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A FOTOGRAFIA E O CONCEITO DE IMAGEM E IMAGINÁRIO URBANO: UM
ESTUDO DE CASO COM JOVENS DE SÃO JOÃO DO IVAÍ-PR
Anderson Lopes da Silva1
INTRODUÇÃO
O trabalho a seguir intenta apresentar de uma maneira clara e concisa, a
forma como os jovens da cidade de São João do Ivaí-PR visualizam seu município e
as relações destes com a religiosidade, o lazer e a violência.
Para tanto, será usado o conceito de imagem e imaginário urbano abordado
pela Antropologia e por estudos voltados aos aspectos culturais e urbanísticos das
cidades. Como escopo definido da pesquisa, foram escolhidos aleatoriamente 14
jovens residentes do município via a rede social Facebook (ainda que o número seja
pouco representativo, ele é justificável: de um total de 50 jovens, apenas estes
aceitaram colaborar com a pesquisa).
Desse modo, a pesquisa empírica procura mostrar as relações entre a
imagem e o imaginário desses jovens sobre sua cidade através de algumas
fotografias tiradas pelos próprios entrevistados seguindo a pergunta: o que melhor
representa para você, em sua cidade, a religiosidade, o lazer e a violência?
Assim, a intrínseca ligação entre o conceito de imagem e imaginário urbano
aliado ao uso da fotografia como ferramenta de expressividade, tem por finalidade
traduzir o olhar desses jovens acerca da pequena São João do Ivaí, tendo como
norte a tríade temática já citada.
O CONCEITO DE IMAGEM E IMAGINÁRIO URBANO
As cidades são por excelência espaços urbanos onde a coletividade e o
sentimento de ser comum impera em todos os âmbitos. Ou como Oliven (1985, p.
12) afirma: “[...] a cidade é o local em que convivem diversos grupos com
1 Graduado em Comunicação Social – Jornalismo (FACNOPAR). Especialista em Comunicação,
Cultura e Arte (PUCPR), em andamento.
experiência e vivências em parte comuns, em partes diferentes”. Porém, antes de
aprofundar-se sobre o modo como o conceito de imagem e imaginário urbano opera,
faz-se necessário compreender a ‘gênese’ do próprio ambiente urbano entendido
como cidade em nosso país.
Segundo Murillo Marx (1991, p. 11), a relação Estado/Igreja foi fundamental
na construção da ideia que se tem das cidades brasileiras. Até mesmo no que diz
respeito ao desenvolvimento arquitetônico e urbanístico dos centros, é possível
perceber a influência eclesiástica ora escolhendo a parte principal e central das
cidades para a edificação dos templos, ora determinando até onde seriam os
assentamentos coloniais. O autor destaca:
Enquanto nunca houve uma codificação colonial portuguesa, as normas e procedimentos eclesiásticos eram claramente estabelecidos. As implicações urbanísticas desse fato podem ser decisivas, pois às vagas determinações civis contrapunham-se recomendações expressas do clero que interferiam no desenho urbano. [...] Se a aglomeração surgia espontaneamente e, ao longo do tempo, ia galgando diferentes estágios hierárquicos, esse processo ocorria norteado pela Igreja até o momento decisivo da criação do município. (MARX, 1991, p. 11).
Assim, durante toda a evolução de arraial a freguesia, de freguesia a vila e,
finalmente, de vila a cidade; toda esta evolução teve participação nítida do clero
romano acerca das principais decisões sobre os centros urbanos.
Nas palavras de Murillo Marx (1991, p. 89), até no momento fundamental de
uma vila transformar-se em cidade, o catolicismo marcava presença em obras e
igrejas grandiosas quando comparadas ao poderio econômico das recém-formadas
urbes. “Usualmente, uma vila – uma sede municipal – ostentava,
independentemente das características de seu traçado viário, um conjunto articulado
de igreja matriz e adro, com clara preponderância sobre outros [...] conjuntos
semelhantes de edifício [...].”
O interessante, por conseguinte, é notar que foi através das construções
religiosas que se moldaram, ao entorno destas, toda a população e a vida comercial
da cidade. Na cidade em estudo, São João do Ivaí, ainda é possível perceber que a
igreja matriz localiza-se em lugar privilegiado e é rodeada por belas casas e um
comércio atuante. Característica essa, hipoteticamente, perceptível em várias das
cidades interioranas do Brasil.
