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RBPAE – v.27, n.1, p. 67-82, jan./abr. 2011 67 Formação em gestão escolar no Brasil nos anos 2000: políticas e práticas The training of school managers in Brazil in the years 2000: policies and practices La formación en gestión escolar en Brasil de los años 2000: políticas y prácticas MÁRCIA ÂNGELA DA S. AGUIAR Resumo: O texto aborda a política de formação de gestores da educação básica, no Brasil, focalizando o curso de especialização em gestão escolar oferecido pelas universidades federais, no âmbito do Programa Nacional Escola de Gestores, promovido pelo governo federal em articulação com as secretarias estaduais de educação. Destaca a ação dos atores envolvidos no programa e problematiza as condições de oferta do curso nas Ifes e as repercussões na prática destes profissionais. Palavras-chave: formação de gestores para a educação básica; Programa Nacional Escola de Gestores; curso de especialização em gestão escolar; gestão democrática. Abstract: The text addresses the training policy of basic education managers in Brazil with focus on the graduate specialization courses in school management offered by the federal universities under the wing of the Programa Nacional Escola de Gestores (School Manager’s National Program), developed by the federal government in cooperation with the State Offices of Education. It underscores the activities of the actors enga- ged in the program and questions the supply conditions of the courses in the federal universities and their impact on the activities of these professionals. Keywords: training of basic education managers; Programa Nacional Escola de Gestores; specialization courses in school management; democratic management. Resumen: El texto aborda la política de formación de gestores de la educación básica en Brasil, focalizando el curso de especialización en gestión escolar ofrecido por las universidades federales, en el ámbito del Programa Nacional Escola de Gestores, promovido por el gobierno federal en articulación con las secretarías de educación de los estados. Se destaca la acción de los actores involucrados en el Programa y se problematizan las condiciones de oferta de ese curso en las IFES (Instituciones Federales de Enseñanza Superior) y sus repercusiones en las prácticas de esos profesionales. Palabras clave: formación de gestores para la educación básica; Programa Nacional Escola de Gestores; curso de especialización en gestión escolar; gestión democrática.

Formação em gestão escolar no Brasil nos anos 2000: políticas e práticas

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Este texto descreve sobre os vários aspectos que envolve a gestão escolar e suas peculiaridades. Além de traçar um percurso histórico que envolve a gestão no Brasil.

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  • RBPAE v.27, n.1, p. 67-82, jan./abr. 2011 67

    Formao em gesto escolar no Brasil nos anos 2000: polticas e prticas

    The training of school managers in Brazil in the years 2000: policies and practices

    La formacin en gestin escolar en Brasil de los aos 2000: polticas y prcticas

    MRCIA NGELA DA S. AGUIAR

    Resumo: O texto aborda a poltica de formao de gestores da educao bsica, no Brasil, focalizando o curso de especializao em gesto escolar oferecido pelas universidades federais, no mbito do Programa Nacional Escola de Gestores, promovido pelo governo federal em articulao com as secretarias estaduais de educao. Destaca a ao dos atores envolvidos no programa e problematiza as condies de oferta do curso nas Ifes e as repercusses na prtica destes profissionais.

    Palavras-chave: formao de gestores para a educao bsica; Programa Nacional Escola de Gestores; curso de especializao em gesto escolar; gesto democrtica.

    Abstract: The text addresses the training policy of basic education managers in Brazil with focus on the graduate specialization courses in school management offered by the federal universities under the wing of the Programa Nacional Escola de Gestores (School Managers National Program), developed by the federal government in cooperation with the State Offices of Education. It underscores the activities of the actors enga-ged in the program and questions the supply conditions of the courses in the federal universities and their impact on the activities of these professionals.

    Keywords: training of basic education managers; Programa Nacional Escola de Gestores; specialization courses in school management; democratic management.

    Resumen: El texto aborda la poltica de formacin de gestores de la educacin bsica en Brasil, focalizando el curso de especializacin en gestin escolar ofrecido por las universidades federales, en el mbito del Programa Nacional Escola de Gestores, promovido por el gobierno federal en articulacin con las secretaras de educacin de los estados. Se destaca la accin de los actores involucrados en el Programa y se problematizan las condiciones de oferta de ese curso en las IFES (Instituciones Federales de Enseanza Superior) y sus repercusiones en las prcticas de esos profesionales.

    Palabras clave: formacin de gestores para la educacin bsica; Programa Nacional Escola de Gestores; curso de especializacin en gestin escolar; gestin democrtica.

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    INTRODUO

    A formao continuada de gestores da educao bsica, no Brasil, teve um grande impulso no mbito das polticas do governo federal a partir de 2003 com o desenvolvimento de aes direcionadas formao dos profissionais da educao.1 Se, de um lado, pode-se atribuir este interesse influncia decorrente dos acordos interna-cionais firmados entre o Brasil e organismos multilaterais que reiteradamente apontam a gesto eficiente e eficaz como o elemento chave para assegurar a boa qualidade do sistema de ensino e das escolas, de outro lado no se pode subestimar a importncia da movimentao da sociedade civil organizada, que conseguiu inscrever a gesto demo-crtica da educao como princpio constitucional, alm de sua contribuio ao debate sobre as polticas na rea. Muito tem contribudo a presena das entidades do campo da educao Associao Nacional de Poltica e Administrao da Educao (Anpae), Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (Anped), Associao Nacional pela Formao dos Profissionais da Educao (Anfope), Frum Nacional de Diretores das Faculdades e Centros de Educao das Universidades Pblicas (Forumdir) e Centro de Estudos Educao e Sociedade (Cedes) , para a ampliao deste debate (AGUIAR, 2009b; DOURADO, 2007a; FREITAS, 2007; SANDER, 2009).

