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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES CURSO DE HISTÓRIA FRANCIANE MONARA DA SILVA SOARES A IMAGEM TAMBÉM ENSINA: um retrato da economia colonial brasileira através das imagens de Frans Post. Natal 2014

FRANCIANE MONARA DA SILVA SOARES A IMAGEM … · dor de cabeça após não encontrar algum livro muito importante para o trabalho. RESUMO ... 1.1 O trabalho negro na economia colonial

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Page 1: FRANCIANE MONARA DA SILVA SOARES A IMAGEM … · dor de cabeça após não encontrar algum livro muito importante para o trabalho. RESUMO ... 1.1 O trabalho negro na economia colonial

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

CURSO DE HISTÓRIA

FRANCIANE MONARA DA SILVA SOARES

A IMAGEM TAMBÉM ENSINA: um retrato da economia

colonial brasileira através das imagens de Frans Post.

Natal

2014

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FRANCIANE MONARA DA SILVA SOARES

A IMAGEM TAMBÉM ENSINA: um retrato da economia

colonial brasileira através das imagens de Frans Post.

Monografia apresentada à disciplina

Pesquisa Histórica II do curso de História da

Universidade Federal do Rio Grande do

Norte, sob orientação da Prof. Drª. Maria da

Conceição Guilherme Coelho.

Natal

2014

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UFRN. Biblioteca Central Zila Mamede.

Catalogação da Publicação na Fonte.

Soares, Franciane Monara da Silva.

A imagem também ensina: um retrato da economia colonial brasileira através das imagens

de Frans Post. / Franciane Monara da Silva Soares. – Natal, RN, 2014.

86 f.

Orientadora: Profª. Drª. Maria da Conceição Guilherme Coelho.

Monografia (Graduação) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências

Humanas, Letras e Artes. Programa de Graduação em História.

1. Iconografia – Educação - Monografia. 2. Economia colonial – Monografia. 3. Domínio holandês –

Monografia. 4. Imagem – Monografia. I. Coelho, Maria da Conceição Guilherme. II. Universidade

Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/BCZM CDU 7.04:37

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FRANCIANE MONARA DA SILVA SOARES

A IMAGEM TAMBÉM ENSINA: um retrato da economia

colonial brasileira através das imagens de Frans Post.

Monografia apresentada à disciplina

Pesquisa Histórica II do curso de História da

Universidade Federal do Rio Grande do

Norte, sob orientação da Prof. Drª. Maria da

Conceição Guilherme Coelho.

Trabalho apresentado e aprovado pelo docente responsável em ___/ ___/

___

BANCA EXAMINADORA

Profª. Drª. Maria da Conceição Guilherme Coelho

Profª. Drª. Maria Emília Monteiro Porto

____________________________________________________________

____Profª. Esp. Francisca Aurinete Girão Barreto da Silva

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A Deus, a meus pais, a Kawasaki e meus alunos

dedico as primícias do meu trabalho.

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AGRADECIMENTOS

A elaboração de um trabalho como esse não é fácil, demanda bastante tempo e

requer ajuda de algumas pessoas que se fazem importantes e especiais na caminhada.

São essas pessoas que não poderia deixar de mencionar nesse momento.

Primeiramente agradeço à Deus, meu criador e detentor de todo conhecimento.

Sem Ele sequer eu existiria, não teria chegado até aqui. É ele quem me dá todo

conhecimento, toda capacidade e força para superar dificuldades, barreiras e obstáculos

que surgem no caminho. À Ele meu muitíssimo obrigada.

Aos meus pais, que usados por Deus me deram a vida e fizeram todo o possível

para que eu chegasse nesse estágio da minha vida. Sempre acreditaram em mim e me

deram a melhor educação que podiam ter dado. Sempre preocupados comigo e as horas

de sono perdidas em decorrência da elaboração dessa monografia. Suas frases “Monara,

vai dormir!”, “Ainda não terminou com esses livros?” e “Quer um cafezinho para

despertar?” eu jamais esquecerei.

Ao meu amado, Kawasaki, que tanto me apoiou nessa reta final. Acordava-me

para estudar quando eu tirava um cochilo à noite por não aguentar o sono. Por diversas

vezes levou-me até a universidade para pegar livros ou devolver livros na biblioteca, já

que eram muitos livros e ficava muito pesado para eu carregar. Pela sua compreensão

em entender que eu precisava de mais tempo para ler, estudar e escrever esse trabalho. E

por seu amor e confiança no meu potencial.

À minha orientadora, Conceição Guilherme, por toda a paciência com a minha

pessoa e por ter aceitado essa tarefa de orientar-me nessa empreitada. Por todos os

conselhos e também confiança de que eu conseguiria.

Aos amigos que estiveram ao meu lado e muito ajudaram na elaboração desse

trabalho: Jerly, Almir, Andrielly, Batuta, Gustavo, Raully e Éllon, os quais se

dispuseram a fazer empréstimos de livros para mim, já que eu não podia pegar todos os

que precisava, inclusive no CERES de Caicó com Éllon; Emily, Deyse, Samille,

Andressa e Emília que tanto ouviram os meus dramas e impaciências com a monografia,

com a carga enorme de leitura que precisava ser feita e com os livros que não conseguia

encontrar; Cosme que me deu carona até a universidade quando precisei ir aos

encontros com a orientadora. Obrigada por cada detalhe.

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Não poderia de mencionar meus queridos alunos do Instituto Sagrada Família

que foram de fundamental importância me motivando e apoiando com suas mensagens

de superação e incentivo, alguns se destacando como Izadora, Milena e Pedro. Muito

obrigada por todo o apoio e palavras de carinho nessa fase tão importante.

Houve algumas pessoas que foram de extrema importância nessa reta final, pois

“emprestaram” seus emails para “guardar” cópias de tudo que eu escrevia, para que,

dessa forma, eu tivesse a garantia de que nada seria perdido. Meu amado, Kawasaki,

meu pai, Marcos, meus amigos, Emily, Deyse, Gabriel, Rudá, Samille, Andressa,

Samantha e, claro, minha orientadora, Conceição. Vocês foram meus anjos salvadores.

Aos copistas da universidade, que tantas vezes me ajudaram e fizeram minhas

cópias bem rapidamente e no mesmo dia, quando só eram possível entregar no dia

seguinte, devido eu estar com muita pressa e só poder ir à universidade naquele dia.

Ainda na categoria “pessoas” agradeço aos professores que aceitaram compor

minha banca de defesa de monografia. E todos os amigos que separaram um pouquinho

do seu tempo para assisti-la.

Agora parto para outra categoria de agradecimentos: os espaços físicos.

Primeiramente agradeço á Universidade Federal do Rio Grande do Norte por todo o

conhecimento que, através dos docentes, me foi adquirido e por todas as amizades feitas

ao longo do curso, as quais sem elas não teria conseguido a realização dessa

monografia. Á Biblioteca Central Zila Mamede por cada livro emprestado e por toda a

dor de cabeça após não encontrar algum livro muito importante para o trabalho.

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RESUMO

O presente trabalho trata do estudo da História colonial brasileira a partir da arte de

Frans Post, artista que chegou no Brasil quando ocorreu a invasão holandesa. Através de

suas anotações e observações acerca do território brasileiro constituiu um dos maiores

acervos iconográficos que retratam a temática da colonização brasileira,

especificamente do período da invasão holandesa e da economia açucareira, sendo suas

obras de fundamental importância para um levantamento historiográfico e recurso

didático e, assim lanço os seguintes questionamentos: De que forma os alunos da

Educação Básica aprendem História por meio da utilização de imagens? Quais aspectos

podem ser mais aprofundados sobre a colonização e a economia colonial a partir das

obras de Frans Post? E como essas imagens interferem no aprendizado dos alunos? Esse

texto tem o objetivo de abordar aspectos da economia colonial brasileira, analisando o

perfil das imagens de do artista flamengo com base nesses aspectos; analisar a nova

visão do Brasil a partir da invasão e dominação holandesa, retratando a chegada dos

artistas e a contribuição de Post na formação do imaginário brasileiro na Europa;

retratar a imagem enquanto recurso didático e entender como ela pode ser um facilitador

do processo ensino-aprendizagem na aula de História.

Palavras-chaves: economia colonial, domínio holandês, imagem, iconografia.

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ABSTRACT

The present work deals with the study of Brazilian colonial history from the art of Frans

Post, artist who arrived in Brazil when the Dutch invasion occurred. Through his

observations about the Brazilian territory constituted a major iconographic collections

that depict the theme of Brazilian colonization, specifically the period of Dutch invasion

and the sugar economy, and their works of fundamental importance to a

historiographical survey and teaching resource and so throw the following questions:

how do the Basic Education students learn history through the use of images? What

aspects can be more thorough about colonization and the colonial economy from the

works of Frans Post? And how these images affect on student learning? This text aims

to address aspects of the Brazilian colonial economy, analyzing the profile of the images

of the Flemish artist based on these aspects; analyze the new vision of Brazil from the

Dutch invasion and domination, depicting the arrival of the artists and the contribution

of the formation of the Brazilian Post imaginary in Europe; portray the image as a

teaching resource and understand how it can be a facilitator of the teaching-learning in

history class.

Keywords: colonial economy, Dutch rule, image, iconography.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Paisagem do rio São Francisco .......................................................................41

Figura 2: Rio São Francisco ..........................................................................................42

Figura 3: Vista da Sé de Olinda .....................................................................................50

Figura 4: Paisagem com pássaros ...................................................................................50

Figura 5: A vista de Itamaracá ........................................................................................51

Figura 6: A cachoeira de Paulo Afonso ..........................................................................51

Figura 7: Forte Frederik Hendrik ....................................................................................53

Figura 8: Vista da Cidade Maurícia ................................................................................54

Figura 9: Carro de bois ...................................................................................................54

Figura 10: Cidade Frederica ...........................................................................................57

Figura 11: Engenho ........................................................................................................75

Figura 12: Casa de Fazenda ............................................................................................76

Figura 13: Vila de Pernambuco ......................................................................................77

Figura 14: Vila e pessoas ................................................................................................78

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................10

1 A ECONOMIA NA AMÉRICA PORTUGUESA E O BRASIL

HOLANDÊS.........................................................................................................14

1.1 O trabalho negro na economia colonial brasileira .............................................27

1.2 A face da “Guerra do açúcar” na dominação holandesa e os feitos de

Nassau..................................................................................................................33

2 O IMAGINÁRIO DO NOVO MUNDO NAS TELAS DE FRANS POST ......40

3 A UTILIZAÇÃO DA ICONOGRAFIA COMO RECURSO DIDÁTICO ......58

CONCLUSÃO ...............................................................................................................80

REFERÊNCIAS ............................................................................................................82

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INTRODUÇÃO

Quando falamos hoje em economia colonial um dos primeiros produtos que vêm

à nossa mente é o açúcar. Não são poucos os livros em que encontramos páginas e mais

páginas falando acerca dessa economia. Contudo será que esse retrato econômico

brasileiro apenas foi mostrado a Europa por meio de relatos dos viajantes

colonizadores?

Partindo desse questionamento é que me proponho a estudar a economia colonial

do Brasil de um ângulo diversificado: o olhar europeu de Frans Post, um artista do

Velho Mundo que chega às terras brasílicas juntamente com a comitiva de Maurício de

Nassau. O interesse por esse tema surgiu a partir de aulas de História da Arte Brasileira

quando deparei-me com as obras desse artista e de conversas com minha orientadora na

tentativa de escolher um tema. Assim surgiu o pensamento de entender aspectos da

economia colonial a partir das telas de Post pintadas no período da invasão e domínio

holandês. Ajudou também o fato de eu querer pesquisar algo que pudesse envolver o

ensino de História, a História do Brasil e arte, tendo em vista que gosto bastante dessas

áreas.

O objeto da minha pesquisa são as telas de Frans Post e através delas busco

responder de que forma os alunos da Educação Básica aprendem História por meio da

utilização de imagens? Quais aspectos podem ser mais aprofundados sobre a

colonização e a economia colonial a partir das obras de Frans Post? E como essas

imagens podem interferir no aprendizado dos alunos?

Com isso, meu objetivo geral é entender as imagens de Frans Post como recurso

facilitador do processo de ensino e aprendizagem de História na temática da economia

colonial. Partindo-se desse norte surgem três capítulos abordando essa temática.

No primeiro capítulo – A economia na América portuguesa e o Brasil holandês

– faço uma contextualização da colônia e chegada dos holandeses, ressaltando por isso o

sistema colonial como um todo, com suas formas de ocupação de terras, o cultivo da

cana-de-açúcar e a forte presença desse produto como sustentáculo da economia

colonial. Ainda sobre essa engrenagem reporto-me à forma que se deu a colonização do

Novo Mundo e a importância que o sistema econômico teve na História do Brasil, não

apenas para o período colonial fazendo-se, pois, relevante até os dias atuais, marcado

pela drenagem de renda para o exterior, a mão-de-obra escrava, o latifúndio, a força do

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mercantilismo sempre presente no Estado e a transformação lenta e gradual no tocante à

tecnologia e inovações.

A principal atividade econômica da Nova Lusitânia foi o cultivo da cana-de-

açúcar e para isso era necessário uma mão-de-obra larga e que rendesse maiores lucros.

Escolheu-se, portanto, o negro como força motriz desse sistema agrícola e sobre isso

busquei também maiores informações acerca da escravidão e do trabalho africano nesse

recorte espaço-temporal – o período colonial brasileiro.

Outro aspecto interessante presente no primeiro capítulo ainda dentro da

temática da contextualização referente à colônia portuguesa é a dominação holandesa no

Brasil e os feitos de Maurício de Nassau nas terras do Novo Mundo, tendo em vista ser

o eleito apto à governar aquela região. Mostro como Nassau foi considerado um herói

em alguns discursos e fontes históricas e a importância que ele teve para a realização

desse trabalho, visto que foi incentivado a trazer grandes nomes para a nova terra,

destacando-se entre eles Frans Post, pintor que tinha o objetivo de fazer a topografia do

lugar e representar na Europa o Novo Mundo.

No segundo capítulo – O imaginário do Novo Mundo nas telas de Frans Post –

venho mostrar a vida e a obra desse artista, trazido pela comitiva de Nassau para o

Brasil com intuito de “levar” a colônia para a Europa. A partir dessa primícia pode ser

feito uma análise da pintura holandesa como um todo, ressaltando algumas de suas

características, e procurar ver os aspectos presentes na obra de Post e como ele se

utilizava dos recursos naturais para compor seu trabalho, tendo em vista que grande

parte deste foi feito já no Velho Mundo apenas com suas memórias acerca das terras

brasílicas. Demonstro ainda como está dividida a carreira desse artista e alguns de seus

trabalhos para exemplificar algumas de suas peculiaridades, bem como da pintura

flamenga.

O terceiro e último capítulo – A utilização da iconografia como recurso didático

– traz alguns conceitos como imagem e iconografia, por exemplo, e o processo da

imagem enquanto recurso didático, elucidando o quão relevante a imagem pode ser no

processo ensino-aprendizagem na medida em que o aluno pode reconhecer-se através

dela, facilitando assim a sua compreensão dos conteúdos, além de que ela funciona

como facilitador do ensino, pois quando o discente depara-se com uma ilustração já

trabalhada em sala de aula é mais fácil para este lembrar do conteúdo estudado por meio

da associação entre aquela e este.

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Outra informação interessante presente nesse capítulo é a da imagem estar para o

ser humano como a fala, devendo, assim como esta, ser trabalhada o seu processo de

análise cedo para que se ganhe o hábito de se fazer isso a fim de tornar-se algo natural,

tendo em vista que a sensibilidade necessária para o trabalho de apreciação está presente

em cada individuo, precisando apenas ser trabalhada para esse fim. Além disso, escolhi

algumas telas de Post para uma observação aprofundada a fim de captar alguns detalhes

do que ele estava querendo mostrar para o Velho Mundo acerca das novas terras.

No que se refere ao meu referencial teórico me utilizei de autores como Gilberto

Freyre, Caio Prado Júnior e Sérgio Buarque de Holanda para tratar aspectos da

economia colonial brasileira, além de Vera Lucia Amaral Ferlini, Maria Yedda Leite

Linhares, Manuel Correia de Andrade, Arno e Maria José Wehling, Mario Maestri,

Fernando da Cruz Gouvêa, José Antônio Gonsalves Mello, Fernando A. Novais, Pedro

Puntoni, Luiz Roberto Lopes, Décio Freitas e Evaldo Cabral de Mello, para o aspecto

contextualizador acerca da economia do período colonial brasileiro e sobre a temática

do domínio holandês.

Quanto às características da pintura holandesa e sua análise trabalho com

Leonardo Dantas Silva, Svetlana Alpers, George Rembrandt Gutlich, Daniel de Souza

Leão Vieira, Ana Maria de Lira Pontes, Izabel Maria dos Santos e Carla Mary Oliveira.

Ainda sobre o referencial teórico utilizado, no que diz respeito às imagens

empreguei, inicialmente, Peter Burke, Erwin Panofsky, Ciro Flamarion Cardoso, Ana

Maria Mauad, Martini Joly, Jacques Le Goff, Alberto Manguel, Jacques Aumont e

Anamelia Bueno Buoro, para dar suporte no sentido de imagens. Não poderia falar

sobre o uso delas como recurso didático sem trazer informações no que se refere às

mudanças pelas quais passaram a História através de Ronaldo Vainfas e sua introdução

sobre a escola dos Annales, esta que inovou o conceito de fonte histórica, possibilitando

assim o surgimento da imagem como tal. A partir daí faço uso de outros autores como

Circe Bittencourt, Eduardo França Paiva, Valesca Giordano Litz, Ricardo Barros,

Charles Nascimento de Sá e Dionatan Felipe.

No que se refere aos conceitos utilizados nesse trabalho são eles: economia,

colônia e imagem. Para o conceito de economia fiz uso do Novo Aurélio século XXI que

diz ser a ciência que trata dos fenômenos relativos à produção, distribuição e consumo

de bens; sistema produtivo de um país ou região. Neste sentido, sempre que utilizo o

termo economia, este faz menção à economia colonial do Brasil nesse recorte temporal

da História, referindo-se, pois, aos meios de produção da colônia.

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Kalina Vanderlei Silva e Maciel Henrique Silva em seu Dicionário de conceitos

históricos oferecem um conceito de colônia, o qual fiz uso em meu trabalho por ser algo

mais historicizado. Eles iniciam falando que a colonização é uma categoria histórica,

tendo em vista que está relacionada a diferentes sociedades e momentos ao longo do

tempo. Ela ultrapassa as barreiras do Novo Mundo, sendo, pois um fenômeno de

expansão humana pelo planeta, desenvolvendo a ocupação e o povoamento de novas

regiões. Destarte colonizar e cultivar, ocupar estão intimamente associados na medida

em que são ações feitas em uma nova área, instalando aí uma cultura preexistente em

outro espaço. Assim, a palavra colônia ganhou sentido de espaço que está sendo

ocupado.

O conceito de imagem trabalho com base em três autores: Jacob Burckhardt,

Peter Burke e Erwin Panofsky. Aquele afirma ser a imagem uma testemunha de etapas

de desenvolvimento humano e através dela ser possível entender as estruturas de

pensamento e representação de dada época. O segundo considera a função da imagem

como comunicante de algo, mas que ela não fala por si só, mas sim representa a

preocupação de cada artista. Para o terceiro a imagem nada mais é que um registro

deixado pelo homem. Escolhi trabalhar com essas três conceituações para imagem

porque acredito que elas se completam, na medida em que esta é uma marca deixada

pelo homem, que possibilita entender o pensamento e representações da época em que

foi produzida ao mesmo tempo em que não falo por ela mesma, sendo, pois necessário

uma leitura seguida de interpretação pra que se alcance esse entendimento.

Assim está dividido esse trabalho que tem, como justificativa social, o fato de

ser interessante que nós, brasileiros, saibamos a forma como realmente se deu a nossa

colonização e também que saibamos e possamos entender e aprender a percepção desses

detalhes nas obras desse artista para que visualizemos com outro olhar essa arte

brasileira, além de mostrar ao aluno a arte e permitir esse contato deles com essa

ciência, dando, assim, um novo olhar para ela. Além disso, a iconografia com temas

brasileiros promove um maior sentimento de identidade no aluno, na medida em que ele

pode se reconhecer em alguma imagem ou buscar o estabelecimento de conexões com o

que ele conhece, e, como justificativa historiográfica, o fato de ser algo que pode e será

trabalhado em sala de aula, mesmo porque será uma comprovação do que eu pretendo

estudar.

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1 A ECONOMIA NA AMÉRICA PORTUGUESA E O BRASIL HOLANDÊS

É impossível tratar sobre o ensino da história da colonização brasileira sem

dissertar sobretudo quanto às suas práticas através das imagens de Frans Post. Vale

ressaltar que o emprego do vocábulo “ensino”, refere-se à utilização das imagens de

Post enquanto recurso facilitador do ensino-aprendizagem referente ao período do Brasil

colonial.

Destarte, Gilberto Freyre (2000) ao analisar a formação da sociedade na

América tropical afirma que se trata de “[...] uma sociedade agrária na estrutura,

escravocrata na técnica de exploração, híbrida de índio – e mais tarde de negro – na

composição” (FREYRE, 2000, p.79). Este caráter de uma sociedade hibrida é bem

trabalhado por Post em suas telas, nas quais pode-se ver claramente essa realidade,

tendo em vista que suas imagens nos dão uma visão aprofundada, especialmente do

sistema agrícola e da sociedade que se formava.

