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FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA (SÉCULOS V-IV a. C): PLATÃO E OS TIRANOS DE SIRACUSA, DIONÍSIO, O VELHO E DIONÍSIO, O JOVEM Monografia apresentada à disciplina Estágio supervisionado em pesquisa histórica como requisito parcial à conclusão do curso de História - Bacharel e licenciatura da Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Renan Friguetto. CURITIBA 2009

FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

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Page 1: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

FRANCIELI FERREIRA PONTES

TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA (SÉCULOS V-IV a. C): PLATÃO E OS TIRANOS

DE SIRACUSA, DIONÍSIO, O VELHO E DIONÍSIO, O JOVEM

Monografia apresentada à disciplina Estágio

supervisionado em pesquisa histórica como

requisito parcial à conclusão do curso de História -

Bacharel e licenciatura da Universidade Federal

do Paraná.

Orientador: Prof. Dr. Renan Friguetto.

CURITIBA

2009

Page 2: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

A Deus e à Amizade

Page 3: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente ao Prof. Renan Friguetto pela confiança, orientação

e por ter acreditado na viabilidade de um tema semelhante.

Agradeço ao grande amigo Marco Antônio de França pelas agradáveis e ricas

conversas sobre filosofia e história no pátio da Reitoria. Seria bom poder conviver

com mais pessoas assim, pessoas que procuram compreender o outro sem

menosprezá-lo, que entendem o ser humano.

Agradeço a todos que possibilitaram minha graduação. À PRAE pelo apoio

financeiro. À Biblioteca de Ciências Jurídicas pelo estágio. À Biblioteca de Ciên.

Hum. e Educ. pelos livros que não poderiam ser comprados. Ao Xérox da Reitoria

pela qualidade e bom preço das cópias.

Aos meus pais Leoni e Sirlei por entenderem minhas escolhas.

À minha irmã Debora F. Pontes por ser minha melhor amiga.

Ao amigo Tiago Felício por ser como irmão.

Aos amigos Pedro Henrique, Paulo Ricardo, Fabrício, Roberson, Antônio

Sérgio (Kojaque), Letícia, Bianca e Fred por aguentarem minhas ideias malucas.

Ao pessoal da academia T’ai Hu Phai de Kung Fu que, apesar do pouco

tempo, ensinaram-me a superar fraquezas do corpo e da mente que eu acreditava

ter vencido.

Aos professores do Colégio Est. Prof. Algacyr Munhoz Mäeder por

acreditarem que existem crianças dispostas a serem seres humanos melhores.

À Formação Solidária pelas apostilas de pré-vestibular que possibilitaram

minha entrada na UFPR.

A todos os professores do departamento de história da UFPR pelo imenso

aprendizado (não só profissional).

Ao Gabriel Schulman que, mesmo sem saber, trouxe-me a compreensão do

mais simples, porém essencial: nenhum ser humano é completo e feliz quando não

ama com profunda amizade.

Page 4: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

Diante da virtude os deuses imortais

Colocaram o suor do esforço e longa

E íngreme é a senda que a ela conduz,

Sendo áspera a primeira subida; mas

Conquistando o primeiro cimo, a

jornada

Facilitada é, a despeito de árdua ainda

ser.

Platão, Leis

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Page 5: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

RESUMO

O presente estudo monográfico aborda as formas de governo no mundo grego clássico (séculos V-IV a. C) com base no pensamento político e nas experiências do filósofo ateniense Platão na polis tirânica de Siracusa, na Magna Grécia. A tirania é apresentada e analisada dentro do contexto histórico, já referido, a partir da visão que os homens da época possuíam da mesma. Após situar a tirania dentro dos modelos políticos existentes no período insere-se a discussão sobre a relação de Platão com tal regime e sua época. Através desta discussão buscou-se fomentar a reflexão sobre a relação entre a teoria e a prática na Grécia Clássica e no pensamento político-filosófico de Platão. A vida do autor é relacionada aos seus escritos de modo a verificar possíveis contradições entre o pensar e o agir platônicos. Destarte, dois tratados políticos do autor em questão, a República (obra de meia idade) e as Leis (obra do fim da vida), mais a Carta VII, são utilizados como fontes históricas e biográficas para que o devido cotejo dos mesmos com o contexto histórico fosse realizado de forma a apontar as características da tirania e da polis tirânica que permitiram Platão acreditar na possibilidade de aplicar suas ideias políticas em Siracusa. Além disso, este trabalho desfaz a falsa imagem cristã de Platão ao inseri-lo em sua época. Palavras-chave: Tirania. Platão. Formas de Governo. Magna Grécia. Política. Teoria e prática.

Page 6: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

ABSTRACT

The current monographic studies shows the forms of government on the Ancient Greek world (centuries V-IV B. C) with basis on the political thinking and on the experiences of Athenian philosopher Plato on the tyrannical polis of Syracuse, on Magna Graecia. The tyranny is presented and analyzed in the historical context, already referred, coming from the vision the men of that time possessed of it. After situating tyranny in the existent political models on the period it’s inserted the discussion about the relationship of Plato with said regime and it’s time. Through this discussion it was searched to stimulate the reflection about the relationship between theory and practice on Classical Greece and on the polical-philosophical thinking of Plato. The life of the author is related to his writings with the intent of checking possible contradictions between the platonic thinking and acting. After, two political treaties of the author in question, the Republic (work of his mid-age), the Laws (work from the end of his life), plus the Letter VII, are used like historical and biographical sources so that the correct relation of them with the historical context was made of the form that points the characteristics of tyranny and of the tyrannical polis that allowed Plato to believe on the possibility if applicating his political ideas on Syracuse. Besides, this work refutes the false Christian image of Plato when it inserts him on his time. Key-words: Tyranny. Plato. Government Forms. Magna Graecia. Politics. Theory and practice.

Page 7: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 8

2 A GRÉCIA CLÁSSICA (SÉCULOS V-IV a. C)................................................... 10

2.1 A polis grega................................................................................................. 11

2.2 As formas de governo................................................................................... 13

2.3 A polis espartana.......................................................................................... 14

2.4 A polis ateniense.......................................................................................... 17

2.5 Guerra e rivalidade entre as poleis............................................................... 19

2.6 Tirania na Grécia Clássica............................................................................ 21

2.7 A Magna Grécia............................................................................................ 22

2.8 Siracusa, uma polis tirânica.......................................................................... 24

3 O PENSAMENTO POLÍTICO PLATÔNICO E A GRÉCIA CLÁSSICA............. 26

3.1 Platão, o Homem grego................................................................................ 30

3.2 Platão, o pensador político........................................................................... 34

3.3 Da teoria à prática........................................................................................ 38

4 O TIRANO: DE “LOBO EM PELE DE HOMEM” A AGENTE DA POLITEIA

DIVINA.................................................................................................................... 42

4.1 As Leis: o legislador e a Polis Legal............................................................. 43

4.2 A Carta VII: Platão e os tiranos de Siracusa, Dionísio, o velho e Dionísio, o jovem...................................................................................................................

47

5 CONCLUSÕES................................................................................................... 51

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................... 52

7 FONTES.............................................................................................................. 54

Page 8: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

1 INTRODUÇÃO

Platão, Aristóteles, Cícero, santo Agostinho, Tomas More, Montesquieu, são

alguns dos nomes que podem ser citados quando pensamos em teoria política e

formas de governo. Apesar das divergências entre suas concepções, todos possuem

algo em comum, pensaram como deveria ser a melhor sociedade a fim de tornar o

homem melhor e mais feliz. Refletindo sobre esta questão analisei as ideias políticas

platônicas e o contexto histórico em que Platão viveu, a Grécia Clássica dos séculos

V-IV a.C. Pois, fora justamente este contexto o berço das discussões políticas e dos

termos política, filosofia e história. O pensamento político platônico, segundo o

filólogo alemão Werner Jaeger na obra PAIDÉIA: a formação do homem grego,

devido às deturpações ao longo da história perdeu aos nossos olhos as

características do mundo ao qual fez parte. Construiu-se uma imagem cristã de

Platão, atribuímos, muitas vezes sem perceber, uma moralidade monástica ao

filósofo que não existia no mundo grego clássico. Esquecemos que tal personagem

foi antes de tudo grego e, como grego, preocupou-se com a política, com a polis,

com a teoria e, principalmente, com a prática. Assim, este trabalho propõe uma

reflexão sobre as ideias políticas platônicas e as organizações políticas de seu

tempo a partir das experiências de Platão com os tiranos da Magna Grécia.

Procurei utilizar perspectivas históricas diferentes com o intuito de não me

prender a uma única visão do período, pois nenhum autor deve ser descartado.

Afinal, a comparação entre abordagens divergentes pode trazer à tona

características fundamentais à compreensão de um contexto histórico. Desta forma,

utilizei desde obras que oferecem um panorama geral da época como O Homem

Grego organizado por Jean-Pierre Vernat até artigos mais específicos como Platón y

la Guerra del Peloponeso de Plácido Soares. O primeiro texto aborda a cultura grega

em seus principais aspectos (social, econômico, espiritual, etc.). Assim, pode-se

perceber o que ela criou. Através do conhecimento deste “Homem” pude analisar o

personagem que me intrigava e constatar o seu pertencimento ao mundo grego que

lhe foi contemporâneo.

Verifiquei que as críticas realizadas por alguns autores como Kelsen em A

ilusão da Justiça ao pensamento político platônico eram devidas à imagem cristã de

Platão. Platão foi ateniense e grego e, como tal, deve ser lido e compreendido

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através da cultura grega. Destarte, convido aos interessados em política, filosofia e

história a conhecer o Platão GREGO.

Page 10: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

2 A GRÉCIA CLÁSSICA (SÉCULOS V-IV a. C)

Chamamos anacronicamente de Grécia uma região ao norte do mar

mediterrâneo em que havia traços ético-culturais semelhantes que, de forma

alguma, apresentava uma unidade governamental. Aliás, a diversidade, a

pluralidade cultural é uma característica fundamental para se compreender a Grécia

dos séculos V-IV a.C. A partir deste traço delineiam-se os aspectos específicos que

se pretendem serem analisados como literatura, arte, religião, filosofia, política, etc.

Nossa sociedade contemporânea remete-se frequentemente à Grécia Clássica

quando trata de questões políticas e filosóficas. Tal contexto histórico transmitiu aos

seus posteriores obras culturais inigualáveis utilizadas, re-apropriadas e exploradas

ao longo de mais de dois mil anos pelas mais diversas sociedades, por conta disso a

então denominada Grécia Clássica nos alude a ideia de florescimento e riqueza

cultural.

Apesar de anacrônico o termo Grécia Clássica foi utilizado neste trabalho

monográfico como fim didático, além disso, a imagem que ele nos remete do período

em questão não é de todo errônea, pois a cultura em todos os seus aspectos

borbulha nesta época como nunca dantes vista. Pode-se constatar isto através da

influência, por exemplo, da própria língua grega antiga em nosso meio, das obras

filosóficas ainda lidas, 1 do pensamento político ainda presente, etc. O mundo grego

antigo devido ao seu caráter pluralista possibilitou o surgimento de profundos

debates políticos e filosóficos. Afinal, ambos os termos são oriundos do grego, e

denota não somente a influência deste período nos dias atuais, mas também mostra

a importância de se conhecer o significado deles para aqueles que os criaram, afim

de não haver confusão entre o significado original e o atual, evitando o anacronismo

histórico.

Esta cultura dinâmica permitiu ao homem fomentar seu intelecto, levando-o a

questionar o mundo que o cercava. Assim, é com os gregos que nasce a reflexão

política, 2 apenas no interior de um mundo variado como este pôde surgir um tão

intenso debate político. É o homem pensando a si mesmo como constituinte de uma

comunidade humana, como ser culturalmente definido. Desta forma a política tem

1 Por exemplo, Platão e Aristóteles. 2 BARKER, Sir Ernest, 1874 – 1960. Teoria política grega. – Platão e seus predecessores.

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como berço a polis grega, como o próprio termo alude ou, “cidade-Estado”,

comumente conhecida. Somente numa cultura dinâmica e pluralista pôde haver o

fenômeno da polis, esta é sua essência, seu sustentáculo, quando não pôde mais

ultrapassar as dificuldades políticas interiores e exteriores a civilização grega antiga

sucumbiu juntamente com a polis. 3

Destarte, neste primeiro capítulo há o destaque à configuração da Grécia

Clássica nos termos políticos, a descrição e análise da polis grega, os modelos ou

formas de governo existentes no período, a rivalidade entre as poleis hegemônicas

e, principalmente, a exposição histórico-cultural que possibilitou o fomento de

debates político-filosóficos e ações que visavam a melhora da organização social

humana entre os gregos.

