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FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SERVIÇO SOCIAL: estudantes trabalhadores em cena
Daniele da Silva de Lima1
RESUMO O Artigo discute sobre a trajetória acadêmica de 05 (cinco) estudantes matriculados no curso de Serviço Social de uma IES privada, apresentando as dificuldades que enfrentaram para conciliar estudo e trabalho. No estudo utilizamos a revisão bibliográfica, pesquisa documental e de campo. Para coleta de dados realizamos entrevistas com aplicação de questionário semiestruturado. Evidenciamos que a inserção do estudante trabalhador no ensino superior tem relação com o processo de expansão do ensino privado. As diretrizes Curriculares da Abepss tem sido importante instrumento de defesa da qualidade da formação profissional frente à expansão da mercantilização do ensino. Os estudantes entrevistados elencaram que para conciliar trabalho e estudo, sentiram dificuldades na participação em visitas institucionais, realização das leituras e trabalhos acadêmicos. Palavras-chave: Ensino Superior. Formação profissional em Serviço Social. Estudante Trabalhador. Diretrizes Curriculares da Abepss. ABSTRACT The article discusses the academic trajectory of 05 (five) students enrolled in the Social Work course of a private IES, presenting the difficulties they faced in reconciling study and work. In the study we used the bibliographic review, documentary and field research. For data collection we conducted interviews with a semi-structured questionnaire. We show that the insertion of the working student in higher education is related to the process of expansion of private education. The Abepss Curricular guidelines have been an important instrument for defending the quality of vocational training in the face of the expansion of the commodification of teaching. The students interviewed indicated that in order to reconcile work and study, they experienced difficulties in participating in institutional visits, reading and academic work.
Keywords: Higher education. Professional training in Social Work. Student Worker. Abepss Curricular Guidelines.
1 Discente do mestrado Acadêmico em Serviço Social, Trabalho e Questão Social – MASS, da
Universidade Estadual do Ceará – UECE. E-mail: [email protected].
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo discutir sobre a trajetória acadêmica do
estudante trabalhador do Curso de Serviço Social, com ênfase nas dificuldades que enfrenta
para realizar as atividades do curso, haja vista a sua condição de trabalhador.
Apresentamos o processo de inserção do estudante trabalhador via setor privado e seus
rebatimentos nos cursos de Serviço Social. O estudo é de natureza quali-quantitativa com
uso de revisão bibliográfica, pesquisa documental e de campo. Os dados sistematizados e
analisados foram colhidos durante a aplicação de questionário semiestruturado, na ocasião
das entrevistas realizada com 05 (cinco) estudantes trabalhadores matriculados na disciplina
de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), turma 2016.2, do curso de Serviço Social de
uma instituição de ensino privado na cidade de Fortaleza. Para fundamentar esse estudo
nos reportamos à literatura especializada na temática, de autores que apresentam uma
perspectiva marxista.
Segundo Spósito (1989, p. 18-19) o ingresso de estudantes trabalhadores no
ensino superior tem uma relação direta com a expansão dessa modalidade de ensino no
âmbito privado. Essa expansão teve início no final da década de 1960, na ocasião do
governo militar no Brasil, objetivando “adestrar mão-de-obra para a empresa capitalista”.
Ainda segundo o autor, à época, os cursos noturnos nas instituições de ensino superior
privadas eram frequentados por trabalhadores, especificamente:
Aquele localizado, em relação a seu vínculo produtivo, no setor terciário, trabalhando principalmente como auxiliar de escritório, secretário, bancário, professor, vendedor, etc. em empresas multinacionais, estatais ou ainda, em menor número, no serviço público. (SPÓSITO, 1989, p. 19).
Todavia, o processo de Reforma do Estado na década de 1990 inaugurou mais
um estágio de expansão da educação superior no âmbito privado. Esse processo é fruto da
crise econômica mundial, vivenciada desde a década de 1970 e de 1980. Em nome da
retomada do crescimento da economia, os grandes organismos multinacionais (Banco
Mundial, Fundo Monetário Internacional - FMI e o Banco Internacional de Desenvolvimento -
BID), orientaram para que os Estados reduzissem seu “tamanho” e criassem condições à
livre iniciativa privada. (SILVA, 2003).