A estrutura do projeto de colonização do Novo Mundo tem suas bases fundadas

na produção agrícola, tendo na cana-de-açúcar seu principal produto de exportação. A

produção do açúcar necessitava, em grande medida, do emprego de uma mão-de-obra

escrava, por ser esta mais rentável à Europa, pois gerava maiores lucros, contudo a mão-

de-obra indígena foi bastante utilizada nos primeiros anos de exploração do Brasil em

busca do principal produto encontrado nas terras brasílicas – o pau brasil – e, em face da

economia açucareira, não deixou de existir por completo, sendo utilizada ainda, porém

em outros campos, como por exemplo, a agricultura de subsistência e alguns trabalhos

domésticos.

O cultivo da cana-de-açúcar propiciou o desmembramento de outros produtos,

que passaram a ser cultivados para manter a mão de obra e os senhores, no sentido do

consumo interno e também daquela estar sempre ocupada, pois a economia açucareira

movimentava o comércio externo, sendo o principal produto feito pelo açúcar para

utilização na própria colônia a aguardente, servindo como instrumento de troca para

obtenção de escravos. Junto a este produto havia também o fumo que foi cultivado na

Bahia e tinha a mesma finalidade que aquele.

Poucas coisas teria o Brasil, nessa época, a oferecer além do açúcar.

Nas engenhocas ou molinetes fabricava-se a aguardente, subproduto

da cana de baixo custo e que servia não só para consumo interno das

classes inferiores [...] como também para o comércio de escravos na

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África. Os artigos de subsistência se cultivavam em minifúndios ou

nos intervalos de plantio da cana. O fumo foi plantado na Bahia,

tendo-se desenvolvido a partir do século XVIII e servido a uma

finalidade semelhante à da aguardente: a de ser instrumento de troca

para obtenção de escravos no continente negro (LOPES, 1984, p. 36).

Arno e Maria José Wehling (2005) afirmam que essa estrutura de produção

econômica no período colonial tem suma importância para a História do Brasil, tendo

em vista que não marcou apenas o período entre os séculos XVI e XIX como também

toda a posteridade econômica e mesmo social do país até hoje (século XXI).

A economia colonial tem alguns condicionamentos que marcaram

profundamente não só a vida brasileira entre os séculos XVI e XIX

como a história posterior do país, mesmo depois da Independência.

Foram traços estruturais e seculares a drenagem de renda para o

exterior, o latifúndio, o trabalho escravo, a onipresença do Estado

mercantilista, a lenta transformação tecnológica e à resistência às

inovações. Originados na Colônia, projetaram-se em seus efeitos, até o

século XX (WEHLING, 2005, p. 193).

Vale ressaltar que esse modelo de produção econômica, que se consolidou

durante o período da história colonial brasileira, esteve atrelado a uma engrenagem mais

ampla, a saber, o projeto colonial português, fato este que contribuiu para que ele

deixasse suas marcas na estrutura do sistema produtivo brasileiro, observando-se que

algumas de suas características perduram até os dias atuais.

Os autores supracitados mostram que o conceito de “sistema colonial” é

estudado por várias correntes historiográficas e embora cada uma delas possua uma

visão diferenciada acerca desse conceito um fato torna-se evidente seja em qualquer

corrente: a colônia existiu para atender os interesses da metrópole, ou seja, do mercado

europeu.

[...] os autores marxistas discutem a natureza do sistema colonial, ou

seja, se é derivado de um outro método de produção, feudal ou

capitalista, se é uma terceira estrutura ou se corresponde a uma

transição em que os elementos anteriores se diluíram gradativamente a

favor dos capitalista. Autores de outras correntes [...] preferem ver o

sistema colonial como uma consequência da ampliação do comércio

europeu no século XVI (WEHLING, 2005, p.194).

Essa relação dependente entre a colônia e a metrópole possibilitou uma saída de

rendas para o exterior, gerando um investimento pequeno ou inexistente na América

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Portuguesa. Sua prosperidade dependia do comércio interoceânico e dos seus produtos,

como o açúcar, por exemplo.

O primeiro ponto importante a ser destacado é de que o sistema colonial

apresenta-se como o conjunto das relações entre a metrópole e a colônia. Dessa forma

pode-se entender a posição ocupada pela colônia dentro desse arranjo, devendo esta

permanecer sempre na retaguarda econômica daquela, para que, quando os lucros

econômicos não estivessem tão favoráveis, a metrópole tivesse a colônia a quem

recorrer.

A política colonial das potências visava, por isso, enquadrar a

expansão colonizadora dos trilhos da política mercantilista; fazer com

que as relações entre os dois pólos do sistema (metrópole-colônia) se

comportassem consoante o esquema tido como desejável. Podemos,

pois, particularizando esta primeira descrição do sistema colonial,

dizer que ela se apresenta como um tipo particular de relações

políticas, com dois elementos: um centro de decisão (metrópole) e

outro (colônia) subordinado, relações através das quais se estabelece o

quadro institucional pra que a vida econômica da metrópole seja

dinamizada pelas atividades coloniais (NOVAIS, 1998, p. 20).

Um dos sustentáculos do sistema colonial era a eliminação da concorrência e o

império português garantir à economia europeia, de um modo geral, esta concentração

de lucros. Contudo, a partir do século XV o sistema passou a dar maiores vantagens

para fora do reino de Portugal, provocando, assim, um enfraquecimento da dominação

lusitana no Brasil. Isso gerou como consequência o crescimento da participação

holandesa nas práticas do comércio internacional.

Portugal foi o responsável por uma transformação na economia colonial: um

deslocamento na base da colonização, passando da extração da riqueza, o que aconteceu

nos primeiros anos após a chegada dos europeus no Novo Mundo, tendo como principal

produto o pau brasil, à geração da riqueza, o que se deu com a percepção das boas

condições naturais para a plantação da cana-de-açúcar, produto este que tinha sua

procura crescente na Europa. Segundo Freyre:

Semelhante deslocamento, embora, imperfeitamente realizado,

importou em uma nova fase e em um novo tipo de colonização: “a

colônia de plantação” caracterizada pela base agrícola e pela

permanência do colono na terra, em vez do seu fortuito contato com o

meio e com a gente nativa. No Brasil iniciaram os portugueses a

colonização em larga escala dos trópicos por uma técnica econômica e

por uma política social inteiramente novas [...] primeira: a utilização e

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o desenvolvimento da riqueza vegetal pelo capital e pelo esforço do

particular; a agricultura; a sesmaria; a grande lavoura escravocrata. A

segunda: o aproveitamento da gente nativa, principalmente da mulher,

não só como instrumento de trabalho mas como elemento de formação

da família (FREYRE, 2006, p. 79).

Desde cedo a economia colonial brasileira serviu para atender às necessidades

europeias e cresceu baseada nos padrões ditados pelo Velho Mundo, do que estava ou

não em alta nos mercados, produtos como pau-brasil, açúcar, ouro, diamantes, couros,

algodão, arroz, anil, tabaco. Dessa forma, o Brasil estava inserido na economia mundial,

na medida em que redes comerciais interoceânicas, começaram a se estabelecer.

Enquanto isso o mercado interno quase não se movimentava e o autoconsumo dos

nativos e da mão-de-obra era quase insuficiente, garantindo apenas a sobrevivência

destes. Este foi um dos maiores problemas encontrados por João Maurício de Nassau-

Siegen: a pouca produção de alimentos que gerava fome na população. O foco da

economia era a monocultura do açúcar, contudo a população precisava de outros

alimentos que atendessem às suas próprias necessidades, alimentos estes produzidos em

quantidade quase insuficiente, especialmente a mandioca.

A grande lavoura representa o nervo da agricultura colonial; a

produção dos gêneros de consumo interno – a mandioca, o milho, o

feijão que são os principais – foi um apêndice dela, de expressão

puramente subsidiária. Este papel subsidiários se verifica, aliás, quase

sempre na própria estrutura da produção agrícola. Aqueles gêneros de

consumo são produzidos, na maior parte nos mesmo estabelecimentos

rurais organizados e estabelecidos para cuidar da grande lavoura.

Destinam-se a abastecer o pessoal empregado nesta última, e existem,

portanto unicamente em função dela (PRADO JÚNIOR, 1992, p.

143).

Outras culturas como a mandioca, o milho, o feijão e as fruteiras

nativas e exóticas eram largamente cultivadas até mesmo naquelas

várzeas que se destacavam pela produção de açúcar, como a do

Capibaribe e a do Jaboatão, garantindo não só o abastecimento da

população rural, como da urbana (ANDRADE, 1973, p. 85).

Pode-se ver, nas citações acima, certa contradição no tocante á produção de

outros gêneros alimentícios, como raízes e cereais. Contudo essa contradição é

explicada pelo fato de que esses alimentos não eram complementos alimentares e sim a

base da alimentação da sociedade colonial, na verdade em consórcio com a grande

lavoura de cana de açúcar, daí ser produzido em larga escala para manter tanto a mão-

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de-obra como os próprios senhores, e ser uma produção subsidiária tendo em vista de

que o produto principal do início da economia colonial era a produção do açúcar.

A cana-de-açúcar dominou a agricultura e, de forma lenta e gradual, devido a

exigência na quantidade de investimentos ser muito alta para a criação de engenhos, ela

se impôs como principal produto brasileiro, tendo em vista o preço do açúcar no

mercado externo e também o retorno rápido do capital aplicado. A exportação do açúcar

só cresceu nos séculos XVI e XVII como afirmam Arno e Maria José Wehling ao

dizerem que “Em 1710 as rendas com a exportação do açúcar das três maiores

capitanias produtoras – Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro – totalizavam

2.535:142$800, para um total de 528 engenhos, isto é quatro vezes a renda do ouro”

(WEHLING, 2005, p. 211). Percebe-se, então, que o açúcar conseguia ser mais

lucrativo do que as próprias riquezas minerais encontradas em outros locais do

continente americano, mesmo porque era um produto caro na Europa e bastante

procurado, fato este que promovia uma comercialização mais lucrativa.

De acordo com Pedro Puntoni (1999), o açúcar ganhava destaque por ser um

produto singular e considerado na Europa até o século XVI, como uma especiaria,

justificando, assim a sua larga procura e aumentando o seu consumo nos séculos XVI e

XVII a partir da produção colonial.

A economia colonial teve como base três eixos principais: a dependência

externa, como já foi mencionado, o latifúndio e a escravidão. O latifúndio caracterizou-

se pela monocultura e pela mentalidade aristocrática do senhor de engenho. Alguns

fatores que justificam a existência daquele é a abundância de terras com pouca

dificuldade de se cultivar, a agricultura e a pecuária extensiva atrasadas que exigiam

áreas mais amplas e a necessidade dos engenhos terem boa produção do açúcar para

exportarem para o mercado europeu.

É importante destacar, de acordo com Arno e Maria José Wehling, que o

latifúndio não deve ser confundido com expansão territorial, pois

O latifúndio canavieiro, concentrado no litoral pernambucano, baiano

e fluminense, foi responsável pela ocupação efetiva de uma estreita

faixa litorânea. A grande expansão territorial verificada na Colônia se

deve ao latifúndio pecuarista e a outras formas de penetração [...] o

latifúndio não foi a única forma assumida pela propriedade rural na

Colônia. Com ele coexistiram propriedades de extensão variável

dedicadas ao cultivo do tabaco, na Bahia, a pequena propriedade

produtora de artigos para abastecimentos urbano em Salvador e no Rio

de Janeiro (WEHLING, 2005, p. 197).

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Neste sentido é importante fazer uma ressalva no tocante às formas de ocupação

de terras no período do Brasil colonial, tendo em vista que esta se deu através dos

latifúndios e das pequenas unidades produtoras, como pode ser percebido na citação

acima quando os autores mencionam o cultivo do tabaco na Bahia. Além disso, houve

ainda a ocupação litorânea, pequena, diga-se de passagem, e a ocupação do interior

baseada na atividade pecuarista.

Caio Prado ressalta o verdadeiro sentido da colonização, a saber, fornecer para a

Europa alguns gêneros tropicais e minerais como o açúcar, o algodão e ouro, por

exemplo, sendo, portanto, a economia do Brasil-colônia totalmente subordinada a este

fim. Contudo, para esse trabalho será mais utilizado a economia canavieira, pois esta é

que está mais representada e melhor demonstrada nas obras do artista Frans Post, artista

escolhido por ter um conjunto de obras referentes à temática da colonização e da

economia do Brasil colonial. E também por já ter construído uma história de grande

destaque no cenário da pintura holandesa, sendo, pois, um nome de destaque entre os

pintores que viviam em Amsterdã.

No que se refere à cultura do açúcar esta teve seu início na ilha da Madeira,

conforme Novais (1998), e seus recursos concentravam-se no alargamento do périplo

africano de modo que estrangeiros tiveram sua participação desde muito cedo nesse

ramo da economia, proporcionando, assim, a quebra do monopólio e consequente

expansão do açúcar, cabendo, pois, aos flamengos a sua comercialização. Contudo, a

Coroa portuguesa com sua perspicaz atitude proibiu aos estrangeiros a sua permanência

nas colônias.

Percebe-se pois a política seguida astutamente pela Coroa portuguesa:

liberdade de comércio na fase inicial, para estimular a vinda de

recursos e capitais para a instalação da produção colonial;

enquadramento no sistema exclusivista quando a economia periférica

entrava em funcionamento. Na implantação da economia açucareira

no Brasil repetiu-se de certo o modo o processo [...] Na transição para

a colonização, isto é, na implantação do cultivo da cana e preparo do

açúcar, recorreu-se aos recursos particulares, através das concessões

das capitanias [...] É contudo certo que nessa primeira fase o comércio

do produto foi relativamente livre [...] expendendo-se, assim, a

economia açucareira [...] já em 1571, isto é, na abertura da fase de

grande prosperidade, decretava D. Sebastião [...] a exclusividade dos

navios portugueses no comércio da florescente colônia (NOVAIS,

1998, 46-8).

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Com essa atitude lusitana, os holandeses passaram a ir em busca de terras com

tal riqueza, a saber o açúcar, para que eles pudessem ter maior domínio e controle sobre

a economia europeia.

A opção pela economia açucareira se deu por vários fatores. Tudo contribuía

para a escolha da cana-de-açúcar: a natureza da colônia com seu clima quente e úmido e

solo de massapê no litoral, o fato de Portugal já ter comercializado o mesmo produto

nas ilhas atlânticas e a grande procura da Europa pelo açúcar, já que era uma especiaria

vinda do oriente e seu comércio necessitava de muitos gastos e não conseguia atender a

demanda da população europeia. Dessa forma, com a exploração das terras brasílicas

seria uma fonte a mais de riqueza para o Velho Mundo e para o reino de Portugal.

Outro fator que se liga à questão econômica é a própria figura do colonizador. O

colono europeu que vem para os trópicos com a intenção de colonizar não é o tipo

trabalhador e sim o explorador, o empresário, vindo, pois, para comandar, de forma que

a grande exploração rural que o coloca na figura de senhor passa a interessar-lhe em

grande medida, com afirma Caio Prado (1992) ao falar sobre as características

fundamentais da economia colonial: “De um lado, esta organização da produção e do

trabalho, e a concentração da riqueza que dela resulta; do outro, a sua orientação,

voltada para o exterior e simples fornecedora do comércio internacional” (JÚNIOR,

1992, p. 125).

Neste sentido, Sérgio Buarque de Holanda (1995), fala acerca da natureza do

homem, natureza esta de fundamental importância para se entender a colonização do

Brasil e exploração de suas terras. Ele afirma que há dois tipos de homem na formação e

evolução de uma sociedade: o aventureiro e o trabalhador. O tipo aventureiro é aquele

que vem para os trópicos ignorando as fronteiras, não se preocupando com os

obstáculos, transformando estes em trampolim para o seu sucesso e da nação que

representa. Já o trabalhador sabe aproveitar ao máximo o insignificante e todo esforço,

que ocorre de forma lenta, pouco compensadora e persistente, tem sentido bem claro

para ele.

Seu ideal será colher o fruto sem plantar a árvore. (referindo-se ao tipo

aventureiro – grifo meu) [...] Esse tipo humano ignora as fronteiras.

No mundo tudo se apresenta a ele em generosa amplitude e, onde quer

que se erija um obstáculo a seus propósitos ambiciosos, sabe

transformar esses obstáculos em trampolim. Vive dos espaços

ilimitados, dos projetos vastos, dos horizontes distantes. [...] O

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trabalhador, ao contrário, é aquele que enxerga primeiro a dificuldade

a vencer, não o triunfo a alcançar. O esforço lento, pouco

compensador e persistente, que, no entanto, mede todas as

possibilidades de esperdício e sabe tirar o máximo proveito do

insignificante, tem sentido bem nítido para ele (HOLANDA, 1995,

p.44).

Observando a questão desse ângulo, no tocante à conquista e colonização do

Brasil o trabalhador desempenhou um papel secundário, tendo em vista que o

colonizador tinha como principal meta o lucro rápido que a terra poderia dar para os

investidores europeus, ficando o papel do trabalho a cargo da mão-de-obra escrava.

[...] é que as colônias existem e são estabelecidas em benefício

exclusivo da metrópole; este benefício se realiza pela produção e

exportação, para ela, de gêneros de que necessita, não só para si

própria, mas para comerciar com o supérfluo no estrangeiro. [...] O

Brasil existia para fornecer-lhes ouro e diamantes, açúcar, tabaco e

algodão. [...] Todos os atos da administração portuguesa com relação à

colônia têm por objeto favorecer àquelas atividades que enriqueciam o

seu comércio [...] (PRADO JÚNIOR, 1992, p. 126).

Quanto ao projeto de colonização através da ocupação de terras, mais uma vez a

agricultura ganha destaque, passando a organizar-se em função da produção açucareira

para complementação da economia europeia. Necessário era a colonização – com

sentido aqui explicitamente de ocupação e povoamento – com fins políticos, para

através dela se preservar a posse da terra até então disputada pelos corsários. Contudo,

os colonizadores europeus não dispunham de contingente suficiente, segundo Novais,

no povoamento das novas terras descobertas e, além disso, necessitavam de uma mão-

de-obra que garantisse seus lucros, escolhendo, portanto, os povos da África.

O colonizador português se viu na necessidade de buscar mão-de-obra, tendo em

vista que não tinha quantidade suficiente em Portugal e também não podia usar o

trabalho assalariado, pois seria um recurso muito dispendioso, adotando, assim, o uso

do trabalho escravo.

Embora o negro não participasse na África de uma agricultura mercantil e

capitalista, a utilização desse tipo de mão-de-obra já fora utilizada pelos muçulmanos e

obtivera sucesso e, além disso, Décio Freitas (1973) menciona a existência da

escravidão doméstica no continente africano, contudo não com fins lucrativos. Dessa

forma, Freitas explica a principal causa para a substituição da escravidão indígena pela

negra.

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De acordo com o autor supracitado essa troca de mão-de-obra pode ser

entendida a partir de uma análise do comércio triangular no qual a economia açucareira

repousava. Os comerciantes europeus trocavam açúcar e fumo por escravos e os

vendiam aos senhores de engenho, fato este que gerava grande endividamento na classe

dominante colonial devido ao alto preço dos escravos cobrado pelos seus responsáveis

pelo tráfico. Destarte, tentando não ter tantos gastos, o comerciante que veio aqui para

adquirir produtos tropicais, ofereceu o negro que tinha um baixo valor na África,

mostrando, assim, que a escravidão foi a consequência do tráfico e não a sua causa.

Em segundo lugar, o sistema do chamado “comércio triangular”

impunha ao senhor de engenho a compra de sempre mais escravos,

independentemente de suas necessidades econômicas. O senhor de

engenho estava submetido a uma irremediável contradição: se não

comprasse escravos ao traficante, este a seu turno não lhe compraria o

açúcar (FREITAS, 1973, p. 29).

O elemento de maior importância quando se trata do sistema colonial é a grande

propriedade monocultora trabalhada por escravos, no qual pode-se ver os fatores

característicos da agricultura colonial: a grande propriedade, a monocultura e a

escravidão.

Quando se fala em economia o grande setor que surge é agricultura por ser esta

prática o eixo econômico de toda e qualquer civilização. Foi ela a responsável por

assentar a ocupação e exploração da maior e melhor parte do território.

A agricultura é o nervo econômico da civilização. Com ela se inicia –

se excluirmos o insignificante ciclo extrativo do pau-brasil – e a ela

deve a melhor porção de sua riqueza. Numa palavra, é propriamente

na agricultura que assentou a ocupação e exploração da melhor parte

do território brasileiro. A mineração não é mais que um parêntese; de

curta duração aliás [...] a cultura da terra voltava a ocupar a posição

dominante dos dois primeiros séculos da colonização (PRADO

JÚNIOR, 1992, p.130).

Com o renascimento da agricultura houve um fator de extrema importância para

a colonização e povoamento da colônia: um deslocamento do eixo das capitanias do

interior para o litoral, de acordo com Caio Prado em seu Formação do Brasil

contemporâneo: colônia. Para o açúcar, por exemplo, o clima úmido e quente do litoral

era ideal. Esse fator climatérico somado à qualidade de alguns solos era a fórmula certa

para o sucesso da cultura do açúcar. Além disso, era previsível que o eixo econômico-

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agrícola se voltasse ao litoral, pois tudo que era produzido na colônia era exportado para

a Europa e o transporte da época era o marítimo, sendo, portanto, necessário que os

engenhos fossem localizados próximo aos portos.

Ainda sobre o ponto de vista econômico do Brasil-colônia é válido ressaltar que

a economia colonial é comumente ensinada de forma errônea, como afirma Manuel

Correia de Andrade, visto que alguns historiadores admitem a ideia da existência de

“ciclos”, como, por exemplo, ciclo do açúcar, ciclo do ouro e ciclo do café. Porém

trabalhar essa ideia é afirmar que o produto do ciclo anterior deixou de ser cultivado a

partir do momento que um novo ciclo passa a existir, quando, na verdade, ele só ganha

uma menor expressividade.

