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FORMAÇÃO DE PROFESSORES: OLHARES SOBRE OS SABERES E PRÁTICAS DOCENTES NO ESPAÇO ESCOLAR Este painel apresenta três olhares sobre a formação de professores, com foco em saberes e práticas docentes. O primeiro buscou analisar o diálogo entre os aspectos dos saberes e práticas tradicionais na construção do projeto político-pedagógico étnicos numa perspectiva intercultural, com práticas pedagógicas de escolas Sateré-Mawé. O segundo teve como objetivo analisar a experiência de uma escola a partir dos princípios da educação popular, com o propósito de identificar possibilidades e limites na formação de professores e professoras que atuam com as camadas populares. E o terceiro trabalho discutiu a educação em ciências na educação infantil e visou analisar as compreensões dos professores sobre educação em ciências e seus reflexos nas práticas pedagógicas desenvolvidas com as crianças. A partir da articulação destas três pesquisas, foi possível compreender que os saberes e práticas dos professores são oriundos de uma construção coletiva cotidiana de conhecimentos pedagógicos que se constituem no processo formativo de professores em seus vários espaços formativos desde a formação inicial até à formação em serviço no espaço escolar. As três abordagens que compõe este painel convergem para a formação continuada de professores a partir do cotidiano escolar seus saberes e práticas em contexto educacional amazônico, tendo como eixo central a reflexão sobre a prática pedagógica. Portanto, no repensar das práticas a partir do diálogo entre a escola e comunidade, na construção coletiva dos saberes escolares se dará o direcionamento necessário à construção do projeto pedagógico discutido e elaborado pelos próprios sujeitos no processo educacional.Este painel apresenta três olhares sobre a formação de professores, com foco em saberes e práticas docentes. O primeiro buscou analisar o diálogo entre os aspectos dos saberes e práticas tradicionais na construção do projeto político-pedagógico étnicos numa perspectiva intercultural, com práticas pedagógicas de escolas Sateré-Mawé. O segundo teve como objetivo analisar a experiência de uma escola a partir dos princípios da educação popular, com o propósito de identificar possibilidades e limites na formação de professores e professoras que atuam com as camadas populares. E o terceiro trabalho discutiu a educação em ciências na educação infantil e visou analisar as compreensões dos professores sobre educação em ciências e seus reflexos nas práticas pedagógicas desenvolvidas com as crianças. A partir da articulação destas três pesquisas, foi possível compreender que os saberes e práticas dos professores são oriundos de uma construção coletiva cotidiana de conhecimentos pedagógicos que se constituem no processo formativo de professores em seus vários espaços formativos desde a formação inicial até à formação em serviço no espaço escolar. As três abordagens que compõe este painel convergem para a formação continuada de professores a partir do cotidiano escolar seus saberes e práticas em contexto educacional amazônico, tendo como eixo central a reflexão sobre a prática pedagógica. Portanto, no repensar das práticas a partir do diálogo entre a escola e comunidade, na construção coletiva dos saberes escolares se dará o direcionamento necessário à construção do projeto pedagógico discutido e elaborado pelos próprios sujeitos no processo educacional. Palavras-Chave: Formação De Professores, Saberes Docentes, Práticas Educativas XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 2204 ISSN 2177-336X

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FORMAÇÃO DE PROFESSORES: OLHARES SOBRE OS SABERES E

PRÁTICAS DOCENTES NO ESPAÇO ESCOLAR

Este painel apresenta três olhares sobre a formação de professores, com foco em saberes e

práticas docentes. O primeiro buscou analisar o diálogo entre os aspectos dos saberes e práticas

tradicionais na construção do projeto político-pedagógico étnicos numa perspectiva intercultural,

com práticas pedagógicas de escolas Sateré-Mawé. O segundo teve como objetivo analisar a

experiência de uma escola a partir dos princípios da educação popular, com o propósito de

identificar possibilidades e limites na formação de professores e professoras que atuam com as

camadas populares. E o terceiro trabalho discutiu a educação em ciências na educação infantil e

visou analisar as compreensões dos professores sobre educação em ciências e seus reflexos nas

práticas pedagógicas desenvolvidas com as crianças. A partir da articulação destas três pesquisas,

foi possível compreender que os saberes e práticas dos professores são oriundos de uma

construção coletiva cotidiana de conhecimentos pedagógicos que se constituem no processo

formativo de professores em seus vários espaços formativos desde a formação inicial até à

formação em serviço no espaço escolar. As três abordagens que compõe este painel convergem

para a formação continuada de professores a partir do cotidiano escolar seus saberes e práticas

em contexto educacional amazônico, tendo como eixo central a reflexão sobre a prática

pedagógica. Portanto, no repensar das práticas a partir do diálogo entre a escola e comunidade,

na construção coletiva dos saberes escolares se dará o direcionamento necessário à construção do

projeto pedagógico discutido e elaborado pelos próprios sujeitos no processo educacional.Este

painel apresenta três olhares sobre a formação de professores, com foco em saberes e práticas

docentes. O primeiro buscou analisar o diálogo entre os aspectos dos saberes e práticas

tradicionais na construção do projeto político-pedagógico étnicos numa perspectiva intercultural,

com práticas pedagógicas de escolas Sateré-Mawé. O segundo teve como objetivo analisar a

experiência de uma escola a partir dos princípios da educação popular, com o propósito de

identificar possibilidades e limites na formação de professores e professoras que atuam com as

camadas populares. E o terceiro trabalho discutiu a educação em ciências na educação infantil e

visou analisar as compreensões dos professores sobre educação em ciências e seus reflexos nas

práticas pedagógicas desenvolvidas com as crianças. A partir da articulação destas três pesquisas,

foi possível compreender que os saberes e práticas dos professores são oriundos de uma

construção coletiva cotidiana de conhecimentos pedagógicos que se constituem no processo

formativo de professores em seus vários espaços formativos desde a formação inicial até à

formação em serviço no espaço escolar. As três abordagens que compõe este painel convergem

para a formação continuada de professores a partir do cotidiano escolar seus saberes e práticas

em contexto educacional amazônico, tendo como eixo central a reflexão sobre a prática

pedagógica. Portanto, no repensar das práticas a partir do diálogo entre a escola e comunidade,

na construção coletiva dos saberes escolares se dará o direcionamento necessário à construção do

projeto pedagógico discutido e elaborado pelos próprios sujeitos no processo educacional.

Palavras-Chave: Formação De Professores, Saberes Docentes, Práticas Educativas

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2204ISSN 2177-336X

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SABERES E PRÁTICAS TRADICIONAIS NA CONSTRUÇÃO DO PROJETO

POLÍTICO-PEDAGÓGICO EM ESCOLAS INDÍGENAS SATERÉ-MAWÉ

Thelma Lima da Cunha Marreiro– IFAM/CMZL

[email protected]

RESUMO

Os saberes e práticas tradicionais do povo indígena Sateré-Mawé são um desafio ao processo

de construção do projeto político-pedagógico, tendo em vista a necessidade da redefinição das

práticas do diálogo entre a escola e o sujeito histórico em seu contexto cultural, político e

socioeconômico. Deste modo este artigo tem por objetivo analisar os saberes e práticas

tradicionais na construção do projeto político-pedagógico em escolas indígenas do Povo

Sateré-Mawé. Além de entender a participação dos professores indígenas neste processo,

numa perspectiva do diálogo intercultural nas práticas e saberes pedagógicos das escolas

Sateré-Mawé, na área indígena do Rio Marau, no município de Maués, estado do Amazonas.

A pesquisa foi desenvolvida numa abordagem qualitativa, com o uso da observação

participante, entrevista semiestruturada e análise documental para a coleta de dados, que

apontou o protagonismo dos professores Sateré-Mawé na busca da redefinição de práticas

etnocêntricas de um projeto escolar de negação, colonização e opressão sociocultural,

direcionando para mudança das ações didático-pedagógicas contextualizadas nas

características socioculturais indígenas do seu Povo. O contexto da pesquisa foi realizado

durante o período dos encontros pedagógicos dos professores Sateré-Mawé da área Indígena

Andirá-Marau, no médio rio Amazonas. Assim, procurou-se entender e valorizar os saberes e

práticas no processo de construção de um projeto político-pedagógico discutido e elaborado

pelos próprios Sateré-Mawé, que teve início a partir dos estudos e discussões realizados nas

disciplinas do programa de formação de professores, em nível do Ensino Fundamental e

Médio, inserido no Projeto Pira-Yawara, oferecido pela Secretaria de Estado da Educação e

Qualidade do Ensino – SEDUC.

PALAVRAS-CHAVE: Saberes tradicionais. Escola Sateré-Mawé. Projeto Político-Pedagógico

Étnico.

Introdução

O presente trabalho fundamenta-se em uma pesquisa realizada com professores

indígenas Sateré-Mawé tendo como foco os saberes e práticas tradicionais na construção do

projeto político-pedagógico étnico de suas escolas. Esses professores atuaram como

protagonistas em busca de uma redefinição das práticas do diálogo intercultural entre a escola

e o sujeito histórico em seu contexto, nas escolas Sateré-Mawé da área indígena do rio Marau,

Urupadi e Miriti. Este povo vive atualmente na Área Indígena Andirá-Marau, localizada no

médio rio Amazonas, entre os municípios de Maués, Barreirinha e Parintins. Entretanto, nas

últimas décadas houve uma redução significativa em seu território, em consequência da

expansão econômica capitalista dos processos de colonização da sociedade nacional. Os

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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exploradores de especiarias e atividades de extrativismo animal e mineral, ao longo dos rios

situados nos municípios de Maués, Barreirinha, Parintins e Itaituba em direção à floresta,

invadiram o território Sateré-Mawé expulsando-os de suas terras tradicionais.

Em suas lutas, o Povo Sateré-Mawé reivindicou a legalização das terras, que foram

demarcadas a partir de 1982 e homologadas em 1986, perfazendo um total de 788.528

hectares, na divisa dos estados do Amazonas com o Pará (Instituto Socioambiental, 2001, p.

02). De acordo com os dados do diagnóstico sócio-demográfico participativo, a maioria deles

(que participou da pesquisa) vive na parte da área indígena compreendendo a bacia do rio

Marau, totalizando 3.288 indígenas distribuídos em 37 aldeias (TEIXEIRA, 2005). No

entanto, em comparação ao seu território tradicional, essa área representa uma pequena

extensão em relação aos povos que habitavam antigamente estes locais. Atualmente segundo

dados da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), o total da população Sateré-Mawé está

estimada em 10.761 pessoas que residem tanto na área indígena como na área rural

(FUNASA, 2010).

Esta investigação foi desenvolvida ao longo da construção do projeto político-

pedagógico do povo Sateré-Mawé da área indígena do rio Marau, a qual teve seu início a

partir dos estudos e discussões realizados nas disciplinas do programa de formação de

professores, em nível do Ensino Fundamental e Médio, inserido no Projeto Pira-Yawara,

oferecido pela Secretaria de Estado da Educação e Qualidade do Ensino – SEDUC.