2.1 A polis grega

A polis, ou “cidade-Estado”, não era apenas uma aglomeração humana ou

urbana, a polis grega era antes de tudo uma comunidade humana composta pelos

politai, ou cidadão, mais o território definido em que estavam estabelecidos. 4 O

termo polis é mais adequado que “cidade-Estado”, pois este último sugere a ideia de

um Estado como atualmente é entendido,5 no seu sentido original a palavra polis

designa “um estado que governa a si mesmo”, sem diferenciar sua estrutura de

governo. A auto-suficiência era condição primordial à definição da polis, seu poder

era total, abrangia todas as esferas do comportamento humano, era fonte de todos

os direitos e obrigações. A diferenciação entre os termos é de suma importância na

medida em que a concepção de “Estado” grega como associação moral,

comunidade solidariamente definida é estranha ao pensamento que nos é

contemporâneo. É na polis que se estabelecem todos os contatos políticos,

econômicos, intelectuais, é onde residem as autoridades, onde se encontram os

ginásios, as escolas, o teatro, os templos principais, o mercado, ou seja, é o lugar de

3 AYMARD, André; AUBOYER, Jeannine. História geral das civilizações. Tomo I. O Oriente e a Grécia Antiga. 4 MOSSÉ, Claude. Dicionário da civilização Grega. p.240 5 Segundo definição do dicionário: “Estado: 10. Nação politicamente organizada por leis próprias.

11. Terras ou países sujeitos à mesma autoridade ou jurisdição. 12. Conjunto de poderes políticos de uma nação.” p. 424.

Page 12: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

intensas relações coletivas, mútuas. O regime urbano alcançou notável

desenvolvimento no período clássico (séculos V-IV a. C) principalmente nas regiões

que propiciavam intercâmbio cultural, como Atenas, a maior polis grega. 6

A polis permitia aos seus cidadãos conhecer pessoalmente todos os outros

fisicamente e moralmente, ou seja, na sua maneira de ser, nos seus meios de vida,

nos seus laços familiares e na sua atividade quotidiana. O indivíduo não existia

isoladamente, mas era constituinte de um todo maior: a polis. Ser humano

significava antes de tudo fazer parte de uma comunidade. Até o século IV todas as

formas de expressão políticas, culturais refletiam este espírito comunitário. A polis

reunia em si mesma os mais altos aspectos da existência humana e os repartia

como dons próprios, para os gregos o Eu somente existia conectado à totalidade do

mundo, com a natureza, com a sociedade humana, nunca separado e

individualizado. A Grécia antiga foi pioneira a unir em equilíbrio o impulso criador do

indivíduo e a energia unificadora da comunidade. 7

A essência da polis eram os cidadãos, ou politai, nos escritos gregos há

sempre a referência “aos atenienses”, “aos lacedemônios”, nunca à “Atenas”, à

“Lacedemônia”, a ênfase é ao grupo formado pelos politai e não ao território onde

estes se estabelecem. Doravante, para pertencer a uma polis era preciso ser filho de

cidadãos, portanto a cidadania era adquirida basicamente via nascimento. Esta

estrutura urbana produzida pela cultura grega pautada na norma universal válida

para toda vida na polis gerou a necessidade da existência deste novo tipo de

homem, o cidadão. Ser cidadão implicava, mormente, exercer um papel político ativo

dentro da polis, da comunidade, por isso seu número foi sempre estritamente

reduzido. Esta relação entre indivíduo e comunidade é a condição sumária ao

desenvolvimento da reflexão política, devido à multiplicidade dos fatores nascidos de

um âmbito dinâmico, como a cidade, os homens passam a indagar qual o

significado, o sentido das estruturas que norteiam a vida em grupo.

Na Grécia discutir questões políticas era discutir a politeia. 8 O termo, amplo e

complexo, refere-se à “constituição” da polis, não apenas ao conjunto das

6 Contudo, o meio rural nunca deixou de ter papel preponderante. GLOTZ, Gustave. A Cidade

Grega. 7 Ver Paidéia Jaeger. p. 30 8 MOSSÉ, Claude. Dicionário da civilização Grega. p.241

Page 13: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

instituições que a governam, mas à própria estrutura da sociedade, seu modus

vivendi, quer dizer, toda a cultura humana inserida na polis. A teoria política aparece

como necessidade de se corrigir o que existia, conceber uma politeia ideal nasce no

seio de um mundo real variado, múltiplo e intrincado. Não à toa a partir do século V

o pensamento político sofre um desenvolvimento sem igual na história, passa-se a

refletir sobre a melhor maneira de se viver em comunidade com o objetivo de formar

o homem como ser completo em unidade com o mundo – paideia.

2.2 As formas de governo

Na polis grega a questão mais importante para sua constituição era sobre

quem deveria governar, se poucos ou muitos. Tal preocupação fora registrada pelo

historiador grego Heródoto no século V nas suas Histórias, relata uma discussão

entre Dario, Megabizo e Otanes sobre a melhor forma de governo, o de um, o de

poucos ou o de muitos. 9 Nesta primeira exposição da literatura grega sobre as

formas de governo debate-se qual a melhor politeia que evitaria o regime tirânico,

tido pelos gregos como pertencente a povos bárbaros. Os três personagens

advogam respectivamente da monarquia, da oligarquia e da democracia. Cada um

expõe as vantagens do regime preterido apontando paralelamente as desvantagens

dos outros. Heródoto apresenta aqui as três formas básicas e generalizantes de

classificação dos tipos de “Estado” da época, o mais importante a notar nesta fonte é

o período em que foi escrita, marcado pelo florescimento, expansão e ampliação das

relações externas da polis grega.

A escolha das personagens não é aleatória, Dario, por exemplo, rei persa, é

defensor da monarquia, o que denota a ligação que os gregos faziam entre esta

forma de governo e os povos bárbaros, ou “estrangeiros”. A ideia de uma monarquia

boa e harmônica dentro da polis não era conhecida na reflexão política grega do

século V, pois não era considerada compatível com uma sociedade de cidadãos.

Aparece somente no século IV como algo exterior à polis, o hégemon de Isócrates é

o melhor exemplo do ideal de um monarca unificador da cultura helênica.10

9 PLÁCIDO SOAREZ, Domingo. Las formas del poder personal: la monarquia y la tirania. In: Gerión 127 10 ROCHER, Laura sancho. Las fronteras de la política. La vida política amenazada según

Isócrates y Demóstenes. Gerión. p.233

Page 14: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

“Contudo, é bela a intenção de investigar o que os outros deixaram de lado e dar leis

às monarquias” (ISOCRATES, p.271). No mesmo século o amigo e rival de

Isócrates, Platão, defende o conceito original de rei-filósofo, a direção do estado nas

mãos de um sábio. Contrariamente à comumente concepção de democracia como

governo de muitos, Isócrates acredita na Basiléia – o governo dos melhores homens

– ou “democracia guiada”. Denomina democracia o Estado justo para todos, para ele

o governo de uma elite responsável e mantenedora da dignidade do povo pode ser

considerado como tal. Esta escolha dos termos põe em evidência a referida imagem

negativa que os gregos, principalmente os atenienses, possuíam da oligarquia, o

governo de poucos, e da monarquia, o governo de um, vista, por isso, como a mais

próxima da tirania, sendo muitas vezes confundidas quando analisadas

superficialmente. Demóstenes, orador e pensador político ateniense do século IV,

corrobora a informação exposta acima, para ele as instituições democráticas seriam

as únicas capazes de representar a autonomia política e os regimes constitucionais

gregos frente ao despotismo que representavam os bárbaros. Porém,

contrariamente à Isócrates, Demóstenes não critica em nenhum aspecto estrutural a

democracia vigente, ainda que procure educar seus ouvintes através de discursos à

atuação política. É bem provável que fora a negativa experiência oligárquica entre os

anos 404-401 a. C a condicionante à formação de uma imagem de oligarquia

sempre associada à ilegalidade e crueldade entre os atenienses.

A multiplicidade de formas de governo fruto do espírito moldável da cultura

grega produziu em seu mais alto nível análises e reflexões ímpares sobre a vida

humana em comunidade. O período clássico grego tem como marca o apogeu das

poleis, ou “cidades-Estado,” onde cada qual possuía sua própria organização

política, o que levou à profundas diferenças e divergências entre elas. As principais

poleis deste tempo são as grandes e contrárias Esparta e Atenas. Vê-se que embora

os teóricos entendessem a política como a arte do bem comum, nunca se chegou a

possuir um órgão adequado que o assegurasse. Buscou-se assazmente por ele,

estimulados pelos males que a sua inexistência trazia.

2.3 A polis espartana

A imagem de Esparta como uma polis militar é oriunda do pensamento

político exterior a ela. Fora cristalizada na obra de Aristóteles, o que evidencia a

Page 15: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

influência do período de hegemonia espartana na Grécia depois da vitória na “guerra

do Peloponeso” (século V a. C). As instituições espartanas eram atribuídas pela

tradição ao legislador Licurgo, esta ideia, comumente apresentada pelos gregos,

devia-se à crença de que as diferentes formas de governo eram resultantes da

elaboração por sábios de normas específicas para cada comunidade, tais homens

acabavam sendo comparados a um herói, ou semi-deus, como os da tradição

mitológica. Na realidade estas instituições eram tão antigas quanto à própria polis,

derivavam da época da conquista dórica no século IX a. C da região conhecida

como Lacônia. Por serem numericamente inferiores aos demais povos habitantes

dessa região os dóricos mantiveram sua preponderância através da força, assim

formou-se uma cidade guerreira e aristocrática.

Mapa 1 – Esparta e o Peloponeso

FONTE: KAGAN, Donald. (2006)

A politeia espartana tinha de ser imutável e, de fato, nos muitos séculos de

sua história a constituição pouco se alterou, mesmo depois de seu declínio no

século III foram feitas tentativas de se retornar às leis de Licurgo. A sociedade

Page 16: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

espartana era rigidamente hierarquizada e dividida basicamente em esparciatas,

periecos e hilotas.

Os esparciatas descendiam dos conquistadores dóricos e eram os únicos a

possuir todos os direitos de cidadão, portanto somente estes participavam do

governo da polis, chamavam-se os Iguais (ηοµοιοι). Νo século IV os esparciatas não

passavam de duas mil pessoas, alguns autores da época afirmavam que Esparta

padeceu por falta de homens. A esta elite pertenciam as melhores terras localizadas

em torno da cidade, cada lote de terra era mais uma propriedade da família do que

do indivíduo, era inalienável. Apesar disso as obrigações do espartano eram tão

numerosas que a perda da cidadania tornou-se frequente, aquele que não

conseguisse manter sua condição de nobreza passava a fazer parte da classe dos

Inferiores (ηψποµειονεσ) é por conta disso que Esparta começou a sofrer pela falta

de homens. Todas as atividades realizadas pela elite eram altamente custosas, além

de não poderem exercer qualquer atividade ligada ao trabalho. Consagravam todo

seu tempo ao Estado, preparavam-se constantemente para a guerra através de

exercícios físicos e negócios públicos.

Os periecos eram antigos habitantes da região, livres, porém sem direitos

políticos, dedicavam-se ao comércio e ao artesanato e, possuíam uma população

quatro vezes maior que a dos esparciatas. Os hilotas eram servos pertencentes à

Esparta, trabalhavam nas terras das famílias esparciatas não podendo abandoná-la

ou serem expulsos dela, assim como os periecos não possuíam direitos políticos e

nem ao menos eram considerados parte da cidade. Temiam grandemente os

esparciatas, contudo suas revoltas eram constantemente latentes e controladas à

força. Diz-se que uma vez ao ano os jovens espartanos percorriam os campos para

“caçar” hilotas, talvez não seja verdade, porém isto revela o desprezo dado a eles.

Esparta tornou-se uma poderosa potência no mundo grego mesmo sendo

numericamente reduzida, assim despertou imensa curiosidade das elites gregas das

demais poleis. Esparta teria sido a pior das sociedades e, ter-se-ia transformado na

melhor vencendo apenas as suas tendências negativas. Isócrates chama-a de

democracia, por considerá-la um modelo justo. Platão acredita que ela é um modelo

singular e por isso a denomina timocracia, um tipo intermediário entre aristocracia

(modelo ideal) e a oligarquia (modelo corrompido), ou seja, não era perfeita, mas se

aproximava. Todo este louvor dado à Esparta pelas elites do mundo grego deve-se

ao fato de os Lacedemônios representarem o ideal de aristocracia que

Page 17: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

proporcionava o equilíbrio entre os elementos monárquicos e democráticos. Pois

Esparta era uma diarquia (possuía dois reis) fiscalizada pelos Éforos (os cinco

anciãos), o senado ou Gerusia (vinte e oito cidadãos com mais de sessenta anos) e

a assembleia do povo (cidadãos com mais de trinta anos).

