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MARILEI PANASSAL DA SILVA FRACASSO ESCOLAR NA ALFABETIZAÇÃO CANOAS, 2008

FRACASSO ESCOLAR NA ALFABETIZAÇÃO · um lugar de reflexão, de pensar durante as horas livres. Acredito que talvez seja essa contradição um dos fatores geradores de tantos casos

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MARILEI PANASSAL DA SILVA

FRACASSO ESCOLAR NA ALFABETIZAÇÃO

CANOAS, 2008

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MARILEI PANASSAL DA SILVA

FRACASSO ESCOLAR NA ALFABETIZAÇÃO

Trabalho de conclusão apresentado ao Curso de Graduação em Pedagogia, Orientação Educacional, do Centro Universitário La Salle – UNILASALLE, como exigência parcial para obtenção do título de graduação, sob orientação da Professora Cláudia Acosta Alves.

CANOAS, 2008

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela oportunidade de estar vivenciando estes momentos

importantes para a minha formação profissional.

Agradeço ao meu esposo Fernando, pelo apoio, paciência, carinho e também

pelo incentivo e compreensão que sempre me dispensou, nos meus momentos de

angústia e irritação.

Agradeço aos meus filhos Fernando e Eduarda, pela compreensão nas horas

em que estive ausente.

Agradeço aos meus alunos, os quais são o motivo do meu interesse e

dedicação pelo tema do trabalho, que com a individualidade de cada um, venho

aprendendo sempre mais.

Agradeço à professora Cláudia Acosta Alves, pela atenção, a orientação, a

confiança e o incentivo no decorrer desta caminhada.

A todos vocês...

Muito obrigada!

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“Com a mão no coraçãofechou os olhos

e sentiu-se descoberta.Antes, tímida, perdeu o medo.

Aprendeu a colocar seus sentimentos.Encontrou o seu valor;

E aumentou sua visão do mundo.Não tendo preconceitos,

Aceitou as diferenças.Escutou, viu, percebeu o outro.

E descobriu que,Fazendo parte desse quebra-cabeça,

É uma peça importanteQue contribui, participa.

E caminha com o objetivo comumDe transformar.

E saber que para isto,É preciso sonhar”.

Poema de Vanda Farias, educadora popular,construído em 13/07/1996,

ao final de um dos encontros de validação.

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RESUMO

Esse trabalho tem por objetivo estudar as possíveis causas do fracasso escolar alfabetização, tendo como principal enfoque as crianças de baixa renda. Parte-se de uma pesquisa bibliográfica, na qual priorizou-se o estudo de autores contemporâneos, dentre os quais pode-se destacar Poppovic, Lewis, Hoggart e Feitag. Tais autores apontam como causa do fracasso escolar o sistema social, econômico e político. A pesquisa busca ainda, fornecer dados sobre percentagem de insucessos escolares a nível de Brasil, além de promover reflexões sobre alguns aspectos que envolvem o fracasso escolar nas classes economicamente menos favorecidas, dentre os quais, precariedade de vocabulário, baixa estima, falta de perspectiva e desigualdade social. Os conceitos de alfabetização e letramento são abordados, com a finalidade de esclarecer a respeito do que de fato significa ser alfabetizado.PALAVRAS-CHAVE: Fracasso escolar. Alfabetização. Classes populares. Desigualdade social.

ABSTRACT

This study aims to detect possible causes of school failure literacy, with the primary focus of low-income children. It is a literature search, in which priority is the study of contemporary authors, among which you can highlight Poppovic, Lewis, Hoggart and Feitag. These authors suggest school failure as the cause of the social system,economicandpolitical. The research also seeks to provide data on percentage of failures at school in Brazil, in addition to promoting reflections on some issues involving the school failure in economically disadvantaged classes, among which, precariousness of vocabulary, low esteem, and lack perspective and social inequality. The concepts of literacy and literacy are addressed, in order to clarify about what in fact means to be literate.KEY WORDS: Failure. Elementary. Literacy. Popular classes. Social inequality.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...........................................................................................................7

1 CAUSAS DO FRACASSO ESCOLAR ..................................................................10

2 CONCEITUANDO ALFABETIZAÇÃO ...................................................................24

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................33

REFERÊNCIAS .........................................................................................................36

M

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INTRODUÇÃO

“Como educador, jamais a esperança de lado.” (Freire, 1998)

Esse trabalho tem como objetivo investigar as possíveis causas que levam o

aluno ao fracasso escolar, refletindo e analisando as justificativas apontadas por

alguns teóricos e tendo como enfoque principal as classes de alfabetização

compostas por alunos pertencentes à famílias pertencentes às classes menos

favorecidas e nossa sociedade.

Por tratar-se de um tema já tão debatido no campo da educação, é

conveniente esclarecer que não pretendo propor nenhuma nova metodologia de

ensino aprendizagem, nem mesmo uma nova classificação dos transtornos da

aprendizagem.

Meu objetivo consiste em, a partir das informações resultantes desse estudo,

refletir e definir novos rumos em minha prática docente, voltados à melhoria da

qualidade educacional como um todo.

A escolha do tema justifica-se a partir de minha trajetória pessoal e

profissional, enquanto alfabetizadora na rede municipal desta cidade há dez anos,

cinco dos quais exercendo minha função docente em uma escola de bairro, cuja

comunidade é predominantemente de famílias de baixa renda, situação na qual o

caso em estudo é bastante comum.

Atualmente, exerço minhas funções em uma escola localizada em um bairro

de classe média, no mesmo município, na qual os índices de aprovação aproximam-

se de 100%, nas classes de alfabetização.

Pretendo assim, com essa pesquisa contribuir para uma maior compreensão

dos aspectos que envolvem a alfabetização das crianças oriundas de famílias de

classes populares.

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Traçando um perfil comparativo das duas realidades que citei, e reportando-

me à minha infância, quando permaneci por três anos na primeira série, sem

conseguir me alfabetizar, tive o despertar de um interesse extremo em pesquisar

quais os motivos desses resultados.

Seriam as práticas pedagógicas? A não participação no universo da cultura

formal? A falta de estímulo frente às dificuldades? A estruturação ou

desestruturação da família? Ou ainda um somatório e todos esses fatores?

No desenvolver desse trabalho, procurei transmitir de forma clara e objetiva,

a visão dos autores pesquisados acerca das possíveis causas do fracasso escolar,

dos conceitos de alfabetização e letramento e, finalmente, as conclusões obtidas

após as análises e reflexões.

Dessa forma, no primeiro capítulo “Causas do fracasso escolar.”,

apresentarei alguns conceitos que foram formulados após estudos realizados sobre

essa problemática, bem como uma reflexão sobre a situação da educação e da

organização social do país, a origem social da maioria dos alunos com dificuldades

de aprendizagem, a defasagem cultural e lingüística desses alunos e as práticas

pedagógicas utilizadas nas escolas em um contexto geral.

O segundo capítulo “Conceituando a alfabetização.”, trata do conceito

propriamente dito da alfabetização em si, desde a capacidade de decodificar os

sinais gráficos, transformando-os em sons, até, na escrita, a capacidade de

decodificar os sons da fala, transformando-os em sinais gráficos; assim como o

estudo do conceito do termo “letramento”.

Nesse mesmo capítulo, considerei oportuno também traçar uma linha de

reflexão acerca dos principais motivos que acredito, interferem no processo de

aprendizagem dos alunos oriundos de classes sociais menos favorecidas, dentre os

quais: a falta de perspectiva de futuro, a baixa auto estima, a falta de estímulos por

parte da família e do meio social e a alarmante desigualdade social existente em

nosso país.

Os aspectos teóricos a respeito de tais estudos, é o que oportuniza a

possibilidade de uma prática pedagógica voltada para uma mudança no trabalho de

alfabetização.

Portanto, é preciso pensar e repensar a alfabetização, rever metodologias,

buscar a compreensão dos porquês de cada aspecto abordado, e conviver com a

angústia de reconhecer aquilo que ainda não sabemos.

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O ponto de partida para esse repensar, buscando o reconhecimento de

teorias que conduzem, de modo competente, a uma prática coerente e segura, é

restaurar os conceitos de ler e escrever.