Os professores foram os protagonistas na construção deste Projeto Político-

Pedagógico das escolas de suas comunidades, representando o fortalecimento da sua

identidade como uma iniciativa pioneira na efetivação dos direitos políticos e sociais

conquistados na Constituição Federal de 1988 (nos art. 208, 210, 215, 231) e na Lei de

Diretrizes e Bases da Educação 9394/96 (nos art. 32, 78 e 79).

Problema

Quais os saberes e práticas tradicionais na construção do projeto político pedagógico

étnico das escolas indígenas do Povo Sateré-Mawé, que participação teve os professores

indígenas neste processo pedagógico e como nele se deu a articulação dos conhecimentos

tradicionais Sateré-Mawé?

Objetivos

O objetivo principal da pesquisa foi analisar os saberes e práticas tradicionais na

construção do projeto político pedagógico das escolas do Povo Sateré-Mawé do rio Marau,

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Área Indígena Andirá-Marau, região do Médio rio Amazonas, e também da participação dos

professores indígenas neste processo, numa perspectiva do diálogo intercultural, buscando

romper com os paradigmas etnocêntricos de um projeto colonizador e de opressão cultural.

Procurou-se entender os processos de elaboração dos elementos da proposta pedagógica e a

valorização dos saberes e práticas tradicionais, bem como examinar as concepções dos

professores indígenas sobre o significado do projeto político pedagógico, tomado como

possibilidade de construção do modelo próprio de escola e de superação do preconceito

sofrido pelos indígenas durante a implantação da escola tradicional com professores não-

indígenas.

Procedimentos Metodológicos

Os procedimentos metodológicos foram desenvolvidos com abordagem qualitativa na

perspectiva do método hermenêutico-dialético (MINAYO, 2004) para análise dos dados.

Nesse sentido, a ênfase foi dada à interpretação e compreensão dos significados simbólicos

implícitos nos saberes e práticas tradicionais envolvidas na construção do projeto político-

pedagógico.

Os dados foram coletados tendo como sujeitos investigados professores indígenas,

comunitários e lideranças indígenas Sateré-Mawé, por ocasião da participação nas reuniões do

Encontro Pedagógico dos Professores Sateré-Mawé, na área do rio Marau, município de

Maués, no Médio rio Amazonas. Foi utilizada a observação participante que permite interagir

com os informantes, compartilhar suas rotinas, preocupações e experiências de vida,

colocando-se no lugar dos sujeitos observados, tentando entendê-los (MOREIRA, 2002). E

com a aplicação da entrevista semi-estruturada que envolveu dez (10) professores, membros

das comunidades em estudo, cinco (05) lideranças indígenas, dois (02) representantes das

secretarias municipal e estadual de educação e das organizações indígenas, envolvidos na

construção do projeto político-pedagógico do Povo Sateré-Mawé.

A análise documental possibilitou analisar os documentos governamentais e relatórios

dos encontros, cursos e assembleias dos professores sateré-mawé, e uma versão original do

projeto político-pedagógico do Povo Sateré-Mawé. Isso possibilitou a compreensão das

formas de inter-relações entre os saberes e práticas tradicionais e o contexto escolar, tendo

como base o conhecimento das características do contexto histórico e sociocultural em que foi

construído o projeto pedagógico e sua relevância para a valorização e afirmação da identidade

cultural do povo Sateré-Mawé.

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Discussão e Resultados

Percebemos que educação escolar sateré-mawé precisa inserir em seu projeto político-

pedagógico conteúdos pertinentes às necessidades, aos interesses e às aspirações atuais da

vida individual e social do sujeito, partindo dos saberes e práticas tradicionais. Nesse sentido

é fundamental que os saberes e práticas tradicionais do Povo Sateré-Mawé seja articulado no

processo de construção do projeto político-pedagógico como possibilidade de redefinição de

propostas pedagógicas, compreendendo seu significado para a presente vida social, que

valorizem os conhecimentos ocidentais e os indígenas.

Deste modo, a possibilidade de que a diversidade de saberes e de práticas tradicionais

do povo sateré-mawé seja considerada pelas políticas públicas educacionais, mediante tais

circunstâncias, segundo a Constituição Federal de 1988, artigo 210, é assegurada ao Povo

indígena, pois este artigo determina que haja: § 2.º “[...] a utilização de suas línguas maternas

e processos próprios de aprendizagem”. É importante ressaltar que os professores indígenas

Sateré-Mawé, do mesmo modo como lutaram pela legalização das suas terras, em conjunto

com lideranças indígenas e comunitários, reivindicam atualmente o reconhecimento das suas

escolas indígenas, oficialmente, por meio da construção do projeto político-pedagógico do

Povo Sateré-Mawé, sob lógica pedagógica peculiar.

Esse processo amplia a superação da dimensão do projeto político-pedagógico criando

um compromisso com um ambiente aberto ao diálogo intercultural entre a escola e o sujeito

mediante a reflexão acerca das situações-problema que fazem parte de sua realidade. De

acordo com o relato de um professor Sateré-Mawé, “como os alunos não entendiam a língua

portuguesa, as relações discriminatórias, resultavam na reprovação em massa. Eles eram

obrigados a ser alfabetizados na língua portuguesa” (Professor S. M., em 31/10/2006).

Essa perspectiva da educação fundamentada no diálogo exige uma redefinição do

significado da prática do diálogo, construindo uma proposta inovadora de inserção do sujeito

nos problemas sociais de sua realidade. Desse modo ela possibilitaria a reorganização do seu

papel enquanto sujeito histórico e ativo com outra visão de homem e de mundo, no diálogo

com o outro, fazendo uma análise constante durante a sua trajetória social e política.

(FREIRE, 2005).

Nesse sentido o projeto político-pedagógico do povo Sateré-Mawé tem um significado

fundamental para o fortalecimento da sua identidade, enquanto uma construção contínua,

constituída e reconstituída pelas relações sociais (CANEN, 2003). Os Sateré-Mawé não

somente estão nesse processo de discussão, mas ainda são e fazem parte desta construção, que

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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emerge como uma nova maneira de ruptura com os paradigmas de um projeto escolar de

negação, de não valorização cultural, de colonização e de opressão marcados em suas relações

com a escola e a sociedade ocidental.

O descontentamento do povo Sateré-Mawé com a prática homogênea da escola, sem o

reconhecimento de suas especificidades locais, entre outras situações-problema, possibilitou

uma reflexão sobre o seu contexto educacional, em que a prática educativa deveria estar inter-

relacionada com a história de vida de seu povo. Sobre esta questão, Souza (2002), em seus

estudos sobre Stoer (1993), refere que as práticas educativas deveriam ser configuradas a

partir da valorização das diferenças culturais na sala de aula. Segundo este autor,

[...] na tentativa de valorizar as diferenças na escola para melhor justificar (e legitimar) a

seleção levada a cabo pela escola nestes novos tempos de produção e consumo diversificados.

Na nossa perspectiva, isso seria igual ao “reforço” da escola e, assim, uma subversão do ideal

multicultural. Valorizar as diferenças na escola pode querer dizer aumentar o valor dos

recursos culturais (de todos os grupos sociais, mas especialmente daqueles subalternizados),

sem subestimar a importância daquilo que nos liga uns aos outros (e que se pode exprimir

através de concretização do princípio de igualdade de oportunidades, de acesso e sucesso, e a

consolidação dos direitos sociais e humanos) (STOER apud SOUZA, 2002, p. 92).

Tomando como princípio essa perspectiva da valorização e reconhecimento dos

recursos culturais próprios, e da igualdade de oportunidades de acesso à educação e o seu

sucesso escolar, é que os professores sateré-mawé assumiram o compromisso coletivo com a

mudança do trabalho pedagógico, apoiados pelas comunidades e lideranças enquanto

construtores de seu processo educativo. Buscaram a concretização da construção do projeto

político-pedagógico próprio, que possibilitasse a criação de uma nova identidade para sua

escola, com propostas democráticas de ensino.

As mudanças no atual contexto histórico Sateré-Mawé provocaram a necessidade de

reorganizar o trabalho educativo da escola Sateré-Mawé, baseado na diversidade de ações dos

professores indígenas, como sujeitos ativos e protagonistas de suas práticas docentes, de

acordo com suas necessidades da realidade social e do cotidiano escolar. Para tanto, buscam a

coerência entre o texto da Constituição Federal de 1988 e realidade das condições de ensino

de suas escolas com o objetivo de encurtar a distância existente entre a teoria e a prática.

O povo Sateré-Mawé com o emprego desse projeto político-pedagógico sonha com

uma nova escola que desempenhe seu papel social, isto é, que se torne democrática e aberta a

todos sem discriminação ou preconceito, que respeite e valorize as diferenças culturais e que

propicie oportunidade igualitária de acesso à educação escolar a todos. No texto da

Constituição Federal de 1988, é assegurada uma política educacional não discriminatória,

reconhecendo a diversidade cultural das raízes do Brasil, segundo o Capítulo III – Da

Educação, da Cultura e do Desporto:

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Artigo 210 – O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada

às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios

de aprendizagem. Artigo 231 – Serão reconhecidos aos índios sua organização social,

costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que

tradicionalmente ocupam [...] (GRUPIONI, 2001, p.16).

A Carta Magna vigente estabelece princípios e diretrizes gerais para as questões

educativas e sociais das sociedades indígenas, reconhecendo aos indígenas o direito à prática

de sua língua materna e modos próprios de aprendizagem e o respeito as suas formas de

organização socioculturais. Esse reconhecimento aos direitos educacionais tem implicações

sociais, econômicas e políticas no processo educativo e no contexto cultural das comunidades

sateré-mawé da área indígena do rio Marau.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394/96, nos artigos 32, 78 e 79 possibilitou

construção de novas propostas pedagógicas de ensino para as sociedades indígenas,

reconhecendo-lhe as especificidades e responsabilidades. Assim, explicita as diferenças

culturais na escola por meio do oferecimento do bilinguismo e da interculturalidade para o

fortalecimento e reafirmação das identidades indígenas (GRUPIONI, 2001).

Essa mesma Lei operacionaliza o dispositivo constitucional por meio da proposta de

uma educação bilíngue, intercultural, específica e diferenciada às escolas das sociedades

indígenas. Mas o discurso dessa proposta ainda está distante da prática na realidade das

escolas sateré-mawé, porque ainda se verifica o acesso desigual ao desenvolvimento e à

aquisição de instrumentos que os ajudem a viver e intervir nas relações interculturais com a

sociedade envolvente, sem a destruição de elementos da sua cultura.

