Upload
dayana-souza
View
1.559
Download
1
Embed Size (px)
Citation preview
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 1/28
I
D O S A N N A L E S A N O V A H IS rO R IA
PREFAclO
ELIAS THOME SALIBA
TRADUC;AO
DULCE A. SILVA RAMOS
_ . _ - a - a _...........:>r<:l _ .....sc:t.C>
MOVIMENTO DE ID~IAS/IDEIAS EM MOVIMENTO
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 2/28
TITULO ORIGINAL
L ' H IS T 0 IRE E N M lET T E S
Des "Annales· 0 10 "Nouvelle Hlstoiro"
Cl~DITIONS LA D~COUVERTE/PARIS 1987
Capo
W AL TE R H ON E
RevisOo
L UIS ROBE RTO MA LT AE
EQU IP E ENSA IO iNDICE
Composit;co, Dlagromat;co e Fllmes
E NS AIO - E DIT OR A< ;A o E lE TR 6N IC A
Dados ",.,"""Iona_ d. Calalog""ao no Public:"""o (CII')
(C6mcua Brooileira do livlo. SP.Bfad)
Dos&e. Ftano;ois. 1950-
A hislorioem migalhas: doI'Annoles' a 'Noyo Hlstoric'l Ftono;oiJ
D_; tfadu ~ gO DuO:.. do Silva Ramos; p ,, ,' ,, clo Elia. TIIomoO
Salt>a.• sa o Paulo: Enoalo; Camplna .. SP:EdHora do Unlvem-
dada Esladuo' da Campino •. 1992.
PREFAclO 7
INTRODUCAo 13
I 0 Eocola des 'Ann a les' 20 HiJIO,1a - Fiooofia 30 H_tOr la - '" e tc -
doiogla '0 Titulo.
92·1Cl9O COD·901
1 _ CUO REVISITADA
1. A PRE-HIST6R1ADOS ANNALES
o RETORNO As FONTES 21
A ERA LAV ISSE 36
o DUO DE ESTRASBURGO 43
2. 0 TEMPO DE MARC BLOCH E LUCIEN FEBVRE
OS HISTORIADORES DO PR:ESENTE 61
OS INOVADORES 71
OS HISTORIADORES DO MENTAL 84
A HERAN<;A 94
Indic ... Para Calclago Sislemgtk; 0
'0 Hisl6riO:roooria 901
E DIT OR A D A U NIV ER SID AD E E ST AD UA L D E C AM PIN AS - U NIC AM P
Reltor: Car los VogiCoordenodor Geml do Universidade: Jose Martins Alho
Conse/ho Editorial: Aeclo Pereira Chagas. Alfredo Miguel Ozorlo de
Almeida, Antonio Carlos Bannwart. Cesar Francisco
Ciocca (Presidente), Eduardo Guimaraes, Herrnoqenes de Freitas
Leltao Rlho, Jayme Antunes Maciel Junior, Luiz Cesar Marques Alho,
Geraldo Severo de Souza Avila
Diretor Executlvo: Eduardo Guimaraes
II. OS ANOS BRAUDEL
1992
TITULOSElECIONADO PElA
_cll'I'oraensaio
MOVIMENTO DE lDE1AS/IDEIAS EM MOVIMENTO
Ruo Tupi, 764
01233 - Sao Paulo· SP
Telefone: (all) 66-40S6
1. A OFENSIVA
A EXPLOSAO DAS C1ENC1AS SOCIAlS 101
A PLURAUDADE DOS TEMPOS 111
BRAUDEL 0 CONSTRUTOR 123
2. 0 PARADIGMA
A GEO-HIST6RIA 133
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 3/28
6 A HISrORIA EM MIGALHAS
"HISTORIADOR ECONOMISTA"
OU "ECONOMISTA HISTORIADOR"? 143
o HOMEM INTERMEDIARIO , " " 156
III. UMA HISTORIA EM MIGAlHAS
1. A ANTROPOLOGIA HISTORICA 167
2. A HISTORIA SERIAL 181 PREFAc/O
3. A NOVA GRADE DO TEMPO
A HIST6RIA ATRAVES DE MALTHUS " " .. 195
o MENTAL FORA DO SOCIAL? 201
4. A META-HfSTOR/A DO GULAG
UM DISCURSO SOCIOLIBERAL 213
A NEGA<;AO DO ASPECTO POLITICO " .. 225
5. A HISTORIA IMO VEL
A ABORDAGEM ESmUTURAL " 231
A REVOLUC;:AO FRANCESA ESTA TERMINADA 235
CONCLusAo " , ", ..,249
r ; : : : : : . . lie,musa reverenclada na Fran9apor umpublico cada
~ vez mais sequioso de hlstorlo. parece ter adquiridonos ultlmos anos uma cldadania universal. Pelo menos no
mundo editorial. A publlcocoo no Brasil,num rltmo cada vez
mals Intenso,das principals obras da hlstorlografla na ultima
deccrdc. cresceu ao embalo da "Nova Hlstorlo"- rotulo trans-
formado numa autentica credenc1al para tudo aqullo que
slgnlflcassea ultima palavra na producoo hlstorlco.
Todo esse movlmento noo foi acompanhado -de infor-
rnocoes mais detalhadas e substantivas que permitissem
fomentar aquele minlrno de reflexoo critlca, indispensavel no
prodvcoo cultural. Numa pubflccrc oo de 1978, e intitulada
Nova Histotia , escrlta em forma de dlclonorlo. eles proprlos,
os "novos historiadores", Indlcavam as fontes mais remotas
das quais seriamos trlbutorlose felizesherdelros:as proposltos
de renovocoo dos estudoshlstorlcosexpostosno revistaAnna-
les, fundada em 1929 por Marc Bloche Lucien Febvre.
E Inegavel que a simples rnencoo a esta heronco, real ou
llusorlo,aumentava ascredenciais e fornecia uma dlfusa legl-
tlmldade a "Nova Hlstcrtc". Porque,mesmo entre nos,semprefoi mais ou rnenos toclto 0reconhecimento da chamada
"Escola des Anna/es" nas tronstormocoes e inova90es mais
significativasda producoo hlstorloqrotlconosultimesclnqi.lenta
anos. Mais correto, entoo, sera falar em "movimento" dos
Anno/es em vezde "escola". Entreos historiadores tornbem e
raro encontrar alguem que nao reconheco a lrnportonclo
do "movlmento", iniclado por Bloch e Febvre, nco apenas
para os estudos hlstortcos mas tornbern para a sua propria
torrnocoo profissional, embora haja dlscordcnclos sobre 0
iND/CE DE NOMES " ..,', .." .., " , , " , 261
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 4/28
10 A HISrORIA EM MIGALHASPREFAclO 11
Braudel". A analise do obra de Fernand Braudel constltul a
pec;:a-chave no explica<;:ao do passagem do projeto Anno-
tes, fortemente antl-historlclstae antlpositivista, para uma "Nova
Hlstorlo''fragmentada, Invertebrada e dlfusamente neoposltl-
vista. Apostolo da hlstorlo de longa durac;:oo, das rorcos
profundos, dos ritmos lentos, Braudel rejeitava as explica<;:6es
hlstortoqrotlcos voluntarlstas que fazlam tudo datar da Revo-
luc;:ooFrancesa. "Amo a Frcmcocom a mesma polxoo exlgente
e compllcada que a de Jules Mlchelet", escreveu Braudel.
Mas, diluir 0tempo revoluclonorlo no temporalldade lenta
do geo-historla nco resolveu as amblgGidades metodol6gl-
cas da hlstorlografla braudeliana - 0que fez dos seusIIvros,
desde 0 closslco 0Med/terroneo, aos olhos de historiadores
mals exigentes no campo teorico, especies de grandes flo-
restas sem caminhos.
Dosse e certelro no dlagnostico do "efeito Braudel" sabre a
"Nova Hlstorlo":a cusenclo de umeixo teorlco minima capaz
de dar suporte e c!areza a metodologia hlstorlco. Mesmo no
sua ultima e inconcJusa obra, A /dentidode do Fronr;o, Brau-del alnda nos fala de uma "hlstorlo total", mas a expllclta
apenas com uma sibilina resposta de Michele!: "Emhlstorlo
tudo e solldcrto com tudo, tudo esto mescJado com tudo".
Oshlstorladores do "Nova Historian,com rarasexce<;:oescomo
Jacques Le Goff au Georges Duby ( que Dossepreserva do
sua furla clcsslflco tcrlo). para compensar a falta de urn eixo
teorlco Intersubjetlvo minlmo utlllzam-se,parece, de uma estra-
tegia do deslocomento: da htstorlc social passamos as "men-
talidades", das "mentalldades" ao "Imaglnario"", 0obsole-
tismo ropldo, flutuando, n60 roro, 00 sabor dos modismos,
rioo contabiliza nenhum ovonco Interdisciplinar oprovettovel.Dosse parece-nos muito percuclente no invent6rio dos
aspectos mais salientes desta outentlco flores1a sem camJ-
nhos que e a obra de Braudel. Mas carrega demasiado nos
tlntas e parece tornado de um compulsivo descontorto
quando, por exemplo, compara Braudel a De Gaulle, afir-
mondo, com base em dodos quase cneclotlcos, que 0histo-
riador do Mediterraneo anslava por "encarnar a hlstorlo do
mesma maneira que 0 General de Gaulle se encarnava no
Franoga",0proprio Le Goff reconheceu, no pref6clo a nova
ediogaodo dicion6rio Nova Histone, de 1988,0 quanto todas
essascriticas ressen1idasforam hipertrofiadas pela amplifica-<;:00da rnidto. desabafando: "See preciso chamar de novoo que e novo, a que posso fazer?"Mas,apesar dos exageros, naturais numa sintese t60 vasta
o livro e extremamente oportuno e desmistificador, recolo~
cando a IInhagem dosAnno/es e do "Nova Htstorlc" em vere-
das menos cerradas e menos Impenetr6vels,
Se a "Nova Hlstorto" noo coloca mals 0homem no horl-
zonte primeiro da cena social do passodo, se almejo recons-
tltulr uma hlstorlo "quase lrnover'. renunclando a sua vocac;:oo
de sintese; se vem abondonondo toda a retocco dlaletlca
passodo/presente/futuro e a perspectiva globallzante empro-
velto de uma "hlstorlo em mlgalhas" - talvez seJaa hora derecolocor, nestes tempos too sombrlos, aquela Indagaogoo
antigo a respeite do legltlmldade de todo o conhecimento
hlstorlco:conhec imento0bjetivo dassociedades ou alava nco
de trcnstormccco do mundo?
ELIAS THOM~ SALIBA
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 5/28
INTRODUC;Ao
'Aquele que tern 0controle do possado
tem 0controle do futuro."
George Orwell
~ lio torna-se a musa insplradora de um publico cada
~ vez malor e mals ovldo por saber sobre seu passado.
Todosse apressampara escutar 0discursodo historlador. Os
palcos da televlsoo e os estudlos de radio acolhem as pes-
quisadores que oufrora teriam permanecido no anonlmato
de seu trabalho penoso de arquivlsta, conflnados em um
cenccuto restrito de unlversltorlos. Por ocosloo das progra-
mas eleltorots noturnos, Rene Remand troz as luzesdo hlsto-riador. Georges Duby e nomeado presidente do canal 7 de
televlsco, A radio France-Inter apresenta programas diferen-
tes00multiplicar as tronsrnlssceshlstortcos. em que figuram,
lado 0lado, historladores de oficlo como Pierre Miquel ou
Henri Amouroux; no entanto, a melhor porcelo do hororlo e
reservada a uma contadoro de hist6rlas que persegue 0
sonho e a fuga do realldade, 0matinal EveRuggieri,que em
sua novela quotldlano faz Mazorin. Castiglione. Cle6patra,
Joseflna de Beouhornals desfilarem para um publico multo
tlel, estlmado entre 975.000e 1.200.000ouvlntes. Noo se pode
contestar a sucessode Alain Decaux na televlsoo, Todosasmeios de cornunlcccoo fizeram investidas, portanto, sobre a
territ6rlo do hlstoriador. Respondem a uma sede lncontesto-
vel de hist6rla, respondem a uma necessldode imperiosa do
publico ao fazer prosperar 0mercado do livro e do revista
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 6/28
14 A HISrORIA EM MIGALHASINTROD u C ; ; A 0 15
de vulgarlzao;ao de hlstcrlo. 0 qual, nestes tempos de crlse.
cresce 10% ao ana, Uma revlsta de qualldade como L 'H ls -
tolre atinge ate 80,000 exemplares, 0apelo a hist6ria e geral.
Ap6s a orquestrocoo organlzada por o cosloo do ana do
patrlmonlo (1980), muitos se perderam em dlvagao;6es na
sua orvore geneal6gica ou se lembraram que um velho que
morre representa uma biblioteca que quelrno, Retomaram 0
gral/ador para registrar as antigas gerao;6es e conservar astramas de vidas que desaparecem ... A hlst6rla que se con-
some tornou-se recurso terapeutico para preencher os vczlos.
para romper 0 isolamenlo dos suburblos de passado sem
mem6rla. 0hlstorlador desempenha entao 0popel de con-
servador: ele tronqulltzo. Asslm, charnam-no com maior
frequencia a cabecelra de uma sociedade ferlda. Na falta
de urn presente que entusiasme e perante um futuro Inqule-
tante, subsiste 0passado, lugar de Investimento de uma iden-
tldade Imaglnarla ctroves dessas epocos, no entanto proxlrnos,
que perdemos para sempre. Essa busca torna-se mais e mais
Individual, rnols local, na falfa de um destlno coletlvo moblll-
zador. Todos abandonam os tempos extroordlnorlos em troca
da memoria do quotidiano das pessoas comuns. Uma topo-
grafia estettco nova Instala-se, conforme se fale de uma aldeia,
das mulheres, dos imigrantes, dos marginais ...Sobre este campo
de InvestlgaGao novo, a etnoiogia interna alimenta-se da
crise da nccoo de progresso e desabrocha em um "presente
lrnovel'", Passamos Insenslvelmente da grande biografia dos
her61s da hlstorlo. de luis XI a Nopoleoo. sem esquecer Carlos
V, para as blograflas dos herots obscuros do quotldlano. Por
outre lado, nos melos de comunlccicco de massa, a informa-
Gao renova-se a cada dla, e um conjunto de acontecimentos
ao mesmo tempo ropldc e urgente desenvolve-se sobre a
vasta cena mundial; isso nos oferece a imagem de uma
hist6ria que se aceiera ao mesmo tempo que nos escapa.