Por isso, ainda segundo Marx, a cidade como é vista hoje pode ser definida
por uma ‘tríade patrimonial’ que se desenvolveu da seguinte forma: inicialmente o
ambiente urbano é visto como um patrimônio religioso, passando à frente como
patrimônio público e, chegando assim, a patrimônio leigo.
E não menos importante, é notar que o conceito de imagem e imaginário
urbano também perpassa todas as esferas da religiosidade, da cultura, dos
costumes e da vida da população de determinada cidade. Dessa forma, a
explanação do conceito de imagem, na visão de Lynch (p. 51, 1997), é visto da
seguinte maneira: a imagem que cada indivíduo tem da sua cidade ou de outro
espaço urbano está diretamente ligada ao trajeto antropológico deste que,
consequentemente, advém do contato da pessoa com o grupo com o qual convive.
É necessário também, compreender a estrutura simbólica para se entender a
imagem como uma realidade abstrata, pois: “Parece haver uma imagem pública de
qualquer cidade que é a sobreposição de muitas imagens individuais”.
Por sua vez, o imaginário urbano é mostrado pelo autor como a “terra fértil” do
indivíduo e deste grupo para a criação de várias percepções simbólicas e imagéticas
da urbe. Em outras palavras, o imaginário é o fruto de uma imagem real, que, ao ser
dinamizada (ressignificada), é compartilhada e comungada pelo grupo para ter
sentido. O imaginário urbano é formado também por relações de poder e tolerância,
por modificações culturais e alterações da paisagem urbana inseridas num quadro
sócio-político.
No entanto, ainda que tenham suas distinções, imagem e imaginário urbano
precisam ser entendidos pelo viés do nível intermental (normas, símbolos, valores,
crenças, atitudes e estereótipos) e do nível interacional (comportamento observável
entre indivíduos, grupos, agregados e categorias).
Já o pesquisador francês Gilbert Durand, nos traz uma visão que possibilita
compreender o conceito de imaginário em termos de conteúdos dinâmicos, que por
consequência, tendem a ser essenciais no entendimento do pensamento humano
sobre a cidade.
Todavia, ainda que seu trabalho se estenda por áreas além da Antropologia,
Durand (1997, p. 18) traz uma explanação ao mesmo tempo concisa e rica sobre o
que compreende ser o conceito: imaginário é “o conjunto das imagens e relações de
imagens que constitui o capital pensado do homo sapiens.”
E utilizando-se da citação de Bachelard pelo autor: “A imagem só pode ser
estudada pela imagem...” (DURAND, 1997, p. 19), segue-se no próximo tópico um
brevíssimo estudo acerca da íntima relação entre a fotografia e o espaço das
cidades.
A FOTOGRAFIA E SUA RELAÇÃO COM A URBANIDADE
Num estudo realizado por Nina Velasco e Cruz acerca das fotografias do
fotógrafo húngaro (mas radicado em Paris) Brassaï e sua relação com a cidade, a
autora faz uma assertiva que sintetiza muito o poder que a fotografia tem de nos tirar
de um cotidiano em uma modernidade aparentemente sem nada de novo. Velasco e
Cruz (2008, p. 177) diz: “Algumas situações inéditas passam a ser corriqueiras para
o cidadão, como a experiência de ficar diante de um desconhecido por um longo
tempo ser ter que lhe dirigir uma palavra sequer.” E completa:
Assim, como a experiência urbana, o surgimento de novas tecnologias, como a fotografia, contribuiu para a instauração de uma nova percepção de visualidade entre os sujeitos. Se na cidade grande os transeuntes tinham que se habituar a conviver com milhares de rostos desconhecidos cotidianamente, a fotografia também proporcionou uma experiência inédita entre os seres humanos. (VELASCO E CRUZ, 2008, p. 179).
Depreende-se disto, que a fotografia (já nos primórdios com os
daguerreótipos) quase sempre teve seus momentos de íntima relação com a cidade.
Essa relação, de acordo com a pesquisadora, pode ser vista nas fotografias de
David Octavius Hill, de Brassaï e de Eugène Atget (só para ficar em poucas
exemplificações) sobre a Paris do século XIX e XX.