Na opinião do professor Antônio (nome fictício) sateré-mawé, a legislação reconhece a

diversidade cultural, entretanto, falta o respeito ao conhecimento tradicional indígena e a

efetivação desse direito político e social, com a participação de cada povo indígena na

elaboração de uma educação escolar específica e diferenciada; afirma este professor que

A lei e a Constituição garantem e reconhecem todas essas nossas riquezas. Não há respeito

sobre nossas verdades, porque se houvesse todos estaríamos construindo juntos a educação

escolar, a vida. Que cada povo possa participar das descobertas universais do patrimônio da

humanidade e termos o direito de ter o acesso a essas coisas. Educação diferenciada, indígena,

tem que ter essa preocupação de reconhecer essa diversidade. Esse reconhecimento está muito

longe de os brancos reconhecerem a cultura de cada povo (Antônio Sateré, Comunidade Vista

Alegre, em 23/11/2005).

O reconhecimento e a valorização dos saberes e práticas culturais diferenciadas, que

eram negados pelo projeto político-pedagógico hegemônico, tem avançado no discurso

político atual da sociedade envolvente. Mas na avaliação do professor Antônio sateré-mawé,

ainda está distante a construção, na realidade das aldeias indígenas, de uma educação

diferenciada.

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Há a necessidade do respeito às riquezas dos seus conhecimentos, que não estão sendo

considerados no processo de discussão e elaboração da organização do trabalho pedagógico

da educação escolar indígena Sateré-Mawé. Se houvesse uma efetiva valorização desses

conhecimentos tradicionais, seria possível um diálogo intercultural e recíproco entre os

conhecimentos pedagógicos e os conhecimentos tradicionais deste povo na construção de uma

educação escolar própria.

O povo Sateré-Mawé desde a década de 60 tem experiência escolar em sua área

indígena do rio Marau. Entretanto, as primeiras escolas foram administradas por missionários

jesuítas, em seguida por evangélicos, depois pelo Instituto de Educação Rural do Amazonas

(IERAM) do governo do estado do Amazonas e, atualmente, é coordenada pela Secretaria

Municipal de Educação de Maués (SEMED). Nessas escolas os primeiros professores eram

não-indígenas, os quais utilizavam um projeto de educação com práticas pedagógicas

etnocêntricas, com a finalidade de integrar os Sateré-Mawé à cultura ocidental. Mas, lutaram

para conquistar seu espaço político, econômico e social junto ao Estado Nacional e pela

efetivação da implantação de processos educativos diferenciados, para ter como referência a

situação sociopolítica e cultural Sateré-Mawé, relacionadas às suas formas próprias de

educação e para atender a seus anseios, a suas expectativas, aos seus interesses e a suas

necessidades.

Essa escola modeladora e uniforme, atualmente não atende as necessidades e anseios

das comunidades sateré-mawé. Por isso se justifica a luta pela concretização de um projeto

político-pedagógico próprio, inserido no seu contexto sociocultural articulado aos saberes e

práticas tradicionais indígenas. Deste modo, buscam-se caminhos que possibilitem a

construção de uma educação intercultural e específica, com objetivos diferenciados de acordo

com o projeto de vida futuro definido pelo Povo. Segundo o relato do professor sateré-mawé

Carlos, na área indígena inexistem níveis mais elevados de ensino, e isso tem sido um fator da

saída de jovens da aldeia para a cidade, como afirma este docente:

Hoje o Sateré põe os filhos para estudar na cidade para chegar à Universidade. E os filhos

desistem porque não têm condições de mantê-los, aí como podem chegar à universidade? Tem

muito da nossa cultura que já esquecemos, aí temos que recuperar, e através da pesquisa que

volte a recuperar e valorizar (Professor Carlos M., em 24/11/2005).

O reconhecimento dos direitos educacionais específicos tem avançado no documento

constitucional; entretanto, esse relato demonstra o distanciamento entre o discurso

governamental e a realidade das condições de ensino na escola indígena. O modelo de

educação escolar oferecido tem imposto outro modo de ser e outra visão de mundo e de

homem aos educandos sateré-mawé. Na perspectiva de Souza (2002) é necessário que a

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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escola valorize as características do contexto cultural Sateré-Mawé sem subestimar as outras

culturas, possibilitando o acesso igualitário a níveis mais elevados de ensino, para aqueles que

buscarem prosseguir nos seus estudos.

Nesse contexto os professores sateré-mawé buscam mecanismos que ampliem o

acesso a tecnologias e ao conhecimento técnico-científico, por intermédio da mudança do

planejamento escolar. Antes havia somente o plano de curso que era limitado para o

desenvolvimento das suas ações pedagógicas, então criaram o projeto político-pedagógico por

ser mais amplo e possibilitar a reivindicação dos seus direitos educacionais e a valorização

dos seus saberes e práticas tradicionais.

Crescem as expectativas de ampliação de suas ações docentes, mediante a construção

de um projeto político-pedagógico próprio discutido e elaborado, pelo povo Sateré-Mawé. Por

exemplo, pensaram em alguns mecanismos que eram um entrave para o desempenho

satisfatório do trabalho pedagógico como, boletim diferenciado, avaliação descritiva e diário

diferenciado (PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO, 2005).

O coordenador das escolas sateré-mawé, afirmou que,

[...] a educação diferenciada não está definida, hoje ela tem que ser fechada para depois ir

ampliando. Podemos inserir no projeto político-pedagógico e nos respaldar. Às vezes depende

muito do povo querer lutar. É uma coisa que não é pronta, tem que ser construída. Quando ela

chega aqui é diferente, porque não se depara com a realidade. A avaliação é descritiva, mas no

final do ano tem que ser transformada para nota. Essa proposta hoje foi inserida no projeto

político-pedagógico para ser aprovada. Estamos pensando em ciclo para as escolas

funcionarem, estamos discutindo com os professores (Professor Pedro (fictício) M.,

comunidade Vista Alegre, em 31/10/2006).

A construção do projeto político-pedagógico foi um marco na história educacional do

povo Sateré-Mawé, porque, a partir desse instrumento, os professores estão reelaborando,

reestruturando e legitimando suas formas próprias do processo educativo. Esse processo na

realidade das escolas sateré-mawé já era real, mas em decorrência das exigências do sistema

educacional, estava sendo reduzido por não possuírem condições efetivas de legitimação.

Nesse contexto pedagógico é necessário ressignificar a articulação democrática entre o

sistema educacional, a Constituição Federal de 1988 e as práticas e saberes dos professores

indígenas, para que possam ser consolidados os direitos à diferença nas ações pedagógicas.

Essa diversidade cultural dos processos pedagógicos precisa ser respeitada e valorizada como

uma construção de práticas educativas específicas, com implicações na aprendizagem e na

prática social.

Souza propõe a recontextualização do discurso oficial para a diversificação da prática

pedagógica relacionada aos contextos culturais:

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2212ISSN 2177-336X

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É possível encontrar ou inventar, na prática pedagógica, espaços capazes de ressignificar os

discursos oficiais da política educacional de tal maneira que permitam processos educativos

em outras direcionalidades que não as que se quer impor a partir dos discursos pedagógicos

oficiais. A recontextualização pedagógica indica que os discursos, os textos, para cumprirem

sua função educativa, têm que assumir suas dimensões formativas, a partir das condições e

situações dos educandos (SOUZA, 2002, p.98).

Com a construção do projeto político-pedagógico o povo Sateré-Mawé fez a tradução

do discurso das políticas educacionais, de maneira inter-relacionada, às suas análises do

contexto cultural e social em que vivem. Assim, o processo educativo seria construído e

ressignificado a partir das condições e situações concretas das necessidades e expectativas da

visão de mundo e de homem das suas comunidades.

O processo de construção da educação diferenciada Sateré-Mawé iniciou-se com a

formação dos professores indígenas pelo curso de Magistério desenvolvido pelo Projeto Pira-

Yawara, da Secretaria de Estado da Educação e Qualidade do Ensino – SEDUC. Com as

reflexões sobre as condições educacionais de suas escolas, os professores sateré-mawé

mobilizaram as lideranças e comunidades para participarem das discussões pertinentes à

organização do trabalho pedagógico de acordo com os seus interesses particulares.

Houve uma articulação entre os orientadores do curso e os professores sateré-mawé

que coletavam as opiniões das lideranças e das comunidades a respeito das suas necessidades,

a fim de serem inseridas nos conteúdos curriculares e nas práticas pedagógicas do projeto

político-pedagógico. A sistematização dessa proposta era desenvolvida no contexto social das

aldeias, nas reuniões do encontro pedagógico e em seguida, legitimada no espaço escolar do

curso de formação dos professores:

O Projeto Político-Pedagógico se pensou em trabalhar a partir de 1998, iniciou com o Pira-

Yawara, porque antes era plano de curso. Discutíamos a educação diferenciada, mas não tinha

professores preparados para trabalhar a língua materna. No início eram poucos professores

que dominavam a escrita na língua materna. O Projeto político-pedagógico foi discutido em

cursos pedagógicos, provocando a necessidade de que fosse discutido nas comunidades. A

partir daí, surgiram algumas sugestões sobre o que poderia ser inserido no projeto, que tipo de

atividades, a valorização da questão econômica, social e política vendo a educação como um

todo... E assim inserir essas questões nas salas de aulas. Nos encontros pedagógicos foi

discutido com os alunos e lideranças. Como é uma coisa que não faz parte da nossa cultura é

uma coisa muito difícil. Porque a gente vê que no projeto, parece que mostra as coisas tudo

separadas, mas na realidade não é separado. Mas no mundo, no dia-a-dia a gente não vê,

assim separado. Mas o importante é que os professores e as lideranças veem que o Projeto

Político-Pedagógico não é uma coisa fechada, estática, mas que está sempre em processo de

construção, de avaliação, de mudança, de complementação. Tem que partir da comunidade o

interesse, não do interesse político partidário. A partir disso, eles apoiaram. Dividiam por

grupo: Baixo Marau, Médio, Alto e Urupadi; com professores, lideranças, agentes de saúde,

alunos e pais. Discutiam o que queriam que fosse trabalhado na sala de aula e como seria

trabalhado. Ficou em forma de temas. Os temas eram: Terra nossa Mãe, quais eram as

disciplinas trabalhadas. O professor trabalhava com o tema, e na hora de passar para os alunos

trabalhava de acordo com a série (Professor Pedro M., em 31/10/2006).

A partir dessa participação democrática, os conhecimentos singulares e tradicionais do

povo Sateré-Mawé seriam respeitados e valorizados potencializando os seus saberes próprios

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no projeto político-pedagógico mediante a inclusão de temas específicos, propostos pelas

comunidades. Assim, tanto aqueles que faziam parte do curso de formação dos professores,

como os que não possuíam acesso ao espaço escolar seriam reconhecidos e valorizados a

partir de sua visão de mundo e de sua particularidade. À medida que esse projeto político-

pedagógico vai assumindo um caráter oficial, a educação sateré-mawé vai sendo desenvolvida

e consolidada, recontextualizando o discurso oficial.