De acordo com Andrade também é errado pensar em modos de produção quando

se trata da economia brasileira, devendo a interpretação desta ser feita através de

conceitos ligados à formação econômico-social. Antes mesmo da colonização o

Nordeste já tinha sua importância do ponto de vista econômico. Em Pernambuco já

havia feitorias onde era forte a presença da prática do escambo, sendo, assim, um

negócio lucrativo se o transporte até a Europa corresse tudo bem.

Após os primeiros 30 anos de exploração meramente florestal, já que apenas era

retirado o pau-brasil, é que teve início a cultura do açúcar, a qual ganhou destaque em

Pernambuco e na Bahia. A colonização, de fato só tem início com a figura de Duarte

Coelho, quem começou tal cultura, motivado pelas vantagens que seu comércio poderia

conceder na Europa e também as condições para seu plantio nas terras brasílicas. Esta

demandava grande emprego de mão-de-obra e capitais para a implantação dos

engenhos, daí o motivo para a implantação dos escravos africanos. Isso gerou,

consequentemente, a necessidade de se produzir outros alimentos que se adaptassem ao

solo brasileiro para a população que crescia, bem como a importação de alguns animais

como bovinos e equinos, por exemplo. Além disso, em alguns lugares as condições

geográficas não favoreceram o plantio da cana-de-açúcar, de forma que foram criados

currais para a criação de gado necessário na cultura açucareira.

A primeira grande lavoura no Brasil foi o açúcar, cronológica e importantemente

falando, pois contribui para colonização ao passo que serviu de base material para que o

europeu se estabelecesse naquele território. Além disso, mesmo tendo que competir com

a mineração a economia açucareira foi responsável pela maior quota de riqueza do

Brasil e constituiu-se como principal eixo econômico.

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A economia comercial interna do açúcar tem início na verdade com Portugal,

conforme afirma Celso Furtado (2007), sendo os holandeses, porém, que recolhiam o

produto em Lisboa, refinavam-no e distribuíam-no por toda a Europa. Dessa forma, a

contribuição dos flamengos no cenário econômico colonial foi de extrema importância,

constituindo um fator fundamental de êxito da colonização do Brasil, tendo em vista

que eram os únicos que dispunham de organização comercial suficiente pra abrigar um

produto praticamente novo, como o açúcar.

Os portugueses haviam já iniciado há algumas dezenas de anos a

produção, em escala relativamente grande, nas ilhas do Atlântico, de

uma das especiarias mais apreciadas no mercado europeu: o açúcar.

Essa experiência resultou ser de enorme importância, pois, demais de

permitir a solução dos problemas técnicos relacionados com a

produção do açúcar, fomentou o desenvolvimento em Portugal da

indústria de equipamentos para os engenhos açucareiros. [...] A

contribuição dos flamengos [...] para a grande expansão do mercado

do açúcar, na segunda metade do século XVI, constitui um fator

fundamental de êxito da colonização do Brasil. Especializados no

comércio intra-europeu, grande parte do qual financiavam, os

holandeses eram nessa época o único povo que dispunha de suficiente

organização comercial para criar um mercado de grandes dimensões

para um produto praticamente novo, como era o açúcar. [...] E não

somente com sua experiência comercial contribuíram os holandeses.

Parte substancial dos capitais requeridos pela empresa açucareira viera

dos Países Baixos. Existem indícios abundantes de que os capitalistas

holandeses não se limitaram a financiar a refinação e comercialização

do produto. Tudo indica que capitais flamengos participaram no

financiamento das instalações produtivas no Brasil bem como no da

importação da mão-de-obra escrava. (FURTADO, 2004, p. 31, 33,

34).

Vera Lúcia Amaral Ferlini afirma que a cana de açúcar teve como um de seus

aspectos mais marcantes o seu modelo de produção colonial, tendo como base a grande

propriedade monocultora e escravista, de forma tal que deslocava os senhores de

engenho, causando, assim, uma total dependência da casa-grande, pois era impossível o

desenvolvimento autônomo destes.

O modelo de produção colonial, baseado na grande propriedade

monocultora e escravista açucareira, consagrou o poderio dos

senhores de engenho, impedindo o desenvolvimento autônomo de

uma camada de pequenos e médios proprietários, que tinham as

condições de sua existência atrelada ao engenho, que lhes moía as

canas e comprava sua produção de mantimentos, tábuas, telhas tijolos

etc. [...] Os que não tinham recursos sequer para arrendar terras,

gravitavam em torno do engenho, como trabalhadores especializados

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do açúcar, moradores agregados, prestando serviço aos senhores.

Foram, também, elementos essenciais para a manutenção da

dominação política e social dos senhores, bem como de seu domínio

militar (FERLINI, 2002, p.23).

A produção açucareira teve um sucesso muito rápido, sendo o engenho,

conforme Caio Prado, o elemento central desse eixo econômico, o qual abrangia

grandes áreas e constituía-se numa organização complexa e dispendiosa,

compreendendo “[...] numerosas construções e instalações: moenda, caldeira, casa de

purgar, etc.; além da casa-grande que é a habitação do senhor [...], a senzala dos

escravos e instalações acessórias e suntuárias” (JÚNIOR, 1992, p. 146 e 147). Sua

disposição sobre o terreno refletia, assim, em grande medida a hierarquia de cada

edifício, além do material utilizado em cada construção. O número dos engenhos crescia

rapidamente, mostrando, assim, a ampliação da economia e o forte investimento do

capital estrangeiro pelos lucros externos.

[...] entre Itamaracá e São Vicente nos anos de 1570, existiram

sessenta engenhos produzindo anualmente em torno de 2700 toneladas

de açúcar [...] dez anos mais tarde, falava dos engenhos – Bahia, 36;

Ilhéus, 3; Porto Seguro, 1; Pernambuco, 66; Espírito Santo, 6; Rio de

Janeiro, 3 (MAESTRI, 2001, p. 76).

A sociedade colonial no Brasil, principalmente em Pernambuco e no

Reconcavo da Bahia, desenvolveu-se patriarcal e aristocraticamente à

sombra das grandes plantações de açúcar, não em grupos à esmo e

instáveis; em casas-grande de taipa ou de pedra e cal, não em palhoças

de aventureiros (FREYRE, 2000, p. 91).

Suas terras, além dos canaviais, são reservadas em parte para outros

fins: pastagens – o engenho emprega no seu manejo grande número de

cavalos e bois – culturas alimentares para pessoal numeroso; matas

quando ainda sobram, para lenhas e madeira de construção (PRADO

JÚNIOR, 1992, p. 147).

As terras, como pode ser visto na citação, além de serem destinadas para os

canaviais, são utilizadas ainda para pastagens dos animais que o engenho abriga e

culturas de outros gêneros alimentícios para pessoal numeroso. Essa produção de outros

gêneros alimentícios no engenho era chamada de “sistema do Brasil”, segundo Andrade,

no qual os senhores de engenho permitiam que seus escravos cultivassem em áreas

marginais, nos dias santos, feriados e domingos, produtos para sua auto sustentação.

Um engenho, além de terras férteis e adequadas ao cultivo da cana-de-açúcar,

precisava ter matas que fornecessem madeiras de construção e lenha farta para usar

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como combustível das fornalhas, e um curso de água para abastecimento dos líquidos

necessários e para mover as moendas.

Muito deve o Brasil agrário aos rios menores porém mais regulares:

onde eles docemente se prestaram a moer as canas, a alagar as

várzeas, a enverdecer os canaviais, a transportar o açúcar, amadeira e

mais tarde o café, a servir aos interesses e necessidades de populações

fixas, humanas e animais, instaladas ás suas margens; aí a grande

lavoura floresceu, a agricultura fundiária prosperou, a pecuária

alastrou-se (FREYRE, 2000, p. 99).

O engenho foi o grande polo aglutinador da sociedade do açúcar no início da

colonização, sendo também responsável por ordenar a propriedade e o uso da terra em

função do comércio. O trabalho realizado no engenho era completamente escravo e a

quantidade dos cativos variava, devendo, contudo, cada engenho ter, no mínimo 80

escravos e “[...] quem não tem mais de 80 é reputado fraco senhor de engenho”

(PRADO JÚNIOR apud VILHENA, 1992, p. 147).

É importante perceber o papel que o engenho tinha nos primeiros séculos de

colonização, sendo ele, além de aglutinador, articulador da rede fundiária do açúcar e

elemento de concentração de poder já que era responsável ao mesmo tempo pela

inclusão e exclusão de indivíduos na medida em que tudo girava em torno do engenho,

conforme afirma Ferlini.

O engenho foi o locus (grifo do autor) preferencial dessa sociedade, o

elemento que, além de concentrar e vinculá-la ao seu sentido

mercantil, tornava possível executar as funções que dão sentido a uma

série de atividades. Foi, sem dúvida, o elemento de configuração da

sociedade rural.

Assim, através do engenho, realizava-se, ao mesmo tempo a inclusão

e a exclusão dos indivíduos. Se o engenho era o elemento que dava

sentido à produção, se somente através dele a produção podia se

realizar, se era ele o elemento mediador entre essas produções

individuais e o nível mercantil, fora dele não havia possibilidade de

sobrevivência colonial. E àqueles que eram realmente excluídos de

qualquer acesso à terra [...] restava gravitar em torno dos engenhos,

como agregados, moradores, trabalhadores assalariados na produção

do açúcar. [...] Não se trata apenas de sobrelevar o engenho como

centro de vivência rural. É preciso entendê-lo em seu papel de

articulador da rede fundiária do mundo do açúcar e de elemento de

concentração de poder (FERLINI, 2002, p.26).

Contudo, mesmo com tantos elementos favoráveis à produção de açúcar, o

sistema agrícola colonial teve seu insucesso ligado a alguns fatores como, por exemplo

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a separação da agricultura e da pecuária, tendo em vista que o gado ajudava em vários

fatores com, por exemplo, o trabalho na terra, o transporte como força motriz, sendo

essa sua principal função, e ainda era o grande responsável pelo adubo, através de seu

estrume. A principal atividade propiciada pelo açúcar foi a pecuária, esta que

desenvolveu-se no litoral abastecendo a zona canavieira, porém a extensão de terras

para o cultivo da cana-de-açúcar fez com que o rei de Portugal Dom Pedro II

estabelecesse através de uma Carta Régia a proibição formal do gado desenvolver-se

fora do interior.

O gado foi sempre um servo da cana; ocupava áreas pioneiras à sua

esfera e cada vez se distanciava mais do litoral, tendo

consequentemente que ir alongando cada vez mais as suas caminhadas

para chegar aos centros de consumo. Foi ele que desbravou e ocupou

os vales fluviais distantes de Olinda, fixando-se, ao Sul, no Vale do

São Francisco e nos campos de Sergipe e, ao Norte, nos tabuleiros da

Paraíba e do Rio Grande do Norte. Não fosse a pecuária e os

tabuleiros se teriam tornado verdadeiros vazios demográficos e

econômicos entre as áreas úmidas e férteis das várzeas (ANDRADE,

1973, p. 101).

A fatal separação entre a agricultura e a pecuária, corolário daquele

sistema, e que constitui um dos traços mais característicos da

economia rural da colônia, também foi funesta para o trato do solo,

privando-o como o privou do único elemento fertilizante que poderia

dispor: o estrume dos animais (PRADO JÚNIOR, 1992, p. 136).

Além disso, o desenvolvimento da indústria açucareira nas Antilhas

proporcionou uma produção mais econômica do que a brasileira e havia também a

política monopolista dos colonizadores, estes que apenas permitiam o comércio da

colônia com a sua metrópole. E Caio Prado atribui ainda os baixos índices da

agricultura colonial ao sistema geral da colonização baseado no regime de escravidão

africana, tendo tal regime um trabalho ineficiente e semibárbaro.

Seria difícil realizar qualquer coisa de muito melhor com

trabalhadores desta natureza. Numa de suas admiráveis cartas, Vilhena

descreve as atividades nos engenhos; observações colhidas na Bahia, o

maior e mais importante centro açucareiro da colônia. A ignorância, a

incapacidade, a falta de atenção e cuidado com que se maneja a

fabricação do açúcar são de pasmar (PRADO JÚNIOR, 1992, p.139-

140).

É certo dizer que a economia colonial teve como um de seus sustentáculos a

produção açucareira, contudo a cana-de-açúcar apenas se estabeleceu como principal

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produto brasileiro no século XVI por exigir um investimento muito alto devido à sua

produção e à necessidade de um engenho. É importante, ainda chamar a atenção, como

fazem Arno e Maria José Wehling, para a diferença entre produção canavieira e

produção açucareira: muitos proprietários de terras não dispunham de recursos para

instalar unidades produtoras, de forma que os grandes engenhos centralizavam a

produção de cana-de-açúcar de alguns desses lavradores livres, os quais pagavam em

açúcar a moagem da cana.

Andrade informa que a exploração da cana-de-açúcar proporcionou um

desbravamento imensurável na região Nordeste. Enquanto até o século XX São Paulo e

alguns estados da região Sul ainda tinham terras para ser desbravadas, um levantamento

feito no século XVIII, com base nos Anaes da Biblioteca Nacional, verifica um largo

povoamento daquela região.

Levantamento feito em 1774, constata um povoamento quase contínuo

em toda a região estudada, desde Natal, Rio Grande do Norte, até

Penedo, no atual Estado de Alagoas. Sergipe e o Norte da Bahia já

eram também naquele ano bastante povoados. A área canavieira

localizava-se quase sempre próxima ao litoral, mas em Pernambuco já

penetrara bastante para o interior em freguesias como Tracunhém,

Vitória de Santo Antão, e São Lourenço da Mata, que ficavam nos fins

do século XVI, em plena área de exploração do pau-brasil

(ANDRADE, 1973, p. 82).

1.1 O trabalho negro na economia colonial brasileira

Existe, ainda, um terceiro eixo da economia colonial, o qual representava o

sustentáculo da economia canavieira, eixo este que também diz respeito à sociedade

formada durante esse período da História do Brasil: a mão-de-obra. O cultivo do açúcar

foi um sucesso no ponto de vista econômico, contudo a organização das primeiras

plantações açucareiras aumentaram as contradições entre recém-chegados e nativos.

A grande quantidade de terras férteis tornou a propriedade rural como a grande

unidade de produção. Para Manuel Correia de Andrade (1986), a dificuldade maior se

constituía na força de trabalho, tendo em vista que os índios não satisfaziam a

necessidade da mão-de-obra açucareira, pois além do plantio e colheita havia também

os trabalhos domésticos, como transporte da cana, fabricação do açúcar entre outros, daí

se explica a escravidão negra: por haver experimentado o regime servil na África,

gerando, assim, uma produtividade maior. Conforme Mário Maestri (2001), a jornada

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29

de trabalho exigida pela produção açucareira era longa, dura e ininterrupta, requerendo

muita mão-de-obra, esta que precisava, além de ser ampla, ser barata para que pudesse

render bons lucros para a economia europeia.

No que se refere à mão-de-obra, inicialmente foi utilizada a indígena na extração

do pau-brasil, não atendendo a demanda e tarefas da exploração da cana-de-açúcar, por

não estarem aptos ao sistema exigido pelos colonos. Segundo Darcy Ribeiro (apud

LOPES), o indígena conhecia a agricultura como ninguém, levando o autor a recusar a

afirmação de que o índio não estava preparado para o trabalho na lavoura da cana. O

fato, entretanto, é que aquela agricultura com regime escravo e misto de capitalismo e

mercantilismo não fazia parte da rotina do índio. Foi assim que até os jesuítas acabaram

se opondo à sua escravização “[...] convertendo-o à religião católica e reunindo-o nas

missões, dentro de um sistema econômico teocrático-coletivista” (LOPES, 1984, p. 37),

tendo em vista que estavam os clérigos interessados em facilitar o processo de

conversão religiosa dos índios.

Quanto ao problema do trabalho e da mão-de-obra, Sérgio Buarque afirma que

verificou-se, após algumas tentativas frustradas, que o índio não daria muitos lucros no

tocante à produção, sendo mais rentável a utilização da mão-de-obra negra, esta que

recebia maus tratos e pouca alimentação, sendo, muitas vezes, tratados como animais.

Os indígenas, habitantes da terra quando da chegada dos colonos, não eram os

mais indicados, pois apenas realizariam funções por um curto espaço de tempo e sendo

bem retribuídos. Além disso, houve também a proibição, por parte dos jesuítas, da mão-

de-obra indígena.

Mas, o problema principal, o mais sério, era o da mão-de-obra, de vez

que os trabalhadores eram necessários não só à cultura da cana [...]

como à fabricação e ao transporte do açúcar e ainda à cultura de

mantimentos e aos serviços domésticos. Os índios não satisfaziam a

necessidade da mão-de-obra; inicialmente eram pouco numerosos e as

guerras e a migração para o interior contribuíram seriamente para

diminuí-los. Além disto, o seu desenvolvimento cultural não havia

atingido, ainda, a fase da agricultura sedentária, de vez que na época

do descobrimento ainda se alimentavam, sobretudo, dos produtos da

coleta, da caça e da pesca. Ainda mais conhecendo bem a região,

fugiam facilmente para a mata, onde se alimentavam dos produtos

fornecidos pela floresta, conheciam os seus perigos e os meios de

evita-los. Ainda em favor do gentio [...] havia uma série de leis

regulamentando os casos em que podiam ser escravizados [...]

(ANDRADE, 1973, p. 70).

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Vale ressaltar que embora os indígenas tenham se constituído na primeira mão-

de-obra escravizada, ela foi substituída de forma gradual por alguns motivos, dentre eles

os principais sendo a questão da resistência dos índios ao trabalho e a proteção dos

jesuítas àqueles. Com a necessidade de mão-de-obra para manter a economia pensou-se

no africano que chegava até a colônia através do tráfico, este que a partir do ponto de

vista econômico era um dos principais empreendimentos comerciais do mundo

atlântico.

A primeira escravidão utilizada no Brasil foi a indígena. Os índios realizavam

tarefas em troca de mercadorias, compondo um sistema chamado escambo. Os índios,

no início da colonização, aceitaram trabalhar nas lavouras de subsistência, porém

revoltaram-se quando perceberam que os europeus apenas queriam tirá-los as suas terras

e sua liberdade.

No início estabeleceram com o donatário relações

completamente pacíficas e amistosas, deixando-se converter ao

cristianismo, ajudando no devassamento do território e até

trabalhando de bom grado nas primeiras lavouras de

subsistência. Mas explodiram numa feroz rebeldia quando viram

que o donatário queria apenas despojá-los das suas terras e das

suas ancestrais liberdades (FREITAS, 1973, p. 15).

O plantio e fabrico do açúcar, porém, exigiram uma força de trabalho mais qualificada e

que rendesse maiores lucros. Dessa forma, a passagem do escambo à escravidão foi

paulatina, mas não completa no sentido de que a predominância da mão-de-obra

africana em substituição da indígena apenas ocorreu nas duas primeiras décadas do

século XVII com a expansão da indústria açucareira. O escravo africano tem preferência

devido aos moldes do sistema mercantilista e à necessidade de manter o acúmulo na

metrópole, além de haver a questão da extraterritorialidade da mão-de-obra ser de

fundamental importância para tal acúmulo. A economia colonial “não possuía um

mecanismo interno, natural, de auto-reprodução porque a sua força de trabalho nunca

pôde ser homeostaticamente estabilizada no interior do sistema” (PUNTONI apud

ANDERSON, 1999, p.22), ficando claro, assim, a necessidade de conquistas exteriores

para suprir a mão-de-obra do espaço produtivo.

Os povos lusitanos que acompanharam os capitães-mores não aceitavam os

trabalhos em piores condições do que as europeias. Maestri concorda com Sérgio

Buarque ao afirmar que os colonos europeus não fazem o perfil do homem trabalhador.

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Destarte, como já fora utilizada a mão-de-obra escrava nas ilhas atlânticas e viu-se bons

resultados, o processo foi repetido no Brasil, não havendo muita preocupação com o

escravo negro, pois, de acordo com Pero de Magalhães de Gândavo, estes eram “mais

seguros que os índios da terra porque nunca fogem nem têm para onde (fugir)”

(GÂNDAVO apud MAESTRI, 2001, p. 60). Além disso, o objetivo principal da Europa

com o Novo Mundo era explorá-lo e obter lucros com ele, como afirma Maestri ao dizer

que “os portugueses introduziram no Brasil as técnicas e os métodos açucareiros

aclimados na ilha da Madeira. Para eles a escravidão era a solução natural para os

problemas de mão-de-obra impostos pelo Novo Mundo” (MAESTRI, 2001, p. 54).

Nas ilhas atlânticas e na bacia do Mediterrâneo já se praticava, havia

muito, uma pequena e média produção escravista do açúcar. Os

lusitanos serviram-se da mesma solução quando enfrentaram o

problema da mão-de-obra no Brasil. Não se tratava de colonizar,

civilizar ou catequizar o Novo Mundo; pretendia-se apenas explorá-lo.

Em toda economia mercantil o objetivo da vida social é o lucro

(MAESTRI, 2001, p. 31).

Afirma Celso Furtado (2007) que a principal dificuldade da economia açucareira

foi a questão da mão-de-obra, tendo em vista que o índio que já era utilizado para este

fim não era viável para os engenhos. Assim a única condição encontrada foi o tráfico de

escravos negros, tendo a escravidão, portanto, demonstrado desde o início a condição de

sobrevivência do colono europeu. Contudo, faz-se importante esclarecer que a mão-de-

obra negra não substituiu a indígena, passando esta a deixar de existir. Apenas para a

economia açucareira o negro era mais indicado que o índio. Foi esta mão-de-obra,

considerada de segunda classe, que permitiu a subsistência de alguns núcleos onde a

produção de açúcar falhou como é o caso, por exemplo, de São Vicente.