Nos mals a sofremos do que a vivemos. Nossa afetividade cl
se encontra comprometida, mas esse .conjunto de aconteci-
mentos nem por Isso confere sentid~ a vida; dal a procura,
para desaflar nossa angustia, de nossa Identldade na dire-
Gao das aguas mais calmas de epocos longinquas, princl-
palmente medievais. Toda uma sociedade asslm se recusa a
ser orfa e se esforo;a para buscar sua origem em sua hlstorlo.
Uma recente pesqulsa de opinl602 revela esse gosto bem
pronunclado dos franceses pela hlstorlo: 5?,2~ ~as pessoas
interrogadas possuem livros consagrados a nlstorlo .e, para
9,6% delas, esses llvros sao as preferldos de suas lelturas. A
hlstorlo faz multo sucesso, mas que hlstorlo?
Clio, na FranGa, por tras do parasitismo de uma hist6rla
puramente comerda!. por tros da hlst6rla-mercadorla, encarna-
se, sobretudo, na escola que conqulstou poslc oo hegemo-
nlco: a escola dos Anno/as. Osmernbros dessa escola apode-raram-se de fodos as lugares estrateglcos de uma socledade
domlnada pelos meios de comuntcocoo de massa. 0histo-
riador novo tornou-se comerclante ao mesmo tempo que
soblo. intermediarlo, publlcitcrio e adminlstrador para contro-
lor todos as nivels das redes de dltusoo dos trabalhos hlst6-
ricos, Os responsovels pelas cotecoes hlstorlccs do malar parte
das editoras sao membros dos Anna/es. Assim, ocupam uma
poslcoo de poder essencial, 0de selecionar as obras consl-
deradas dignas de ser editadas e de delxar de lado as outras.
Hegemonlca, essa escola Investlu slmultanea~e~te sobr~ as
org60s da Imprensa, nos quais propaga as propnas pubhca-Goes a 1imde assegurar-Ihes a bri lho necessarlo pa,ra ganhar
um publico malar. Dos loborotcrtcs de pesqulsa ate os clrcul-
tos de distribul<;:Oo, a pro due do hlstorlco francesa tornou-se
quase que um monop61io dos Annales3• , H
Seu sucesso e resultado de uma estrategla de coptoc oo
dos procedimentos, das lingua gens das clencias sociais v t z t -
nhas de uma capacidade notcvel de apoderar-se das roupa-
gens'dos outros, para revestir uma velha d?ma lndigna que
se tornou antropofaglca, Essa conqulsta e uma constante
nessa escola, visto que pode melhor conduzir sua ofens Iva,
ao desenvolver uma estrategla nasclda da 11<;00 aprendida
com as tres tentativas fracassadas de se reallzar uma clenclo
social unlflcada no corneco deste sec.ulo: a tentotlvo da
escola geograflca vldaliana a da escola durkheimlana e a
da obra de sintese de Henri Berr.Apresenta-se imedlatamente
como uma escala milltante, a margem, que clama par socorro
as cienclos socials para desestabilizar a hist6rla historlclzante
hegemonica; e apresenta-se como escol.a-martir, viti,:,a do
ostroclsrno para noo espantar seus pcrcerros eventuots. Essa
escola recusa todo dogma, foda filosofia au teoria da hlsto-
ria, dol a grande plostlcldocle e mObilida~e e a c~pacidade
de IntegraGoo no maior cdmpo d.e pesquisos posslvet. A ~on-
junGao da estrategia salida de olloncos com 0ecu~enlsmo
epistemologlco permite a escola dos Annales ellmincr seus1. J.-P.RIOUX.Le monde du dlmonche. 7de .outubro de 1975.
2.Pratique. cultur ..H.. des ',am.ais. minisle,e d .. 10Culture. 001102. 1982. Pesquisocom
4.000 pessoasdeldode ocimo de 15 onos, recallzcrctc entre dez..mbro de 1981 e janeiro
d.. 1982.3 . F .DOSSE. 'Main boosesur 10viii..'. LireBraudet. La Decouverte, no prelo.
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 7/28
16 A HISr6RIA EM MIGALHASINTRODUCAo 17
rlvois. Construiu vasto Imperio grac;:asa uma guerra de rnovl-
mento, no qual as termos do estrateglo mllitor (frontelras,
terrltorlos...) fozem parte do jogo ate a conquisto total. Para
compreender esse trlunfo, temos necessidade de locallzar
novamente as eta pas. Marc Ferro sugere que esso escolo
possoser a odvento de uma clenclo experimental desemba-
rccodo dos Ideologlos e das vls6es de mundo. Tornor-se-Io
umo dlsclplino outonoroc, aclmo de qualquer suspelta e de
qualquer Influencla, Tal concepcoo permite a noo-questlo-
nomento dos fotores do sucesso dessa escoia, dos reloc;:oes
que e,lomonteve com 0espirlto de seu tempo e do func;:ao
otrlbuldo 00hlstoriador. Ora, a hlstorlo depende estritamente
do lugor e do epoca em que e concebida. Como escreve
Michel de Certeou: "Apr6tica blstorlco e totaimente relativa
6 estrutura do soctedode'",
Essoescola, mais que clnquentenorlo. J6tem uma hlstorlo
e como dlzla Lucien Febvre em 1946,"vistaque a mundo se
aglto, asAnna/es se agltam tornbern", E necessaria, portonto,
perguntarmo-nos em que essenovo dlscurso hlstorlco respon-deu a demanda social, sem realizar um estudo mec6nico
IImilado a urn jogo de espelhos entre a sociedade global e
o discurso do hisforiador. Esseultimo tem autonomla e logica
discipllnar proprios no campo das clenclos humanas. E esse
segundo porcrnetro que esclarece, de fato, as rupturasessen-
cia Is,as inflex6esdcs poradigmas dosAnnales enIre 1929e hole.
Sea escrlta hist6rica for tilha de seu tempo e, desseponto
de vista, "noo houver em lugar algum hlstoriadores inocentes"
(Jean Bouvier) e seela estiver novamenle sltuada no campo
das clenclos soclals, dever6 tornbern ser confrontada com
um tercelro ponto de vista, ou seja, 0da propria disciplinahls!Orica, como disclpllna aut6noma possuidora de loglca
propria enquanto protlssco: e dever6 ser confrontada com
os problemas de lugar, de Inova~co e conservocoo e desse
modo devero perceber, a partir de uma soclc-hlstorto dos
meios hlst6rlcose de umponto de vistamorfol6gico, 0ovonco
do saber relaclonado a sua lnstltucloncrllzcrccro.Somente apartir dessestresolhares localizados na diacronia e que pode-mos descobrlr alguns nucleos racionais em a~oo, no discurso
dos Anno/es.
Quem queira interrogor-se sobre a tuncoo do historiador e
da hist6rla noo pode evitar a reflexoo sobre a hlstorlo dos
Anna/es. 0 que esto em jogo e de lrnportoncto. pols se trata
do propria exlstencla do hlstono, da sua capacldade de
eviler 0dupla tentocoo sulcldo, prlmeiro, a do fuga diante
da dilulc;:aoentre as outros clenclos sociais e segundo, a do
recuo a velha hlst6rla positivista do seculo XIX,A condlcoo
de Inquietude s6 pode provir do superccoo do emplrlsmo e
do rearmamento clentiflco. A historla permanece uma clan-
cia em construc;:ao,a lmagem da nossa sociedade, da qual
e indlssoclovel. Tambem continua 0combate pela hlstorlo .
OSANNALfS: COMITt DEDIRE<;AO
BLOCH
FEBVRE
BRAUDEL
MORAZE
FRIEDMANN
LEGOFF
LEROY-LADURIE
FERRO
LEUILLIOT
t l Z L I I
MANDROU
BURGUIERE
MAHN-LOT
REVEL
VALENSI
~ZZZZZI7ZZZZZ17ZI
flMZWU
TRABUC'29
nll21V7:J
r : :zzJ
ITZD
aI7f7I]
35 40 45 50 55 60 ee 70 75 B a
Dilator Membro do cornlte de dire900
IZZ2I socrstcrlo do Comte Secrelaria au Assistenle de Redo<;oo
-J-"t I , It::....Jl~a.:.,;;.ra! i. lleltO: 'A ojoercrc c c rusto.nccr, rnsrono: nOVGSproblemas. l~io de Janeiro
Franc lsco Alves, 1976, p. 11.) •1983. p. 257, qucdro.
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 8/28
n
~ [L O © ~ ~ W O ~ [] ' i j '~[Ql~
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 9/28
1. A PRE -H IS rO RIA DOS ANNAL ES
RETORNO A . s FONTES
~ nec essortc perceber 0erreno emque cresceu a escola
l5 dosAnna/es. para compreender 0porque de sua posl-coo hegem6nico, sem que Issosignlflque umo coricessoo 00
rita da tribo hlstorlco, que Marc Bloch qualifica, apes Franc;:ois
Simiand , de ldolo das origens.
A crlocoo da revlsta dos Anna/es resulta do dupla muta-
c;:aoque perturbou tanto a sltuocoo mundlal no pes-1914-1918
quanta 0campo das clenclos socials. Alias, encontraremosessa dupla influencla na origem de cada lntlexdo notcvel
ocorrlda na evoluc oo do discurso dos Anna/es. Como dlsse
Benedetto Croce: "Toda htstcrlo e hlstorlo contemporanea".Jacques Le Goff slmpliflco bem quando escreve: "Noo e
par acaso que osAnnates nascem em 1929.0ana do grande
crlse'" 0 projeto de Marc Bloch e Lucien Febvre nco sereduz
a uma resposta pontual dos hlstoriodores dionte do criseque
explode de monelra manifesto depols da quebra de Wall
Street em outubro de 1929,j6 que a revlsta e loncodo em
Janeiro do mesmo ano e. como projeto, remonta 00 ime-
diato pas-guerra. Entretanto, Jac9ues LeGoff noo seenganou,
1. F.SIMIAND (1873-1935). ,oc;6Iogo <>economisto durkh<>imiono. Plol.... or do COIIE-g.
de France d.. 193201935.
2. J. LEGOFF.La nouve"e hlsto".... Retz. 1978. p_214. (Ed;«oo em portugu9s: Hlstorio
novo. Sao Poulo. Martins Fontes. 1990. p. 30.)
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 10/28
22 A H/STORIA EM MIGALHAS CLIO REV/SITADA 23
pols a crise, posterior a crla9ao do revlsta, estava muito rela-
cionada 00sucessodela. Asquebras dramatic asdo economio
copltollsto em escolo mundiol, olccmccmoo de um s6golpe
a America e a Europa, questlonam a Idela do progresso
continuo do humanidade em dlre<;:eo00acLimulo de bens
matertais. Essacrise esto reloclonada as questoes novas que
valorizam osaspectos economic ose socials,por sua vezmer-gulhados no defla<;:ao,no rocessco e no desemprego. Nesse
contexto, em que e forte a demand a para compreender e
aglr, e que a revlsta dosAnna/es, que leva 0itulo de Anna/esd'histoire economtque et societe, responde Intelramente as
questoes de uma epoca que desloca 0 olhar dos aspectos
polfticos para os econorntcos, Alias, a aspecto econ6mlco
n60 esperou 1929 para lnvadir 0horizonte politico. Os onos
20 sao domlnados, oqul e all, por grondes debates e por
grandes declsoesde ordem econornica. E em 1921 que len In
atirma, 00 engajaro Russiano NEP,que 0socialismo se define
pelos sovletesmals0eletrttlcocoo. e e duronte essesmesmos
onos que os relo<;:oesnternocionais sao dominados (e mlna-dos) pelo questoo dos reporocoes de guerro. Os politicos
sao coda vez mols julgodos no medido de seussucessosou
frocassos economic os, eo cartel das esquerdas, na Fran9a,
e julgado por ter sucumbldo dionte do muro de dinhelro
sobre 0qual se 01<;:0Raymond Poincare, que, 00 restabele-
cer em 1928 0 podroo-ouro para 0franco, obtern um trlunfo
cujos frutos ele, em segulda, copltonzoro no plano eleitoral.