Hoje os professores sateré-mawé buscam o seu papel educativo e social na

comunidade em que vivem por meio da sua participação ativa na discussão e elaboração do

projeto político-pedagógico sateré-mawé. É necessário o desenvolvimento do trabalho

coletivo, nas dimensões educacionais e sociais não só na educação, mas também nas inter-

relações com as condições da existência, sem preconceito ou discriminação, como aponta um

docente sateré-mawé:

[Há] professor que trabalha em cima do tema através de pesquisa, tanto em língua materna

quanto em português. Na pesquisa o aluno de 1ª série só observa e desenha; o da 2ª série

constrói frases; na 3ª e 4ª série constrói texto. O professor tem que se preocupar com a

alimentação dos alunos. Tem que se pensar nisso para que o aluno se mantenha na sala de

aula. O professor tem que se preocupar de preparar esse aluno para a vida. Observamos que

poucos alunos saem para cidade. (Professor Pedro M. em 31/10/2006).

A prática pedagógica dos professores sateré-mawé está baseada, conforme este relato,

no diálogo entre as condições de existência e os conhecimentos culturais e científicos. Há

preocupação de produzir práticas educativas transformadoras que problematizem as condições

de vida da realidade dos alunos. Dessa maneira seria possível a valorização das diferenças na

escola e das características socioculturais, numa perspectiva não etnocêntrica para construção

de um projeto político-pedagógico étnico e intercultural. Nesse processo é necessário

considerar as necessidades das comunidades sateré-mawé, para uma avaliação do eixo de

referência da formação do homem Sateré-Mawé, da visão de mundo, de sociedade e de

educação sonhados por todos os envolvidos no processo educativo das suas escolas indígenas.

Por intermédio da análise das ações educativas, o povo Sateré-Mawé anseia por uma

educação mais abrangente, que envolva outras ações fora do espaço da escola, com

implicações na vida futura dos Sateré-Mawé que lutam por uma escola que lhes favoreça o

diálogo e o acesso a tecnologias necessárias para viverem e intervirem na sociedade, sem a

destruição da sua cultura.

Os professores sateré-mawé sempre procuram realizar suas ações pedagógicas de

forma diferenciada, considerando a relação entre a educação e o cotidiano social, objetivando

a preparação do aluno para a vida. Propõem conhecimentos que o educando possa utilizar no

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seu cotidiano, mas que possam prepará-lo para o futuro, como por exemplo, quando forem

constituir uma família.

Segundo Veiga, esse processo educativo é legitimado quando,

[...] o projeto [político] pedagógico aponta um rumo, uma direção, um sentido explícito para

um compromisso estabelecido coletivamente. O projeto [político] pedagógico, ao se constituir

em processo participativo de decisões, preocupa-se em instaurar uma forma de organização

do trabalho pedagógico que desvele os conflitos e as contradições, buscando eliminar as

relações competitivas, corporativas e autoritárias, rompendo com a rotina do mando pessoal e

racionalizado da burocracia e permitindo as relações horizontais no interior da escola

(VEIGA, 2005, p. 13).

As escolas sateré-mawé com base no seu projeto político-pedagógico conquistam o

seu espaço público, consolidando a organização do trabalho pedagógico no seu contexto

escolar mediante uma ação coletiva e participativa dos professores, lideranças e comunidades

nas tomadas de decisões. Essa prática possibilita o reconhecimento e valorização da sua

organização social, dos seus costumes, crenças, línguas e dos seus modos próprios de

aprendizagem assegurados na Constituição de 1988 e na LDB 9394/96.

O discurso oficial das leis muitas vezes está distante da concepção de educação

refletida pelo povo Sateré-Mawé. Há uma incoerência entre o discurso e a prática em virtude

da existência de mecanismos que inviabilizam a construção de um projeto político-

pedagógico coerente, o qual edifique uma prática pedagógica a partir das necessidades sociais

do contexto cultural envolvido no processo educativo. Com relação à escolha dos conteúdos

necessários para serem adquiridos pelos educandos, uma professora Sateré-Mawé destaca

que,

[...] os conteúdos mais trabalhados foram sobre medicina da cultura, importância da Terra, da

Mata, da preservação do rio, alimentação tradicional, as danças, os rituais. Foi trabalhada a

pesquisa das histórias antigas, como os nossos antepassados viviam, o que eles usavam (como

alimento, vestuário), utensílios de pesca e caça. Como eram antes as casas e a convivência

deles entre eles. Para o Sateré ser no futuro, para ele poder saber defender seu próprio povo, e

para sempre saber fortalecer sua própria cultura. Mesmo tendo conhecimento da cultura do

branco, não deixa de lado a sua cultura. Dizendo com certeza que sua cultura é muito

importante para que o povo sempre tenha, sua língua e a cultura viva (Professora Maria

(fictício) A., em 23/08/2007).

Quando a organização do trabalho pedagógico é elaborada pelos próprios sujeitos

envolvidos, possibilita-se o diálogo democrático com os temas voltados para o conhecimento

tradicional. Dessa maneira é possível fazer a interação escola e contexto cultural, a partir dos

interesses e anseios das comunidades sateré-mawé, e, assim, preparar o futuro cidadão inter-

relacionado com os conhecimentos tradicionais e, simultaneamente, com os conhecimentos

científicos, enfatizando a valorização da sua identidade cultural.

Considerações Finais

A pesquisa apontou caminhos, do ponto de vista da diversidade cultural, para a

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valorização dos saberes e práticas tradicionais na construção do Projeto Político-Pedagógico

das escolas do povo Sateré-Mawé. O estudo centrou-se na perspectiva dialógica (FREIRE

2005), sobre a relação dos conhecimentos tradicionais das comunidades sateré-mawé da Área

Indígena Andirá-Marau, localizadas na bacia do rio Marau, na região do médio rio Amazonas,

com os conhecimentos científicos da sociedade ocidental implícitos nas diretrizes legais da

proposta pedagógica do projeto político-pedagógico (LDBEN 9394/96 art. 32, 78 e 79).

Contrapondo-se à prática pedagógica homogênea do discurso oficial, o povo Sateré-

Mawé organizou-se para implantar uma escola própria em seu território a partir da construção

do projeto político-pedagógico articulado a valorização dos saberes e práticas tradicionais

deste povo como um instrumento de luta e defesa dos seus direitos políticos e sociais, para

recriarem suas relações com o Estado e com a sociedade envolvente.

Assim, a escola passou a ser um mecanismo fundamental na construção da cidadania,

subsidiando a comunidade com instrumentos necessários ao domínio da leitura e da escrita na

língua materna e na língua portuguesa como um processo de construção e manutenção da

identidade Sateré-Mawé e desenvolvimento de seus projetos de vida futura (TEIXEIRA et all,

2005).

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SABERES E PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO

INFANTIL

Monica Silva Aikawa

Pedagoga da Secretaria Municipal de Educação de Manaus

[email protected]

RESUMO

A educação em ciências discute a reentrada da ciência na cultura geral, na perspectiva da

participação dos aprendizes como sujeitos e numa compreensão da ciência como atividade de

conscientização que parta da realidade, contextualize conceitos científicos e incentive

pesquisas. De modo semelhante, a educação infantil pressupõe a ampliação do conhecimento

de mundo pelos bebês e crianças pequenas, compreendendo-os como sujeitos de seu

desenvolvimento, atores de sua aprendizagem. O trabalho das crianças pequenas com as

ciências amplia sua compreensão de mundo e de si, além de contribuir com o

desenvolvimento de seu pensamento imaginativo, investigativo e vontade de conhecer.

Entendendo que os responsáveis por esse trabalho são os professores, nos perguntamos que

saberes eles tem acerca das ciências na educação infantil e como esse saber se reflete em sua

ação docente? Assim, nosso objetivo de pesquisa visa analisar as compreensões docentes

sobre educação em ciências e seus reflexos nas práticas pedagógicas da educação infantil.

Para tanto, nos apoiamos na abordagem qualitativa de pesquisa, realizamos entrevistas

semiestruturadas e observações de prática pedagógica. Os sujeitos foram dez docentes de um

Centro Municipal de Educação Infantil de Manaus. A partir da análise do conteúdo dos dados

obtidos na investigação, destacamos que os saberes e práticas docentes relacionados à

educação em ciências direcionam aos elementos de educação ambiental, com mediações

pedagógicas envolvendo ciências nos enfoques de reinserção na cultura e formação do

cidadão. Portanto, verificamos que há experiências com as ciências, entretanto não expressam

uma base teórico-metodológica que leve as crianças a vivenciar conceitos científicos e

processos de construção de pesquisa.

PALAVRAS-CHAVE: Educação em Ciências. Saberes docentes. Práticas Pedagógicas de

educação infantil.

Introdução

Este artigo é originado de uma pesquisa de mestrado que partiu de nossas inquietações

profissionais enquanto docente na rede púbica de ensino de Manaus, especialmente nos

momentos de formação docente voltadas à aprendizagem de ciências na educação infantil.

Sendo ao mesmo tempo sujeito dessa ação com trabalho voltado para a formação de

ciências dos professores de pré-escola, nos inquietamos com o problema: Que saberes os

professores tem acerca das ciências na educação infantil e como esse saber se reflete em sua

ação docente?

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Assim, o objetivo geral se voltou a analisar as compreensões docentes sobre educação

em ciências e seus reflexos nas práticas pedagógicas da educação infantil.

Frente a este problema científico, apoiamos a pesquisa na abordagem qualitativa,

optando na coleta de dados pela entrevista individual com docentes e observação de práticas

pedagógicas em turmas de 1º e 2º período a partir de um roteiro. No processo de discussão

dos resultados trabalhamos com a análise de conteúdo, no qual emergiram as categorias

educação infantil, educação em ciências e prática pedagógica.

Iniciamos o artigo com uma discussão teórica acerca da educação em ciências na

educação infantil, apresentamos os procedimentos de pesquisa e, por fim, discutimos alguns

pontos dos resultados obtidos no campo de investigação.

Educação em ciências na educação infantil

A educação em ciências é discutida desde 1950 no Brasil, momento em que foram

criados dos centros de ciência, programas de formação científica e grupos de pesquisa.

Contudo, no âmbito escolar e na formação docente sua presença é incipiente e ainda

assistimos pautadas em conteúdos repetidos mecanicamente com pouca articulação com a

vida.

Atualmente, as pesquisa em educação em ciências vem apontando para uma mudança

didática e um reestabelecimento da relação entre ciência e os demais saberes, por meio da

incorporação dos saberes científicos como cultura geral.

Krasilchick e Marandino (2007), por exemplo, afirmam que esta educação visa o

acesso ao conhecimento científico, reitera importância de sua inclusão no dia-a-dia das

pessoas, bem como, sua contribuição para a mudança social. Essas autoras complementam

dizendo que os saberes da ciência servem de orientação para as decisões pessoais, sociais e

éticas dos cidadãos.