A escravidão (grifo do autor) foi o regime de trabalho preponderante

na colonização do Novo Mundo; o tráfico negreiro (grifo do autor)

que a alimentou, um dos setores mais rentáveis do comércio colonial.

Se a escravidão acrescermos as várias formas de trabalho

compulsório, servil e semi-servil [...] resulta que estreitíssima era a

faixa que restava, no conjunto do mundo colonial, ao trabalho livre

(NOVAIS, 1998, p. 79).

Era tamanha a importância do tráfico de escravos que por onde o domínio da

cultura da cana-de-açúcar ia se estendendo o mesmo acontecia com a escravidão.

Gilberto Freyre mostra que essa cultura não teria sido possível sem o trabalho do

escravo negro. Há uma frase célebre e de tamanha expressividade do padre Antônio

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Vieira: “sem negros não há Pernambuco” (MELLO apud VIEIRA, 2007, p.183). É o

mesmo que dizer que sem essa mão-de-obra não há açúcar, tampouco economia, já que

a base da economia pernambucana, e por que não dizer da colônia, era o açúcar.

Quando os holandeses chegaram à Pernambuco já se depararam com o tráfico de

escravos vindos da África e, no início, mostravam-se contrários à escravidão, na figura

de Usselincx, o qual tinha relação com a Companhia Ocidental, como afirma a citação a

seguir:

É um engano supor que os espanhóis com os seus escravos obterão

maiores lucros nos seus negócios do que nós: diz-se comumente que

com cachorros ruins não se pegam coelhos; do mesmo modo o

trabalho constrangido em pouco resulta. Um só homem deste país

trabalha mais do que três negros, que custam muito dinheiro (MELLO

apud USSELINX, 2007, p. 184).

Usselincx afirmava que a escravidão era um regime antieconômico e desumano que

Pela mesma razão que na Índia se executa a maior parte do trabalho

por meio de escravos que custam muito, trabalham de má vontade e

morrem rápido por causa dos maus tratos dos seus senhores, estamos

certos de que seria muito mais proveitoso o uso de pessoas livres;

além do mais, o escravo não deixa outro proveito a não ser o seu

trabalho, porque sendo nu nada adquire ou necessita da indústria

(CORDOVA-BELLO, Eleazar. Compañias holandesas de

navegación. Sevilla, 1964, p.203, apêndice II, tradução de Pedro

Puntoni).

Contudo, o comércio de escravos realizado por Portugal e Espanha proporcionou uma

aceitação da escravidão por parte dos Países Baixos e logo se tornaram um dos maiores

participantes do tráfico de escravos.

“Transportam-se da África para o trabalho agrícola no Brasil nações quase

inteiras de negros” (FREYRE, 2000, p. 83) e, no que se refere ao tráfico, Maestri mostra

que as condições dos navios negreiros e de como eram transportados os cativos

africanos eram péssimas e Gustavus Vassa1 relata algumas destas ao lembrar do “[...]

1 Gustavus Vassa foi um dos poucos africanos escravizados a deixar suas impressões sobre a travessia.

Neste trecho ele fala com compunção do terror que sentiu quando, a bordo de um negreiro, foi apalpado e

examinado por estranhos homens brancos. Pensava ter ingressado em um “mundo de espíritos malignos”,

no qual encontraria a morte. Ele conta ter desmaiado de medo. Entre os africanos era difundida a crença

de que eram transportados, além-mar, para serem comidos pelos brancos ou por uma raça de gigantes

antropófagos. No que, de certo modo, não se enganavam. As unidades escravistas coloniais devoravam

vorazmente africanos feitorizados no trabalho.

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pestilento amontoado em que os cativos se encontravam, o calor, o suor, o ar

irrespirável, o fedor nauseante dos porões. As correntes, os balde-latrina, os gritos das

mulheres, dos moribundos e dos castigados [...]” (MAESTRI, 2001, p. 71). Essa

realidade era era explicada e justificada como preparação do negro para a escravidão,

pois ao chegar em terra firme e deparar-se com um tratamento um pouco melhor que o

do navio o cativo enxergava seu novo destino – ser escravo americano – de forma mais

otimista.

Segundo Pedro Puntoni (1999), os primeiros registros de envolvimento dos

holandeses com o tráfico de escravos datam do fim do século XVI, podendo, inclusive,

segundo o historiador Pietter Emmer2 esse envolvimento ser dividido em três fases,

conforme mostra a citação:

[...] a história da participação dos mercadores holandeses no tráfico de

escravos, o século XVII, poderia ser compreendida em três diferentes

etapas. Primeiro, um momento de tráfico incidental, iniciado pelo

episódio da captura pelo navio midelburguês, até a conquista do porto

de embarque de escravos de escravos na costa ocidental da África, São

Jorge da Mina. [...] Desde então, e isto seria a segunda etapa, o tráfico

de escravos realizar-se-ia sob o controle da Companhia Ocidental,

atendendo aos interesses gerados por sua política colonial. Neste

segundo momento, portanto, os holandeses estriam envolvidos no

tráfico de uma forma regular. Este “primeiro pico” de comércio (grifo

do autor) duraria até o ano de 1635 [...] quando a economia açucareira

se desorganiza completamente e a região produtora e,

consequentemente, o mercado de escravos estão perdidos para os

holandeses. O tráfico é imediatamente desviado ao Caribe, onde os

holandeses criam um entreposto e acabam por se especializar nesse

comércio [...] Este terceiro momento seria coroado [...] quando os

novos asientistas, fazem um acordo com a Companhia das Índias

Ocidentais, contratando-a para o transporte dos escravos africanos

(PUNTONI, 1999, p. 89-90).

Contudo, houve muitos conflitos entre holandeses e outros europeus em virtude

da disputa por mão-de-obra. A tímida participação dos Países Baixos no comércio de

escravos, em seus anos iniciais, explica-se pelo fato de sua falta de conhecimento de

quais procedimentos eram necessários para gerência do sistema sul-atlântico de

produção do açúcar, no que se refere à mão-de-obra forçada e não compreendiam o

quão necessário era e os meios de reprodução da produção escravista e ainda

2 Pedro Puntoni cita o historiador Pietter Emmer para tratar da participação dos holandeses no tráfico de

escravos.

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participavam de discussões sobre a forma certa de povoar e organizar a produção

colonial sendo tais termos resolvidos com a presença de Nassau.

José Antônio Gonsalves Mello (2007) fala sobre a existência de quilombos no

governo de Nassau e que o governo holandês castigava exemplarmente os escravos que

conseguia capturar: enforcava-os ou os queimavam vivos. Muitos quilombos existiram

no período da dominação holandesa, mas há poucas informações sobre eles, sendo o de

Palmares que mais ganhou repercussão, tendo em vista ter informações deste até mesmo

em documentos da época3.

Foi durante o período da dominação holandesa que tiveram condições

para se desenvolver vários quilombos, desde 1638 há referência a

quilombos que constituíam uma grave ameaça para as populações e os

bens dos moradores. Havia, também, pequenos aldeamentos ou

bandos de negros que roubavam e matavam pelos caminhos: os

boschnegers (MELLO, 2007, p. 192).

Os holandeses estavam interessados apenas em enriquecer, de forma tal que não

tratavam de forma afetuosa os seus escravos, preferindo estes, em grande medida,

senhores portugueses ou judeus pelos dias de folga que estes lhes ofertavam.

Para os escravos era quase um castigo trabalhar para os flamengos.

Trabalhavam todos os dias da semana e nem aos domingos tinham

licença para folgar ou para invocar seus orixás. Apesar da proibição

do trabalho aos domingos, esta não era respeitada, sobretudo no

interior, pelos holandeses (MELLO, 2007, p. 197).

Embora a presença da escravidão tenha sido marcante na economia colonial o

trabalho livre também esteve presente em diversas atividades, interessando aqui o

cultivo da cana-de-açúcar, no qual se destacava os lavradores de cana, que segundo

Wehling

[...] compreendiam dois tipos: os que trabalhavam nas terras do senhor

com recursos próprios, pagando em açúcar ou cana uma percentagem

pelo aluguel da terra e a utilização do engenho, e aqueles que

recebiam, além da terra, os recurso necessários para cultivá-la,

inclusive escravos cedidos ou alugados (WEHLING, 2005, p. 201).

3 Um dos documentos citados na obra de José Antônio Gonsalves Mello é o diário da viagem do capitão

João Blaer aos Palmares em 1645 in BPB, traduzido por Alfredo de Carvalho, RIAP nº 56, Recife, 1902.

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1.2 A face da “Guerra do açúcar” na dominação holandesa e os feitos de Nassau

Segundo Wehling (2005), o período das invasões holandesas também ficou

conhecido como “Guerra do açúcar”. Porém, as invasões não tinham como único

objetivo o aspecto econômico, tendo em vista o controle de produção da maior riqueza

da época.

De acordo com Fernando Novais (1998), os flamengos vêm destacando-se no

contexto da economia europeia de modo muito peculiar desde a Idade Média, sendo,

pois uma região que destacou-se como um dos centro da economia de mercado mais

ativos na Europa. Tal posição ocupada pelos Países Baixos era oriunda da sua situação

de entreposto, centro de transferência de produtos e redistribuição das áreas da

economia europeia.

Os holandeses tiveram alguns problemas em sua primeira viagem ao Oceano

Índico. De acordo com afirmações de Capistrano de Abreu foi uma “[...] viagem

demorada, de pouco proveito imediato, mas fecundíssima em consequências, pois

logrou a certeza da fragilidade do domínio peninsular naquelas regiões alongadas”

(ABREU apud MAESTRI, 2001, p. 92). Contudo após a descoberta do caminho não

pararam mais e sendo, então, detentora de privilegiada distribuição de açúcar na Europa,

a Holanda passou a almejar maiores lucros, decidindo, então eliminar o controle direto

de Portugal da região açucareira do Brasil. Para tanto os holandeses planejaram

minuciosamente as expedições militares para invasão e conquista da colônia portuguesa,

especialmente a de Pernambuco em 1630, após uma fracassada tentativa na Bahia.

A Companhia das Índias Ocidentais escolheu uma opção que aumentava ainda

mais as vantagens que a Holanda já tinha no que se refere ao poderio militar: o poder

naval, já que os batavos acreditavam que o Brasil seria ocupado de forma mais fácil

através do bloqueio naval, que, por sua vez, provocaria uma rendição, a qual,

automaticamente, geraria o controle interno da colônia e dos centros de produção

açucareira, os grandes focos da ocupação holandesa.

Informação pouco conhecida é de que a Holanda já tinha interesse nas terras

brasileiras antes mesmo da Companhia das Índias Ocidentais, como Mello afirma na

citação:

O que existe de concreto é que navios holandeses, apenas disfarçados

em embarcações pertencentes a comerciantes portugueses, assumiram

uma proporção substancial do tráfego entre o Brasil e a Europa e que

esta participação continuou a crescer, a despeito da união das coroas

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portuguesas e espanhola [...] e dos vários embargos decretados pelos

soberanos peninsulares contra navios neerlandeses em portos ibéricos.

Após a trégua hispano-neerlandesa [...] comerciantes holandeses

chegaram a controlar entre a metade e dois terços da navegação entre

Portugal e o Brasil. Concluída a trégua em 1621, as autoridades

holandesas embarcaram numa política agressiva contra o Império

colonial português, visando a substituir o comércio pacífico pela

conquista territorial. É naquele mesmo ano que se funda na Holanda a

Companhia das Índias Ocidentais, a quem o estado reconhecida

direitos monopolistas no tocante à conquista, comércio e navegação da

América [...] (MELLO, 1987, p. 19).

O contexto político também motivou, em grande medida, a invasão holandesa

às terras brasílicas, tendo em vista que Portugal e Espanha eram nações aliadas por meio

da União Ibérica e a Holanda era inimiga da Espanha. É importante frisar que a

ocupação holandesa no Nordeste do Brasil tem seu início em 1624, quando houve a

tomada de Salvador, esta sem êxito devido à forte resistência dos nativos e dos

colonizadores que aqui já estavam. Contudo, em 1630 Portugal e Espanha não puderam

organizar uma defesa mais eficiente, em virtude dos conflitos internos da União Ibérica,

e os holandeses tiveram sucesso com a conquista da capitania de Pernambuco. E apenas

em 1637 que Maurício de Nassau chega aos Trópicos, o que mostra, de acordo com

Evaldo Cabral de Mello (1987), que esse período compreende dois momentos que, na

verdade dividem-se em três, sendo uma fase inicial de conquista flamenga e resistência

luso-brasileira, um período pacífico durante o governo de Nassau e uma etapa de

guerras que encerra essa tripartição.

A ocupação holandesa no Nordeste compreende dois episódios de

duração desigual: a conquista de Salvador (1624-1625) e a invasão de

Pernambuco (1630-1654) [...] examinado de perto, este calendário

sugere naturalmente uma periodização tripartida. Uma fase inicial

(1630-1637) de conquista para os holandeses, de resistência para os

luso-brasileiros; um período de paz (1638-1645), associado

comumente ao governo nassoviano; e uma etapa final de guerra

(1645-1654), de restauração na perspectiva luso brasileira, de

repressão do levante restaurador na ótica neerlandesa (MELLO, 1987,

p. 13-15).

A imagem que o europeu tinha dos trópicos não era das melhores. As terras

brasílicas eram representadas em crônicas e correspondências de viajantes como sendo

um lugar de esplendor e riquezas, contudo o que encontravam era pobreza. Esse quadro

só mudou a partir da ocupação dos holandeses na capitania de Pernambuco, os quais, a

partir da figura de Nassau, construíram belas casas, abriram ruas, pontes entre outras

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obras holandesas. Vale ressaltar que todas essas ações foram oriundas de um projeto de

urbanização de Recife, projeto este que objetivava facilitar a produção do açúcar.

Os holandeses ao chegarem ao Brasil aportaram suas embarcações na capitania

de Pernambuco. O segundo destino optado pelos batavos foi tal capitania em virtude de

ser a maior região produtora de açúcar no mundo. Além disso, cartas do governador

Matias de Albuquerque possibilitaram aos flamengos ricas informações sobre a

capitania em questão, como, por exemplo, a situação das fortificações de Olinda e

Recife e alguns dados completos sobre a produção açucareira. Além da grande

quantidade de cana-de-açúcar presente nessa capitania, os flamengos tinham

conhecimento também da cultura e exploração da cana no Nordeste.

Recife era, de acordo com os documentos antigos citados por José Antônio

Gonsalves de Mello (2007), apenas um burgo sem vida própria e totalmente dependente

de Olinda nos primeiros anos do século XVII. Contudo, mesmo com essa dependência,

o lugar era uma tentação para os piratas mais destemidos devido às riquezas oferecidas

pela terra. E foi isso que levou os holandeses a invadirem tal capitania. Após a tentativa

frustrada de invasão do centro político – Bahia – os holandeses tentaram apossar-se do

centro econômico do século seiscentista.

A conquista de Pernambuco por parte dos holandeses representou um

empreendimento bem diferente da colonização portuguesa. Embora ambos fossem

comerciantes, quando os portugueses chegaram às terras brasílicas depararam-se com

uma terra desconhecida, enquanto que aqueles já chegaram conhecendo a terra e suas

possibilidades de lucro. Enquanto os portugueses tiveram que organizar a base

econômica da colônia quando chegaram devido à cultura primitiva que encontraram, os

holandeses quando chegaram à Pernambuco encontraram um Brasil organizado já com

seu sistema de produção e de trabalho formados e o Nordeste, especificamente, com sua

economia baseada no açúcar e no negro. Tal fato gerou certa facilidade maior para os

flamengos.

A conquista holandesa da capitania de Pernambuco foi difícil, porém, devido à

destruição oriunda dos constantes conflitos entre holandeses e portugueses. Após mais

de cinco anos de lutas e destruição nas capitanias nordestinas os holandeses precisavam

reorganizar a economia que estava abalada. Para tal tarefa a melhor pessoa era Maurício

de Nassau, “[...] chegado ao Recife em 1637, era a figura mais indicada para concluir e

consolidar a conquista, pois às suas qualidades de administrador juntava grande espírito

de tolerância [...]” (ANDRADE, 1973, p. 76).

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Fernando da Cruz Gouvêa cita C.R. Boxer entre outros historiadores para

afirmar a ideia de que não havia melhor escolha para assumir o cargo de governador da

Nova Holanda do que o conde Maurício de Nassau, contratado em 1636 pela

Companhia das índias Ocidentais (WIC4) para governar e administrar a capitania de

Pernambuco, tendo em vista a sua linhagem pertencer a uma das famílias mais famosas

da Europa e ter iniciado cedo uma carreira militar virtuosa. Conforme afirma Gaspar

Barlaeus “pelas qualidades reveladas na milícia europeia, todos o desejavam nesse posto

[...]” (GOUVÊA apud BARLAEUS, 1998, p. 37). Vale ressaltar que grande parte das

informações acerca dos feitos de Nassau são baseadas nas fontes e relatos de Barlaeus, o

qual representava a imagem de Nassau como um herói sendo a realidade diferente desta.

A capitania de Pernambuco podia ser descrita por Duarte Coelho da mesma

forma que a ilha da Madeira, alertando-se apenas para a substituição da referencia aos

algodoais pela vinha e o trigo.

Entre todos os moradores e povoadores, uns fazem engenhos de

açúcar porque são poderosos para isso, outros canaviais, outros

algodoais, outros, mantimentos que é a principal e mais necessária

coisa para a terra, outros usam de pescar, que também é muito

necessário para a terra, outros usam de navios que andam buscando

mantimentos e tratando por terra conforme ao regimento que tenho

posto, outros são mestres de engenhos, outros mestres de açúcares,

carpinteiros, ferreiros, oleiros e oficiais de formas e sinos para os

açúcares e outros oficiais (VIEIRA apud MELLO, 2000, p.77).

A expansão da capitania citada anteriormente, porém, só teve seu início através

dos filhos de Duarte Coelho e de Jerônimo de Albuquerque, sendo o ponto principal

dessa expansão o engenho, este que possuía uma organização espacial chamada de

“triângulo rural” por Evaldo Cabral de Mello (2000), composto pela casa-grande,

engenho e capela. É valido destacar que os artistas nassovianos representam esse

sistema de forma muito bem, sendo as casas de Frans Post, por exemplo, uma

representação “[...] quase literal do tipo mais comum das casas rurais da mãe-pátria”

(SMITH apud MELLO, 2000, p. 79), além da representação da disposição do terreno

como um todo, no que se refere ao engenho, à casa grande e à capela.

4 Doravante, segundo a historiografia consultada, a Companhia das Índias Ocidentais também pode ser

chamada de WIC, sigla inglesa para West Indian Company.

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[...] a iconografia holandesa já indica as linhas de força do seu

assentamento em termos da ocupação dos níveis do terreno: a

instalação da fábrica na proximidade do curso d’água de que depende

para a força motriz e para outros usos; a construção da casa-grande na

parte mais elevada do terreno, via de regra, na meia encosta, em

decorrência da necessidade prática de controle das atividades e do

imperativo simbólico de expressão de domínio; e a ereção da capela

ao mesmo nível da casa-grande ou mais acima, conotando a

predominância do Sagrado (MELLO, 2000, p. 80).

Foi através do modelo escolhido por Nassau que o domínio holandês, de fato,

consagrou-se no Brasil. A primeira medida tomada por Nassau ao chegar aos trópicos

foi invalidar o controle português da capitania, tendo que, logo após dar prioridade à

recuperação da produção açucareira, a qual foi arruinada em função das lutas armadas

entre batavos e lusitanos no primeiro momento da ocupação. Para tanto foi necessário,

entre outras medidas, a plantação de outros gêneros alimentícios, como a mandioca, por

exemplo, para suprir a fome da população, especialmente dos trabalhadores.

O empreendimento nassoviano obteve sucesso graças ao modelo de ocupação

militar dos novos espaços produtivos, fator este que ocasionou uma propulsão nos

negócios batavos, fazendo com que, consequentemente, sua máquina administrativa

operasse sem maiores restrições internas. Na citação abaixo Mello elucida bem essa

realidade.

A liberalização do comércio entre os países Baixos e o Brasil holandês

explica em boa parte a euforia característica dos primeiros anos de

governo nassoviano. Com a consolidação do domínio territorial, as

tarefas econômicas passaram ao primeiro plano administrativo e, em

particular, a necessidade de pôr a operar no mais breve prazo o

sistema de produção açucareira. Os anos de guerra haviam gravemente

comprometido seu funcionamento. Quase a metade dos engenhos

havia sido abandonada pelos seus proprietários luso-brasileiros ao

emigrarem para a Bahia na esteira do exército de resistência. E o que

era mais grave, muitos engenhos haviam tido suas instalações

desmontadas, roubadas ou simplesmente danificadas (MELLO, 1987,

p. 21).

É válido apontar e chamar atenção também quanto à questão de que a presença

holandesa no Nordeste brasileiro imprimiu uma marca indelével na construção da nossa

matriz cultural. Ressaltando-se que durante a dominação holandesa junto com Nassau

não apenas vieram militares, mas também um estilo de vida, um conceito de mundo e de

sociedade, a arquitetura o urbanismo, a arte, ponto este que interessa esse trabalho.

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Outras características marcaram o governo de Nassau. Além do sucesso econômico com

o açúcar, fez grandes empreendimentos arquitetônicos, como a construção da Cidade

Maurícia, e o objetivo que ele tinha em transplantar o Renascimento para a América,

estimulando, assim, as artes e o conhecimento da colônia através de artistas, dentre os

quais alguns vieram em sua comitiva, como é o caso, por exemplo, de Frans Post.