No caso brasileiro, essas orientações foram acolhidas e a reforma do aparelho
do Estado teve seu início no primeiro mandato do governo do Fernando Henrique Cardoso
(FHC), em 1995, atingindo especificamente os serviços sociais. (SILVA, 2003). Assim, se
deu continuidade ao processo de mercantilização da educação superior, tornando-se um
setor altamente lucrativo para o mercado. Cabe destacar, que durante o governo FHC, com
realização em 1996 - da reforma da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)
e a criação em 2001 do - Fundo de Financiamento Estudantil (FIES)2, o segmento privado
se fortaleceu ainda mais.
Com a eleição presidencial em 2002, de Luiz Inácio Lula da Silva, sua forma de
“governar para gregos e troianos”, criou condições do crescimento explosivo do mercado
educacional, ao mesmo tempo, em que ampliou significativamente o acesso ao ensino
superior. Após dois mandatos de Lula (2003-2011), Dilma Rousseff (em exercício 2011-
2016) ao assumir a presidência, deu continuidade à dinâmica da política educacional
iniciada no governo anterior. Durante 13 anos os governos petistas, reformularam e
ampliaram o FIES; e criaram o Programa Universidade Para Todos (PROUNI) 3 , cujos
mecanismos viabilizam a inserção de estudantes no ensino superior privado. A política de
financiamento para acesso ao ensino superior privado, especialmente o FIES, tem atraído
um contingente de estudantes trabalhadores.
Segundo o censo da educação superior 2013 (BRASIL, 2015), 73% dos alunos
da rede privada estudam à noite. Outro dado importante para reflexão, apresentado 4pelo
Sindicato das mantenedoras de ensino superior (SEMESP), em 2013, o percentual de
estudantes oriundos do ensino médio público, matriculados no ensino superior privado,
chegou a 69,7%. No topo do ranking dos 10 cursos com maior número de ingressantes
procedentes do ensino público está o curso de Serviço Social – 86,5% das matrículas.
(SEMESP, 2015, p. 12).
É importante salientar que o processo de ampliação da inserção da classe
trabalhadora no sistema superior de ensino não é apenas uma demanda do mercado para
qualificação de mão de obra do exercito industrial de reserva, mas traduz o constante
tensionamento da organização da classe trabalhadora.
2 O Fundo de Financiamento Estudantil – FIES, é um programa Ministério da Educação, instituído
pela Lei 10.260/2001 a fim de financiar a graduação de estudantes matriculados em cursos superior privados. Podem recorrer ao financiamento os estudantes matriculados em cursos superiores que tenham avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação. Em 2010 o FIES passou a funcionar em um novo formato. http://sisfiesportal.mec.gov.br/?pagina=fies. Acesso em: 19 mar. 2017. 3 PROUNI - foi criado em 2004, pela Lei nº 11.096/2005, e tem como finalidade a concessão de
bolsas de estudos integrais e parciais a estudantes de cursos de graduação e de cursos sequenciais de formação específica, em instituições privadas de educação superior. As instituições que aderem ao programa recebem isenção de tributos. (BRASIL, 2014). 4 Mapa do Ensino Superior no Brasil 2015. Disponível em: <https://goo.gl/odFDqJ>. Acesso em: 31
jan. 2017.
2 FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SERVIÇO SOCIAL EM TEMPOS DE
MERCANTILIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR
Nas duas últimas décadas a categoria dos Assistentes Sociais tem debatido e
ampliado a produção de conhecimento sobre o processo de mercantilização da educação
superior e seus rebatimentos na formação profissional em Serviço Social. Desde a década
de 1990 tem sido crescente o número de matrícula em cursos de instituições privadas e a
partir dos anos 2000 a expansão do ensino a distância.
No Brasil, segundo levantamento5 realizado no site do Ministério da Educação
(MEC), o ano de 2017 iniciou somando aproximadamente 497 cursos de Serviço Social na
modalidade presencial. Dos quais, 432 cursos são privados e apenas 65 em Instituições de
ensino superior (IES) públicas. No Ceará existem vinte (20) cursos presenciais, e desses
apenas dois (02) são públicos (UECE e IFCE-Iguatu). Somente em Fortaleza, 09 IES
privadas ofertam o curso de Serviço Social. O Estado cearense conta com treze (13)
instituições de ensino à distância.