Diante do crise, as progromas dos governos definem-se a
partir de medldas econ6mlcas escolhidas. FranklinD. Roose-
velt deve sua elei<;:aoem 1932 ao programa do New Deal; a
vit6rla do Frente Popular deveu-se em parte a rea<;:aocontraa polit ico def!acionar1o conduzldo pela dlreita de Gaston
Doumergue au de Pierrelaval. A economia torno-se a aspecto
pelo qual a socledade dos anos 20 e 30 se pensa, e e nesse
ambiente que a revlsta de hlstorlo economlca e social de
Marc Bloch e Lucien Febvre vai evoluir como peixe dentro
d'agua. Ho certcrnente a lntulcoo manifesto de dois gran-
des hlstorlodores,mas tornbern 0 discursoespecifico que nada
mois faz que se adaptor 00 mundo social no qual e enun-
ciado. A criselonco umdesaflo, crio 0necessidade de quan-
tificor as vortovels economloos e princlpalmente a evolucoo
dos precos, Nesse dominio. a hlstoriogrofia assiste,durante
esse periodo, ao lan<;:amento de tres obros-primos: as de
Fran90lsSimiond, Henri Hausere Ernestl.cbrousse" De foto, e
o partir desses estudos que se desenvolve uma hlst6ria eco-
nomlca mots clentiflca, reviravolta essenclal a partir do qual
Pierre Chaunu dellmita a orqueologia dessa forma de hist6-
ria: illudo ccrneco no horlzonte de 1929-1930'''', ~A medlda
entrou na hist6rla otroves dos precos, 0choque oconteceu
no dla segulnte ao do crise de 1929."5
No origem desse novo discurso hlst6rico codiflcado pelarevlsta dos Annales, encontramos tambem a traumatismo e
asefeltos do guerra de 1914-1918. Osrnllhoesde mortos desta
longa guerra levantam-se como no filme de Abel Gonce,
J 'accuse, para lembror aos vivossuasresponsabl1ldodes.Para
a hlstorlador, Isto signlflca a folancla da nlstcrlo-bc+olho que
nao soube Impedlr a borbcrle. A vontade dellberadomente
pacifista do p6s-guerra (a "der des der") e, por vezes, paci-
flstodemals (Munlque), Incita a superccoo do relato da hlst6ria
puramente nacionaHsta, chauvinlsta que foi0credo de toda
uma juventude desde a derrota de 1870 Ao conttorto. todos
desejam reaproxlmar ashumonldodes, ospovos. e uma nova
flnalldade aparece, portonto, no dlscurso do historiador, aqual S o entco considerado como Instrumento possiveldo paz,
ap6s ter sldo arma do guerra. Celestin Bougie fez, em 1935,
o oolcnco dos estorcos de organlza<;:oes,de congressos his-
t6ricos Internacionals que convergiam nessesenndo=.Aguerra
anunc1a0tim da Belle Epoque para umo Europa em que se
percebe as prlmiclas)do declinlo ou da decodancla1. Antes
do guerra, tudo se decidia na Europa.0dlscurso eurocen-
trlco dos hlstorladores correspondla bem a um mundo unifl-
cado pelo capltallsmo e domlnado por londres e Parls.'Ao
solr da guerra, a Europa esto enfraqueclda pelo sangria
humana que se eleva0
vorlos mllhoes de mortos, pela des-trulcao material. massobretudo pela oscensdo de novaspoten-
cios bem mals dinamlcos, como 0 Jopoo e prlncipalmente
os Estados Unidos. A Imbrlca<;:aomundial dos problemas, 0
estado de dependencto para com 0Novo Mundo relativl-
zama mensagem universal doseurope usemudom 0dire<;:ao
tornbern do dlscurso do hlstcrlodor, no sentldo de superar 0
eurocentrlsrno, no sentido de levar em constderccco osdes-
tinos no plural e ascivilizo90es rnultlplcs. E nessecontexto de
3. F.SIMIAND. R&ch&rch&. onci&nn&s at nouvelle. sue Ie ITlOuvemen' gim';'rol de. prix au
XVle ow XIXe siecle (1932), H. HA USER (1866·19~6). pioneiro do hi. lori a economioa do
.60ulo XIV 00 asludar a. origans do copllalim>o mod . .rno na Fron . . a. Raoherch<» at
dooumann ourl'h/stoJrede.prl)( an Franca da 1 !5DO 6 1B1X1(1936). E.LABROUSSE (na&Cldo
em 1895). professor do Sorbonna 61 do EPHE (VI se..ao) . E.qulua du mouvement da. prix
et d&. ,",venus"n Franc .. auXVIII&siGc;ie (1933).
<I, P. CHA UNU. HI.to/re e l science =o/a le. SEDES. 1974. p. 56.
5, P. CHAUNU. ·L·hi .,o lr e " 'riol l&: bi lan ' " pe r.peol i. ,&. ·. R. ",u . . hlstorlqu&. 1910. p. 30:2.
6. C, 60UGL~. 8I10n de to soclologl& fro~oI ... oonlemporaine. 1935. p. 29.
1.A_DEMANG EON. LeDeclln de I'Europe. 1920. O. SPENGLER.Dec/In d&I'Occ/d&nt. 1920.
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 11/28
24 A HIST6RIA EM MIGALHAS CLIO REVISITADA 25
questionomenta dos certezos onterlores a guerra que pode-mos compreender 0discursodos Anna/es, e noo sementa no
evolucco proprio do discursodo hlstoriodor desvinculodo do
reolldode. Como ofirma lucien Febvre: "A crise do hlstorio
noo tol uma doenco especifico que atinglsse unlcamente a
hlstorla. Foie e um dos aspectos, a aspecto propriamente
historlco. de uma grande crise do espfrlto hurnono'".
Essacriseglobal, ou crisede civiliza90o, noo afetou somente
os hlstorlodores; perturbou ascertezas de todos osmelos Inte-
lectuois, em plena efervescencia nosanos 30, como demons-
Iraram Jean Touchard e PierreAndreu", Encontramos nume-
rosospontos em comum entre 0discurso dos Anna/es e este
"espiritodos onos30", que anima rnuitosmovimentos de jovens
intelectuois de oposlcoo: "A revolta exaltava a malor parte
da juventude intelectual"10. Revistasnovas sao kmccrdos nos
onos 30: Plans, dirigida par Philippe lamour; Esprit,de Emma-
nuel Mounier; OU alnda Combat, L'Homme nouveau, Les
Cahiers,de Jean PierreMaxence, Reaction, de Jean de Fabre-
gues, Crltfque soc/o/e e sobretudo L'Ordre nouveau, de Ray-mond Aron e Arnaud Dandleu, que publicaram juntos em
1931La Decadence de 10notion franr:;aisee Le Cancer ome-ricaln. Delxando de lado asdiferen<;asentre osdlversosmelos
Intelectuals, pode-se tolar de uma gera900 e de uma tem6-
tiea eomum: "A solidoriedade do perigo crla entre nos umo
unldade que nem meshes nem doutrinas souberam crlor,
unldade de recusa dlante da rnlserlo desoladora de uma
epoca em que tudo que 0 homem pode omar e querer
encontro-se desvlnculado de sua origem viva, se encontra
estigmatizado, desnaturado, invertido e oplolnodo"!'. Ai se
encontrom os dlferentes combotes pela hlstorlo. de Lucien
Febvre e Marc Bloch. Emprlmelro lugar, "os grandes temos
dos onos 30 sao os temas anti"12.Ora, a ponto de fixa<;oo do
discurso dos Anno/es origina-se no cposlcoo sistematica, no
rejei900 total do hlstoriogrofla dominante, dito posltlvlsta. A
Identldade dos Anna/es constrol-se. de toto, com base no
contestccoo do gera<;60 dos mois velhos, a de Lavlsse,Seig-
nobos, Langlois.0segundo troco marcante desses lnteleo-
tuols dos anos 30 e a reJel<;aoda politico. a jogo politico, a
vida pOllomentar, ospartidos politicos s60 postos de lodo por
essesInteleetuals.0estado e suspeltoe rejeltado como exte-rior a sociedade, como corpo ologeno, e suscita um feno-
meno de re)el<;60vlolenta: "Sejamelesmoderodos, radicais.
soclalistos ou comunistas, todos as tenores do politico, cujos
nomes brUhomno sucesso dos tribunas ou nos manchetes
dos jornols, corregam a marco do Infamia: uma especle de
cumplicidade sordldo, de conlvenclo imundo, bem evlden-tes nos corredores e no bares"13.A revlsta L'Ordre nouveautoz 0apelo para n60 se votar em abril-maio de 1936: " E
prolbldo votar como e proibido cuspir no chao"14.No entanto,
L'Ordre nouveau. vlveiro de Idelas novas, tenclonava "abolir
a condl900 prolet6rla" e loncovo as bases da "lc6rla do
seculo XX"15.A rejeiqoo do aspecto politico e tornbern mani-festo em Marc Bloch e Lucien Febvre. Tra<;amum percurso
centrado nosaspectos economlcos e sociais,abandonando
completamente 0 campo politico, que para eles se torna
supertluo, anexo, ponto morto no horlzonte deles. Esseespi-
rita dos anos 30 e tornbern uma reflexoo sobre 0dectinlo. adecad€mcla, a lnetlcoclc das ideologias, sobre 0 sobressalto
necessorto. que venha dar lugar 00 homem percebldo
enquanto personalidade, enquanto singularidade: "Trata-se
/.../ de recriar, em umo palavra, a clvtllzocoo humana"16.
Essaretlexoo levou a rejei900 dos duos realldades exlstentes:o capltallsmo, com suas controdtcoes e crises que resultam
emmllh6es de desempregados, e os regimes totolltortos. tols
como 0 fasclsmo eo nazismo,mas tornbem rejelta a so!u~oo
do revolucoo coletivlsta e, portanto, do modelo sovletlco:
"L'Ordre nouveau prepara a revolucoo do ordem contra a
desordem capltallsta e a opressoo bolchevlque /.../"17. E a
busca de uma terceira via. Nos temas inauguradores do dis-
cursodosAnno/es, reencontra-se essaosplrocoo por umfuturo
humano novo, moderno e liberado do eslado. Marc Blochse
interroga sobre essaEuropa omeocodc pelo vies do hlstorlo
medieval em A Socfedade feudal. Ao mesmo tempo em
que preconiza uma hlstorlo comparatlva, tornbern pertence
plenamente a uma ger0900 que multiplica as lnstltulcoes
copazes de promover as dl61ogos eruditos lntemcclonols".
Marc Bloch e Lucien Febvre partlclpam plenamente desse
S.l. FEBVR£Combatt;pourl'hlstolr&, A. eolio. 1953.p,26. (Edi"ao emportuguG" Combat ...
pala hl.tOrla. 2u..d. Usboa. P'..... n"a, 1985.p.35.
9. J. TOUCHARD,·e...pril de. annee. 1930'. reMana ... polltlque dam la viefranyal.e depuls 1789.ColOquio. 1960; e P.ANDREU.'Lesidees poliliques de 10jeunesse
intellQ(;luelle de 1927 6 Ia Guerre·. Revue des trovau« dE>I 'Acodernie de Sclenc...Morales ..t Po/II/ques, 1957. pp. 17.35.10. P.ANDREU.IbIc:J.
11. D. OQ ROUGEMONT.·Cahlero de revendk:alions·. NRF. 20. 1932,p, 51,
12. J. TOUCHARD. / b Ic :J . . p. 101.
13.D. ROPS,L' Orr::irenouveau. outubro de 1933.dlodo po, J. TOUCHARD. IbIc:J" p. 102.14. L' Ordre nouveau. abril d.. 1936.cllado por J. TOUCHARD./bld .• p. 102.
15. p_ ANDREU./bld..
16.Pions,n. 1. p.9.17, Prospecto do lan"a ......nto de L· OrdrE>nouveau,
18,1930, Insl ilut d' etude. compar m 0,10. 1935:Fondation J. Bodin em B,,,,,,,10s.
Debote. entre alernaes .. polan robre a Silesia.
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 12/28
26 A HISTORIA EM MIGALHAS
CLIO REVISITADA27
espirito dos anos 3000 lado desses "neo-conformistas", den-
treosquais, Inclusive,alguns termlnareo a carreira na Academia
Francesa (ThierryMaulnler, Daniel Rops,Robert Aron e Geor-
ges Izard), assim como os contestadores de Estrasburgo
ocoboroo por impor sua cortc epc oo de hist6ria a toda a
comunidade de hlstorladores,
o outro Impulso que 0melo hlstortodor conhece, fator decrise, depols de vitai1dade, provern do campo das ciencias
socials. 0questlonamento do evoluclonismo, da Idela de
progresso, desloca a retlexoo da hlst6rla para outros terrenos,
exteriores ao seu pr6prio territ6rlo. Esseperiodo e marcado
pelas novas clenclos sociais,como a Iingi..iistIca,a pslcono-
Use,a antropologJa e, sobretudo, por esta clenclo que tem
por objeto a socledade: a soclologla, com a escola durkheJ-
mlana: "A raclonalidade burguesa abandonou a hlst6rla e
refuglou-se na economia politica, em parte tornbern na
soclologia"19.EmileDurkhelmfoi encarregado do primeiro curso
de sociologia, enquanto tal, na Faculdade de Letras de Bor-
deus, em 1887. Crlou uma escola e, comomostrou V. Karady20,feve exlto na conqulsta de posi~ao hegemonic a nessa disci-
plina. Mas a soclologia tinha alnda muito caminho apercorrer
para se Impor dlante das disciplinas closslcos da universi-
dade. A estrategla da escola durkheimlana consistluemganhar
terreno em uma guerra de movlmento, de conquista no ter-
rlt6rlo das clenclos humanas vizinhas,propondo-Ihes rela~6es
de Interdependencla eo oferla de servlcos, A Jovem soclo-
logla durkhelmlana tem explicitamente a ornblcoo de reallzar
a unifica~ao, sob seu comando, do conjunto das ctenclos
humanas, por tros do concelto de causalidade social. Desse
modo, ataca a fortaleza da hist6rla, dlsclpllna fortemente
implantada nos lnstltulcoes unlversltorlos, Passaa ter, desde
1897, um 6rgao para defender suas leses: L 'Anneesoctotoqtoue", Emile Durkhelm noo nega 0valor da hist6ria,
que considera essencial, mas mod!flca-Ihe 0estatuto. 0hls-
torlador deve contentar-se em apanhar, cole tar osmaterials
com os quais 0socloloqo faro a mel: "A hist6rla s6 pode ser
conslderada uma clen cia desde que se eleve acima do Indi-
vidual - e e verdade que, entoo, deixa de ser ela mesma
para tornar-se um ramo da soclologla"22.0hlstoriador que se
propusesse a comparar, interpretar, tornor-se-to socloloqo, e
ENSAIO DE DIAGRAMA DA EPOCA: RELAt;OES E ESPEClAlI lAt;Ao
I LingU18tica IIFilosofia I
ICriminologh I
R I C H A R DR a y
IDireitQ I
As linhas que ligam as pessoos simbollzam as rela<;:oes(de ccloborcccc. de enslno,deomlzcoe. elc) considerodos i~ortontes. Aslinhas mois espessas indicam rela<;:6esmoislntsnsos. Osnomes des prlncipais cola bora dares do L 'Annee socioJog/que 1·serleesloo
em letras maiuscules.
