Hiago: – Ma-mí-fe-ro?! Ah, ah, ah. Professora: – Você já sabe, Hiago? Hiago: – Não. É que é engraçado.

Pista 3:

Professora: – Tem o corpo coberto de pelos. Crianças: – É leão, tatu, onça, jacaré, cachorro, tartaruga, macaco, baleia,

borboleta.

Pista 4:

Professora: - Os mamíferos nascem da barriga da mãe e mamam quando filhotes.Retomei os nomes da lista de animais citados por eles e analisamos um a um os

animais de acordo com suas características. Guilhermina: – Lá em casa tem cachorro. E outros nomes foram citados:Crianças – Cavalo, gorila, tigre, bezerro. Lavínia: – Eu gosto de gatinho, ele tem pelo também. Professora: – É isso mesmo, os bichos que vão aparecer na nossa nova parlenda são

o gato e o papagaio.

Apreciação de imagens e textos

Pesquisa e apreciação de imagens e textos informativos.

Apresentei às crianças livros com imagens e textos previamente selecionados por mim, com a intenção de ampliar as informações que elas tinham sobre esses animais. Chamei atenção para os detalhes das imagens, relacionando-as com informações anteriores.

Na apreciação dos livros, o foco era que as crianças observassem os animais em suas formas e cores, com intenção de alimentar o olhar para a sua produção.

Provocação para aprendizagem: usar rolinhos de papel higiênico, rolo de papel toalha, caixas, canudinho, barbante, retalho de papel crepom e e.v.a.

Sugeri-lhes e explorei com eles o uso de materiais tridimensionais, com a escolha de diversos tamanhos, formas, tipos e suportes como recursos para representação gráfica.

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Organizei a turma em grupos e disponibilizei a elas os materiais como papel A4, papéis coloridos, barbante, tesoura e cola para que cada criança pudesse dar forma a um gatinho:

Criança explorando os materiais para produção do gatinho.

Ao finalizarem o trabalho, convidei-as a imaginarem como seria o lugar onde aquele gatinho gostaria de estar. A minha intenção era que as crianças antecipassem o que fariam no próximo dia, pensando sobre a construção do cenário para o gatinho.

No dia seguinte, conversamos muito sobre os lugares onde os animais vivem. Assim, as crianças tiveram outra oportunidade de resgatar seus conhecimentos e puderem criar situações que dizem respeito ao gatinho.

Desenhar um cenário para o gatoFoi distribuído o trabalho de cada criança feito anteriormente, usando caneta

hidrocor para desenhar o cenário. Ao final, pedi que cada criança contasse para a turma o que havia desenhado enquanto eu escrevia uma legenda para colar abaixo de sua produção.

Crianças desenhando o cenário para o gato.

É importante ressaltar que os processos imaginativos revelam os conhecimentos das crianças. Elas se referem a diferentes espaços, hábitos dos gatos, seus sentimentos em relação ao animal e também conteúdos ligados ao faz de conta.

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Produções das crianças expostas no mural.

– O gatinho tá comendo ração no potinho em cima do telhado.– Tá dia e noite porque o dia tá acabando e a noite tá chegando.

– Eu pus a gatinha na janela. Ela chama Florzinha.– Tem neve, estrela, pisca-pisca, boneco de neve no Natal.

– O gatinho tá no galho da árvore. Pus o coração para ele ficar feliz.

– Meu gato tá na janela tentando pegar o bichinho.

– O gatinho tá no telhado escalando. Ele chama fazendeiro, porque ele fica na fazenda.

– Eu fiz meu gato que tá na janela e essa menina é eu. Nós estamos olhando pra Guarapari.

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Montagem de um cenário com móbilesCom a intenção de trabalhar o teto como mais um espaço a ser utilizado na sala,

sugeri a eles a montagem de móbiles para a observação do movimento do ar. Assim, propus-lhes que fizessem um “voo de papagaios”, ave que tanto nos alegra e às vezes povoa o espaço aéreo de nossa cidade.

Para valorizar ainda mais as produções, as crianças ajudaram na disposição da sala. Ao mesmo tempo em que se expuseram, puderam apreciar os desenhos e observar que existem várias formas de fazê-los.

Crianças ajudando a professora na montagem do cenário.

Características principais tornadas visíveis • Apreciar a própria produção e falar das significações.• Respeitar a produção do colega.• Produzir a partir de propostas feitas pelo professor.• Trabalhar com diferentes suportes e ferramentas.• Fazer uso da tesoura com maior habilidade.• Realizar pinturas em etapas para explorar possibilidades do uso de cores.

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Escutar, registrar, refletir: diálogos que provocam

Vimos que, no relato do projeto apresentado, as propostas partiram da professora, mas as produções infantis são tomadas como fruto de um processo de intervenções que fizeram sentido para as crianças, que criaram em etapas e produziram ao mesmo tempo em que eram apreciadoras do próprio trabalho, bem como os de seus pares.

Fica evidente que a professora tem clareza de que propor arte para as crianças não é apenas fazer. As atividades artísticas foram intensas de representações que atingiram níveis de habilidades simbólicas e de criatividade bastante elaborados por parte das crianças. Nesse sentido, a professora lançou mão de uma diversidade de produtos culturais, como brincadeiras, parlendas, reaproveitou materiais transformando-os conforme a imaginação de cada criança. Também criou instalações no ambiente, valorizando as produções infantis e promoveu um encontro das crianças com as variadas formas de linguagens.

O ensino da arte deve estar ligado a seu tempo, às indagações das crianças. Neste Projeto, foi possível perceber os interesses das crianças e como se envolveram no trabalho. Inicialmente se implicaram num jogo de adivinhação e representação gráfica para descobrir qual era o animal da parlenda. Observaram e compararam imagens de animais. A professora propos a construção de um gato. Pelas imagens, nota-se que, mesmo sendo produzidos pelos mesmos materiais e uma estrutura corporal bem parecida, como a presença de bigodes, orelhas e rabo, cada autor construiu o seu gato, com suas marcas subjetivas e identitárias que diferenciaram uns dos outros.

A exploração de novos espaços da sala para a exposição das produções infantis também merece destaque, uma vez que desconstruiu a ideia de expor trabalhos em um mural distante das crianças. Assim, a criação do móbile deu movimento e proximidade entre criador/autor e criação. A valorização dos trabalhos é também o reconhecimento da autoria, pois cada criança tem um repertório singular e imaginativo a ser explorado e socializado. As experiências se cruzam, ligando a arte do singular com a cultura dos coletivos. Todo o processo aqui apresentado pode fortalecer as crianças como autoras e lhes dar um sentido de identidade do grupo o qual pertencem.

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Linguagem musicalO texto a seguir é uma descrição das oficinas realizadas, pela professora Bianca

Luar, nos encontros formativos deste projeto. Nosso objetivo é oferecer às professoras uma memória dos encontros e material de consulta sobre os processos práticos de musicalização para a infância.

Oficinas de musicalização na Educação Infantil

Bianca Luar56

Diante da presente formação de professores da Educação Infantil, as professoras são convidadas a descobrirem a musicalidade que trazem consigo e a expressão de suas sensibilidades. Práticas e discussões propostas comprometidas com o nivelamento da realidade social e cultural a que estão inseridas nos mostraram, como resultado, uma verdadeira manifestação musical consistente e surpreendentemente criativa.

As ferramentas utilizadas nas oficinas nos fazem acreditar que a música está em todo lugar, por exemplo, na musicalidade da fala, quando presente numa contação de histórias, nas parlendas, quando modulamos a voz e passeamos por diversas notas musicais que nos trazem ricos sotaques e emoção, ou num simples bater de palmas e pés.

Ao som de palmas de mão num só pulsar de coração, a música vai aos poucos se revelando em uma só massa sonora que magicamente se transforma em ritmos populares que rapidamente a reconhecemos e internalizamos seu pulsar. O baião, o samba, o funk são facilmente executados sob a guarda de nosso ritmo instintivo que, quando estimulado, pode se elevar às mais variadas organizações do ritmo lógico presente nas atividades e brincadeiras propostas.

Nos jogos de dedos e mãos, quando juntas em roda e de bumbum no chão, expomos nossa expressividade, improvisação, prontidão. No passeio por novos desenhos melódicos, descobrimos rapidamente que estamos também fazendo música.

A Música no contexto da Educação InfantilAs múltiplas linguagens propõem ajudar as crianças a perceberem qualidades e

características nem sempre evidentes no cotidiano de modo mais profundo e significativo. O fazer musical envolve refinadas habilidades motoras, cognitivas, expressivas e, ao mesmo tempo, permite exercitar o sensorial e o intuitivo. Pode-se afirmar que a linguagem sonora, desde a fase intrauterina, pode auxiliar como meio de orientar a reflexão do ouvinte sobre o mundo.

A Educação Infantil constitui um espaço privilegiado para o desenvolvimento musical da criança devido à sua natureza psicológica, com sua séria vocação para a brincadeira, movimento e fantasia. Sabe-se que as crianças respondem significativamente à música por meio de manifestações corporais espontâneas, emitindo sinais mais ou menos claros sobre os vínculos musicais já conquistados e em funcionamento.

De acordo com Vigotski (1998), toda forma de percepção está inicialmente aliada à motricidade. Dessa forma, vale destacar aqui, como exemplo, um pilar fundamental para a maioria dos pedagogos musicais: a construção do sentido rítmico a que chamamos de “o chão de toda musicalidade”.

56. Professora especialista em educação musical pela UFMG; trabalha na Educação Infantil Balãozinho.

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Contudo, a depender do investimento do educador, a tríade: brincadeira, corporeidade e assimilação do sentido rítmico, quando trabalhadas de forma consciente e verdadeiramente musical, poderá trazer para a criança uma maior organização interna dos sentidos. E ainda, diversas influências emocionais e de dimensões sensíveis advindas das brincadeiras inspiradas no trabalho com o ritmo lógico (a periodicidade similar de tempo que se repete).

A formação ainda defasada por parte dos professores generalistas em sua apropriação metodológica e experienciais acerca da linguagem musical e sobre quais aspectos as crianças estão expostas a essas experiências sonoras no ambiente escolar foi o disparador de nossas discussões e que nortearam a nossa prática.

Na maioria dos ambientes escolares, é comum encontrar a música pejorativamente denominada “musiquinha”, a que estamos habituados a entoar. Apresentamos às crianças canções em sua maioria carregadas de valores morais, por meio de práticas imitativas mecânicas e estereotipadas, e como suporte de formação de hábitos, postura e comportamentos, calendário de eventos, formação de bandinhas rítmicas e memorização de conteúdos. A música entendida apenas como canção ou como barulhos que contrariam as regras do silêncio e não como som e melodia.

Segundo França (2015), no início da década de 70, a disciplina música foi abolida do currículo escolar brasileiro. Além de empobrecer a formação das crianças, os chamados “30 anos de silenciamento” contribuíram para a progressiva banalização da música comercial, diante da desinformação e passividade crítica do público. Com a aprovação da Lei 11.769, de 18 de agosto de 2008, a música voltaria a integrar o currículo da Educação Básica. Portanto, para que os benefícios da prática musical se estendam a todas as crianças, é imprescindível que os professores se qualifiquem para que possam oferecer a elas uma vivência musical significativa e consistente.

A homologação dessa Lei torna a música conteúdo obrigatório, mas não exclusivo do ensino de arte, determinação que deveria ser cumprida até o segundo semestre de 2011. Dessa forma, a formação das professoras generalistas, ao vivenciarem experiências práticas a que chamamos de “Práticas musicais na escola”, tem surtido efeitos surpreendentes, mágicos, intuitivos e que as remetem às suas habilidades lúdicas e inatas de sua infância mais viva, repleta de variados traços culturais riquíssimos e consistentes de significados. Isso demonstra o quanto somos, em nossa essência, seres verdadeiramente musicais.