2.4 A polis ateniense

Atenas, a mais conhecida e maior polis grega, foi fundada na Ática pelos

jônios e, assim como Esparta, tem sua constituição atribuída a um sábio, o legislador

Sólon. Marcou a história pelo seu modelo caracterizado pela participação dos

cidadãos, ou politai, nos negócios públicos, bem como pela intensa atividade cultural

de onde surgiram escritores, artistas, cientistas e filósofos.

Mapa 2 – A Grécia Antiga

FONTE: Colégio São Francisco

A sociedade ateniense dividia-se em cidadãos, metecos (estrangeiros

domiciliados) e escravos. Havia aproximadamente 20 mil cidadãos em Atenas, um

número muito alto se comparado com as demais poleis gregas. A cidadania era

atribuída a todo filho de pai e mãe atenienses, sendo raramente concedida aos

demais indivíduos. Em relação à Esparta, ser cidadão em Atenas era muito mais

fácil, além disso, recebia acolhedoramente os estrangeiros (ou metecos). Ser

cidadão significava participar ativamente da política e gozar de todos os direitos

Page 18: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

civis, ao contrário dos metecos e escravos. O número de escravos ultrapassava no

fim do século IV os 400 mil, 11 o escravo pertencia a um amo e poderia conquistar a

liberdade transformando-se daí em meteco.

A intensa urbanização alcançada por Atenas foi condição primordial ao seu

poder na hélade, porém não se deve esquecer que apesar da característica urbana

a agricultura possuía um importante papel econômico, muitos habitantes da cidade

eram donos de terras. Centenas de famílias ricas viviam na cidade desfrutando dos

rendimentos das suas propriedades e dos escravos. O fato de não precisarem

trabalhar disponibilizou-os para se dedicarem à vida pública, ao estudo ou a simples

ociosidade. Até mesmo os pobres atenienses costumavam ter tempo para participar

da política. Estas características possibilitaram o desenvolvimento da “democracia”

(demokratia) não havia a representação, funcionalismo público ou aparelho

burocrático, a participação direta era o sustentáculo da “democracia” ateniense. Os

negócios do Estado eram dirigidos pela Assembleia do povo, onde todos os

cidadãos com mais de 20 anos poderiam participar, não havia hierarquia nos cargos

oficiais. Os trabalhos da Assembleia do povo eram preparados pela boulé ou

Conselho dos quinhentos, todo ano 500 cidadãos eram escolhidos por sorteio para

fazer parte dela, desta forma o amadorismo definia este regime e, foi justamente

esta característica a responsável por despertar profundas críticas de pensadores

como Platão. 12 A massa se reunia na Assembleia para ouvir oradores, que a guiava

nas tomadas de decisão, para Platão, e outros pensadores contemporâneos ou não,

significava uma multidão de ignorantes dirigindo os negócios do Estado. Além da

Assembleia do povo e da boulé havia ainda os magistrados, sempre subordinados

àquelas. Porém, como mencionado em tópico anterior, havia aqueles que se

posicionavam a favor de Atenas, como Demóstenes, para o qual a democracia

representava a autonomia política em relação aos bárbaros.

“(...) Mas o instinto, nos homens razoáveis, tem em si mesmo uma defesa comum, que é uma proteção excelente para todo o mundo, mas especialmente para as democracias frente aos tiranos. (...) Os reis e os tiranos são por natureza inimigos da liberdade e adversários das leis.” (DEMÓSTENES, p.130-131)

11 ARDÉ, Auguste. A Grécia Antiga e a vida grega: geografia, história, literatura, artes, religião, vida

pública e privada. p.170 12 Idem.

Page 19: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

Apesar das críticas direcionadas a esta politeia, é certo que foi graças a este

tipo de sistema que pôde haver a reflexão política, dentro da sociedade

conservadora de Esparta ela era praticamente inviável, principalmente no que

concerne ao desenvolvimento cultural. O espírito dinâmico e inovador ateniense

criou personalidades de relevo sem iguais em todas as áreas do conhecimento no

mundo grego, poucos estudiosos entre 500 e 300 não estiveram pelo menos ligados

à Atenas. 13

2.5 Guerra e rivalidade entre as poleis

As divergências entre Atenas e Esparta levaram-nas à guerra no século V

(432-404), chamada pelos historiadores de “Guerra do Peloponeso”. Para os

homens da época Liga do Peloponeso era sinônimo de “Esparta e seus aliados” 14 e

não guerra entre estados peloponésicos. A rivalidade entre as duas poleis envolveu

praticamente toda a Grécia e foi um dos principais fatores do declínio grego após o

século IV. As diferenças entre as concepções de formas de governo vêm à tona com

toda a força neste conflito, Esparta do lado daqueles que representavam a

“aristocracia” e Atenas da “democracia” 15. Porém, não foram apenas as

divergências ideológicas as responsáveis por desencadear a Guerra, desde o

término das guerras Médicas (Greco-pérsicas) as relações de Atenas e Esparta

arrefeciam-se progressivamente, por conta da disputa destas pela hegemonia no

mundo grego.

O fortalecimento do poder de ambas as poleis no século V levou-as a uma

política expansionista e imperialista. Na Ática formou-se a Liga Délia encabeçada

por Atenas, paulatinamente a liga transformou-se em um verdadeiro império

marítimo. E na Lacedemônia a Liga do Peloponeso liderada por Esparta, formando o

império terrestre. Os dois lados guerreavam-se sempre recriminando uns aos outros

quando havia conflito aberto sob a justificativa de estarem agindo por necessidade

13 FINLEY, M. I. Os Gregos Antigos. p.71 14 Ibidem. p.57 15 O capítulo Guerra do Peloponeso, do historiador Pedro Paulo Funari, História das Guerras (org.

Demétrio Magnoli), o autor faz uma curiosa comparação entre Guerra Fria (século XX) e a Guerra do Peloponeso (século V a. C), pois ambas foram frutos da rivalidade entre duas potências imperialistas com sistemas de governo divergentes.

Page 20: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

política. Na realidade os interesses envolvidos iam desde o desejo de

engrandecimento e poder moral até o enriquecimento material através da

hegemonia comercial. Um dado curioso é que muitas vezes a guerra transformou-se

em um meio e não um fim, pois liderar um bloco político era sinal de poder e, a sua

existência dependia de uma ameaça latente, sem o qual deixaria de ter sentido.

Assim, surgiu a expressão “cidade-tirano” – uma polis desejosa de poder e glória à

custa da submissão das demais.

Em um mundo com tanta rivalidade a guerra tornou-se uma atividade

corriqueira e essencial, por isso vários pensadores acreditavam ser fundamental a

preparação dos cidadãos para a guerra, o próprio Platão destaca o papel dos

guardiões no seu Estado ideal da República e no legal das Leis. A guerra fazia parte

da vida dos gregos em geral, não somente dos lacedemônios. A longo prazo estes

conflitos enfraqueceram as cidades-Estado independentes e abriram caminho ao

posterior domínio macedônico de Filipe e Alexandre. Além disso, influenciou

decididamente todo o pensamento político contemporâneo e posterior à guerra,

inclusive o platônico. 16

Esparta, apesar de vitoriosa, também sofreu com o conflito, entrando em

decadência a partir do século IV. Contudo, a vitória espartana trouxe prejuízos

gravíssimos à “democracia” ateniense. O período de hegemonia espartana

despertou profunda admiração por sua politeia. Os gregos perguntavam-se como um

Estado numericamente tão pequeno conseguiu conquistar tanto poder.

Concomitantemente, a imposição em Atenas de um governo oligárquico por Esparta

(404-401), conhecido como o governo dos Trinta tiranos, contribuiu para a

construção entre os defensores da democracia de uma imagem de oligarquia

associada à crueldade e ilegalidade que, refletir-se-á em diversas obras de reflexão

política como, por exemplo, a de Isócrates.

Destarte, para este trabalho o fator mais importante a destacar sobre a

“Guerra do Peloponeso” é a consequente crise da democracia após o término desta.

O final do século V e início do IV marcam as primeiras experiências de Platão com

as aspirações anti-democráticas e, a tirania dos Trinta acaba por levá-lo ao total

desprezo pela política vigente.

16 Ver artigo Platón e a Guerra del Peloponeso de Domingo Plácido.

Page 21: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

2.6 Tirania na Grécia Clássica

Apesar de ser vista negativamente pelos gregos, a tirania sempre esteve

presente na história grega desde os primeiros tempos arcaicos ou pré-clássicos.

Entre os interessados em política o homem tirânico provocou e provoca intensas

discussões acerca de seu caráter, sua forma de agir, seu governo, etc. Amado e

odiado, o tirano foi muitas vezes considerado salvador e outras assassino

sanguinário. É uma figura por si só intrigante e controvérsia, por isso despertou

imensa curiosidade entre leigos e estudiosos. Análises superficiais e profundas

foram realizadas a respeito do Estado tirânico com o intuito de desvendar o

significado de sua emergência, o porquê dos homens entregarem-se em certas

épocas a esta figura duvidosa.

Em princípio deve-se, antes de tudo, buscar a origem do termo “tirano” de

modo a esclarecer seu real sentido. A palavra túrannos não era negativa,

provavelmente apareceu na Lídia (costas da Ásia Menor) e designava um senhor ou

rei. Contudo, por conta de sua origem oriental o termo passou a ser associado pelos

gregos a déspotas bárbaros, assim acabou ganhando um sentido pejorativo, onde

passou a ser atribuído a detentores de poder absoluto sem escrúpulos. 17 Na

realidade o tirano não se dava este título, mas sempre era dado por quem o

considerava como tal. O tirano chamava-se a si mesmo de rei. Porém, na Grécia

antiga o rei oficial provinha da aristocracia e exercia concomitantemente a função de

chefe de estado e sacerdote religioso, ao contrário do tirano que chegava ao poder

através da usurpação e da violência, era a elevação de um único homem acima das

leis e do próprio Estado. Dessa maneira o tirano transformava-se num sinistro

personagem sempre associada à ilegalidade e crueldade.

Este personagem apareceu principalmente em épocas conturbadas, o tirano,

às vistas de todos, era o homem mediador e disciplinador das relações partidárias.

Foi muitas vezes o “demagogo” por excelência e guia da multidão desenfreada e

cega. Na opinião de alguns autores o tirano representava o povo contra a elite,

enquanto para outros era o representante de alguma facção oligárquica privada de

poder político. Para os primeiros a tirania existiu apenas em cidades

economicamente comerciais e populosas exigentes de um poder absoluto que

17 GLOTZ, Gustave. A Cidade Grega.

Page 22: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

contivesse e organizasse a multidão de modo a atiçá-la contra a elite dominante, o

tirano, nesta concepção, é um instrumento da massa, usado por ela com o objetivo

de satisfazer suas aspirações. De acordo com os segundos a tirania é oriunda de

uma disputa entre setores privilegiados da sociedade, onde estão incluídos os ricos

comerciantes, o tirano apoia-se na massa para vencer tal disputa a favor de um

setor.

Contudo, a tirania caracteriza-se pela efemeridade. Apesar de poderoso o

tirano não conseguiu em parte alguma manter-se por muito tempo na direção do

Estado. Assim, parece ser uma medida enérgica e radical contra os males que

solapam a polis, mas sempre com vistas a sua superação. É como um remédio

amargo que ninguém quer beber. Por isso os antigos apresentavam a tirania como a

mais degenerada das formas de governo, o tirano aparece somente quando o

Estado não pode mais se recuperar dos problemas que o cometem. Dentro da

concepção cíclica de tempo dos gregos a tirania seria a “morte” do Estado.

As realizações dos tiranos foram comparadas no século VI aos dos grandes

legisladores como Licurgo e Sólon por restabelecerem a ordem em períodos

conturbados. A origem do Estado tirânico vincula-se a épocas de grandes

transformações de ordem sociais e econômicas, ou seja, períodos instáveis, isto

explica sua efemeridade. Porém, longe de ser facilmente explicada por modelos

generalizantes, a tirania (ou tiranias) constitui-se singularmente em cada contexto

específico, assim os casos devem ser verificados à parte de forma a desvendar suas

nuances essenciais à compreensão histórica. Destarte, passa-se agora a analisar a

polis de Siracusa com o intuito de apontar os elementos que possibilitaram a ida de

Platão a este local com fins políticos.

2.7 A Magna Grécia

Os primeiros estabelecimentos fundados por grupos de particulares em busca

de uma descompressão das tensões econômicas e políticas, e não por iniciativa

oficial, apareceram no mundo grego na região que hoje faz parte da Itália, a Sicília.