Fonle: Ph. BESNARD,'La formation de I'equipe de CAnnee soci%gique'. Revue Fran-
<;:oisede Socla/ogie, joneiro-m::lf<;:o de 1974, XX.
a hist6rlanada mais serlado que uma discipllna auxiliarpara 0
mestresoci6logo. Na perspectlva da conqueto de uma poslcoo
central e dominante, essegrupo de durkhelmlanosdo proves de
grande coesoo. ~gada a certa rlgldezdogmotlca que faro fro-
cassarseu projeto. luta em duas frentes23, tanto contra 0organi-
cismo cat61icode LePlayquanto contra 0socialismo.A "divisCiosocial do trabalho" de KarlMarx, ele opoe a "divisCiodo trabalho
social", Preconiza um pensamento consensual enfeltado pelamodernidade do dtscursoclentificista,alimentado, nessetim do
seculo XIX,pelo sucessodo positivismofilos6fico,estera do saber
da qual nasceu a sociologia: "E precise que nossasocledade
retome a consclenclo de sua unidade organica / ...l, Muito bem,
senhores,crelo que a sociologia esto. mals do qualquer outra
clenclo. em condi~6es de restauraressasidelas,,z4.os historiado-
res,osdurkheimlanosoferecem nova area de pesquisa,a soclo-
logla da religl6o, encarada como linguagem comum, passivel
de uma renovccco que rornpo cam a tradi~ao dos estudos
escolostlcosdesvinculados do social. AIE~mdisso,beneficiam-se
da conjuntura unlversltoriafavoravej25,Numsistema unlversltorlo19', A: GUERREAU. La F&odO/lvne: un horizon thaot1qua. La Sycomore, 1980. p. 142 .
(Ed""aoem porl~gue", ~ FGJdO/lsmo. Umhorlzcnle leOticc. Usbco, Edi9,;,es 70, sId. p, 174.)
20, V . K AR AD Y. D urkh< >'m . rassciences sociala. at t'unlvarsile: bilan d'un demi-echec'
Ravu.. fron90/oe da soc/oloQle. ob.lr de 1976. •
21. Ve, quodro,
22. E. DURKHEIM. L 'Anne .. soclologlque (6). 1903.pp. 124-125.
23,VerD. LINDENBERG.a maxi'rne Introuvo/;:Je. calmoM-lavy. 1975,
24. E, DURKHEIM . 'leyon d'ouvarture dJ ccurs <» science sociale'. Revue Inlemallonde de
I'enselgnernant. XV. 1888. p. 48.25.V,KARA :H . 'Sire1 E o g > a s de ,auss;leet rnod<>sda faile-vabi de 10sociologia cbez Ies duM.,...,....".'.
Revue I-'crl9dse de socIcIoQfe. I1979 (XX). pp 49--82,
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 13/28
28 A HISTORIAEM MlGALHASCUD REVISffADA
Annales acabou por ser Em~e Durkheim, de quem Marc Bloch se
reconhecla devedor: 'Enslnou-nos a analisar mais profundamente,
a cingir mots de perto os problemas, a penser, digamos assim,
menos ligeiramente"31.
Uma bomba de eteito retardado explode, em 1903, na nova
revista de Henri Berr:a Revue de synthese historlque; tol loncodo
pelo jovem socloloqo (30 anos) Froncols Simland. Seu Incendi6rlo
ortigo, "Metodo HIst6rico e Ciencias Socia is", constitui 0desofio
mais radical que a disciplina hist6rica havla conhecldo, um
verdadeiro OPA. 0artigo Integra-se no conjunto da ofens I v a
globol dirlgida pela soclologla, que intima os h~torladores a ~
renderem aos argumentos delo, a sesubmeterem a sua problema-
tica ease tornarem coletores empfricos dos materiais lnterpretovels
pela unlco clencio social com vococoo nomol6glca, a sociolo-
gio. Ao se oter essencialmente 6obra metodol6glca ~e <:harles
Seignobos, lon~oda em 1901, Methode h/storlque appliquee oux
sciences soc/ales, Froncols Simland jogo uma pedra devastadora
no charco. Ele apela para os historladores se desemboroccrem
de seus ouropets a tim de se renovarern, e retoma a met6tora deBacon sobre os 'idolos da trlbo dos historiadores". Estes sao em
nurnero de tres, todos inuteis. Em primeiro lugar femos "0 Idola
politico, ou selo. 0 estudo domlnante, ou pelo menos 0 preo-
cupocoo perpefuo da hlstorloPotitic a ' < 3 . 2 ; ai se ocrescent~m, '.'0
idola individual ou 0 h6bito inveterado de conceber a hstorlo
como hist6rio dos individuos" e, enfm, "0 ldolo cronol6glco, ou
seja, 0 h6blto de se perder nos estudos dos origens'<33.Questiona
frontalmente a capacldode dessa velha dlsclpl ina impiantada,
que e a hist6ria, de se constltulr como melo de conhecimento
posit ivo. A jovem soclologla, pelo controrio, propoe-se a ser "0
corpus dos clenclos soclcss'?', Convida os historiadores a passerdo fen6meno singular para 0 regular, para as relocoes est6vels
que permltem perceber as leis e os sistemas de causelidade.
Convida-os a deslocarem, entim, sua observocoo do individual
para 0 social. Nesse corneco de seculo XX , a escritura do hist6ria
confina-se, de fato, a estero politic a, a qual se consagram mais
do metade das teses e mals de tres quartos dos DES[Di.d5rnes d'etudes
SlIpelieures] e das quest6es do concurso de Ingresso a carreira unl-
versit6ria. Quanta 00 idola individual, 0dos estudos biogr6ficos,
conta ainda com mais de 30% das teses ate 1904, mas desde
29
em renovococ. podem pretender ocupar urn lugar, visto que J6
desfrufam do prestigio do Ecole Normale SUperieure e da ogre-
gat/on em filosofla. Ebeneficiam-se tombem do sucesso do pense-
mento de Auguste Comte, que Durkhelm invoca a seu favor.
Mas Clio est6 fortemente Implantada e IIgada aos destines da
Republica para se delxar marginalilar asslm. Os durkhelmlanos
combatem Igualmenfe a geografJa, da qual crlticam as mono-graflas regionals, desejando substitui-Ias par uma morfologla social:
"Noo e suficiente que haja corneiros em um pais, para explicar 0
fato de esse pais passuir industria lanifera"26,ironila Fran~ois SiTlland,
criticando 0determinismo que desvenda nos grandes geografos
da epocc: Demongeon, Blanchard, Vacher, Sian... A descri~60
geogr6fica que parte do s010,do clrno, as durkhelmianos op6em
uma revlravolta que prlvl legla a pesqulsa das causalidades, cujo
lugar est6 na socledade. A geografla deve, partanto, desopare-
cer como dlsclplina distinla. Aqul tornbern, os soctoloqos se arre-
bentam sabre uma rocha partlcularmente solida, a do escola
geogr6flca vidalic:lna no apogeu da gloria, OsdurkheiTllanos devem
confentar-se, no entre-guerras em Paris,com quatro c6tedras na
Sorbonne e uma cadelra no Conege de France com Marcel
Mauss. Essesltua~oo nco reflete, no entanto, 0 brilho dessa escola,
da qual Celestin Bougie resumla a sltuocoo, em 1927, ao dlzer
que 0 centro noo estava em parte alguma e a ckcunterenclo
por toda parte27• Ao fracassar nas margens das grandes Instltul-
~6es unlversit6rias, os socloloqos precisaram isolar-se na Ecole
Pratique des Hautes Etudes e crlor, em 1924, 0 lnstituto Frances de
Soclologio, no qual se destacam, entre os quarenta membros,
fodos os pais fundadores da equipe do L'Annee soci%glque2B •
Essesfracassos ou sucessos parciais do escola durkhelmlana esta-
yam relacionados ao nascimento dos Anna/es, em 1929. lucien
Febvre e Marc Bloch retomaram 0 programa dos socloloqos e,
sobreludo, a estrategia de tudo absorver. 0bloquelo des carrei-
ras na universidade contribuiu, no entre-guerras, para 0eban-
dono das jovens disciplines alnda nco instaladas, como a soclo-
logio, e deslocou as Inova~6es para 0 lado das discipl inas mais
antigas29. A renovocno bem-sucedida velo, de tato e paradoxal-
mente, do velha discip~na hist6rlca: 'L'Annee sociologique, Imagino
eu, fol para Marc Bloch quase 0 mesmo que toram os Annoles
para a minha gera~oo'oo, Um dos padrlnhos da escritura dos
26.F . S JML l l. ND , L'Annee wcI%gIqu&, t. Xl 19()6..1~, p. 729 .
27.C. BOUGLt 'COf"TYT"entluder k: l sociologie 0 Po",?, Aflfldes de funNenite do. Pods, 1927,
PIJ.313-324.
2B. Boug19, FouOOJ1nel. Davy. Holbwachs. MoLm. S<rriond.
29.J. HEILBRON,L e .metamorphoses d.J du,l:.heini,...,..., 1920-1940",?eVll<> w>:; :dse desocIoIogIe,
atrl/;'.Jnho de 1985. p. 226.
30. G. Duby. pre/ocio a L'Ap%g/e de /"I-is/oh;,. de MarcBoch. A. Coin. 1974. p.B.
31. M. BLOCH. Apologie pour /,I-is/oh;,. A. CoIn. 1974. p. 27. (Ed¢O em portugues: Inlrod.J(;60 Cr
hIstdrfa. Usboa. Europa- America. old p.20 . .
32. F. SIMANO, ·M.,1t>o<:k>hisloriqua ..I sc""ncOt socb ..." Revue de 'Ynlh&3a /'i~, 1'T03.
re..dtodo no. Aflfla/Qs, 1960,. 117.33.It:Jd.
34.R.CHARiER J.REVEL 'l.Feb" ...... 1Ie< sc~ ... socjo......HIsIotIe"" et ,,~ .... 2/1979. p. 430.
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 14/28
30 A HISr6RIA EM MIGALHAS CLIO RfVISlTADA 31
o p6s-guerra regrlde senslvelmente para representar apenas
17% das teses no periodo 1919-193835. Essalntervencoo de
Fran<;:olsSimiand constitul uma parte do conjunto de deba-
tes e controversies que atinge todas as clenclos humanas e
mals especialmente historiadores e soclotoqos, as quais dis-
putam entre sl0controle do mesmo campo de saber. Desde
1894, Pierre Lacombe publica a prlmelra edl~ao do L'Hlstoire
consldeH3e comme science. Atribul a hlst6rla a perspectlva
soctoloqtco e a pesqulsa das leis. Ele j6 convlda, antes de
Simiand, os hlstorladores a seafastarem dos aconteclmentos,
a se afastarem de tudo que fosse do dominlo do unlco, do
singular, pois uma ciancio deve estabelecer osparaleios e as
constantes. a dlretor da Revue hlstorlque parece sensibllizar-
se com as criflcas formuladas e manlfesta a esperonco de
uma hlstorlo renovada, que se abra para as movimentos
lentos e para as condlcoes econcmlccs e socials mais propl-
cias a elabora~ao de leis. Mas nao e essa a evolucoo que
segue 0establishment hlstorlco: ao controrio. ele se agrupa
em torno do livro-manlfesto que pretende ser uma demons-trac;60 de torco ante a ofensIva dos soclo logos , Methode
hlstorlque appliquee aux sciences soc/ales, de Charles Seig-
nobos, publicado em 1901. Seignobos nega a soclologla 0
prlmelro lugar no selo das clenclos socials e considera as
hlstorladores como os unlcos federalisfas. Com esse livro, a
guerra e declarada. E nesse contexto que Fran90ls Simiand
vai a luta e duela em um combate que parece ser. em um
prlmeiro momento, um "erro t6tlco"36 em rozco de a escola
durkheimiana adotar, de preterenclo, a estrategia da pro-
mo<;ao de relocoes de complementarldade. EssaofensIva
logo resultou no fechamento da corporoooo hlstorlco sabresl mesma. Por outro todo. Simiand prlva-se da ononco virtual
com oshlstoriadores inovadores, como Paul Mantoux, Gabriel
Monod ...37, no que se refere ao outro elxo da polernlco. que
o opoe a uma economia conceltual desvlnculada dos fatos.