O fenômeno da proliferação da abertura de cursos de Serviço Social se
intensificou no período dos governos petistas (2003-2016) com a criação do PROUNI e
ampliação do FIES. Os referidos programas trouxeram em seu reverso a transferência de
recursos públicos para a iniciativa privada, de modo a reduzir os investimentos nas
universidades públicas e a pouca ampliação de vagas do ensino superior público gratuito.
Faz-se necessário, portanto, entender que o PROUNI e o FIES são mecanismos permeados
por contradições - por um lado tem propiciado a ampliação do acesso da classe
trabalhadora ao ensino superior, mas, por outro, incentivado o empresariamento da
educação.
Em consequência, a formação profissional em Serviço Social tem sido ofertada
majoritariamente pelas Instituições de Ensino Superior - IES privadas. Nesse contexto de
crescente mercantilização do ensino superior, as Diretrizes Curriculares da ABEPSS/1996
vem se projetando como instrumento de defesa da formação profissional em Serviço Social,
enquanto proposta de orientação dos projetos pedagógicos dos cursos de Serviço Social no
Brasil, pois ela propõe e estabelece “padrões de qualificação do ensino e de sua
universalização”.
É importante destacar que a formação profissional na contemporaneidade está
marcada por uma constante disputa e convergentes exigências legais pela promulgação das
Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Serviço Social do MEC
5 Pesquisa realizada pela autora. 31/01/2017.
X Diretrizes Curriculares da ABEPSS/1996. Conforme ressalta Iamamoto (2011, p. 444) “as
Diretrizes Curriculares legalmente vigente, não exprimem integralmente o projeto de
formação profissional da ABEPSS”.
Para a ABEPSS (1996) a formação profissional deve “constitui-se de uma
totalidade de conhecimento que estão expressos nos três núcleos”: 1. Núcleo de
fundamentos téorico-metodológico da vida social; 2. Núcleo de fundamentos da
particularidade da formação sócio-histórica da sociedade brasileira; 3. Núcleo de
fundamentos do trabalho profissional. Os núcleos devem ser contextualizados
historicamente e manifestos em suas particularidades, implicando na capacitação teórico-
metodológica, ético-política e técnico-operativa. Propondo o rompimento com a visão
formalista do currículo reduzido a matérias e disciplinas, devendo o ensino ser articulado
com a pesquisa e a extensão, integrando-se a outros componentes curriculares, dentre os
quais se destacam: o estágio supervisionado, o trabalho de conclusão de Curso e as
atividades complementares (que inclui monitoria, iniciação científica, pesquisa, extensão,
seminários).
Portanto, a proposta das Diretrizes Curriculares da ABEPSS (1996) demanda
exigências de um perfil de estudante que se debruce em construir um sólido suporte teórico-
metodológico. Para além dessa dimensão, o processo formativo deve contribuir no
amadurecimento ético-político, cultivando no estudante sua integração no movimento
estudantil e participação nos encontros da categoria. O processo de formação do Assistente
Social perpassa a sala de aula, e isso demanda tempo e investimento financeiro.
Diante dessas exigências, situamos os estudantes trabalhadores inseridos no
processo de formação profissional em Serviço Social, e que vivem em seu cotidiano
diversos papéis, do qual se destaca neste estudo a sua condição de trabalhador. Para
Furlani (1998, p. 13), esses estudantes são como a cara e a coroa de uma moeda que se
desdobram em duas faces: uma é do aluno e a outra de trabalhador. Deste modo, percebe-
se que é através de sua inserção na dinâmica do trabalho que eles retiram seu sustento,
inclusive o custeio de sua permanência na faculdade.
O ensino superior na contemporaneidade, sob a lógica capitalista, representa a
capacitação de mão-de-obra qualificada para o emprego. Lógica essa que contrapõe os
valores expressos e necessários à formação profissional do Assistente Social. Para
Iamamoto (2011), a preparação para a profissão não pode ser confundida com a preparação
para o emprego, portanto deve ser dotada de posicionamento e distanciamento crítico em
relação à própria lógica do mercado de trabalho e o jogo de forças da sociedade atual.