Mais especificamente sobre Eugène Atget, e o estudo de uma das grandes
vozes da Escola de Frankfurt, Walter Benjamin, referente ao artista francês, Velasco
e Cruz (2008, p. 181) comenta: “Ao invés de retratar grandes vistas e paisagens, o
fotógrafo produz imagens de detalhes de fachadas de prédios , ruas desertas [...],
vitrines de lojas com seus manequins [...], números de pórticos.” Fotos e ambientes
estes, que eram negligenciados por tantos outro fotógrafos renomados da capital
francesa.
O caráter objetivo e ao mesmo tempo subjetivo da fotografia possibilitou que a
relação entre o fotógrafo e aquilo que é fotografado fosse tão importante quanto as
impressões e obras de arte visuais representativas do real ou do que se entende por
real na cidade. Marlivan Alencar (2009, p. 5 - 6), doutora em Antropologia pela PUC-
SP, em seu estudo sobre o cinema e a cidade, abre espaço para a fotografia nessa
relação e ressalta:
Imagens que chegam e que, pela força que carregam, podem substituir a realidade. Tornadas símbolos, elas são alvo de sentimentos dos mais complexos e variados; impregnadas de significados, sobre elas projetam-se imaginários que se ampliam de modo intenso. [...] A invenção da fotografia aprofundou essa relação. Reprodução mecânica, aparentemente dispensava o aparato subjetivo impresso nas pinturas. A riqueza gestual do pintor foi substituída por uma única ação – o clique sobre o obturador – capaz de apreender a realidade de uma forma muito mais fiel e objetiva. O olho e a mão na mesma velocidade, em uma associação íntima e simultânea, não só capturando o mundo, mas reproduzindo-o tecnicamente. [...] No entanto, de objetiva a fotografia não tem nada.
Ainda sobre o estreitamento entre a fotografia e as urbes, Jacques Aumont
(1993, p. 164) traça um retrospecto cronológico da fotografia desde a Antiguidade,
que, segundo ele, o que se conceitua hoje como fotografia era visto nos tempos
antigos como “a ação da luz sobre certas substâncias que, assim levadas a reagir
quimicamente, são chamadas fotossensíveis.”
E como a fotografia, com seu uso social na visão de Aumont, não apenas
capta a situação luminosa de um local em um determinado tempo, a sua relação
com a cidade também está intrinsecamente ligada ao que se pode classificar como a
captura de um momento sócio-histórico, a captura de uma faceta da cidade e de
seus habitantes. Jacques Aumont (1993, p. 167) destaca:
O saber sobre a arché fotográfica, adquirido há muito para se ter tornado implícito, permite ler esse tempo, sentir-lhe as conotações emocionais e até, diante de certas fotos muito expressivas, revivê-lo. A fotografia transmite ao espectador o tempo [...].
Já nos dias contemporâneos, Yvana Fechine (1998, p. 146), citando Paul
Virilio, faz um paralelo da imagem em animação da cidade que, por meio das novas
tecnologias, “permitiu ao homem urbano romper com as noções de superfície e com
os limites físicos que definiram historicamente a cidade”. Assim, dada as devidas
proporções e similitudes entre a obra de Fechine (que aborda a representação da
cidade pelo vídeo), subentende-se que, do mesmo modo, a fotografia pode servir
como ferramenta de representação da cidade. Magalhães et al. (2005, p.159),
comenta sobre essa hipótese:
O exercício da relação das pessoas, das famílias, com a cidade que habitam, passa, sobretudo, por uma construção do que é a “sua” cidade. Desta maneira, são estabelecidos mapas imaginários, que resultam “da” e “na” construção de narrativas pelos cidadãos diante das possibilidades e limites do “viver” a cidade. As narrações das fotografias dão acesso a uma compreensão que está para além das
pessoas e, ao mesmo tempo, incrustada nelas, por um olhar sociocultural sobre o espaço vivido.
Assim, o ‘olhar’ fotográfico dos jovens que residem em São João do Ivaí, junto
ao questionário elaborado durante a pesquisa, objetiva fornecer um painel de visões
sobre como a cidade é vista ao mesmo tempo de maneira individual e grupal por
essa juventude.
BREVE HISTÓRICO DO MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DO IVAÍ-PR
Antes de se iniciar o estudo de caso propriamente dito, impera a necessidade
de uma contextualização, ainda que muito breve, sobre os aspectos históricos,
políticos e sociais que formaram a cidade de São João do Ivaí, na mesorregião do
norte central paranaense. A história do município inicia-se por volta de 1945, com a
chegada dos primeiros habitantes que vieram com objetivo de colonizar e trabalhar.