A lntervencoo de Fran~olsSimiand inscreve-se, de fato, tanto
contra 0deograflsmo des historladores quanta contra 0nomo-
tetlsmo dos economlstas. Esseartigo conhecer6 sucessonotorio
no medida em que a escola dos Anna/es retomoro, termo a
termo. a programo dele para combater a hist6rla hlstorlci-
zante e promover a hlstorlo nova. Dessa diatribe de 1903, as
Anno/es extrairao 0essenclal do seu aspecto Inovador, do
hlstorla-problema a prornocoo de pesquisas coletlvas, sem
esquecer do construcoo de modelos, mosdestc vez embene-
ficia de uma hlstorlo federal1sta e nao do soclologla.
Estetexto "oparec 10como uma espeole de matrlz teorica"la.
Marcara profundamente a gerac;ao de Marc Bloch e Lucien
Febvre, a qual reconhecla, fato rarisslmo,~oinfluencla para-
lela" que FroncolsSimiand exercera sabre ele39• Marc Bloch e
Lucien Febvre reaglrao contra essamarglnallza~ao do dlscl-
pllna hlstorlco preconlzada por Simiand, nao se isolando par
detros de posi~6es ate all ocupadas par sua disciplina, mas
transportando a hlstorlo para 0proprio campo das clenctcs
socials. A replica de 1929 ao desatlo durkhelmlano consistir6.
portanto, em reallzar a programa de Simiond. Para rnostror
bem que a lI~ao tol asslmilada, que os idolos sobreviveram,
a revlsta dos Annates publica novamente em 1960 0ortlgo
de Slmland.
H6outre polo Impulsionador de vltalidade particular nesse
comeco de seculo: provern de uma discipllna tradiclonol-mente proxima, no Fran~a, dos hlstorladores: a geografia.
Pierre Vidal de La Blache, no lnlcto hlstorlador, volta-se a
partir de 1872, depois do derrota francesa, para a geogratla,
a tim de r-esponder 00 desafio do Alemanha, mais voltoda
do que a Fran~a para 0estudo do mundo conternporcneo.
Suaslsternotlzocoo do objeto geogr6fico val servlrde modelo
a futuro escola dos Anna/es. A geografla, que nasce par
volta dos onos de 1880, na Fronco, se consagra, como mals
tarde os Annates, no rea<;:oocontra 0positivismo do escola
hlstoriograflco. Pretende ellmlnar 0 acontecimento, a poli-
tico, e ttxor-se no tempo atual e Interessa-se por tudo que sernontern no presente, pelas perrncnenclos que formam a
trama de nossas paisagens, a trama dos torroes do tim do
seculo XIXe do lnicio do seculo XX. Essaorlentocoo volorlzo
certo nurnero de nocoes que caracterlzam a geografia vida-
llana, au seja, 0 "melo", 0 "modo de vida", "0quotldlano".
Essageogrofla asplra ser, antes de tudo, a clencto do con-
creto, do observ6vel. Encontramos oqul as tontes profundas
do Inspira~ao dos Annales. H6, no entanto, alguma contro-
di~ao por parte dos hlstorlodores 00utillzorem uma clenclo
que prlvl1egia "aqullo que e flxo e permanente't40.Certamente,Vidal de La Blache nao estabeleceu urn elo mecontco entre
35. O. DUMOULIN.Profassionhlstorien:1919-1939.lasa de3~eielo, EHESS.1984. pp. 233·236_
36. Ph. BESNARD.'L'lmpa,iolisme soclologique toee a I'hl.'oire'. JoumQas annuel/e. da
10Soclala franyolse de $Oclologla. Ulla. 6/1984.
37. p, MANTOUX (1877·1956), lese de 1906, La Ravolullon Indu.frlelle auXVllle $leele en
AnglafarrG. G. MONaD (1844.1912). profassor do Collage de France em 1905. fundador
am1876 do Revue hlstorlque.
3B.J. REVEL.H;,;lo;,e el.deneessoclolas: lesporadlgmesde Anna'es. Annol& s, 11,'12/1979.
p.1362.
39. l.FEBVRE,Pour un& hl.lolre " perl anlliiu-& (1940). 1963, SEVPEN.p. 311.
40, VIDAL DELA BLACHE.Tobiaau gaogroph/que or;, 10France. 1911, p. 385,
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 15/28
32 A HISTORIA EM MIGALHASCUD REVISITADA 33
o melo natural e a socJedade humana, pols esta dlspoe de
dlversas solU90es para se adaptar ao rnelo, Entretanfo, os
llrnltes atribuidos ao homem soo estreitos e MO homem ape-
nas trlunfa sobre a natureza peJaestrategia que ela Ihe lmpoe
e com as armas que ela Ihe tornece?". 0objeto da geogra-
fia vidaliana apenas incidentalmente e 0homem: ela e, antesde tudo, a clencto dos lugares, das palsagens, dos eteitos
vJsiveissobre a superfieie terrestre, dos diversos fenomenos
naturaise hurnonos.0homem humaniza a natureza ao mesmo
tempo em que se do a ncturolzccoo do hornern, A geogra-
flo vidaliana aspira ser, antes de tudo, descrltlvo. A dupla
visiv~J/invisivelaqul funclona reificada em uma imagem per-
ceptivel no melo da cartografio, do fotogroflo ou do simples
excursoo 00 comp042,A ordem do discurso vidoJlano corres-
ponde a ordem das colsas no processo de Identldade,
Compreender, para Vidal de La Blache, e apenas localizar ecomparar. A geografla vidallana se aflrma. entoo, como dis-
cIpllnado presentecon fra a hlstorjo historicIzane43• A geografia
vidaliana lnsptro-se em conceitos blologicos, as quais utillzapara redeflnir novas recortes e construlra geografla humana.
Nos aspectos economic os do discurso vidaJiano. a comuni-
dade e assimilada a celulo. 0 pais rural ou urbano e assimJ-Jado ao teeido celular, a regioo e assimilada a um org60 e
a no<;oo00orqonlsmo+'. S6pode haver ol rela900 de com-
plementarldade naqulJo que se percebe como organismo,
no qual todos os componentes asseguram0born percurso
do ser vivo, Da mesma maneira que as partes sao solldorlos
no organismo, no corpo social osdiversoselementos concor-
rempara a desenvolvimento harmonloso do conjunto. A repro-
ducoo do mesmopertence a normalidade, porern escamoteiaassuperocoes dloletlcos, Privilegiaraspermanenclas leva ao
desenvolvlmento da geomorfologia, que permite valorlzar as
estruturas estcvels das palsagens. Alias,acrescenta-se a essa
escolha rnetodoloqfco a lnrluenclo de DeMartonne, genro e
sucessorde Vidal no Sorbonne em 1909. No mesmo espirito,
os vidallanos prlvilegiam 0 hlstorio rural e partem em busca
dos t/090Spermanentes. Privileglando mais os espcicos rurais
do que as urbanos, preferem a terra as fabricas, as campos
recortados as cidades tentaculares, as Imobilidades pastoris
as tronstorrnocoes industriais. Outro troco marcante do per-
curso vidallano, que encontraremos nosAnna/es, a a deseon-
fian9a em rela900 a foda construcoo teorlco multo rigida e
a preferencia pela deseri900 e pela observocoo. Multlpll-
eam-se, entoo. as monografias reglonals que contribuiram
para a sua glorla45.Elasvoo semear a escrlturo dos Anna/es,
voo abrlr0terrltorto dos hlstoriodorespara aspaisagens,para
as permanencias e voo permitlr 00 espeeiaJista da histcrfo
salrdos arqulvos, dos mercurlals, dos cortulorlos. para se Ilber-tarem, lucien Febvre reconhecia essapafernldade: "Poder-
se-lo dlzer que, em certa medida, fol a geografia vldaliana
que engendrou a hlstorlo que a a nossa"46.Destaca, alias,desde os primeirosaltigos na Revue de synthese historique, a
connlbulcoo dessasmonografias regionals. A escola geogr6-
fica, bem unida, tinha uma vantagem sobrea escola durkhel-
miano, a do melhor penefra900 universlt6rla. De Martonne
fol 0 organizador desse enquadramento vidaliano, 00multl-
pllcar ascabe9as-de-ponte do geografia nova noo somente
em Pariscomo tornbern no provincia. Osgeografos, olern de
dotados de uma revista que setorna orgoo ofieial, osAnna-les de geographie, desde 1891. tombern multiplieam, nos
anos 20 e 30, as revistasde geografia regional para prolon-
gar seusestudos monogr6ficos. Poroutro lado, De Martonne
funda a Assoclocoo dos Geografos Franceses,consegue a
aberfura do Instituto de Geografia de Parisem 1923, preside
em 1921 a crtocoo do Cornlte Nac/onal de Geografia e Ihe
conflam a organiza900 do Congresso Internacional de Paris
em 1931 pela Unioo Geografica lnternacional, "ponto culml-
nante da eseola geogrofica trancesa"47,0itlnerorlc de um
historiador dosAnnates, PierreVilar, a slntomotlco da ampla
Influencia que a escola vidaliana exerceu. Elefoi, antes de
tudo, geografo. FolM. Sorreque 0 aconselhou a estudar a
regioo que veio a se tornar sua especialidade, a Catalunha.
Inscreveu-separa a eloborocoo de tesesob a orienta900 de
Albert Demangeon. que Ihe opresentoro MarcBloch.0ultImo
ponto forte do geografJa que osAnna/es retorncroo e a liga-
900 com 0 poder, a reflexoo sobre a crlse'". Albert Deman-
geon partlclpava de numerososcomitesenvolvidosemprojetos
de Investimentos a longo prazo. Esseelo entre os eruditos eo
poder era 0trabalho de campo e beneficiava uma geogra-
flo que respondia a demanda social, enquanto que a hlstorlo
41. VIDAl DELA BLACHE,'Lageogrophie polilique', A nnole. de geogropl1le. 1898.p. 102.
42. J. M . BESSE,Ideologi", pour un", geogrophi",', f.poce,Temps. nO12. 1979,
43. C. GRATAlOUP, 'AprEMi'empirje, Ie beou lemp.·, E.paces·Temps nO 30 1985 p 53
44. Ph. BACHIMON, 'Physiologie d'un longoge', Espoces-Temps. ,.,°1;. 197~. ..,
45.1905: A Plcardla, de A. DEMANGEON, 1906:A Randres.de R.BLANCHARD. 1907:A
BoIxa Normandla. de FELICE.1908: 0 Berry,de VACHERe 0 Polfou. d", PASSERAT.1909:
O~Compone"'$ da Normandla oriental. d", J. SION. 1913:A No<;60d .. pcisagem nc.
Plrineu. mediferranlco •. de M . SORRE.
46. l. FEBVRE.Anncies, 1953. p, 374, nOlO
47. N. BROC. Au tserceou de. Anncies, Pre"e, de I'universite de toujouse, 1983,p, 248.
48. A. DEMANGEON. Le Dec"n de I 'fump .., 1945.
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 16/28
34 A H/STORfA EM MIGALHAS
CLIO REVIS/TADA 35
nessesanos estava tolalmente desvlnculada do presente.
Compreende-se a torco do desaflo loncodo pelos geo-
grafos aos historiadores, visto que a historla noo se sentia
multo bern. Embora seja preciso esperar alnda urn pouco
para ver a consonroceo dos estorcosdos geografos, com a
crlocoo do concurso de Ingresso a carreira unlversltorlo degeograflo em 1941. a progressoo em termos de cotedrcsunlversltcrlos e logo notovel. Se,em 1914, calcuJava-se um
professor de geografia no unlversidade para cinco professo-
res de historlo. a proporcoo sera de um para Ires em 1938.
Esserevigoramento realiza-seno Interiordo crise do oficio de
hlstorlador, do bloquelo das carrelras, do estagnac;:ao do
nurnero de catedras. Se, como destaca Charles-Olivier
Corbonel149, 0 nurnero de catedras de htstcrtc aumentou bas-
tante no tim do seculo XIX(mais de 50%entre 1875 e 1905),
a media de Idade dos historladores universitarlosera, entoo.
multo baixo (a metade dentre eles tinha menos de 42 anos
em1900)
e os cargos eram ocupados por muito tempo. Emreloc;ao a essaIdade de ouro, 0entre-guerras parece ser0
periodo de crise grave do oficlo de historiador5'l.Enquanto
que entre 1919 e 19390 nurnero de cotedros do Faculdade
de Letras de Parispassa de 39 a 59, 0 nurnero de cotedros
de hlstorlo permanece a mesmo (doze), apesar do afluxo
crescente de estudantes nessadisciplina. A carreira universl-
taria dos hlstorladores torna-se urna porta estreita, arriscada
a fechar-se dlanle deles,e observa-se0 envelhecimento geral
do corpo docente (a media de Idade na Sorbonne ern 1934
e entao de 62 anos). A carreira dos historiadores que, no
entanto, havia conquistado bern depressa poslcoo de des-
taque, acaba se ressenlindo disso.FernandBraudel, concur-
sado em 1923, preclsou esperar ate 1938para que urna Insti-
tulc;ao marginal, embora dotada de legitlmldade intelectual,
a IV sec;ao do EPHEEcole pratique des hautes etudes], 0acolhesse,
crposa passagem pelo Llceu do ArgeIJae pela Universldade
de Sao Paulo.Georges Lefebvre, apesar da notoriedade que
Ihe conferiu sua tese, precisou tentar tres vezes para entrar
na Sorbonne e so consegulu a cadeira de Hlstorlodo Revo-
luC;60Francesa em 1937, com 63 anos51! No topo da hteror-
quia encontra-se 0College de France e desseponto de vista
os fracassos conhecldos pelos dols promotores dos Anna/es,
Marc Bloch e Lucien Febvre, sao allamente slgnlflcativos do
bloquelo das carreiras. Lucien Febvre e elello para 0College
de France em 13de dezembro de 1932, opes dois insucessos
e com 0apoio do tradlc;:aodo enslnode hlstorlomodema, 0
que pode parecer paradoxal vlndo de um Inovador como
ele, mas 0 essenclal era ocupar a cadelra. Quanto a Marc
Bloch, mals Infeliz, jamals chegara ao College de France,
apesar de duos candldaturas52• Suasopc;6es inovadoras, no
mercado saturado, nao Ihe permitem asplrar a uma sltuac;:aoInstltucional do mals alto niveJ.