    Sem adentrar na anlise das tenses, condicionantes e iniciativas que esto presentes no interior da mquina administrativa, nas diversas esferas jurdico-admi-nistrativas, pode-se identificar, no perodo do governo Lula (2003-2010), que vrios programas focalizando a gesto escolar e a formao de gestores foram formulados e/ou revisados, a exemplo do Programa Nacional de Formao de Conselheiros Escolares, do Programa Nacional Escola de Gestores da Educao Bsica Pblica, do Programa de Apoio aos Dirigentes Municipais de Educao - Pradime, da Rede Nacional de Formao Continuada, dentre outros.

    Em geral, os programas governamentais destinados formao de gestores escolares se pautam em propostas definidas e operacionalizadas pelos rgos centrais do governo em todas as esferas. No caso que ser abordado o Programa Nacional Escola de Gestores da Educao Bsica considera-se que houve a interveno de setores da sociedade civil organizada, o que lhe emprestou uma configurao singular no plano das polticas pblicas em educao.

    Lanado em 2004 pelo ministro Tarso Genro com o nome Escola de Gestores, o Programa Nacional Escola de Gestores da Educao Bsica se propunha a contemplar a formao de professores-gestores da educao bsica.

    Institudo no mbito do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (INEP), na gesto do ministro da educao Tarso Genro (2003-2005), o Projeto Piloto Escola de Gestores visava a formao dos diretores

    1 Inmeras aes e polticas foram implementadas pelo governo federal no campo da for-mao. A respeito, ver Aguiar (2009a).

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    das escolas, dado que o Ministrio da Educao (MEC) via na gesto o caminho primordial para a elevao da qualidade do ensino fundamental nas escolas pblicas. A justificativa apresentada para a instituio deste projeto, decorreria, em parte, da anlise feita pelo MEC a respeito do baixo desempenho dos estudantes no censo escolar de 2004 , bem como dos resultados do Sistema de Avaliao Bsica (SAEB). Segundo setores do governo federal, como a Secretaria de Educao Bsica, a melhoria da qualidade da educao nas escolas pblicas estaria relacionada ao fortalecimento de uma gesto escolar democrtica, participativa e que garantisse mudanas.

    importante ressaltar que tal concepo em si, um esforo concreto da ao governamental no sentido de implementar mudanas na lgica centralizadora das aes e polticas vigentes na rea de gesto. Nesse caso, tal esforo traduz uma das singularidades da referida poltica. Nesta perspectiva, o Projeto Piloto Escola de Gestores foi anunciado pelo governo como um importante programa federal sob a coordenao do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (Inep), com as participaes da Secretaria de Educao Bsica (SEB), Secretaria de Educao a Distncia (SEEd) e Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao (FNDE).

    Contudo, como demonstrado em estudo anterior (AGUIAR, 2009a), tal iniciativa estava circunscrita apenas oferta de um curso de formao continuada dirigido aos diretores de escolas pblicas, muito embora os princpios que o orien-tassem, devido ampla abrangncia, fossem mais adequados a um programa federal, conforme seguem:

    compromisso com a melhoria da qualidade do ensino pblico e com a valorizao e a capacitao do gestor escolar;

    respeito ao princpio de equidade: um curso com a mesma qualidade, atingindo ao mesmo tempo toda a populao-alvo dos Estados brasileiros;

    atendimento ao princpio democrtico de integrao com a comunidade, descentralizao do poder e autonomia da escola;

    formao de rede que possibilite a troca de informaes, experincias, vivncias e integre os gestores escolares de todo o pas (AGUIAR, 2009a).

    Com tal dimenso, foram traados objetivos que focalizavam o diretor es-colar como uma liderana, cuja formao continuada deveria enfatizar os aspectos tcnicos e instrumentais, o que possibilitaria qualificar e otimizar os processos de trabalho no cotidiano escolar.

    O curso foi dirigido aos gestores, em exerccio, de escolas pblicas de edu-cao bsica e abrangeu alguns estados e municpios. O projeto piloto previa numa primeira etapa envolver quatrocentos gestores nos seguintes estados e municpios: Cear, Pernambuco, Bahia, Piau, Rio Grande do Norte (regio nordeste); Mato Grosso (regio centrooeste); Esprito Santo (regio sudeste); Rio Grande do Sul e Santa Catarina (regio sul); municpio de Palmas/TO (regio norte).

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    Com a sada do ministro Tarso Genro do Ministrio da Educao, em ja-neiro de 2006, para o Ministrio da Justia, assumiu a pasta da Educao, o ministro Fernando Haddad que introduziu mudanas em vrias polticas e procedimentos administrativos do MEC. O Programa Escola de Gestores tambm passou por mu-danas a comear pela sua transferncia do Inep, no incio de 2006, para o mbito e coordenao da Secretaria de Educao Bsica (SEB) deste ministrio. Tal mudana visava assegurar maior unidade dos programas direcionados educao bsica que no caso brasileiro, envolve as seguintes etapas: educao infantil, ensino fundamental e ensino mdio, bem como as modalidades da educao.