Page 23: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

Mapa 3 – A Magna Grécia

FONTE: KAGAN, Donald.(2006)

Nesta região chamada Magna Grécia desenvolveu-se também a cultura helênica,

ou grega, apesar de possuir uma organização social fora dos padrões comuns à

Grécia antiga. As poleis pertencentes a esta região desenvolveram-se

apartadamente em relação às metrópoles hegemônicas do mundo grego, não

apenas devido à posição geográfica, mas também como resultado de um processo

histórico diverso. O principal fator foi o caráter de povoamento particular numa área

favorável à expansão agrícola e às relações comerciais. Não tardou as poleis

sicilianas tornarem-se prósperas e independentes. Mesmo com as dessemelhanças

os gregos não hesitaram em denominar as cidades da Sicília de poleis, inclusive a

tirânica Siracusa, pois, como mencionado em tópico anterior, a palavra polis não se

referia à estrutura de governo. 18

Durante a maior parte do período clássico a tirania estava desassociada do

que os gregos chamavam de polis e a história da Magna Grécia era um fenômeno a

18 FINLEY, M. I. Os Gregos Antigos. p.48

Page 24: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

parte, contudo, Siracusa não deixou de constituir culturalmente o mundo grego.

Inclusive, a própria existência de cidades autônomas e autogovernadas evidencia o

pertencimento desta realidade ao seu contexto histórico. O foco desta exposição é a

compreensão do contexto sócio-político que permitiu ou, o que levou Platão a

acreditar na possibilidade de aplicar suas ideias nesta polis.

2.8 Siracusa, uma polis tirânica

A história da tirania em Siracusa constitui um fenômeno atípico dentro do

mundo grego, mas de todo instigante por sua singularidade que levou o ateniense

Platão a tentar três vezes durante sua vida transformá-la na polis ideal. A

reconstrução de sua história é um empreendimento demasiado difícil devido à falta

de fontes, contudo na própria obra de Platão há indiretamente a alusão às suas

experiências com a tirania desta polis. Destarte, por hora nos deteremos nas

características que chamaram a atenção desse importante pensador político.

Começa-se pela origem da tirania em Siracusa. Em meados do século V

instituiu-se uma democracia na polis siracusana, onde foram declarados dez mil

cidadãos. Siracusa se auto-declarava capital e senhora da ilha. Em decorrência do

alto número de cidadãos tornou-se um campo propício ao florescimento da política

demagógica, a agitação democrática adquiriu formas extremas. A agitação e

desorganização política somadas às guerras entre as poleis sicilianas levaram à

revolta popular em Siracusa, de onde Dionísio, o velho proclamou-se tirano (405 a.

C). Seu governo representava o perfeito modelo de tirania nascida da anarquia

gerada pelo regime democrático. 19 E, seu filho Dionísio, o jovem fora criado para

seguir os passos do pai.

Dionísio se apresentava como defensor universal da cultura grega frente aos

bárbaros e convencia todos os habitantes da magna Grécia a comungar desta ideia.

Diante das incursões cartaginesas à ilha siciliana o povo colocava-se ao lado do

tirano com receio da submissão aos invasores. Contudo, Dionísio entregou aos

cartagineses várias poleis e submeteu a seu poder outras tantas por meios violentos

e desaforados. Saqueou cidades, escravizou populações, o que o beneficiou

eficazmente em termos econômicos. O aumento da riqueza de Siracusa permitiu a

19 BURCKHARDT, Jacob. História de la cultura griega. Tomo I. p.252

Page 25: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

formação de uma polícia secreta bem organizada com o intuito de reprimir e prevenir

a revolta dos habitantes das poleis dominadas. Além disso, Dionísio possuía uma

espécie de corte e uma guarda pessoal para se defender da massa populacional,

estas características são responsáveis pela atribuição a este regime do título de

“pai” da tirania moderna. Aos olhos de Platão, o meio século de democracia fora a

justificativa para a existência histórica de um regime tão violento, para ele Dionísio

era a encarnação do tirano em sua pior face. Tirania que não se desfez com sua

morte em 367 a. C, pois seu filho possuía a mesma alma tirânica. Contudo, Platão

viu na inteligência e na perspicácia destes homens a possibilidade do

desenvolvimento de legisladores e, até mesmo, de reis-filósofos como tanto

sonhava.

Page 26: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

3 O PENSAMENTO POLÍTICO PLATÔNICO E A GRÉCIA CLÁSSICA

A Grécia, principalmente Atenas, ficou conhecida como a “mãe da política”

contemporânea, pois, como exposto no primeiro capítulo, na polis grega nasceu o

pensamento político ocidental. Algo muito importante a se destacar é a estreita

relação entre teoria e prática no mundo grego, não havia a separação entre

ambas.20 Toda reflexão se realizava com o intuito prático, de modo a solucionar os

problemas da vida humana no âmbito político, social, público, etc. Até mesmo a

filosofia é imbuída deste senso prático, nos século IV sua principal preocupação é o

homem e sua relação com a comunidade, sua maneira de agir e pensar o mundo

que o cerca. Assim, este contexto histórico permitiu ao homem questionar a si

mesmo e a cultura da qual faz parte, originando um grande número de obras que

investigam e buscam compreender o cerne da natureza humana enquanto

pertencente a um todo universal.

A política é entendida como a arte da vida humana em comunidade, sua

existência é, pois, inseparável desta. Diferentemente de hoje, participar da política

na Grécia significava possuir um alto domínio cultural, por isso era necessário que o

cidadão pleno adquirisse uma esmerada educação. Apenas os homens mais bem

educados podiam ocupar cargos políticos importantes, ser um cidadão completo

significava, antes de tudo, agir dentro da polis de forma a demonstrar seu amor, seu

respeito, sua gratidão por esta que é sua “pátria”. Participar ativamente da vida

política revestia o homem grego do status de politai, era a definição do

pertencimento do homem a um grupo que lhe devia e lhe concebia proteção.

Somente o homem político podia se considerar Homem em todos os sentidos e, até

mesmo, poder se considerar como o mais próximo dos deuses guardiões da cidade.

O chefe político imbuía-se assim do papel sumário de sacerdote da polis, sendo

responsável pelos cultos e cerimônias religiosas. O cidadão na Grécia é quem guia a

multidão em todos os aspectos da vida, é o modelo a ser seguido e reverenciado,

pois ele é o único plenamente Homem. Esta ideia de cidadão não é privilégio de

Atenas, em toda polis grega constituinte de um grupo político há esta concepção de

cidadão como o homem pleno, a diferença esta na forma de se conseguir tal título

20 “Por toda a parte surge a consciência de que na ação prática do homem existe uma norma do que

é proporcional (πρέπον, άρµοττον), a qual à semelhança do direito, não pode ser impunemente transgredido.” (JAEGER, p.207)

Page 27: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

Atenas, a “mãe da democracia”, fez surgir a curiosa figura do orador, nas

reuniões do conselho dos 500, ou boulé, desfilavam os melhores oradores gregos.

Quase como num campeonato os mais belos discursos políticos eram proclamados

em voz alta com o intuito de persuadir a plateia participante. Um discurso bem

elaborado e bem recitado poderia ser a diferença entre estar ou não no poder, por

conta disso quem pretendia a um cargo político não media esforços para aprender o

ofício do bem falar em público. Existiam até mesmo concursos que elegiam o melhor

orador e o melhor escritor, a arte retórica atinge seu cume nesta época, pode-se

dizer que a polis não é apenas a “mãe” da política, mas também dos discursos

políticos. O sofista e o professor 21 de gramática são oriundos deste contexto,

aparecem como resultantes do poder de convencimento, ou poder persuasivo,

necessário a quem almeja pertencer ao seleto grupo dos cidadãos plenos e,

portanto, próximos dos deuses. Nestas condições, o orador era estimado e

procurado pelos desejosos de status e poder, contratar os serviços de um orador ou

de um retórico constituía uma prática comum aos pertencentes a uma polis

“democrática”.

O precursor em Atenas da oratória foi o governante Péricles no século V,

através de sua eloquência promoveu o afloramento cultural ateniense, construiu

templos, teatros, etc. e abriu o caminho a ebulição da oratória e retórica. Seus belos

discursos persuadiam os atenienses à necessidade da construção de obras

culturais, ao mesmo tempo falava aos ouvidos das pessoas o que elas queriam

ouvir, assim em pouco tempo Atenas se tornou o centro cultural do mundo

mediterrâneo. Pessoas de todas as partes iam à Atenas para ouvir os inflamados

discursos. Deve-se ressaltar o cuidado a ser tomado quando se analisa o período de

Péricles, por vivermos em uma época onde há o enaltecimento da democracia e da

mudança como valor positivo, temos a tendência a projetar nossa visão de mundo

neste período. Assim, cremos ter sido uma época sem problemas, que apenas

trouxe benesses ao mundo, o chamado “século de ouro” ou século de Péricles tem

de ser analisado sem esta lente que destorce a realidade, como um contexto

historicamente construído e que, portanto, possui diversas nuances próprias do

21 “Foi das necessidades mais profundas da vida do Estado que nasceu a ideia da educação, a qual

reconheceu no saber a nova e poderosa força espiritual daquele tempo para a formação de homens, e a pôs à serviço desta tarefa.” (JAERGER, p.337)

Page 28: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

período. 22 É inegável a promoção por Péricles do que se definiu como cultura

ateniense, mas o que foi exatamente essa cultura? A que poder ou poderes ela

servia?

Ao contrário do que imaginamos não são todos os que ao olharem para o

século V a. C veem prosperidade e aperfeiçoamento humano. Para alguns analíticos

Péricles não foi mais que um demagogo responsável pelo enfraquecimento que

teria, inclusive, levado Atenas a cair sob o domínio espartano no final do mesmo

século. Este período de hegemonia espartana marcou a vida ateniense de forma

extremamente negativa, principalmente o domínio dos Trinta tiranos que seguiu. Em

princípios do século IV Esparta gozava entre os gregos de prestígio e poder político-

militar consequente da vitória na Guerra do Peloponeso. Esta vitória representava a

decadência da democracia frente à oligarquia, o que despertou nas elites

aristocráticas gregas o fascínio pela politeia espartana. Esparta torna-se o símbolo

da força e da coragem grega, a única capaz de vencer as tendências negativas da

alma humana. Assim, é justamente após o término da Guerra do Peloponeso que

fortalece o estereótipo do “tipo” lacedemônio, homem viril e guerreiro. A curiosidade

em relação às instituições espartanas cresce proporcionalmente a sua influência na

Grécia, mormente pelas elites enfraquecidas devido aos regimes democráticos. Os

elogios às poleis lacedemônias partem daqueles que viam na democracia a forma

de governo mais corrompida existente, pois se guiava, segundo eles, através da

ignorância de uma multidão desenfreada e desejosa de lisonjas. Para os contrários à

democracia e seu espírito libertário Péricles agiu como um confeiteiro que agrada o

freguês doente dando-lhe as mais deliciosas guloseimas, porém mata-o com esta

dieta sob a justificativa de ter-lhe proporcionado prazer. Os aristocratas atenienses

passam então a admirar a austeridade espartana e sua politeia, Atenas deveria

seguir o exemplo de Esparta que teria sido a pior das sociedades e tornou-se a

melhor vencendo apenas as suas tendências negativas. Assim, ao invés de agradar

a massa, a polis deveria proporcionar a seus filhos condições de se tornarem

Homens em pleno sentido e, isto não é alcançado sem esforço.

O melhor exemplo desta aristocracia ateniense desgostosa em relação ao regime

democrático é o filósofo e pensador político Arístocles, mais conhecido como Platão,

palavra que significa “ombros largos” devido a sua robusta compleição física ou

22 GLOTZ, Gustave. A Cidade Grega.

Page 29: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

grandeza de espírito. O pensamento Platônico atravessou os séculos influenciando

sistemas políticos, filósofos das mais diversas culturas e ideais sociais, o que

provocou a construção de imagens sobre quem teria sido e o que pensava o referido

pensador. 23 Por muito tempo o pensamento platônico ficou restrito aos estudiosos

de sistemas filosóficos, desligado do contexto histórico do qual é oriundo. Os

conceitos contidos nos diálogos platônicos foram sendo re-apropriados, modificados

e servindo de base a ideologias completamente apartadas de seu contexto original.

Isto acarretou o sério problema de um texto filosófico, o platônico, por exemplo, ser

lido como algo fora do tempo e do espaço, ou seja, a-histórico, ou eterno. Na

realidade não é possível haver a compreensão de um escrito, dado historicamente,

desligando-o do meio e das condições históricas que permitiram seu aparecimento.

Deste modo, rebatendo as possíveis discordâncias, este trabalho pauta-se na

análise do contexto histórico para a devida compreensão do pensamento de um

autor e sua obra. Platão e seu pensamento não devem de forma alguma serem

vistos fora de sua época e sociedade, como ateniense (e grego) o filósofo é aqui

entendido inserido no meio que o circundava. Apesar de visar a Verdade universal e

eterna24, foi a partir de uma realidade cultural historicamente construída que Platão

elaborou suas análises sobre o homem, sua natureza, sua vida em comunidade,

enfim, o mundo humano.