E neoesscrlc acrescentar outra fonte que aJimentou os hts-
torladores dessaepoco: a propria revolucoo do espirlto clen-
tifico. "Nossaatmosfera mental jo nao e a mesma. A teorla
ctnetlco dos gases, a rneconlco einstelnlana, a teoria dos
quanta, aJteraramprofundamente a Ideia que ainda ontem
todas as pessoasformavam do ciencia"53.Emque essarevo-
luc;:oocientiflca pode modificar a perspectiva do hlstorla-
dor? Lucien Febvre e Marc Bloch utllizam-na como argu-
menlo contra a hlstorlohlstorlclzanteque fetlchlza0documento
escrifo a ponto de fazer dele a expllcocoo hlstcrlco. Elesveern na teoria das probabilidades, no leoria da relalividade
da medlda temporal e espaclal, a possibllidade de a hlslorlo
asplrar, da mesmo maneira que asdencias ditas exatas, ao
estatulo de clenclo. contanto que critique os testemunhos
do passado, elabore fichas de lelturo, teste ashlpoteses,passe
do dado 00crlado otrcves de um percurso mals aberto e
otlvo: "A pesquisa historica, como tantas outras dlsclpllnas do
espirlto, cruza 0seu camlnho com a grande via real do teo-
ria das probabilidades"M. A pesqulsa historlco pode tomar
emprestada a via das pesqulsas causals a partir da critlca
dos documentos, mesmo se aos olhos dos promotores dos
Anno/as ela deva seprecaver contra toda metafisica, contra
todo monismo de causalidade. Outro referenclal clentiflco
que desempenhou papel de modelo para osAnna/es foi a
obra Introduction a 10medicine experimentale. ComClaude
Bernard, 0desJocamento opera-se no dominio medico do
vlslvel para a noo-vlsivel: "A htstorlo seguiu, de certo modo, 0
mesmo itinerorio'0,S5.ucien Febvre e Marc Bloch tentam subs-
titulr a hlstorlogeral tradlclonal por uma hlstorloexperimental,
que nao tenha por objeto 0conhecimento imediato, mas0
52. M. Bloch candldatou- ... duos "ezes: 20d..janeiro de 1929e 13d.. joneiro de 1935,Ao contr6r io de l. Nlb",e, Bloch Q pionelro 00promo"e, uma historic comparati"a, e
depoi$ $9 vonor POfO 0 historic econ6mica.
53.M. BLOCH.Ap%gle pour thl.lolre, ap. all.. p. 29 (p.22 da ed. portuguese).
54. M, BLOCH.ltid.. p. 107,
55. M, FERRO.L·HI.lolra sous .uN..mance, Colmann - Le"y. 1985: p. 135, (Ed~60 em
portugu<1t.,A HIJ;16rio "/gledo. 560 Paulo. Mar lin. Fonf ..$. 1989, p. 95.)
49. Ch, 0, CARBONELL.Au berceou de. Annale", Pressesde I'uni"ers<te de 10ulou.e.19B3,pp. 89-104.
50. O. DUMOULIN.Professlcn h/storien: 1919·1939, cp. ci t . .
51, IO/d.. p,89.
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 17/28
36 A HIST6R1A EM MIGALHASCUD REVISITADA 37
conhecimento medlado por multos esludos de caso.
A ERA LA VISSE
nadonal, que domina as onollses, Na prlmelra metada do
seculo XIX,0hlstoriador frances deve reconcillar a nagao,
superar as clivagens nascidas do Revolugao de 1789 para
legitlma-Ia e institui-Ia como fundadora de tempos nov os,
alias, tempos essesem que ascontradl~oes, asconflltos desa-
parecem por detr~s da concretlzocco das asplrac;oes do
povo reunlflcado. Easslrn que as historiadores Thlers. Mignet
e Gulzot legltimam a revoluC;ao de 1830 e 0poder de LuisFllipe frente aos ultras, mas00mesmo tempo advertem sobre
explosoes eventuals, pols nao exlste mais luta de classes. No
centro dessa lagltlmagao do poder, uma reflexao sabre a
revoluC;ao.Histoire de faRevolutfon Fron9afse, de Mignet (1824),
torna-se 0brevlorlo das revolucoes liberals. e sera traduzlda
em vinte ldtomos. Mignet porticipa dos TroisGlorieuses, revo-
luc;ao que Julgava Inelulavel. 0novo poder gratlflca-o com
a funC;ao de secretcrlo perpetuo da Academia das Clencias
Morais e Pofitlcas. Mas a revolucoo de 1848, que abala a
monarqula para transformar a Franc;aem republica, assustou
Mignet. que renunclou a visCiodetermlnisla e global da hls-t6ria e voltou-se para a descrlcoo puramente factual dos
acontecimentos, para 0relato de blografras despoJadas de
toda conoepcoo fllosoflco da hlstcrlo,Quanto a Gulzot,coloca
no centro da evoluc 00social a luta de classes,MO mals fecundo
principio de desenvolvlmento da civilizac;ao eurOpeia"M. Para
Guizot, a modernldade nasceu dos antagonlsmos de classes,
fonles de progresso e de superac;ao. Mas, ap6s haver funda-
menta do a legltlmldade do poder de LuisFilipe e seu pr6prlo
poder a testa do governo, Gulzot quer cssento-lo defJnltlva-
mente e proclama, entco, que essa luta de classes tornou-se
cmocronlco e noo tem mals rozoo de ser: "Todos os grandes
Interessesestao sotisfeltos / .../. Nao ha mais luta de classeso0 9•
A hlstoria escreve 0poder, € I seu horlzonte, seu espelho, seu
sentido, ela Ihe € I consubstancial. 0estado afirma sua rorco
no seculo XIXque €I , como constata Gabriel Monod, "o seoulo
da hlstoria'>60.
Constlfui-se uma escola nova, filha de Sedan e da von-
tade de reconqulstar a Alsccto-Lorenc: a escola rnetodlco. E
ela que se quallflca. de manelra lmproprlo, como "posltlvls-
ta". Elase agrupa em lorno da Revue hfstorfque lanc;ada por
Gabriel Monad em 1876. Pretende fundar uma "clenclo
positlva"61 para escapar ao subjetivismo. a hlstorlador deve
£deflnic;oo de hlstorlc, no momenta do criac;ao dos
~ Annafes, noo hovlo conhecldo modlficac;ao substan-
clal desde Tucidldes. Em 1694, 0dicion6rio da Academia
Francese definia a hlstorlo: "A narrac;ao das ac;6es e das
colsas dlgnas de rnernorlc", A oltavo edlc;ao, em 1935, opre-
sentava a mesmo significado: ~Orelata de ocoes, de ocon-
tecimentos. de colsos dlgnas de memoria", A hlstorlo-rekrto
alnda relna nos anos 30. as hlstorladores dlstanciam-se das
outras ciencias e deilmltam um terrltcrfo restrlto mas especi-fico para seus trabalhos. Perante as clenclas que pesqulsem
a construc;ao de leis, eulo obleto € I a repetlcoo. a regulari-
dade dos fenomenos, a hlstorlo coloca-se como dlsclpllna
ideograflca, que pesqulsa a particular, 0sIngular. aquilo que
nao se reproduz, deixando as cle-ncias ncmotenccs a tarefa
de descobrir as leisda natureza. Essaconcepc;oo de hlstorlo
fez progredir a pesquisa ao conferir atenc;ao partIcular 0
critfea das fontes, 0classifica<;ao das mesmas, desenvolvendo
asslm a erudlc;ao. Este progresso do erudlC;oo no escola hls-
toriograflca francese apolou-se bastante, no seculo XIX, no
aparefho do estado. Hamulto tempo que 0hlstorlador estava
a servlco do poder real. ao qual conferia uma Imagem IIson-
jeira. No seculo XIX.0eslado facil lta as pesqulsas ao flnan-
clor numerosas Instltul<;oeshistoricas.Assim,aumenta 0numero
de hlstorladores remunerados, funcloncrlos do eslado. "0 pro-
prlo estado torna-se hlstorladorUS 6 , Gulzot crlou a Comlte dos
Trabalhos Hlst6ricos, a Comissao dos Monumentos Hlst6ricos;
funda, em 1846, a Escota Francesa de Atenas etc. A pes-
quisa hlstorlcc organlza-se e racionallza-se. E uma revoluC;ao
metodol6glca Incontest6vel que se reallza no Interior do estado
no qual ela permanece enfeudada: "Como noo havla de
ser,desde logo, a dlscurso dos hlstorladores umdiscurso sobre
o estado?'>07A Europa era atravessada, entao, pela idela
58. GUllOT, Hht0ir9 de/a clvll/satlon en Europe. 7° I"co. 1828.
59. GUllOT. 1847.;Itado par G. MAIRET.Le DSCOUfS et /'h/:;Iorique, Rape,...$. 1974, p. 29,
60. G. MONOD. Revue hI.torlqr.Je,n"1. 1'970.
61. Ibid .•P. 36.
:16. en. O. CARBONELL. L'HI.foriograph/e. QSJ, PUF, p. 94.
:l7./bld .. p. 9:1.
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 18/28
38 A HIST6R1A EM MIGALHAS'CUO REVISITADA
39
submeter as fontes 00 aparelho cril lco, para eslabelecer a
veracldade dos fatos relatados, e 00 mesmo lempo perma-
necer bem fechado a toda leorlo filos6flco. Mas, de fato,
esseshlstorlodores se oferecem 00poder republlcano potrlo-
ttco. no qual consolldom as bases diante do contestccoo
monarquislo que tem, no dominlo do hlstorlc. urn orgoo de
expressoo com a Revue des questions hlstorlques, composla
de ullra-reolistas, legltlmlstas, como 0marques de Beaucourt.o conde H. de l'Eplnols ou a conde Hyacinthe de Charen-
cey. A Revue h/storlque, 00contrcrlo, engoJo-se a favor do
republica moderoda e anticlerical, agrupando ummelo lalco,
republlcano, homogemeo nos asplra<;6es politicos e
clentiflcas62• Proximo do poder, a escola rnetcdlco domina 0
mundo dos historladores e para olern dele. Conlrlbui aliva-
mente para a obra dldotlca de Jules Ferry, para a reforma
do enslno superIor; seusmembros ocupam as cadeiras unl-
versltorlos, dlrigem as grandes cole<;6es de hlstorlo (Hlstolre
de France: Ernestlavisse; Histoire generale: A. Rambaut; Peu-
pres et clvflfsotlons: Halphen e Sagnac) e modelam a hlstorlaenslnada desde 0curso prlmarlo. 0 "Petit lavlsse·, publlcado
em 1884, no ano segulnte esto no 75g edi<;aol Todos esses
hlstoriadores tem 0mesmo obletlvo que 0poder de estodo:
reunlr os franceses em torno da potrlc. que se tornou a base
do consenso naclonal. porladora do eslobilidade e da eti-
coclo diante dosolernces. Tale 0sentido que Gabriel Monadatrlbui a hlstorlo ao loncor a Revue hlstorlque: ·05 acontecl-mentas que mutUarama unldade nacional, lentomente crlada
otroves dos seoulos. nos obrlgam a despertar na alma do
nac;ao a consclenclo de si propria otroves da consclenclo
profunda de sua hlstoria"63.Sob a gr~:mde qlfOn!ldade de
arqulvos do hlsloriador, a bandelra tricolor. A historia do flm
do seoulo XIX e do Inicio do seculo XX serve, em primelro
lugar, para tazer a guerra. No entonlo, se a hlstorio oparece
como instrumento do poder e concentra a otencoo nosfeno*
menos politlco-mllitares, Gabriel Monod osplro 00olorgomento
do compo do hlstorlador: "Estamos hobltuodos demals, em
hlstorlo, a nos dedicarmos asmonltestocoes brllhantes, retum-
bantes e etemeros do otividade humono, grondes ocontecl-
mentos ou grandes homens, emvezde Inslstlrmosnosgrandes
e lentos movlmentos dos tnsrttutcoes. das condlcoes econe-
micas e soclols"64.Essaspalovras porecem anteclpar a futuro
eplstemologlca dos Anno/es. Mas as Inten<;oes deruptura I
I IMonad permaneceram, neste nivet, letra morta, socr -Gobr e I . .. tflcadas no altar do potrlc. Afe 1926,ouseJa,duran e cmquen a
o orlenta"-co da revistopermaneceu fundomentalmenteonOS, 'S , I ttrodicionallsto, lugar de passagem obrlgotor? para 0 es 0-
bllshment. Ela consagro a elite do corPc:'roc;oo. Apesar das
proclama<;oes a favor do trabalho colerivo. apesar do vo~-
tade renovadora do obertura do Jeque de pesqulsas hlsto-
rlcas,aRevue hlstorique permanece fechada tanto a influ€mciae aos numerosos questionamentos do Annee soc/o/og/que e
do Revue de synthase hfstorlque de Henri Be~rquanto da
ge09raflo vldallana. A fasc1na<;ao pela descrl<;ao factual do
politico fol mois forte, como demonstra a pesqulsa sobre 0
Revue hlstorlque reallzoda par Alain CorblnM,. Pareca que a
Revue historlque nao evolulu senslvelmente ate 1926,pols con-
servou uma abordagem Iradiclonal da htstorlo. Entre 192.1e
1926, dois tercos dos artlgos sao consoqrcrdos ao dorninlo
biograflco, politico au militar. "0 franco-centnsmo da Revue
historlque e evldente, J a que em media 5~,14% dos ortlgo,stratam do historia do Franc;a'066.Quanta a economla e a
sociedade, elas apenas desempenham papellrrlsorlo na revlsto
e 0 periodo prlvlleglado e deliberadamente desvlncu~ado
da socledade contemporeneo e concentrado no penodo
dito moderno (seculos XVI-XVIII):-Gostarla ate mesmo que se
parasse a nossa nlstorlo Interna em 1875,no estabeleclmento
da constttutcco republicana; que se delxasse de fora dos
IIceus as vergonhas do Panama e do boulangismo"67• C :erto
que a Revue hlstorlque conhecera profunda renovac;ao a
partir dos anos 30, sobretudo com a substllui<;ao de Christian
Pfister e 0acesso a dlre<;ao da revlsta, em 1932, de Charles-Andre Julien e de Maurice Crouzef'B. Mas ate entco, ela
representa de maneira caricatural 0 culto dos ldolos que
Franc;olsSimland questlona.A escola metodlca define tornbem seus metodos, suas
ornblcoes com a Introduyoo oos estudos hlst6rlcos, rediglda
por Charles langlois e Charles Selgnobos, em 1898, para os
estudantes de hlstorlo, Essegula e, de quolquer modo, 0
65. A. CORBiN,p..sQUioar<KllilOde!PO'ocersioo do c..nl"no.io de!RQvue hlstorique. 1976.
•Lundis de I·hlslo....••France culture. 21 de dezembro d.. 1976, " A. COURSIN.Au ben>eou
d....Anno/Qs. oo. cit.•pp. l(15-107.