De acordo com o historiador da cidade, Amador Xavier (1985, p. 19):
Em 1948 residia aqui o Sr. Orozimbo Martins, homem de iniciativa e afeito aos desafios do dia-a-dia. Ergue ele uma cabana [...] Nela instalou uma pequena venda e um boliche, que na época, ressalvando-se as proporções, era supermercado, loja de tecido, farmácia, o fornecedor de ferragens, o banco que servia a região com crédito e preço de ocasião.
E foi justamente no pequeno comércio de Orozimbo que nasceu a ideia de
construir uma praça, a atual Praça Duque de Caxias. Ainda segundo Xavier (1985,
p. 19), no mesmo ano, o capelão de nome Sebastião Curitibano, rezou o primeiro
terço ao pé de um cruzeiro fixado na praça. Justamente por esse vínculo religioso, é
que foi dado o nome de São João (em homenagem e louvor à São João Batista, o
padroeiro da cidade). A partir de então, ainda em 1948, ergueu-se a primeira capela.
Foi nela que o Pe. João Coling – de Pitanga - rezou a primeira missa e , em 1950, o
Bispo Dom Manuel Cosme – de Laranjeiras do Sul - realizou a primeira crisma. Além
dos avanços eclesiásticos, outras vendas e construções também eram erguidas.
Também em 1950, o cemitério da cidade era construído e, com o crescimento do
lugarejo, foi aberta uma trilha que ligava São João do Ivaí ao município vizinho, São
Pedro do Ivaí.
Os serviços de transporte por meio de balsas só foram possíveis em 1951,
pelo Rio Ivaí, passando pelo Porto Laranjeiras Doce (atual Porto Ubá). Neste local,
encontra-se hoje uma ponte que ainda faz ligação entre as duas cidades. No campo
educacional, a primeira professora da cidade, Jovita Cruz, destacou-se por auxiliar
na criação da primeira escola anos mais tarde.
Em 1954 José Martins Vieira, conhecido como Bisco Vieira, comprou os
direitos territoriais de Orozimbo Martins e deu o nome de sua mãe, Ocalina, à
cidade. Mesmo tendo revoltado o município que não gostou nada da mudança de
nome, foi ele o responsável por grandes mudanças desenvolvimentistas. Xavier
(1985, p. 20) afirma: “Por sua iniciativa foi instalada a primeira madeireira, que deu
oportunidade ao desenvolvimento de construções”. E completa: “Pela sua iniciativa a
este patrimônio é que uma Igreja maior substituiu a pequena capela. E a seu crédito,
entre outros, pode-se acrescentar a construção da primeira escola [...]”.
Alguns anos depois, outro pioneiro, Durval Costa, compra os direitos
territoriais da cidade e inicia outros empreendimentos. Entre eles merece destaque:
a compra de uma máquina de beneficiamento de café, um vapor de madeira que
propiciou a energia elétrica, doação de terrenos para construir outras igrejas,
campos de futebol, escolas. Foi dele também a iniciativa conjunta com o comércio
de trazer uma agência do Banco de Crédito Rural do Paraná – Sociedade
Cooperativa; e devolver o nome de São João do Ivaí à cidade.
São João do Ivaí pertencia ao município de Manoel Ribas, mas em 1962
passa ao comando do município Ivaiporã. Somente em 20 de dezembro de 1964, a
cidade consegue emancipação e em 1978 a criação de uma comarca própria. O
primeiro prefeito da cidade foi Acyr Leonardi.
Atualmente a base da economia são-joanense é formada pela agricultura e a
agropecuária. De acordo com o CENSO/IBGE de 2010, o número de habitantes do
município correspondia a 11. 464 pessoas. Com uma área 353, 331 km ², São João
do Ivaí possui três distritos: Luar, Santa Luzia da Alvorada e Ubaúna.
ESTUDO DE CASO: O OLHAR DA JUVENTUDE SÃO-JOANENSE
Quatorze pessoas, entre eles adolescentes e jovens com idades entre 12 a 28
anos, aceitaram colaborar com a pesquisa enviando fotos que eles julgavam
corresponder a imagem que tinham sobre determinado lugar da cidade. Entre esses
lugares, como já dito anteriormente, três temas foram escolhidos: um lugar da
cidade que representasse a violência, outro que representasse o lazer e um que
representasse a religiosidade.
