francisco de oliveira fundo público

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  • 7/29/2019 francisco de oliveira fundo pblico

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    Ensaios FEE, Porto Alegre(17)2:50-54, 1996

    Francisco de Oliveira*Ens a i os Quais so os elementos em que a el ite brasi leira se apoiar

    para a s ua estratgia de integrao nas e l i tes mundiais ? E xis tem poss ibi li da de s de xito de s s a estratgia ? E la, a el ite, s e co mpo rtar ainda c o m maisferocidade do que na poca do "capital ismo selvagem"?F.O. O term o "el ite" sujeito a amb igi da de s . P or iss o, pa ra todo s o sefeitos, preferirei util izar o termo clssico de burguesia, que me parece maisade qua do, n o para manter-me fie l a um ca mp o ter ico s imples mente, ma sporque a uti l izao do conceito de classe social serve melhor para designar aampl i tude dos processos que sa passam sob a hegemonia de uma certa f raoda sociedade; enquanto sob o conceito de "el ite" podem se abrigar, inclusive,muitos dos que fa z e m opo si o aos dominantes , s en do certo que , de qua lquermodo, fariam parte de algumas das "el ites" da sociedade brasi leira. No casodos intelec tuais, iss o f ica bas tante claro . S e nd o as s im, cen trarei minh asrespostas no conceito de burguesia.

    A burguesia brasi leira, incluindo-se aqui as parcelas representativas decapitais forneos, busca integrar-se, a qualquer custo, na chamada globalizao. Ela no dispe de muitos elementos prprios, posto que seu prprioE stado que o neo liberal is mo co ns idera um es torvo se en co ntra e msituao fal imentar e no detm condies de apoiar a insero da burguesiana nova g lobal i zao. Ass im sendo, e la comparecer g lobal i zao comoparte su ba lterna. A re cen tss ima de 13 de fevereiro de 1996 inco rpora oda Metal Leve por uma mult inacional alem como uma confirmao trgicadisso, pos to que se tratava de uma empre s a sl ida, que fez pes quisa , ava n ouinclusive ab rindo fbrica nos prprios E U A , ma s t inha co mo handcap u mEstado fal ido pelas costas. Da decorre a fria desregulacionista da burguesia.

    * Professor titular do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e CinciasHumanas (FFLCH) da USP, Pesquisador do Ncleo de Estudos dos Direitos da Cidadania daUSP.

  • 7/29/2019 francisco de oliveira fundo pblico

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    amparada sucess ivamente pe lo Governo Col lor e pe lo Governo FernandoH en riqu e C a rd o s o , que , a r igor, s e trata de um a fria des trutiva de direitossoc iais, pr inc ipalmente os t rabalhistas, com os quais a burguesia pensarecu pera r ou v iabi l izar s ua insero nes sa nova global iza o . T e m tudo a ver,portanto, com o "capital ismo se lvagem".

    Ens a i os Voc acredita que, no meio de novas condies (mundial i zao, f inanceir izao, crescente papel da mdia, l iquidao de valores humanistas, desemprego abundante, etc), a e l i te brasi le i ra optar pela democrac iac o mo uma so lu o para os prob lemas po l ti cos , ec on mica s e soc ia is? Q ua lser a trajetria da sociedade brasi leira?

    P.O. No, a burguesia brasi le i ra nunca optou pela democrat izaocomo processo nem pela democrac ia como marco inst i tuc ional . E la sempre sea da p to u , quando os ventos favoreceram o progresso democrt ico . Nessaquadra de f ranca regresso dos dire i tos humanos, a burguesia no farne nh um es for o para pres ervar a demo crac ia e , no mximo , s e tal for func io nalpara seus desgnios e , condio important ssima, se as outras foras soc iaisdesejosas do projeto democrt ico t iverem foras, e la manter as aparncias.

    Ens a i os C o mo voc v a rela o entre as el ites e o E s tado? N es teno vo qua dro interna ciona l , para on de vai o E stado brasi le i ro?