3 TRAJETÓRIA DOS ESTUDANTES TRABALHADORES DURANTE A FORMAÇÃO
PROFISSIONAL EM SERVIÇO SOCIAL
Nessa seção apresentamos a análise referente ao perfil socioeconômico e a
trajetória acadêmica dos estudantes trabalhadores durante a graduação em Serviço Social.
Assim, elencando: os motivos que os levaram a escolha do curso; a inserção dos
estudantes nas atividades de ensino, pesquisa, extensão, monitoria e eventos da categoria;
bem como as dificuldades e estratégias que vivenciaram durante a formação para conciliar
trabalho e estudo.
O ingresso dos estudantes trabalhadores no curso de Serviço Social na
instituição pesquisada ocorreu nos anos: 2012 – 01 (um), 2013 – 03 (três) e 2015 - 01 (um)
por meio de transferência. Majoritariamente justificaram a escolha pelo curso de Serviço
Social por terem afinidade com área social. Apenas 01 (um) escolheu por indicação e no
decorrer da graduação foi se identificando com o curso.
QUADRO 1 – PERFIL SOCIOECONÔMICO E COMPOSIÇÃO SOCIOFAMILIAR DOS ESTUDANTES
TRABALHADORES
E1 E2 E3 E4 E5
SEXO Feminino Feminino Feminino Feminino Masculino
IDADE 23 anos 40 anos 49 anos 23 anos 43 anos
ESTADO CIVIL Solteira Casada Casada Casada Casado
COR/ETNIA Parda Negra Negra Parda Negro
RELIGIÃO Cristã-protestante
Agnóstica Cristã – católica
Cristã – protestante
Cristão sem denominação
TIPO DE VÍNCULO
EMPREGATÍCIO
Emprego fixo particular
Emprego autônomo
Concursada Emprego fixo
particular Emprego fixo
particular
ÁREA EM QUE TRABALHA Assistente de
atendimento Comércio de
Bazar
Saúde – Prefeitura
Municipal de Fortaleza
Administração (RH) de
supermercado
Prestador de serviço
(socioeducador)
SUA FAIXA SALARIAL
>1 s.m. até 2 s.m.
Até 1 s.m >1 s.m. até
2 s.m. Até 1s.m
>1 s.m. até 2 s.m.
HORAS SEMANAIS DE
TRABALHO
De 31 a 40 horas semanais
De 11 a 20 horas
semanais
Mais de 40 horas
semanais
De 21 a 30 horas semanais
Mais de 40 horas semanais
IDADE QUE COMEÇOU A TRABALHAR
Após 18 anos Entre 14 e 16
anos Entre 14 e 16
anos Entre 17 e 18
anos Entre 14 e 16
anos
N. DE FILHOS Nenhum 3 filhos 2 filhos Nenhum 3 filhos
MORA COM QUANTAS PESSOAS
Uma a três Quatro a sete Quatro a sete Quatro a sete Uma a três
COM QUEM MORA
Pai, mãe e irmão
Companheiro e filhos
Companheiro e filhos
Pai, mãe e companheiro
Companheira e filhos
RENDA FAMILIAR
1.900,00 2.200,00 1.600,00 3.000,00 2.300,00
PARTICIPAÇÃO NA VIDA
ECONÔMICA FAMILIAR
Trabalha, mas não é
independente financeiramente
Trabalha, mas não é
independente financeiramente
Trabalha e é responsável
pelo sustento da família
Trabalha, mas não é
independente financeiramente
Trabalha e é responsável pelo
sustento da família
Fonte: Pesquisa direta, 2016.
De acordo com os dados coletados na pesquisa e sistematizados no quadro 1,
assim se constitui o perfil dos 05 (cinco) estudantes trabalhadores: a maioria é do sexo
feminino 04 (quatro), sendo 03 (três) casadas e 01 (uma) solteira; e apenas 01 (um) do sexo
masculino e casado. A maioria dos entrevistados se autodeclaram de cor negra - 03 (três).
Em relação à faixa etária, 03 (três) se encontram na idade entre 40 a 49 anos e os demais
têm 23 anos. A religião predominante entre os estudantes é o cristianismo – 04 (quatro).