O maior número de fotografias está ligado ao tema do lazer (07 fotografias),
seguido da religiosidade (04) e da violência (03). Os participantes foram contatados
por meio da rede social Facebook e, após aceitarem, enviaram suas fotos com uma
pequena frase justificando o motivo da escolha do local fotografado. Como não há a
necessidade de exposição dos nomes, apenas a letra inicial de cada um deles será
usada, seguida da idade do participante da pesquisa.
Mais uma vez, reforçando a ideia, segundo Borelli e Oliveira (2008, p. 127) ao
citar W. Benjamin, de que “a fotografia [...] revela o inconsciente óptico, que permite
a explicação de elementos invisíveis ao olho humano”, o estudo de caso aqui
proposto tem como meta descrever as fotografias e, tentar, perceber aquilo que elas
transmitem sobre o olhar dos voluntários que participaram do trabalho.
Assim, um fato comum que pode se perceber é que nas fotos relativas ao
lazer, três fotografias correspondiam ao mesmo lugar, a Lagoa Dourada, como um
ambiente representativo de atividades físicas, entretenimento e diversão com a
família. C.M, 20 anos, ao fotografar a lagoa (imagem 1), diz: “Bom, fiz essa escolha
por esse lugar ser onde faço caminhada e esqueço um pouco dos problemas.
Também porque é um lugar onde a beleza da natureza é notória e me tranquiliza.”
Sobre o mesmo lugar (imagem 2), E.R., 28, fala: “É meu lugar de lazer.” E, L.S., 19
(imagem 3), afirma: “É na simplicidade da natureza que encontramos as maiores
riquezas de Deus”.
Ainda em locais onde o lazer está ligado a locais que tendem a representar
um viés ecológico, J.L, 18 anos, justifica o porquê de fotografar o Fundo de Vale
(imagem 4), localizado num clube, com piscina, de associados– que até poucos
anos estava desativado: “O fundo de Vale é visto como um ótimo lugar de área
lazer, pois apresenta uma linda vegetação, e um amplo espaço para atividades
recriativas como caminhada, jogos...”.
Além da lagoa, a Praça Duque de Caxias (imagem 5) - localizada no centro
comercial da cidade e reformada há um ano aproximadamente - , representa para o
jovem skatista, B.A., 17 anos, o lugar ideal para se divertir com os amigos: “Escolhi a
‘Praça Duque de Caxias’ por ser um lugar onde estou me reunindo com meus
colegas nos finais de semana para conversar! E, claro, andar de skate com meus
amigos. Aliás, também por ser um lugar muito bonito!” Igualmente relacionada à
atividade esportiva, a fotografia de A.M, 16, apresenta a mini-quadra de basquete ao
ar livre (imagem 6), na Praça da Bíblia, como o primeiro lugar que vem a sua cabeça
ao se lembra de lazer: “Escolhi a quadrinha de basquete da praça pois é lá onde eu
me divirto com meus amigos.”
Por fim, a imagem mais inusitada, por assim dizer, vem de R.N, 12 anos, que
vê a Igreja Evangélica Assembleia de Deus (imagem 7) não como um local
simplesmente religioso, mas principalmente divertido: “Ir à igreja, além de alimentar
minha alma, é um lazer para mim, pois eu encontro meus amigos, conversamos.
Uma pesquisa do ‘Instituto Gallup’ dos Estados Unidos, aponta que ir à igreja está
relacionado à felicidade: quanto mais você frequenta, mais aprecia a vida. Esse é
meu olhar para lazer em São João do Ivaí”.
Sobre a religiosidade, todas as quatro fotografias enviadas, trazem o olhar do
jovem são-joanense focado em templos, seja uma igreja católica ou igrejas
evangélicas. A jovem D.C, 22 anos, escolheu uma fotografia onde é possível ver o
ambiente interno e externo da Paróquia São João Batista (imagem 8), situada em
um espaço central e movimentado da cidade: “Escolhi este lugar por ser a igreja o
Templo do Senhor. Sabe-se que Ele está presente em todos os lugares, mas é no
Templo que podemos sentir mais fortemente sua presença. É o lugar onde o
escutamos, adoramos e também onde revivemos a nossa esperança e fé Nele; o
que nos faz caminhar com mais confiança!”. Seguindo um mesmo ponto de vista
(imagem 9), L.M., 24, diz que este local é o lugar onde ela pode ter contato com
Deus: “Um lugar calmo, tranquilo, de muita paz. É por isso que lá é o lugar que
representa a religiosidade para mim”.