    Alm disto, este programa, posteriormente, passou a integrar o Plano de Desenvolvimento de Educao (PDE),2 lanado pelo governo federal em 2007, o que por si demonstra o seu grau de importncia no contexto dos programas desen-volvidos pela Unio.

    Sob a responsabilidade da Secretaria de Educao Bsica, uma das mudanas que se operou no mbito do programa consistiu na oferta de um curso de especia-lizao em gesto escolar dirigido aos gestores escolares e que se tornou a principal ao ministerial neste campo. Analisar como ocorreu o processo de formulao e de implementao da formao dos gestores no mbito desta especializao, destacando o carter inovador deste processo e sua contribuio para o debate sobre a formao dos profissionais da educao o que pretende este texto.

    A PROPOSTA DO CURSO DE ESPECIALIZAO DE GESTO ESCOLAR E O DEBATE DA REA

    Buscando a aproximao com a academia para subsidiar a formulao de programas de formao de gestores que privilegiasse a gesto democrtica e o direito educao de qualidade social, a direo da Secretaria de Educao Bsica manteve conversaes com a equipe de docentes que havia elaborado o material pedaggico de outro programa ministerial dirigido aos conselheiros escolares,3 das quais resul-tou o delineamento de uma proposta de curso de especializao em gesto escolar, destinado aos professores-gestores da educao bsica. Esta proposta inicial foi sub-metida apreciao de pesquisadores do Grupo de Trabalho (GT 5) Estado e Poltica Educacional, da Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (Anped), e de vrias universidades federais, em reunio promovida pela Secretaria de Educao Bsica, no dia 8 de maro de 2006, no Ministrio da Educao (MEC).

    2 Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE): conjunto de programas e aes do Ministrio da Educao (MEC) divulgado no primeiro semestre de 2007. 3 Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares da SEB/MEC. Disponvel em: . Acesso em: 16 dez. 2009.

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    Alguns destes pesquisadores4 passaram a compor o grupo encarregado de formular a verso final do projeto do curso de especializao em gesto escolar, considerando as crticas e proposies expressas na citada reunio.

    Aps vrias reunies de trabalho, discusses sobre dimenses, concepes norteadoras e, ainda, a busca de uma nova abordagem de formao que articulasse momentos presenciais e a distncia, sem secundarizar a relao professor-gestor-estudante, a proposta logrou xito.

    Desse processo resultou a proposta final do curso de especializao em ges-to escolar, na modalidade de educao a distncia (EAD), com o objetivo, segundo documento bsico do curso, de ampliar as possibilidades de atuao dos gestores escolares mediante a reflexo sobre as questes implicadas na gesto democrtica e a apreenso/construo de processos e procedimentos que favoream a prtica da gesto e a efetivao do direito educao bsica.5

    Considerando a necessidade de contar com a colaborao dos estados e municpios para a execuo desse programa, a Unio, por meio da Secretaria de Educao Bsica, buscou obter adeso ao programa mediante o estabelecimento de parcerias com as secretarias estaduais e municipais de educao.

    Buscou tambm, o apoio das universidades federais para a promoo do curso de especializao, bem como uma maior aproximao com entidades do campo educacional como a Associao Nacional dos Dirigentes de Instituies Federais de Ensino Superior (Andifes), Confederao Nacional dos Trabalhadores em Educao (CNTE), Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (Anped), Associao Nacional de Poltica e Administrao da Educao (Anpae), Frum Nacional dos Diretores das Faculdades e Centros de Educao das Universidades Pblicas (Forumdir) e organismos internacionais como a Unesco.

    Construa-se, assim, uma coalizo para dar sustentao a este programa federal envolvendo o poder pblico, universidades, sindicato, entidades acadmicas e organismos internacionais. Tratava-se, portanto, de uma estratgia delineada para assegurar a execuo bem sucedida desta poltica educacional. Como afirma Abrucio,

    [...] o xito das polticas pblicas no se relaciona apenas qualidade de sua formulao e implementao. A base poltica e social que d suporte aos diversos setores governamentais uma das variveis estratgicas deste processo. Nesse sentido, preciso evitar a perspectiva mais tecnocrtica que povoa parte das anlises e discusses sobre os programas e aes estatais, incorporando a esses estudos o conceito de coalizes de polticas pblicas, um aspecto estratgico especialmente importante para as reas que no tem conseguido melhorar e aprimorar suas prticas, a despeito do reclamo geral (ABRUCIO, 2007, p. 52).

    4 Participaram do referido grupo os pesquisadores Luiz Fernandes Dourado (UFG), Mrcia Angela Aguiar (UFPE), Leda Scheibe (UFSC), Roselane Campos (UFSC), Marcelo Soares (UFU), Sonia Sette (UFPE), Joo Ferreira de Oliveira (UFG).5 Disponvel em: . Acesso em 9 out. 2007.

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    Com tal inteno, esses rgos e entidades foram convocados para uma reu-nio com a direo da SEB, na qual foram explicitados e discutidos os objetivos do Programa Nacional Escola de Gestores e da especializao em gesto escolar para os dirigentes escolares. Predominou a tese, nessa reunio, de que a promoo do curso de especializao em gesto escolar deveria ficar restrita esfera das universidades federais em articulao com as secretarias de educao. Nessa ocasio, foi ressaltada pela representao da Anped que a natureza do curso demandaria, tambm, a sua insero nos programas de ps-graduao em educao ou nos ncleos de pesquisa em poltica e gesto da educao das Ifes, posio esta consolidada na mencionada reunio.