Dessa forma, nesse trabalho procurei aprofundar o estudo das questões que

envolvem a alfabetização, enfatizando os aspectos sociais e o fracasso escolar.

Acredito que, enquanto alfabetizadora, esses conhecimentos poderão

oferecer subsídios, no sentido de acrescentar e enriquecer minha prática

profissional, assim como minha prática futura, como Orientadora Educacional, uma

vez que poderei desenvolver um trabalho reflexivo, auxiliando outros educadores,

que muitas vezes caminham sozinhos nesta árdua e encantadora arte de alfabetizar.

Arte essa que exige do professor uma nova postura, de competência, criatividade,

estudo, comprometimento e amor, que são pressupostos básicos para uma prática

educativa na qual todos tenham sua vez e sua voz.

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1 CAUSAS DO FRACASSO ESCOLAR

De acordo com os estudos de Lewis, Hoggart e Poppovic tanto o Brasil

quanto outros países da América Latina, enfrentam há alguns anos, o grave

problema do fracasso escolar, representado pela reprovação e o abandono dos

estudos de crianças e adolescentes (dos sete aos dezoito anos).

Geralmente, os professores apontam como dificuldade para o sucesso

escolar a falta de interesse dos pais em relação ao ensino dos filhos, a miséria, a

falta de alimento em casa, a rebeldia dos alunos, a necessidade de trabalhar para

ajudar em casa, a gravidez entre adolescentes, o uso de drogas, entre outros

fatores.

Sabemos que todos esses fatores contribuem para o fracasso escolar e que,

diariamente os docentes recebem em suas salas de aula, alunos que não

conseguem aprender o que se quer que aprendam. Porém, não podemos atribuir a

culpa do fracasso escolar somente aos alunos e aos seus problemas sociais e

familiares, é preciso admitir sim, nossa culpa enquanto educadores nesse

insucesso.

Precisamos, antes de tudo, refletir sobre a eficácia dos docentes, sobre o

serviço público, as desigualdades e os recursos que devem ser investidos no

sistema educativo do nosso país. E ainda, sobre os modos de vida e o trabalho na

sociedade do futuro.

Se tomarmos, porém, valores como direitos humanos, igualdade e

democracia, diríamos que a escola, por não tratar, ou não saber tratar seus usuários

com igualdade, fracassa nos seus objetivos.

O fracasso escolar diz respeito a como a comunidade escolar se constitui e

se relaciona entre si, com a sociedade mais ampla e com o Estado.

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Não podemos, porém, ignorar sua bagagem de conhecimentos adquiridos ao

longo da vida, no cotidiano escolar e fora dele.

A expressão ”fracasso escolar” é uma certa maneira de recortar, interpretar e

categorizar o mundo social. Quanto mais ampla a categoria assim construída, mais

polissêmica e ambígua ela é.

No sentido de conceituar de forma mais significativa a expressão “fracasso

escolar”, considero importante analisar o seu sentido etimológico:

A palavra fracasso vem do italiano “fracasso” e significa “baque”, “ruína”,

“desgraça”.

A palavra escolar vem do grego “scholé”, que significa “lugar do ócio”.

Na Grécia Antiga, as pessoas que dispunham de condições sócio-

econômicas e tempo livre, nela se reuniam para pensar e refletir.

Analisando o conceito etimológico das palavras “fracasso” e “escola”,

podemos confirmar que as mesmas se contradizem, tendo em vista que uma

apresenta conceitos de “ruína”, “fracasso”, “tragédia”, enquanto outra designa-se a

um lugar de reflexão, de pensar durante as horas livres.

Acredito que talvez seja essa contradição um dos fatores geradores de tantos

casos de fracasso escolar, pois não nos encaminhamos à escola quando estamos

em tempo livre, “na ociosidade”, pelo prazer e estímulo em refletir e pensar sobre

assuntos de nosso interesse em termos de crescimento ou desenvolvimento

humano; mas sim em horários determinados, para pensar e refletir sobre assuntos

previamente estipulados e selecionados, determinados por exigências de um

currículo que se precisa cumprir.

Aspecto mais intrigante me parece o fato de que pouco ou raramente as

escolas oportunizam espaços para a efetiva reflexão acerca das causas e

conseqüências das evidências trágicas do fracasso escolar.

Considero que, se a escola se organizasse de forma estruturalmente mais

atrativa, de caráter investigativo e adquirisse uma conduta de respeito às diferenças

sociais, culturais, pessoais e inclusive, lingüísticas apresentadas por nossos alunos,

tornaria-se, quem sabe, um ambiente semelhante ao “lugar do ócio” da Antiga

Grécia, local ideal para a reflexão e o exercício do pensamento; porém, como lugar

garantido a todos, independente de etnia, condição social ou qualquer outra variável.

Um lugar ideal e propício à reflexão sobre o presente e o futuro da cada indivíduo,

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respeitando as suas características e necessidades. Porque cada ser é um ser, com

suas expectativas, dificuldades e ideais.

Nesse sentido, ZABALA diz que “No ambiente escolar, os alunos precisam de

ajudas ajustadas às suas necessidades e nós, professores, temos a função de

oferecer essas ajudas. Ensinar é ajuda ajustada pensando em quem aprende”

(1988, s.p.).

Bernard Charlot define o “fracasso escolar” como a chave disponível para

interpretar o que está ocorrendo nas salas de aula, nos estabelecimentos de ensino,

em certos bairros e em certas situações sociais.

Dessa maneira, a noção de fracasso escolar é utilizada para exprimir tanto a

reprovação em determinada série, quanto a não aquisição de certos conhecimentos

ou competências.

A questão do fracasso escolar remete para muitos debates sobre o

aprendizado: sobre o que os educadores pretendem que o aluno aprenda; se este

aprendizado condiz com os interesses do educando; se está de acordo com a

realidade sócio-cultural na qual o mesmo está inserido; se enriquecerá sua

experiência, seus conhecimentos, seu vocabulário e suas vivências cotidianas.

Da mesma forma, remete a questionamentos sobre a eficácia dos docentes:

de que práticas pedagógicas se tem aplicado em sala de aula, se estas contemplam

a todos e, caso não contemplem, o que pode ou tem sido feito para reverter

positivamente tal situação; qual é o olhar destinado aos educandos sob sua

responsabilidade; se esse olhar é igual para todos, sendo que cada um é um ser

com idéias, ritmos e interesses diferentes.

O debate sobre o fracasso escolar enquanto indicador de desigualdade social

pode ser desviado para a questão da ineficácia pedagógica dos docentes e vice-

versa.

Assim, faz-se necessário refletir sobre as colocações das escolas e dos

educadores, nas quais a origem social dos alunos tem sido a causa mais usada para

justificar os piores resultados, sobretudo quando são obtidos por alunos originários

de famílias de baixos recursos econômicos onde, aliás, encontra-se a maior

percentagem de insucessos escolares.

Dados do Instituto brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que

as taxas de reprovação no Ensino Médio voltaram a aumentar no Brasil.

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Esse crescimento fez com que o percentual de 11,5% de alunos reprovados,

chegasse praticamente ao mesmo nível verificado no início da década de 90,

quando em 1991, 11,6% dos estudantes não foram aprovados nesse nível de

ensino.

Comportamento muito semelhante foi registrado no Ensino Fundamental (de

1ª a 8ª séries), que também vinha em constante aumento desde 1998 nas taxas de

reprovação.

A diferença, no entanto, é que no Ensino Fundamental, o percentual de

reprovados ficou estabilizado em 15% em comparação com 2004.

As taxas acima apresentadas são calculadas a partir da Sinopse Estatística

da Educação Básica, disponibilizada pelo Instituto Nacional de Educação e Pesquisa

(INEP), em seu site na Internet.

A boa notícia é que, num comportamento oposto ao verificado na reprovação,

o percentual de alunos que abandonaram os estudos no Ensino Fundamental caiu

sensivelmente, chegando a 7,5%. Desde 2002, quando esse percentual era de 12%,

essa taxa vem caindo no Ensino Fundamental.

Acredito que alguns programas de governo, que incentivam a permanência

da criança na escola, ainda que não sendo absolutamente ideais, tenham alguma

influência nesses índices.