Ainda de acordo com o quadro acima, podemos averiguar que esses estudantes
trabalham em distintas áreas profissionais. A maior parte começou a trabalhar entre 14 e 16
anos de idade - 03 (três). Em relação ao vínculo empregatício e a carga horária semanal de
trabalho constata-se que: 03 (três) trabalham em regime CLT, 02 (dois) com carga horária
menor que 40 h/s e 01 (um) com mais de 40h/s. Apenas 01 (uma) estudante trabalhadora é
concursada e trabalha mais de 40h por semana. E outro exerce trabalho autônomo, cuja
carga horária varia entre 11 a 20h/s. A faixa salarial predominante é em média de 1s.m. até
2s.m. - 03 (três); os outros 02 (dois) estudante recebem apenas 1 s.m.
Os resultados mostram que a maioria dos entrevistados apesar de trabalhar, não
é independente financeiramente - 03 (três); 02 (dois) trabalham e são responsáveis pelo
sustento da família. Majoritariamente moram com filhos e companheiros - 03 (três) e têm
entre 2 a 3 filhos; 01 (uma) mora com os pais e irmão; e outra com o companheiro e os pais.
As famílias são compostas predominantemente de 04 a 08 membros, com renda familiar
média de até 2,5 s.m.
De acordo com as respostas extraídas dos questionários, nenhum dos
estudantes cursou o ensino fundamental integralmente no ensino público. Em relação ao
ensino médio, os estudantes são predominantemente oriundos de escola pública. Tendo
apenas 01 (um) dos entrevistados estudado os dois níveis de ensino em escolar particular
sem bolsa.
A maior parte dos estudantes trabalhadores prestou vestibular em universidades
públicas de Fortaleza. 02 (dois) estudantes se inscreveram pelo menos duas vezes no
vestibular da UECE na tentativa de ingressarem no curso de Serviço Social. Somente 01
estudante possuía graduação antes do ingressar no curso de Serviço Social.
Quanto ao financiamento estudantil, apenas 01 (um) estudante trabalhador não
possui bolsa de estudo ou financiamento. Os demais, assim são contemplados: bolsistas do
Prouni - 02 (dois); desconto de 40% na mensalidade por meio de convênio da Instituição de
ensino com a Prefeitura Municipal de Fortaleza - 01 (um); financiamento estudantil pelo Fies
- 01 (um).
Vale ressaltar, que até meados dos anos de 1960 a 1970, o perfil de estudantes
do Serviço Social era constituído majoritariamente de mulheres da classe média. Desde
então, o perfil dos estudantes se constituiu predominantemente de mulheres oriundas da
classe média baixa e com um possível empobrecimento cultural. (MONTAÑO, 2009, p. 102-
103; NETTO, 1996, p. 110).
QUADRO 2 – CARGA HORÁRIA DE ESTUDO E DE TRABALHO
HORAS SEMANAIS DE ESTUDO HORAS SEMANAIS DE TRABALHO
E1 10 horas semanais De 31 a 40 horas semanais
E2 14 horas semanais De 11 a 20 horas semanais
E3 20 horas semanais Mais de 40 horas semanais
E4 2 horas semanais De 21 a 30 horas semanais
E5 20 horas semanais Mais de 40 horas semanais
Fonte: Pesquisa direta, 2016.
A partir dos dados sistematizados no quadro 2, ao cruzarmos a carga horária de
estudo com a de trabalho, podemos observar que os estudantes E3 e E5 afirmam trabalhar
mais de 40h/s e dedicam aproximadamente de 20h/s para os estudos domiciliares. Assim,
observa-se que apesar de trabalharem com maior carga horária que os demais, reservam
mais tempo aos estudos. É importante destacar que 01 (um) dos estudantes só dedica 2h/s
aos estudos domiciliares.
Com relação à reprovação durante a graduação em Serviço Social, apenas 01
(um) estudante reprovou alguma disciplina. Mas, todos já ficaram pelo menos uma vez para
avaliação final (A.F.), das quais foram citadas as disciplina: Psicologia Social, Estatística
aplicada ao Serviço Social, Gerontologia (ministrada no Seminário Temático II – 2016.1).