    Justificava-se tal vinculao institucional por se tratar de uma especializao com contedos de poltica e gesto da educao, rea que congrega pesquisadores atuantes nas universidades federais responsveis pela oferta do curso de especializa-o em gesto escolar. Esta posio foi consolidada no grupo gestor do programa, constitudo pelas referidas instituies, mas no obteve, posteriormente, a total adeso ao ser o curso de especializao operacionalizado nas universidades.

    De fato, ao ser assim situada, a proposio do curso ingressou em seara conflituosa, tendo em vista que, por se tratar de um curso de especializao na moda-lidade a distncia, seria considerado em algumas universidades territrio dos grupos de docentes e pesquisadores da rea de educao a distncia ou de tecnologia em educao, em alguns casos sem relao com as faculdades ou centros de educao e, em outros, sem qualquer vinculao com grupos de pesquisa ligados gesto escolar. Instalava-se, portanto, um conflito no tocante ao setor de vinculao do curso de especializao, ou seja, se o mesmo seria de responsabilidade das faculdades e centros de educao ou dos centros e/ou dos ncleos de educao a distncia ou espaos similares. A opo feita pelas universidades constituiu, por conseguinte, um fator relevante no desenvolvimento do modelo do curso proposto, em mbito federal, como se focalizar a seguir.

    DESENVOLVIMENTO DO CURSO DE ESPECIALIZAO EM GESTO ESCOLAR NAS IFES: PRINCIPAIS OBSTCULOS

    Considerado na condio de formao continuada, o curso de especializa-o em gesto escolar foi promovido por dez universidades federais6 com formatos institucionais diferenciados, o que corrobora o entendimento sobre a natureza das polticas educacionais que, ao serem executadas, passam por inmeras mediaes.

    O exame do processo de realizao desta especializao mostra a existncia de diversos fatores que influenciaram o seu desenvolvimento em relao aos objetivos inicialmente traados. Dentre tais fatores, podem ser mencionados: a localizao do

    6 As 10 universidades foram: UFSC, UFRGS, UFT, UFPE, UFES, UFBA, UFMT, UFRN, UFPI e UFC.

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    curso fora das faculdades/centros de educao, a falta de previso das secretarias quanto delimitao de tempo para estudos por parte do participante do curso de especializao, bem como suporte tecnolgico e dinmica de acompanhamento diverso do preconizado pela proposta.

    A pretendida insero do curso nos programas de ps-graduao em educa-o no se concretizou de forma generalizada nas universidades. Com efeito, algumas reitorias, ao receberem da Secretaria de Educao Bsica (SEB) a convocao para a oferta da especializao, entenderam que se tratava de um curso a distncia e que a responsabilidade por sua execuo deveria ser dos ncleos ou setores responsveis por esta modalidade no mbito da universidade. Este entendimento sobre a localizao do curso nestas Ifes pode ser considerado um dos principais fatores que interferiram em sua operacionalizao, tendo em vista o distanciamento que se verifica entre os ncleos de EAD e as faculdades e centros de educao.

    As dificuldades e tenses geradas por este distanciamento foram identificadas, sobretudo, nos depoimentos dos coordenadores dos cursos que estiveram presentes nos encontros promovidos pela SEB/MEC.7 Muito embora tenha sido registrada, nas reunies dos coordenadores das Ifes, convergncia de opinies sobre a relevncia e pertinncia da proposta curricular, com destaque para a consistncia e relevncia dos objetivos e contedos, emergiram diferenas de entendimento quanto a alguns aspectos do currculo do curso.

    Na efetivao dos cursos, portanto, estas dificuldades podem ser situadas no plano terico/epistemolgico, bem como na conduo dos mesmos. As divergncias no tocante concepo e aos princpios pedaggicos que orientavam a estrutura curricular da especializao foram evidenciadas desde as primeiras reunies com os coordenadores representantes das universidades. Vale ressaltar, nesse contexto, o descompasso entre a proposta e as condies objetivas de efetivao do curso no que concerne, por exemplo, s coordenaes, pois uma parte dos coordenadores no possua formao na rea de educao e no estava inserida no debate da rea, o que limitava a compreenso sobre a concepo terico-metodolgica do curso e determinava, em parte, as resistncias para a sua operacionalizao de forma coerente com a proposta original.

    Assim, enquanto a proposta pedaggica enfatizava a oferta de um currculo que contribusse para a formao terico-prtica do gestor, a preocupao em algu-mas Ifes era a de simplificar conceitos e restringir o contedo curricular aos aspectos operacionais da gesto escolar. A concepo de gesto democrtica da proposta original que perpassava todos os componentes curriculares, por exemplo, no se traduzia inteiramente no processo de elaborao dos projetos pelos cursistas, tendo em vista que a sua formulao exigia o fomento de um ambiente colaborativo na escola a que estivessem vinculados, o que nem sempre acontecia.

    7 Os cursos tiveram poltica de acompanhamento e avaliao que consistiu, entre outros, em encontros presenciais entre especialistas, gestores do MEC e coordenadores de cursos das Ifes.