Nessa compreensão, aprender ciências ultrapassa o ensino de conceitos para serem

memorizados e passa a se misturar com a própria vida, de modo que o debate da ciência na

escola pública envolve a inclusão do saber de cada educando em seu desenvolvimento, em

seu próprio processo de ensino-aprendizagem.

Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2011) entendem as ciências como um elemento

cultural importante para a vida em sociedade, mas há desafios a serem vencidos, pois não

basta somente ter domínio das teorias científicas.

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Abordam, também, que as ciências na escola vislumbram a incorporação do saber do

aprendente no ensino das ciências e uma de suas funções direciona à apropriação crítica da

ciência pelos educandos e culminando em sua ação cidadã.

Cachapuz (2011) apresenta que o objetivo da educação em ciências é social e

prioritário, este gira em torno do desenvolvimento de um ensino que garanta a atuação crítica

dos cidadãos nas decisões globais. Para este autor, esse ensino acontece com a “vinculação de

um mínimo de conhecimentos específicos, perfeitamente acessível a todos, com abordagens

globais e considerações éticas” (p. 25).

A pesquisa de Carvalho e Gil-Pérez (2011) complementa a discussão apontando

necessidades formativas dos professores de ciências e critica o currículo de formação docente.

Os autores afirmam a necessidade do conhecimento das teorias científicas pelo professor para

entender a lógica da ciência e deixar de reproduzir os conteúdos dos livros didáticos na

íntegra. Sugerem a efetivação da mudança didática partindo de uma formação inicial do

professor fundamentada na formação científica, na pesquisa.

Apoiados nestes autores, podemos dizer que a ciência emerge de nossa cultura e está a

seu serviço. Na escola, ela clama por uma ressignificação, busca um conhecimento científico

articulado com a dimensão humana e isso perpassa por uma transformação da formação

inicial de docentes sustentada pela educação em ciências.

Essa ressignificação provoca a mudança das propostas educacionais de ciências para

além da transmissão de conteúdos, valorizando a cultura primeira do educando, incentivando

sua formação crítica e a construção de novos saberes. Conjuntamente, renuncia ao

cientificismo e elitismo da ciência, universalizando a ciência nas instituições públicas de

educação desde a educação básica até a continuada.

Em especial, em nossa pesquisa abordamos a ciência na educação infantil e neste nível

de ensino ela se integrada às demais áreas de conhecimento. Rosa (2001) considera que a

ciência possibilita a exploração do mundo pela criança pequena e o planejamento dessas ações

precisa “criar oportunidades para que as crianças interajam com diferentes materiais e

expressem suas concepções, representações e hipóteses explicativas” (2001, p. 153).

Barbosa (2006, p. 19) destaca que “a aventura da ciência está onde a razão entra em

confronto com o imaginário, com o estético, com o não-racional, isto é, com tudo aquilo que é

(des)conhecido, abrindo, assim, novos sentidos, caminhos e idéias”. Para a autora esta visão

de ciência pode motivar uma construção dialógica de saberes que busque novos sentidos e

caminhos para a ação política e profissional da e na escola.

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Para Arce, Silva e Varotto (2011), as crianças pequenas estão no começo de sua

jornada no mundo, se encantam com tudo, são curiosas e tem vontade de conhecer, com isso

ampliam sua compreensão do mundo e de si mesmas e com isso. Contribuem com o

entendimento de aprender ciência como forma de “apropriar-se de uma forma de pensar e

posicionar perante o mundo, ao mesmo tempo nos descobrimos e descobrimos o mundo em

que vivemos” (p. 20).

Este olhar acerca da educação em ciências se aproximação com a organização

curricular da educação infantil, pois ambas consideram a criança como sujeito social,

histórico, aprendente e buscam a ampliação de seus saberes nos aspectos sociais, afetivos,

cognitivos, psicomotores, etc.

Para aproximarmos ainda mais os conceitos de Educação em Ciências e Educação

Infantil, buscamos as pesquisas realizadas no período de 2009 a 2013 que envolveram essa

relação. Encontramos o trabalho de três pesquisadores: Lanes (2011), Fagionato-Ruffino

(2012) e Gonzaga (2013).

O objetivo da pesquisa de Lanes (2011) foi utilizar e avaliar a eficácia da recreação

como ferramenta metodológica para o ensino de ciências na educação infantil. Segundo o

pesquisador, abordar os temas de ciências na recreação contribui para o desenvolvimento das

crianças da educação infantil e afirma que a atividade recreativa é prazerosa e inclui a criança

em sua aprendizagem.

Gonzaga (2013) buscou investigar em que medida o espaço não formal Bosque da

Ciência contribui com a aprendizagem na Educação Infantil. O principal resultado sugere que

o espaço não formal possibilita a compreensão da criança acerca das ciências e pode se tornar

uma fonte de subsídios para a aprendizagem na sala de aula.

E a pesquisadora Fagionato-Ruffino (2012), teve como objetivo identificar as ações,

percepções e formas de significação do mundo natural e tecnológico na interação das

crianças. Dentre os resultados, a pesquisadora verificou aspectos da cultura científica na

vivência das crianças e salienta o conhecimento científico como uma entre as demais

experiências vivenciadas pelas crianças.

Podemos dizer que as discussões na área de educação em ciências envolvendo a

educação infantil são incipientes, ao mesmo tempo em que as pesquisas em educação infantil

pouco evidenciam elementos da educação em ciências. Na busca por essa interligação e no

discernimento da presença/interferência desta cientificidade para a educação da criança menor

de seis anos de idade, seguimos à investigação.

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Discussão e resultados

Nossa pesquisa aconteceu com dez professores de um Centro Municipal de Educação

Infantil da cidade de Manaus e teve o aval do Comitê Nacional de Ética em Pesquisa –

CONEP. Esse roteiro de entrevistas e observações pautou-se nos ponto: a) Concepção de

educação em ciências; b) Temas de ciências abordados; e c) Prática pedagógica com as

ciências. Sendo este último, evidenciado a cada discussão de falas docentes.

A sistematização das informações coletadas frente à concepção de educação em

ciências convergiu para uma visão de integração dos conhecimentos. A fala da docente Ana

externa que entende que “trabalhar ciências é uma constante em nossa metodologia, podemos

abordar diversos temas das outras aulas que abrangem a educação em ciências”.

Esta fala denota integração entre educação em ciências e demais conhecimentos,

conectando-se aos diversos temas abordados na educação infantil. A professora concebe a

relação entre o conhecimento científico e os demais conhecimentos, no sentido de sua

complementaridade e vínculo íntimo com outros saberes.

Assim como no panorama da didática das ciências abordado por Cachapuz (2011)

evidencia que essa didática precisa se apoiar no diálogo entre os saberes para, assim, o saber

escolar contribuir para a reconstrução do saber da ciência no âmbito da escola. Entendemos

que essa visão sobre o vínculo entre os saberes é um dos passos para a mudança de

pensamento sobre a supremacia ciência em relação à cultural geral.

Nas observações, verificamos um trabalho pedagógico nesse sentido no qual surgiram

temas diversos nas interações e brincadeiras com as crianças, esses temas eram articulados

com os saberes escolares e se transmutavam em saberes em ação. Citamos um diálogo na roda

de conversa de acolhida:

Docente: Como está o tempo lá fora? Vamos olhar na janela?

Crianças: Tá ensolarado!

Docente: Então, alguém pode marcar no nosso cartaz?

Criança A: Eu!

Criança B: Bora cantar a do Sol?

Todos: Querido Sol, Sol

Meu amigo Sol, brilhe para mim

Querido sol, sol

Meu amigo sol, não se esconda assim

As criancinhas ficam a pedir

Para brincar você tem que sair

Em seguida comentou sobre a Páscoa e apresentou um cartaz com diversos

símbolos: cordeiro, ovo, coelho, peixe, sinos, pão e vinho, girassol. Contudo, em seu

diálogo enfatizou o girassol como símbolo da Páscoa, e comentou que esta flor

acompanha a luz solar, desde quando o Sol nasce até o momento que se põe.

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Nesse momento de roda de conversa, a professora conversou com as crianças sobre as

condições climáticas do dia e introduziu um diálogo sobre a Páscoa. Consideramos esse

diálogo sobre o Sol, o girassol e a Páscoa como uma aproximação da educação infantil com o

conhecimento científico.

De acordo com Krasilchick e Marandino “a socialização do conhecimento é uma

prática social que implica processos de tradução e de recontextualização, a fim de tornar os

saberes produzidos acessíveis para os indivíduos” (2007, p. 32). E essa recontextualização foi

percebida nessa roda de conversa.

O movimento da acolhida demonstrou relação entre os saberes de ciências e os demais

da educação infantil, afirmando a integralidade do conhecimento e garantindo sua

socialização. Por outro lado, sabemos que a criança amplia seus conhecimentos na

experiência, ela aprende mais pela ação que pela verbalização.

Uma atividade que proporcionasse a experimentação de elementos das ciências pela

criança pudesse incidir numa aprendizagem significativa. Uma opção seria levar sementes de

girassol e cultivá-las com as crianças, buscando o alargamento da relação com as plantas e

entender seu ciclo de vida.

Ainda sobre a compreensão docente acerca da educação em ciências, evidenciamos as

argumentações de três professoras:

Professora Lia: Educação em ciências é incentivar a criança a cuidar mais do

ambiente... A ciência é abrangente e envolve as pesquisas.

Professora Rita: Educação em Ciências é desenvolver essa ciência [...] essa parte

da educação ambiental, da utilização da água, dos recursos naturais que a gente já

faz né no dia a dia...

Professora Vera: É uma forma de se tratar do meio ambiente, se tratar das situações

que nos envolvem. [...] Educação em ciências eu vejo que é todo o meio que nos

envolve, é toda uma realidade onde envolve as crianças.

As palavras incentivar, desenvolver e pesquisar acompanham as falas, estes termos

aludem ao pensamento de estar em construção, em formação, em desenvolvimento. As falas

se apoiam no ponto de vista de uma ciência e de uma educação em momento de reflexão e

auto regulação de suas concepções.

Ressaltamos que a questão ambiental é discutida atualmente e sua afinidade com a

escola vem se tornando uma realidade. Tanto que foi externada nas argumentações das

docentes ao mencionar o incentivo ao cuidado do ambiente, com a utilização da água e outros

recursos naturais. Para Krasilchick e Marandino (2007) as questões de cidadania se

relacionam às questões ambientais e estas influenciam diretamente na reestruturação da

ciência na escola.

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Uma prática pedagógica que representa essa relação cidadã acontece no pátio da

escola durante as brincadeiras, nos banhos de chuveiro e de mangueira, nas quais a

professores observa e orienta algumas ações das crianças. Dentre os momentos de orientação

percebemos o cuidado com o ambiente da escola nas expressões: “Cuidado com a plantinha,

para não pisar, não derrubar.”, “Não vamos arrancar as folhas nem as flores porque senão elas

podem não crescer mais.”, “É pra deixar o chuveiro ligado só enquanto estiver usando, pra

não gastar muita agua, ela pode acabar”.