Por conseguinte, o pensamento elaborado por Platão não é apenas platônico,

é também grego. Quando se passa a vê-lo como tal os véus que escondem sua face

caem e despimos-nos dos preconceitos e imagens falsamente formadas em nossas

mentes. Sua vida, suas experiências com o mundo grego refletem-se em suas obras

e servem ao historiador uma ampla análise da época em questão. Assim,

começamos agora a expor e traçar a vida e a obra deste personagem relacionando-

as sempre ao seu contexto histórico. 25

23 Platão influenciou desde santos medievais como santo Agostinho até filósofos contemporâneos

como Hannah Arendt. 24 “O seu ‘filósofo’ não é exatamente um professor de filosofia, que se arrogue um título destes,

baseado nos conhecimentos que tem da sua especialidade (τεχνύδριον). E ainda menos é um “pensador original”, pois não seria possível existirem simultaneamente tantos pensadores quanto os ‘filósofos’ de que Platão precisa para governar o seu Estado” (Paidéia, Jaeger, p.848).

25 “Tocamos aqui uma das raízes da vontade platônica; é a consciência de que o Homem não

prospera no estado de isolamento, mas sim no interior de um mundo circundante adequado ao seu ser e ao seu destino.” (JAEGER, p.792).

Page 30: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

3.1 Platão, o Homem grego

Platão nasce um ano após a morte de Péricles em 427 a. C, ou seja, suas

primeiras experiências encontram-se no período de crise da democracia ateniense.

Assim, Platão conheceu de perto os programas e aspirações mais definidamente

anti-democráticas, 26 filho de ilustre família aristocrática, seu pai, Ariston, descendia

de Codro, rei de Atenas, e sua mãe, Perictione, pertencia a linhagem de Sólon, o

grande legislador. Usufrui em sua mocidade de esmerada educação, tendo sido

discípulo dos mais conhecidos sofistas da época. Portanto, Platão, como filho da

aristocracia ateniense, foi educado e criado como tal, seguindo o ideal grego de

formação completa do homem. Como era o costume entre os aristocratas, Platão

fora incentivado em sua juventude a participar da política, pois como cidadão

ateniense pleno tinha por obrigação tomar parte dos negócios da polis. Contudo, a

proximidade com o meio político de Atenas fez-lhe desenvolver uma profunda

aversão às práticas políticas existentes até então. Viu de perto as mazelas causadas

pela Guerra do Peloponeso e, o fracasso das revoluções oligárquicas representadas

pelos Trinta Tiranos torna-se o ponto de partida para a oposição não só à

democracia como também a todas as formas de governo conhecidas por ele. Desta

forma, o pensamento platônico torna-se uma reação contrária a sua própria época.27

Este ponto é sumário e muito importante a se destacar, Platão é frequentemente

aludido através da imagem de um pensador romântico, sonhador, desligado e

desatento em relação ao mundo que o cercava, preocupado apenas em idealizar

sociedades perfeitas e inatingíveis levado por um profundo otimismo em relação ao

ser humano. Na realidade a elaboração de dois tratados políticos descrevendo a

sociedade ideal, ou melhor, a República e as Leis, refletem seu pessimismo e

desprezo pela política e pela moral da época, já que ambas eram inseparáveis no

mundo grego. Os acontecimentos dos quais foi testemunha em sua juventude o

levam a completa decepção com a polis grega clássica, porém com base nela

elaborou seu pensamento político.

Os acontecimentos que provocaram marcas indeléveis na vida de Platão e

que se refletem em sua obra foram o encontro com Sócrates, aproximadamente em

26 PLÁCIDO SOAREZ, Domingo. Platón y la Guerra del Peloponeso. p.43 27 Ibidem. p. 45

Page 31: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

407, quando contava 20 anos e este 63 e a morte de seu mestre e amigo em 399.28

A morte de Sócrates por condenação da polis democrática ateniense arranca as

últimas esperanças que Platão poderia possuir por Atenas e sua politeia. Para

Platão, que via no mestre a encarnação do verdadeiro filósofo, 29 este acontecimento

refletia a total decadência alcançada pelas formas de governo, em especial a

democracia. A corrupção dos sistemas políticos chegou ao ponto da

incompatibilidade deste com a sabedoria, o que na teoria platônica, onde há a

comparação do corpo político com a alma humana, significa o domínio da parte

irascível, ou apetitosa da alma. Assim como na alma, quando não é governado pela

razão a polis padece sob a direção desenfreada dos desejos insaciáveis de uma

massa de ignorantes. O raciocínio platônico é simples, os desejos da alma são

infinitos, tentar saciá-los a qualquer custo gera ainda mais desejos, deixando a alma

desesperada e angustiada. O Estado, como a alma, quando governado pelos

desejos da ignorância é levado ao colapso por não conseguir satisfazer a todos. A

partir deste raciocínio Platão critica veementemente toda a história política do século

V, ao fazer alusões ao passado de Atenas mostra toda sua aversão aos

personagens relacionados à construção da politeia ateniense, principalmente

Péricles. 30 Opõe-se, deste modo, a opinião tradicional segundo a qual este último

teria exercido boa influência na história ateniense.

Depois da morte de Sócrates, Platão, juntamente com outros discípulos deste,

fugiu de Atenas com receio de terem o mesmo fim que o mestre. Este fato evidencia

a divergência entre o pensamento socrático e a política ateniense, contudo, apesar

de ter criticado a cidade de Atenas, Sócrates aceita sua condenação serenamente

por ter desfrutado da política de sua polis natal. Sócrates não concordava com as

instituições atenienses, mais foi a partir delas que pode aprender, assim acreditava

dever respeitar suas leis mesmo sendo injustas. Platão, o discípulo mais fiel, mostra

toda a influência de seu mestre e amigo em grande parte dos diálogos, escritos de

forma a se aproximar do método socrático de ensino, a maiêutica. 31 Esta forma de

28 TANERY, Paul. A vida, a obra e a doutrina de Platão. In: Anexo. Platão. Fedro. p.12 29 Confer. Nota 24. 30 PLÁCIDO SOAREZ, Domingo. Platón y la Guerra del Peloponeso. p.46 31 Utilizei o termo 'método', mas Sócrates não possuía um 'método' de ensino propriamente dito,

pois a maiêutica era uma conversa dialética que levava os envolvidos a perceberem as contradições do seu próprio pensamento.

Page 32: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

buscar o conhecimento chama a atenção do jovem aristocrata, pois se diferenciava

de todos os métodos de ensino utilizados pelos sofistas ou professores de

gramática. A maiêutica era muito mais uma conversa do que a exposição de um

tema pelo mestre. Realizava-se em praça pública quase como um passatempo, a

praça constituía-se no local mais apropriado para a maiêutica, pois ali os discípulos

e o mestre entravam em contato com a vida coletiva. “Viam o mundo”, por assim

dizer. Para esses pensadores a única maneira de desvendar a alma humana, ou

seja, o Homem, era vendo-o de perto. 32 Assim, em concordância com a cultura

grega, o pensamento socrático entende o homem como olhar, o homem é o único

ser capaz de enxergar o mundo que o cerca em sua totalidade. O ignorante é aquele

despreocupado com o meio circundante, contente apenas em possuir a pura e

simples opinião. Questionar o mundo em que vive constitui-se na única forma de se

atingir a totalidade do ser, enxergar o mundo como ele é faz do ser humano Homem

em pleno sentido. Ser Homem é constatar o pertencimento da alma humana à

totalidade universal.

Destarte, Platão transformou-se no Homem grego por excelência, pois muito

além de ser um crítico de sua época, elevou seu pensamento à visão do mundo que

o constituiu. Deixou de ser um mero reprodutor da cultura ateniense para tornar-se

um crítico da mesma. Desta forma, Platão elaborou todo seu pensamento político

através da observação das formas de governo existentes no mundo conhecido. 33 A

fortuna de sua família permite-lhe viajar para os principais centros político-culturais

de até então. Gastou quase todos os seus recursos em viagens pelo mundo.

Conheceu o Egito, as demais poleis gregas, dizem que chegou até mesmo a Índia

onde travou conhecimento com brâmanes. Na Magna Grécia conheceu os

pitagóricos de quem herdou o amor pelos números e geometria. Ao contrário da

imagem de um Platão quase monge medieval, o verdadeiro Platão fora um homem

explorador, viajante sedento por conhecimento e, como bom ateniense, receptível a

ouvir todo tipo de questão política. Portanto, a análise sobre a alma e cultura

humana expostas em seus diálogos não foram realizadas no interior de uma sala

32 “A partir da época de Sócrates não eram destituídos de senso prático, interessando-se pela vida

do homem comum e pelos seus problemas”. (A.H. ARMSTRONG, p.125) 33 PLÁCIDO SOAREZ, Domingo. Platón y la Guerra del Peloponeso. p.45

Page 33: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

fechada, mas através da observação crítica do mundo constituído pelo homem

enquanto ser culturalmente formado.

Suas viagens pelo mundo deram-lhe a visão geral das instituições humanas e

pode chegar à conclusão de que a condição humana é a mais triste entre todos os

seres. Segundo o pensamento platônico o ser humano não passaria de uma

expressão do desejo de ser divino, o homem é o animal querendo ser Deus.

Portanto, nesta concepção o homem não é um fim em si mesmo, mas um meio de

se atingir o divino. Por ser a expressão de um desejo o homem encontrar-se-ia na

condição de ser incompleto e sempre em busca do divino que lhe falta. Assim, esta

seria a causa de toda a dor humana, a falta de Deus. 34 O mundo cultural, onde se

inclui a política, aparece como resultante desse desejo do homem, porém, por conta

de sua natureza múltipla o ser humano se perde no mundo que ele mesmo criou,

distanciando-se cada vez mais do Deus almejado.

A variedade de formas de governo ocorre, segundo Platão, devido também a

existência de diversos tipos de homem. Já que a natureza humana é a

multiplicidade, a divina seria o contrário, ou seja, a unidade e simplicidade. Superar

a condição humana de ser incompleto é alcançar mediante reflexão a Unidade do

Ser.

“A condição humana implica a faculdade de compreender o que denominamos ideia, isto é, ser capaz de partir da multiplicidade de sensações para alcançar a unidade mediante reflexão. É a reminiscência do que nossa alma viu quando andava na companhia da divindade e, desdenhando tudo o que atribuímos realidade na presente existência, alçava a vista para o verdadeiro Ser. (PLATÃO. Fedro. p.60)

O divino sendo apenas Um leva a conclusão de que somente há um único modelo

perfeito. Por fim, o divino e perfeito sendo Um e as formas de governo reais

correspondendo aos tipos imperfeitos de homem, permite pensar a existência de

apenas uma única forma de governo ideal ou divina. Assim, Platão vê na política um

meio de guiar os homens ao Deus necessário ao fim do sofrimento humano. Depois

de viajar pelo mundo e conhecer as instituições criadas pelo homem, o pensador

entristece-se com a dura realidade humana, percebe que nenhum homem, ao

menos que sob inspiração dos deuses, pode superar sua imperfeição guiado por

políticas corrompidas. A decepção com as instituições humanas foi tão grande que

34 Deus no sentido de Ser universal e não o Deus cristão.

Page 34: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

decide se afastar das práticas políticas de seu tempo. Contrariando o costume dos

jovens aristocratas, Platão abstém-se dos negócios públicos atenienses e passa a

dedicar-se à reflexão filosófica, porém sempre desejoso em agir dentro da polis. 35

3.2 Platão, o pensador político

A política é, sem sombra de dúvida, o tema de maior destaque na obra

platônica, a análise relativa a ela ocupa a maior porcentagem do volume escrito. Isto

demonstra a importância dada aos assuntos políticos, pois Platão concebe a política

como meio de elevação da alma humana à divindade. O divino Belo e perfeito, é o

modelo que deve guiar os homens à felicidade. Quanto mais diferente do Belo, mais

imperfeito e infeliz é o homem, assemelhar-se o quanto possível do Deus é fazer a si

mesmo feliz. Através dessa lógica Platão vê a necessidade de primeiramente definir

este modelo ideal a ser seguido, assim traça em seu principal tratado político, a

República, o perfil do homem divino e do seu Estado ou forma correspondente de

sistema político.