    F.O. A re la o entre a burgue sia e o E s tado foi, de s de a ltima ge s tode Delf im Netto, depredadora. Desde ento, a chamada falnc ia f inanceira doE s tado brasi le i ro, respo ns vel pe lo des as tre soc ial que a es t, um pro dutoda depre da o que n o ce s s ou . A van ou e cont inua ava na ndo pe las pr ivati zaes no Governo Fernando Henr ique Cardoso, em que o Governo e aburguesia l iquidam o patr imnio nacional e as ferramentas mediante as quaisse fez pol t ica econmica margem e contra as recomendaes dos gen-d a r m e s FM\ e B I R D . N o novo quad ro internacional , pe la vontad e do G ov ern oe da burguesia que o apoia, o Estado ser convert ido em mero apoiador dosetor privado e em algoz de seu prprio povo, privado como est da capacidadede ter pol t ica econmica autnoma. A nica preocupao na gesto do Estado de ordem econmica. Mas isto no uma projeo ad infinitum, pois outrasc lasses soc iais, outros interesses, toda uma construo no campo dos dire i tos,no pe rman ec er o pa ss ivos, ta l co mo j demo ns t ra a que da de popular idadedo Governo Fe rnando Henr ique Cardoso .

    Ens a i os E m termo s de valore s, h uma altera o profund a: a l iquidao do soc ial ismo real lanou o Ocidente no caminho de uma soc iedadeinf luenciad a exce s s iva men te pelo merca do e pelo ider io l iberal . V oc acred ita

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    que es tamos cad a vez mais numa so c iedade hobbe s iana (homo hominilpus)?S im, no? P or qu? E quais as formas de opos io des s a so c iedade ant ro-pofgica?

    F.O. F ci l se ria rec on he ce r que a tend ncia atual forteme nte ho bb es iana , no sent ido indicado. No part i lho desse pessimismo. Cre io que a quedado soc ial ismo real , na verdade, deixou o capital ismo entregue s suas prpriascontradies, e hoje s o panglossiano mais ingnuo af irmar que se vive numtempo s e m cris e. P elo con trrio, as crise s es toura m por todos os lado s, s obtodas as formas. Minha perspect iva a de que se est numa daquelasencruzi lhadas histr icas, num daqueles momentos decis ivos de inf lexo, ondea racionalidade burguesa j alcanou seus l imites e, por isso, est dando lugar destruio daqui lo mesmo que e la construiu. A oposio, mais uma vez,somente poder erguer-se a part i r da noo de dire i tos, desta vez ampl iados,sem se escorar no contrato mercantil, que foi a base a partir da qual se ergueua soc iabi l idade burguesa. Esta ser uma prova de fogo verdadeiramentedefinidora.

    Ensa ios C o mo ser o co mpro mis s o das e l ites regionais latino-ameri can as no ca s o do Me rcos ul , dado o efe ito da mundial iza o/global iz a o?

    F.O. A s burgues ias latino-americana s, no ca so do M erco s ul , estotodas comprometidas com um projeto neoliberal. Nunca vi acontecer, na histria,uma integrao pela via do mercado . N e m no ca s o dos E stados U nidos nofoi o mercado que ampliou o espao nacional dos 13 estados que proclamaram ainde pen dn cia . N un s cas os , a gue rra foi o instrumento, noutros a ne goc ia o ,noutros a co mpr a. A go ra, o N A F T A tenta se r uma exper inc ia nica deintegrao pelo mercado; j d todos os sinais de fracasso, o que se repetirno M erc os ul , s e a v ia do merc ad o for a prefer ida. U m sis tema s upra nac iona lno se constri pe lo mercado, mas as burguesias, com o empenho at ivo dosgove rnos , trata m de l iquidar os direitos so ciais pa ra tentar a integra o. S erum desastre soc ial , em meio a alguns xitos econmicos, que traro muitoproveito s empresas desenhadas para escalas globais, mas no integraodos povos.