Em sua brincadeira, as crianças podem se aproximar da linguagem das ciências e

percebê-la nas questões do cotidiano, podendo vivenciar sua cidadania e gerar uma mudança

no ambiente onde vive.

Nesse sentido, Cachapuz (2011) salienta que o contato nas diversas linguagens,

interação com o meio ambiente, incentivo à curiosidade, exploração e questionamento sobre o

conhecimento, contribuem para a entrada dos educandos na cultura científica.

Sobre a preocupação com o contexto ambiental da educação em ciências, não

podemos deixar de mencionar a fala de duas docentes:

Professora Ana: O professor precisa compreender que a ciência é muito importante

pro desenvolvimento, principalmente dessa consciência de meio ambiente que a

criança precisa ter né... pra que ela comece a observar que o nosso mundo precisa

ser preservado, conservado e mantido, né, que ela possa cuidar e manter o ambiente

em que ela vive.

Professora Sara: Educação em ciências é uma educação que visa uma mudança de

comportamento no meio em que a pessoa vive... conhecer a ciência de forma

prazerosa, de forma que possa ver no social, na minha vida e possa influenciar a

sociedade com esses conhecimentos.

Estas docentes especificam a importância da ciência para o desenvolvimento e a

formação da consciência ambiental, considerando como finalidade a sensibilização da

humanidade frente a estas questões.

A docente Sara complementa, ainda, com elementos da didática das ciências ao

retratar a aprendizagem de ciências de maneira prazerosa e contextualizada. Delizoicov,

Angotti e Pernambuco (2011) sustentam que a aprendizagem significativa dos conhecimentos

científicos para todos pode ser desenvolvida ao tornar esta aprendizagem num desafio

prazeroso que traga mudanças na vida do sujeito e no contexto da escola.

Uma mudança foi observada na escola quando foi firmada uma parceria com o serviço

de limpeza pública que semanalmente realiza coleta seletiva. Após um período de

sensibilização com as crianças e comunidade, esta rotina levou os pais e/ou responsáveis e as

crianças a separarem seus resíduos e entregar ao órgão responsável.

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Este aprendizado não precisou ser memorizado por meio de leituras exaustivas com as

crianças e nem demandou longas palestras com os pais. Com ações conscientes das docentes

frente a esse tema das ciências, bastou incorporar a coleta seletiva no CMEI e isto foi

socializado com a comunidade.

Sobre os temas de ciências, as professores citaram:

Professora Ana: Nós trabalhamos os [órgãos dos] sentidos, o corpo, depois vamos

para as plantas, os animais, o meio ambiente.

Professora Diva: Trabalhamos a questão da água, a horta, o meio ambiente, a

alimentação e higiene.

Professora Ema: Trabalhamos o corpo humano, a água, a higiene, alimentação,

cuidado com os dentes, animais, vegetais. A pesquisa de campo também, podemos

fazer, no caso dos vegetais, no entorno da escola. O que eu mais aprecio realmente

em trabalhar, são os vegetais, que dá pra nós fazermos a experiência do feijão,

dramatizar música da sementinha e também trabalhar a parte de remédios caseiros.

E (pausa) também a utilidade das frutas.

Professora Lia: A gente trabalha o corpo humano, que é ele que a gente tá

trabalhando no momento. Que aí dentro do corpo humano tem tudo, tem os órgão

dos sentidos pra que serve cada um, fala da higiene. Trabalhamos o meio ambiente

com eles. Aí dentro do meio ambiente tem várias... trabalha água, trabalha o lixo, tu

trabalha o plantar as árvores, o cuidar das árvores, o cuidar de horta.

Os relatos nos mostram a tendência de práticas com os temas sobre meio ambiente,

água, lixo e corpo humano, ou seja, envolvem: questões ambientais, reconhecimento/ cuidado

do próprio, ser humano e elementos da biosfera.

Krasilchick e Marandino (2007) enfatizam que o desejo da efetivação da ciência para

todos, além de considerar as experiências prévias das crianças, estabelece que a seleção de

temas tenham significado, e contribuam para as decisões éticas, pessoais e sociais dos

cidadãos. Frente a esta afirmação os temas de ciências citados pelas docentes podem indicar

que, nesta instituição educativa, a pré-escola vem colaborando com a popularização da

ciência.

Nas práticas pedagógicas constatamos uma regularidade no desenvolvimento de temas

sobre meio ambiente. Nas rodas de conversa, houve o momento de falar sobre as condições

climáticas, especialmente numa tarde as crianças olhavam pela janela, estava ensolarado e a

professora os encaminhou para brincar no pátio.

O objetivo desta brincadeira foi observar as nuvens, atentando para suas cores, formas

e tamanhos estimados. A professora os incentivou a olhar para o céu, sugeriu cantar a música

Água, quando está no céu é nuvem e esclareceu que as nuvens são formadas por água em

vapor e quando estão muito pesadas, a chuva cai.

A água quando está no céu é nuvem

Se você ouve um trovão, cabum!

Logo a chuva vai cair, vai cair, vai cair

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A chuva serve pra molhar a terra

A chuva serve pra encher os rios

A chuva nos dá água pra beber

A chuva faz a planta florescer

Refrão...

A chuva é água para tomar banho

A chuva é água pra escovar os dentes

É água pra mamãe cozinhar

É água pro papai se barbear

(A água, Cristina Mel).

Após essa ação, discorreram sobre diferentes os tamanhos, formas e cores das nuvens,

as crianças perceberam que elas se movem conforme os ventos. Ainda falaram da chuva, da

importância da água, de sua utilidade em nossa vida e sobre não desperdiçá-la. Na sala, as

crianças fizeram desenhos do observado, esbanjando criatividade e animação na elaboração

de seu registro.

Este não foi uma discussão profunda sobre a água e sua função no mundo, mas

podemos dizer que a roda de conversa propicia o diálogo, o pensamento e a elaboração de

hipóteses pela criança. Para Arce, Silva e Varotto (2011, p. 64) este diálogo pode servir de

“subsídios para a formação de conceitos científicos”.

A prática pedagógica da professora, ao mesmo tempo, iniciou uma exploração de

hipóteses com as crianças acerca dos formatos, cores e constituição das nuvens, que partiu da

observação e relacionou a uma música. Ainda instigou uma atitude investigativa nas crianças,

podendo observar o ambiente, refletir sobre o fenômeno e registrar suas impressões em forma

de desenhos.

Estes exemplos e relatos docentes legitimam princípios da educação infantil e de

elementos da educação em ciências, no sentido de considerar o sujeito aprendente,

redimensionamento dos processos de aprendizagem das ciências de modo estimulante e

contribuição de mudança para a vida destes sujeitos, conforme elucidam Cachapuz (2011),

Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2011) e Carvalho e Gil-Péres (2011).

De modo geral, os discursos e práticas docentes enveredam por uma compreensão de

educação em ciências destacado a educação ambiental, possibilitando mudança social.

Sabemos que isto é necessário, mas a educação em ciências não se limita exclusivamente

nestas questões, amplia-se para a discussão do conhecimento científico quanto à suas

possibilidades, limitações e implicações na sociedade.

Entendemos que uma formação quanto à educação em ciências vê-se como necessária

para o fortalecimento de práticas pedagógicas, visto que as entrevistas e observações

demonstram que não há domínio conceitual acerca deste tema.

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Carvalho e Gil-Pérez (2011) sugerem que essa mudança didática começa na

reformulação da formação inicial do professor fundamentada na formação científica, na

investigação, na pesquisa, de maneira a prepará-los para suas funções. E isso compreende

desde o conhecimento das teorias científicas, passa pela estruturação de uma didática das

ciências voltada para educar com pesquisa.

Constatamos, também, outros elementos relacionados à educação em ciências nas

práticas da educação infantil, quando houve incentivo da participação das crianças nas

discussões, proposição de atividades com as ciências e envolvimento de questões ambientais.

Entretanto, a ampliação do contato das crianças pequenas com os saberes da ciência por meio

de experiências foi ausente.

Entendemos que para a proposição de experiências formativas às crianças com as

ciências, o docente de educação infantil precisa estar munido de subsídios teóricos e práticos

numa relação recíproca.

Considerações finais

Com esta pesquisa verificamos que a educação em ciências na educação infantil se

configura em suas nuances epistemológicas de reinserção da ciência como cultura, primando

pela participação social do cidadão.

Os relatos docentes permeiam uma visão de integração entre os diversos saberes e

afirmam que a educação em ciências está presente em suas práticas pedagógicas. Sobre os

temas de ciências abordados, houve uma tendência nas questões ambientais, reconhecimento/

cuidado do próprio, ser humano e elementos da biosfera. Além disso, percebemos estas

práticas se direcionam mais às questões ambientais e incentivam a criança aprender sobre o

meio ambiente.

As práticas pedagógicas proporcionaram às crianças, momentos em que se

posicionaram oralmente sobre os temas de ciências e puderam expressar mudanças de

comportamento, desde o cuidado em jogar o lixo no lugar devido, diminuindo o uso de

lanches industrializados e cuidando da higiene pessoal.

Percebemos uma necessidade formativa docente, no sentido de fortalecimento de uma

base teórico-metodológica em suas práticas com as ciências, de maneira a proporcionar às

crianças uma vivência de conceitos científicos, bem como, a construção coletiva de um

processo de pesquisa. Nesse sentido, destacamos a formação docente como a busca de um

equilíbrio entre o discurso e prática quanto à educação em ciências.

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Assim, podemos afirmar que esse trabalho pedagógico tem suas limitações, mas tem

um alinhamento com a formação humana e direciona ações no horizonte da educação em

ciências.

Referências

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ESCOLA ALTERNATIVA: SABERES E PRATICAS NA CONSTRUÇÃO DE UMA

EXPERIÊNCIA NA EDUCAÇÃO POPULAR

Lucinete Gadelha da Costa

Professora da Universidade do Estado do Amazonas – UEA

[email protected]

RESUMO

O presente artigo é originado de uma Dissertação de Mestrado, que teve como objetivo

analisar as possibilidades e limites na formação de professores e professoras, na perspectiva

da educação popular apresentando como eixo central a reflexão sobre a prática pedagógica.