66. Ibid.. p. 119.
67. G. MONOD. Revue hlstorique. 1~, p. 309.. . 0000 e de Is .eito.6S. C. PFISTER1657-1933). m"dleverlisler " Mpeclerl,sto do Lorena. ~
derUnlve,sidcrde de Esl,ersburgo. 1919-1931. Ch, A. JULIEN(nerSCido..m 1691), h,sloriado,
$Ociallsla. Porliclpou do Congresso de Tours (l920). DeCo do ferculdode de Lelro. ~
Robot. H/stoire de ,'Afllqu" du Nord (1931) Histoire de I'Algtme (1964). M, CROUZEI.
inspetor-gerol do EducO(j'oO Nacionerl.
62. Enconlrerm-se na comit" de reder«ao do Revue J-htollque em 11:176:V, Duruy. Renon.
TOine. Bouter.le. Fuslel de Coulonges. G. Monad. lervisse. Gu"oud. BQmond, Ramboul.
63. G. MONOD. Revue hWorlque, ng1. p. 36.
64. G. MONOD. Revue hlsIottque, ]-8/1696. p. 32:1.
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 19/28
4D A HIST6RIA EM MIGALHASCLIO REV/SITADA 41
texto-manlfesto do escola rnetcdlco. A historla apresenta-se
sobretudo como Instru9ao civlca: "Os aconteclmentos sao
bans Instrumentos do educa900 civlca, Instrumentos mals
eflcazes do que a estudo das Institui90es''69,Unldos no 0900,
osdols hIstorladores qulseram submeter asexlgenc las do cien-
cia a do pedagogla civlca. Os dols autores deflniam quatro
etapos do pesqulsa hlstcrlco. Emprlmeiro lugar, 0 hlstorlodor
deve reunlr os documentos e ciossifica-Ios. No segundo
momento, procede a critlca Interna dos mesmos. Depols, por
dedu900, analogla, esforco-se para encadear asfotos, para
preencher as lacunas, enfim organlza os fatos em uma cons-
tru900 loglca. Essepercurso restringe as ambl90es do histo-
rlador ao dominlo do vlsivel. do dado; torna-o escravo do
_ljocumento escrlto: -A hlstorla nada mais e do que 0 traba-
Iho dos documentosM7o.Osdols autores desse manual Inslstem
no prlorldade a ser dada 00 fen6meno singular, individual:
"No sentido real, todo fato e unlco"". 0 hlstoriador nco deve
procurar a causalldade dos fenomenos que descreve: "Toda
a hlstorla dos acontecimentos e 0 encadeamento evidentee incontest6vel de acldentes"n. a acaso nao admlte a neces-
sldade, 0 contlngente nco possui leis. E osslrnque a morte de
Henrlque II se deve ao golpe de ian9a de Montgomery. 0
que tornou possivei a osoensoo dosGuisese assimpor diante ...
Nessa forma de codlfica900 do trabalho hlstorlcc, 0 terrttcrlo
do historlador limlta-se a trama factual politlca e militar sem
rela9ao de causalldade. Assim, para Charles Selgnobos as
revotucoes do seoutc XIXsao apenas acldentes. Carlos X foi
imprudente e asslm0 toram os "cloroes de julho". luis Fillpe fol
telmoso, um tiro dlsparou, ao acaso, no boulevard des Capu-
cines, e a monarquia calu. A crise mundlal de 1914, no pers-pectiva de Charles Seignobos, reduz-se ao cllmo conjuntural
do epoca. 0que 0 obrlga a "reconhecer ate que ponto os
fenomenos superficlals da crise politico domlnam os fen6me-
nos profundos da vida economica, Intelectual e soclal"7.3.
Uma das grandes flguras desta escola hlstorlcizante. autor
do brevlcrlo de vcrlos gera90es de alunos, e Ernest lavisse.Elee 0ortescc do unldo sagrada de todos os franceses para
recuperar a Alsoclo-Loreno. Emprimeiro lugar, desejou reall-
zar esso unloo em torno da Ideia imperial, sob Napoleoo III.
o mlnlstro do lnstrucoo Publica, Victor Duruy, a escolhe para
chefe de gablnete. Ele ascende ate 0 topo do estado 00
tornar-se 0preceptor do principe Imperial. Sua IIga900 com
o regime republlcano sera, de fato, tardio. Espera durante
multo tempo a restaurac;:oo bonopartlsta. Noo defendera 0
regime republlcano quando do crise boulanglsta e permo-
necero no expectatlva no momenta 'do coso Dreyfus. Suas
cartos 00 principe Imperial entre 1870 e 1877testemunhom
suas retlcemclas diante do Republica renascente: "0 radlca-lismo e uma velha mascara por tr6s do qual so ha polxoes
baixas. A centro-esquerda noo tem sexo. 0que fazer com
tudo Isto? /.../ E somente em torno de vos que se pode fazer
o congra90mento"74. Seudiscurso muda de dire900, por for90
das ctrcunstonclcs, ao levar em consldera9ao a solidez das
instltui90es republlcanas. Ernest lavlsse torno-se, entoo, 0ser-
vidor da III Republica que ele, no entanto, execrou, mas 0
que Ihe interessa sobretudo e a revanche que todos os fran-
ceses unldos devem assumlr dlante dos olernces. Seumanual
de hlstoria exalta as etapas magniflcas da construcoo do
estado naclonol, no qual coda momento e encarnado porum homern-herol, verdadelro semldeus: "Estemanual de hls-
t6rla tem 0aspecto de uma galeria de quadros"n., A hist6ria,
segundo Ernest lavissse, e um apelo. um ontegozo do mobl-
IIza9ao geral, 0soldado de Verdun se sentire digno herdelro
do combate de Verclngetorlx. A hlstoria deve fortlficar um
estado de espirito guenelro, resgotar alguns simples trocos
constitutlvos do superego nacional: "Se0 aluno noo carregar
conslgo a lernbronco viva de nossasglorlas nacionais, se nao
souber que seusancestrais combateram em mil campos de
batalha por causas nobres; se noo aprender que custou san-
gue e estorcos fozer a unldade de nossa potrlo e em seguida
resgatar do coos de nossas lnstlrulcoes enveihecida~s, as leis
que nos fizeram IIvres;se ele noo se tornar 0 cidadao com-
penetrado de seus deveres eo soldado que ama seu fuzU,0
professor primoriO tera perdido seu tempo"76.
o outro grande ortesco do consenso naelonal do epocc.
Fustel de Coulanges, fol tornbern morcado pela denota de
1870, que quase termlnou sua carreira resplandecente durante
a Imperio, /0 que Victor Duruy 0encarregara de um curso de
hist6rla no Ecole Normale e 0convidara a pronunciar confe-
renctos diante do imperatrlz Eugenia. 0desastre de Sedan
levou Fustel a dlssoclar a hlst6rla da Fran9a das orlgens ger-
69. Ch. SEIGNOBOS dian Ie ""1:;10ociete Frono;aisede Philosoph;", 1908, cllado par A.
GERARD. Au berceau dell Annal ..$. op. cit ••PP. 84-8:";.
70. Ch. LANGLOIS e Ch. SEIGNOBOS.lnfroducflon au>: etudes hlstorlque s, 1898. p. 275.
71.Ibid ..p. 204.
72. Ibid ..p. 253.
7.3. Ch. SEiGNOBOS, HlsfolrG poIIllque de I'Europ.. ccnl"mpora/ne, 1924.
74. E. LAVISSE.carlo 00 princip .. mperiol, 18de lev..reiro de lan, citodo par P.NORA
no Revuehhtorfque, 6/1962, p. 79.
75. G. BOUROt H.MARTIN, Le. tco/et; hhtorlques. I.e Saull, 198.3,pp. 158·159.
76. E. LAVISSE.pre/aclo do ultima edlo;oo de .au manual. 1912.
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 20/28
42 A HISTORIA EM M/GALHAS GUO REVISITADA 43
manlcas e a deslocar asraizespara 0mundo romano. Aflrma,
entao, 0 valor clentiflco do dlscurso hlstoriografico quando
este corresponde aos canones de funclonamento do escoia
met6dica. A hlst6rla "noo e arte, ela e ciancio puro"77,mas
umo ciancio a reboque dos documentos que pretende ell-
minor toda forma de subjetlvlsmo: "0 melhor dos hlstorla-
dores e aquele que se rnontern mals pr6xlmo dos textos, que
os Interpreta com a malor preclsoo. que nao escreve e nemmesrno pensa a noo ser a partir deles"7B.Por tros desse blombo
de clentlficldade, ho uma obro - como a de Ernest Lavlsse-
que tem por objeto unlr a comunldade naclonai contra a
populaC;ao alema, 0nlmlgo heredttorlo. Apresentou-se 0povo
germanlco como povo Invasor.Parareslstlr,osfrancesesdevem
superar suas querelas e devem permanecer fiels a heronC;acomum tanto do obra do Antigo Regime quanto do obra do
Revoluc;oo. as franceses soo chamados por Fustel a respeltar
o passado pre-revoluclonorlo. as tradic;6es, a fim de consoli-
dar a torco naclonal. a flm de superar as dlvis6es internas: "0
verdadelro patrlotlsmo nao e 0amor a terra natal. e0amor00 passado, 0respelto as gerac;6es que nos precederam"79,
A partir dessa reconclliac;oo nadonal, a hlst6ria pode, entoo,
desempenhor um popel eflcaz e guardar "as fronteiras de
nossa consclenclc nacional e as cercanlas de nosso
patrlotJsmoooBO,essamomento. embora a hlst6ria diflcllmenta
se dlssocie do poder do estado. ela se identlflca tornbern
com a Idela de no<;oo,
a hlstorlclsmo frances allmenta-se. em grande parte. no
escola hlstorloqroflccr olerno. nos teses de leopold von Ranke
do metade do secuto XIX. Elas Influenclaram bastonte os
hlstoriadores franceses, que delas extrairam os bases te6rl-
cas. Encontra-se em Ranke a maior parte dos pressupostos
de langlois, lavisse, Seignobos, Fustel:a recusa de toda relle-
XQO teorlco, a reduc;ao do popel da hlst6rla a coleta de
fotos, a afirmaC;ao do passividade do hlstoriodor diante do
material com que trabolha, A escola hlstorlclsta francesa
pareca ter captado bem a doutrlna clentlflclsta de Ranke
para obter a aflcacla olema, manifesto nodesastre do Fran<;o
em 1870,
o D UO D E E STR AS BU RG O
& . guerra se dlstanclando, a escola rnetodtco de Ernest
t ;=:J . lavlsse confrontou-se com a contestccoo que provl-
nho de vcrtos horlzontes, De um lado, asdurkhelmlanos, com
a revista L'Annee sociologlque , de outro lado tornbern os
ge6grafos vldallanos que tenclonovam ultrapassar a noc;oo
contlngente de addente e estudar a relac;oo do homem
com 0rnelo. Alern dlsso, temos tornbern 0progresso do abor-
dagem soclallsta do hlst6rla que valorlza os conflitos socials,
as flutuac;6es econornloos, para neles perceber os efeitos
politicos com a Hlstolre socialiste de 10 revolution franyalse
(1901-1908), dirlglda por Jean .Joures, A hlst6ria economlca
penetra no templo unlversltorlo da Sorbonne com a codeira
de hlstorlo eccncmlco de Henri Hauser,e com a tese de Paul
Man toux: LaRevolution fndustrfel/e au slec/e XVJ/I(1906).,. Todos
essesfen6menos Joevocam a amostra de um deslocamento
dos lugores de observcrcoo dos hlstorladores. Ja sao Igual-mente os slnals j::>recursoresdo ruptura de 1929. No entanto.
vinte e nove anos antes do cnocco dosAnnales. outra revlsta
pretende oferecer uma resposta aos Inovodores e agrupa-os
em lorna de sl, a partir do critlca radical do hlst6ria historic1-
zante. Trata-se da Revue de synthese hlstorlque. lanc;oda por
Henri Berr,em 1900, No sentldo amplo, a hist6rla dos Anna/es
corneco oqul. a partir do aurora do seculo XX81.Henri Berr
que, paradoxalmente. noo tem rorrnocco hlstcrlco mas. sim,
llterorlo e filos6flca. professor de IIteratura no Henri IV. defende
t filosc f' 62m 1898 uma tese de doutorado de no ureza 10SO reo .