    Ensa ios Na sua opinio, qual a configurao da luta de classes noBrasi l hoje?F.O. A luta de classes no Brasi l , hoje, tem como ponto central, emprimeiro lugar, a manuteno do emprego e, conseqentemente, a luta contrao desemprego. Mas, de fato, a questo central que anima a luta de classes a da descartabi l idade da classe trabalhadora, to apregoada por certa sociolo-

  • 7/29/2019 francisco de oliveira fundo pblico

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    T ;~ r> n, rBIBLIOTECA

    gia do trabalho e por outras soc iologias. Assim, a descartabi l idade da c lassetrabalhadora, um assunto complexo quando o t ratamos sob a t ica correta damudana das formas do trabalho, permanecer a questo central a inda pormuitas d ca da s . M a s a des cartabi l idade outra cois a: um a es tratgia pol ticado capital . P ortanto, a luta de c las se s des envolve r-s e- por longo tempo e mtorno da questo: a eroso da rac ional idade burguesa leva de cambulhada acentral idade do trabalho na construo da sociabi l idade capital ista? A luta declasses de hoje, e durante muito tempo ainda, ser a luta pela construo deuma esfera pbl ica no burguesa. Todos os projetos pol t ico- ideolgicos seperf i lam com re lao a isso.

    Ensa ios Dados a global izao e o projeto de integrao na economiamundial da economia brasi le i ra, qual ser, na sua opinio, a capacidade docapital f inanceiro nacional de l iderar essa integrao? Qual o seu projeto, se que ele existe?

    F.O. O ca pital f inanceiro brasi le i ro no tem ne nh uma cap ac idad e del iderar a integrao da economia ao processo de global izao. As cr ises queesto a deveriam ser suf ic ientes para dissolver essa quimera. De fato, foi oE stado qu e m, no Brasi l , de s em pe nho u semp re o papel do capital financeiro.A depreda o finance i ra do E stado impede-o de continuar des emp en ha ndoesse papel, ao mesmo tempo em que ele no gerou uma suf ic iente central i zao do capital, que possa ser transferida ao capital privado f inanceiro. Nave rda de , a ironia qu e a f inanc eir iz a o da ec on om ia bras i leira j foi real iz ada ;seu instrumento foi a dvida externa. Agora, apenas o capital f inanceirointernacional que pode ter esse papel.

    Ensa ios Qual ser ia o papel dos fundos pbl icos nessa nova real idadeda g lobal i zao?F.O. Os fundos pbl icos, na acepo de recursos estatais, sero

    ut i l izados para v iabi l izar a insero de empresas, a instalao de empresasestrangeiras, tal como o lei lo promovido entre alguns estados brasi leiros paraganharem o "presente" da local izao de alguma montadora de automveis oest mostrando, para sanear bancos que possam se assoc iar com outros, paravender, pe las moedas "podres" , as empresas estatais. Este ser o papel dosrecu rso s es tatais . N o co nce ito de fund os pblicos , que eu prprio traba lhei noartigo O surgimento do antivalor, o fundo pblico des ap are ce . E le no maisaquele componente soc ialmente pactado, e , portanto, o uso desse conceito inapropriado para descrever o uso de recursos estatais na atual fase depr ivat izao da coisa pbl ica.

  • 7/29/2019 francisco de oliveira fundo pblico

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    E n s a i o s S er pos s ve l conci l iar o ans eio de mode rniza o, de integra o da ec on omi a mundial , c o m a nec es s idade de incorporar as mas s asnuma soc iedade pol t ica, econmica e soc ial mais justa?

    F.O. N o , o ans eio de integra o co m a ec on omia mundial , nos qua drosdo proce s s o de global iza o, no compa t ve l co m a incorpo ra o dasmas s as nu ma s oc ied ad e pol tica, ec on mic a e soc ial mais justa. E m pr imeirolugar, cabe recusar o termo e o conceito de "massas"; este um conceitoconservador. Trata-se, apesar da impotncia da teor ia em reconhec- la, deuma s oc ied ad e de c las se s. U ma integrao global iza o, nas co ndi es deum E s tado que no pod e ter pol t icas au tno mas , n o pod e produz ir pol t icassoc iais; uma integrao feroz, cujo leit motiv, como assinalado na resposta primeira questo, trata de destituir direitos, de destruir direitos, no pode, aome s mo tem po , cons truir um a so c ied ade mais justa. P ode construir umaso cie dad e "zoolgica", ond e as girafas at po de m es tar be m al imen tadas as s im me s mo , a exper inc ia dos prpr ios pa ses des envolv idos, c o m taxas dedesemprego que no recuam, no autor iza essa ingenuidade. Mas no podeconstruir uma soc iedade justa.