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    Estas questes ficavam mais acentuadas quando se verificava que vrios orientadores e assistentes que atuavam no curso no faziam parte do corpo docente das universidades envolvidas ou dos ncleos ou grupos de pesquisa sobre poltica, planejamento e gesto nas Ifes, o que evidenciava que a contribuio para a formao de gestores teria seus limites. Por fim, a ausncia de uma articulao institucional entre os espaos formais da EAD e da educao no mbito da universidade mais uma vez se revelava problemtica. Tais questes ressaltam um conjunto de proble-mas estruturais no tocante a efetivao do curso em detrimento proposta ampla de formao delineada nacionalmente.

    Constata-se ainda a existncia de entendimentos diferenciados sobre a din-micado curso por parte das secretarias de educao envolvidas no processo, como tambm de parte de algumas coordenaes no mbito das universidades. Do lado das secretarias de educao, podem ser identificados problemas atinentes ao perfil e situao dos diretores indicados: a pouca (e, s vezes, nenhuma) familiaridade dos gestores-cursistas com os recursos da internet, e a ausncia de garantia formal de tempo de dedicao do participante ao curso. No que tange s vrias coordenaes das Ifes, estas enfrentavam dificuldades para garantir a presena dos representantes externos no grupo gestor e para compor o quadro de docentes, dentre os professores com experincia e produo acadmica na rea de gesto escolar. De fato, no obstante ter sido definido como um dos requisitos para ingresso no curso ter familiaridade com a internet, um nmero significativo de cursistas nunca havia lidado com o compu-tador, seja na vida cotidiana, seja em situaes de carter pedaggico. interessante observar que nas conversaes entre o MEC e as secretarias de educao envolvidas no Programa Escola de Gestores, no se discutia a responsabilidade desta ltima em garantir que os gestores selecionados para realizarem a especializao tivessem os conhecimentos bsicos necessrios ao uso da internet antes do incio do curso. Todavia, este requisito no foi atendido por diversas secretarias de educao, caben-do a responsabilidade de providenciar esta formao bsica s Ifes, o que significou alterar o projeto inicial, ampliar o perodo previsto do curso e, consequentemente, arcar com um maior investimento considerando o pessoal envolvido docentes, estudantes e tcnicos e o tempo despendido para a formao.

    importante ressaltar que esse cenrio revelador da necessidade de maior estmulo e criao de condies objetivas de acesso s novas tecnologias da infor-mao e comunicao aos diferentes profissionais da educao. Diante deste quadro, as coordenaes nas Ifes tiveram que desenvolver estratgias diversificadas com o propsito de suprir esta dificuldade de parte dos cursistas, o que, certamente, pro-piciou, de um lado, novas aquisies aos cursistas, e de outro, a limitao do tempo destinado efetivao da dinmica pedaggica prevista.

    Outra questo que merece ser abordada diz respeito ao contedo pedaggico do curso. A proposta bsica geral do curso buscava incentivar os gestores reflexo sobre a gesto democrtica e a desenvolver prticas colegiadas de gesto que con-

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    tribussem para favorecer a aprendizagem efetiva dos estudantes. Neste sentido, o curso foi estruturado em torno de trs eixos articulados entre si: o direito educa-o e a funo social da escola bsica; polticas de educao e a gesto democrtica da escola; projeto poltico-pedaggico e prticas democrticas na gesto escolar. Esses eixos foram consubstanciados em seis salas-ambientes utilizando a plataforma tecnolgica e-Proinfo,8 do MEC: Fundamentos do Direito Educao; Polticas e Gesto na Educao; Planejamento e Prticas da Gesto Escolar; Tpicos Especiais; Oficinas Tecnolgicas; e Projeto Vivencial. Alm dessas salas-ambientes havia, ainda, uma introduo ao ambiente virtual e ao curso, para ambientao dos cursistas em relao s ferramentas tecnolgicas que seriam disponibilizadas durante o processo formativo e obteno de uma viso geral do processo formativo.

    Tratava-se de uma proposta pedaggica inovadora, tendo em vista dois as-pectos que se destacavam no currculo desenvolvido. Buscava-se romper com a lgica disciplinar comum (modulao, por exemplo) nos cursos de especializao na rea, ao conferir centralidade sala-ambiente Projeto Vivencial que se constitua em componente articulador do curso. A atividade central proposta nesta sala consistia na formulao e desenvolvimento de um projeto de interveno na escola com estreita vinculao com o Projeto Poltico-Pedaggico (PPP), assumido como mecanismo fundamental para a realizao da gesto democrtica na escola. Caberia ao cursista nessa sala-ambiente desenvolver um projeto de vinculao ao PPP, articulando-se com as demais salas, cuja culminncia se daria com a efetivao do trabalho de concluso do curso (TCC).

    Caberia tambm ao cursista encontrar estratgias para mobilizar a comu-nidade escolar, uma vez que o curso previa que as especificidades de cada sistema de ensino e de cada escola fossem consideradas na construo e/ou avaliao do projeto poltico-pedaggico, que envolveria etapas como: fundamentao terica, sensibilizao e mobilizao da comunidade, diagnstico da escola, planejamento, implementao e avaliao do projeto. Ressalta-se a existncia de opes para o projeto a ser desenvolvido pelo cursista, ou seja, se fosse constatada a inexistncia de PPP na escola, dever-se-ia promover sua elaborao e implementao; em caso contrrio, a tarefa seria a re-elaborao ou desenvolvimento de trabalho de pesquisa e de avaliao crtica sobre o impacto do PPP na realizao da gesto democrtica na escola e no tocante ao desempenho escolar. O trabalho de concluso do curso deveria expressar o resultado dessa experincia de (re) elaborao do PPP na escola de cada cursista e a reflexo coletiva da equipe sobre o trabalho.