Já A.P., 16 anos, fotografou a sede da Igreja Evangélica Assembleia de Deus
em São João do Ivaí (imagem 10), ainda que a jovem resida no Distrito de Luar,
onde também há um templo da mesma igreja. Ela comenta, sem maiores
explicações: “Escolhi a igreja Assembleia de Deus porque nesse lugar nos reunimos
para adorar a Deus, e sentimos a presença dele!”. Por outro lado, o jovem J.C.G., 19
anos, escolheu também um templo da Congregação Cristã no Brasil (imagem 11),
porém, uma igreja do Distrito de Ubaúna, onde ele mora: “É a foto da igreja de
Ubaúna. Foi a primeira que me veio à cabeça quando pensei em o que é
religiosidade para mim”.
Por fim, o tema violência trouxe apenas três fotografias de três ambientes
totalmente distintos e sem ligação uns com os outros. A foto de J.L, 22 anos, traz a
fachada de uma casa de carne da cidade (imagem 12): “Eu escolhi esse lugar,
porque nele uma pessoa de bem perdeu sua vida enquanto trabalhava”. A referência
da jovem é sobre o latrocínio de um comerciante, ocorrido no dia 08 de março deste
ano. A escolha de um clube dançante (imagem 13), por S.M, 26, é a seguinte:
“Quando penso em violência na cidade, o primeiro lugar que me vem à cabeça é o
Clube XX de Dezembro, onde pessoas que não tem a intenção de se divertir vão
para tirar a diversão de outros”. E, N.B, 22, vê no Posto de Saúde Municipal
(imagem 14) o lugar mais violento, por este ambiente estar relacionado aos usuários
de drogas que ali ficam: “Eu escolhi esse lugar, porque os Jovens de São João do
Ivaí fazem o uso de drogas lícitas e ilícitas, todas as noites ali. Também já é um
lugar marcado pela polícia”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisando as quatorze fotografias enviadas voluntariamente por jovens da
cidade de São João do Ivaí-PR, não é possível chegar a uma conclusão totalmente
definitiva sobre a relação entre o conceito de imagem/imaginário urbano e a
fotografia, por dois motivos. O primeiro é que tal trabalho pretende dar continuidade
à pesquisa, dessa forma, apenas resultados parciais da pesquisa poderão ser
comentados Segundo: o número de amostra ainda não é o suficiente representativo
para mostrar em profundidade todos os nuances e significados do estudo
empreendido.
Todavia, é interessante notar como as fotografias que se referem ao lazer
estão interligadas por dois focos comuns: a natureza, ou o viés ecológico, e a
atividade física e esportiva. Entretanto, uma das entrevistadas faz relação entre o
seu lugar de lazer e o resultado de tal beleza natural com a religiosidade, ao citar
que tudo aquilo representava a intervenção divina na simplicidade do meio
ambiente. Curioso é também notar, que o contrário ocorre na imagem do templo
evangélico que é visto pelo adolescente não como um ambiente sacrossanto e que
inspira o mais alto respeito: ele vê como um lugar especial de encontros de amigos,
uma reunião social e de lazer. Em ambos os casos é notável que a relação entre
lazer e religiosidade denote um caráter simbiótico.
Sobre o estudo do lazer nas cidades, Oliven (1985, p. 45) diz: “Embora
pesquisas tenham demonstrado que a necessidade de lazer cresce com a
urbanização e a industrialização, este crescimento está longe de ser igual em todas
as camadas sociais”. Assim, depreende-se disto que, com a criação da Lagoa
Dourada, um dos objetivos era construir um ambiente público que pudesse abarcar
todas as classes sociais para um único fim: lazer. Outro argumento que pode
justificar o motivo da imagem desta lagoa estar tão arraigada na mente da juventude
como um local de lazer, é a exposição desta como um símbolo da cidade em
calendários distribuídos pelo comércio, órgãos públicos. A revitalização da Praça
Duque de Caxias e a construção de espaços abertos à atividade esportiva na Praça
da Bíblia também são argumentos que hipoteticamente comprovam o interesse da
juventude em usufruir dessas áreas (ambas muito movimentadas).