Um relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência

e a Cultura (UNESCO), divulgado em 2006, aponta que o percentual de reprovados

no Brasil se assemelha ao de nações muito pobres, como Moçambique; sendo ainda

superior ao de outros bem menos desenvolvidos, como Camboja, Haiti e Ruanda.

Especialistas dizem que a dificuldade de incluir alunos mais carentes na

estruturação dos programas e processos de ensino, é a principal causa para esse

pior desempenho nos indicadores da educação.

Ainda, de acordo com a pesquisa, nas famílias desfavorecidas, por exemplo,

os pais tendem a ser mais autoritários; desenvolvendo nos filhos normas rígidas de

obediência, sem discussão. Também os alunos oriundos dessas famílias raramente

são motivados pelos pais para prosseguir seus estudos.

De acordo com os posicionamentos de autores como Carvalho, Freire,

Serafini e outros, a família desempenha um importante papel na vida dos seres

humanos e, portanto, deve procurar satisfazer as necessidades básicas de afeto,

noções de apego e desapego, segurança, disciplina, aprendizagem e comunicação.

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O clima emocional da família influencia na aprendizagem e na integração

social, pois as crianças e jovens que possuem uma estrutura familiar adequada,

conseguem ser mais bem sucedidos em suas relações com os demais, e

demonstram maior abertura e aptidão para a aquisição de conhecimentos.

Os distúrbios de aprendizagem geralmente ocorrem com os filhos mais

novos, devido à menor disponibilidade de tempo dos pais no sentido de estimulá-los,

enquanto os filhos mais velhos, geralmente, iniciam a vida e os aprendizados como

filhos únicos e assim, dispõem de maiores e mais exclusivas atenções nesse

sentido.

Da mesma forma, é possível verificar que as famílias mais numerosas,

apresentam entre seus filhos, maior incidência de fracasso escolar, face à pouca ou

nenhuma disponibilidade dos pais em atender as necessidades individuais e

específicas de cada filho.

Todos os pais apresentam expectativas em relação a seus filhos, sejam estas

positivas ou negativas. As expectativas existem antes mesmo do nascimento da

criança, podendo ser também resultado das frustrações vivenciadas pelos pais em

suas vivências e, dessa forma, exprimir desejos recalcados desses adultos, que

vêem nos filhos uma espécie de possibilidade de auto-realização.

Por outro lado, conforme os pais vão convivendo com os filhos, vão também

definindo seus comportamentos: “Ela é muito distraída!”, “Ele é muito medroso!”,

“Ele é muito inteligente!”, “Ela não consegue aprender!”. Essas e outras informações,

que criam um autêntico, mas não necessariamente verdadeiro, rótulo, são bastante

comuns entre as famílias.

Dessa forma, baseados nessas afirmações rotuladoras, que muitas vezes

apresentam realidades distorcidas, os pais tendem a fazer uma projeção do futuro

da criança, criando expectativas a partir do momento que consideram determinados

comportamentos “bons” ou “ruins”.

Neste caso, os pais podem ficar tão presos aos rótulos criados que,

involuntariamente, reforçam as mesmas características que desaprovam, ou

consideram negativas em seus filhos. E assim, a criança deixa de mudar ou

aprimorar determinados comportamentos ou padrões de conduta, por falta de

estímulo ou de oportunidade de aprender novas formas de ser e agir no meio social.

Estudos mostram, por exemplo, evidências de que se uma criança é

constantemente elogiada, sua tendência natural será de corresponder a esses

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elogios, que se configuram em expectativas positivas. O mesmo ocorrendo se, ao

contrário, as expectativas em relação a ela são baixas ou negativas (COLL, 1995).

Assim, os pais podem efetivamente, influenciar o progresso escolar de seus filhos;

ou, em uma perspectiva negativa, ainda que involuntariamente, prejudicá-lo.

A origem social dos alunos tem sido apontada como justificativa para os

piores resultados em sua aprendizagem, sobretudo quando estes são obtidos por

famílias de baixos recursos econômicos, onde concentra-se a maior percentagem de

insucessos escolares.

Os alunos oriundos dessas famílias, raramente são incentivados pelos pais

para prosseguirem seus estudos. Diante do menos significativo insucesso, a questão

da saída da escola como melhor alternativa logo lhes é colocada; fator que talvez

explique as elevadas taxas de abandono escolar de alunos desse grupo social.

Segundo alguns sociólogos, os valores culturais dessas famílias são

extremamente opostos aos que a escola propõe ou pressupõe.

Diante desse acentuado confronto de valores, os alunos oriundos dessas

famílias, não encontram-se preparados para compartilhá-los como possibilidade de

superação; o que resulta numa total falta de identificação com o universo da escola.

Nessa linha de raciocínio, afirma Hollegshead:[...] os mais desfavorecidos, norteiam-se por objetivos a curto prazo (o presente), em contradição com os objetivos visados pela educação (a longo prazo). Esta diferença de objetivos e valores acaba por conduzi-los a um menor investimento escolar. (1996, p 154)

Outros estudos (FIJALKOW, 1989), apresentam evidências contrárias à idéia

de que existe desinteresse por parte dos familiares das crianças oriundas das

camadas populares em relação à sua carreira escolar, pois para essas famílias, o

sucesso na escola representaria a possibilidade de um futuro melhor para seus

filhos.

Estudos desenvolvidos por Costa (1993) e Griffo (1996) demonstraram o

empenho dos familiares em contribuir para a reversão da situação de fracasso em

que seus filhos se encontravam.

Bernard Lahire desenvolveu estudos sobre sucesso escolar nos meios

populares, na França, que acrescentam diversos elementos a essa discussão, ao

apresentar diferentes formas utilizadas pelas famílias, como suporte para que seus

filhos pudessem ser bem sucedidos na escola.

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Outro fator apontado, é que a linguagem utilizada na escola mais diversa do

que a utilizada no seu meio familiar, assim como os valores culturais dessas famílias

são opostos aos que a escola propõe e supõe.

A linguagem diversa que, conseqüentemente, confere ao ambiente escolar e

ao processo educativo, realidades e expectativas diferenciadas daquelas do âmbito

familiar.

Além do que, em muitos casos, essa mesma condição familiar, desprovida

tanto de uma linguagem mais acadêmica, quanto de incentivo e valorização do

estudo em si, torna-se um ambiente de certa forma, global e pouco ou nada

estimulante à motivação em estudar ou mesmo em ser assíduo e participativo na

escola.

A mitologia do preconceito lingüístico no Brasil é muito prejudicial à educação

porque, ao não reconhecer a verdadeira diversidade do português falado no Brasil, a

escola tenta impor sua norma lingüística, como se essa fosse, de fato, a língua

comum a todos os 160 milhões de brasileiros, independente de sua idade, origem

geográfica, situação sócio-econômica, grau de escolarização, etc.

Segundo Labov,[...]crianças das camadas populares, “narram, raciocinam e discutem com muito mais eficiência que os falantes pertencentes às classes mais favorecidas, que contemporizam, qualificam, perdem-se num excesso de detalhes irrelevantes. (SOARES, 1987, p. 47)

Sobre a relação entre linguagem, cultura e escolarização (Cook-Gumperz e

Gumperz, 1992, Oliveira e Nascimento, 1990) afirmam que levam em conta a

existência de diferenças lingüísticas e culturais entre crianças de camadas

populares, minorias étnicas e crianças das camadas economicamente favorecidas

da população; o fato de a escola não estar preparada para lidar com essas

diferenças seria um dos principais fatores que contribuíram para a produção do

fracasso escolar.

O preconceito lingüístico se baseia na crença de que só existe uma única

língua portuguesa digna deste nome e que seria a língua ensinada nas escolas,

explicada nas gramáticas e catalogada nos dicionários. Qualquer manipulação

lingüística que escape desse triângulo escola-gramática-dicionário é considerada

sob a ótica do preconceito lingüístico: “errada, feia, estropiada, rudimentar,

deficiente”.

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Ao estudarmos cientificamente a questão, é fácil descobrir que não estamos

diante de um traço de “atraso mental” dos falantes “ignorantes” do português, mas

simplesmente do fenômeno fonético que contribuiu para a formação da própria

língua portuguesa padrão.

Existem falantes da norma culta urbana, pessoas escolarizadas, que têm

problemas para pronunciar os encontros consonantais com L.