    O nvel de complexidade das atividades exigia, portanto, disponibilidade de tempo dos cursistas para aprofundamento de estudos sobre a gesto democrtica da educao e da escola. O fato de se tratar de um curso de especializao na modalidade EAD no constitua um argumento slido para diminuio do padro de exigncia implcita na proposta pedaggica, como requeriam alguns coordenadores.

    8 Posteriormente, foi utilizada a plataforma MOODLE.

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    Decorreu da viso da equipe que a elaborou a adoo de autores e de textos considerados de nvel similar aos que so usualmente adotados em cursos da ps-graduao lato sensu de carter presencial oferecidos nas universidades. Tais textos inseridos nas salas ambientes foram utilizados a partir de roteiros e/ou questes para anlise, bem como com outros materiais de apoio, visando contribuir com a formao dos gestores por meio da articulao teoria e prtica. Para a equipe de elaborado-res, deveria ser assegurado o direito aos participantes de ter acesso na ntegra aos textos bsicos do curso. Entendiam que, por no se reduzir a gesto escolar apenas ao domnio de recursos instrumentais, o material pedaggico deveria incorporar os fundamentos sociofilosficos e pedaggicos em que se insere a gesto escolar, em conformidade ao disposto nas diretrizes pedaggicas do curso (AGUIAR, 2008).

    Tal dinmica buscou assegurar consistncia formao e, ao mesmo tem-po, ratificava a compreenso de que o curso deveria garantir poltica sistemtica de acompanhamento ao cursista, de modo que fossem explorados e contextualizados os diferenciados recursos pedaggicos propostos.

    Tal posio se contrapunha, tambm, viso que, no mbito de cursos oferecidos na modalidade EAD, defende que o contedo dos textos deve ser frag-mentado em unidades menores, ou mesmo, que a linguagem deve ser simplificada. No constitui episdio isolado a solicitao de textos aos autores que no sejam profundos, de textos simples para cursos de formao de profissionais da edu-cao na modalidade a distncia.

    provvel que estes pedidos decorram, em parte, do entendimento de que os tutores que acompanham os cursos de educao a distncia tenham dificuldades para auxiliar os cursistas, ao lidar com o material pedaggico que busca superar uma dada lgica de infantilizao dos estudantes presente em determinadas propostas de formao, que defendem a indicao de textos leves, curtos, e de fcil leitura.

    Contudo, uma perspectiva diversa predominava na equipe de elaboradores do modelo original do curso de especializao em gesto escolar. Estes consideravam como requisito bsico que o curso fosse assumido por professores das reas espec-ficas: poltica, planejamento e gesto da educao, e no por tutores. Entendiam ser indispensvel, ao longo do curso, a leitura dos textos disponibilizados no ambiente virtual, na ntegra, bem como a interao com o professor orientador de cada uma das salas-ambientes. Ou seja, a metodologia do curso a distncia no seria justificativa para diminuir o padro de exigncias, considerando os cursos de carter presencial. Vale salientar que a interao pretendida no curso no seria cursista e material e, sim, a interao professor e cursista e a reflexo coletiva sobre o material pedag-gico e as condies e possibilidades da gesto educacional.

    Os pressupostos, os objetivos, a natureza e a dinmica do curso exigiam o acom-panhamento e a avaliao contnua das atividades desenvolvidas pelo cursista, por parte dos professores orientadores, especialistas, assistentes e coordenadores, requerendo desta equipe constante interao no que tange troca de informaes, a apreciao conjunta

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    das dificuldades e a busca de solues relacionadas s dificuldades de cada componente curricular (BRASIL, 2006, p. 19). Tratava-se, portanto, de uma concepo de avaliao processual, sistemtica e contnua, defendendo, desse modo, a garantia de padro de qualidade independentemente de o curso ser presencial ou a distncia.

    Argumentavam os elaboradores do material pedaggico sobre a importncia de que o curso assegurasse acesso, na ntegra, aos textos de autores reconhecidos na comunidade acadmica e que a leitura dos mesmos fosse atividade exigida no curso. Alm disso, havia o compromisso de no subestimar a capacidade dos gestores-cursistas, com a utilizao de textos que no incentivassem a reflexo crtica.

    Todavia a proposta pedaggica do curso enfatizava a importncia de se garantir condies objetivas para os participantes do curso. Pois para a formao pretendida, incluindo as leituras, realizao de atividades previstas no curso, algumas destas requerendo trabalho coletivo, a disponibilidade de tempo dos participantes e dos professores era essencial. A real disponibilidade de tempo para dedicao ao curso da parte dos participantes logo se mostrou insuficiente, tendo em vista que, na maior parte das vezes, as secretarias de educao no os liberavam para realizao dos estudos. O problema do tempo dos cursistas para dedicao aos estudos requeridos constituiu outra varivel que interferiu na implementao do curso.

    IMPLICAES PARA O PROCESSO DE AVALIAO DOS CURSOS

    Qualquer anlise que se efetive sobre o Programa Nacional Escola de Gestores no poder se restringir apenas s questes pedaggicas do curso, descon-siderando aspectos da poltica macro.