Nesse contexto, a importante tomada de consciência coletiva, por meio de experimentações brincantes em que descobrimos significados como pulso, dinâmica, melodia, altura, duração, escalas..., nos leva a um lugar mais seguro e consciente para um melhor desenvolvimento e organização de variadas práticas musicais.

É preciso perceber que, para musicalizar e viver a música em sala de aula, não é preciso ser especialista ou dominar técnicas instrumentais. Trata-se de uma prática que não objetiva a formação de músicos e sim buscar e criar vivências que possam tocar a dimensão humana de uma criança, a fim de que ela possa ouvir mais atentamente, criar e expressar-se musicalmente.

O professor deve trazer para o universo da sala de aula práticas de apreciação musical em que amostras da música mundial e regional de qualidade possam alimentar a memória afetiva musical das crianças, ampliando largamente seu universo estético sonoro.

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São habilidades que podem ser desenvolvidas e elaboradas gradativamente, uma vez que sejam vividas por meio de brincadeiras, cantorias, histórias, rodas e performances musicais em que haja a preocupação com a expressividade e a emoção do Educador.

Para tanto, faz-se necessário tornar acessíveis também outros objetos, como balões, cabos de vassouras, papéis, sementes, lápis, corpo, voz e vários recursos que podem servir de materiais preciosos para a exploração sonora e o desenvolvimento da escuta crítica e da criação musical.

Portanto, fazer música é ter a oportunidade de se reconhecer como fonte criadora, de se sensibilizar e se conectar a experiências sonoras que possam fazer parte do cotidiano escolar de forma musical, consciente e sensível.

A seguir serão apresentadas as dinâmicas trabalhadas nas oficinas com as professoras de Barão de Cocais e Rio Piracicaba, para que possam lançar mão dessas dicas, quando necessário for.

Práticas musicais pedagógicas para a Educação Musical Infantil

Experienciando a musicalidade

Quando tentamos entender o que há dentro do som e criamos a oportunidade de experimentar de forma prática e corporal os elementos que o compõem, é como subverter o universo da música em si e dar lugar ao universo sonoro em geral.

A busca por retirar a poeira interna que encobre nossa expressividade e sensibilidade musical nata de cada um traz consigo um desafio para um novo olhar. Endereçada aos educadores e por meio de experiências sonoras adequadas, podemos experimentar o fazer musical explorando um rico e vasto universo adequado à realidade das salas de aula, voltado verdadeiramente para a escola real.

Objetivamos, assim, a sensibilização e a busca por novas descobertas, nas quais novos materiais e ideias irão motivá-los a fomentar a presença e o uso da linguagem musical em sua rotina escolar.

Professoras na oficina prática: Os elementos do som.

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Os elementos do som

Vamos conhecer agora os principais elementos do som, tais como: pulsação, altura/notas musicais, melodia, gesto sonoro, dinâmica e ritmo.

Pulsação

O pulso é a periodicidade que se repete entre um tempo e outro. Os fenômenos naturais da vida que nos regem, como o nascer e o pôr do sol, assim como a chegada das estações, tudo isso conota ritmo e espaços de tempo definidos. Discutimos e exemplificamos como cada qual tem seu ritmo nato, instintivo, ao falar, andar, correr, cantar e respirar. Traçamos, então, uma analogia com o pulsar do coração.

Para ilustrar e vivenciar esse elemento básico, que se caracteriza como o chão que organiza e ancora a canção, vivenciamos diversas dinâmicas em que palmas, pés e cantorias nos permitiram encontrar o pulso em cada situação.

Internalizado e já conscientes desse elemento, criamos dinâmicas em que cada um pôde experimentar a sua vez de criar e demonstrar o seu próprio “pulsar do coração”. Ao criarem células rítmicas simples, convidamos o grupo a ouvir atentamente e reproduzir em massa, numa só respiração, a nova estrutura criada.

Por meio de sons obtidos com balões, a turma atenta teve como desafio explorar timbres diversos ao tocarem com a ponta dos dedos ou puxarem “o nó” do novo instrumento apresentado. Logo, percebemos sons bem graves, agudos e médios.

Professoras explorando os diversos sons obtidos com o balão.

Dividimo-nos em grupos e, após escolhermos uma canção, criamos para ela um novo arranjo, tendo como instrumentos de acompanhamento os balões que marcavam o pulso e exprimiam novos timbres. A cantoria ao som dos balões demonstrou a enorme capacidade criativa, expressiva e musical do grupo.

Os grupos se apresentaram uns para os outros com muita empolgação. As canções folclóricas foram as de maior destaque dentre as escolhidas e pude perceber claramente uma maior soltura e segurança apresentada nas performances após vivenciarem as práticas coletivas.

Ao final, discutimos coletivamente sobre nossas impressões musicais que se destacaram em cada grupo.

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Professora em formação: – Nossa, esta foi a primeira vez que toquei um instrumento e cantei, vou tocar muito balão a partir de agora com as crianças, a gente nem imagina que ele pode ter este som!

Finalizamos a dinâmica tocando e cantando em grupo uma paródia de uma canção bastante conhecida e conveniente para a ocasião.

“Eu vou mostrar pra vocês como se toca um baião e quem quiser aprender é favor prestar atenção”

Música escolhida pelas crianças.

Notas musicais

Para uma melhor compreensão das notas musicais, importante componente na música, inventei a história “ O bruxo Olho de Banana”.

O Bruxo morava há séculos em uma floresta muito distante da cidade. Com o crescer da cidade, o bruxo um dia se viu cercado de prédios, parques e muita gente por perto, e isso nada lhe agradava. Ele, então, traçou um plano para assustar aquela população e afastá-la de lá. Num prédio ao lado de “sua” floresta moravam as sete amigas cantoras, uma em cada andar. Cada uma tinha um dom, uma voz e um jeito muito próprio de cantar. Eram elas as sete notas musicais: DÓ, RÉ, MI, FÁ, SOL, LÁ, SI.

O bruxo, então, todas as noites sorrateiramente se deslocava até o prédio e sequestrava uma delas.

Nessa brincadeira, pedimos às professoras que tentassem descobrir qual amiga faltava, diante da escadinha de notas, enquanto outra escondia, com uma tampinha, determinado degrau da

Desenho feito pela professora Bianca sobre a história O bruxo Olho de Banana.

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escadinha. Ao esconder a nota, pedíamos que o grupo cantasse em escala ascendente e descendente tentando adivinhar qual foi a “amiga” sequestrada, e assim o bruxo seria obrigado a trazê-la de volta.

Atenção: quanto mais alto for o andar em que moram as notas, mais aguda (fininha) será sua voz. Trata-se de uma escala que caminha do grave (som grosso) para o agudo (som fininho).

Até que um dia, após tantos sumiços e resgates, ele resolve levar todas elas para a floresta. E é aí que acontece sua grande decepção: as cantoras desaparecidas já eram suficientemente conhecidas. Desta forma, a presença da escadinha já não era necessária.

As professoras já entoavam as notas musicais bastante afinadas e já conheciam a morada de cada uma delas. Mesmo não as vendo na escadinha, elas já as tinham registradas na memória e no coração.

Nunca mais ele tentou apagar a música e suas notas amigas, porque descobriu que ela está dentro de cada um!

Objetivamos com isso a apreensão e vivência de conceitos básicos como: escala (Dó, ré, mi, fá, sol, lá, si...) e altura musical (grave e agudo). Solfejar subindo e descendo a escada respeitando os intervalos e ganhando intimidade com esses caminhos sonoros, além de nos proporcionar maior intimidade com os intervalos musicais, trabalha-se também a afinação e a expressividade vocal. A brincadeira foi divertida e pudemos perceber e comentar sobre a adequação dela para as crianças, devido à ludicidade, ao suspense envolvido, e à imaginação sonora experimentada.

Melodia

A melodia é uma sucessão rítmica de tons em diferentes intervalos e que é regida pelo ritmo. Trata-se do caminho das notas.

Brincando de Tralalá

Para brincar, escolhemos entoar melodias, sem a utilização da letra para dar chance ao colega de adivinhar qual é a música.

Nessa dinâmica, utilizamos diversos fonemas e maneiras de cantar e descobrimos, brincando, que há músicas conhecidas do cancioneiro infantil que possuem a mesma melodia (ou melodia bem parecida), por exemplo: “Atirei o pau no gato” e “Fui morar numa casinha”. Dessa forma ficou ainda mais fácil entender os conceitos de linguagem musical apresentados.

As professoras se mostraram bastante resistentes inicialmente em relação a esses conceitos, entretanto, após experimentarmos diversos exemplos, podemos perceber que todas possuem habilidades musicais pelas vivências anteriores, mas não usufruíram de acesso aos conceitos básicos e tão pouco vivenciaram metodologias referentes à pedagogia musical.

Pedi a elas que cantassem, sem a utilização da letra, melodias conhecidas, em que a letra fosse substituída por tralalalás. Facilmente, pudemos perceber o significado da melodia para a música, que sugere o caminho das notas que sobem, descem e que traçam toda a personalidade e percurso da canção.

Experenciamos uma outra atividade, que intitulamos de “troca troca”. Cantamos uma melodia de uma canção conhecida, porém utilizamos a letra de uma outra canção. Trata-se de um desafio bastante interessante, principalmente para as professoras em formação. Dessa forma, elas puderam apreender, com mais aprofundamento e liberdade, conceitos básicos da linguagem musical.

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Gesto sonoro

Após o trabalho com o conceito do que é melodia, fez-se necessário que deixássemos nos sensibilizar corporalmente. Assim, o trabalho com a corporeidade nos auxiliou para que elementos da psicomotricidade nos auxiliassem a sentir ativamente diversos elementos musicais e vice-versa.

Pudemos andar pela sala desenhando o som, gesticulando braços, mãos e pernas de acordo com o caminho melódico das canções. Utilizando livremente o corpo, percebemos a melodia, o andamento, se rápido ou lento, e a rítmica da canção. Trabalhamos e internalizamos, além dos elementos já citados, a nossa escuta crítica e ativa.

Trabalho de gesto sonoro com as professoras formadoras.

Dinâmica

A dinâmica representa um importante elemento expressivo do som, que pode ser fraco ou forte. Quando experimentamos alguns instrumentos, podemos experimentar diversas maneiras mais apropriadas e confortáveis de se obter o som, de acordo com nossa intenção musical.

Professoras experimentando maneiras diferentes de se obter o som.

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Brincando de Formiguinha e elefante

Crianças a partir de um ano já demonstram interesse pela música e conseguem concretizar a vivência musical. Com uma baqueta apropriada e pequenos tambores, pudemos chamar atenção para as várias modulações e dinâmicas que o universo sonoro nos permite.

Dessa forma, pedi às professoras que fizessem um som de elefante, tocando forte. Na sequência, um som de formiguinha, tocando bem fraco.

A partir daí, percebemos o nítido contraste que relaciona a mecânica performática à mudança vibracional do som. A sensação de dar conta ao experimentar um resultado sonoro confortável aos ouvidos e a sensação de criar o seu próprio som deixaram-nas bastante comprometidas com a vontade de praticar mais.

Com esse trabalho, objetivamos o desenvolvimento motor e das cognições mais sensíveis, partindo do princípio de que seu movimento deverá ser “controlado” de acordo com a intensidade do som que se quer obter.

Portanto, essas práticas, ao serem levadas ao cotidiano da sala de aula com maior segurança e aporte teórico, trarão para as crianças diversos benefícios quanto ao desenvolvimento motor, das percepções mais sensíveis, além da presença alegre da música transformando as atmosferas internas e externas no ambiente escolar.

Ritmo

A melodia do ritmo e as suas diversas variações é que sintetizam de forma organizada os ritmos brasileiros, por exemplo, o baião, o samba, o funk, a capoeira, que possuem células rítmicas de organização e tempos distintos. Para trabalhar o ritmo, escolhemos a brincadeira “O coelho do samba”. Essa história conta a vida de um coelho que, cansado de viver em sua toca, resolve viajar pelo Brasil.