[...] quanto às ciências e artes, a ação do período nassoviano é

verdadeiramente fecundo em comparação com a colônia dos

portugueses sempre estéreis nas artes. Portugal nunca cogitou em

enviar para o Brasil homens de conhecimento, ao contrário, procurou

sempre evitar o contato com os estrangeiros ilustres (GOUVÊA apud

RODRIGUES, 1998, p. 209).

Entre os artistas que acompanharam a comitiva nassoviana estava Frans Post, o

qual, segundo a divisão feita por Maurício de Nassau no tocante

às imagens, ficou responsável pelos registros das áreas sob o controle flamengo, as

batalhas e as principais edificações construídas e/ ou conquistadas por estes.

Holandeses e outros europeus (alemães, franceses) ficavam encantados com as

terras pernambucanas, as quais eram retratadas pelo artista Frans Post, que configurou

muito bem as paisagens pernambucanas, transmitindo um ideal pacífico da capitania.

Não foi, porém, apenas paisagens da natureza que Post retratou em suas telas. Para

existência de uma sociedade é necessário que haja uma cidade e tendo consciência disso

é que Nassau construiu a Cidade Maurícia, esta que foi milimétrica e meticulosamente

projetada em cada um de seus detalhes, sendo alguns deles, inclusive calculados pelo

próprio Maurício de Nassau. Essa cidade foi muito bem representada por Post em sua

tela Mauritiopolis, na qual o artista mostra o aspecto mais popular da cidade: um bairro

projetado por Nassau para os habitantes mais pobres.

Antes da invasão holandesa e da comitiva de Nassau, a qual trazia uma missão

artístico-científica composta por artista e cientistas europeus mandados pela Companhia

das Índias Ocidentais com o objetivo de representar uma visão diferenciada do Novo

Mundo, os relatos que se conheciam deste eram baseados em textos, não sendo a

imagem algo comum e sim apenas um complemento cujo objetivo era prender ainda

mais a atenção do leitor. Foi a partir de Nassau que o imaginário da América portuguesa

mudou, em virtude do trabalho de artistas como Frans Post, por exemplo.

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2 O IMAGINÁRIO DO NOVO MUNDO NAS TELAS DE FRANS POST

De acordo com Evaldo Cabral de Mello (1987), no processo de formação de

uma nação existem acontecimentos que ganham relevância histórica e cultural. E

existem, ainda, alguns fatos que “passam a ser aceitos pelo senso comum como

acontecimentos sínteses, simbolizando os ideais e valores permanentemente necessários

à formação da nação” (MELLO, 1987, p. 9). Estes são chamados de referências

culturais, estando, pois, a experiência holandesa no Nordeste brasileiro incluída nessa

categoria. No tocante à arte, é importante ressaltar que nos séculos XVI e XVII não é

correto falar o termo “arte brasileira” e sim “arte no Brasil”, tendo em vista que ela foi

oriunda das transplantações de conceitos europeus.

Quando os flamengos chegaram ao território brasileiro estavam acompanhados

não apenas de exércitos. Eles traziam consigo, em sua “missão holandesa”, um estilo de

vida, uma concepção de mundo e de sociedade, a arte militar, mas também as artes

plásticas, a arquitetura e o urbanismo como pode ser visto em várias imagens de Frans

Post, este que estava, juntamente com Albert Eckhout, entre os artistas holandeses que

se destacaram, sendo muito mais um cartógrafo que pintor.

Naquela “Missão”, especialmente importantes foram os pintores.

Eram documentaristas da nova terra e do seu exotismo. Pintaram

paisagens, pessoas, animais e naturezas mortas do nordeste em que

moraram temporariamente. As obras deles [...] foi o que melhor se fez

no Brasil em termos qualitativos no século XVII (LOPES, 1984, p.

60).

Maurício de Nassau foi convidado pelo Conselho dos XIX da Companhia das

Índias Ocidentais a assumir o posto de governador do Brasil holandês após a realização

de seus feitos na Europa, como a conquista de Bois-le-Duc e a tomada de Maastricht,

bem como a sua entrada muito cedo e participação no Exército da União.

Para tal posto, Nassau necessitava registrar as realizações de seu governo, a

paisagem e a topografia do lugar conquistado, bem como os aspectos militares e civis

para que a Europa pudesse tomar conhecimento do trabalho que estava sendo realizado

nos Trópicos. Foi pensando nisso que o Conde holandês trouxe em sua comitiva e

missão científica alguns pintores, sendo, pois, de maior importância e relevância para

esse trabalho Frans Post.

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As imagens produzidas por esse artista, no contexto da vinda da comitiva de

Nassau para os Trópicos, tiveram importância fundamental para autopromoção do

conde enquanto chefe de estado, na medida em que retratavam seu governo e sua figura.

Nassau sabia o quão importante era a propaganda para seu governo e que só através das

imagens conseguiria comprovar sua proeza no Brasil e seriam símbolos de sua boa

administração local.

Tendo em vista que o artista em questão foi contratado por Maurício de Nassau

com a função de pintar os fortes e as vilas do Brasil colonial e levando-se em

consideração ainda a maestria e riqueza de detalhes de sua obra “[...] a imagem em

Frans Post, tida como uma cópia visual da realidade empírica, foi tomada até como uma

antecipação óptica da imagem fotográfica” (VIEIRA, 2013, p.2).

Enquanto cartógrafo Post descreveu, por meio de esboços, de forma criteriosa a

paisagem do Nordeste. Ele tinha uma comitiva composta por militares, guardas e alguns

nativos que o acompanhavam por questões de segurança e conhecimento dos caminhos

e fronteiras, tendo percorrido, assim, diversas capitanias da América portuguesa.

Figura 1: Paisagem do Rio São Francisco, Frans Post. Disponível em: <http://brasiliana.usp.br>. Acesso em 5 nov. 2014.

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Figura 2: Rio São Francisco, Frans Post. Disponível em:<http://albertorenault.blogspot.com>. Acesso em 6 nov. 2014.

Muitos dos seus desenhos e esboços transformaram-se em telas após a volta do

artista a Europa. Em virtude disso as imagens e paisagens do Nordeste ganharam uma

luminosidade brumosa natural do Norte da Europa. O mais expressivo nas suas

paisagens são os horizontes largos e perspectivas que se diluem num azul lírico. Embora

Post não tenha sabido captar a luminosidade da terra a qual estava representando soube

expressar minimamente a extensão do espaço.

O Brasil, assim como as demais terras americanas, ocupava um lugar no

imaginário europeu permeado por mitos, sendo uma terra distante e selvagem. Tal

pensamento é resultado de uma série de documentos, como crônicas e relatos, por

exemplo, com pouca ou nenhuma parcialidade e equivocados durante muito tempo essa

área a única fonte de informação sobre o Novo Mundo, realidade esta que começou a

mudar no século XVII, quando as imagens deixaram de ser utilizadas com cunho

meramente ilustrativo, passando agora a constituírem também fontes do conhecimento

acerca dos Trópicos.

Tendo em vista a curiosidade europeia a respeito das terras tropicais, Nassau traz

em sua comitiva artistas com esse objetivo, os quais eternizaram em suas telas aspectos

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da colônia no que concerne ao relevo, á flora, aos tipos humanos, às construções para

mostrar a Europa as vantagens daquela terra e de suas riquezas. De acordo com Izabel

Maria dos Santos (2008), suas imagens foram responsáveis pela transformação do

pensamento europeu acerca do Novo Mundo.

A extensa produção artística e científica desenvolvida pelos membros

da corte de Nassau logo se transformou na principal fonte de

informações e imagens sobre a América. Foi através dos livros,

mapas, gravuras e telas, produzidas pela comitiva do vaidoso conde

que a Europa foi absorvendo referências e formando um conceito

sobre como seria o Novo Mundo, bem como foi se transformando o

imaginário, até então existente, de forma a abandonar a imagem do

índio europeizado e das paisagens estilizadas. Surgia ali, no apogeu da

sociedade Moderna e sob grande influência do legado artístico e

científico deixado pelos membros da comitiva de Maurício de Nassau,

uma nova forma de se pensar a América e seus habitantes (SANTOS,

2008, p. 2).

Segundo Leonardo Dantas Silva (2000), Post foi o primeiro paisagista europeu

que veio a trabalho para as terras brasílicas e deixou uma obra rica, porém pouco do seu

trabalho chegou até nós, apenas pouco mais de 160 telas. Além de ser o primeiro pintor

da paisagem brasileira é também o pioneiro no paisagismo das Américas, ocupando,

assim, uma importância primordial por ter sido o precursor dentre os artistas

estrangeiros a retratar essas paisagens, sendo sua primeira obra com tema das Américas

A vista de Itamaracá.

Formado na escola de Haarlem e acostumado com a luz da Holanda, o pintor

teve seu conhecimento aprendido com seu irmão mais velho Pieter Post, discípulo do

maior arquiteto do seu tempo e responsável pela construção da Casa de Maurício –

Mauritshuis–e, através dele, foi apresentado ao Conde de Nassau quando este foi

convidado para governar o Brasil. Aqui o pintor tornou-se a memória visual do

governador, registrando tudo ou quase tudo, já que o foco do seu trabalho eram

paisagens, construções e aspectos militares, ficando o aspecto etnográfico sob a

responsabilidade de Albert Eckhout. Para isso, Post passou a acompanhar Nassau em

todas as suas viagens.

O objetivo principal de Frans Post seria a documentação de cidades,

vilas, povoações, costumes, construções civis e militares, cenas de

batalhas navais e terrestres, que viriam a ilustrar um grande relatório

das atividades do governo do Conde de Nassau em terras da América.

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Enquanto Albert Eckhout tinha por tarefa a documentação de tipos

humanos, da fauna e da flora [...] (SILVA, 2000, p. 12)

Foram pelo menos 18 quadros pintados por Frans Post que retratavam a

paisagem brasileira durante o período de sete anos que ele ficou no Nordeste

acompanhando Nassau, sendo quadros que mediam cerca de 60cm x 90cm e foram

conservados por Nassau até 1679. Após sua morte as telas foram doadas ao rei Luís

XIV da França. Porem dessa quantidade apenas sete quadros conseguiram ser

identificados enquanto os outros desapareceram com o passar do tempo.

José Roberto Teixeira Leite faz a seguinte observação acerca de Post e de sua

pintura:

Pode-se aquilatar o impacto emocional por que terá passado Post,

acostumado à disciplina dos campos holandeses, banhados em suave

luminosidade, ao se defrontar de inopino com a áspera vegetação

tropical, povoada de seres insólitos, tudo sob uma luz

escandalosamente intensa. A força e o ineditismo de tal impacto têm

como consequência estancar, no artista setentrional, toda a capacidade

criadora, e por isso, nos Trópicos, os amadores sentem-se mais à

vontade que os verdadeiros pintores. É que os Trópicos são mais

pitorescos que pictóricos, demasiados ricos, demasiados exuberantes

[...] Nos quadros executados no Brasil conseguiu Frans Post traduzir

todo o pitoresco, sem deixar de ser pictórico; daí o seu valor. E

embora se subordinasse fielmente à realidade soube evitar o excesso

de detalhes meramente esdrúxulo, aquele acúmulo de elementos

curiosos que sobrecarregariam o quadro, comprometendo-o

irremediavelmente (LEITE apud SILVA, 2000, p. 14).

Ele afirma ainda que o artista deve ter registrado meticulosamente a fisionomia

do Brasil, embora tivesse que selecionar, de acordo com a inspeção de Maurício de

Nassau, apenas algumas obras para ilustrar o livro de Barleus, sendo o critério para

escolha as que estivessem mais aptas ao esclarecimento do texto.

Frans Post tem grande importância no cenário da iconografia brasileira enquanto

documentarista, chamando atenção de todos que se dedicavam a estudar o imaginário

brasileiro do período nassoviano, por ser uma fonte relevante para os aspectos naturais,

etnográficos, arquitetônicos e topográficos. Apesar de suas obras serem de grandes

dimensões, Post era tido como um miniaturista e suas telas possuem uma riqueza de

detalhes minuciosos e muito pequenos, fazendo-se por vezes necessário o uso de uma

lupa para conseguir visualizar as particularidades que ele julgava necessárias para

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compor aquela imagem e, muitas vezes, ele conseguia captar e representar aspectos

etnográficos que talvez Eckhout não conseguisse em seus quadros.

As obras de Post são uma fonte inestimável para a história natural e

etnografia bem como para a arquitetura e topografia. Para certos temas

não existem equivalentes no material até agora estudado. Embora suas

pinturas muitas vezes sejam de tamanho moderado ou mesmo grande,

Post era virtualmente um miniaturista em escala e seu olhar para os

detalhes era bem meticuloso. Pode-se julgar a importância que os

detalhes tinham para ele pelo seu trabalho mesmo nas figuras com um

centímetro mais ou menos. Com frequência precisamos de uma lupa

para apreciar a quantidade de detalhes minuciosos que ele julgava

necessário. Portanto, concluímos que os animais, plantas e pessoas em

seus quadros têm um valor documentário, não apenas para mostrar o

que ele observa, mas, no caso da etnologia, para registrar coisas que

talvez não sejam encontradas nas obras de Eckhout ou em outras

fontes (WHITEHEAD apud SILVA, 2000, p. 16).

Os desenhos de Post foram a única fonte iconográfica da paisagem brasileira que

se teve conhecimento por mais de um século e foram essas paisagens que compuseram a

mais importante fonte para o estudo do domínio holandês e do governo de Nassau no

Brasil: o livro de Gaspar Barleus. Ao todo são 31 imagens, das quais 23 são de Post e,

destas, 14 estão datadas de 1645. Além de imagens de Frans Post, Barleus traz 24

mapas de sítios e fortificações, sendo esse conjunto de autoria de George Marcgrave e

um apenas parece ser do cartógrafo CornelisBastianszoonGolijath. Além do livro de

Barleus, as imagens de Post ilustraram outras composições da época, como o poema

Mauritiados do reverendo Francisco Plante, por exemplo.

Após as imagens para o livro de Barleus e já na Holanda, Frans não abandonou

os pincéis e as telas. O artista foi dominado pela paisagem dos Trópicos. Na sua volta

para a Holanda continuou a representar quadros com imagens brasileiras, graças aos

seus esboços elaborados durante a sua estadia de sete anos no Novo Mundo, cheios de

cores e elementos tropicais. Agora que sua obra não tem mais o objetivo de documentar

ela ganha uma importância ainda maior na medida em que registra a arquitetura civil,

religiosa e militar, a fauna, a flora, tipos humanos entre outros elementos de

fundamental relevância para tornar conhecida a paisagem do século XVII do Nordeste

brasileiro.

O contato direto com a natureza primitiva deu a Frans Post um estilo próprio

deixando ele à margem dos grandes artistas holandeses contemporâneos a ele, como

Segher, Ruidael e Van Goyen, por exemplo.

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[...] resumindo a evolução artística de Frans Post, podemos afirmar

que, superada a fase documental dos quadros realizados no Brasil,

vencida a preocupação pelo exótico e pelo pitoresco dos produzidos

imediatamente após o retorno à Holanda, conseguiu o pintor afinal

harmonia entre forma e cor e a equivalência entre o conteúdo e o seu

equivalente clássico, para evocar a paisagem brasileira, da qual seria o

intérprete primeiro, num clima de intenso lirismo (LEITE apud

SILVA, 2000, p. 23).

A pintura de Frans Post é nitidamente holandesa no que concerne às tradições

pictóricas e descritivas que eram usadas nas pinturas dos Países Baixos. Sua pintura é

descrita por Hermann Bauer da seguinte forma:

Nos seus quadros, nota-se que dá, é certo, diversas informações

pormenorizadas no que diz respeito ao país longínquo, mas que em

suas pinturas são compostas segundo os esquemas habituais da pintura

de paisagem holandesa. Partindo-se do primeiro plano flanqueado de

decorações laterais, é-se levado para a profundidade do quadro; o

longínquo com as alterações cromáticas, o lugar importante ocupado

pelo céu são características típicas da pintura holandesa. Nestas

paisagens brasileiras, a figura da pintura de gênero torna-se num tema

secundário do quadro cuja estrutura ele ordena (BAUER apud

OLIVEIRA, 2005, p. 14).

Pode-se dizer que a obra de Post está dividida em quatro etapas, as quais

sofreram diversas mudanças ao longe de seus 40 anos. A primeira fase do artista,

intitulada Os anos brasileiros, durou de 1637 à 1644 e foi o momento mais espontâneo

e original do pintor que reproduziu 18 paisagens brasileiras que representavam as

províncias do Brasil controladas por Nassau.

A segunda fase, conhecida por Os anos realistas, com duração de 1645 à 1659,

corresponde aos 15 anos após sua chegada na Holanda, um período em que havia

grande preocupação por parte do artista em pintar exatamente o que ele observara in

loco, tarefa esta que apenas se tornava possível devido aos cadernos de esboços de

Frans, onde ele fazia seus desenhos, sendo estes que mais tarde se transformaram em

telas.

O apogeu, sua terceira fase, durou de 1660 à 1669. Essa fase é conhecida pela

maturidade artística de Post, tendo em vista o domínio que o artista conseguiu em sua

técnica e tratamento de temas brasileiros. Contudo, foi no momento em que a obra desse

artista passou a lhe garantir certo conforto e maior prosperidade que ele começou a

perder muito de sua espontaneidade e abandonar sua preocupação de reproduzir tal qual

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seus esboços lhes mostravam. É nessa fase também que a sua obra sofreu uma mudança,

pois seus clientes agora desejavam composições com riqueza de detalhes tropicais,

árvores, moinhos de açúcar, vilarejos, índios e escravos negros. Dessa forma, o artista

começou a realizar arranjos decorativos dos diversos elementos brasileiros que lhe eram

solicitados em quadros que, apesar de não terem esboços, foram todos esses elementos

muito bem observados por Post na sua estadia no Brasil. Nessa fase foram produzidas

mais de 80 obras.

Fica claro que as imagens de Frans Post feitas no Brasil eram criadas a partir de

uma motivação econômica e política, pois sua intenção era registrar a riqueza e

organização das terras sob o domínio holandês na América portuguesa. Contudo, como

percebe-se na terceira fase do pintor, sua obra mudou e ele deixou de pintar apenas o

que estava representado em seus cadernos de esboço. Isso pode ser explicado por um

espaço chamado de ‘campo’, onde as práticas sociais ocorrem de acordo com as

posições de poder e trocas simbólicas, sendo, nesse caso, o campo de Post demarcado

pelo mundo holandês. E como burguês ele sabia o que produzir para conseguir

receptividade no mercado artístico da Holanda.

Sua última fase – O declínio (1670 à 1680) – constituiu seu período mais fraco e,

sobretudo, de decadência artística e pessoal. As obras desta fase mostraram falhas de

execução e hesitações técnicas bem pouco compatíveis com o que se conhece do pintor.

Tal fato pode ser explicado pelo declínio físico e mental pelo qual passou o artista

devido à sua idade avançada, à morte de sua esposa e ao alcoolismo. O vício muito

corroborou para a queda de sua capacidade criadora, contribuindo, assim, para a

decadência e mediocridade dos seus trabalhos. Isso o impossibilitou de ver a entrega

dos seus quadros ao rei da França em 1679, Luís XIV, quem os recebeu com presente

de Maurício de Nassau.

Nas últimas fases do trabalho de Post sua obra torna-se mais frágil e ganha

menos definição tanto com relação ao traço quanto ao conteúdo, mudança esta que, de

acordo com Gordon se alguém que continuasse na Holanda e nunca tivesse saído

representaria o exótico do Novo Mundo da mesma forma. Neste sentido alguns autores,

como Joaquim de Souza Leão, defendem a fidelidade de Post para com seu trabalho,

pois embora ele distancie-se da descrição do Novo Mundo de forma mais real,

ganhando sua obra figuras incomuns e estranhas ao Brasil, ainda assim conseguia

atender a necessidade e curiosidade pelos Trópicos com relação aos seus compradores.

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A evolução que se nota no seu estilo é apenas natural dentro do espaço

de aproximadamente trinta anos. O que é notável é que seu trabalho se

manteve igual em qualidade e fácil de identificar, e que Post se

permitiu ser um pouco influenciado por seus grandes contemporâneos.

É quase um caso sem paralelo (LEÃO apud PONTES, 2008, p. 6-7).

Post morreu em Haarlem em 18 de fevereiro de 1680 e mereceu a honra de ser

retratado por FransHals, importante retratista contemporâneo àquele pintor.

Vale ressaltar que e a obra de Post teve dois aspectos principais: um político,

visto em grande medida na sua primeira fase, na qual representava o Novo Mundo tal

qual ele é, devido aos seus esboços e também ao controle de Nassau; um comercial,

onde a obra de Post passa a ser muito mais decorativa, ao passo que ele recebia

encomendas do mercado curioso pelo Novo Mundo.

Ainda no que se refere à fidelidade do pintor holandês com relação à fidelidade

do pintor holandês com relação à sua imagem pode-se perceber o quão espaçosa foi sua

obra, tendo em vista que toda sua carreira como pintor foi com o tema do Novo Mundo,

mesmo com o declínio sofrido especificamente na quarta fase de sua obra. Deve-se

levar em consideração também o fato de que os desenhos feitos por Post foram

utilizados em sua primeira fase, sendo os demais estágios do seu trabalho feitos com

uma única ferramenta principal: a sua memória. E esta, ao longo dos anos, tende a

misturar fatos, detalhes e experiências com relação a diversos eventos.

De acordo com Giulio Carlo Argan (1998) a arte é uma ideologia que dá ao ser

humano a possibilidade de representar-se. Dessa forma, as telas de Post podem ser

consideradas como vários estágios diferentes de fases em que o Brasil é descoberto por

um público que o desconhecia completamente.