Acerca da religiosidade, Oliven (1985, p. 42) afirma que nas grandes cidades,
o catolicismo tem decaído em virtude da intensificação dos valores capitalistas e, por
sua vez, o crescimento de protestantes aumentou. No caso de estudo, como São
João do Ivaí ainda é uma cidade interiorana, a relação dos jovens com a religião
ainda é forte e marcadamente influenciada por tradições familiares e valores
comunitários. Nas duas fotos da Paróquia e nas duas fotos da Assembleia de Deus
e Congregação Cristã, é mais do que nítido que os ambientes dos templos têm forte
conotação ligada ao divino, ao sagrado, a Deus, à religiosidade. Ainda que uma das
participantes diga que Deus pode estar em todos os lugares, a igreja continua sendo
o local escolhido como o espaço exclusivo de seus cultos e convenções
eclesiásticas.
As fotos sobre violência, que tem assolado de maneira extremamente
constante a pequena cidade, trazem uma característica única em relação às outras
fotografias: a singularidade do pensamento acerca de locais que representem a
violência. E todos estes locais têm algum vínculo (seja afetivo, moral, ou até mesmo
de proximidade da residência) que justifica a escolha. O latrocínio de um
comerciante em seu local de trabalho, as brigas decorrentes do consumo de álcool
no clube dançante e os usuários de drogas no Posto de Saúde Municipal; mostram a
preocupação destes jovens com a crescente violência no município.
Um dado que é interessante de ser abordado em pesquisas futuras, diz
respeito ao Blog do Roque (radialista conhecido da cidade) e ao jornal semanal
local, Folha do Ivaí, que têm sido as fontes primárias de informação do município e
deus habitantes. Em especial, nas notícias relacionadas à violência, pode ser
perceber o alto de número de acessos e comentários no blog e no portal digital do
semanário. Dadas as devidas proporções entre as grandes cidades e as
interioranas, Canclini (2004, p. 192) afirma que os meios de comunicação quase
sempre tem a responsabilidade por mostrar o lado violento da cidade ligado aos
setores pobres ou marginalizados.
Um reflexo daquilo que têm atormentado a cidade: a pacata São João do Ivaí
está se transformando em uma cidade violenta. Não mais apenas bairros da periferia
(como Jardim Santa Terezinha ou Jardim Ivaí, nenhum dos dois fotografados)
representam a violência no município: até áreas centrais do comércio e da cidade
têm sido alvo da violência (assassinatos, furtos, brigas). Em suma, o que Oliven
(1985, p. 32) comenta sobre as formas de sociabilidade de grupos no contexto
urbano, tem sofrido sérias modificações decorrentes da violência. E tais
modificações não passam despercebidas pelo olhar da juventude são-joanense.
ANEXO 1: FOTOS ENVIADAS POR JOVENS DE SÃO JOÃO DO IVAÍ
Imagem 2 - Lagoa Dourada
Imagem 1 – Lagoa Dourada
Imagem 3 - Lagoa Dourada
Imagem 4 - Fundo de Vale
Imagem 5 - Praça Duque de Caxias
Imagem 6 – Mini-quadra de Basquete, Praça da Bíblia
Imagem 7 – Igreja Ev. Assembleia de Deus
Imagem 8 – Paróquia S. João Batista
Imagem 9 – Paróquia S. João Batista
Imagem 10 – Igreja Ev. Assembleia de Deus
Imagem 11 – Congregação Cristã no Brasil – Distrito de Ubaúna
Imagem 12 – Casa de Carnes -Latrocínio
Imagem 13 – Clube Dançante - Brigas
Imagem 14 – Posto de Saúde Municipal – Usuários de Drogas
ANEXO 2: ENTREVISTA COM A PESQUISADORA PROF.ª Me. REGINA KRAÜSS
A entrevista abaixo foi cedida pela Profª. Me. Regina Kraüss, via e-mail. Ela é
jornalista formada pela UEL, Mestre em Comunicação Visual também pela UEL e
leciona no Departamento de Comunicação da mesma universidade.
A Profª. Regina Kraüss é pesquisadora do grupo Imagem e Ideologia, na linha
Imagem e Imaginário (UEL). Suas pesquisas centram-se em Fotojornalismo,
Semiótica da Cultura e Alteridade. Além disso, a pesquisadora também foi bolsista
Capes.
Na entrevista, a pesquisadora fala sobre a relação da fotografia com o
conceito de imagem e imaginário urbano e, também, acerca da importância do olhar
juvenil sobre a cidade.