Com inspiração na tradicional brincadeira “O coelhinho sai da toca”, criei há alguns anos em sala de aula a brincadeira “O coelho do samba”. A ideia é que o coelho só se desloque de sua toca ao ouvir o ritmo pré-combinado e vivenciado pela turma. Para apresentar os ritmos trabalhados, percutimos corporalmente a melodia e, em seguida, também o som do pandeiro, a fim de que tivéssemos a oportunidade de discriminar e entender as variações rítmicas dos temas propostos.

Assim, o coelho inicia sua viagem e sua primeira parada é no Rio de Janeiro. A performance rítmica simplificada fora primeiro praticada pelo professor, que se utilizou também de outros sons para confundir e provocar as professoras a se concentrarem na escuta antes de se deslocarem ou não de suas tocas. Ao reconhecerem a batida do samba, elas tinham de se decidir se sairiam ou não da toca.

Foi importante enfatizar a elas que o deslocamento e a expressão corporal fossem fiéis à rítmica e ao andamento estabelecidos. Ou seja, o corpo fala, o corpo escuta!

O coelho cansado de samba resolve passear pelo nordeste onde o comando válido para sair da toca foi o baião. Na Bahia, o ritmo da capoeira fez também com que elas se deslocassem.

Professoras na brincadeira “ O coelho do samba”.

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Para a consolidação dessa atividade com as crianças, será necessário que a brincadeira abrigue os graus de dificuldade de acordo com a idade trabalhada. A escuta mais que atenta, a prontidão, o desafio corporal, além do contato com os ritmos brasileiros são uniões de habilidades que podem ser trabalhadas. Dessa forma, o elo presente entre a ludicidade e o objetivo pedagógico é o personagem do coelho, velho conhecido e protagonista de uma brincadeira de rua que fora resgatada.

Linguagem matemáticaO ensino da linguagem matemática na Educação Infantil tem sido amplamente

debatido. É nessa etapa de escolarização que as crianças começam a adquirir o conceito de número. Entretanto, há muitas dúvidas sobre como promover as primeiras aquisições.

Em seu dia a dia, as crianças têm contato com os números em diferentes situações de uso e suportes: jornal, revista, calendário, roupas e sapatos, eletrodomésticos, telefone, régua, agenda, convites. Elas usam esses números para identificar tamanhos, mudar o canal de televisão, reconhecer seus pertences, telefonar, identificar uma data, usar material escolar. Esses são apenas alguns exemplos, pois a lista pode ser enorme.

Normalmente, as crianças se sentem atraídas pelos números, considerados como instrumentos de comunicação que pertencem ao mundo dos adultos. É evidente o entusiasmo em recitar a sequência numérica em brincadeiras, contar a quantidade de colegas, identificar o número de guloseimas a ser dividido. Falam também com muita vaidade a data para a professora escrevê-la no quadro ou marcar o dia no calendário da classe, bem como se oferecem para fazerem esses registros.

Para contribuir com a construção do conceito de número pelas crianças, é preciso criar no cotidiano escolar contextos em que elas utilizem procedimentos numéricos em situações de quantificação, ou seja, em que tenham o desafio de nomeá-los, contá-lo e colocá-los em relação de inclusão. O mesmo ocorre com as representações quando, para exprimir suas ideias e conhecimentos lógico-matemáticos, possam utilizar e inventar símbolos (risquinhos, objetos, dedos...) e sinais (o numeral “4” ou o seu nome “quatro”, por exemplo).

Ressaltamos que o conceito de número é construído enquanto as crianças utilizam a numeração escrita e falada, bem como experimentam e criam seus próprios recursos de quantificação e registros em contextos que façam sentido para elas.

Foi a partir dessa perspectiva de linguagem matemática que conduzimos a abordagem desse tema na formação. Tal como no tema Documentação Pedagógica e Avaliação, iniciamos com a análise de algumas afirmações. O desafio foi conhecer se tais afirmações eram verdadeiras ou falsas e sua relação com a prática pedagógica na Educação Infantil. Nessa dinâmica, o primeiro ponto discutido foi o pressuposto de que a escola deve promover a exploração pela criança de uma grande variedade de ideias matemáticas, para além daquelas que envolvem explicitamente números e quantidades. São ideias relacionadas à comparação, medição e representação por meio de diferentes linguagens – fala, desenho, gestos, por exemplo – a fim de que elas adquiram e ampliem suas formas de perceber e intervir na realidade.

Foi ressaltada e exemplificada a necessidade de se criar um ambiente positivo que encoraje a criança a propor soluções, explorar possibilidades, levantar hipóteses, justificar seu raciocínio e validar suas próprias conclusões. Um ambiente acolhedor, em que erros e acertos façam parte do processo de aprendizagem. Nesse caso, o erro é construtivo e

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constitui fonte de informação para o professor compreender a criança e orientá-la em seu percurso de formação contínua.

De acordo com Smole, Diniz e Candido (2000, p. 13, Vol.1) “brincar é tão importante e sério para a criança quanto trabalhar é para o adulto”. Acreditamos e apostamos nisso. Nesse sentido, foi apresentada e analisada uma gama de jogos e brincadeiras de diferentes naturezas, realizadas em salas e pátios, com material estruturado, como jogos de tabuleiros comprados ou produzidos pelas crianças, bem como materiais alternativos e inusitados, tais como pedrinhas, folhas, rolinhos de papel, elásticos, tecidos.57

No contexto de jogo, além da ludicidade, que é muito importante, a criança lida com uma infinidade de situações problema, em que informações, respostas alternativas e soluções estão em cena. Soma-se a isso a flexibilidade, a convivência, a confiança, o raciocínio, a descoberta, as regras, a lida com o ganhar e o perder, o conflito social e sua solução.

O trabalho proposto nessa formação está alinhado à “crença de que para além das habilidades linguísticas e lógico-matemáticas é necessário que os alunos da Educação Infantil tenham chance de ampliar suas competências espaciais, pictóricas, corporais, musicais, interpessoais e intrapessoais” (SMOLE, DINIZ E CANDIDO, 2000, p. 10, Vol. 1).

Os conhecimentos físico, lógico-matemático e social, descritos por Piaget,58 foram reapresentados, tendo em vista que esse é um conjunto de informações que há tempos é divulgado nos cursos de formação de professores e muito presente nas reflexões quando o assunto é a construção do número pela criança.

Com as educadoras dessa formação não foi diferente. A nossa opção para essa abordagem foi a de apresentar uma breve síntese e, em seguida, identificar o modo como esses tipos de conhecimentos estão presentes, de forma integrada, em diversos jogos. Para isso, descrevemos e vivenciamos os seguintes: Jogo das cores; Jogo dos pratinhos (encher e esvaziar); Pontinhos; Jogo da Velha; Descubra o número; Loteria; Aposta secreta; Cubra os números; Trilha (com e sem legenda); Jogo dos toquinhos; Jogo dos ovinhos.

Nesse contexto de discussão, a professora Maria Aparecida Silva relatou seu trabalho buscando reconhecer em sua prática alguns pontos abordados na formação, bem como analisar novas possibilidades didáticas. Leia a seguir, o registro dessa prática.

57. Para saber mais, consulte: volumes 1, 2 e 3 de SMOLE, DINIZ E CANDIDO, (2000).

58. Para saber mais, consulte: KAMII, (1995).

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Mini-história

O Jogo das coresMaria Aparecida Silva59

O contextoEste relato, elaborado pela professora Maria Aparecida Silva, descreve o “Jogo das

cores” criado com a coordenadora Ericka Maria Viegas Carlos60 e a professora Izabel Cristina Roza Sá.61 Ele foi realizado com sua turma denominada Maternal Verde, na Escola Infantil Amiguinhos de Jesus, no município de Barão de Cocais, MG.

Apesar de as atividades dinâmicas e fora da sala de aula já serem uma prática da escola, um novo olhar foi lançado a partir da formação com a equipe da Escola Balão Vermelho e COBAP, quando estudamos vários temas. Passamos a nos preocupar mais com a documentação pedagógica, a sermos mais críticos com os objetivos das atividades e reafirmamos o que já acreditávamos: que a criança de Educação Infantil aprende muito mais com atividades em que elas são protagonistas da ação.

O grupo é composto por 18 crianças, sendo dez meninas e oito meninos na faixa etária de três anos, que gostam de brincadeiras coletivas e com muito movimento. A maioria mostra-se interessada, sendo que alguns ainda precisam de muito estímulo para participarem das atividades de maneira independente. Nessa idade, as crianças solicitam maior investigação da professora na busca de atividades mais diversificadas e desafiadoras, compatíveis com o desenvolvimento e conhecimento que possuem.

Turminha do Maternal Verde.

59. É graduada em Pedagogia para Educação Infantil /anos iniciais e Pós-graduada em Práticas Pedagógicas pela UFOP. Leciona há sete anos na rede municipal, sendo cinco para Educação Infantil. Atualmente trabalha na Escola Infantil Amiguinhos de Jesus, onde atua há três anos com as turmas de maternal.

60. Professora efetiva da Rede Municipal de Educação. Atualmente coordena a Escola Infantil Amiguinhos de Jesus. Graduada em Letras pela FUNCEC e Pós-graduada em Práticas Pedagógicas pela UFOP.

61. Graduada em Pedagogia e Pós-graduada em Supervisão, Orientação e Inspeção escolar pela SOCIESC.

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O jogo das cores

As cores já fazem parte do nosso ambiente de trabalho de maneira dinâmica, a partir do interesse e da interação entre as crianças. Na Escola, são realizadas várias atividades envolvendo nomes e comparações de cores, como: jogo das cores com massinha, pintura coletiva, localizar objetos de acordo com a cor sinalizada pela professora.

Crianças brincando com as cores.

A escolha do “Jogo das Cores” teve como objetivo observar o que cada criança conhecia em relação às cores, perceber as dificuldades ainda existentes, trabalhar de forma lúdica considerando o interesse da turma.62

O espaço para a atividade foi previamente preparado com papéis das cores verde, azul, rosa, vermelha, amarela e laranja, fixados em cada pilastra do salão da escola.

Fomos da sala para o local onde as crianças se assentaram no chão e ouviram atentamente minha explicação:

Professora: – Hoje, vocês vão conhecer uma brincadeira muito legal. É o Jogo das Cores. Observem as pilastras do salão. Vamos falar o nome da cor que está em cada uma delas.

As crianças falaram o nome das cores. Em seguida, separei a turma em dois grupos. Um permaneceu assentado e o outro de pé.

Professora: – Vamos contar quantas meninas e quantos meninos têm nesses grupos?

Professora: – Agora, vou falar o nome de uma cor e todos correm para perto da pilastra que tem a cor que eu falar.

Alguns alunos correram rapidamente para a pilastra da cor citada, outros, que ainda não reconheciam a cor pelo nome, seguiram os colegas.

62. A professora teve como objetivo o trabalho sistemático com as cores, especialmente sua identificação pelo nome. A reflexão sobre a relação frágil entre o objetivo de ensinar cores e o trabalho com a matemática foram pontos analisados durante a formação e registrado ao final desse relato.

Crianças brincando com as cores.

Instrução da professora para o Jogo das Cores.

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Professora: – Agora vou falar o nome de uma criança e de uma cor. O nome da criança que for falado deverá ir para a pilastra que tem essa cor.

Professora: – Davi, na pilastra verde. Mariana, pilastra vermelha. Aqueles que se enganaram foram questionados por mim e sugeri-lhes que um

colega fosse ajudá-los: Professora: – Mariana, você tem certeza que esta é a vermelha? Thiago, vá com a

Mariana até a pilastra vermelha. - Professora

Corrida das crianças para a pilastra de acordo com cada cor.