Além da visão antropológica de Post é possível perceber a presença de um

molde em sua tradição holandesa. O pintor estava fortemente ligado às amarras da

pintura de paisagem flamenga do século XVII – o século do ouro da pintura batava –

fato este que pode ser percebido por meio do uso de recursos estéticos constantemente

como o repoussoir5 e o horizonte baixo. SeymorSlives (1998) aponta várias

semelhanças de Post com seus contemporâneos pintores, mesmo tendo iniciado muito

cedo sua carreira de pintor e tendo sido no Brasil, fato este que revela um modelo

holandês para pinturas de paisagem.

5 Segundo o glossário do sítio Educathyssen, é uma palavra francesa para uma técnica na qual a obra é

pintada com cores fortes no primeiro plano de uma imagem e serve para aumentar a sensação de distância

do outro detalhe.

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Outra característica da pintura holandesa além do realismo6é o maneirismo

7, não

sendo, contudo, este fruto apenas da formação artística e sim da possibilidade de

concluir suas telas em ateliês a partir de esboços do natural, técnica esta que permite

atenção maior aos detalhes, às estruturas e ao conteúdo.

Quando se discute o realismo em relação aos pintores de paisagem

holandeses do século XVII, é importante ter em mente que esses

artistas quase nunca pintavam seus quadros em exteriores. A prática

de fazer pinturas ao ar livre só se tornou comum no século XIX. Em

épocas anteriores as pinturas de paisagem eram quase sempre

compostas nos ateliês (SLIVE, 1998, p.181).

Pode-se exemplificar as semelhanças entre Post e seus contemporâneos da

pintura holandesa de paisagens ao coloca-lo lado a lado com outro artista do seu tempo,

por exemplo, RoelandtSavery. É possível observar nas imagens de ambos os artistas

mencionados a presença de um repoussoir do lado direito composto de um elemento

vertical principal e uma representação da fauna e flora. Além disso, a semelhança

completa-se pela presença de uma edificação singular destacada no quadro e o

horizonte, que embora esteja distante ainda assim está detalhado, como era, de fato, o

esforço da pintura de paisagem holandesa.

6Segundo o Novo Aurélio Século XXI, é uma doutrina segundo a qual a arte deve expressar somente os

caracteres essenciais da realidade. 7Segundo o Novo Aurélio Século XXI, é uma tendência estética surgida no século XVI que se caracteriza

pela interpretação requintada da maneira de certos artistas do Renascimento, com ênfase na

movimentação estilizada das formas (e consequente abandono da proporção e simetria), na elegância, na

dramaticidade, o que iria configurar uma arte própria de uma minoria intelectual cortesã, marcada pelo

individualismo.

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Figura 3: Vista da Sé de Olinda, Frans Post. Disponível em: <http://www.coletiva.org>. Acesso em 4 nov. 2014.

Figura 4: Paisagem com pássaros, RoelandtSavery. Disponível em: <http://pt.wahooart.com>. Acesso em 4 nov. 2014.

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De acordo com George Gordon (2006),Frans Post utiliza em cada uma de suas fases

técnicas variantes, sendo a primeira e segunda fases mais importantes, tendo em vista que foi

o marco de sua volta a Holanda e quando seu trabalho foi dividido em quadros a serviço da

administração e quadros comercializados. As técnicas utilizadas nessas fases são marcantes e

repetem-se nas demais, sendo o primeiro estágio marcado pelo naturalismo, em grande

medida, ausência de um elemento central e de um primeiro plano. Já no segundo estágio são

usados mais pigmentos, a madeira, enquanto suporte,ganha destaque, a linha do horizonte

torna-se um pouco mais alta e uma barreira vegetal passa a ocupar o primeiro plano. Além

dessas características, é marcante na maioria dos quadros do pintor a presença de um

repoussoir e de um horizonte baixo, independente do estágio de sua obra.

Figura 5: A Vista de Itamaracá, Frans Post. Disponível em: <http://franspost-tda.blogspot.com>. Acesso em 4 nov. 2014.

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Figura 6: A cachoeira de Paulo Afonso, Frans Post. Disponível em: <http://brasilartesenciclopedias.com.br>. Acesso em 4 nov. 2014.

Segundo Svetlana Alpers (1999) a pintura de paisagem holandesa era uma abstração

materializada na qual “[...] era como uma descrição da Holanda e da vida holandesa que os

autores de antes do século XX viam e julgavam a arte holandesa do século XVII” (ALPERS,

1999, p. 23), de modo que o que mais chamava atenção dos observadores dessa arte era o seu

aspecto descritivo, aspecto este que se torna a sua maior distinção da arte italiana. Nomes

como Joshua Reynolds e EugéneFromentin têm a mesma opinião: de que os holandeses nada

mais faziam do que um retrato de sim mesmos, embora ambos os analisadores possuíam uma

visão diferente da pintura holandesa.

O primeiro era um antagonista que considerava o interesse pela ‘naturalidade de

representação’ dos holandeses junto com a monotonia de suas imagens uma combinação que

deixava a descrição verbal enfadonha e desarticulada. Assim ele escreve sobre a pintura

holandesa:

A descrição que até aqui se deu nos quadros holandeses é, confesso-o, mais

chata do que eu esperava. Seria desejável poder dar ao leitor uma ideia dessa

excelência, cuja contemplação propiciou tanto prazer: mas, como o mérito

deles não raro consiste unicamente na verdade da representação, por mais

elogio que mereçam, por mais prazer que dêem quando sob o nosso olhar,

não fazem senão uma triste figura na descrição (REYNOLDS apud

ALPERS, 1999, p. 24).

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Já o Fromentin afirma que um pintor holandês não tinha motivo algum para pintar um quadro,

de modo que “a pintura holandesa não era nem podia ser senão o retrato da Holanda, sua

imagem exterior, fiel, exata, completa, natural, sem nenhum ornamento” (FROMENTIN apud

ALPERS, 1999, p. 25).

A arte holandesa, no que se refere ao consumo é semelhante com a arte do século XX:

havia um investimento alto, os quadros eram comprados diretamente na loja do artista ou em

mercados abertos para encher espaços e/ou decorar paredes.

Do ponto de vista de seu consumo, a arte como a vemos em nossos dias tem

início, sob vários aspectos, com a arte holandesa. Seu papel social não está

longe daquele que tem a arte atual: investimento líquido com a prata,

tapeçarias ou outros objetos de valor, os quadros eram comprados nas lojas

dos artistas ou no mercado aberto como posses e pendurados, presume-se,

para encher espaço e decorar as paredes domésticas (ALPERS, 1999, p. 32).

Essa forma artística do norte europeu tinha seu maior problema localizado na falta de acesso

verbal fácil, não proporcionando, pois, um discurso crítico próprio, diferindo tanto do

Renascimento italiano, devido à presença de manuais e tratados, como também do realismo

do século XIX.

Os retratos, as naturezas-mortas, as paisagens e a apresentação da vida diária

representam prazeres hauridos num mundo cheio de prazeres: os prazeres

dos laços familiares, os prazeres das posses, prazer nas pequenas cidades, na

terra. Nessas imagens o século XVII assemelha-se a um longo domingo

(ALPERS, 1999, p.34).

O prazer e harmonia característicos da pintura holandesa do século XVII colocado por

Alpers pode ser visto nas obras de Post, como por exemplo, o Forte Frederik Hendrik, tela na

qual o artista coloca as três raças existentes na colônia – o índio, o negro e o branco – de

forma harmoniosa e sem conflitos, fazendo apenas uma descrição do seu cotidiano. Vale,

embora, atentar para o fato de que as outras raças utilizam, na pintura, objetos holandeses, o

que pode indicar a tentativa de unificação das etnias por meios da figura do branco holandês

colonizador. Tal fato pode, ainda, ter objetivo de mostrar na Europa como o flamengo seria

um melhor administrador para o Novo Mundo do que o português a partir do momento que

teria conseguido manter um convívio pacífico e harmonioso entre as três raças.

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Figura 7: Forte Frederik Hendrik, Frans Post. Disponível em: <http://www.areliquia.com.br>. Acesso em 4 nov. 2014.

A natureza marca presença forte nas obras de Post, mantendo-se intacta e

predominante mesmo após a volta do artista a Holanda, mesmo com a presença de engenhos,

do homem, entre outros aspectos presentes naquelas obras. Apenas em algumas pinturas,

como Vista da Cidade Maurícia e do Recife, a natureza não está tão priorizada quanto em

outras telas.

Figura 8: Vista da Cidade Maurícia e do Recife, Frans Post. Disponível em: <http://www.revistadehistoria.com.br>. Acesso em 4 nov. 2014.

Em outras imagens pode-se percebera diferença de como o aspecto natural é mostrado, como

em Arredores de Serinhaém e Carro de Bois. O primeiro mostra a natureza em sua forma

deslumbrante, já no segundo essa mesma presença marcante da natureza, papel central

naquela, cedo o espaço para o carro de bois com o capataz e seus escravos.

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Figura 9:Carro de Bois, Frans Post. Disponível em <http://people.ufpr.br>. Acesso em 04 nov. 2014.

A imagem de Post, segundo Daniel de Souza Leão Vieira, é marcada pela relação

entre topografia e história, especialmente em suas primeiras imagens, tendo em vista que eram

feitas sob a ordenança de Nassau, possuindo, pois, um valor político da formação de uma

imagem oficial da colônia. Sua obra já comportava, no aspecto visual, um realismo, o qual era

característica da pintura holandesa, associado ao imaginário da topografia na representação

neerlandesa de paisagem, tal fato sendo marcante em sua primeira tela Vista de Itamaracá, e,

embora sua segunda telaO Carro de Bois fizesse menção muito mais à abundância e riqueza

do açúcar do que à topografia foi um meio que não foi novamente utilizado nas telas que

chegaram até nosso conhecimento, sendo, inclusive, todas as telas, até 1640, compostas

cumprindo a representação da topografia das localidades oficiais da Nova Holanda.

Foi nesse ambiente cultural, em que eram relacionados entre si a topografia e

a história, que Frans Post nasceu e aprendeu a compor paisagens. E esses

códigos de representação estão marcantemente presentes em suas primeiras

paisagens, sobretudo porque, sendo feitas para João Maurício, Conde de

Nassau-Siegen, elas adquiririam a visão política da montagem de uma visão

oficial da colônia. [...] Quando Frans Post viajara para o Brasil, no início de

1637, a linguagem visual do ‘realismo’ já estava associada ao cenário de

topografia pátria na paisagística neerlandesa. A sua primeira tela, Vista de

Itamaracá, já apresenta essa característica. E se a segunda tela, O carro de

bois, representa a paisagem pernambucana em alegoria de abundância

açucareira sem fazer menção à topografia, tratou-se de uma estratégia que

não voltou a se repetir nas telas que ele pintou depois e que chegaram até

nosso conhecimento hoje. Toas as cinco, datada até 1640, foram compostas

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respeitando o motivo da topografia das localidades oficiais da colônia

(VIEIRA, 2013, p. 4).

Vê-se que a paisagem está sempre presente nas telas de Frans Post e considero, assim,

necessário fazer uma abordagem no tocante ao surgimento desta como gênero de pintura. Da

mesma forma que a natureza “a paisagem não reivindica para si o papel de protagonista [...] e

se conforma com o plano de mero cenário” (GUTLICH, 2005, p. 35). Ela tem um significado

muito maior na pintura setentrional, surgindo, no máximo, como pano de fundo na pintura

italiana. O surgimento da paisagem enquanto gênero da pintura foi identificado por E. H.

Gombrich, na obra A teoria renascentista da arte e a ascensão da paisagem (1950), através

de inventários venezianos do Renascimento, assim também como Kenneth Clarck, na obra A

paisagem na arte (1961), viu que nas pinturas venezianas o fundo passou a ser substituído

pelas paisagens.

É interessante mostrar que há dois termos para a mesma palavra: paesagio (italiano) e

landschaap (holandês). Enquanto o primeiro refere-se ao aspecto visual, o segundo diz

respeito a uma área conquistada pelo homem a qual era necessário largo esforço para mantê-

la.

Outro aspecto da pintura de paisagem é a presença do mar, este que demorou a compor

o fundo das pinturas por não consistir em um lugar digno de admiração, sendo visto apenas

como um obstáculo para os viajantes.

A marinha surge na pintura holandesa no século XVI obvimanete como um

adágio acerca da fragilidade do homem frente à fúria da natureza, dos riscos

da pátria frente ao risco iminente da destruição e, logo depois, como

celebração dos feitos navais, das glórias marítimas, da engenhosidade na

construção naval, mas nunca lhe negando a força e o temor que dele advinha.

Pode-se arriscar que em muitos casos o mar apresenta-se como protagonista

de um possível embatimento trágico (GUTLICH apud GOMBRICH, 2005,

p. 39).

Um aspecto que chama muito a atenção é mostrado por Gombrich (apud GUTLICH).

Trata-se de um processo no qual havia uma identificação dos pintores vivos com os da

Antiguidade, sendo Frans Post comparado a Estudio, este que pintava cenas campestres com

pessoas locomovendo-se.

Não se deve privar da glória Estúdio, pintor da época de Augusto, o primeiro

a pintar, em paredes, temas amenos, casa de campo e portos, bosques

sagrados, florestas, tanques de peixes, canais, riachos, praias e o que viesse a

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desejar, colocando aí vários tipos de pessoas, andando a pé ou de barco,

dirigindo-se, por terra, a suas propriedades rurais a cavalo ou em carroças,

ou pescando ou caçando e colhendo uvas8 (GUTLICH, 2005, p.53).

A esfera celeste também característica da obra de Post denuncia o legado de artistas a

quem nosso pintor estava ligado – os de Haarlem, tais como Seghers e Ruysdael. É

importante ressaltar que as nuvens na pintura de Post passam por certa mudança, sendo as

obras feitas no Brasil com certa timidez, enquanto suas telas feitas já na Holanda surgem com

uma liberdade narrativa e apuro técnicos maiores. Pode-se perceber essa diferença através do

quadro Cidade Frederica.

Figura 10: Cidade Frederica, Frans Post. Disponível em: <http://commons.wikimedia.org>. Acesso em 4 nov. 2014.

O primeiro quadro é sua principal obra no aspecto de manifestações celestes.

Enquanto na maioria das obras de Post as nuvens surgem em contraposição ou reforço à linha

compositiva diagonal predominante, nesse quadro há certa comunicação entre céu e terra,

deixando claro, possivelmente a formação de uma tempestade, percebido também pelo

recolhimento dos pássaros no canto inferior direito, e ainda, no céu, a formação de uma figura

humana.

Neste sentido, nota-se, então, o quanto essas telas foram importantes para diversos

historiadores na construção da historiografia brasileira. É partindo desse pressuposto que

venho mostrar o quanto essas mesmas imagens podem se transformar em um importante

recurso didático no processo de ensino-aprendizagem da temática do Brasil-colônia.

8 PLÍNIO, o velho, 23-79 d.C., itens 113 e 116 do livro 35 da Historia Naturalis.

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3 A UTILIZAÇÃO DA ICONOGRAFIA COMO RECURSO DIDÁTICO

A historiografia passou por algumas mudanças e deixou de importar para historiadores

apenas eventos políticos, econômicos e sociais. Foi nesse sentido que surgiu o campo da

História das Mentalidades, junto com outros campos, e com ele outros tipos de fontes passou

a chamar atenção dos estudiosos da história, como, por exemplo, as imagens, estas que

passam a ser utilizadas com uma abrangência maior ao lado de textos e relatos orais.

Chama a atenção o uso desse tipo de fonte, pois muitos historiadores ainda estão

presos ao tradicionalismo histórico e desenvolvem estudos na área econômica, políticae

social, muitas vezes, apenas através de documentos escritos e/ ou relatos orais, quando, na

verdade, o recurso imagético é algo que, se bem analisado, pode trazer à luz um vasto leque

de informações ou mesmo confirmar os discursos já elaborados pelas fontes escritas. Prova

disso são as pinturas rupestres utilizadas para o estudo da Pré- história, as pinturas feitas nos

túmulos das pirâmides e sua contribuição para a história do Egito antigo e, claro, as telas de

Frans Post no estudo da dominação holandesa no período do Brasil colônia.

Jacob Burckhardt (apud BURKE, 2004) define imagens como “testemunhas de etapas

passadas do desenvolvimento do espírito humano” e através delas “é possível ler as estruturas

de pensamento e representação de uma determinada época” (BURCKHARDT apud BURKE,

2004, p. 13).

Imagens não podem e não devem ser utilizadas como evidências no sentido literal da

palavra, tendo em vista que foram produzidas por alguém com algum objetivo. Elas

possibilitam ao observador que visualizem o passado de uma forma um pouco mais real, o

colocando “face a face com a história”, como sugeriu Stephen Bann (apud BURKE).

Segundo Peter Burke, o testemunho das imagens levanta muito mais problemas, pois

são testemunhos mudos, sendo, pois, difícil traduzir em palavras o que elas dizem.

É desnecessário dizer que o uso de testemunhos de imagens levanta muitos

problemas incômodos. Imagens são testemunhas mudas, e é difícil traduzir

em palavras o seu testemunho. Elas podem ter sido criadas para comunicar

uma mensagem própria, mas historiadores não raramente ignoram essa

mensagem afim de ler as pinturas nas “entrelinhas” e aprender algo que os

artistas desconheciam estar ensinando. Há perigos evidentes nesse

procedimento. Para utilizar a evidência de imagens de forma segura, e de

modo eficaz, é necessário, como no caso de outros tipos de fontes, estar

consciente de suas fragilidades (BURKE, 2004, p.18).

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Daí o motivo de algumas imagens oferecerem mais evidências do que outras, como é o caso

dos esboços, que representam bem mais fiel a realidade do que as pinturas trabalhadas no

estúdio do artista. Um exemplo dessa ocorrência acontece exatamente com Franz Post, já que

ele compôs a maioria de suas telas já na Holanda com base em seus desenhos.

É importante também levar em consideração a variedade de imagens e que as

mudanças que estas sofreram em lugares e épocas específicos, principalmente duas

revoluções no que se refere à imagens: o surgimento da imagem impressa e o surgimento da

imagem fotográfica. Estas foram de grande importância, pois possibilitaram um grande

aumento na quantidade de imagens disponíveis à população comum.

De acordo com Burke, a imagem existe para comunicar algo, mas elas não falam por

si só e muito menos surgiram pensando nos historiadores que delas se utilizariam enquanto

fontes, mas sim para representar as preocupações próprias de cada artista. Dessa forma, uma

imagem só pode ser compreendida e analisada com base em um conhecimento prévio do que

aquela retrata.

Quando falamos em imagem devemos ter em mente que esta é, na verdade um registro

deixado pelo homem – único animal que deixa registros atrás de si – tendo em vista que nesse

caso a mente produz uma ideia que distingue-se da existência material dos produtos e objetos,

conforme afirma Erwin Panofsky (1976). Enquanto outros animais produzem signos sem

perceberem a relação do significado o homem percebe, sendo tal percepção a responsável por

“[...] separar a ideia do conceito a ser expresso dos meios de expressão. E perceber a relação

de construção é separar a ideia da função a ser cumprida dos meios de cumpri-la”

(PANOFSKY, 1976,p. 24).

O ser humano lida com imagens desde muito pequenos, estando estas relacionadas

com a própria fala, havendo, assim como ocorre com a fala, um limite relacionado à idade que

se é iniciado o processo de leitura delas, conforme elucida a Martini Joly na citação abaixo.

Desde muito pequenos, aprendemos a ler imagensao mesmo tempo em que

aprendemos a falar. Muitas vezes, as próprias imagens servem de suporte

para o aprendizado da linguagem. E, como no caso desse aprendizado, há um

limite de idade além do qual, se não se foi iniciado a ler e compreender as

imagens, isso se torna impossível (JOLY, 1996, p. 43).

A imagem em sala de aula tem grande importância e tem sido cada vez mais utilizada

e antes de se trabalhar com esse recurso didático é relevante que seja feita uma análise do que

vai ser exposto. A sua interpretação tornou-se algo realmente importante e necessário no

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mundo em que vivemos, especialmente por estarmos na era das imagens, estas que a cada dia

intensificam-se e renovam-se. Contudo o seu uso no ensino de História não deve ser feito

como mero recurso didático, mas sim ter qualidade e intencionalidade. Embora estas tenham

uma visualização imediata para seu expectador, o mesmo não acontece com sua compreensão,

ainda mais se seu contexto de produção for afastado do nosso, como é o caso do objeto de

estudo dessa pesquisa, daí a importância de interpretar as imagens.

Jacques Aumont (1993) mostra que existe dois tipos de interpretação da imagem: 1) a

semiologia, que distingue vários códigos da imagem, sendo alguns universais e outros ditados

pelo contexto social; 2) a iconologia, na qual a interpretação tem sua importância ligada ao

objetivo da imagem, ou seja, quanto mais importante for o objetivo, mais crucial será sua

interpretação.

Em minha pesquisa a iconologia ganha um maior prestígio, tendo em vista a

importância que as telas de Frans Post têm até hoje na História do Brasil, bem como o motivo

das paisagens brasileiras terem invadido as telas holandesas.

Dentro da iconologia o teórico que ganha destaque éErwin Panofsky, que dividiu em

partes a leitura das imagens a partir da iconologia: 1º) o tema primário ou natural, que

subdivide-seem fatual e expressional, no qual é percebido pela identificação das formas puras,

constituindo-se em uma descrição pré-iconográfica, por ele nomeado de nível da denotação;

2º) a compreensão acontece quando se relacionam elementos da representação com outros

temas, criando, assim, um possível entendimento; 3º) a análise iconológica, que acontece

quando define-se princípios que revelam outros aspectos, como a atitude de um período, de

uma classe entre outros.