A República é a grande responsável por produzir a imagem de um Platão

despreocupado com a política real. Tida como pura e simples utopia, muitas vezes

ocorre certa negligência por parte de estudiosos da obra platônica que tem não mais

que um devaneio sonhador de um pensador totalmente alheio ao contexto histórico

que o rodeava. 36 O afastamento de Platão dos meio políticos atenienses é fruto da

descrença na democracia e nas práticas políticas desta e não do pouco relevo dado

ao tema. A polis divina descrita na República seria a demonstração do quanto o ser

humano está longe do ideal. Platão escreveu esse tratado para que servisse de

base à análise das formas de governo reais, as semelhanças ou dessemelhanças

com o sistema político ideal apontariam as falhas a serem consertadas em uma polis

grega. Como pensador político consciente dos obstáculos à realização pelo homem

da polis ideal, classifica decrescentemente as formas de governo gregas de acordo

com a proximidade ou distância daquela. Algo a se lembrar de suma relevância nos

escritos platônicos é o simbolismo utilizado, desde a escolha dos personagens até a

disposição dos assuntos discutidos têm um significado. Um bom exemplo é esta

35 Ver BARKER, Sir Ernest, 1874 – 1960. Teoria política grega. Cap. XI. Platão e os Estados

Gregos. 36 Ibidem. p.231

Page 35: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

classificação decrescente da qualidade dos tipos de governo, segundo alguns

estudiosos, representa o pessimismo platônico, pois transmite a concepção de haver

uma tendência sempre negativa, ou decadente, das instituições humanas. O homem

tende para o pior e, o trabalho da reflexão filosófica permite a luta contra esta

tendência corruptiva da alma humana. 37 Platão denomina o sistema político ideal de

aristocracia ou monarquia, os demais seriam formas mais, ou menos, corrompidas

do primeiro. Como exposto no capítulo anterior, a monarquia era mal quista pelo

mundo grego, pois associava-se à imagem despótica bárbara. Destarte, ao defender

este modelo de governo o pensador ateniense posiciona-se contrariamente à Grécia

do período em questão, o que mostra, mais uma vez, a aversão platônica às

instituições políticas gregas, mormente as atenienses. Na classificação encontrada

no livro VIII da República a democracia é a segunda forma de governo mais distante

do ideal, perdendo apenas para a tirania. Por conseguinte, das poleis gregas a

espartana teria sido a mais semelhante à ideal, chamada de timocracia, esta era um

tipo intermediário entre aristocracia e oligarquia. Não foi considerada aristocracia por

não ser perfeita, mas também não a chama de oligarquia, pois ainda conteria

características da primeira. Desta forma, Platão entende a corrupção do Estado

como algo que se dá paulatinamente através da transformação de um tipo mais Belo

a outro menos Belo. A basiléia, o governo dos melhores homens, representada pela

monarquia ou aristocracia, constitui-se no modelo ideal a ser atingido, enquanto a

timocracia, a oligarquia, a democracia e a tirania, respectivamente, esboçam a partir

de uma visão geral a distância dos homens em relação à perfeição e, também à

felicidade.

A República foi escrita para ser o modelo, Platão mostra ter consciência disso

na própria obra, ou seja, não há a preocupação em verificar se é possível ou não

colocá-lo em prática, o importante é destacar as qualidades da politeia que levaria

os homens à virtude.

"SÓCRATES - Você acha, por acaso, que nossas palavras tenham menos valor se não formos capazes de demonstrar que é possível tornar realidade esse Estado que descrevemos?" (PLATÃO, República, livro V).

Depois de descrever a polis ideal, Platão pretende que ela seja utilizada na análise

dos sistemas de governo, portanto a praticidade da República reside na ideia de

37 No diálogo Fedro o mito da Parelha Alada ilustra esta tendência do homem à ilusão ou corrupção.

Page 36: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

cotejo, e na base do discernimento dos elementos constituintes de um sistema

político.

Vários analíticos da República classificaram o pensamento político platônico

como inútil por não apresentar a demonstração em detalhes de como seria possível

atingir este sistema ideal. 38 A questão nesta obra é esculpir o Belo e mostrá-lo a

quem o desconhece. 39 Para o pensamento político platônico analisar e escrever

detalhadamente as falhas dos sistemas de governo é prender-se a multiplicidade

infinita dos problemas humanos, dedicar-se a isso é ocupação para mais de uma

vida. Nesta concepção todas as formas de governo existentes são imperfeitas, o que

as diferencia é a distancia que as separa da perfeição. Sendo todas imperfeitas,

deduz-se serem também todas infelizes. A natureza humana reflete a expressão do

desejo de Deus, porém o desejo é a causa sumária da dor, assim, na visão

platônica, a vida humana é dor por ser destituída da perfeição divina, daí a ideia de

que todos os seres humanos padecem no sofrimento. Por isso Platão se nega a

descrever e analisar os problemas humanos em seus pormenores, pois considera

todos os homens, com exceção do filósofo, infelizes. Assim, o relevante é imbuir-se

no conhecimento dos elementos pertencentes à alma de quem superou a condição

do desejo, ou seja, da dor.

Aquele que superou a dor, o desejo e compreendeu o eterno e divino, foi

chamado por Platão de filósofo. Este não é um especialista em sistemas filosóficos,

mas quem se alçou a contemplação da essência de tudo o que existe, seu intelecto

deixa a condição humana de pura absorção da cultura circundante para a reflexão

total da beleza da luz divina. A alma deste homem torna-se divina, eterna e imutável

como Deus, 40 assim a polis divina também possui as características deste homem,

a partir desta comparação emerge a concepção de rei-filósofo. Por ser o único

dentre os homens verdadeiramente feliz, apenas um Estado governado por ele se

encontraria em total harmonia. Desta forma, conclui-se não haver nenhuma forma de

governo humana que não precise se reformular, pois um filósofo platônico nunca

governou. Assim, vê-se o pessimismo da concepção platônica em relação a tudo o

que é humano, alcançar o "Estado ideal" significa a superação da cultura constituída 38 Por exemplo: KELSEN, Hans, 1881-1973. A ilusão da justiça. 39 “O paralelo entre a construção ideal socrática e a imagem do ser humano mais belo indica qual é

a verdadeira finalidade visada por Platão na República.” (JAEGER, p.836) 40 Ver capítulo A República I da Paideia de Jaeger, em especial O curriculum do filósofo.

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pelos homens. As "politeias reais" são as maiores inimigas da formação de um

filósofo platônico, pois a cultura criada por elas gera somente barreiras à

contemplação do divino. Segundo Platão, quando um homem desses aparece é

graças à inspiração dos deuses, no entanto as pessoas comuns o veem como inútil

à sociedade. Vencer os numerosos obstáculos impostos pela cultura humana é

digno apenas de homens divinos, por isso são tão raros.

"Sócrates - Uma tal natureza, dotada de todos os predicados que lhe atribuímos há pouco, indispensáveis para um perfeito filósofo, raramente surge entre os homens e tais pessoa são pouco numerosas". "Sócrates - Embora poucos em número, numerosas e poderosas as causas que concorrem para a corrupção." (PLATÃO, República, livro VI).

Na polis apresentada na República, pelo contrário, o homem divino não seria

um "acidente", ou resultado da graça dos deuses, mas a regra, o modelo almejado e

admirado por todos. Desta forma, poderia até mesmo aparecer mais de um filósofo

para governá-la, originando um Estado aristocrático, porém, nenhum homem desses

tornou-se rei, fato lamentado por Platão que vê nisto a causa dos males humanos.

"Sócrates - Se nos Estados os filósofos não se tornarem reis ou se aqueles que agora são chamados reis e soberanos não se dedicarem verdadeiramente e seriamente à filosofia, se não forem necessariamente excluídas as pessoas que aspiram somente a uma ou a outra, não haverá para os Estados, caro Glauco, remédio para os males que os afligem, nem, ao que parece, para o gênero humano, como não poderá jamais se realizar e ver a luz do sol o Estado perfeito que ora expusemos em teoria. Era exatamente isso que me deixava hesitante em falar, pois previa que haveria de parecer por demais paradoxal, sendo ademais difícil de entender que felicidade alguma, privada ou pública, poder se tornar possível num Estado diferente do nosso." (PLATÃO, República, livro V)

Contudo, em consonância ao contexto histórico da época, o pensamento político

platônico nasce com um sentido pragmático. 41 Apesar de jamais ter realizado suas

idéias, Platão sempre visou a utilidade de suas obras, dispondo-se sem exitar a

quem as quisesse ouvir.

3.3 Da teoria à prática

41 Confer. Nota 36

Page 38: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

A vontade em realizar suas ideias levou Platão à Siracusa, na Magna Grécia,

por três vezes. Como exposto anteriormente neste trabalho monográfico Dionísio, o

velho governava a polis de Siracusa sob o regime tirânico o que, aparentemente,

contradiz a concepção platônica sobre o Estado tirânico e o caráter humano

correspondente exposto na República. Este tratado político fora escrito após a

primeira experiência de Platão com o tirano, quando contava aproximadamente

quarenta anos, e há uma grande semelhança entre Dionísio e o tirano descrito na

obra. Siracusa era a típica polis democrática convertida em tirânica, exatamente na

ordem como Platão concebia a transformação de um regime político a outro. A

classificação platônica das formas de governo aponta a tirania como a pior de todas,

e o tirano é chamado de “lobo em pele de homem”. Entretanto, apesar do desprezo

pela tirania, Platão percebe em Siracusa a possibilidade de por em prática suas

ideias políticas, por isso não perdeu a oportunidade de travar conhecimento com os

tiranos.

As experiências com este tirano de fato contribuíram para a formação do

pensamento político platônico e, também, na sua visão de mundo em geral. Pois a

viagem à Siracusa marca-o, não apenas politicamente, como pessoalmente. Nesta

polis conheceu Díon, sobrinho de Dionísio, o velho, homem que veio a ser um dos

grandes amigos de Platão, aliado e defensor das ideias deste durante a estada em

Siracusa. Porém, a amizade entre ambos não agrada Dionísio, por isso força o

ateniense a deixar a cidade numa galera lacedemônia que o desembarcou em

Egina. Reconhecido como ateniense foi vendido como escravo, condição livrada

graças a um amigo, Anniceris de Cirene, onde só então pôde voltar à Atenas. 42

As esperanças nutridas por Platão com a realização de seus ideais em

Siracusa provavelmente devem-se à concepção cíclica de tempo tipicamente grega.

Tal concepção entende os acontecimentos como fases de um ciclo de vida e morte

que infinitamente se repetem. A tirania, deste modo, seria a “morte” da polis, ou seja,

não havendo nenhuma forma de governo pior, após a tirania poderia ser

estabelecido qualquer outro tipo de sistema político, inclusive o ideal e divino. Assim,

a polis tirânica converte-se em instrumento dos planos políticos do pensador

ateniense. Contudo, a tarefa acabou por se constituir em uma grande aventura

quase trágica. Isto ocorreu devido à dificuldade, conhecida por Platão, em lidar com

42 Confer. Nota 28.

Page 39: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

uma forma de governo tão extremada quanto a tirania, somada ao gênio difícil e

pouco receptível de um tirano. Arriscar a vida fora a maior prova da convicção de

Platão por seus ideais políticos. Para ele eram válidos dentro do mundo humano na

medida em que fossem utilizados para tornar a polis e seus cidadãos melhores.

Imbuído destas intenções dirige-se à Magna Grécia, pois, segundo sua análise, ali

se encontrava o contexto político mais propício à constituição de uma politeia justa –

monárquica ou aristocrática. 43 Essa primeira tentativa de realizar as ideias

posteriormente expressas na República evidencia, mais uma vez, a importância da

teoria com fins pragmáticos na obra platônica. Apesar do fracasso na empreitada,

esta primeira experiência tornou-se decisiva à construção e definição da obra

considerada um dos maiores clássicos do pensamento político universal: a Politeia

(Πολιτεια) - traduzida pelos latinos por República.

A partir da observação do caráter de Dionísio, o velho e a corte deste, Platão

traça nos livros VIII e IX, do texto acima referido, a polis e alma tirânicas. Mostra a

infelicidade do homem que escolhe ser tirano e a violência característica do sistema

político governado segundo as paixões e desejos da multidão representada por um

único guia. A tirania resulta da falta de organização e excesso de “liberdade”

(libertinagem) bases do regime democrático. Todo o excesso fomentaria, assim, à

reação contrária, a servidão e violência tirânica emergem como contraponto à

liberdade proclamada e, como tentativas do estabelecimento de alguma ordem.

Quando a desordem, a anarquia e o individualismo extremo se estabelecem na polis

a própria multidão que anteriormente proclamava a liberdade apoia o governo de um

único homem detentor de poder absoluto. Com a promessa de expurgar todos os

males o tirano conquista a confiança daqueles que se veem arruinados pela

desordem. Assim, a tirania é a última alternativa desesperada de uma polis. Nesta

concepção, o aparecimento desta forma de governo indica a falência do aparato

estatal.

“Sócrates - Pelo que parece, você está descrevendo talvez a tirania como é conhecida por todos. Segundo o provérbio, o povo, tentando evitar a fumaça da escravidão sob homens livres, caiu no fogo a serviço de escravos e, em lugar daquela excessiva e pura liberdade, pôs sobre si mesmo o jugo da mais dura e amarga escravidão.” (PLATÃO, República, livro VIII).