A maioria dos estudantes trabalhadores 03 (três) nunca comprou livros durante a
graduação em Serviço Social. Apenas 02 (dois) compraram, dos quais somente 01 (um) leu
os títulos que adquiriu. As justificativas pela não aquisição de livros, embora as respostas
sejam relativas, se justifica devido à falta de condições financeiras: “por falta de dinheiro”
(E2); e “são caros” (E4). A estudante E1, diz ser falta de prioridade: “acredito que seja
também por falta mesmo de prioridade, de certa forma. Você acaba mesmo optando pelas
cópias. Mas agora que estou começando a me interessar por comprar os livros originais
devido ao TCC”. Portanto, os estudantes recorrem às cópias e empréstimos na biblioteca
para realizarem a leitura dos conteúdos das disciplinas. Outra estratégia para os estudos
tem sido a leitura em PDF.
Das diversas atividades internas ofertas pela instituição aos estudantes,
podemos destacar a participação massiva dos estudantes trabalhadores apenas na Semana
de Serviço Social, promovida anualmente pelo Centro acadêmico em alusão ao dia do/a
assistente social; nas palestras semestrais de aula inaugural; e na Semana Acadêmica.
Somente os estudantes E2 e E3, registraram terem sido membros da gestão do Centro
Acadêmico e participam de grupos de estudos. O estudante E1 relata ter sido representante
discente no conselho do Curso de Serviço Social da instituição e ter participado de projeto
de extensão. O estudante E5 foi monitor voluntário da disciplina de Sociologia Clássica. Os
demais estudantes justificaram que não participam das atividades de pesquisa, monitoria e
extensão, por questão do horário de trabalho, como relatam: “Não costumo participar dessas
outras atividades internas como monitoria e iniciação científica. Eu acho que é por conta
mesmo dessa questão do horário do trabalho. Eu acho que não deixa com que eu participe.”
(E3, 2016). Semelhantemente relata outro estudante:
[...] entrei na faculdade, com uns dias já comecei a trabalhar. E assim, claro que de alguma forma daria certo, mas eu sempre encontrava dificuldades em conciliar. Não que seja impossível, porque eu vejo colegas minhas que fazem isso. Mas é realmente essa questão de conciliação mesmo. Porque eu tinha minhas disciplinas e ficou um pouco complicado, mas basicamente foi por isso, mas essa questão não justifica tudo. (E1, 2016).
Contudo, podemos observar que todos os estudantes estão na mesma condição
de estudante-trabalhador, mas cada um dentro de suas particularidades tem suas
dificuldades para ingressarem ou não nos espaços formativos extraclasse. Também
verificamos que a maior parte dos estudantes nunca participarem dos eventos organizados
pela ENESSO, ABEPSS ou conjunto CFESS/CRESS. Os estudantes trabalhadores
novamente justificam a ausência nesses espaços por motivos do trabalho e também por
condições financeiras, visto que na maioria das vezes os eventos são realizados em outros
estados, com isso exigindo tempo e recurso financeiro. Somente o estudante trabalhador
autônomo - E2, que é membro da gestão do Centro Acadêmico desde 2015, vem
participando dos eventos organizados pela Enesso, a exemplo: ERESS, ENESS,
SRFPMESS e CORESS. A pesquisa também demonstra que a maioria dos estudantes
trabalhadores durante a graduação não participaram da produção de artigo científico.
QUADRO 3 – DIFICULDADES E ESTRATÉGIAS PARA CONCILIAR TRABALHO E ESTUDO
DIFICULDADES ESTRATÉGIAS PARA SUPERAR ESSAS DIFICULDADES
E1
Dificuldades para realizar os trabalhos acadêmicos.
Autodisciplina. Tenta não acumular as atividades.
E2 Dificuldades para realização de trabalhos em grupo e das leituras.
Estudar no período da madrugada.
E3 Dificuldade para realização das leituras e ir às visitas institucionais.
Leituras pelo celular. Troca das folgas trabalhadas aos sábados por folga na semana quando necessitava ir às visitas institucionais.
E4 Dificuldades para ir às visitas institucionais.
A minha estratégia era financeira, porque eu tava trabalhando e tinha que estudar.
E5 Dificuldades para ir às atividades acadêmicas externas.
Troca das folgas trabalhadas aos sábados por folga na semana quando necessita realizar atividades acadêmicas externas.
Fonte: Pesquisa direta, 2016.