Dessa forma, a interpretação iconológica nada mais é que “[...] considerar [...] que

todos os elementos da obra de arte são simbólicos, no sentido amplo [...]” (AUMONT, 1993,

p. 252), constituindo, pois, sintomas culturais e revelando detalhes ainda pouco ou nada

conhecidos. Interpretar uma obra de arte é, antes de tudo, buscar uma leitura histórica da

imagem escolhida, relacionando-a o mais próximo possível com seu contexto filosófico,

ideológico, material e político.

Trazendo essa divisão fatual e expressional para as obras de Post percebe-se o

significado fatual nos elementos que compõem a imagem e associar e/ou reconhecer com o

que já se conhece do período colonial. Já o significado expressional seria marcado pela

sensação que os elementos das imagens de Post causam no observador. Para uma análise

iconográfica de imagens, sejam elas quais forem, faz-se necessário um breve conhecimento

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do que está sendo mostrado, no caso das obras citadas é essencial conhecer o período colonial

brasileiro.

A análise iconográfica, tratando das imagens, estórias e alegorias em vez de

motivos pressupõe, é claro, muito mais que a familiaridade com objetos e

fatos que adquirimos pela experiência prática. Pressupõe a familiaridade

com temas específicos ou conceitos, tal como são transmitidos através de

fontes literárias, quer obtidos por leitura deliberada ou tradição oral

(PANOFSKY, 1976, p. 58).

Já na interpretação iconológica, é necessário, além de familiaridade com os conceitos e

temas vistos e analisados, ter um conhecimento intrínseco de outros temas que o observador

julgue pertinente fazer parte da obra de arte em questão.

[...] terá de aferir o que julga ser o significado intrínseco da obra ou grupo de

obras a que devota sua atenção, com base no que pensa ser o significado

intrínseco de tantos outros documentos da civilização historicamente

relacionados a esta obra ou grupo de obras [...] (PANOFSKY, 1976, p. 63).

Joly Martini (1996) mostra, porém, alguns aspectos que transformam essa tarefa em

algo provocador. O primeiro deles é perguntar-se o que dizer de uma mensagem que parece

“naturalmente” legível. O segundo ponto mostrado pela autora citada é buscar o que o artista

objetivou com tal imagem pelo fato de não haver como ter a certeza de quais foram as

intenções que motivaram-no a criar determinada representação. Por fim, mas não menos

importante, está o fato de a imagem ser considerada “artística”, por fazer parte do lado

emotivo e afetivo do pintor.

Outro confronto de suma importância está aafirmação de que a imagem possui uma

linguagem universal, sendo tal realidade contraditória, pois é sabido que toda imagem é

subjetiva, carregada de sentidos e de objetivos ao ser criada, capaz de ganhar diversas

interpretações e representações de acordo com as vivências e conhecimentos de quem estiver

fazendo sua leitura.

Decerto existem, para a humanidade inteira, esquemas mentais e

representativos universais, arquétipos ligados à experiência comum a todos

os homens. No entanto, deduzir que a leitura da imagem é universal revela

confusão e desconhecimento. [...] A confusão é frequentemente feita entre

percepção e interpretação (JOLY, 1996, p. 42).

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É interessante também perceber a função que a imagem tem, sendo sempre uma

mensagem para outra pessoa, devendo cada observador buscar o público para o qual foi

dirigida a mensagem visual, não sendo, contudo, o bastante para a compreensão das imagens.

Seja ela expressiva ou comunicativa, é possível admitir que uma imagem

sempre constitui uma mensagem para o outro, mesmo quando esse outro

somos nós mesmos. Por isso uma das precauções necessárias para

compreender da melhor forma possível uma mensagem visual é buscar para

quem ela foi produzida. [...] No entanto, identificar o destinatário da

mensagem visual não basta para compreender para que ela serve. A função

da mensagem visual é também, efetivamente, determinante para a

compreensão de seu conteúdo (JOLY, 1996, p. 55).

Na definição, dada por Joly, acerca da iconografia e da interpretação é possível

perceber a importância de se fazer uma análise das imagens tanto no que se refere ao ensino

quanto à vivência particular do indivíduo.

Interpretar uma mensagem, analisá-la, não consiste certamente em tentar

encontrar ao máximo uma mensagem preexistente, mas em compreender o

que essa mensagem, nessas circunstâncias, provoca de significações aqui e

agora, ao mesmo tempo que se tenta separar o que é pessoal do que é

coletivo (JOLY, 1996, p. 44).

Dessa forma, saber a função da imagem é determinante para compreender o seu

conteúdo.Para entender o significado da imagem é necessário perceber que ela representa um

acontecimento situado em um tempo e um espaço, de forma que a imagem representativa

também é uma imagem narrativa, mesmo que o que esteja sendo representado não tenha larga

amplitude.

Como observamos várias vezes, a representação do espaço a do tempo na

imagem são consideravelmente determinadas pelo fato de que na maioria das

vezes esta representa um acontecimento também situado no espaço e no

tempo. A imagem representativa, portanto costuma ser uma imagem

narrativa, mesmo que o acontecimento marcado seja de pouca amplitude. Já

que se deseja saber o que a imagem representa, lógico que se comece por

indagar qual é sua relação com a narratividade em geral (AUMONT, 1993,

p. 244).

Quando se fala em narrativa da imagem o primeiro ponto a ser mostrado é o conceito

de narrativa que nada mais é que um conjunto de signos, cujos significados formam uma

história. Esse conjunto, por sua vez, tem uma duração particular, tendo em vista que a

narrativa desenrola-se no tempo. Desta feita cabe demonstrar que uma imagem pode conter

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uma narrativa a partir do momento em que a definição daquela foi atrelada à representação da

mimese9, havendo, pois, três tipos de narrativas: 1) a narrativa que exclui a mimese, sendo,

então, composta apenas pela linguagem verbal; 2) a narrativa que apenas comporta a mimese,

constituída por um análogo das ações e palavras dos personagens; 3) a narrativa mista, esta

que possui uma parte verbal e outra parte mimética, que domina a literatura.

Assim, quando se trata da análise de imagens, é fator primordial, além da sensibilidade

e do preparo visual, a bagagem cultural, o conhecimento prévio que o observador tenha do

conteúdo que está sendo retratado, de forma que não existe, dessa maneira, observador

ingênuo, pois este também faz sua análise, sua interpretação do que ele está vendo,

independentemente de seu preparo, pois, nesse caso, supõe-se que o mesmo tenha

sensibilidade, partindo-se das primícias de que todos nós temos empatia, e, sem perceber,

utiliza a sua bagagem cultural nessa tarefa.

A experiência recreativa de uma obra de arte depende, portanto, não apenas

da sensibilidade natural e do preparo visual do espectador, mas também de

sua bagagem cultural. Não há espectador totalmente “ingênuo”. O

observador “ingênuo” da Idade Média tinha muito o que aprender e algo a

esquecer, até que pudesse apreciar a estatuária e arquitetura clássicas, e o

observador “ingênuo” do período pós-renascentista tinha muito a esquecer e

algo a aprender até que pudesse apreciar a arte medieval [...] Assim o

observador “ingênuo” não goza apenas, mas também, inconscientemente,

avalia e interpreta a obra de arte; e ninguém pode culpa-lo se o faz sem se

importar em saber se sua apreciação ou interpretação estão certas ou erradas,

e sem compreender que sua própria bagagem cultural contribui, na verdade,

para o objeto de sua experiência (PANOFSKY, 1976, p. 36).

Com base nos vários significados criados é que se pensa no conceito de

representações. Também ligado à escola dos Annales o conceito de representações foi

construído por Roger Chartier quando afirma que as representações ocorrem quando “em

diferentes lugares e momentos uma determinada realidade é construída, pensada, dada a ler

por diferentes grupos sociais” (CHARTIER apud BARROS, 2007, p. 3). Dessa forma, a teoria

das representações permite a interdisciplinaridade e facilita ao pesquisador compreender o

objeto, neste caso a imagem, sob vários ângulos. Para Serge Moscovici (apud BARROS) as

representações são impostas, de forma que o comportamento de cada indivíduo é

condicionado pelas convenções estabelecidas. Assim, as imagens surgem baseadas em

sistemas anteriores que refletem algo produzido em alguma época passada.

9Segundo o Novo Aurélio Século XXI, é a imitação ou representação do real, ou seja, a recriação da realidade.

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É importante formar o aluno enquanto leitor de imagens para que ele possa entende-las

melhor e sentir-se mais atraído por essa área de estudos que concerne à arte. Tratando-se das

obras de Frans Post, a partir do momento que o discente aprender a fazer uma leitura de uma

tela, ele mesmo poderá compreender as interrogações do artista, por exemplo, ao retratar um

“carro de bois”. Quanto ao docente, antes dele almejar a formação de seus alunos enquanto

leitores de imagens aquele deve buscar a sua própria formação como tal para que ele possa

alfabetizar o “discente” nesse aspecto.

[...] é de fundamental importância investir na formação e sensibilização do

professor para a leitura da imagem, a fim de que de posse plena dessa

competência, ele se torne capaz de trabalhar na contracorrente de qualquer

olhar redutor, condicionado e esvaziado, impostos pelo ritmo do cotidiano,

em meio à superabundância de imagens que se alternam diante do olhar

(BUORO, 2003, p. 43).

A utilização de imagens em sala de aula deve criar uma atmosfera de discussões sobre

o contexto em que foi produzida determinada imagem, sendo possível, assim, perceber seu

significado tanto para a época em que foi feita como para o tempo presente. Para Peter Burke

(2004) uma imagem jamais deve ser considerada como um simples reflexo de sua época, mas

como uma extensão do contexto social foi produzido, devendo, portanto, ser feito uma

análise, especialmente dos seus conteúdos subjetivos. Neste sentido, nota-se o papel do

professor como conhecedor do que está sendo trabalhado na imagem, não só o contexto

histórico, como a vida do artista entre outros aspectos, mesmo porque a leitura da imagem, a

sua análise é feita com base no conhecimento que se tem.

Vemos uma pintura como algo definido por seu contexto: podemos saber

algo sobre pintor e sobre o seu mundo; podemos ter alguma ideia das

influências que moldaram sua visão; se tivermos consciência do

anacronismo, podemos ter o cuidado de não traduzir essa visão pela nossa –

mas, no fim o que vemos não é nem a pintura em seu estado fixo, nem uma

obra de arte aprisionada nas coordenadas estabelecidas pelo museu para nos

guiar. [...] O que vemos é a pintura traduzida nos termos da nossa própria

experiência [...] infelizmente (ou felizmente) só podemos ver aquilo que, em

algum feitio ou forma, nós já vimos antes. Só podemos ver as coisas para as

quais já possuímos imagens identificáveis, assim como só podemos ler em

uma língua cuja sintaxe, gramática e vocabulário já conhecemos

(MANGUEL, 2001, p. 27).

Alguns aspectos devem ser apontados no momento de análise de uma imagem, como

sua procedência, sua finalidade, seu tema, sua estrutura formal, e seu simbolismo. Tais

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aspectos facilitamo trabalho de análise, pois todo material iconográfico possui ideias, foi

produzido por alguém com um objetivo específico e nem sempre isso está claro, daí a

importância da contextualização, sendo ela que dará dicas das respostas às perguntas feitas no

momento da análise.

Imagens podem dar forma a um imaginário cultural e também fornecer dados e

características de povos e épocas diversos. É preciso, porém, ter cuidado ao lidar com

imagens enquanto evidências históricas,pois

A imagem não é o retrato de uma verdade, nem a representação fiel de

eventos ou de objetos históricos, assim como teriam acontecido ou assim

como teriam sido. Isso é irreal e muito pretencioso. A História e os diversos

registros históricos são sempre resultados de escolhas, seleções e olhares de

seus produtores e dos demais agentes que influenciaram essa produção

(PAIVA, 2006, p. 19-20).

Com isso é fácil perceber porque a obra de Frans Post foi responsável pela

transformação do imaginário europeu acerca das terras brasílicas, como novas impressões e

pensamentos, tornando-se tais imagens documentos que fornecem muitas informações do

período colonial e da colônia enquanto objeto de observação e exploração.

Tratando-se especificamente da pintura, seu uso em sala de aula é um meio muito rico

para a compreensão de outras épocas e da História em si, tendo em vista que ela sempre traz

informações sobre diversos aspectos do passado. Contudo ela deve ser observada de forma

certa, conforme orienta Robert Cumming (apud LITZ).

[...] ver não é o mesmo que olhar, assim como ouvir não é igual a escutar.

Ver apenas envolve o esforço de abrir os olhos; olhar significa abrir a mente

e usar o intelecto. Olhar uma pintura é como partir para uma viagem – uma

viagem com muitas possibilidades, incluindo o entusiasmo de compartilhar a

visão de uma outra época. Como em qualquer viagem, quanto melhor a

preparação, mais gratificante será a expedição. A melhor maneira de viajar é

com um guia que o ajude enquanto você se familiariza com o novo

ambiente, e que lhe mostre coisas que do contrario passariam despercebidas.

(CUMMING apud LITZ, [s.d]).

Anamelia Bueno Buoro (2003) trabalha a ideia de que a arte deve ser acessível para

toda e qualquer pessoa, bem como o seu conhecimento. Contudo, nesse aspecto cabe ao

docente revestir-se de autoridade e amplo saber do assunto para, só então, estarem aptos à

leitura de imagens. É importante ressaltar que o conceito de leitura de imagens entenderá a

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arte como linguagem, como construção humana que comunica ideias, sendo a arte entendida,

pois, neste sentido, como texto visual.

É inegável que o investimento no conhecimento do futebol vem acontecendo

há muito em nosso país, e a mídia tem se incumbido de instrumentalizar

teoricamente as análises dos interessados no assunto. Contudo, se o mesmo

não acontece com o conhecimento da arte, será preciso que, em algum

momento e por obra de algum outro sujeito, esse saber, ainda tão elitizado,

passe a frequentar o cotidiano do cidadão comum, invadindo a mídia e os

espaços urbanos idealizados ou não a fim de promover as artes por meio de

exposições e eventos. [...] Só com investimentos de toda sorte a construção

de conhecimentos em arte deixará de se manter restrita a um universo de

privilegiados para encarnar-se de fato na realidade concreta, passando assim

a participar da vida dos brasileiros. A melhor capacitação dos agentes

envolvidos em projetos que integrem a arte e a educação é, pois, o passo

decisivo para despertar outros indivíduos para o contato e as experiências

que a arte proporciona. Arte e conhecimento para muito mais gente, arte e

conhecimento para todos [...] (BUORO, 2003, p. 27-28).

Alberto Manguel (2001) afirma que as imagens, assim como um texto escrito, estão

carregadas de informações, sendo aquelas de suma importância para a existência de uma

narrativa, porque esta existe no tempo enquanto aquelas ocupam um lugar no espaço.

É a partir do Renascimento que a imagem como narrativa sofre uma mudança, já que

durante a Idade Média bastava um painel pintado para que uma sequência narrativa pudesse

ser representada. Com o desenvolvimento da perspectiva, os vários quadros de um painel

congelam-se em instantes únicos, sendo este o momento da visão percebida pelo espectador,

de forma que a narrativa passa a ser transmitida através do que o espectador sabia estar

acontecendo por meio de outras fontes.

Formalmente as narrativas existem no tempo, e as imagens, no espaço.

Durante a Idade Média um único painel pintado poderia representar uma

sequência narrativa, incorporando o uso do tempo nos limites de um quadro

espacial, como ocorre nas modernas histórias em quadrinhos, com o mesmo

personagem aparecendo várias vezes em uma paisagem unificadora, à

medida que ele avança pelo enredo da pintura. Com o desenvolvimento da

perspectiva, na Renascença, os quadros se congelam em um instante único: o

momento da visão tal como percebida do ponto de vista do espectador. A

narrativa, então, passou a ser transmitida por outros meios: mediante

“simbolismo”, poses dramáticas, alusões à literatura, títulos – ou seja, por

meio daquilo que o espectador, por outras fontes, sabia estar ocorrendo

(MANGUEL, 2001, p. 24-25).

Qualquer imagem em uma primeira observação terá percepções e análises mais

simples, ao passo que com o decorrer do tempo pode-se ver e descobrir mais detalhes,

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perceber outros aspectos, associar e combinar outras imagens a fim de se fazer uma melhor

leitura do que está sendo observado.

Com o correr do tempo, podemos ver mais ou menos coisas em uma

imagem, sondar mais fundos e descobrir mais detalhes, associar e combinar

outras imagens, emprestar-lhe palavras para contar o que vemos mas, em si

mesma, uma imagem existe no espaço que ocupa, independente do tempo

que reservamos para contemplá-la [...] (MANGUEL, 2001, p. 25).

É importante ressaltar que a narrativa da imagem é produzida com base em outras

narrativas, ou seja, no conhecimento que o espectador, nesse caso o aluno, tem em suas

vivências.

O uso de imagens deve ser feito em parceria com o conteúdo que está sendo estudado,

pois assim há uma “quebra” do cotidiano da sala de aula, além de que a percepção dos alunos

é afetada com o que eles já sabem, o que se chama de conhecimento prévio, ajudando assim a

elaborar associações entre a imagem e o conteúdo que já possuem. A intenção de utilizar a

imagem como recurso é que através dela ocorra uma melhoria no processo de ensino e

aprendizagem, devendo, para tanto, aquela ser bem utilizada e explorada para que possa

assumir o lugar de uma fonte de informação, pesquisa e conhecimento para o aluno,

capacitando este a perceber semelhanças e diferenças, rupturas e permanências no processo

histórico.

O uso de imagens no ensino de história é algo presente desde o século XIX, quando os

livros didáticos já apresentavam litogravuras e mapas intercalados aos textos escritos. Já no

início do século XX o professor Jonathas Serrano, do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, já

apontava as imagens como recurso didático importante, pois tira o aluno do método mecânico

o qual já está habituado. Dessa forma as imagens ganham um papel de proporcionar aos

alunos uma aprendizagem diversificada, como afirma o professor Serrano: “Os alunos

poderiam aprender História pelos olhos e não mais enfadonhamente só pelos ouvidos, em

massudas, monótonas e indigestas preleções” (SERRANO apud BITTENCOURT, 2005,

p.69).

De acordo com Eduardo França Paiva (2006), a iconografia vem sendo utilizada com

muita destreza pelas mais novas gerações de historiadores e professores de história. Ela

deixou de ser vista como “figura”, “desenho” que serve apenas para deixar o texto mais

colorido e passou a ser vista como registro histórico, estes com o qual aqueles devem

estabelecer um diálogo contínuo.

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Embora a iconografia seja uma das fontes históricas mais ricas de informações, não se

pode tomar o que está nela representado como verdadeiro. Assim como toda fonte histórica,

ou a maioria, ela foi criada com alguma intencionalidade e o docente, o historiador, não pode

deixar-se levar pelas armadilhas metodológicas presentes nas imagens, sendo elas quanto

mais ricas em cores, maior riqueza de detalhes, com traçados mais elaborados, mais próximas

da realidade, maior é o perigo que elas apresentam, enganando os olhos de quem vê, como

uma sereia com seu canto.

É preciso saber filtrar todas essas imagens, todos esses registros

iconográficos. Para tanto, nunca é demais voltar aos velhos ensinamentos em

torno da crítica interna e externa das fontes, que todo historiador deve

empreender, talvez sem a rigidez modelar, esquemática e classificadora que

se pretendeu e se praticou no passado. Mas é certamente fundamental que

nunca nos esqueçamos de fazer aos registros históricos, iconográficos ou

não, as perguntas que caracterizam o início de todos os nossos trabalhos e de

nossas reflexões. Quando? Onde? Quem? Para quem? Para que? Por que?

Como? A essas perguntas deve-se, contudo, acrescentar outros

procedimentos. Primeiramente deve-se preocupar com as apropriações

sofridas por esses registros com o passar dos anos e, evidentemente, diante

das necessidades e dos projetos de seus usuários. Além disso, temos que nos

perguntar sobre os silêncios, as ausências e os vazios que sempre compõem

o conjunto e que nem sempre são facilmente detectáveis (PAIVA, 2006, p.

18).

A imagem não é a realidade histórica em si, mas traz em si porções dela, tornando-se,

assim, um subsídio para o historiador-docente acerca da versão do passado e do presente. Ela

não se esgota e há sempre mais aspectos a serem observados e apreendidos do que está

explicitado, tornando-a como uma ponte entre o que está sendo retratado e outras realidades,

fato este que permite ao professor traçar um paralelo com outros temas.

A análise da imagem é um fator importante do aprendizado de História e de acordo

com os Parâmetros Curriculares Nacionais, o aluno deve, no tocante à História, ter o domínio

de procedimentos referentes à pesquisa e produção de textos, aprendendo a observar e colher

informações de paisagens diversas e registros sejam escritos, iconográficos e sonoros.

Percebe-se que o contato com as imagens é imprescindível para a boa formação histórica do

aluno. Contudo, poucos professores são adeptos desse recurso didático e preferem ainda, em

grande medida, o uso de textos escritos.

É interessante reparar como o uso da imagem no ensino de História é tido ainda como

um obstáculo, pois para alguns docentes ela não é vista como um documento ou uma fonte,

mas sim como ilustração do texto escrito. Embora o número de professores que tem feito uso

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de imagens como recurso didático para melhorar o processo de ensino e aprendizagem, ainda

é muito pequena a quantidade de iniciativas em que a imagem é utilizada e estudada como

documento e fonte histórica. O professor, antes de trabalhar com imagens e suas leituras deve

definir o que ele entende por leitura e imagem, mesmo porque cada observador fará uma

leitura de um determinado lugar social de acordo com suas vivências de forma tal que são

criados diversos significados por parte de alunos e professores.