43 BARKER, Sir Ernest, 1874 – 1960. Teoria política grega. p.116

Page 40: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

Em convergência ao desprezo grego pela tirania, Platão teme o aparecimento

desta. Porém, contrariamente à ideia grega de que todo governo de um único

homem é tirânico, o pensador ateniense introduz um grande abismo entre a tirania e

a monarquia. (...) “é evidente para qualquer um que não existe Estado mais

miserável que o tirânico, nem um mais próspero que o monárquico.” (PLATÃO,

República, livro XI, p.295) Desta forma, a quantidade de pessoas detentoras do

poder não é suficiente para a classificação das formas de governo. A qualidade do

governante, ou governantes, coloca-se em primeiro lugar na análise exposta na

República. Ou seja, mais importante que discutir quantos devem governar é analisar

as características essenciais de cada tipo de politeia. Na visão platônica a discussão

central apresentada por Heródoto é pouco relevante, pois os três personagens –

Otanes, Dario e Megabizo – preocupam-se basicamente em apontar as qualidades e

os defeitos gerados pelo governo de um, de poucos e de muitos, causadores da

tirania, atribuindo à quantidade de governantes preponderância à qualidade dos

mesmos.

Destarte, dada a relevância do caráter de quem governa para a classificação

de um sistema político e da concepção de tirania como fechamento de um ciclo,

segundo alguns autores fora este raciocínio que levou Platão a ver a possibilidade

de transformar o tirano Dionísio, o velho em monarca. Além disso, o tirano platônico

é representante de todo o povo e a ele a multidão confia suas questões, por isso

aquele que conseguisse convencer um homem tirânico estenderia sua influência por

sobre um povo inteiro. Daí compreende-se o esforço empreendido pelo pensador

ateniense em travar conhecimento com o tirano de Siracusa. Platão viu uma

oportunidade ímpar em poder tirar suas ideias da teoria e pô-las em prática. Bastaria

para isso converter o caráter tirânico em filosófico, transformando Dionísio no tão

sonhado rei-filósofo descrito na República ou, pelo menos, semelhante a este. 44

Apesar do fracasso desta primeira tentativa em aplicar suas ideias, evidencia-

se através desta experiência o viés pragmático do pensamento político platônico.

Certa ou errada, a análise exposta na República foi desenvolvida com finalidade

teórica e prática, baseada nas reflexões de Platão sobre o mundo grego que lhe foi

contemporâneo. Não cabe aqui julgar a obra deste personagem, mas perceber as

nuances indicadoras do pertencimento, ou distanciamento, deste homem ao

44 BURCKHARDT, Jacob. História de la cultura griega. Tomo I. p.255.

Page 41: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

contexto histórico em questão. Assim, em consonância com a época, toda reflexão

política platônica possui um fim prático e objetivo.

Page 42: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

4 O TIRANO: DE “LOBO EM PELE DE HOMEM” A AGENTE DA POLITEIA

DIVINA

Tempos depois da primeira viagem à Siracusa, Platão escreve a República

onde define o tirano como a mais infeliz das criaturas, um homem de caráter tão

terrível que se converte em “lobo”. 45 A maneira pela qual o tirano é descrito nos

livros VIII e IX da República somada à experiência quase trágica vivida por Platão

com Dionísio podem nos fazer acreditar que o filósofo nunca mais voltaria a pensar

numa outra empreitada semelhante, entretanto não exitou em retornar mais duas

vezes à Siracusa para tentar convencer Dionísio, o jovem, filho de Dionísio, o velho,

a aplicar seus ideais políticos. Como enunciado no segundo capítulo desta

monografia, a primeira viagem de Platão à Magna Grécia o marcam profundamente

em todos os aspectos, principalmente em seu pensamento político. O caráter

tirânico descrito no livro IX remete à figura de Dionísio, o velho. Contudo, após

verificar o retorno de Platão à Siracusa por mais duas vezes surgem as seguintes

questões: por que o filósofo ateniense volta a pensar na possibilidade de transformar

uma polis tirânica na cidade ideal da República? Por que apesar de considerar o

tirano um “lobo em pele de homem” tenta ensinar-lhe a ser um verdadeiro monarca?

Que traços da personalidade tirânica permitiram Platão acreditar na possibilidade da

realização de seus ideais políticos?

A polis “ideal” descrita na República é reconhecido pelo próprio Platão como

pouco provável de ser implantada em algum lugar, porém, como já enunciado, não

deixou de acreditar que este era o único meio para se alcançar a perfeição humana

e, unida a ela, a felicidade. Assim, não poupou esforços para, pelo menos,

aproximar algum sistema político grego da aristocracia ou monarquia da República.

Devido à dificuldade de transformar uma polis grega na “ideal” e à multiplicidade de

formas de governo existentes na Grécia da época, Platão opta por analisar tais

poleis a fim de averiguar qual delas ofereceria as melhores condições de mudança.

Desta forma chega à conclusão de que a polis tirânica é a que possui as

características essenciais para a realização de seu empreendimento. 46 Mas, o que

fez o filósofo concluir que tal regime político fosse o melhor instrumento para a

45 Platão. República. p.284. 46 BURCKHARDT, Jacob. História de la cultura griega. Tomo I. p.255

Page 43: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

aplicação de seus ideais políticos? Pois bem, a resposta pode estar em seu último

tratado político intitulado Leis e na Carta VII, carta direcionada por Platão à Siracusa.

Ambos os textos explicitam a aparente contradição entre a visão política descrita na

República e as experiências de Platão com o mundo grego. 47 Afinal, a questão

central deste trabalho monográfico é justamente propor a reflexão sobre a

“divergência” entre teoria e prática no pensamento político platônico. Assim,

desacreditando as falsas imagens criadas ao longo da história sobre o personagem

em destaque, convidamos os interessados em análises políticas (platônicas

principalmente) a interpretar os textos de Platão através deles próprios, ou seja,

despir-se dos julgamentos baseados apenas em sendo comum.

Em mais de dois mil anos de história os escritos do pensador ateniense foram

sendo re-apropriados e re-significados de acordo com as visões dos contextos

históricos que os interpretavam. Por isso emergiram diversas sombras e

elucubrações sobre quem realmente teria sido o aristocrata grego Platão. A forma

simples de escrever abriu espaço a qualquer leitura, cada pessoa tem a sensação

de ter entendido toda sua filosofia, pois vê apenas o que ver, aquilo que lhe faz

sentido. Contudo, esquece-se de que Platão foi um homem grego e, como tal, deve

ser compreendido a partir do mundo que possibilitou seu aparecimento. Além disso,

a forma de escrever, as questões políticas e filosóficas abordadas em suas obras

somente foram possíveis graças a um mundo que lhe serviu de campo experimental.

A polis da República nunca deixou de ser uma polis grega.

Assim, comecemos agora a explorar dois textos de Platão, as Leis e a Carta

VII, com o intuito de fomentar as investigações acerca da teoria e prática platônicas.

4.1 As Leis: o legislador e a Polis Legal

O tratado de Leis é uma obra inacabada escrita por Platão no fim de sua vida. 48 Vê-se que é inacabado pela falta de ordem na exposição da matéria, omissões,

referências a passagens inexistentes, repetições de trechos, etc. A própria divisão

47 “A vida e a obra são neste pensador inseparáveis e de ninguém se poderia afirmar com maior

razão que toda a sua filosofia não é senão expressão da sua vida e esta a sua filosofia.” (JAEGER, p.1295).

48 “Já na antiguidade a obra póstuma dos últimos anos de Platão, as Leis, mal encontrou intérpretes

e apenas alguns leitores teve.” (JAEGER, p.588).

Page 44: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

em doze livros foi feita por seus posteriores. Provavelmente começou a ser escrito

em 360 a. C, ou seja, após suas viagens à Siracusa, quando haviam se passado

sete anos da inauguração da Academia por Platão. O conteúdo desta obra se refere

às formas de governo existentes no mundo grego. Com as Leis a pretensão foi

fornecer aos legisladores um modelo de legislação. Propõe a forma de cidade que

almeja o melhor para os homens de seu tempo, descreve suas instituições, redige

suas leis, fixa seus costumes e usos. O que há em Leis é uma “imagem” da polis

ideal da República, é uma adaptação ao contexto histórico do século IV a. C da

utopia daquela. É a melhor polis possível dentro do mundo humano, 49 ou seja,

mesmo o autor admitindo a dificuldade da realização do ideal, ele ainda é a base

para a elaboração da segunda melhor polis: a Polis Legal. É o reconhecimento de

que as leis são redigidas para homens reais e não deuses perfeitos. Assim, nesta

obra Platão se refere explicitamente ao seu contexto histórico, já que trabalha agora

com uma polis possível de ser construída por homens no tempo e espaço humanos,

ao contrário do ideal da República que seria o modelo eterno e imutável.

Uma das críticas a respeito do Estado ideal se refere à inexistência neste de

leis escritas. Isto apontaria a ingenuidade do autor, pois segundo os defensores

desta hipótese, o fato de não haverem leis já basta para indicar sua ineficácia e falta

de pragmatismo. Porém, esquecem-se de que a República fora escrita de modo a

descrever a politeia ideal, perfeita, para que servisse de base à análise das formas

de governo imperfeitas. 50 Para Platão a existência de leis por si só em uma polis

indica sua corrupção, por isso na polis divina da República não há lei nenhuma, pois

está em total harmonia e gera a si mesma. Como na Natureza, cada espécie cumpre

sua função intuitivamente e instintamente sem precisar ser coagida e, é feliz e

virtuosa por cumprir bem a função que lhe cabe. Por conseguinte, é uma concepção

orgânica do Estado. Analogamente ao corpo, um órgão não é superior ou inferior ao

outro, mas diferente e essencial. O mau funcionamento de uma parte acarreta o

adoecimento de todo o corpo. Assim, cada órgão exerce sua função sem a

necessidade de leis que o ordene ou relacione suas atividades fundamentais ao

devido bom funcionamento do corpo. Um corpo saudável se “auto-governa”.

49 PLÁCIDO SOAREZ, Domingo. Platón y la Guerra del Peloponeso. p.49 50 BARKER, Sir Ernest, 1874 – 1960. Teoria política grega. p.235

Page 45: FRANCIELI FERREIRA PONTES TIRANIA NA GRÉCIA CLÁSSICA

Aos moldes da República o tratado de Leis discute a qualidade das formas de

governo existentes no mundo grego, entretanto esta discussão possui um fim

diverso. Na primeira os tipos de sistemas políticos são classificados através da

semelhança com a forma ideal de modo a revelar os defeitos da politeia. Em Leis a

qualificação das formas de governo é feita com o intuito de apontar o tipo de sistema

político que abre a possibilidade de transformação, ou seja, não importa para Platão

descrever a polis grega mais semelhante à ideal, mas verificar qual oferece a

oportunidade de mudança. Desta forma, não há uma contradição ou negação da

República, mas sim um objetivo diferente. 51 Se a República é o modelo, as Leis

demonstram como aplicar, mostram o caminho mais curto para se alcançar a melhor

politeia. A prática ganha ênfase, evidenciando a importância da prática para o

pensamento político platônico. Afinal, para a cultura grega teoria e prática eram

inseparáveis. 52

Destarte, pode-se verificar o destaque dado à prática nas Leis a começar pela

escolha dos três personagens do diálogo. 53 Eles representam as duas principais

formas de governo gregas, a lacedemônia e a ateniense. Um cretense e um

espartano escutam as palavras do Ateniense anônimo. Como exposto em páginas

anteriores a escolha das personagens é de extrema relevância à compreensão do

raciocínio do autor. Apesar das críticas ferrenhas feitas por Platão à democracia

ateniense e à classificação dos sistemas políticos lacedemônios como os mais belos

dentro do mundo grego, nas Leis “O Ateniense” representa claramente a sabedoria

possível de ser atingida somente em Atenas. As personagens lacedemônias ouvem

atentamente os conselhos e análises do Ateniense, isto significa a consciência que

Platão possuía de si mesmo como cidadão de Atenas. Mesmo sendo averso à

democracia admite só poder ter formado sua filosofia em uma polis semelhante à

Atenas. A democracia ateniense criou uma grande massa de indivíduos

fracassados, porém também possibilitou o surgimento de homens “divinos” não

encontrados em nenhum outro lugar na Grécia.

51 “O fato de a última das obras de Platão sobre o Estado ter por título Leis e regular

legislativamente todos os pormenores da vida dos cidadãos já indica uma mudança de critério.” (JAEGER, p.1297).

52 “O encanto especial da obra reside precisamente na originalidade com que o velho Platão aborda

aqui de um modo inteiramente nova uma série de importantes problemas concretos.” (JAEGER, p.1298).

53 Ibidem. p.1303

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Desta forma sua última obra aborda desta vez as principais causas dos

problemas vivenciados pelas poleis gregas, a guerra, a falta de disciplina, as leis

frutos do acaso, etc. Segundo Platão o Estado é o responsável pelas mazelas do

homem, pois tem em suas mãos o aparato necessário ao aperfeiçoamento da alma.