Nesses casos, trata-se de dificuldade física, que pode ser facilmente

resolvida com terapia fonoaudiológica.

Porém, não podemos esquecer dos brasileiros falantes das variedades não-

padrão, em cujo sistema fonético simplesmente não existe encontro consonantal

com L, independente de terem ou não dificuldades articulatórias. Quando, na escola,

deparam-se com esses encontros consonantais, é preciso que o professor tenha

consciência de que trata-se de um aspecto fonético “estrangeiro” para eles.

As pesquisas sociolingüísticas – que se baseiam em coleta de dados por

meio de gravações de fala espontânea, viva, dos usuários nativos da língua –

confirmam uma suposição óbvia: as pessoas das classes cultas de qualquer lugar,

dominam melhor a norma culta, do que as pessoas das classes não-cultas de

qualquer lugar.

No Brasil, a diferença entre as camadas sociais quanto ao sucesso ou

fracasso na alfabetização, é bem documentada.

As crianças das camadas populares estão em desvantagem nas

oportunidades de aprendizagem, em comparação com aquelas das camadas

dominantes.

Soares (1985) enfatiza também que as desvantagens das crianças das

camadas populares estão claramente ligadas a diferenças nos níveis de

conhecimentos, pois as crianças das camadas dominantes, “convivem com falantes

de um dialeto oral mais próximo da escrita (norma padrão culta)” e têm mais

oportunidades de contato com material escrito através das leituras que lhes são

feitas por adultos, por exemplo.

Segundo Bernard Charlot:Existem, é claro, alunos que não conseguem acompanhar o ensino que lhes é dispensado, que não adquirem os saberes que supostamente deveriam adquirir, que não constroem certas competências, que não são orientados para a habilitação que desejariam, alunos que naufragam e reagem com condutas de retração, desordem e agressão. É o conjunto desses

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fenômenos observáveis, comprováveis, que a opinião, a mídia, os docentes, agrupam sob o nome de fracasso escolar. (2000, p.16)

Ainda nesse mesmo sentido, acerca das oportunidades de acesso ao mundo

letrado, no padrão culto da língua, através de diferentes situações do cotidiano de

suas vidas, cito outra colocação do autor: O fracasso escolar não é um monstro escondido no fundo das escolas, e que se joga sobre as crianças mais frágeis. Um monstro que a pesquisa deveria desemboscar, domesticar, abater. Embora se tenha realizado várias pesquisas para desmistificar o fracasso escolar, os resultados apontam sempre para os mesmos fatores: situação econômica, família, docentes, desinteresse. Porém, sabemos a causa da doença, mas não temos o remédio, senão para sua cura, ao menos para neutralizar os sintomas. O “fracasso escolar” não existe; o que existe são alunos fracassados, situações de fracasso, histórias que terminam mal.(Bernard Charlot, 2000, p.16)

Ao analisarmos o fracasso nos defrontamos com uma dificuldade particular: a

ausência de resultados, de saberes, de competência, recusa de estudar,

transgressão das regras.

O fracasso escolar é uma diferença entre alunos, entre currículos, entre

estabelecimentos. Mas o fracasso escolar não é apenas uma experiência que o

aluno vive, interpreta e constrói, uma imagem desvalorizada de si ou, ao contrário,

consegue acalmar esse sofrimento narcísico que é o fracasso.

Penso que o fracasso escolar ocorre inúmeras vezes, por não percebermos,

enquanto educadores, os interesses individuais de cada componente e as

expectativas de futuro que a comunidade escolar alimenta.

Algumas questões, nesse contexto, parecem-me bastante pertinentes: será

que o currículo elaborado e dividido por séries, contempla os objetivos de

determinadas redes de ensino? Ou de todas as turmas em uma mesma escola?

Será que contempla a todos os alunos de uma mesma turma?

Acredito que não, pois somos todos seres humanos, porém com habilidades,

dificuldades, necessidades e, portanto, interesses diferentes.

E é exatamente por esse motivo que andamos em harmonia e equilíbrio.

Exemplificando: Tenho um emprego, no qual recebo um salário razoável, com

o qual pago alguém que trabalha em minha casa, que por sua vez, também paga

alguém para cuidar de seu filho, enquanto trabalha, e assim, sucessivamente.

Os objetivos dessas pessoas vão sendo alcançados, porém com cada uma

de acordo com seus interesses.

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Temos diversas possibilidades explicativas para o fracasso escolar e para as

dificuldades que surgem no processo de ensino-aprendizagem. Resta-nos, então, o

desafio de buscar elementos para que possamos nos posicionar frente aos casos

presentes em nossas salas de aula, em nossas escolas.

E dessa forma, adquirir maior entendimento e capacidade de ação, frente à

necessidade de respeitar as diferenças culturais e lingüísticas apresentadas por

nossos alunos.

Vivemos em um país em que a distribuição do conhecimento como fonte de

poder social é feita privilegiando alguns, e discriminando outros.

Não há dúvidas em acordar que a sociedade atual assenta-se num conjunto

de valores que desencorajam os estudos e promovem o insucesso escolar.

Fatores como busca desmedida pela diversão e prazer imediato,

representados sobretudo pelo individualismo e pelo consumismo, essenciais em

nossa sociedade, constituem-se em valores completamente opostos ao que a escola

significa: atitudes reflexivas, procura incessante do saber e de valores perenes.

É muito comum que as crianças consideradas “problemas”, sejam

provenientes de escolas públicas ou ainda de famílias de camadas mais pobres da

população.

Segundo Machado e Souza (1997), diversas pesquisas foram realizadas

relacionando fracasso escolar e pobreza, questionando a idéia de culpa do aluno,

em virtude do fracasso escolar, destacando a má qualidade do ensino oferecido e a

presença, nas práticas escolares, de estereótipos existentes a respeito da criança

pobre.

Nesse sentido, a escola ocupa-se de ensinar aos que aprendem e,

automaticamente, excluir os que apresentam dificuldades de aprendizagem, em

função de esses alunos não terem bem estruturados em seu seio familiar, a

cognição necessária para desenvolver habilidades matemáticas e lingüísticas.

Alguns autores conceituam que os próprios membros da classe pobre, não

valorizam a educação, sendo que para estes, a evasão escolar não é um problema,

visto considerarem ser mais importante uma ocupação monetária do aluno para

auxiliar no rendimento familiar (Hogart,1957).

Não há como negar que as condições materiais, concretas, de vida da

maioria das crianças pobres, são de fato extremamente precárias e que as mesmas

se encontram, muitas vezes, num quadro de alimentação deficiente, com falta de

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carinho, atenção e de estímulos em casa; e ainda, ausência de informações, de

contatos com a língua escrita, além da necessidade de ajudar, seja trabalhando,

seja tomando conta dos irmãos.

Conhecer essa realidade deve ser o ponto de partida para adequar a prática

pedagógica, às crianças que nela estão inseridas.

Idéias preconceituosas, que compactuam com a exclusão de crianças,

adolescentes ou mesmo adultos do universo escolar, precisam ser banidas da

escola, pois sabemos que o que as classes populares buscam na escola, é o cesso

ao conhecimento; a esperança de um futuro melhor, de igualdade social, de

reconhecimento enquanto cidadãos verdadeiramente atuantes dessa sociedade,

com direitos e deveres iguais aos demais brasileiros.

A superação da produção social, implica em um conhecimento mais

consistente da realidade sobre o fracasso escolar; deve ser resultado de um trabalho

que aproxime cada vez mais o mundo acadêmico e as redes de ensino, na

perspectiva de um duplo enriquecimento.

Somente dessa forma, pode-se contribuir para que a escola transmita

conhecimentos, sem esquecer-se que deve atuar com sujeitos do conhecimento

coerente, e com o objetivo de desenvolver cidadãos críticos, capazes de construir

uma sociedade democrática.

Nessa linha de raciocínio, precisamos buscar soluções para que a escola

seja eficaz no sentido de promover o conhecimento e, assim, vencer problemas

cruciais e crônicos de nosso sistema educacional: evasão escolar, aumento

crescente de alunos com problemas de aprendizagem, formação precaríssima dos

que conseguem concluir o ensino fundamental, desinteresse geral pelo trabalho

escolar.