De maneira semelhante aconteceu com o outro grupo.No momento seguinte, distribuí três bambolês no chão nas cores verde, azul e

amarela. Nomeamos as cores dos bambolês e quantificamos. Depois expliquei-lhes a nova

brincadeira.

Explicação da professora sobre a nova brincadeira.

Professora: – Vou falar o nome de alguns alunos que devem ir para dentro do bambolê da cor que eu disser.

Depois que as crianças se localizaram de acordo com o meu comando, eu perguntei a elas:

Professora: – Vocês estão dentro ou fora do bambolê? - E eu? Com outro material colorido, dei-lhes as seguintes instruções:Professora: – Vocês devem pegar as pecinhas que estão espalhadas no chão e

colocá-las dentro do bambolê da mesma cor. Conferimos os nomes das cores das peças e dos bambolês:Professora: –Que cor é essa? Crianças: – Verde! Professora: – Então, vocês colocarão dentro do bambolê...? Crianças: – Verde!

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Até que apresentei uma peça vermelha, que não tinha bambolê da cor correspondente:

Professora: – Que cor é essa? Crianças: – Vermelho! Professora: – Então vocês colocarão dentro do bambolê...? Crianças: – Vermelho! Tiago: – De nenhum. Vinícius: – Do lado de fora. Luiz Otávio: – Deixar no mesmo lugar!

Crianças criando estratégias para o jogo.

Cada criança criou sua estratégia para participar do jogo: uma peça de cada vez; três peças juntas ou muitas de cores variadas.

As peças brancas e vermelhas, que não tinham cores correspondentes, foram colocadas por mim, propositalmente. Uma das crianças percebeu e comentou:

Vinícius, mostrando a peça branca: – Não tem nada para essa aqui, ó!

Professora – Essa cor é aqui? E agora, o que vamos fazer? Uns ajudaram aos outros.Ao terminar essa atividade, as crianças brincaram livremente

com as pecinhas e comentaram:Lavínia, apontando para o esmalte: – Ô professora, essa

cor aqui é igual ao meu dedo. Professora: – E qual é a cor do seu esmalte? O colega ao lado responde:Kevelly: – É vermelho! As crianças começaram a comparar a cor do esmalte nas

unhas com as peças e com a calça do uniforme.Seguiram brincando livremente, encaixando as peças,

identificando e comparando cores e nomeando o que montavam.Essa atividade possibilitou que se movimentassem,

explorassem o espaço, trocassem ideias com seus pares, dando significado à situação.

Ao finalizar esse registro, algumas questões discutidas com a coordenação desse projeto de formação me levaram a novas reflexões:

• Como foi o processo de registro dessa atividade?• Após esse registro e os encontros de formação sobre o tema “Linguagem

matemática”, quais foram as novas reflexões? • Quando fizer esse jogo novamente com a turma, além das cores, quais outras

intervenções seriam possíveis para ajudar as crianças a ampliarem suas ideias

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em relação à matemática, mais especificamente àquelas referentes ao conceito de número, às figuras, formas e à geometria espacial?

Como educadores, buscamos enxergar a criança como sujeito de ação, que traz consigo uma bagagem e tem uma história que precisa ser considerada. Para que desenvolva o seu potencial, devemos oferecer-lhes situações que promovam construção de conhecimento.

Partindo desse pressuposto, elaborar esse relato, aqui apresentado, foi a oportunidade de registrar, refletir e amadurecer as propostas de atividades que venho desenvolvendo e que têm o objetivo de promover, de forma dinâmica e prazerosa para as crianças, vivências de conteúdo selecionados por nós. Digo isso porque, em nossa escola, organizamos nosso trabalho pedagógico a partir de conteúdos que selecionamos.

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Escutar, registrar, refletir: diálogos que provocam

No processo de produção deste texto, por meio das indagações sobre o trabalho pedagógico bem como sobre as intervenções da professora, foi interessante acompanhar suas reflexões, tomada de consciência e abertura para mudanças. Maria Aparecida reconheceu o potencial dessas atividades e, ao mesmo tempo, identificou outros aspectos que poderiam ser trabalhados e que estão para além das cores. Exemplo disso seria o reconhecimento e a valorização dos números, a realização de operações numéricas, de contagens orais, bem como as noções espaciais e a identificação das formas dos objetos e do espaço.

Com a elaboração desse registro, atrelado à formação temática e ainda o diálogo com os diferentes profissionais envolvidos nesse processo, a professora concordou que se abriu um leque de possibilidades relacionadas às intervenções didáticas, à escolha de material, ao agrupamento das crianças, às provocações para a aprendizagem.

Ficou claro, em seu relato, que as crianças exploram as possibilidades oferecidas durante o jogo, também em outras situações. É provável que o façam a partir de agora com frequência. Essa proposta abriu portas para novas investigações que as crianças não se proporiam sozinhas. Isso é uma das maneiras de avaliar o sentido da atividade para a turma.

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Linguagens oral e escrita Iniciamos as reflexões sobre linguagem oral e escrita, definindo dois conceitos

fundamentais: alfabetização e letramento.63 Alfabetização dá nome ao processo de aquisição da tecnologia da escrita, ou seja, aprender a ler e escrever; letramento denomina o exercício efetivo e competente da tecnologia da escrita, o qual implica capacidades, tais como: ler ou escrever para atingir diferentes objetivos, compreender, interpretar e extrair informações de tipos diversos de material escrito.

O termo letramento emergiu no contexto das transformações culturais, sociais, políticas, econômicas e tecnológicas ocorridas no final do século XX e, para estudiosos como Magda Soares (1998; 2010), ampliou o sentido do que tradicionalmente se conhecia por alfabetização. É que, enquanto a alfabetização se ocuparia da apropriação da escrita, possibilitando a capacidade de ler e escrever com autonomia, o letramento focalizaria o processo de inserção e participação na cultura escrita, inclusive em seus aspectos sócio-históricos. Diferentes quanto ao objeto e ao modo de aprendizagem, são práticas sociais interdependentes, indispensáveis.

O que comumente ocorre em sociedades como a nossa é a alfabetização ser desencadeada por práticas de letramento: ouvir histórias, conviver com livros e cartazes, por exemplo, observá-los, trocar correspondências.

A alfabetização na Educação Infantil foi um dos pontos indagados pelas professoras. Acreditamos que a escola deve proporcionar às crianças experiências significativas de exposição ao material escrito para que elas vivenciem a necessidade e a importância da leitura e da escrita desde o primeiro dia de sua escolarização. Nesse contexto, o que deve variar não é apenas a linguagem escrita posta ao alcance das crianças, mas o grau de compreensão e apropriação que elas alcançam.

A afirmativa de que a criança chega à escola trazendo consigo muitas informações sobre o funcionamento do sistema de escrita é baseada em estudos de base psicogenética.64 Tais estudos são realizados com o objetivo de entender, por um lado, etapas de processos construídos pelas crianças para aprender a ler e a escrever e, por outro, pesquisas que elas empreendem acerca de impressos.

Exemplificamos algumas pesquisas realizadas pelas crianças para obter esse conhecimento, enfatizando o modo como são impulsionadas e até mesmo determinadas pela necessidade cotidiana de comunicação, que tem como objeto de mediação a escrita.

Após apresentarmos algumas ideias importantes que as crianças constroem sobre o nosso sistema alfabético de escrita, analisamos um conjunto de estratégias didáticas que permitem às professoras explorarem e promoverem a construção de novas hipóteses pelas crianças. Ressaltamos aqui a importância do desenvolvimento da consciência fonológica das crianças como facilitador do trabalho com a linguagem escrita propriamente dito. Nas palavras de Emília Ferreiro (2004),65 o trabalho com a escrita envolve

(...) considerá-la como um objeto em si e descobrir algumas de suas propriedades específicas, que não são evidentes nos atos de comunicação. Grande parte desta reflexão tem a ver com as possibilidades de segmentação da fala, ou seja, com a descoberta de que aquilo que dizemos é passível de ser analisado em partes e que

63. Para saber mais, consulte: SOARES, (1998).

64. Para saber mais, consulte: FERREIRO e PALÁCIO, (1982); FERREIRO e TEBEROSKY, (1984).

65. Para saber mais, consulte: FERREIRO, (2004).

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essas partes podem ser comparadas entre si, ordenadas e reordenadas, classificadas como semelhantes ou diferentes. (FERREIRO, 2004, p. 9).

Nesse contexto, como ferramenta importante para o trabalho das professoras, foi apresentado um roteiro diagnóstico de alfabetização. Em oficina, cada professora construiu seu material para experimentar a efetivação dessa proposta, que acontece por meio de entrevistas individuais com as crianças. Tais entrevistas não têm por objetivo avaliar, pelo produto final, se a criança já sabia ou não ler e escrever, apenas identificar até que ponto e como ela sabia ler e escrever. Quanto à sua estrutura, solicitamos às crianças que escrevessem seus nomes, listas de nomes de animais, pequenos textos que sabem de memória e também que reescrevessem contos.

Outro ponto de destaque foi a inclusão da literatura infantil dentre os gêneros textuais oferecidos na Educação Infantil. Segundo Magda Soares,66 o letramento literário não só corresponde ao interesse das crianças, possibilitando-lhes uma alternativa de lazer, mas também apresenta valor formativo, na medida em que torna o mundo e a vida compreensíveis; em que facilita o amadurecimento emocional da criança; e na medida em que possibilita o acesso da criança a uma parte do rico acervo cultural das sociedades ocidentais – seus contos de fadas, fábulas e poemas. Não menos importante é o seu papel no desenvolvimento de habilidades de compreensão e interpretação de textos.

Com a finalidade de exemplificar as teorias trabalhadas na abordagem do tema “Linguagens oral e escrita”, Beatriz Aparecida Ferreira se propôs a relatar um projeto em que tais linguagens foram objetos de ensino. Segundo ela, esse projeto teve por objetivo promover, para as crianças, vivências com diversos usos sociais da leitura e escrita em situações em que de fato são necessários, ou seja, de modo contextualizado e funcional. É situado, portanto, principalmente no eixo Linguagem Oral e Escrita. Veja como ela desenvolveu esses objetivos junto a seus alunos.

66. Para saber mais, consulte: SOARES, (2010).

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Relato de projeto

Projeto salada de frutas: compartilhando sabores, vivenciando textos Beatriz Aparecida Ferreira67

Andrea Cristina Ventura Oliveira68

O contextoO relato apresentado a seguir foi elaborado pela professora Beatriz Aparecida

Ferreira, que trabalha com uma turma multisseriada Pré I e Pré II, composta por crianças na faixa etária de quatro a seis anos, na Escola Municipal Deputado João Nogueira de Rezende, situada na zona rural da cidade de Rio Piracicaba em Minas Gerais.

Beatriz desenvolveu com sua turma um projeto a partir da temática receita de salada de frutas, abordando diversos usos da leitura e da escrita. Nessa escola, frequentam crianças de quatro a nove anos.

Por se tratar de crianças vindas de várias comunidades rurais e pelo fato de muitos pais trabalharem na agricultura, as frutas estão muito presentes no cotidiano dessas crianças, motivo que inicialmente moveu minha escolha. Após trocar ideia com a especialista em educação Andréa Cristina Ventura Santos Oliveira, decidimos que poderia ser uma ótima prática a ser realizada.

Sendo uma turma multisseriada, a diversidade é ainda mais evidente. As informações de receitas disponibilizadas para a criançada do Pré-escolar II não foram novidade, mas para a turma do Pré-escolar I essas receitas foram trabalhadas pela primeira vez sistematicamente na escola.

Como começouA primeira proposta que fiz para as crianças foi a construção de uma lista de frutas

conhecidas por elas. Antes mesmo de escrevê-las, a fim de ressaltar uma das diagramações de lista,

perguntei-lhes: Professora: – Crianças, como se escreve no formato de lista? Crianças: – É uma debaixo da outra. Enquanto falavam, eu as escrevia no quadro. A cada palavra, eu intervia,

ressaltando algumas letras, questionando ou comparando suas partes sonoras e gráficas, relacionando-as com outras escritas registradas em cartazes afixados em nosso mural.