Qual a relação da história da fotografia com o ambiente urbano?
A fotografia sempre serviu como importante aparato tanto para que se
pudesse contar a história das cidades e suas conquistas, quanto como ferramenta
de visualização arquitetônica. Grande parte do acervo que podemos acessar sobre a
vida das cidades, sejam elas quais forem, está registrado através de fotografias.
Hoje ainda, nem sempre com preocupação histórica, fotografamos paisagens
urbanas ou rurais como forma de manter a experiência empírica viva. Exemplo disso
é a neurose das fotografias de viagens, muitas vezes mais evocativas que as
próprias viagens.
De que maneira a fotografia atua como ferramenta de apreensão do real e das
relações sociais da cidade?
A fotografia pode recuperar o passado das cidades colaborando com o senso
de pertencimento, ajudar a manter um arquivo constante das transformações
sofridas por elas, ajudar até mesmo a reinventar a cidade em suas múltiplas
potencialidades e por múltiplos olhares. Um exemplo disto é a documentação
fotográfica que houve em SP e hoje acontece em Londrina da mudança gradual da
paisagem urbana depois da aprovação os projetos de ‘limpeza visual’ da cidade, tais
como o Cidade Limpa aqui em Londrina. As cidades, tais quais as pessoas, mudam
constantemente, e essa reinvenção precisa ser documentada.
De que forma os jovens podem usar a fotografia como meio de
expressividade?
A imagem, por si só, tem ganhado cada vez mais espaço em nossa cultura e
nossa vivência cotidiana com a tecnologia. A fotografia, especialmente, é o gênero
imagético mais utilizado por leigos em arte e comunicação e também umas das
técnicas mais utilizadas nas mídias. Sendo assim, os jovens já têm familiaridade,
gosto e fascínio pelo poder mágico das imagens. Propor que utilizem a fotografia
como forma de expressividade seria dar a eles a chance de discutir, questionar,
apreender melhor esta forma de representação da realidade com a qual já convivem
tanto.
O que você pensa acerca da acessibilidade e a ‘democratização’ do ato de
fotografar nos dias atuais?
A fotografia está cada vez mais acessível e acessável nas redes sociais e
mesmo no dia a dia das famílias. O acesso em si não é ruim, como não é ruim o
acesso a nenhuma tecnologia. É preciso pensar, porém, na falsa ideia de intimidade
que temos com as imagens, que são sempre tão enganadoras e, no entanto
constroem, como nenhuma outra técnica, a ilusão de realidade. Outro ponto é a
dependência destas imagens como única representação das identidades individuais.
A fotografia permite a multiplicação do EU infinitamente e a construção de um
imaginário coletivo marcado pela reprodução e pelo consumo de imagens sem
nenhuma reflexão.
Qual a importância do ‘olhar’ jovem na fotografia sobre a urbanidade?
O espaço urbano faz parte, tal como já apontou Paul Virilio, da transformação
radical que sofreu a vida em comunidade nos dias atuais. De acordo como o
conceito de dromologia, nossa passagem pela cidade é cada vez mais
desterritorializada, mais alheia, mais solitária. O jovem é o representante máximo
desta simples passagem descompromissada pelo espaço urbano. Criar estratégias,
tais como muitos artistas performáticos têm feito, para chocar, chamar a atenção ou
mesmo simplesmente parar as pessoas para verem seu entorno e perceberem a
cidade com sua arquitetura, sua lenta transformação no tempo, suas
particularidades regionais e suas surpresas seria um importante passo para
recuperar a vivência real das pessoas com seus lugares.
O conceito de Imagem e Imaginário urbano, dentro da fotografia, comporta
quais significações?
Creio que especialmente a relação intrínseca entre a construção simbólica
dos espaços e a representação destes mesmos espaços através das imagens. O
imaginário urbano é construído tanto pelos signos verbais e imagéticos que vivem
nas cidades, quanto pela constituição mágica que fazemos delas com aparatos de
imagens, tal qual a fotografia. Hoje, quando a grande maioria das pessoas pode
fazer imagens seja com câmeras seja com celulares, temos um aumento
exponencial das aparições mediatizadas das cidades. Como usar isso para a
pesquisa acadêmica e histórica, como incluir isto na pauta da educação e da mídia e
como tornar os próprios usuários-produtores conscientes deste trabalho de
construção social dos espaços é a principal tarefa que se propõe diante destes
questionamentos.
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