É preciso que a escola transforme-se num ambiente atrativo para a

aprendizagem, que esteja munida de conhecimentos que venham ao encontro com

os interesses do educando, que investigue e respeite o ritmo e os limites de cada

um, para a aquisição da aprendizagem.

Para tanto, se faz necessário, maiores investimentos do poder público em

relação ao espaço físico do ambiente escolar e principalmente na formação

continuada dos educadores.

Tratar a questão escolar como um sintoma, coloca-nos a necessidade de uma

incursão por sua história, a fim de que possamos compreender qual o papel da

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escola na trama que os seres humanos foram armando ao longo de sua existência,

pois ao pensarmos o fracasso escolar como um sintoma da contemporaneidade,

defrontamo-nos com a questão de sua determinação cultural e com a singularidade

do sujeito que o suporta.

As primeiras explicações sobre problemas de aprendizagem respaldam-se na

medicina e, conseqüentemente, atribuem aos fatores biológicos as causas da

problemática.

Conforme nos aponta Vial (1979) citado por Baeta (1988), os primeiros

trabalhos sobre as dificuldades de aprendizagem escolar, centravam suas

explicações nas noções de congenitidade e de hereditariedade, atribuindo todas as

perturbações que não fossem causadas por lesão cerebral, à disfunções

neurológicas ou retardos de maturação, imputados a um equipamento genético

defeituoso.

No século XIX teve início o interesse por compreender e atender aos

portadores de problemas de aprendizagem. Os médicos foram os primeiros a

preocuparem-se com os problemas de aprendizagem: Pereira, Seguin, Esquiral,

Montessori, Claparede, Neville, Decroly, foram educadores que marcaram

profundamente o ideário pedagógico por um pensamento médico, visto terem essa

formação. (Bossa, 2000)

Posteriormente, por meio dos trabalhos de Binet e Simon, vivemos a era da

psicometria. Binet, em 1904, na França, criou os primeiros testes de inteligência.

A partir daí o fracasso escolar foi associado ao déficit intelectual, ou seja, um

baixo QI, de forma que “boa aprendizagem e inteligência formavam um binômio

muito firme, e qualquer fracasso se relacionava automaticamente, com debilidade

mental.” (Ocampo, 1994, p.397)

Não tenho dúvida de que a capacidade intelectual que uma criança evidencia

diante de um teste pode ser apenas uma parte de seu real potencial. Como aponta

Souza (1995), é possível que sérios conflitos bloqueiem as possibilidades de usá-lo.

O ambiente, a relação com o professor e a segurança, são fatores que

influenciam diante de uma avaliação.

Geralmente, alunos com dificuldades de aprendizagem, são encaminhados

para o Serviço de Orientação Educacional da escola, onde serão avaliados por

alguém com quem não tem muita intimidade, e posteriormente, encaminhados a

outros profissionais que lhes são mais estranhos ainda. Tais fatos precisam ser

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levados em consideração, já que a criança pode ser tímida, ter dificuldades de

linguagem e não conseguir se expressar, ou até mesmo, sentir-se envergonhada por

não conseguir se fazer entender.

Patto (1996) em “A produção do fracasso escolar: história de submissão e

rebeldia”, afirma que o fracasso escolar se realiza no cotidiano da escola e é

resultado de um sistema educacional congenitamente gerador de obstáculos à

realização dos seus objetivos.

O autor afirma que: “É nas tramas do fazer e do viver o pedagógico

cotidianamente nas escolas, que se pode perceber as reais razões do fracasso

escolar das crianças, advindas de meios socioculturais mais pobres.”

Com a realização da pesquisa bibliográfica, percebi alguns aspectos com os

quais concordo influenciam na aprendizagem das crianças, porém, o que realmente

me incomoda é o alto índice de reprovação nas classes de alfabetização de crianças

de baixa renda.

Sabemos que a inteligência não depende da classe social e sim dos

estímulos que o indivíduo recebe. Dizer que não vivem num ambiente letrado, não

justifica, pois geralmente catam jornais, caixas de papelão com identificação do

produto e revistas de cosméticos como Avon, Natura, Hermes.

Embora os alunos pertencentes a classes populares, estejam rodeados de

materiais escritos (jornais sensacionalistas ou de igrejas, revistas e encartes de

produtos como Avon, Natura, etc), que encontram em seu meio familiar, ou ainda

nas lixeiras da cidade, não demonstram interesse pela leitura e pela escrita, talvez

por esse tipo de material apresentar muitas figuras coloridas, de produtos com

valores fora do alcance e, portanto, do cotidiano, desses leitores e ainda contendo

pouca escrita. De modo que, ao folhar rapidamente pode-se perceber o produto e o

preço, sem precisar deter-se ao que se destina tal produto.

De outro ponto de vista, pode-se questionar o tempo que essas crianças

dispõem para a leitura, se em um turno estão na escola e no outro, coletando,

selecionando o lixo, para venda nos galpões de reciclagem.

Nem toda criança pobre é catadora ou mesmo filha de catador de lixo, mas a

grande maioria passa o dia distante dos pais, da família, ficando aos cuidados de

vizinhos, irmãos mais velhos ou creches públicas ou comunitárias e, ao retornar para

casa á noite, os pais estão cansados, tendo que atender os serviços da casa e não

dispõe de tempo para ler para si mesmo ou para os filhos.

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Penso que essa falta do hábito da leitura por parte dos adultos, o não

presenciamento de ver outras pessoas lendo em seu cotidiano, é que faz com que

as crianças pobres, ou de classes menos favorecidas, percebam o valor funcional da

leitura.

Sendo assim, cabe à escola, não somente transmitir conteúdos curriculares e

conhecimentos básicos. Outros saberes e habilidades são também nela buscados,

que vão desde o “aprender a ler e escrever, fazer contas e se comunicar”, até o

“aprender muito”, porque o que a escola ensina representa a base para toda a vida.

Ou, ao menos deveria.

Nesse sentido, afirma Ferreiro (1990):O meio provê às crianças de classe média uma escrita estabilizada antes de entrarem na escola. Esta escrita é a do nome próprio. A maioria das crianças de classe média sabe reproduzir a série de letras que compõem o seu nome antes dos seis anos(algumas delas ainda antes). Para as outras, as de classe baixa, a escrita convencional do nome próprio, é uma aquisição escolar. (p 151)

Outro fator muito citado é a aquisição da linguagem, o uso da linguagem por

estas crianças; mas se analisarmos as brincadeiras, o espaço físico(a rua) e o

número de irmos e parentes que convivem, comparados à crianças de outros grupos

sociais, que vivem em apartamentos, com família menos numerosa, concluiremos

que as crianças de baixa renda, comunicam-se muito mais, ou pelo menos, tem

mais oportunidades de comunicação.

Penso que a diferença está no nível do vocabulário utilizado, na baixa estima

dessas crianças, na falta de perspectiva de um futuro melhor, mais justo e de

igualdade social.

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2 CONCEITUANDO ALFABETIZAÇÃO

Historicamente, o conceito de alfabetização se identificou ao ensino-

aprendizado da “tecnologia da escrita”, quer dizer, do sistema alfabético de escrita,

o que em linhas gerais, significa na leitura, a capacidade de decodificar os sons da

fala, transformando-o em sinais gráficos.

A partir da década de 80, o conceito de alfabetização foi ampliado com as

contribuições dos estudos sobre a psicogênese da língua escrita, particularmente

com os trabalhos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky.

De acordo com esses estudos, o aprendizado do sistema de escrita, não se

reduziria ao domínio de correspondências entre grafemas e fonemas (codificação e

decodificação), mas se caracterizaria como um processo ativo por meio do qual a

criança, desde seus primeiros contatos com a escrita, construiria hipóteses sobre a

natureza e o funcionamento da língua escrita, compreendida como um sistema de

representação.

Progressivamente, o termo passou a designar o processo ao apenas de

ensinar e aprender as habilidades de codificação e decodificação, mas também o

domínio dos conhecimentos que permitem o uso dessas habilidades nas condições

sociais da leitura e da escrita.

É diante dessas novas exigências que surge uma nova adjetivação para o

termo alfabetização funcional, criada com a finalidade de incorporara as habilidades

de uso da leitura e da escrita em situações sociais e, posteriormente, a palavra

letramento.