Quanto aos procedimentos teórico-metodológicos do estudo caracterizou-se por adotar a

abordagem qualitativa, utilizando a observação participante, entrevista semiestruturada com a

análise dos dados norteados pela referência teórica da Educação Popular. Esta pesquisa

procurou valorizar, em seus relatos e análises, situações presentes na cotidianidade dos

educadores, buscando neles a compreensão do ser professor ou professora, sua particularidade

e, ao mesmo tempo, sua relação mais ampla com o contexto social. Parte, da concepção de

que o fenômeno educacional se situa em um contexto social, inserido numa realidade

histórica, sofrendo, pois, uma série de determinações, constituindo-se como um processo

extremamente complexo, impossível de compreendê-lo sem que se leve em conta as múltiplas

dimensões do ser humano. Os resultados da pesquisa evidenciam a necessidade de uma

proposta de formação contínua dos professores nos espaços escolares, salientando a reflexão

sobre a prática docente como referência à construção do coletivo de educadores(as) que têm

como meta a concretização de uma nova práxis pedagógica. Portanto, a partir da pesquisa é

possível afirmar que o processo de formação de professores em serviço na perspectiva da

Educação Popular valoriza a reflexão coletiva no espaço escolar, desencadeando momentos

em que se dará um processo favorável ao amadurecimento do nosso compromisso, como

profissionais no campo educacional, constituindo-se numa referência para a formação

político-pedagógico de professores.

Palavras chave: Formação do Professor; Educação Popular; Saberes e práticas.

Introdução

Na nova conjuntura mundial, a educação em todas as suas dimensões e modalidades se

encontra em face de uma necessidade de reinvenção, enfrenta desafios de orientação em

tempos de mudanças permanentes. Vivemos, pois tempos de diversidade, em que repensar a

Educação é confrontar conceitos antigos e novos, é interrogar os dilemas e as perspectivas que

se colocam frente a uma realidade em movimento permanente.

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Dessa forma, refletir sobre a formação do educador e educadora na perspectiva da

educação popular constitui-se em uma reflexão sobre a formação dos mesmos frente a esta

realidade social, em nosso caso, uma sociedade dividida em classes, com interesses

antagônicos.

Uma problemática crucial relativa à questão, eleita como foco dessa investigação, diz

respeito à formação dos professores. Questiona-se até que ponto a nossa formação pode

contribuir na mediação de processos de aprendizagem na perspectiva histórico-cultural,

valorizando o sujeito da aprendizagem, o meio e a cultura, reconhecendo suas possibilidades

de idade, de tempo para aprender e, sobretudo, criando espaços educativos que oportunizem a

aprendizagem significativa..

Quanto à fundamentação teórica do estudo, buscamos respaldo em autores como

Brandão, Freire, Rodrigues, Holliday, entre outros.para refletir a educação popular e Gimeno

Sacristán, Giroux e Zeichner em relação a formação do professor e Shön na questão da

reflexão da prática.

Saberes e práticas em processos formativos de professores na Educação Popular

A sociedade brasileira vive um desenvolvimento desigual, onde uma minoria tem

acesso aos direitos de moradia, alimentação, educação, entre outros, enquanto a maioria da

população encontra-se muito distante de tais recursos. Neste sentido, a classe popular, ao

buscar na educação escolar uma possibilidade de mudanças concretas em suas condições vida,

acaba se defrontando com uma escola que, por vezes vivência um processo de distanciamento

dos interesses populares, reforçando o individualismo e estimulando a competitividade.

A realidade das escolas para a população é marcada, dentre outras questões, pelas

péssimas condições de trabalho e o professor, frente a esse quadro, tende a desanimar. Para

não desistir de seu compromisso é necessário incorporar ao seu cotidiano a noção de educação

como um ato político.

Segundo Giroux (l997), essa perspectiva aponta para o caráter contraditório da escola,

enfatizando a relação dialética desta com a sociedade. Tal relação evidencia que as escolas são

espaços que recebem influência da sociedade e, simultaneamente, trazem consigo elementos

significativos de resistência.

Neste sentido, não podemos pensar a escola fora do contexto social e histórico, onde

ela tanto pode constituir-se em instrumento de dominação como, ao mesmo tempo, descobrir-

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se, portadora de “brechas” que possibilitarão ações de resistência, ou seja, espaços concretos

que podem ser colocados a serviço dos interesses dos trabalhadores. Esse processo dialético é

caracterizador da escola como palco de luta, espaço eminentemente político.

Nesta visão, a pedagogia crítica libertadora aparece não como algo pronto e sim como

processo em constante construção. As escolas são vistas como espaços de luta e de

possibilidades que devem ser construídos cotidianamente, com o reconhecimento, entretanto,

de que não podemos entender a educação sem compreendê-la como sujeita as limitações.

Assim, são os compromissos assumidos pela escola que a diferenciam. Não basta,

pois, ser estatal para a escola, de fato, ser considerada pública. Precisa como destaca Silva

(l997), atender aos interesses das camadas populares, valorizando os elementos de sua cultura

e acrescentando os conhecimentos da sociedade envolvente. Destacamos, ainda, que

democratizar a escola significa criar mecanismos concretos para torná-la pública. Os

mecanismos deverão ser construídos pelo coletivo de cada escola, através de um processo de

reflexão de seus limites, possibilitando a busca da superação de situações problemáticas

concretas que se apresentam no dia a dia. É o que nos lembra Giroux (l997: 29), ao ressaltar

que “as condições materiais sob as quais os professores trabalham constitui a base para

delimitarem ou fortalecerem suas práticas como intelectuais”.

Sabemos que o sistema educacional passa por inúmeras crises e a forma que

freqüentemente utiliza para superar esta situação é, segundo Zeichner (l993), criar as

chamadas reformas educacionais, ou seja, propostas de mudanças que vêm de cima para baixo

e não reconhece no professor o profissional ativo, capaz de elaborar projetos cujos objetivos

contribuam para as necessárias transformações na educação.

Uma das questões problemáticas que identificamos na maioria das propostas de

reformas educacionais é que, pouco se valoriza e estimula a capacidade do professor em

reconhecer seus limites e buscar sua superação. Na nossa avaliação, nenhuma reforma

educativa terá o êxito desejado se não passar por esse compromisso central: o resgate à

valorização da ação reflexiva dos professores.

Neste sentido, a ação-reflexiva coletiva pode se constituir como um instrumento

concreto na construção de um projeto pedagógico que oriente, de forma crítica, a prática dos

educadores. Como Gimeno Sacristán (l997: 8) enfatiza “a escola pode tornar-se um

instrumento de conscientização cidadã”.

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A conjuntura atual de nossa sociedade, cada vez mais injusta, evidencia a necessidade

de um movimento de organização das camadas populares na luta pelos seus direitos básicos e,

ao mesmo tempo, na conquista de espaços no campo político. Daí porque entendemos que é

urgente tornarmos a escola um espaço de educação popular, articulando a apropriação do

conhecimento científico e academicamente elaborado com a luta concreta para a

transformação e construção de uma nova realidade social.

A educação tem, pois, fundamentalmente, a tarefa de educar sujeitos para a cidadania,

instrumentalizando-os, a fim de que estes se insiram na sociedade de forma crítica e

contribuam nas tomadas de decisões, ou seja, construam-se enquanto cidadãos na intervenção

da realidade. Educar para a cidadania supõe conteúdos atravessados pelos valores éticos.

Portanto, não podemos aceitar uma educação voltada para o mercado, contribuindo para

adaptar as pessoas ao sistema vigente.

Como Giroux (l997: 68), defendemos que “é necessário educar para a consciência

crítica, porém não só para preparar críticos da realidade social, mas acima de tudo capazes de

uma ação social de intervenção”.

Dentro deste contexto, os educadores populares precisam ter clareza sobre as questões

que desafiam a construção de uma prática pedagógica popular na escola, para conseguirem

realizar um movimento no sentido de analisar os problemas educacionais à luz dos problemas

sociais. É urgente buscarem caminhos que articulem a sua participação na luta pela

transformação social, sem perderem de vista os aspectos pedagógicos de sua ação educativa.

Isso implica o reconhecimento da não neutralidade da educação. Esta segundo Freire (l987)

pode ser colocada a serviço de uma cultura de vida ou de morte.

Sabemos que a educação popular nasceu fora da escola, mas como concepção de

educação ela teve e tem grande influência na educação escolar. A educação popular faz opção

pelo resgate da função social da educação através de um novo projeto de sociedade. A partir

dessas colocações vem a primeira questão: o que é Educação Popular?

Responder a esta questão é uma tarefa difícil, levando em consideração às inúmeras e

diversas iniciativas denominadas de populares. Muitas vezes, verificamos que, ocorre uma

grande ênfase no adjetivo “popular” em detrimento ao substantivo educação, gerando certo

conflito em relação ao verdadeiro sentido da Educação Popular. Nesta perspectiva, podemos

afirmar que o respeito pelas diversas culturas, pela apresentação de conteúdos que permitam

uma leitura crítica da realidade, visando sua transformação, dentre outros aspectos, revela a

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base de uma proposta pedagógica que é diferente da proposta homogenizadora da escola

tradicional.

O termo popular, acrescido à educação, torna complexo o seu entendimento. É o que

sugere Rodrigues (1999), ao ressaltar que a educação popular pode ser compreendida sob

duas maneiras bem distintas. A primeira enfatiza-a como a Educação para o povo, carregando

a visão de uma educação preparada para atender as carências e necessidades das camadas

populares, onde o compromisso com os dominantes é encoberto, não existindo um

questionamento de sua ideologia.

Rodrigues (l999: l5) salienta que: “... tomada nesta acepção, educação popular

implicará para o povo deixar-se programar para resignar-se à inferioridade, à infantilidade e à

sobrevivência, sob a tutela despótica dos prepotentes”. Essa concepção expressa, em sua

dimensão ideológica, uma função de suplência e de controle social. Neste caso, verifica-se

que o adjetivo popular é empregado numa atitude demagógica, pois, em última instância,

busca atender aos interesses das classes dirigentes.

A segunda forma de entender a Educação Popular é, portanto, como um conceito

indicador de diferentes práticas educativas, que buscam o fortalecimento dos movimentos

sociais populares. Para Rodrigues (l999: 21), “... a denominação mais adequada para a

educação popular seria a educação sócio-transformadora”.

Concordamos com este autor por entender a Educação Popular como um processo de

conscientização, que contribui para a organização das pessoas das classes populares na defesa

de seus direitos e na busca de uma sociedade mais justa. Entendemos, pois, que não haverá

esse tipo de educação sem haver o comprometimento com um projeto transformador desta

sociedade, onde a exploração persiste. Trata-se, assim, de uma ação política, ou seja, uma

ação político-pedagógica, organicamente engajada nas lutas sociais populares.

No esforço de conquistar uma educação significativa para as classes populares,

educadores vêm tentando construir um novo enfoque pedagógico, expresso nas experiências

concretas de ruptura com o paradigma dominante de educação. Desta forma, a proposta

dialógica de Paulo Freire (1993) desafiou e desafia a “concepção bancária de educação”,

compreendendo a produção do conhecimento como ato coletivo, processual, inserido em

determinado contexto sócio-histórico.