Professora: – Banana começa com qual letra? Débora: – B e depois A. Professora: – E maçã?- Começa com qual letra? Crianças: – M. Professora: – E o que tem em cima do A? Crianças: – Til.

67. Graduada em Pedagogia pela Universidade Luterana do Brasil e Pós-graduada em Docência na Educação Infantil e Anos Iniciais pela Universidade Cândido Mendes.

68. Licenciada em Pedagogia e Habilitação em Supervisão Escolar e Orientação Educacional e especialista em Gestão Organizacional pelo IES/FUNCEC, João Monlevade.

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Percebendo que um dos alunos não se manifestava, aproximei-me dele e perguntei-lhe:

Professora: – Qual das frutas é a sua preferida? Então, ele respondeu:Warley: – Suco. Professora: – Você gosta de qual sabor de suco? Warley: – Vermelho. Professora: – Como é essa fruta? Warley: – Bolinha. Professora: – Qual fruta que é uma bolinha e é vermelha? Warley: – Morango. E todos me ajudaram a escrever a palavra morango, falando as letras e associando

aos sons de nomes já conhecidos, por exemplo:Crianças: – M de Manu! (Nome da colega).Como nessa turma uma aluna já estava alfabética, no momento em que os alunos

não conseguiam associar a letra, ela os ajudava. Os alunos associaram a letra R ao nome de Rafaela, a letra A, ao nome Anádia, que

eram colegas de sala. Já a letra G foi associada à palavra gato.Depois de pronta, o ajudante do dia69 entregou o caderno de desenho e os alunos

copiaram a lista do quadro. A escolha do ajudante do dia foi feita seguindo a lista de nomes em ordem alfabética que ficava fixada na parede da sala. As crianças já sabem quem será a cada dia. Em seguida, solicitei a eles que desenhassem as frutas diante de cada nome copiado.

Cópia da lista de frutas dos alunos do Pré II.

A função da cópia neste momento foi ajudá-los a memorizar e treinar a grafia. Os alunos do Pré II copiaram os nomes com mais facilidade que os alunos do Pré I. Embora as expectativas de resultados fossem diferentes, como estão em turmas multisseriadas, realizaram a mesma atividade. Consideramos que as crianças tinham pouca familiaridade com a escrita em formato de lista, além de dificuldade com a grafia, o que é aceitável nessa faixa etária.

69. A função do ajudante é auxiliar a professora na entrega de materiais, nas tarefas do dia a dia e chamar algum funcionário da escola quando necessário.

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A leitura a partir do que se sabe sobre o texto: O que está escrito aqui?

Primeiro, para fazer a lista das frutas, solicitei aos alunos que falassem o nome das que conheciam enquanto eu escrevia no quadro. Em seguida, copiei-as em um cartaz que fixei no mural.

Em outro momento, a fim de retomar a nossa conversa e direcionar a leitura da lista, fiz alguns questionamentos:

Professora: – Quais frutas vocês disseram que estão na lista? Crianças: – Goiaba, bacaxi, laranja. Professora: – Débora, leia a lista para nós. Débora: – Abacate, abacaxi, banana, carambola. Professora: – Anádia, mostre no cartaz a palavra laranja. Começa com a mesma letra

do nome Larissa. Professora: – Warley, mostre onde está escrito uva. Professora: – Isabelly mostre a palavra banana. Professora: – Por que você acha que está escrito banana? Isabelly: – Porque começa com B. Professora: – Então, pedi que Isabelly lesse as palavras no cartaz. Isabelly: – A-BA-CA-XI.

Cartaz com a lista de frutas e aluna lendo as palavras.

Em seguida, perguntei a eles:Professora: – Quem já comeu salada de frutas? Crianças: – Eu! Professora: – O que colocamos na salada de frutas? Ketlin: – Banana. Isabelly: – Manga.João, mostrando o cartaz, vai lendo o nome das frutas.Professora: – Vocês acham que podemos colocar manga na salada? João: – Não, porque faz mal.

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Em função do mito na região que não se pode comer manga com leite, esse aluno associou que não podemos comer manga com as outras frutas. Expliquei-lhe que essa é uma crença que não procede e que poderíamos misturar os sabores, dando continuidade à escrita da lista.

Professora: – Quais outras frutas podemos colocar? Isabelly: – Bacate, bacaxi. Professora: – Vamos ver o nome das frutas no cartaz e vamos grifar as que podemos

usar na salada? Enumeramos dez frutas. As frutas preferidas ditadas por eles e que eram fáceis de encontrar na região foram

grifadas com a minha ajuda.

Lista das frutas grifadas para a salada de frutas.

Professora: – Que tal fazermos uma salada com essas frutas? Vocês me ajudam a escrever a receita?

Produção de texto compartilhada: como se escreve em cada caso?Neste momento, aproveitamos para conversar sobre esse gênero textual de receita

e sua funcionalidade. A turma do Pré-escolar II no ano anterior já havia participado de um momento semelhante a esse e já conheciam receitas. Para a turma do Pré-escolar I essa proposta era novidade.

Professora: – Como devemos organizar o texto para escrever uma receita? Isabelly: – Tem que colocar uma debaixo da outra. A receita construída coletivamente no quadro foi transcrita por mim em um cartaz

que, em outro momento, foi afixado em um mural, local escolhido pela turma.Professora: – Onde vamos colocar o cartaz com a receita? Em seguida, pedi a Débora (a uma aluna alfabética) para ler a receita. Depois a li

novamente.Professora: - Receita: Salada de frutas - Ingredientes...– O que são ingredientes? João: – As frutas. Enquanto as crianças falavam, eu registrava:– Bacaxi.– Banana.– Laranja.– Mamão.

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– Manga.– Moiango.– Pêia.– Goiaba.– Maçã.– Uva. Professora: – Agora que listamos os ingredientes, pergunto a vocês: sem o modo de

fazer podemos fazer a receita? Crianças: – Não!Com a minha ajuda e a participação de todos os alunos, escrevemos o modo como

se faz a salada de frutas.

Receita da salada de frutas no cartaz. Meninada participando da leitura do cartaz.

Em cada situação comunicativa, diferentes dados se tornam observáveisEm roda, continuamos a conversa sobre os detalhes e as providências para fazer a

salada. Foi neste momento que se tornou necessária a construção de um bilhete para as famílias, solicitando aos alunos a contribuição de algumas frutas.

Professora: – Então, para trazermos essas frutas de casa, temos que escrever um bilhete. Vocês sabem para que serve um bilhete?

Isabelly: – Para colar no caderno. João: – Para mostrar pra mãe. Professora: – Então, vamos escrever o bilhete? Vocês me ajudam? O que eu coloco

no bilhete? Como eu começo? Crianças: – Papai e mamãe.Isabelly: – Mas eu não moro com mamãe. Só com papai e vovó e vô. Professora: – Podemos escrever outra coisa. Que tal “Pessoal de casa”? Crianças: – Sim! Professora: – Que dia da semana podemos fazer a salada? João: – Dia 8. – disse, mostrando-o no calendário.Professora: – Hoje? Hoje não dá porque não temos as frutas.João aponta novamente para o calendário, escolhendo o dia 13.Professora: – Está bem. Em qual mês estamos? Crianças: – Abril.

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Professora: – Vamos escrever o bilhete. Vocês vão falando e eu vou escrevendo. Vamos escolher três frutas para pedir aos pais.

Professora: – Pode ser: mamão, banana ou laranja.Professora: – Quem vai mandar o bilhete? Ketlin: – Pessoal de casa. Professora: – Não. Pessoal de casa vai receber o bilhete.João: – Prezinho. Professora: – Temos que agradecer ou não? Crianças: – Sim. Obrigado! Professora: – Vamos escrever “obrigado”! Anádia: – Sim! Enquanto as crianças respondiam aos meus questionamentos relacionados ao

conteúdo, eu reestruturava o texto, organizando-o de acordo com o gênero proposto.O bilhete ficou assim:

Pessoal de casa,No dia 13 de abril de 2015 iremos fazer uma salada de frutas. Precisare-mos de laranja, mamão ou banana. Contamos com sua ajuda. Obrigada, Turma do Prezinho.

Bilhete enviado aos pais.

Combinamos, então, de enviar o bilhete para o pessoal de casa. Neste momento, reli-o para todos se certificarem sobre o conteúdo.

Professora: – Que tal convidarmos as outras turmas para comer a salada que iremos fazer?

Crianças: – Sim!

O quê, para quê, para quem, onde, como: aprendendo a fazer perguntas enquanto se escreveNa tentativa de criar nova situação de uso da escrita, sugeri às crianças que

escrevêssemos um convite. Uma nova situação desafiadora: Professora: – Em que momentos usamos o convite? João: – No dia do meu aniversário, meu pai convidou muitas pessoas. E eu e

meus irmãos ganhamos pesentes. Professora: – Como foi que seu pai convidou? Mandou convite? João: – Sim! Professora: – Vamos fazer um convite para as outras turmas? Vocês me ajudam? Professora: Vamos escrever convite. Como eu escrevo?As crianças ditaram letra por letra: Crianças: – C-O-N-V-I-T-E.

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Ao escrever a palavra convite, a aluna Débora, que escreve alfabeticamente, teve maior participação e os outros alunos ajudaram falando as letras que conheciam.

Meninada participando da construção do convite.

A construção foi coletiva com a intervenção da professora.Pedi a eles para olharem no calendário qual data poderíamos fazer a salada de fruta

para colocarmos no convite. Depois de finalizado, convidei a aluna Débora, que já é alfabética, para ler o convite

para conferir se precisaríamos completar algo.Professora: – A que horas vamos comer a salada?Débora: – Depois do almoço! Professora: – Às 10h, então?Crianças: – Sim! Professora: – E agora? O que falta no convite?Professora: – Vamos escrever “esperamos vocês”!Débora ditou as letras e eu as escrevi.Professora: – E aí? Terminamos o convite? Vejamos como ficou:

ConviteAs turmas do Pré I e Pré II convidam a turma de tia Magda para comer salada de frutas, no dia 13 de abril, às 10 horas.Esperamos vocês!

Depois do convite coletivo feito no quadro, duas crianças foram chamadas para copiá-los e encaminharmos às duas turmas convidadas. Logo após, professoras e alunos foram entregar o convite para as turmas.

Convite copiado por duas alunas.

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Momento de entrega do convite nas turmas.

No momento da realização da receita, no dia combinado, fizemos a releitura do texto e, logo em seguida, separamos as frutas. E a criançada, muito esperta, sabia o que seria feito a cada momento.

Meninada lavando as frutas.

Meninada preparando a salada de frutas.

Meninada saboreando a salada de frutas.

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Alfabetização em contexto de letramento: mais um desafioDepois dessa vivência, em sala, construímos diferentes jogos e situações para as

crianças pensarem e registrarem suas hipóteses de escrita. Por meio dos jogos “bingo de letras”, “brincar de escrever a lista das frutas”, “palavra intrusa”, “descubra onde dá para ler”, as crianças tiveram oportunidades de identificar as palavras fazendo reconhecimento da primeira e última letra. As crianças foram convidadas a grafar e identificar letras, descobrir e localizar palavras em meio a outras.

Bingo de letras Jogo Palavra Intrusa.

Essa prática contribuiu para que os alunos pudessem estar em contato com diversos gêneros textuais: lista, receita, convite e bilhete em situações reais de comunicação. Tiveram participação na prática, ao confrontar percepções; contribuição nas escritas e leituras, possibilitando uma maior interação entre elas; ampliação de repertório; e o desenvolvimento da leitura e escrita.

O processo de aprendizagem deve ser gradativo e o professor, como mediador, deve favorecer à criança a construção do sentido do que é significativo para ela.