    Neste contexto, concorda-se com Dourado:

    [...] Rever a formao pedaggica requer, portanto, a articulao entre as polticas educacionais e as concepes de formao enquanto processos de construo coletiva. Implica, tambm, resgatar as experincias implementadas por estados e municpios como passos importantes no fortalecimento das aes do MEC, em apoio s polticas de formao de professores e aos processos de organizao, gesto educacional e escolar. Nesse sentido situam-se tambm as aes voltadas organizao da educao nacional, cujo norte poltico-pedaggico, no campo e na cidade, deve considerar a riqueza e a diversidade de experincias e as condies e especificidades com as quais se realizam processos formativos para professores e estudantes, considerando a garantia de parmetros de qualidade e indicando alternativas e perspectivas pedaggicas centradas em uma slida concepo de educao, escola, cultura e gesto educacional (DOURADO, 2007b, p. 922).

    Dada a prpria natureza do programa de mbito nacional, verificam-se ques-tes atinentes s relaes entre os entes federados, entre as secretarias de educao e as universidades que merecem ser problematizadas.

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    Para que o curso se realizasse foi necessria uma movimentao especfica do governo federal para estimular a adeso das secretarias de educao. Para tanto, contou com o apoio da Unio dos Dirigentes Municipais de Educao (Undime), do Conselho Nacional de Secretrios de Educao (Consed) e da Unio Nacional dos Conselhos Municipais da Educao (Uncme), que colaboraram na maioria dos estados com este processo de adeso. Mas a forma como cada secretaria se relacionou com o MEC e com as universidades determinou, em grande parte, uma configurao particular do curso no respectivo estado.

    possvel apontar pelo menos trs formas de ao das secretarias da edu-cao no tocante oferta do curso de especializao nas universidades:9 participao ativa no planejamento e na execuo, participao limitada no planejamento e na execuo e ausncia em todo o processo.

    Uma parte das secretarias demonstrou interesse e empenho em participar do processo de planejamento e de todas as etapas do curso. Assim, rapidamente respondeu convocao feita pelo MEC, participou de forma ativa do grupo gestor, institudo localmente, a exemplo do que ocorria no plano nacional, e estabeleceu con-tato imediato com a universidade, visando a participao nas decises concernentes ao curso. Houve empenho em selecionar gestores obedecendo ao critrio regional, contemplando, desse modo, todas as regies do estado.

    Outro grupo de secretarias participou de forma limitada no planejamento das atividades do curso, restringindo sua ao apenas ao recrutamento dos gestores interessados na inscrio do curso e a se fazer representar nas reunies do grupo gestor de forma passiva.

    Um terceiro grupo de secretarias esteve ausente deste processo. Uma nica ao foi concretizada: a de recrutar os gestores da rede pblica para participarem da seleo realizada pela universidade local. Para estas secretarias, o importante era no despender recursos para oferecer formao continuada.

    Evidentemente, as formas de atuao das secretarias repercutiram no de-senvolvimento do curso, desde o seu incio. Aquelas secretarias mais envolvidas com o processo acompanharam todas as etapas e participaram do equacionamento dos problemas encontrados. Desenvolveram estratgias que garantiram condies ade-quadas participao dos gestores cursistas, quer seja em relao disponibilidade de tempo, quer seja no tocante ao apoio solicitado para a realizao das atividades pedaggicas. As demais no aproveitaram a oportunidade para participarem como atores ativos, capazes de imprimir a sua marca na construo de outro patamar na formao de gestores em suas respectivas redes, e essa ao poltica, certamente, interferiu na efetivao do curso.

    9 Dados disponveis nos relatrios de implementao dos cursos pelas Ifes SEB/MEC.

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    CONSIDERAES FINAIS

    Um breve balano do processo que resultou, no mbito do Programa Nacional Escola de Gestores, do Ministrio da Educao, na instituio do curso de especializao em gesto escolar na modalidade a distncia nas universidades pblicas em articulao com as secretarias de educao, deixa algumas lies e suscita questes para o debate sobre a operacionalizao das polticas educacionais.

    O programa aqui analisado conseguiu articular um conjunto diversificado de atores que viabilizou a mobilizao de secretarias de educao e de universidades federais em torno de um projeto de formao continuada de profissionais da edu-cao. A estratgia de articulao institucional garantiu o envolvimento mais efetivo de setores das universidades federais com dirigentes das redes de ensino.

    Manter a coalizo e ampliar a base dos apoiadores para a continuidade deste processo formativo pelo espao de tempo considerado necessrio consolidao de programas de formao continuada de gestores em todos os estados e municpios constitui um desafio para as polticas desenvolvidas pela Secretaria de Educao Bsica do MEC e para as secretarias de educao.

    A rede de universidades federais que se instituiu a partir da primeira edio do curso de especializao foi ampliada, posteriormente, com a entrada de mais dez universidades, o que no s demonstra o interesse institucional de participar do pro-grama, como evidencia uma ateno mais focalizada para as questes concernentes gesto da escola bsica e aos atores que nesta interagem.

    Uma decorrncia deste interesse das universidades aparece nitidamente no tocante produo acadmica no campo da gesto escolar, atravs da publi-cao de artigos e livros e de elaborao de dissertaes de mestrado e teses de doutorado.10 Como pode se observar, a poltica de ampliao das oportunidades de aperfeioamento dos gestores escolares ultrapassou o limite de promoo de um curso de especializao, favorecendo, no mbito de algumas universidades, o estudo sistemtico de questes pertinentes ao campo e um mais amplo conhecimento da realidade escolar local. Todavia, manter o interesse das secretarias de educao e das universidades em um trabalho compartilhado na disseminao da concepo da gesto democrtica e do aperfeioamento dos gestores escolares constitui mais um desafio para os governos que tm compromisso com a democracia, pois significa tambm investir financeiramente.