Como podemos verificar no quadro 4, todos os estudantes afirmam que tiveram
dificuldades para conciliar trabalho e estudo, entre as quais se destacam: dificuldades para
irem às visitas institucionais, realização das leituras e trabalhos acadêmicos. Vejamos os
relatos dos estudantes entrevistados: “Eu deixei de ir para várias viagens e para a visita
técnica a Aldeia dos Pitaguarys e ao Lar Torres de Melo. Fora que você chega cansada na
sala de aula, sem vontade às vezes.” (E4, 2016).
Eu já deixei de entregar atividades, mas foram poucas. Eu consegui manter esses prazos. Mas, foram muitas dificuldades mesmo. Atualmente eu só trabalho 6h por dia, mas eu tô conciliando com o estágio. Tem vez que 5h da manhã eu saio de casa e volto 22h50min. Tá muito dificuldade conciliar as três coisas. Não da pra deixar o trabalho. É muito complicado deixar o trabalho pelo estudo. Tem pessoas que dá pra fazer isso e tem pessoa que não. (E1, 2016). No início da minha formação eu trabalhava de 8h às 18h. Do trabalho eu ia direto pra faculdade e da faculdade pra casa. Então, eu saia de casa 7h da manhã e chegava em casa mais ou menos 11h da noite. Então, assim era muito ruim. Eu só conseguia estudar mesmo nos finais de semana quando dava (porque eu trabalhava no sábado também) ou a noite nas madrugadas o que me deixava muito cansada. E sinceramente eu passei em muitas disciplinas sem nunca ter estudado em casa, porque não tinha condição. Eu prestava muita atenção na aula. Eu sempre fui uma pessoa que aprendi muito mais escutando do que lendo. Eu nunca entregava um trabalho que desse uma pontuação a mais nas provas, nunca. Sempre minhas notas foram exclusivas de provas, nunca eram pelos trabalhos. (E2, 2016). Com relação as leituras, eu acho que é principal e necessário. Eu acho que dificultou em relação a ter tempo pra poder eu pegar um livro e estar lendo. Me dedicar realmente. O trabalho não deixa. E um outro momento também é em relação de quando você precisa se ausentar como universitária pra se descolar a alguma instituição para fazer uma entrevista, ou uma visita de campo, ou alguma coisa assim e o local de trabalho não autoriza que você saia. (E3, 2016).
Demais. Até porque devido ao horário do trabalho você não consegue uma saída naquele horário, no dia que tem o evento. Tinha um período “X” que eu tinha uma demanda muito grande de trabalho e nesse período era muito difícil eu pedir uma saída ou uma atividade que fosse dentro dessa atividade de trabalho. Mesmo sendo em finais de semana, porque às vezes você trabalha no sábado. (E5, 2016).
Diante dessas dificuldades para conciliar trabalho e estudo os estudantes
utilizaram as seguintes estratégias: 1) autodisciplina; 2) não acumular atividades; 3) estudar
nas madrugadas; 4) e trocar os dias de folgas para realização de atividades externas. Assim
relatam:
Uma das estratégias que eu desenvolvi e que estou desenvolvendo até hoje no último semestre é minha autodisciplina. Uma coisa muito complicada de desenvolver com a gente mesmo: é a disciplina. Eu tento manter um foco pra todo dia fazer as atividades da faculdade. Tentando fazer todo dia alguma coisa, mesmo que naquele dia não dê pra fazer muita coisa. Tentar fazer alguma coisa que colabore pra realmente manter esse compromisso que a gente marca com a gente mesmo. Realmente é uma dificuldade. Cabe que você tem um desejo. Você gosta do que faz, do que estuda, mas há essa dificuldade mesmo. (E1, 2016) Estudar nas poucas horas que me restavam na madrugada. Eu sempre fui aquele que escrevia e enviava para o grupo. Dificilmente conseguia ir pras reuniões do
grupo. E assim, agora com esse trabalho em casa eu tenho até mais condições de ir para as reuniões de grupos. Na maioria das vezes se um grupo for de oito pessoas e quatro trabalham, esses quatros nunca vão comparece. O trabalho de grupo eu acho que nunca combina com o estudante trabalhador. Com o estudante da noite principalmente que na maioria é trabalhador. (E2, 2016). Eu peguei um grande aliado que é o celular e baixei vários textos e artigos pra poder eu ler no momento que dá. Ou na frente do birô, ou no banheiro, ou no horário do almoço é o celular do lado. Eu fico lendo pra poder conseguir, entendeu? É dessa forma. Como eu trabalho às vezes aos sábados em campanha de vacina, eu tenho folgas. O sábado não tá dentro da nossa carga horária. Então essas folgas, eu tenho muitas. Ai foram o que me ajudaram a levar pra semana para eu poder fazer o meu estágio. E assim estou concluindo o meu estágio. (E3, 2016). Eu digo que é muito difícil. Mas tem que ter jogo de cintura. Se caso tivesse um evento num sábado por exemplo. Se fosse no sábado que eu tivesse trabalhando (porque eu trabalhava um sábado intercalado) eu tentava substituir, trocava por o outro sábado e assim tentando me manter. Mas não é fácil. Inclusive eu participei agora até de um seminário e foi no dia da minha folga, ai deu beleza. Mas, faltei o estágio pra poder ir. Como era algo bem relacionado com o estágio, então não deixava de ser uma extensão do estágio. (E5, 2016).