Com o surgimento dos termos letramento e alfabetização (ou alfabetismo

funcional), muitos pesquisadores passaram a utilizar o termo alfabetização em seu

sentido restrito, para designar o aprendizado inicial da leitura e da escrita, da

natureza e do funcionamento do sistema da escrita. Passaram,

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correspondentemente, a reservar os termos letramento ou, em alguns casos,

alfabetismo funcional para designar os usos (e as competências de uso) da língua

escrita. Outros pesquisadores tendem a preferir utilizar apenas o termo

alfabetização para significar tanto o domínio do sistema de escrita, quanto o uso da

língua escrita em práticas sociais. Nesse caso, quando sentem necessidade de

estabelecer distinções, tendem a utilizar as expressões “aprendizado do sistema de

escrita” e “aprendizado da linguagem escrita”.

A palavra letramento surgiu no discurso de especialistas das Ciências

Lingüísticas e da Educação, na segunda metade da década de 80, como uma

tradução da palavra inglesa “literacy”. Sua tradução se faz na busca de ampliar o

conceito de alfabetização, chamando atenção não apenas para o domínio da

tecnologia do ler e do escrever (codificar e decodificar), mas também para o uso

dessas habilidades em práticas sociais em que ler e escrever são necessários.

Implícita nesse conceito está a idéia de que o domínio e o uso da língua

escrita trazem conseqüências sociais, culturais, políticas, econômicas, cognitivas,

lingüísticas, quer para o grupo social em que seja introduzido, quer para o indivíduo

que aprenda a usá-la.

Letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e a

escrever, bem como o resultado da ação de usar essas habilidades em práticas

sociais, é o estado, ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo, como

conseqüência de ter-se inserido num mundo organizado diferente: a cultura escrita.

Como são muito variados os usos sociais da escrita e as competências a eles

associadas (de ler um bilhete simples a escrever um romance), é freqüente levar em

consideração níveis de letramento (dos mais elementares aos mais complexos).

Tendo em vista as diferentes funções (para distrair-se, para informar-se ou

posicionar-se, por exemplo) e as formas pelas quais as pessoas têm acesso à

língua escrita – com ampla autonomia, com ajuda do professor ou da professora, ou

mesmo por meio e alguém que escreve, por exemplo, cartas citadas por analfabetos

– a literatura a respeito assume ainda, a existência de tipos de letramento ou de

letramentos, no plural.

A língua é um sistema que se estrutura no uso e para o uso, escrito e falado,

sempre contextualizado.

No entanto, a condição básica para o uso escrito da língua, que é a

apropriação do sistema alfabético, envolve, da parte dos alunos, aprendizados

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muito específicos, independentes do contexto de uso,relativos aos componentes do

sistema da língua e as suas inter-relações.

Exemplificando e explicando: as relações entre consoantes e vogais, na fala

e na escrita, permanecem as mesmas, independente do gênero textual em que

aparecem e da esfera social em que circule; numa piada ou nos autos de um

processo jurídico, as consoantes e vogais são as mesmas e se inter-relacionam de

acordo com as mesmas regras.

Entende-se alfabetização como o processo específico e indispensável de

apropriação do sistema de escrita, a conquista dos princípios alfabético e ortográfico

que possibilita ao aluno ler e escrever com autonomia.

Tradicionalmente, a alfabetização inicial é considerada em função da relação

entre o método utilizado e o estado de “maturidade” ou de “prontidão” da criança.

Os dois pólos do processo de aprendizagem (quem ensina e quem aprende) têm

sido caracterizados sem que se leve em conta o terceiro elemento da relação: a

natureza do objeto de conhecimento que envolve essa aprendizagem.

A escrita pode ser concebida de muitas formas diferentes, e conforme o

modo de considerá-la, as conseqüências pedagógicas mudam drasticamente.

A escrita pode ser considerada como uma representação da linguagem, ou

como um código de transcrição gráfica das unidades sonoras.

A invenção da escrita foi um processo histórico de construção de um sistema

de representação, não como um processo de codificação. Uma vez construído,

poder-se-ia pensar que o sistema de representação é aprendido pelos novos

usuários como um sistema de codificação.

Entretanto, não é assim. No caso dos dois sistemas envolvidos no início da

escolarização (o sistema de representação dos números e o sistema de

representação da linguagem), as dificuldades que as crianças enfrentam são

dificuldades conceituais semelhantes da construção do sistema, e por isso pode-se

dizer em ambos os casos, que a criança reinventa sistemas. Bem entendido: não se

trata de que as crianças reinventem as letras, nem os números, mas que, para

poderem servir desses elementos como elementos de um sistema, devem

compreender seu processo de construção e suas regras de produção, o que coloca

o problema epistemológico fundamental: qual é a natureza da relação entre o real e

a sua representação?

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A escrita não é um produto escolar, mas sim o objetivo cultural. O escrito

aparece apenas para a criança em inúmeras amostras de inscrições e nos mais

variados contextos, por isso algumas crianças descobrem os princípios

fundamentais da escrita, antes mesmo de ingressarem na escola.

Sendo assim, uma pessoa pode ser considerada analfabeta por não codificar

e decodificar os códigos da língua escrita, mas possuir um amplo vocabulário e uma

leitura dinâmica e rica do meio em que vive, do seu contexto familiar, de textos do

seu interesse.

Uma das explicações dadas para o fracasso na alfabetização no Brasil é de

que a democratização do acesso à escola, ocorrida a partir dos anos 70, levou a

instituição a lidar com crianças que teriam, em razão de suas condições de vida,

sérias deficiências culturais e lingüísticas, que acarretam dificuldades de

aprendizagem. Além disso, sua linguagem oral seria muito distante da linguagem

escrita e, em seu ambiente familiar, elas não teriam oportunidades de vivenciar os

usos da escrita e nem de conviver com pessoas que valorizassem esse tipo de

aprendizado.

No entanto, diferentes estudos mostram que, ao contrário do que geralmente

se afirma, essas crianças possuem um adequado desenvolvimento cultural e

lingüístico, e que é a escola que apresenta sérias dificuldades para lidar com a

diversidade cultural, lingüística e mesmo étnica, da população brasileira.

Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais:Para cumprir bem a função de ensinar a escrita e a língua padrão, a escola precisa livrar-se de vários mitos: o de que existe uma forma “correta de falar”,o de que a fala de uma região é melhor que a de outras, o de que a fala “correta” é a que se aproxima da língua escrita, o de que o brasileiro fala mal o português, o de que o português é uma língua difícil, o de que é preciso “consertar” a fala do aluno para evitar que ele escreva errado. Essas crenças insustentáveis produziram uma prática de mutilação cultural. (p 31)

O português, como todas as línguas humanas, varia de acordo com as

características dos diversos grupos de falantes e com diferentes situações de uso.

Podemos perceber com facilidade como difere o modo de falar de uma região para

outra, ou como as pessoas mais escolarizadas falam de forma diferente das que

pouco freqüentaram a escola, ou como os jovens falam diferente dos adultos e dos

velhos. Além disso, uma pessoa pode mudar seu estilo de falar de acordo com as

circunstâncias, como o meio social em que está inserido. Não falamos em nosso

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ambiente de trabalho, ou diante de uma autoridade nacional, da mesma maneira que

falamos em nossa casa, com nossa família ou amigos.

Essa diversidade do uso da língua é chamada de “variação lingüística”, e

cada um dos modos peculiares de falar é chamado “variedade”.

Na verdade, a escola é a instituição socialmente encarregada de possibilitar a

todos os cidadãos o domínio da variedade padrão escrita da língua para as práticas

de leitura e de produção de textos.

Apenas recentemente a Lingüística e a Pedagogia reconheceram a língua

falada, de importância fundamental na vida cotidiana dos cidadãos, como objeto

legítimo de estudo e atenção. Somente há pouco tempo, passou a integrar as

responsabilidades da escola: o desenvolvimento da linguagem oral dos alunos.

Sabemos que existem em nossa sociedade, usos diversificados da língua

Portuguesa. Porém, é justo e necessário respeitar esses usos e os cidadãos que os

adotam, sobretudo quando tratam-se de crianças, ingressando na escola.