Características principais tornadas visíveis • A valorização da experiência das crianças com as frutas foi o que estimulou este

Projeto.• Embora não tivesse um problema a ser investigado, fica claro o modo como o

desafio de preparar uma salada de frutas conduziu à necessidade de exploração e produção de diversos gêneros textuais, em função das comunicações pretendidas. Nesse sentido, as provocações para a aprendizagem ocorreram a cada novo problema prático e comunicacional enfrentado.

• As propostas de produção de texto, portanto, consideraram a linguagem como atividade sociointerativa, como forma de ação, como lugar de interação entre sujeitos, dentro de um determinado contexto social de comunicação e para um determinado fim.

• Houve investimento na busca de introduzir as práticas habituais de um escritor nas situações escolares e ajudar as crianças a descobrirem como escrever em cada caso.

• A participação das famílias e a partilha da salada com outras turmas foram exemplos concretos da efetividade da comunicação pela escrita.

• Em relação às listas de frutas, as funções de organizar, localizar e lembrar informações estiveram presentes.

• Quanto ao bilhete, foram trabalhados remetente e destinatário, modos de tratamento e despedida, assinatura, objetivos da comunicação.

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• Sobre a receita da salada de frutas, embora se tratasse de prescrição simples, seus componentes (ingredientes e o modo de fazer) estão bem delimitados e ordenados, com identificação dos verbos de ações.

• Como temos crianças de vários níveis de escrita, e até mesmo criança alfabética nesta turma, não deixo de explorar o potencial que cada uma tem. Por estarem em turmas multisseriadas, a troca de experiências vivenciadas por cada uma contribui para o avanço da construção da aprendizagem.

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Escutar, registrar, refletir: diálogos que provocam

Ao longo da revisão dessa documentação e na interlocução com a professora, à luz da teoria abordada, foram identificados e analisados diferentes aspectos relacionados à linguagem escrita.

Abaixo, estão aqueles que puderam ser inferidos no relato, mas que não receberam destaque nem descrição densa em seu registro.

• O envolvimento e potencial das crianças estiveram refletidos em suas participações e contribuições nas diversas produções emergentes nesse projeto, promovendo ampliação das informações bem como novas aquisições.

• Os jogos e situações de reflexão e registro sobre o sistema de escrita alfabético promoveram novas aquisições a esse respeito. Embora a alfabetização não seja finalidade da Educação Infantil, pois essa aprendizagem se estende no primeiro ciclo do Ensino Fundamental, percebe-se que não foi menosprezado o potencial das crianças nessa direção. Exemplo disso são os jogos “bingo de letras”, “brincar de escrever a lista das frutas”, “palavra intrusa”, “descubra onde dá para ler”, O que se ressalta é a possibilidade de se trabalhar de modo sistemático e lúdico esse eixo.

• Durante o processo de produção textual, foram vivenciadas diferentes situações comunicacionais, embora as intervenções não tenham evidenciado as expectativas das crianças acerca dos elementos que as definem, bem como o trabalho de adaptação e adequação do texto oral para o escrito.

• Trabalhou-se na perspectiva de que o conhecimento da criança sobre os textos escritos se constrói a partir do conhecimento que ela tem da língua falada, embora não tenha sido explicitado quais eram esses conhecimentos.

• Na produção do convite, estiveram presentes elementos semelhantes e diferentes do bilhete, o que poderia ter gerado interessantes análises e contrapontos.

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Tema 8

ProjetosA aprendizagem acontece quando há significado e elaboração de sentido pela

criança, se a atividade estiver situada em seu contexto histórico e cultural. É na relação direta com sua vida social que ela constrói modos de interpretar suas experiências, aprender sobre si mesma e sobre o mundo. Esse foi um dos grandes desafios enfrentados nesta formação.

Nos relatos de experiências das professoras cursistas, pode-se ver certa sobreposição entre método e postura pedagógica. A organização do trabalho nos projetos registrados seguia três momentos que visavam estabelecer o que as crianças já sabiam do tema investigado, o que queriam saber e o que aprenderam após a conclusão do projeto.

O investimento nos encontros de formação foi na busca pelo esclarecimento de que os projetos de trabalho são concebidos como uma postura pedagógica que gera situações de aprendizagens nas quais os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, científico e tecnológico da sociedade são ferramentas de apoio na busca de soluções para o problema proposto.

Problema, nesse contexto, é algo desafiador e não apenas uma dificuldade ou um desconhecimento de determinado conteúdo. Essa dimensão foi explorada, trazendo novos desafios para reflexão e amadurecimento da prática pedagógica.

Outro ponto explorado foi a ampliação dos projetos desenvolvidos por uma só turma, para a possibilidade de abranger duas ou mais turmas, do mesmo turno, entre turnos ou de toda a escola – exemplo disso são as datas comemorativas, por exemplo, festa junina.

Focalizando temas que sejam significativos para as crianças e também para os professores, os projetos são percursos de descoberta, de planejamento e resolução de problemas. Envolve criação, imaginação, ação, inteligência. Promove a coordenação de ideias e pontos de vistas, cooperação e tomada de decisão. Trata-se de um modo próprio de viver o cotidiano pedagógico e a complexidade que envolve a aprendizagem compartilhada entre crianças e adultos.

O tempo de duração de um projeto deve ser avaliado ao longo de todo o processo. Insistimos na referência da significação para as crianças e contextualização dos problemas que surgem durante as investigações. Sendo assim, o calendário escolar, as datas comemorativas ou demais marcadores cronológicos não devem se sobrepor aos interesses e às necessidades observados por um professor com escuta e olhar atentos.

Portanto, um projeto pode ser de longa duração e perpetuar até os anos seguintes de escolaridade ou serem curtos e substituídos por outras questões decididas junto à turma.

Tal como discutido e analisado nos encontros temáticos que fizeram parte dessa formação, os projetos de trabalho não se tratam de um “método”, mas sim de uma maneira de entender o sentido da escolaridade baseado no ensino para a compreensão, podendo ser caracterizados da seguinte maneira:

• Um percurso por um tema-problema que favorece a análise, a interpretação e a crítica (como contraste de pontos de vista).

• Onde predomina a atitude de cooperação?

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• O professor é um aprendiz e não um especialista (pois ajuda a aprender sobre temas que irá estudar com os alunos).

• Um percurso que procura estabelecer conexões e que questiona a ideia de uma versão única da realidade.

• Cada percurso é singular e se trabalha com diferentes tipos de informação.• O docente ensina a escutar o que os outros dizem, e assim também podemos

aprender.• Há diferentes formas de aprender aquilo que queremos ensinar (e não sabemos

se aprenderão isso ou outras coisas).• Uma aproximação atualizada aos problemas das disciplinas e dos saberes.• Uma forma de aprendizagem na qual se leva em conta que todos os alunos

podem aprender se encontrarem o lugar para isso.• Por isso, não se esquece de que a aprendizagem vinculada ao fazer, à atividade

manual e à intuição também é uma forma de aprendizagem. (HERNANDEZ, 1998, p. 82).

Em síntese, o trabalho pedagógico proposto nessa formação é centrado nos projetos em que a participação da criança ocorre desde a definição do tema ou do problema de investigação à seleção dos conteúdos, ferramentas e estratégias de estudo que contribuirão para as descobertas.

Por sua vez, das descobertas emergem novas demandas de pesquisa. É fato que quanto menor é a criança (um e dois anos, por exemplo), mais se exige da professora a observação atenta e cuidadosa, e, a partir de sua interpretação, ela conduz o projeto, organizando ambiente, oferecendo materiais e vivências em que as crianças possam se manifestar de diferentes maneiras.

E assim seguem adultos e crianças, aprendendo, cada qual com seus desafios, com suas possibilidades, suas interpretações e significados na busca incessante pela compreensão e aquisição do mundo a sua volta.

O texto a seguir foi elaborado a partir das análises que Eduarda Diniz e Elaine Neide fizeram do Projeto METAMORFOSE DA LAGARTA, descrito no tema “Avaliação e Documentação Pedagógica”, nesta publicação.

Elas esclarecem que, ao elaborarem o registro, o objetivo era dar visibilidade e problematizar as documentações feitas e o modo como elas contribuíram para a avaliação do percurso vivido. O propósito da reflexão que se segue é olhar, com mais atenção e análise, para o Projeto, dando relevância para o tratamento dado a esse tema, nesta formação.

Essa análise nos oferece a oportunidade, mais uma vez, de tematizarmos a delicada e necessária atenção e tensão entre o ensino e a aprendizagem, entre o professor e a criança, entre a expectativa e a vivência, entre o previsto e o genuíno.

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Relato de projeto

Reflexão sobre projetos a partir da experiência “A metamorfose da lagarta”Eduarda Diniz Mayrink70

Elaine Neide Silva Paulo71

Durante todo o desenvolvimento do Projeto METAMORFOSE DA LAGARTA na

classe, fizemos uma análise sobre os sentidos de sua realização na Educação Infantil e os desdobramentos dessa escolha metodológica na ação educativa. Percebemos um avanço considerável em nossos conhecimentos e conceitos, ao refletirmos sobre nossa prática.

Vários aspectos foram considerados quando escolhemos trabalhar com projeto para desenvolver ações com as crianças. O primeiro, sem dúvida o mais importante, é o sentido que pode ser atribuído às aprendizagens. Durante todo o processo de formação que vivenciamos ao longo da nossa prática, considerávamos que os projetos tinham como foco somente objetivos que desenvolviam as práticas de leitura e escrita.

Ampliamos muito essa visão e hoje entendemos que há projetos que têm como foco o desenvolvimento de comportamentos dos leitores ou visam à aproximação com determinados conceitos científicos ou fatos históricos, enquanto alguns são voltados para os conhecimentos em arte; outros para ampliar conhecimentos e informações por meio de pesquisas, reflexões, registros, entrevistas, visitas etc. Enfim, são inúmeras as possibilidades de investigações feitas com as crianças que podem ser organizadas por meio dessa forma de trabalho.

Os projetos podem reunir uma série de condições favoráveis para que nós, professores, possamos desenvolver nossa maior responsabilidade: promover a construção de novos conhecimentos com sentido e profundidade. Para isso, identificamos pontos que consideramos importantes, que avançamos em conhecimentos e farão parte da nossa prática. Um deles está relacionado à escolha do tema a ser trabalhado. A quem cabe essa decisão: ao professor ou à criança? As crianças são ávidas por conhecimento e o adulto pode potencializar esse interesse por tantos assuntos, oferecendo-lhes boas perguntas e bons cenários de pesquisa.

Hoje entendemos que o professor não deve conduzir as ações considerando exclusivamente seu ponto de vista, sua lógica. Ao contrário, um projeto visa dar sentido às aprendizagens e isso ocorre desde o início, com a escuta do que as crianças pensam e narram e a relação que o professor estabelece entre essa escuta e os propósitos de aprendizagens que vão definindo os caminhos para a escolha do tema. Foi assim que aconteceu com o Projeto Animais, quando trabalhamos com a Metamorfose da lagarta, tema que desperta muita curiosidade nas crianças.

70. Licenciada em Pedagogia pelo IES/FUNECE João Monlevade. Especialista em Psicopedagogia Institucional pela Universidade Castelo Branco, RJ.

71. Professora da classe de Educação Infantil de cinco anos, formada em Magistério de 1º grau – 1º ao 5º ano, na Escola Estadual Antônio Fernandes Pinto, em Rio Piracicaba.

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O nosso papel na condução de um projeto é de mediador, um provocador de novos sentidos e curiosidades. A intervenção acontece quando as crianças pedem uma investigação sobre um assunto e quando identificamos uma necessidade e consideramos que há tempo adequado para acrescentar novas perguntas ou informações.