Assim podemos perceber que as estratégias que os estudantes traçam para
tentar ultrapassar as barreiras que encontram no caminho dessa dupla jornada diária para
trabalhar e estudar são diferenciadas. A condição de estudante trabalhador tem
impossibilitado sua participação nos projetos de monitoria, iniciação científica e extensão.
Percebe-se que a maior parte dos estudantes trabalhadores tem concluído seu curso de
graduação em Serviço Social sem nunca terem participado do Encontro Regional dos
Estudantes de Serviço Social (ERESS). Em muitos casos há dificuldades para inserção no
campo de estágio devido à oferta das vagas coincidir com o horário de trabalho.
4 INSTIGANDO NOVOS ESTUDOS
A partir das reflexões aqui apresentadas podemos evidenciar que as
transformações ocorridas no plano da economia mundial, com a crise do grande capital nos
meados de 1970, vem provocado retrocesso no campo dos direitos sociais, entre eles o
direito à educação. O processo de Reforma do Estado impulsionou a ampliação do ensino
superior privado, de modo a provocar grandes impactos na formação e no exercício
profissional do Assistente Social, gerando um amplo debate sobre a necessária qualidade
da formação profissional, sendo indispensável à defesa da universidade pública, gratuita e
de qualidade. Diante das novas demandas de qualificação profissional e das novas
configurações da questão social e as exigentes respostas à essas novas demandas, a
ABEPSS organizou e coordenou a elaboração da Nova Proposta de Diretrizes Gerais da
ABEPSS (1996).
O mundo do trabalho tem estimulado a qualificação profissional superior com
uma falsa ideia de garantia de emprego e de melhoria de trabalho e de salários. Na verdade,
a qualificação profissional apenas tem representado uma forma de estimular a competição
entre os trabalhadores qualificados que formam o exército industrial de reserva.
Na condição de trabalhador, o estudante, como os demais trabalhadores tem
sido subjugado à lógica perversa do grande capital, sendo submetido a uma exaustiva e
longa jornada de trabalho. Esse prolongamento da jornada de trabalho tem escamoteado o
tempo que o trabalhador poderia destinar a outras atividades, entre elas o tempo para
dedica-se aos estudos.
REFERÊNCIAS ABESS/CEDEPSS. Diretrizes gerais para o curso de Serviço Social/1996. Disponível em: < http://goo.gl/A4IPOI >. Acesso em: 30 set. 2013. FURLANI, Lúcia M. Teixeira. A claridade da noite: os alunos do ensino superior noturno. São Paulo: Cortez, 1998. IAMAMOTO, Marilda Villela. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
MONTAÑO, Carlos. A natureza do Serviço Social: um ensaio sobre sua gênese, a “especificidade” e sua reprodução. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2009. NETTO, José Paulo. Transformações societárias e Serviço Social: notas para uma análise prospectiva da profissão no Brasil. Revista Serviço Social & Sociedade. São Paulo, n. 50, p. 87-132, abr. 1996. SILVA, Ilse Gomes. Democracia e participação na “reforma” do Estado. São Paulo: Cortez, 2003. SPÓSITO, Marília Pontes. O trabalhador-estudante: um perfil do aluno do curso superior noturno. São Paulo: Edições Loyola, 1989.