Assim, os alunos falantes de variedades lingüísticas, diferentes da “língua

padrão”, têm o direito de dominar essa variedade, que é a esperada, mais aceita e

valorizada em nossa sociedade. Entretanto, também lhes é de direito o

reconhecimento de que seu modo de falar, aprendido com a família e a comunidade,

é tão legítimo quanto qualquer outro e, portanto, não pode ser discriminado.

Nesse sentido, coloca Castilho, com muita propriedade:[...]os recortes lingüísticos devem ilustrar as variedades socioculturais da Língua Portuguesa, sem discriminações contra a fala vernácula do aluno, isto é, de sua fala familiar. A escola é o primeiro contato do cidadão com o Estado, e seria bom que ela não se assemelhasse a um “bicho estranho”, a um lugar onde se cuida de coisas fora da realidade cotidiana. Com o tempo, o aluno entenderá que para cada situação se requer uma variedade lingüística, e será assim iniciado no padrão culto, caso já não o tenha trazido de casa. (1998, p 165)

Penso que conhecer a realidade do aluno quanto à classe social a que

pertence, sua convivência familiar, seus contatos com a língua escrita e falada, suas

oportunidades de expressar-se oralmente em sua casa e comunidade, devem ser o

ponto de partida para adequar-se a prática pedagógica às crianças que na escola

estão inseridas; e não como vem sendo feito, usar esse conhecimento como álibi,

para isentar a escola de seu papel na produção do fracasso escolar.

Os alunos das classes desfavorecidas não possuem um amplo e rico

vocabulário, porém comunicam-se com facilidade, entendendo e fazendo-se

entender com esta linguagem simples e não formal. Geralmente, esses alunos são

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filhos de operários, donas de casas e trabalhadores ambulantes, que pouco ou

nunca freqüentaram a escola. Também não tornaram-se cultos através de leituras,

por não serem alfabetizados ou por terem tido uma alfabetização que não lhes

permite o entendimento de um texto literário ou mais complexo.

Faz-se necessário, então, que a escola oportunize a esse aluno, momentos

que desenvolvam a oralidade. Que podem dar-se através de discussões abertas em

sala de aula, falando de modo a serem entendidos, respeitando os colegas e

professores e sendo por eles respeitado; dar respostas, participar da organização da

rotina diária e das decisões coletivas sobre assuntos do interesse comum;

participação nas “rodinhas” e em outros eventos que privilegiem a expressão oral.

Dessa forma, o aluno terá oportunidade de expressar-se e de ampliar e

enriquecer seu vocabulário, enquanto escuta outros colegas ou mesmo a

professora.

Formar cidadãos aptos a participar plenamente da sociedade em que vivem

começa por facilitar-lhes a participação na sala de aula desde os primeiros dias na

escola. Mas inclui também contribuir para que eles possam desenvolver e adquirir

formas de participação adequadas aos espaços sociais públicos.

A sala de aula é um espaço público, que possui regras de convivência para

as participações orais, assim como nas igrejas, no sindicato, no escritório, etc.

É importante incentivar os pequenos a participar na convivência social, para

que percebam a variedade lingüística, de acordo com a ocasião e ambiente, e para

possibilitar a todos a plena integração na sociedade.

Bagno definiu dez cisões para reflexão quanto ao preconceito lingüístico. No

décimo cisão afirma:Ensinar bem e ensinar para o bem. Ensinar para o bem significa respeitar o conhecimento intuitivo do aluno, valorizar o que ele já sabe do mundo, da vida, reconhecer na língua que ele fala a sua própria identidade como ser humano. Ensinar para o bem é acrescentar e não suprimir, é elevar e não rebaixar a auto-estima do indivíduo. Somente assim, no início de cada ano letivo, este indivíduo poderá comemorar a volta ás aulas, em vez de lamentar a volta às aulas! (2003, p 193)

Além do vocabulário simples, a baixa estima dos alunos das classes

desfavorecidas, também influencia em sua aprendizagem, principalmente nas séries

iniciai, onde ocorre, ou deveria ocorrer, a alfabetização.

Nossa sociedade não admite o fracasso escolar e nem familiar, portanto,

quando o aluno não vai bem, o fracasso é atribuído a ele, que passa a ser um aluno

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problema. Com esse rótulo, sente-se excluído e pode passar a comportar-se mal,

perder o interesse pelos estudos, achando-se indisciplinado, “burro”, malandro e

fracassado. A família, muitas vezes, não percebe que a criança precisa de ajuda, de

estímulo e acaba reforçando os rótulos adquiridos na escola. Sendo os pais também

rotulados pelos demais familiares de “educadores fracassados”.

Toda criança, principalmente na primeira infância (dos zero aos seis anos),

tenta corresponder às expectativas das pessoas que lhe são mais próximas e

importantes e isso ocorre mais comumente com relação aos pais (Serafini, 1996).

Não correspondendo às expectativas da família, a criança, em especial a criança

carente, sente-se envergonhada, constrangida, e pode tornar-se insegura diante de

um próximo desafio.

Os alunos provenientes dessas famílias, dificilmente são incentivados a

continuarem seus estudos, diante de qualquer fracasso. Principalmente se esse

aluno for adolescente, pois se não estiver estudando, poderá trabalhar e assim

contribuir com o pagamento das despesas da família. Se no ambiente familiar sua

auto-estima não vem sendo desenvolvida, a escola precisa desempenhar esse

papel.

Os profissionais que mantém contato com essa criança em outro ambiente,

devem estabelecer relações que favoreçam sua auto-estima. Fazer com que sintam-

se capazes, muni-las de estímulos positivos que as façam continuar buscando

caminhos para o seu desenvolvimento.

Segundo Grinspun, “[...] independente da classe social a que pertencem os

alunos, os problemas de aprendizagem no campo físico, psicológico e social podem

ocorrer, causadas por dificuldades na afetividade, segurança e auto-afirmação”

(1998, p. 52).

Somos seres capazes de nos modificarmos na nossa relação com o outro. É

no contexto dessas relações que se estabelecem entre as pessoas, que se formam

e transformam nossas ações. Assim, uma dificuldade pode ser superada mais ou

menos tarde. Porém é preciso identificar onde e em que se encontra a dificuldade e

quais mudanças se fazem necessárias no sentido de superá-las. Se essas

mudanças forem inúmeras, que bom, assim os alunos sobrevivem ás relações que

não vinham sendo positivas na construção de seu desenvolvimento.

Através de estudos realizados sobre o fracasso escolar, formularam-se três

conceitos sobre essa problemática: o fracasso dos indivíduos (Poppovic, Exposito &

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Campos, 1975), o fracasso de classe social (Lewis, 1967; Hoggart, 1957) ou o

fracasso de um sistema social, econômico e político (Freitag, 1979; Porto, 1981).

Ao analisarmos estes conceitos, percebemos que todos se referem à

sociedade e suas classes menos favorecidas, que sofrem as conseqüências por não

adaptar-se aos padrões da sociedade, que se baseia em algumas idéias do mundo

Ocidental, como individualismo, constitucionalismo, direitos humanos, igualdade,

liberdade, democracia, livre mercado, além da competitividade do capitalismo. Todas

essas idéias acabam por ser “universalizadas” através da escola. Deste modo, a

escola consiste em gerar o fracasso escolar, já que o sucesso escolar não é para

todos. Valores como direitos humanos, igualdade, democracia na escola, por não

tratar ou não saber tratar seus usuários com igualdade, fracassa nos seus objetivos.

O fracasso escolar diz respeito a de que forma a comunidade escolar se

constitui e se relaciona entre si, com a sociedade mais ampla e com o Estado. Ou

seja, diz respeito às relações de poder entre os grupos sociais.

No que se refere à abordagem sociopolítica dos problemas de aprendizagem

escolar, podemos verificar que está implícita em boa parte das teorias explicativas

mais atuais acerca do fracasso escolar.

Patto (1996) afirma que o processo social de produção do fracasso escolar se

realiza no cotidiano da escola e é o resultado de um sistema congenitamente

gerador de obstáculos à realização dos seus objetivos.

Nesse sentido, o autor afirma ainda que “é nas tramas do fazer pedagógico,

cotidianamente nas escolas, que se pode perceber as reais razões do fracasso

escolar das crianças advindas de meios socioculturais mais pobres” (p.168).