As mudanças não são realizadas por falta de sabedoria daqueles que conduzem o

aparato estatal. Assim, a transformação de uma polis se inicia pelos seus

governantes. As ovelhas devem ser guiadas por bons pastores.

A existência de leis na polis revela o caráter humano de seu último tratado

político. 54 Na cidade ideal e divina não há a necessidade de leis, mas ao se lidar

com homens a utilização de normas é fundamental. Os homens precisam de

orientação. É neste ponto que se introduz a figura do legislador, alguém sábio capaz

de guiar os indivíduos em direção à harmonia. Contudo, tais indivíduos devem

aceitar serem conduzidos e, é aí que emerge a necessidade de saber quem

aceitaria este legislador como guia. A partir desta questão Platão passa a analisar

qual politeia grega possibilita a formação de homens suficientemente dispostos a

seguir as palavras de um sábio. Assim, a polis tirânica é apontada como possuidora

desta politeia. É a única a reunir as condições essenciais à ação do legislador.

Na visão platônica a tirania é resultante das forças degeneradoras da

democracia. Os próprios cidadãos não suportando mais a instabilidade e a falta de

ordem apelam por alguém que resolva os problemas do Estado. Encontram-se em

tamanho abandono que seguem o primeiro a prometer tirá-los da terrível situação

onde se veem. 55 O tirano surge aos olhos da massa como salvador dotado de

poderes divinos. Entretanto, segundo Platão, não percebem que se entregam a mais

infeliz das criaturas, à “um lobo em pele de homem”. Contudo, se um homem sábio

conseguisse convencê-lo a elaborar uma legislação capaz de elevar a polis à

semelhança da divindade finalmente os problemas humanos cessariam. A tendência

dos cidadãos em pôr nas mãos do tirano todas as questões da vida poderia ser

aliada de um legislador verdadeiramente sábio, pois se utilizando da influência do

tirano sobre os homens poderia transformar uma polis inteira desde suas bases. Nos

54 “Nas Leis, o autor sente-se impelido a concretizar mais. Esta obra pressupõe uma Humanidade

que quer saber exatamente o como e o quê, uma Humanidade que precisa de leis para todos e cada um dos detalhes da sua conduta.” (JAEGER, p.1315)

55 BARKER, Sir Ernest, 1874 – 1960. Teoria política grega. p.247

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trechos seguintes extraídos do tratado de Leis Platão explicita as características da

tirania e do tirano que permitem a ação de um sábio legislador:

“O Ateniense - (…) Se, porventura, um determinado país reunir as condições necessárias para que os cidadãos venham a ser felizes, é imprescindível cair do céu, para essa cidade, o legislador participante da verdade. Clínias – Tens toda razão. O Ateniense – Assim, na hipótese de se verificar as condições indicadas, que poderá desejar de direito quem possuir essa arte, além de conceder-lhe a sorte a oportunidade de empregar o seu talento?”(PLATÃO,Leis)

Quando existe uma polis que oferece um meio propício ao desenvolvimento

do Homem o legislador tem por dever auxiliar o governante ou governantes da

mesma. Assim, pode-se perceber que Platão atribui a si mesmo o papel de

legislador e mestre político, pois justamente esta concepção o lava à Siracusa por

três vezes.

“O Ateniense - (…) Dai-me uma cidade, nos diria, governada por um tirano, mas que seja jovem e naturalmente dotado de boa memória, facilidade de aprender, coragem e magnanimidade, e que aquilo a que nos referimos há pouco como devendo acompanhar as partes da virtude se encontre também presente em sua alma, para que tudo o mais possa ser de utilidade.” (PLATÂO, Leis).

4.2 A Carta VII: Platão e os tiranos de Siracusa, Dionísio, o velho e Dionísio, o

jovem

A Carta VII é uma das treze cartas atribuídas a Platão dirigidas à Siracusa,

portanto é um documento histórico de sumo valor. Por algum tempo se duvidou da

autenticidade dessas cartas, contudo os historiadores dedicados ao estudo das

obras de Platão e ao platonismo já dão como julgado o processo que condenava tais

textos de inautênticos. A sua autenticidade garante ao historiador uma fonte decisiva

à análise da biografia do autor, sobretudo ao se referir às suas relações com os

tiranos da Magna Grécia. Ou seja, é um documento chave para a compreensão da

concepção platônica de tirania e a relação desta com o contexto histórico já

analisado, o mundo grego clássico.

Essas cartas foram redigidas quando Platão contava mais de sessenta anos e

dedicava-se exclusivamente à Academia. Após as tentativas de aplicar suas ideias

em Siracusa sente a necessidade de explicar aos parentes do amigo Díon, cunhado

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de Dionísio, o velho, as razões que o levaram à tentar transformar o tirano em

verdadeiro monarca. A Carta VII, escrita em tom de confissão, mostra um Platão

desiludido com a política, porém disposto a tentar quantas vezes fosse preciso

auxiliar uma alma desejosa de ajudá-lo a por em prática seus ideais políticos.

Começa o texto alertando a quem deseja receber sua ajuda que somente se

colocará a disposição de quem realmente acreditar nos seus planos, pois afirma não

falar com base em opiniões superficiais do tema. Assim, mesmo depois das três

tentativas fracassadas o filósofo ainda crê na possibilidade de mudar a politeia

siracusana. O fato de demonstrar estar disposto a ir mais vezes à referida polis

denota que Platão via uma possibilidade real de fazer de Siracusa a melhor polis

grega da época. Por desejar muito aplicar suas ideias escreveu cartas à Siracusa na

esperança de algum parente ou amigo de Díon possuir os mesmos projetos deste,

ou seja, lutar por um sistema político capaz de elevar os homens à felicidade

divina.56

“Escreveste-me para que eu tenha a certeza de que vossos projetos são iguais ao de Dião, e pedis ajuda de minha parte na medida do possível, por atos ou por palavras. Eu, de mim, só vos digo que se vossa maneira de pensar e vossos planos forem como os dele, disponho-me a ajudar-vos;” (PLATÂO, Carta VII, p.137)

Dando sequência a sua confissão, começa a expor como e quando passou a

ter aversão às práticas políticas da época. Desta forma, reporta-se ao período de

sua mocidade, quando era comum a aristocracia incentivar os jovens a ingressar na

política. Porém, o jovem Platão viveu uns dos períodos mais conturbados da história

de Atenas, a perda da hegemonia para Esparta e a tomada do poder pelos Trinta

Tiranos. Visto pela maioria dos atenienses como um período obscuro, o jovem

Platão, ao contrário, acreditou que pudesse haver uma melhora nas instituições,

entretanto admite ter sido apenas ilusão da mocidade. O interessante a se notar é

que desde cedo o filósofo se mostrava simpático a regimes cujo sustentáculo é o

poder absoluto, 57 o que representa uma oposição à opinião da grande maioria dos

cidadãos atenienses. Importante lembrar é que os Trinta Tiranos tomaram o poder

por conta dos interesses espartanos (sempre defensores de regimes fortes), o que

56 BURCKHARDT, Jacob. História de la cultura griega. Tomo I. p.256 57 Ver BARKER, Sir Ernest. Teoria política grega. cap.XII.

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explica o desprezo ateniense por esta fase. Platão acaba por concordar que fora um

período terrível para Atenas e, passa a criar aversão pelas práticas políticas da

época. Somada a isso a morte de Sócrates em 399 a. C, dois anos após a queda

dos Trinta, põe termo a qualquer esperança de mudar as instituições de sua polis

natal. “À vista de semelhantes fatos e de outros de não menor gravidade, senti-me

revoltado e me conservei afastado daquelas práticas odientas.” (PLATÂO, Carta VII,

p.138).

A idade e o aprofundamento nos estudos levaram-no a completa decepção

com a política, todavia nunca deixou de pensar em uma resolução para os

problemas pelos quais passava o mundo grego de então. 58 Esteve sempre à espera

de uma oportunidade para agir, pois não via com bons olhos a fama que possuía de

ser um homem de pouca ação. Este sentimento é consequente do descrédito que os

gregos da época clássica em geral possuíam pela teoria desprovida de prática, pois

se tornava um pensamento “morto” e inútil.

O pessimismo era tamanho em relação aos sistemas de governo da época

que Platão concluiu haver a necessidade de medidas extremas para a melhora das

cidades. A partir desta concepção vê em Siracusa e nos seus governantes tiranos

uma maneira de alcançar seus objetivos.

“Por fim, cheguei à conclusão de que as cidades de nosso tempo são mal governadas, por ser quase incurável sua legislação, a menos que se modificassem para melhor.” (PLATÃO, Carta VII, p.139)

Entretanto, por considerar a tirania apenas uma situação transitória, 59 ambos os

Dionísios se sentiram alvo de conspiração por parte do pensador ateniense. Ao

tentar transformar os tiranos em reis-filósofos de certa forma havia a tentativa de

derrubar a tirania, porém não necessariamente seus governantes. Para Platão

pouco importava quem seria o agente transformador da polis, desde que este

trabalhasse em prol da união entre a sabedoria e a política.

Por fim, na Carta VII Platão narra os acontecimentos e as causas que,

segundo ele, explicam o porquê do seu fracasso em Siracusa. Apesar da

possibilidade real de aplicar suas ideias os interesses de quem se sentia bem no

58 PLÁCIDO SOAREZ, Domingo. Platón y la Guerra del Peloponeso.p.44 59 GLOTZ, Gustave. A Cidade Grega. p.95

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regime tirânico venceu o desejo de uma sociedade melhor. A Carta VII fora mais

uma tentativa de alertar os siracusanos desejosos de transformar sua polis na

melhor possível a tomar cuidado com aqueles que apenas pensavam em interesses

próprios. Platão se lamenta mostrando que Siracusa não se transformou em um

modelo para todo o mundo grego clássico porque não quis, pois o contexto político e

social eram os mais propícios.

“Nunca houvera uma ocasião como aquela, de vir a concretizar-se nos mesmos homens a união da filosofia e do governo das cidades.” “(...) era chegado o momento de tentar pôr em prática meus projetos de legislação e de governo. Bastava persuadir um único homem, para que tudo me saísse bem.” (PLATÃO, Carta VII, p.141).

Assim, comparando-se a um médico, Platão diz não abandonar um paciente

doente quando este é curável. Por isso nunca negou os chamados dos Dionísios. 60

60 “Em face dele surge a analogia entre o legislador e o ginasta, cujos ofícios se ocupam

respectivamente da alma sã e do corpo são, tal como o juiz e o médico se ocupam respectivamente, por sua vez da alma e do corpo doentes.” (JAEGER, Paidéia, p.796)

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5 CONCLUSÕES

O problema exposto ao longo desta monografia foi a possível contradição

entre a concepção de tirania do pensador ateniense Platão apresentada no livro VIII

da República, uma obra de meia idade, e os acontecimentos referentes à sua vida.

Neste texto a tirania e o tirano são descritos e analisados de forma extremamente

pejorativa, o tirano é chamado de “lobo em pele de homem” e a polis tirânica é

entendida como a mais miserável de todas. Entretanto, após analisar a biografia do

autor percebi uma contradição entre a teoria e a prática de Platão. Afinal, porque

mesmo considerando o tirano um homem tão ruim o personagem em questão

buscou se aproximar e convencer os tiranos siracusanos Dionísio, o velho e

Dionísio, o jovem a por em prática o sistema político descrito na República?

Esta questão me levou a outro tratado político do mesmo autor, as Leis, uma

obra do fim da vida. Neste, contrariamente à República, a tirania é apontada como

um meio de se atingir a melhor polis. O tirano deixa de ser somente um “lobo” e

passa a poder ser um agente transformador da politeia. Assim, a convergência entre

a ideia de tirania exposta nas Leis e o que o autor praticou ao longo de sua vida

levou-me, primeiramente, a hipótese de ter ocorrido uma mudança na sua visão

política. Contudo, após averiguar bem as obras em destaque notei não haver uma

negação da polis descrita na República pelo tratado de Leis ou pela sua ação em

Siracusa. Na realidade, tudo que o filósofo e pensador político fez foi tentar por em

prática as ideias do primeiro tratado. A diferença entre os textos reside nos objetivos

pelos quais foram escritos. A República é o modelo ideal e eterno de polis, fora

pensada para que servisse de base à análise dos sistemas políticos existentes. As

Leis tem como objetivo orientar os futuros legisladores desejosos de transformar

para melhor as poleis da época, ou seja, foram escritas para o homem, entendido

como ser imperfeito e necessitado de aperfeiçoamento.

O fato de ter tentado por três vezes fazer dos tiranos reis-filósofos evidencia

que para Platão não importava quem iria governar, mas como iria governar. Sendo

bem orientado por alguém verdadeiramente sábio, o tirano também poderia fazer de

uma polis a melhor e mais bela.

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