Segundo Freire (1993), a Educação popular é um esforço de mobilização, organização

e capacitação das classes populares. É uma prática política misturada à tarefa de educar. Neste

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sentido, todo ato educativo é também um ato político, isto é, dá ao sujeito condição de

apropriar-se de instrumentos de participação para uma melhor convivência no grupo. Brandão

(l994:9), por sua vez, destaca a Educação popular como:

sucessão de movimentos de diferentes tipos de educadores em favor de tornar a

educação algo absolutamente diverso daquilo que ela sempre fora. Ao invés de

pensá-la como um tipo de atividade profissional competente, destinada a um tipo de

ensino compensatório a sujeitos pobres e defasados, ela pretendeu ser uma espécie

de re-totalização não apenas estrategicamente popular, mas historicamente situada

como um serviço pedagógico a projetos políticos de classes populares.

Para Brandão, a educação popular é, atualmente, o fortalecimento do poder popular,

através da construção de um saber de classe. Por isso, é um domínio de convergência de

práticas sociais que têm a ver com a questão do conhecimento, da construção de um saber

popular e da apropriação, pelas classes populares, do seu próprio saber. Neste sentido,

Brandão resgata Paulo Freire quando diz que o diferente na Educação Popular não são os seus

tipos de práticas, mas, essencialmente, o modo como tais práticas se realizam.

Deve-se ressaltar, ainda, que a identidade da Educação Popular está intimamente

ligada à opção pelo fortalecimento das organizações e movimentos gestados pelos setores

populares que, trabalhando coletivamente, buscam o desenvolvimento de condições objetivas

e subjetivas, possibilitando a construção de um sujeito capaz de alcançar sua emancipação.

Neste sentido, para a Educação Popular, a organização social é, ao mesmo tempo, um objetivo

e um meio.

O compromisso com a transformação explicita-se a partir das pequenas mudanças

como, por exemplo, na construção de novas relações entre alunos e professores, entre escola e

comunidade e entre metodologias participativas e planejamento participativo, colocando-se

em evidência que “o debate oferece aos professores a oportunidade de se organizarem

coletivamente para melhorar as condições em que trabalham” (GIROUX, l997: l58).

Para a mudança de atitude no cotidiano da escola, faz-se fundamental, reiterarmos, a

construção de espaços de exercício de pensar a prática, onde o educador e a educadora

possam confrontar-se com opiniões diferentes das suas, rever suas convicções, localizar

coerências e incoerências em seu agir. Neste sentido, a escola tem papel decisivo na

orientação do movimento da contradição que a caracteriza, visando a mudança das relações

sociais, através de comportamentos éticos, de caráter democrático, em suas atividades, com a

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participação consciente dos sujeitos, condição necessária para que caminhe para o nível da

ação concreta, tendo como perspectiva a transformação efetiva da sociedade.

A escola que defendemos é entendida como espaço de luta, contra a exclusão social,

mesmo dentro de seus limites, ou seja, palco de contradições, a escola tanto reproduz a

ideologia dominante como pode ser instrumento de mudanças. Neste último caso, a grande

força está nas mãos dos educadores que assumem uma postura crítica diante da realidade,

fazendo uma opção consciente pelos que são excluídos. Tais professores, de acordo com

Gramsci (1991), são intelectuais orgânicos que atuam de forma consciente, assumindo o

compromisso de difundir a concepção de mundo revolucionária entre as classes subalternas.

Representam a união entre a teoria e a prática.

Tais profissionais têm clareza que o homem e a mulher, ao tomarem consciência de

que podem reagir às situações opressoras, tornam-se capazes de superá-las. A consciência e

autoconsciência são, pois, inerentes ao ser humano; por isso, ele é capaz de se reconhecer

como sujeito histórico que está em constante construção. Construção que se dará através de

suas relações, onde o diálogo se constitui a base do processo de humanização. Como afirma

Paulo Freire, (l987: 52), “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se

libertam em comunhão”.

Quando dizemos que os homens se educam nas relações, estamos destacando a

dimensão social do conhecimento e afirmando que o diálogo é fundamental nesta prática de

libertação. Uma educação comprometida com a conquista da liberdade pressupõe pensar a

prática e reconhecer que não existe saber nem ignorância absoluta e que é necessário, na

apreensão da realidade, a compreensão de que as pequenas partes não são estanques, pois se

constituem em partes de uma totalidade.

Como destaca Schön (1992:80), o problema educacional muitas vezes é visto de

forma descontextualizada quando, na verdade, é um reflexo de outras crises. Basta olharmos a

realidade existente e verificaremos que paira no ar uma profunda situação de insegurança

econômica. Esta acaba repercutindo nos demais campos da vida do homem. A

competitividade e o individualismo são características fortes dentro do atual sistema

econômico, impedindo as pessoas de pensarem e refletirem sobre o seu próprio agir. A escola

não foge a essa realidade e, desta forma, o aprender a reconhecer os limites para poder superá-

los é tarefa difícil, pois, exigirá uma profunda reflexão sobre a prática existente.

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Segundo Gimeno Sacristán (1995:73), os professores têm em seu espaço de trabalho

certos condicionantes provenientes do sistema educacional e da organização dos

estabelecimentos onde estão inseridos. Diante desta situação, não se poderá transformar a

educação com uma prática isolada; é necessário, coletivamente, interferir nestes

condicionantes para alcançar a mudança na prática do ensino. O trabalho coletivo, portanto,

tem sido apontado, por muitos pesquisadores, como um dos caminhos de maior alcance na

efetivação de um projeto pedagógico. Este é o caso de Zeichner (l993: 23-24) que afirma:

Se queremos um verdadeiro desenvolvimento dos professores, e não a fraude que

freqüentemente passa por desenvolvimento dos professores, temos de rejeitar a

abordagem individualista e de ajudar os professores a influenciarem coletivamente

nas condições do seu trabalho.

Esta escola que queremos espaço de construção de um projeto político pedagógico,

não existe de forma ideal. Ela só será forjada se for entendida como fruto de práticas

concretas dos agentes educacionais. É compromisso dos educadores a luta pela

democratização da escola pública, não só em termos de quantidade, mas, sobretudo, nos

aspectos de sua qualidade. Convém destacar, todavia, que “a prática não começa do zero:

quem quiser modificá-la tem de apanhar o processo „em andamento‟. A inovação não é mais

do que uma correcção de trajectória” (GIMENO SACRISTÁN, l995: 77).

Necessário se faz, por conseguinte, politizarmos nossas práticas, ou seja, criar espaços

na escola para refletirmos sobre a realidade social e alimentarmos a consciência dos direitos

que nos foram roubados. É preciso termos claro que só haverá construção de algo novo

através do que se constrói de concreto em nosso cotidiano. É preciso, também, que nós,

educadores, busquemos, em nosso trabalho, alternativas que sirvam como fortalecedoras de

nosso projeto de transformação social.

Vale ressaltar, porém, como argumenta Gimeno Sacristán (l997: 9) que, “hoje, um

professor só poderá ser um agente mobilizador social das classes oprimidas, se tiver

consciência crítica de realidades muito afastadas das necessidades imediatas”. De acordo com

Zeichner (1993: l8), normalmente os professores esquecem-se de que a sua realidade

cotidiana é apenas uma entre muitas possíveis e que existe uma série de possibilidades dentro

de um universo mais vasto.

Se queremos garantir a construção de uma nova escola e de um sujeito cidadão com

identificação política e social, é preciso investir na formação do educador e da educadora. Um

aspecto destacado como imprescindível neste processo de formação do educador é a sua

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própria prática, ou seja, a reflexão sobre essa prática, tanto individualmente quanto em

espaços construídos coletivamente. Tal reflexão propiciará momentos significativos, pois esse

processo produzirá questionamentos, alguns dos quais geradores de conflitos, que

contribuirão para desarrumar certas estruturas instaladas. Desta forma, muitos educadores,

“protegidos” atrás de posturas autoritárias, poderão adquirir confiança em si mesmo e buscar

novas formas no seu agir.

Um grande desafio na formação de educadoras e educadores é o entendimento de que

a reflexão sobre a sua prática constitui elemento fundamental para o reconhecimento dos

limites e possibilidades no sentido de uma reconstrução contínua desta mesma prática.

Somente através deste processo de auto-avaliação é que se dará a busca pelo conhecimento, a

compreensão da realidade e a descoberta de seus condicionantes e contradições.

Assim, a formação continuada do professor deve ser vista como um processo, em que

a prática se constitui em um instrumento de formação, e no quais professores e técnicos

tornam-se uma equipe pesquisadora e investigadora de caminhos com novas metodologias

para a realização de um trabalho coletivo. Ensinar é, pois, acima de tudo, um aprender

constante. As questões sobre o que ensinar devem nos conduzir a reflexões mais profundas

sobre as finalidades da educação, sobre nossos valores e intenções.

Por conseguinte, é preciso, ainda, ter presente que pensar na formação do profissional

da educação, numa perspectiva popular, exige mudanças de concepções e posturas; afinal,

somos frutos de uma educação formal que contém uma carga muito forte tradicional elitista e,

para alterarmos este quadro, faz-se necessário, principalmente, a valorização do processo de

reflexão coletiva. Trata-se de realizar intercâmbio de aprendizagens, pois um aspecto

fortalecedor do processo de mudança que é salientado por Holliday (l995: 26), é o “apropriar-

se da experiência”. Assim, a reflexão sobre a prática torna-se essencialmente um elemento

formativo, pois, contribui no processo de autoconhecimento que propiciará ao educador

condições de experimentar novas ações, através do diálogo estabelecido com a realidade, e de

abrir novos caminhos, numa perspectiva inovadora.

Shön salienta que a reflexão na ação e, mais especificamente, a reflexão sobre a ação,

sendo realizada de forma constante, nos ajudará a desenvolver a competência necessária para

uma ação eficaz diante das situações de incertezas. Esse processo de reflexão na e sobre a

ação constitui uma grande riqueza na formação dos profissionais da educação, pois permite a

ele assumir uma atitude investigativa de sua própria prática tornando-se, desta forma, um

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crítico de sua ação, superando a racionalidade técnica através de uma dinâmica reflexiva que

lhe proporcionará elementos significativos para a conquista de sua autonomia.

Entendemos que é de importância vital valorizar a reflexão coletiva, desencadeando

momentos onde se dará um processo favorável ao amadurecimento do nosso compromisso,

enquanto educadoras e educadores populares. Tal processo, esclarecedor problematizador das

dificuldades de nos tornarmos críticos de nossa própria realidade, possibilitar-nos-á, enfim,

alcançar um nível de consciência que nos conduza à busca de uma constante reconstrução de

nosso fazer pedagógico.

Considerações finais

A Educação Popular, enquanto processo, têm em si configurações históricas

diferenciadas ao longo dos tempos, com movimentos distintos e entrecruzados, cujo elemento

indicador é a organização popular. Portanto, para a construção de uma prática pedagógica

coerente, é necessária a existência de três condições fundamentais: compromisso,

fundamentação e as condições objetivas. Sabemos que o desejo para realizar uma ação nasce

do compromisso, porém, vale destacar que só conseguimos agir coerentemente se formos

capazes de exercemos com segurança nossa prática e isso significa ter referencias concretos

para agir.

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