Diante da desigualdade social presente em nossas escolas públicas, não há

preocupação visível com os menos favorecidos. As práticas pedagógicas são

elaboradas para atender a maioria, os que aprendem, que não apresentam

dificuldades.

Em conseqüência, vão se acumulando reprovações, desmotivações e evasão

escolar. Porque os que evadem, são os que reprovam inúmeras vezes, e acabam

ficando fora da faixa etária, para a série em que se encontram matriculados. E isto é

constrangedor: os interesses não são os mesmos, as propostas pedagógicas são

para a maioria de alunos, cuja faixa etária condiz com a série.

É a soma de todos esses obstáculos que desestimula o aluno pobre a seguir

seus estudos, a criar expectativas de um futuro melhor, de ser melhor do que seus

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pais, de poder oferecer aos seus filhos melhores oportunidades de moradia,

escolaridade e vivência social.

Não podemos afirmar que os alunos pobres não têm vontade de estudar, ou

que as famílias desfavorecidas não valorizam a escola. A escola é que muitas vezes

não está sabendo lidar com as diferenças existentes em seu cotidiano.

Ao contrário do que possamos pensar, as famílias desfavorecidas

reconhecem a importância da escola para um futuro melhor, desejam que seus filhos

estudem “para ser alguém na vida”, “ter um bom emprego”, “ganhar um bom salário”,

“aprender a ler e escrever”.

Porém, a reprovação e as consecutivas vezes de insucesso, desmotivam

também os pais, que acabam rotulando os filhos como fracassados e acomodando-

se com a situação.

O problema de crianças que fracassam na escola, não acontece apenas em

uma escola, e também não é um problema que surgiu somente na sociedade atual.

Ao contrário, esse é um problema cuja história se inicia com a própria história da

escolarização pública.

Observemos, por exemplo, as expressões que ao longo dos anos, foram

sendo atribuídas aos alunos que, por diferentes motivos, não obtêm sucesso nos

seus primeiros anos de escolarização:[...] débil, deficiente mental educável, anti-intelectual, criança com desvio de conduta, criança limitada, criança com repertório comportamental limitado, criança com distúrbio de aprendizagem, carente lingüístico, carente cultural, criança com pobreza vocabular, com atraso de maturação, com distúrbio psicomotor, com problemas de socialização, hiperativa, portadoras de necessidades especiais [...]. (Grifo, 1996, p 193)

Desta forma, a escola, embora frustrada pelos resultados negativos das

crianças dessas classes, não chega a se alterar basicamente, na medida em que a

culpa do fracasso é atribuída à própria criança.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

“O aprendizado pressupõe uma natureza social e específica de um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que a

cercam.” (Vigotsky, 1994, p. 99)

Através das leituras que realizei, e dos autores que busquei para embasar e

auxiliar o meu trabalho de pesquisa, percebi que se faz necessário avançar nos

estudos sobre o sintoma “fracasso escolar na alfabetização”, com base em várias

perspectivas: o sofrimento que causa à criança, os prejuízos que representam para

o país, a necessidade de rever a teoria e a prática psicanalítica, diante da natureza

desse sintoma, enfim, a necessidade de repensá-lo.

De acordo com a pesquisa, temos disponíveis diversas possibilidades

explicativas para o fracasso escolar e as dificuldades que surgem no processo de

ensino-aprendizagem. Entre os quais podemos citar a pobreza, o déficit lingüístico, a

estrutura familiar e a baixa estima.

Responsabilizar os alunos e as famílias pelo fracasso escolar, faz com que o

educador deixe de analisar o papel da escola e as possibilidades que ele tem de

atuar como membro de uma instituição pública, que precisa relacionar-se com o

sistema para funcionar com eficiência.

A existência de diversas possibilidades explicativas para o fracasso escolar

indica a necessidade de sermos cautelosos ao “diagnosticar” as “dificuldades” e os

“problemas” apresentados pelos alunos, pois não existe uma única explicação para

todos os casos, cada caso tem sua história e é necessário intervir, analisando as

conseqüências que essa intervenção acarretará na vida deste aluno.

Sabemos que o sistema escolar está hoje concebido de tal forma que se

pratica, implicitamente, a seletividade social. As crianças das classes populares, que

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vem para a escola com menor conhecimento da norma padrão e com menos

oportunidades anteriores de se desenvolver em diversos usos da leitura e da escrita,

não encontram na escola atividades que lhes possam proporcionar esse

conhecimento. Em conseqüência, fracassam em proporções muito maiores na

alfabetização do que aquelas crianças que já dominam o dialeto mais próximo da

norma padrão e já tiveram oportunidades de encontrar a leitura e a escrita

significativamente.

No entanto, esse desconhecimento de alguns aspectos da língua não pode,

de forma alguma, ser interpretado como uma dificuldade de aprendizagem.

De acordo com as leituras realizadas, foi-me possível constatar que os

considerados fracassos são situados em um mera posição de objeto do

conhecimento, marcados por um processo que, embora oscile entre oferecer como

explicação causal do fracasso escolar uma disfunção neurológica ou cognitiva, ora

um transtorno afetivo, ora problemas lingüísticos, não hesitam em apontar o aluno

como sujeito deficitário.

A pesquisa sobre o conceito de alfabetização e letramento teve como objetivo

contribuir para uma melhor compreensão dos aspectos que envolvem a

alfabetização das crianças de classes populares em nosso país.

Quando uma criança entra na escola, tem como tarefa aprender a ler e a

escrever, e é esta sem dúvida, a expectativa maior dos pais e professores.

A leitura e a escrita são habilidades que exigem da criança atenção a

aspectos da linguagem aos quais não necessitava dar importância até então.

Ao aprender a ler, a criança deve concentrar-se no fato de que a linguagem

falada consiste de palavras e sentenças separadas.

Ao acreditar que a criança é incapaz, o professor provoca nela uma

adaptação às baixas expectativas. Feito isso, o aluno realmente não aprende.

Para que todos tenham a mesma oportunidade de desenvolver-se na escola,

é essencial refletir sobre a postura diante da turma. Depois, estar convicto de que

todos são capazes.

Desta forma, não só combate-se o fracasso escolar, mas evita-se que

talentos sejam desperdiçados.

Diante dessa reflexão, penso que para o aluno que está iniciando sua

trajetória escolar, cheio de expectativas, iniciar com o fracasso é muito frustrante.

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Porque a criança desta faixa etária, independente da posição social ou econômica,

alimenta suas fantasias, seu encanto e seu imaginário infantil.

Nesse momento, cabe aos educadores (família-escola), estimular e

oportunizar situações de aprendizagem contextualizadas, levando em conta os

saberes de seus educandos, numa constante troca, em que ambos aprendam.

Uma das conclusões a que se chega diante do estado de coisas vigentes no

campo da alfabetização, é que ainda não conhecemos a criança brasileira;

ignoramos o que ela sabe e conhece, suas capacidades e habilidades, e

continuamos a adiar a implantação de um projeto político com as classes populares

e com reformulação das visões ideológicas que organizam a vida cotidiana da

escola e de sua prática.

Ainda estamos protegidos pelo discurso ideológico sobre as supostas

defasagens cognitivas das crianças pobres, as supostas diferenças de socialização

e inadequação da escola para recebê-las, por serem possuidoras de pretensos

ritmos diferentes, de uma linguagem que ninguém entenderia e de comportamentos

desadaptados às exigências escolares.

É preciso promover a formação integral do aluno, como sujeito que pensa,

que observa, que atua, que constrói sua história, que se constitui de experiências e

saberes, independente das suas capacidades serem mais ou menos desenvolvidas,

pois as crianças mostram-nos a todo momento como aprendem, quando aprendem

e com quem aprendem; e, na maioria das vezes, não damos a devida importância a

esses fatos fundamentais do cotidiano da sala de aula.

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REFERÊNCIAS

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PRÓ-LETRAMENTO: Programa de formação continuada de professores dos anos/séries iniciais do Ensino Fundamental: alfabetização e linguagem – ed.rev. e ampl. Incluindo SAEB/ Prova Brasil matriz de referência/ Secretaria de educação Básica – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007.

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