    Este processo de oferta de curso de especializao, dada a sua amplitude e desdobramentos institucionais, contribui para o fortalecimento das propostas que visam instaurar uma poltica nacional de formao dos profissionais da educao, na qual se insere a formao continuada de gestores escolares com a colaborao dos

    10 So vrios os programas de ps-graduao em educao que esto com teses e dissertaes em andamento sobre o tema.

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    entes federados. Trata-se, contudo, de um longo caminho a ser percorrido, pois como ressalta Oliveira (2009), ao refletir sobre a gesto das polticas pblicas educacionais:

    [...] O arranjo federativo, pensado para ser o sustentculo bsico da democracia, rompendo com a tradio centralizadora, garantindo a distribuio de poderes e responsabilidades por meio do regime de colaborao mencionado no artigo 211 da Constituio Federal, encontra resistncias e enfrenta fortes contradies na sua operacionalizao. A engenharia institucional pensada para dar visibilidade ao pacto por meio do estabelecimento de parcerias entre municpios, estados e Unio apresenta limites, resultantes de uma relao de tenso, em grande medida pela insuficincia de recursos financeiros nas unidades federadas, o que limita a autonomia decisria e executiva, indispensvel descentralizao democrtica (OLIVEIRA, 2009, p. 23).

    Estas questes esto subjacentes, tambm, s dificuldades encontradas pelos gestores para selecionar o quadro dos diretores de escolas que estariam aptos a se submeterem seleo do curso de especializao mencionado. interessante observar que estas dificuldades no se encontravam apenas na ausncia de formao na graduao de muitos dirigentes escolares, mas, tambm, na falta de domnio das ferramentas bsicas para acesso internet, condio necessria para realizar o curso de especializao na modalidade a distncia. Isto mostra, mais uma vez, a insuficincia de condies materiais de parte significativa das escolas de educao bsica, uma vez que a no familiaridade dos gestores com a internet revelador das dificuldades de acesso sistemtico a computadores nestas instituies de ensino e de sua utilizao nas rotinas acadmicas e administrativas. Neste sentido, pode-se considerar salutar que os secretrios de educao tenham percebido com mais intensidade este pro-blema, nessa ocasio, e tal fato se constitua em elemento motivador para pressionar os entes federados a dar ateno devida ao setor.

    Ao se focalizar o currculo do curso, ressalta-se a centralidade do papel do professor nas atividades propostas. Este aspecto pode ser considerado muito positivo, dado que a concepo pedaggica do currculo somente poderia ser melhor concretizada com a participao de docentes universitrios da rea de conhecimento. Evitar-se-ia, assim, o enfoque superficial e aligeirado que tem aparecido com frequncia em dezenas de cursos de especializao oferecidos no pas. Contudo, necessrio observar, nem todas as universidades envolvidas tiveram esta compreenso e algumas destas lanaram mo de arranjos locais que delegavam a primazia da orientao curricular a tutores sem formao adequada na rea. Era a velha concepo que bastaria ter material didtico em mos e algum estimulando e cobrando a realizao das tarefas e registro no site para que se efetivasse a formao continuada de gestores. Mais uma vez, portanto, observa-se o conflito de vises diferenciadas sobre a formao dos profissionais da educao.

    A anlise da experincia do curso de especializao em gesto escolar na modalidade a distncia do Programa Nacional Escola de Gestores, oferecido pelas

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    Ifes em todo territrio nacional, constitui um rico manancial para aprendizagens sobre o fortalecimento das instituies pblicas, as relaes de cooperao entre os entes federados, os conflitos de concepes poltico-pedaggicas sobre gesto democrtica da educao, as condies materiais das escolas pblicas, a relao das faculdades/centros de educao com os setores/ncleos da educao a distncia, e a formao e valorizao dos profissionais da educao.

    Tem razo Dourado (2009), em sua anlise sobre os novos marcos regula-trios da educao no Brasil, ao afirmar que

    [...] Variadas indagaes se colocam no contexto paradoxal das polticas em curso para a educao, revelando a complexidade desse campo, o que nos remete a sofisticar os processos analticos, no sentido de avanar na busca de que caminhos e/ou alternativas criar para garantir a expanso da educao superior com qualidade, num pas marcado por forte desigualdade social e educacional. De maneira geral, as anlises convergem para o necessrio fortalecimento das instituies pblicas e sua democratizao. Para efetivar tal processo, no h milagres. Aliado vontade poltica, fundamental garantir a ampliao dos recursos, por meio da elevao dos atuais percentuais do PIB destinados educao pblica nacional (DOURADO, 2009, p. 163).

    Mais investigaes sero necessrias para contribuir com a efetividade da formao continuada em nvel de ps-graduao dos docentes da educao bsica e com a gesto democrtica nas instituies de ensino no pas.

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    MRCIA NGELA DA SILVA AGUIAR professora titular do Programa de Ps-Graduao em Educao do Centro de Educao da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). E-mail: [email protected].

    Recebido em dezembro de 2010 Aprovado em janeiro de 2011