A nossa atuação deve oferecer apoio constante para ampliar os saberes que circulam no grupo. A cada momento, devemos tomar atitudes que considerem a curiosidade das crianças, as intenções da pesquisa, a possibilidade de intercâmbio de opiniões, a negociação conjunta durante os momentos de socialização e a oportunidade de sistematizar os conhecimentos construídos pelo grupo para serem retomados e discutidos ao longo do processo.

Outro aspecto destacado é o foco do trabalho. Considerávamos antes o foco do trabalho com projetos mais voltado para a leitura do que para a investigação junto às crianças. Porém, vimos que podemos trabalhar tanto com leitura e escrita como com os conteúdos de Ciências. Nesse caso, o projeto deve desenvolver atividades relacionadas a esses usos, como: leitura feita pelo professor, procedimentos para o estudo de um texto, seleção de elementos que dialogam com a curiosidade das crianças, registro pelo professor de textos orais elaborados pelo grupo. E, para abordar os conteúdos de Ciências, esse mesmo projeto deve incluir observação de fatos e fenômenos, formulação de hipóteses, demonstrações e experimentos, reflexão sobre as leituras em diferentes fontes, registros, além das discussões e conclusões feitas de forma coletiva e individuais. Ou seja, também devem estar presentes atividades que fomentem a curiosidade e a construção de novos questionamentos relacionados às Ciências.

E, por último, o que gostaríamos de destacar é o tratamento que podemos dar à curiosidade das crianças, ao desejo de ver, conhecer, experimentar o novo, vontade de aprender, saber e pesquisar. Isso ficou muito claro para nós. Porém, é preciso perceber o que é essencial para determinado processo de pesquisa e cuidar que as perguntas elaboradas sejam de fato ferramenta para a reflexão. Colocar as crianças como protagonistas de suas aprendizagens significa interagir com as suas narrativas e expressões, interpretá-las e sempre relacioná-las com a intencionalidade do projeto.

Enfim, durante todo o processo formativo, o que ficou de aprendizagem e que vamos incorporar a nossa prática é que trabalhar com a modalidade Projetos torna o professor um pesquisador do pensamento das crianças, dos conhecimentos pertencentes à cultura e da sua prática.

O nosso desafio (que, sem dúvida, requer empenho) é criar condições para que as crianças expandam as suas experiências e não para que fiquem dando voltas em torno do que já sabem. Tudo isso demanda uma grande flexibilidade nas intervenções, pois não é possível prever tudo o que elas podem falar, pensar e relacionar após serem estimuladas por perguntas, pelos contextos de pesquisa, pelo acesso às informações de variadas fontes e, sobretudo, pela socialização dos conhecimentos com o grupo. Certamente, essas ações não nos parecem fáceis, mas, pelo resultado alcançado, vale muito a pena.

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Escutar, registrar, refletir: diálogos que provocam

Nessa reflexão, elaborada por Eduarda e Elaine, fica claro um dos pontos-chave da discussão sobre projetos: o sentido da aprendizagem. Quem atribui o sentido da aprendizagem são os sujeitos nela envolvidos, não podendo ser uma imposição externa. É emocionante ver as professoras/aprendizes revelando suas conquistas e, mais que isso, valorizando-as. Entretanto, cabe a nós dar continuidade à reflexão, diversificando-a e aprofundando-a.

O primeiro ponto a ser destacado é o modo como abordaram os conteúdos. Mais que selecionar conteúdos ou áreas de conhecimento, o que pretendemos com os projetos é contribuir para que as crianças interpretem e compreendam o mundo a sua volta, bem como reconheçam a si mesmas nele. Quando visamos às aprendizagens, devemos considerar esse sujeito e esse mundo, bem como as inter-relações entre ambos: o mundo da criança e a criança no mundo.

Nesse sentido, um contexto de aprendizagem rico é aquele que promove a realização, pela criança, de conexões e relações entre sentimentos, ideias, palavras, gestos e ações. É aquele que desafia e motiva a criança a lançar-se em investigações, a colocar indagações, a querer saber e se sentir capaz de compreender os fenômenos que a cercam.

E os temas? E os problemas de investigação? E o percurso de descobertas? Esses emergem do cotidiano, identificados e tematizados pela professora. E são eles, problemas reais ou abstratos, que definem o tempo, a profundidade, as ferramentas de pesquisa, as áreas de conhecimento ou disciplinas, as informações relevantes e suas fontes. Ao professor, cabe exercer papel fundamental de guia.

Ou seja, os projetos são percurso de investigação em que professor e alunos aprendem, cada qual em seu nível, sobre os diferentes conhecimentos construídos e valorizados na história da humanidade, proporcionando a aquisição e o uso de múltiplas linguagens. Consideramos legítima a preocupação de Eduarda e Elaine quanto à linguagem escrita, pois é, sem dúvida, muito importante, mas é uma entre tantas outras a serem aprendidas.

Acreditamos que as crianças são competentes e potentes, capazes de, à sua maneira, indagar, criar teoria, interpretações. Como dissemos no tema “A criança como sujeito do processo educativo”, nesta publicação, as crianças podem ser protagonistas na construção dos processos de conhecimento, quando encontrarem ambiente para isso. Sendo assim, propomos que envolvam as crianças durante todo o percurso do projeto, desde a definição do problema de investigação, ao planejamento do trabalho, a coleta, a organização e o registro das informações, a documentação, a avaliação e a comunicação.

Outro fator importante que nos entusiasma a trabalhar por projetos é o modo como podem estar presentes diferentes dimensões e relações de tempo, de espaço, de interações entre crianças e crianças, crianças e professor, crianças e comunidade escolar, criança e família.

Por último, ainda cabe ressalvar que não existe uma única estrutura de projeto a ser seguida, nem tampouco é possível ser reproduzido. Cada história é única. O projeto é exclusivo, é situado, historicamente datado, socialmente construído, singularmente vivido.

Reflexões finais e desdobramento

Revolvendo o jardim de infânciaRaquel Machado Martins de Barros72

O segredo é não correr atrás das borboletas…É cuidar do jardim para que elas venham até você.No final das contas, você vai achar,não quem você estava procurando,mas quem estava procurando por você!(Mário Quintana)

A reflexão de Quintana nos remete à imagem do jardim, lugar que instiga os sentidos de homens e animais que, encantados com as diferentes cores e formas, se inebriam e quedam encantados ante o perfume das flores, as diversas texturas e sabores das plantas, os sons dos pássaros, águas e folhas. A jardinagem é uma arte e como tal requer mãos hábeis e vocacionadas para revolver o solo e torná-lo fértil e propenso a fazer brotar a vida e a beleza.

Outrora chamadas de “Jardim de Infância”, tais instituições foram idealizadas pelo pensador alemão Friederich Froebel, criador do modelo no século XIX. Para ele, a criança é como uma planta em sua fase de formação, exigindo cuidados periódicos para que cresça de maneira saudável. Esse autor comparava os professores a jardineiros, daí a denominação “Jardim de Infância”.

Das reflexões de Froebel aos dias atuais, as evidências científicas demonstram que o professor é o facilitador no processo de busca de conhecimento que deve partir do aluno. O professor coordena as situações de aprendizagem e, por meio de um planejamento sistemático, organiza ações que respeitam os alunos como sujeitos únicos e, por fim, promove suas capacidades e habilidades intelectuais.

Com tais reflexões, finalizamos a presente obra, que reuniu os profissionais da Educação Infantil, da rede pública municipal de Rio Piracicaba, cursando a formação propiciada pela parceria com: Secretaria Municipal de Educação de Rio Piracicaba, Fundação Vale e Equipe do Congresso Brasileiro de Ação Pedagógica (COBAP).

A formação possibilitou a reflexão sobre o processo educacional da Educação Infantil com a discussão de temas relevantes entre os quais: A criança como sujeito do processo educativo; Educar, cuidar e brincar; A Pedagogia da Escuta, Avaliação e Documentação pedagógica; Projetos; Ambiente educativo; e Linguagens – oral e escrita, artes plásticas, musical, matemática.

A partir dos encontros aos sábados, os profissionais assimilaram o conhecimento compartilhado pelas formadoras, incorporando-o à sua prática diária. Para a professora Rosa Magna (Maguinha, Esc. Dona Rita), a formação veio para ampliar as possibilidades e

72. Chefe da Divisão Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação, Graduada em Enfermagem pela UFMG e Direito pelo IES/FUNCEC de João Monlevade; Especialista em Gestão Regional da Saúde pela Faculdade Senac/MG e Planejamento Financeiro e Orçamentário do SUS Municipal pela PUC/MG. Especialista em Direito Processual pelo IES/FUNCEC.

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confirmar, dentro de um conhecimento já adquirido, o que se pode considerar possível de realizar, fortalecendo e enriquecendo a sua prática.

Reconhecemos que o processo é paulatino e acontece em estágios diferenciados, uma vez que havia uma prática consolidada em anos anteriores, influenciada pelo modelo alfabetizador, no qual o aluno não é protagonista do processo. Para a professora Dircilene (Escola Sebastião Araújo), conhecer outras realidades é muito importante e nos faz refletir sobre nossa prática: “achei muito interessante a conduta, a postura e o jeito que os professores da Escola Balão Vermelho lidam com as crianças”.

Alguns profissionais incorporaram novas práticas ao seu fazer e acreditaram na proposta trazida pelas formadoras. Ainda que sejam consideradas mínimas, as mudanças significaram muito já que foram incorporadas a partir de uma reflexão dialogada. Segundo a professora Sheila (Escola Sebastião Araújo), ela aprendeu e cresceu muito com a formação; a riqueza dos jogos e sugestões de atividades aplicados em sala de aula contribuíram, consideravelmente, para o desenvolvimento dos alunos.

Importante destacar que o aprendizado proporcionado não anulou a prática realizada ao longo dos últimos anos, mas promoveu a integração entre saberes diferentes, que se uniram para elevar a qualidade da Educação Infantil. Para as professoras Marília e Edilaine (Escola Mickey), muito da prática aprendida já era aplicada, mas a importância da formação é enxergar por um novo prisma uma rotina que pode ser modificada.

Elas citaram, como exemplos, o calendário escolar e a rotina da escola onde trabalham. Tais práticas eram realizadas por meio da oralidade do professor e sem envolver o aluno no processo de construção. Com a formação, elas aprenderam a incluir a criança como sujeito ativo do processo (protagonista) e passaram a incluir a opinião dos alunos no planejamento das aulas.

As mudanças incomodam porque tiram o sujeito da “zona de conforto”, mas, ao mesmo tempo, promovem um renovar da postura e do fazer. Com o revolver da terra, busca-se nas camadas inferiores o frescor e a vitalidade que se incorporam à camada superior fazendo nascer um novo solo. Os modelos de avaliação e documentação pedagógica apresentados pelas formadoras da Escola Balão Vermelho despertaram uma mudança de mentalidade nas formandas.

O modelo até então adotado se baseava em uma grande quantidade de atividades (matrizes), produzidas pelo professor e reproduzidas pelos alunos. As professoras Elaine e Goreth (Escola Murillo Garcia) relataram que os tradicionais portifólios elaborados por elas não retratavam o processo de construção do saber dos alunos com o professor. Os modelos de documentação sugeridos durante a formação retratam os registros, demonstrando o passo a passo do trabalho do professor em sala de aula, dando-lhe mais visibilidade de todo o processo para a escola, pais e familiares.

Segundo Goreth (professora do Pré I), ela não acreditava que seus alunos, por estarem sendo introduzidos, “não dariam conta de acompanhar o novo modelo” e grande foi sua surpresa ao vê-los mais participativos e interagindo com ela na elaboração diária da rotina.

Merece especial destaque as produções escritas, que compõem esta obra e é importante ferramenta de reflexão e formação. Elas retratam o processo de transformação, que aconteceu nas escolas de Educação Infantil, a partir dos aprendizados possibilitados pela formação realizada nos meses de junho de 2014 a agosto de 2015.