Ela não é vista como um documento, uma fonte, mas como mera ilustração

do texto escrito. Se quisermos, entretanto, fornecer subsídios para que nosso

aluno leia as imagens devemos também definir o que entendemos por leitura

e por imagem. Até que ponto a imagem é compreendida a partir do mundo

do leitor? Afinal, aquele que lê, o faz de um determinado lugar social, com

seu repertório e com suas vivências. Isso permite a alunos e professores a

criação de significados diversos e particulares e nos leva ao conceito de

representação (BARROS, 2007, p. 2).

De acordo com Circe Bittencourt a utilização das imagens teve seu crescimento,

enquanto ilustrações de livros didáticos, a partir da segunda metade do século XX e hoje elas

se fazem presentes não apenas nesse suporte, mas também nas imagens tecnológicas, como

filmes e fotografias, por exemplo, caracterizando-se assim como recursos didáticos além do

livro. Contudo, ela ressalta, a imagem deve ser bem utilizada pelo professor para não ser

usada apenas como meio de chamar a atenção do aluno, este que já está acostumado com

aulas enfadonhas e com imagens que circulam nos meios midiáticos e não constroem nenhum

tipo de postura crítica ou analítica naquele aluno. Dessa forma é que o professor deve estar

apto para trabalhar a sensibilidade e a percepção no seu alunado, especialmente quando a

imagem se trata de telas e quadros, os quais, muitas vezes, têm seu significado e sentido de

maneira implícita.

Serrano afirma que, mesmo com a utilização de imagens no ensino já ter mais de um

século e de sua multiplicação trazer uma grande importância desse recurso na cultura escolar,

as imagens são utilizadas para ilustrar a História, possibilitando aos alunos presenciar

experiências não vividas por eles. Esse recurso tem o papel de relembrar, rememorar, e até

aproximar-se de um passado desconhecido, tal qual ocorre com fotos de família o mesmo

acontece com imagens históricas. De acordo com Elias Thomé Saliba (2005) o aluno procura

significado nas imagens, pois o leitor tende a buscar e estabelecer conexões do que ele está

vendo com suas lembranças.

Vale ressaltar que uma imagem, como qualquer fonte histórica, foi produzida por

alguém e está carregada de intencionalidade, devendo haver o cuidado da parte do professor

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buscar entender e mostrar o porquê e o para que determinada imagem foi produzida. Nesse

mesmo sentido Saliba tem um conceito de imagem no qual ele admite que ela nem ilustra nem

reproduz a realidade e sim é algo construído a partir de uma linguagem própria, a qual é

produzida em um dado contexto histórico. Da mesma forma que ocorre com o filme (imagem

tecnológica) a imagem também irradia um processo de pluralização de sentidos e/ou verdades,

fato este que reforça a atitude do professor em mostrar a intenção do artista na criação das

imagens.

A intenção de utilizar a imagem como recurso é que através dela ocorra uma melhoria

no processo de ensino e aprendizagem, devendo, para tanto, aquela ser bem utilizada e

explorada para que possa assumir o lugar de uma fonte de informação, pesquisa e

conhecimento para o aluno, capacitando este de perceber semelhanças e diferenças, rupturas e

permanências no processo histórico. Quanto à questões pedagógicas e historiográficas, a

utilização dos signos visuais possibilita uma excelente interpretação histórica devido á riqueza

de informações e detalhes.

O uso de imagens no ensino de História é melhor pensado através de uma reflexão de

como o aluno constrói seu conhecimento histórico, sendo tal conhecimento ligado à forma

como aquele o recebe e o articula.

Conhecer é ter a capacidade de estruturar, relacionar, organizar, sistematizar

as informações que se tem e perceber como essas relações estruturam a

realidade. As atividades de aprendizagem, assim como os objetivos das

aulas, não podem se resumir a reproduzir conhecimentos pra apenas

memorizar e depois repetir. Todo conhecimento deve ser pensado no sentido

de sua redescoberta ou redefinição. Para isso faz-se necessário trabalhar

dialeticamente construindo o conhecimento numa relação entre professor

aluno objeto e realidade. Nessa relação, o professor deve ser o mediador

entre o educando, o objeto do conhecimento e a realidade, buscando um

caminho que leve o aluno a analisar e sintetizar esse objeto, de forma que

chegue a um conhecimento mais elaborado, e não fragmentado e baseado

apenas no senso comum (LITZ, [s. d.], p. 5, 6).

Entre os objetivos da disciplina História um dos principais é tornar o aluno capaz de

verbalizar e escrever sobre o conteúdo estudado, relacionando o presente com o passado,

adquirindo uma posição na realidade a qual está inserido e a questionando quando for preciso.

Dessa forma vários recursos didáticos surgiram para tornar real esse objetivo. Em grande

medida, através da Nova História, com a mudança no conceito de fonte histórica, a imagem

surge como aliada no processo de construção do conhecimento histórico. Atualmente, a sua

utilização é um dos métodos mais eficazes usados como recurso pedagógico na aula de

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História, sendo muitas as formas que ela surge: cinema, pintura, mapas entre outros,

interessando em meu trabalho, porém, as pinturas apenas, tendo em vista que meu objeto de

pesquisa são as telas de Frans Post.

Para o ensino de História não existem muitas referências sobre o uso de

imagens, apesar da ampla produção, a partir dos anos 50 e 60, de psicólogos,

sociólogos e especialistas em semiologia ou teorias de comunicação, os

quais tinham como principal o rádio, o cinema e a televisão na configuração

de uma cultura de massa. Na trilha desses pesquisadores, historiadores vêm-

se dedicando ao estudo da iconografia, incluindo análises das denominadas

“imagens tecnológicas” (BITTENCOURT, 2011, 361).

A iconografia com temas brasileiros promove um maior sentimento de identidade no

aluno, na medida em que ele pode se reconhecer em alguma imagem ou buscar o

estabelecimento de conexões com o que ele conhece. O uso de imagens no ensino de História

do Brasil ajuda a reforçar um sentimento de pertencimento, tendo em vista que algumas

pinturas constituem uma memória histórica à várias gerações. Além de que essa forma de

representação causa uma indagação ao espectador: será possível identificar-se nelas com

alguém?

Ernest Lavisse considera a iconografia como recurso que auxilia na aprendizagem,

pois os alunos memorizam os conteúdos das explicações através delas. Contudo é necessário

que o autor do livro didático e mesmo o docente tenham a precaução de alocar bem as

imagens de forma que fiquem bem distribuídas ao longo do capítulo e sejam acompanhadas

de legendas ou pequenos textos explicativos para que os alunos ao se depararem com as

ilustrações saibam o que eles deveriam observar com mais atenção, reforçando, assim, a ideia

contida no texto e na explicação do docente. Tal pensamento de Lavisse fica bem percebido

na citação seguinte:

As crianças têm necessidade de ver as cenas históricas para compreender a

história. É por esta razão que os livros de história que vos apresento estão

repletos de imagens. Desejamos forçar os alunos a forçar as imagens. Sem

diminuir o número de gravuras que existiam no texto, compusemos novas

séries delas correspondendo a uma série para cada livro. Cada série é

acompanhada de questões que os alunos responderão por escrito, após terem

olhado o desenho e feito uma pequena reflexão sobre ele. É o que

denominamos de revisão pelas imagens e acreditamos que este trabalho

possa desenvolver a inteligência das crianças ao mesmo tempo que sua

memória (LAVISSE apud BITTENCOURT, 2005, p.75).

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Podemos perceber nessa afirmação a importância da imagem, se bem trabalhada, no

aprendizado do aluno, funcionando como uma ferramenta de revisão e de reforço do conteúdo

explicado em sala de aula.

Compartilha dessa ideia de Lavisse a autora Miriam Leite ao afirmar que a imagem “é

percebida pelo olho mas transmitida pela palavra” (LEITE apud BITTENCOURT, 2005,

p.88), ajudando na aprendizagem do aluno e na sua escrita e oralidade, em virtude de que ele

vê e começa a fazer conexões com outras experiências, iniciando, pois, uma descrição do que

se é visto.

Fator importante para ser ressaltado quando se refere ao uso de imagens no ensino de

História é também a questão da análise destas, podendo ser visto na citação abaixo que para se

analisar uma imagem e entende-la é necessário ter um conhecimento prévio sobre o assunto e

conteúdo o qual a imagem retratar.

Os contextos em que estão inseridas as imagens que se deseja ler reservam

ou exprimem sentidos que podem transformados em novas mensagens, que

por sua vez por sua vez podem atingir os diferentes sentidos. Assim com é

preciso passar por trás dos cenários para compreender as imagens visuais, é

necessário um conhecimento prévio e direto da realidade que a imagem

representa, simboliza ou indica para não se ficar desorientado com seus

elementos constitutivos (LEITE, 2001, p.158).

Para analisar uma imagem é preciso conhecer basicamente do que ela trata, pois na

leitura da comunicação não-verbal e constitui esse processo de interpretação não apenas os

elementos que estão explícitos na gravura, mas também a formação cultural e intelectual do

leitor, sendo importante aqui o papel do docente ao trabalhar o conteúdo em sala de aula, pois

a iconografia deve ser trabalhada em classe após a explicação do conteúdo ou de forma

concomitante.

No que diz respeito a obra de Frans Post é importante tomar cuidado ao analisar suas

imagens, devido ao fato de que ele produzia para a burguesia neerlandesa, o que gerava certa

desconfiança do que estava sendo representado, tendo em vista que o mercado da arte no

século XVII era marcado pela influência do comprador no resultado final da tela.

Com relação á paisagem, bastante presente nas obras de Post, graças a iconografia ela

também ganha um novo significado: toda paisagem física nada mais é que uma imagem que

pode ser lida, de forma tal que ao ser representada temos uma imagem da imagem. Deve-se

ter o cuidado, contudo, de analisá-la como fazendo parte de um sistema cultural.

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[...] o que numa determinada cultura parece ser “senso comum” precisa ser

analisado pelos historiadores e antropólogos como parte de um sistema

cultural. No caso da paisagem, árvores e campos, rochas e rios, todos esses

elementos comportam associações conscientes ou inconscientes para os

espectadores (SCHAMA apud BURKE, 2004, p. 53).

Para o processo de significação da imagem, além do sentido denotativo e conotativo, é

de fundamental importância uma terceira categoria defendida por Norman Bryson (apud

Vieira): o “estereótipo”. Este, acordando com Peter Mason (apud Vieira), trata a questão do

exótico,o qual nada mais é que um discurso etnocêntrico sobre o Outro, o qual, por sua vez,

de acordo com o grau do estereótipo, é representado como “selvagem” ou “domesticado”.

Neste sentido de acordo com Daniel de Souza Leão Vieira (2013), é possível explorar

um tema pouco estudado através das obras de Post: as figuras humanas, estas que aparecem

como landmarks10

para a simbolização de dois tipos de paisagens: a parte política

representada pela Nova Holanda; a economia colonial que podia ser explorada. E em ambas

as representações há o emprego de alegorias de prosperidade, embora com discursos políticos

distintos – o republicanismo civil.

Entretanto, ressaltamos que esses dois imaginários não foram simplesmente

reflexos das duas ideologias: mas, antes, as polaridades de um campo de

forças discursivas que permitiu a emergência de um lugar simbólico de

embate entre ambas as ideologias. Nesse sentido, a criação imagética de

Frans Post foi o lugar, por excelência, para reforçar a própria construção do

Eu no interior da cultura visual neerlandesa do século XVII, através dessa

especulação invertida que foi a exotização da paisagem dos Trópicos no

Brasil por estereotipias do Outro (VIEIRA, 2013, p. 2).

Frans Post representava o Brasil com um cunho muito mais político que qualquer

outro aspecto. Contudo, em 1645 ocorre uma mudança, na qual suas imagens deixam de

representar localidades específicas, pois passou a importar muito mais ao Conde de Nassau o

aspecto econômico, mostrando a Europa um Brasil rico em açúcar. Neste sentido os

landmarks saíram um pouco de cena, dando espaço à arquitetura dos engenhos, sendo tais

composições as responsáveis por formar o pensamento neerlandês no que se refere à produção

açucareira.

10A palavra inglesa “landmark”, se traduzida ao pé da letra, significa “marco de terra”. Marcos são objetos

proeminentes e resistentes, feitos e instalados para durarem e não serem deslocados, ou seja, imutáveis. Neste

sentido, as figuras humanas são consideradas assim devido representarem algo indelével na obra de Post.

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Quanto a estereotipia na obra de Post, vale ressaltar que a Europa teve um processo

crescente estando este mais presente no trabalho daquele artista no período que remete ao fim

do século XVII.

A obra de Post retrata essencialmente aspectos da sociedade, da economia, o que pode

ser visto, por exemplo, na tela Engenho. Nela pode-se analisar elementos da conjuntura

econômica e religiosa, a partir do momento que ele põe o engenho e a igreja ao fundo. No

quadro chama atenção o grupo de pessoas no canto inferior direito, com cestos, alguns

totalmente cobertos e outros com o tronco nú, demonstrando, com isso, como a cultura e

catequese europeias estavam sendo incorporadas pelos grupos indígenas da América

Portuguesa. A mesma imagem evidencia como a presença europeia modificou a paisagem e

natureza local, inserindo aí casas, engenhos, capelas. E a hibridização cultural, tão destacada

por Gilberto Freyre em Casa Grande e Senzala, está presente no momento em que o pintor

mostra índios com indumentárias europeias, sem, contudo, abandonar seus costumes por

completo, o que confirma a presença dos cestos.

Figura 111: Engenho, Frans Post. Disponível em: <http://www.sabercultural.com>. Acesso em 4 nov. 2014.

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Algo também que fica claro quando analisamos as imagens de Frans Post é a presença

do binômio muito utilizado como objeto de estudo sobre o passado colonial do Brasil: a casa-

grande e a senzala, como por exemplo, na tela Casa de fazenda. O artista demarca bemas

estruturas de poder através da presença dessas construções em suas telas. O docente deve,

porém, chamar a atenção do aluno para o fato de que a casa-grande, embora seja detentora do

poder do colono europeu, acompanha as mudanças do tempo, não sendo, pois, um castelo

medieval.

Figura 112: Casa de Fazenda, Frans Post. Disponível em: <http://people.ufpr.br>. Acesso em: 4 nov. 2014.

Também podemos perceber mais elementos da estadia de Post em Pernambuco e

analisar melhor aspectos de modificações em estruturas naturais e criadas pelo europeu. Na

tela Vila de Pernambuco é possível perceber, logo em primeiro plano, o abacaxi, fruta que

teve grande aceitação pelos colonos e foi usada como mercadoria. Vendo isso o europeu

associaria também a uma fonte de riqueza alternativa para o comércio na Europa. Além dessa

fruta, Post representou também um coqueiro, planta trazida da Índia pelos portugueses como

demarcação do território, sendo válido chamar atenção para o tamanho dos coqueiros. Por ser

uma planta que demora a crescer e pelo tamanho representado no quadro, percebe-se que a

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presença de povos do Velho Mundo na América tropical já tinha muito tempo. No canto

esquerdo vê-se também a representação da cobra e do tatu, animais estes que podem

identificar ao europeu um Brasil ainda em construção, deixando seu aspecto selvagem para a

modernidade “civilizada” oferecida pelo europeu. No que se refere às construções, pode-se

ver um avanço no tipo de material utilizado, optando por tijolos e telhas à taipa, e aspectos

relacionados à demografia da colônia também podem ser analisados, tendo em vista que as

representações de moradia estão com dois pisos, dando uma ideia defamília e filhos. No

aspecto religioso, é possível ver uma estrutura bem mais trabalhada arquitetonicamente do

que as outras construções, mostrando seu poder e importância para a comunidade. As

variações pessoais também estão presentes no quadro de Post, estas que são mostradas de

forma pacífica pelos personagens representados. O pintor chama atenção para o rio ao fundo

da tela, completando o cenário natural, tendo em vista a importância demarcada pelo curso

d’água no estabelecimento de vilas pela necessidade da água para consumo, serviços

domésticos entre outros.

Figura 113: Vila de Pernambuco, Frans Post. Disponível em: <http://movimentodomundo.blogspot.com>. Acesso em 4 nov. 2014.

De acordo com Charles Nascimento de Sá (2011), dessa forma o docente tem um

amplo leque de assuntos que podem ser trabalhados em sala de aula, ajudando o discente a

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formar uma consciência crítica a partir do momento que é desenvolvido neste uma

consciência analítica dos diversos elementos presentes num quadro e qual conceitos estes têm.

Com tais possibilidades de análise, o professor tem assuntos variados para

trabalhar com o quesito imagens em sala de aula, podendo tornar o momento

em sala de aula rico na busca de significados para os elementos

representados nas obras a serem analisadas. Trabalhar esses sentidos em sala

de aula, desperta no educando o interesse pela disciplina e leva-o a

desenvolver uma consciência analítica, sabendo conceituar o valor de cada

elemento e o que este elemento representa para cada período (SÁ, 2011, p.

11).

Quando se trata do aspecto demográfico e de relações pessoais nas telas de Frans Post

o leque é vasto. Outra de suas imagens nas quais pode ser percebida a demografia da colônia

brasileira é Vila e pessoas onde vê-se pessoas, construções, aspectos estes que apontam para

um crescimento populacional que ocorria no Velho Mundo com ajuda do conde de Nassau.

O moderno desenho de pesquisas demográficas, que têm por intuito

condensarem todo um universo populacional a partir do menor número

possível de casos, desenvolveu-se a sobre a dinâmica entre o conhecimento

estatístico acumulado e a prática de campo das pesquisas. Após curto tempo

vivido em Pernambuco, Frans Post pôde demonstrar, neste e em outros

quadros, que um aguçado espírito de observação também terá sido suficiente

para construir amostras fieis ao universo humano que havia presenciado

(MOURA FILHO apud SÁ, 2011, p.11).

Figura 114: Vila e pessoas, Frans Post. Disponível em: <http://www.aquipernambuco.com.br>. Acesso em 4 nov. 2014.

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Outro aspecto muito mostrado pelo pintor holandês é a importância dos rios. Estes

marcam presença em muitas de suas telas, almejando o artista, com isso, mostrar na Europa a

relevância daqueles para o transporte, fornecimento de água para animais e moinhos,

demonstrando, pois, sua necessidade para o desenvolvimento colonial e para a economia

açucareira. Além disso, embora o aspecto natural esteja sempre presente nas obras de Post,

vê-se que grandes vegetações não se fazem presentes, revelando, assim o avanço da cultura

canavieira sobre as terras colonizadas.

Por tudo isso ressaltado pode-se perceber a importância que Frans Post tem no cenário

historiográfico para o estudo do período colonial do Brasil, e também enquanto recurso

didático, na medida em que suas telas podem ser usadas como imagens nas aulas de História.

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CONCLUSAO

A historiografia brasileira é marcada por Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior e Sérgio

Buarque de Holanda, mas quando se trata dos autores que versam sobre o período colonial

tem-se um leque bem mais amplo, como, alguns dos utilizados aqui nesse trabalho, Arno e

Maria José Wehling, Mario Maestri, Luiz Roberto Lopes e Evaldo Cabral de Mello, por

exemplo. Esses autores fazem-se importantes por apresentar aspectos da sociedade e da

economia, os quais são relevantes para essa pesquisa.

Quando nos atemos a dissertar sobre a ocupação holandesa no Brasil-colônia é

fundamental ressaltar a economia e com isso a Companhia das Índias Ocidentais e a figura do

conde João Maurício de Nassau, daí serem estes elementos presentes no meu trabalho. Além

disso a presença desses elementos, especialmente de Maurício de Nassau, é marcada por ser

através deles que surge o artista que veio a dar origem a essa pesquisa: Frans Post.

Frans Post surgiu como artista holandês para registrar as realizações do governo de

Nassau, a paisagem e a topografia do Novo Mundo. Dessa forma, as suas imagens forma

fundamentais para promover o conde como chefe de Estado, já que ao mesmo tempo que

mostrava a paisagem da nova terra conquistada com isso trazia à cena a economia e o governo

de Nassau.

Embora a função de Post ao vir para o Brasil tenha sido mostrar a topografia do Novo

Mundo, suas imagens assumiram uma característica muito mais importante, pois elas

demonstravam aspectos da economia no que diz respeito ao cultivo da cana-de-açúcar e à

produção de açúcar, e da sociedade visto que mostra o convívio dos habitantes, as formas de

moradia e o trabalho realizado na nova terra.

Diante do exposto pode-se perceber o quão importantes são as imagens de Frans Post

no estudo do período colonial. Através delas podemos ter uma visão da versão europeia para

esse período da história do Brasil. Tanto no aspecto geográfico como econômico e social.

Vale ressaltar a importância do trabalho com imagens, tendo em vista que estas

passaram a se constituir em fontes históricas a partir das mudanças no conceito de fontes

promovida pela Escola dos Annales no século XX, a qual diversificou e ampliou esse

conceito, sendo assim que as telas do artista holandês passaram a ser consideradas como

fontes.

As imagens, ao assumirem o papel de fonte, ganham um espaço ainda maior: a sala de

aula. Nesse espaço sua importância está ligada ao processo de ensino-aprendizagem e ela

passa a ser utilizada como recurso, como um facilitador para o aluno.

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Além disso, é importante trabalhar com imagens porque elas provocam no leitor uma

sensação de pertencimento, em alguns casos, na medida em que o observador se identifica

com algum aspecto da imagem, trabalhando, portanto, a noção de identidade.

A imagem se faz importante, ainda, por possibilitar um contato maior com a arte,

realidade esta que, muitas vezes, pode nem fazer parte do cotidiano do discente.

Esse trabalho não marca um fim, mas um início, uma pesquisa que pretendo

desenvolver mais profundamente no futuro, além de ser uma interessante linha para outros

trabalhos referentes ao ensino de História, mais especificamente sobre a temática do período

colonial da história do Brasil.

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