Deixamos aqui nossa mensagem de agradecimento a todos aqueles que acreditaram na proposta e participaram dos encontros presenciais e mensais às sextas e sábados; das visitas à Escola Balão Vermelho em Belo Horizonte e ao árduo trabalho da

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escrita. Esperamos que a presente publicação sirva de estímulo para que a reflexão da prática continue acontecendo e oriente outros projetos e escritas.

Resta-nos agora a inenarrável missão de voltarmos aos Jardins de Infância e aguardarmos as crianças, que, leves e faceiras como borboletas, virão ao encontro do surpreendente universo do conhecimento.

A formação em contexto de professores da Educação Infantil do município de Barão de CocaisMara Cristina Almeida Soares73

A oferta da Formação Continuada proporcionada pela parceria Fundação Vale, COBAP e SME para as professoras de Educação Infantil da Rede Municipal de Barão de Cocais representou uma grande oportunidade de estudo e reflexão sobre a teoria e prática na sala de aula, pois trabalhar com crianças de Educação Infantil exige do professor conhecimentos básicos sobre as relações entre o ensino e a aprendizagem das crianças pequenas.

No seminário de abertura do Projeto, foi apresentada a proposta de formação elaborada pelo COBAP, aplicado um questionário, tendo como base os Indicadores de Qualidade de Educação Infantil, com o objetivo de trazer elementos que aproximassem a Equipe do COBAP e da Escola Balão Vermelho à realidade pedagógica vivida pelo grupo de professoras e gestoras de Educação Infantil do nosso município.

O trabalho foi organizado em Grupos Temáticos realizados aos sábados, de acordo com a estrutura curricular e orientações pedagógicas que norteiam a Educação Infantil. Ainda, foram discutidas as práticas pedagógicas que acontecem em sala de aula, por meio de oficinas, vídeos, bem como a reflexão e discussão teórica dos temas.

O primeiro grupo temático foi sobre a Pedagogia da Escuta, a Avaliação e Documentação Pedagógica. Foi um tema de muita dificuldade de aceitação e compreensão por parte dos professores e gestores, pois não temos o costume de fazer registros de uma prática ou de escutar ou observar a criança com a intenção de transformar este documento em instrumento de avaliação e de material para apresentação para pais e para a escola. Retomando a memória, lembramos que a prática de construir um portfólio já foi utilizada nas escolas da rede Municipal há alguns anos, mas, talvez, com a facilidade de se obter material na internet, os professores abriram mão desse registro.

Ao discutirmos esse tema, percebemos que um acúmulo de folhas sem intenção e reflexão não é suficiente para garantir que as crianças aprendam. É fundamental que o professor registre os comentários, as informações e apreciações sobre as particularidades vividas pelas crianças, pois são esses registros que vão contribuir para a avaliação do professor acerca do processo de ensino e de aprendizagem. É o que confirma Eliza Aparecida dos Santos, diretora das Escolas do Campo, “Vejo como o registro é importante

73. Professora efetiva da Rede Municipal e, atualmente, trabalha na Casa do Aprender de Barão de Cocais, como Coordenadora Pedagógica da Rede e como Formadora para os diversos segmentos escolar. É Graduada em Pedagogia, pela FAE de João Monlevade - MG e Pós-graduada em Tutoria em EAD pela UFMT e em Fundamentos Didáticos pela Faculdade São Luiz -SP.

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para o sucesso da aprendizagem. Por meio dele, posso acompanhar o desenvolvimento de cada aluno”.

Já para Éricka Maria Viegas Carlos Santos, diretora da Escola Amiguinhos de Jesus, “todas as práticas contribuíram de alguma forma, mas algumas deixaram marcas mais fortes, como preocupar com a documentação pedagógica, que é o trabalho de informar, registrar e detalhar a prática”.

No grupo temático sobre o Ambiente Educativo, os professores discutiram e se identificaram muito com a construção da rotina e dos murais de sala. Essa prática vem sendo desenvolvida e aplicada pelos professores, com o entendimento de que os recursos didáticos usados para compor o ambiente educativo precisam ter significado para a criança e, principalmente, ajudá-lo na construção do conhecimento.

Na linguagem matemática, os professores viram como é importante identificar e incentivar o raciocínio lógico-matemático das crianças e aprenderam como os jogos e oficinas podem favorecer tais relações.

Para Margaretti Bretas Diniz, diretora da Escola Municipal João Raimundo, “a matemática oferece subsídios para estabelecer e associar o conhecimento de forma prazerosa dentro do contexto educativo, relacionando a vivência da matemática com a vida das crianças”.

Nas linguagens, os professores tiveram oportunidade de vivenciar práticas de arte e da música, que permitem a aprendizagem, sem seguir o modelo de repetição dos padrões artísticos e musicais. Isso é comprovado pela fala da professora Nilza Cássia de Souza Gonçalves da Escola Municipal Carmem Martins, que considerou a temática “Linguagem Musical” como a que mais marcou, “pois, por meio de objetos simples e até pelo próprio corpo, é possível criar uma aula, produzir sons e momentos ricos de aprendizagem”.

Sobre a temática de projetos, que já é uma vivência nas escolas da rede, foi importante ver outra concepção, além de novas possibilidades. Trabalhar não apenas temas infantis e sim de acordo com curiosidades da turma e com um tempo maior foi uma das aprendizagens.

As proposições apresentadas no tema “Linguagem Escrita” foram muito bem aceitas pelos professores, sendo um estudo de grande demanda e vivência deles. A alfabetização na Educação Infantil para algumas escolas da Rede é vista como necessária e até prioritária. A apresentação de situações de escrita e leitura em contextos funcionais foi um momento de muitas trocas. As dicas, com novas possibilidades de levar para sala de aula o que não está acessível na mídia, com a liberdade de criação, para que a escola vá além do senso comum, indicou a direção de que devemos ajustar o currículo e a prática, para que possamos ter novas ações para o dia a dia.

Dessa forma, o estudo coletivo com o grupo de professores da Educação Infantil provocou importantes debates sobre posturas e questões didáticas vivenciadas ao longo dos anos. É importante lembrar que é necessário que as professoras trabalhem com a interação, mediação e intervenção, para aprofundar conceitos, procedimentos e atitudes diante das crianças. Desse modo, os conhecimentos, os aspectos cognitivo, afetivo, social e motor, bem como a produção de saberes passam a ter cada vez mais sentido para as crianças. Além disso, a formação apresentou para as professoras novas reflexões, confirmando que os primeiros passos na vida escolar das crianças são de fundamental importância para a longa caminhada que terão pela frente.

Um ponto importante que devemos ressaltar foi a mediação feita pela formadora de referência da Escola Balão Vermelho, Ana Paula Rodrigues, que acompanhou todos os encontros e soube alinhar bem as diversidades e conflitos que surgiram durante esses

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encontros. Com um grupo de 55 professores, que tinham uma prática de sala de aula já consolidada, já era previsto que, diante de uma nova formação, geraria insegurança e medo do novo. Mudar a prática e quebrar paradigmas, de certa forma, imposta pela Rede Municipal e vinda de profissionais de uma escola particular, provocou discussões e incômodos. Muitos professores pensavam que as propostas só seriam possíveis para um público diferenciado de escola particular, com poucos alunos na sala e com monitoras. Realidade diversa das escolas da Rede Municipal.

Nas discussões dos registros, muitas dúvidas surgiram, pois não temos a prática de escrever o que estamos fazendo com as crianças e o que elas estão aprendendo. Tínhamos a prática de reproduzir textos xerocados e enviados para casa. A formadora de referência, Ana Paula Rodrigues, ajudou o grupo de gestoras e de professores a estabelecer um olhar entre o velho e o novo e a real necessidade de aprendizagem dos alunos de Educação Infantil.

Segundo a opinião de Gilvânia Bittencout da Silva, diretora da Escola Municipal Casinha Feliz, “Ana Paula, nos encontros com as gestoras, fazia uma sondagem do que acontecia nas escolas e falava do tema do encontro seguinte. Isso facilitava o entrosamento com os professores”. Por outro lado, ainda segundo Gilvânia, “as visitas do grupo de gestoras à Escola Balão Vermelho mostraram que as técnicas usadas e trabalhadas com os professores na formação são reais e dão certo”.

Em se tratando de um legado que essa formação deixou para os professores de Barão de Cocais, fica expresso, nas palavras da professora Giselda Conceição Pereira, da Escola Municipal Norma Horta, que “ganhamos com a formação em atividades mais criativas, novos olhares e atitudes sobre reações das crianças, novas estratégias de ensino, novas posturas e intervenções mais elaboradas diante de atividades cotidianas na sala de aula”.

A professora Maria Aparecida Silva, da Escola Municipal Amiguinhos de Jesus, conclui que “a criança, como sujeito do processo educativo, nos faz refletir sobre todas as áreas, pois temos que levar em conta que ela é capaz de construir e não somente receber informações. É preciso adaptarmos a pedagogia da escuta, a documentação pedagógica, a afetividade e aprendizagem, a educação do cuidar e educar e brincar, da educação matemática, do ambiente educativo da linguagem musical, da linguagem oral e escrita, dentro da visão da criança, como sujeito do processo educativo, para que de fato isso tudo faça sentido para ela”.

Considerações finaisAdriana Torres Máximo Monteiro74

Alessandra Latalisa de Sá75

À guisa de uma finalização, salientamos que, durante todo o processo formativo das professoras de Barão de Cocais e Rio Piracicaba, apostamos na busca coletiva de opções de ações pedagógicas que reconhecessem a criança como sujeito ativo e competente. Analisamos e indagamos práticas cristalizadas, que, pela força da cultura escolar, há tempos vinham sendo desenvolvidas de uma mesma maneira. Oferecemos às professoras a oportunidade de se incluírem no processo de formação como sujeitos participativos. Assumindo o papel de aprendizes e autoras de seus ideais educativos, movidas pelo desejo de aprender; lançaram-se a um caminho que não tem volta: transgrediram as próprias práticas e teceram um fazer educativo que tem nas crianças a sua centralidade.

Por ora, o resultado dessas conquistas se torna evidente nesta publicação. Aqui, confirmam-se as reflexões e experiências de todas nós. Afinal, também somos sujeitos desse processo e nos empenhamos em contribuir para a formação de uma sociedade alegre e justa. Seguindo esse princípio, acreditamos ter criado boas condições para ampliação da qualidade das práticas pedagógicas de Educação Infantil existentes nos municípios de abrangência, bem como o rigor por parte das professoras e gestoras da necessidade de registrar e refletir a prática permanentemente para se chegar à execução de uma educação voltada para a infância. Sempre lembrando que, se quisermos ensinar, compreender e intervir na realidade, não devemos abrir mão de aprender, não é mesmo?

Agradecemos a Fundação Vale pela oportunidade de nos receber como parceiros técnicos. O apoio dispensado a nós foi fundamental para a total execução, desenvolvimento e conclusão do CURSO DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL. Vale destacar que os beneficiários diretos são as professoras, mas as crianças, as famílias e a comunidade ganham quando as suas participações são valorizadas.

Destacamos também a presença constante dos Secretários de Educação dos municípios, que, além de nos receberem com cordialidade e carinho, apostaram neste projeto e foram parceiros na empreitada. Essa condição tornou possível o enfrentamento e o desafio necessário para a implementação de uma educação que prevê e fomente a formação permanente dos profissionais (professores, gestores e auxiliares).

Mais uma vez, registramos aqui nossos genuínos agradecimentos a todos os que participaram desta formação.

74. Mestre e doutora em Educação – Coordenadora Pedagógica deste projeto, organizadora desta publicação.

75. Mestre e doutora em Educação – Coordenadora Pedagógica deste projeto, organizadora desta publicação.

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Formação de professores a partir de relatos de experiências:

O trabalho pedagógico na Educação Infantil dos Municípios de Barão de Cocais e Rio Piracicaba