Essefranco-otirador, orlundo de outras areas, esta mals avontode para se poslcionor a margem dos normas institucio-
nals e corporativas, para reclamar que as barreiros colam e
que se realize uma sintese entre todos os estorcos clenlificos.
Considera a hlst6rla como a clenclo das clenclos cuja essen-
cia e de natureza psicol6gica. A hlst6ria e, no sua perspec-
.tlva, 0 pr6prlo Instrumento do sintese - que defende - mas
uma hlst6rlo novo. tal como a concebiam osdurkhelmlanos,
A Revue de synthese hlstorique combate 0 fetichlsmo do
toto e 0 reduclonismo do escola rnetcdlco. Henri Berrpreco-
niza a hlst6rla-sintese, a hlst6rla global que levarla em consl-
dera900 todas as dlmens6es do realidade. dos aspectos
77. FUSTELDECOUlANGES, La Monarchle fTonQu., 1888, PP. 32-33,
78. Ibid,
79. FUSTELDECOULANGES. Que.liom hlstorlqu&" 1893, PP. 3·16.
80. Ibid,
81, G&org G, IGGERS.N&w dlreclicns In europe on historiography, Wesleyan Univemy
Press. 197~,, ~1.82. H. 8ERR. L'Avenlr de 10 pNlo.cph/Q: e.qul.ue d'une .ynlh..... de /0 connaissance
hIolorlqu... 1899,
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 21/28
44A HIST6R1A EM MIGALHAS
ec onemtccs AS mentalldades, em uma perspectlva clentl-
fIca. Nesse coso, retoma as ambh;:6es durkhelmlanas de
pesquisa das leise das causalldades. E asslmque a Revue de
synthase h/storlque sera eXperlmentada pelos hlstorladores
como "0 cavalo de Troia dos soclologos'1II3.No entanto, Henri
Berr sapara-se dos durkheimlanos a propcslto do prlvlleglo
e,xcesslvo dado aos fatos socials. E 0que exprlme em A
Smtese em Hlstorla, ensalo critlco e teorlco loncodo em 1911'-Quando eles querem [os durkhelmlanos] Introduzlr todos os
fenomenos da hlst6rla num mesmo quadro, tudo Interpretar
a partir do mesmo vies, eles nao fazem mals clemcia, eles
tendem a constltulr uma nova fllosofla do hlst6ria' l{I4.Henri
~err recusa toda forma de dogma. de quadro te6rlco multo
flgldo, e suo revlsla torno-se, ate a Prlmelra Guerra Mundlal,
o ~nstrumento do deba te multo ecumenlco entre todas as
cienclas humanas. Poroutro lado, quer renovar 0elo desfelto
pelo escola met6dico entre 0presente e os estudos hlst6rl.
cos, pols as preocupac;6es contemporaneas devem orientar
o~trabalhos de pesqulsa. Todos estas orlenta<;6es anunclam
dJretamente 0discurso dos Anno/es. Por outre lado, lucien
Febvre. oinda jovem normallsta. colabora multo cedo na
revlsto, desde 1905. data do primeiro artigo. e torna-se rapl-
da~ente membro da reda<;ao, encarregado da parle "As
regloes da Franc;a". Essa experlencto tara dele 0herdeiro
lncontestcvel de Henri Berr. Encontram-se, nos dols homens
o mesmo ativlsmo clentiflco, a busca de apoios politicos e o
g<_?stonclclopedlco. Em 1914, Henri Berr anuncia sua inten-
coo de lanc;ar uma hlst6rla cientifica e unIversal; crla em
1925 0Centro Internacional de Sintese. Seu herdeiro. lucien
Febvre, dlrlgira mais tarde uma Enciciopedia Francesa pro-
posta por De Monzle. Encontram-se nos dols homens 0prozer
~o combate, do debate polemico, a lrnportoncjo atribuida
asrese~has,a historla-problema, a area pslcol6gico, amesma
amblc;ao de sinlese e, por tim. a pesqulsa do hlst6ria total do
pensamento Infro-raclonai preconizado como demonstrac;ao
de poder dlante do marxismo. Marc Bloch estreto no Revue
de synthase historique. em 1912. com 0longo orllgo sobre a
lIe-de~Fra~ce: "A crlco do lavern historJador Bloch, sua termi-
noloqlo propria, eramnotavelmente slmllaresasde Henri Berr"8~.
o paraleio com Marc Bloch e tcrnbem notovel ate nos maus
resultados e frocassas comuns em relac;ao as sucessJvascan-
CLIO REVISITADA 45
dldaturas de ambos 00College de France. Henri Berr apre-
senta-se. de fato. a prlmelra vez em 1905 e0elello e Gabriel
Monod. Apresenta-se novamente em 1912, defendendo um
enslno centrado no rnetodo em hlst6rla e fracassa mals uma
vez: os guardlaes do templo banam 0camlnho desse agita-
dor transdlsclpllnar.
Par que, entao. 0 lonccmento dos Anna/es em 1929. seuma revlsta slmltor 1 6 exlstla? Issose deve essencialmente a
certas lnsutlclenclos na obra de transformac;ao de Henri Berr,
do qual lucien Febvre e Marc Bloch aprenderoo as 1I<;6es.
Em prlmelro lugar, Henri Berr noo quls constltuir uma escola
ao seu redor,00contra riodos socloloqos agrupados em torno
de Durkhelm. Esserecusa conflnava seu discurso na perlferla,
a partir do momenta em que noo era sustentado par uma
estrategla de conqulsta de espac;os e de ocupocoo das
cotedrcs unlverslt6rlas. A revolucoo das ldelos estava felta.
mas faltava a essenclal. 0apola institucional para sua dltu-
soo, Par outro lado, a guerra de 1914-1918 provocou emHenri Berr a rea<;ao antlgermanlca e trlunfalista, que 0 fez
andar para tros em relac;ao assuasprlmelras ornblcoes. Fala&6
de "despertor frances-, desejc, entoo. "uma ciencla vlrllM.Pro-
clama a superloridade do nac;oo de Descartes, a vltorlo de
1918 torno-se a vltorlc do espirlto frances87• Este refluxo na
vontade de renovccoo torna possivel a obra dos Anno/es. a
partir do pes-guerra. Ee a partir desse momenta que 0pro-
jeto fol concebldo par lucien Febvre.Nada. no entanto. predes-
tlnava a hlst6ria a popel de federallsta das clencias socials.
Bern00contrcnlc, a renovac;ao mais porecla provlr do parte
dos socloloqos: -Aorlglnalidade do movlmento, do qual Marc
Bloch e lucien Febvre sao os Inlcladores, resulta mals da
manelra de afirmar seu programa do que do programa em
sl"l3.De fato, a ambi9aO de realizar uma sintese plurldiscipll-
nar e. desde entoo, relvlndlcado 00mesmo tempo pela esc010
durkheimlana, pela escola geografica e pela Revue de
svntnese hfstor/que. lucien Febvre e Marc Bloch voo retomar.
por sua canto. a estrategio ofensIva dos durkhelmianos. que
estavam enfraquecidos pelo desaporeclmento de seu rnes-
tre, mas procurando evltar 0dogmatlsmo responsovel pelo
denota deles. Vao acrescentar a essaestrategla de conqulsta
o ecumenlsmo de Henri Berr.para ganhar para slos diversos
componentes das cienclas socials e agrupa-Ios por trcs da
5S. M. SIEGEl. Au berc ..ou d... Annal.... op. 0/1., P. 206.
8h~·6H:BE~R, La Synlhe.e ..n hI.tolra, 1911, p, 43. (Edi<;:co..m po,'ugu"s: A Sinlase emoslfla, SOoPaulo. RGnaocen.. a, 1946. pp. 24-46.)
85. M. SIEGEl, Au berc ..au des Annal .... ot».0/1., p. 206.
86. H . BERR. Prar6clo da ,aedk<&o da ,evlsla. 1919.
87. H. BERR. La Germanlsma cootre. /'asprit fron"aI .. 1919.
8B. A. BURGUERE.'Hisloire d'une hlstoi,.. : Ie noissane .. des Annole$', Annolas, 11/1979,
p.1350.
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 22/28
46 A HIST6RIA EM MIGALHAS GUO REVISJTADA 47
bandeiro de uma hlst6rla renovada e federalista, Ao valorlzar
as monografias reglonals, obtlveram exito no cnexocoo dos
ge6grofos, Os dols dlretores dos Anna/es compreenderam
que, para gonhar a partida, urn acordo amlstoso com as
outros clenclos socials nao era suflclente, e para triunfar serlo
necessono reaUzaraAnschluss, Encontramos olndo esseaspec to
fundamental em coda etapa do discursa dos Annales, esta
faculdade de absorver tudo, desde a abertura, a recupera-
c;:ao ate a coptac;:ao. Para nao esmagar os portldorlos e
melhor observe-los, serio necessaria alnda nao Ihes cousar
multo medo, Ao controrlo de Durkhelm, que conduziu um
combote frontal, e logo ocupou posic;:oodomlnante no area
do soclologlo, os Anno/as voo cullivar aquilo que faz parte
de sua lenda, de seu mite fundador. a marginalidade e a
antldogmatlsmo, Lucien Febvre e Marc Bloch voo apresen-
tar-se como an6es confrontados a umgigante, a escala hlslo-
riclsta, e pedir oludc para suplonto-lo. 0projeto dos Annales
e, portanto, lnctlssoclcvel de sua dlmensoo estrateglca: "Todo
proleto cientiflco e insepcrovet de um projeto de poder /...l,Vontade de convencer e vontade de poder estoo unldas
como a luz eo sombra'oB9. necesscrlo alnda que a conlun-
tura seja propicla a tal visoo onexlonlsto. 0momento apre-
senta-se nos anos 3D,quando a economla esta bloqueada
nos faculdades de direlto, a escola durkhelmlana esla dls-
perso e sempre divldlda entre as faculdades de dlreito e de
letras. Quanta 0 escolo geografica, ela parece ofegante: "0
lugar estava vago, asAnno/es 0omaram"90,A vontade hege-
monica dos Anna/es remete-nos ao aspecto ideologico, aos
temas malores desse periodo, 00espirito dos anos 30, pois
"uma hist6rla que pretende ser dominante nao pode If con-
tra a ideologia dornlncnte"?',
Os dols fundadores da hlst6ria dos Anna/es, asslm como
seusherdelros, noo sao, como eles gostam de se apresentar,
marginais, Ambos foram professores no Unlversidade de Estras-
burgo, novamente francesa desde 1920. com a reconquista
do Alsockr, que setornou uma universldade-modelo, Eladeve
mostrar aos olernoes do que soo capazes os pesqulsadores
franceseson. Estrasburgo e, entco, a segundo universidade,
depols de Paris,pela Importancla de seusprofessores. Encon-
tro-se aUuma serle de pesquisadores cientificos de diferentes
discipllnas, que cclobororco mais tarde nos Anna/es: 0ge6-
grato Baullg, os soclotoqos Maurice Halbwachs e Gabriel Le
Bras.0pslcologo Charles Blondel, oshlstorladores Andre Plga-
nlol, Charles-Edmond Perrine Georges Lefebvre e, certamente,
Lucien Febvre e Marc Bloch que ocupam, porlanto, poslc;:oo
estrateglca no selo desse rico centro Intelectual. Ao lado das
discipllnas tradlcionals, cadelras novas. mals modernas sao
crladas. 0espirito novo que sopra em Estrasburgo se asse-
melha aquele do Revue de synthase hJstorlque, a vontadede ultrapassar os Ilmltes e de abertura que perlence a Henri
Berr desde 1921. Osencontros aos s6bados permitem a reu-
nloo de f1l6s010s,socl6logos, historiadores, geogralos, juristas
e mctemotlcos. que Instltuem assim0dialogo regular e Instl-
tucionallzado em torno de tres temas (fl1osofiae orientallsmo;
hlstcrlo das rellgloes; hlst6rla social). Essaunlversldade e um
enclave parlsiense, alias desvinculado das realldades 0150-
c1anas locals. culos membros apenas asplram sucesso na
osoensoo a capllal: K E necessaria a nossa reslgnac;:oo, lere-
mos a gloria de ser a cntecornorc do Sorbonne", concorda
seu deeo, Christian Pfister, em 192593 , Alern disso, a Unlversi-
dade de Estrosburgo dlspoe de uma biblioteca-modelo.lnstru-
mento lncornpcrovet de trabalho, pelo menos em rel0900 as
outras unlversidades de provincia. Beneficia-sa tambern de
flnanclamentos superiores groc;as ao lundo de pesquisas cien-
tiflcas que subvenclona as publicoc;:6es da Faculdade de
Letras de Eslrasburgo. Oulra particularldade estlmulante de
Estrasburgo e a Faculdade de DireIto, que concentra tam-
bern a elite dos jurlstasfranceses, ansiosospor cond uzirestudos
plurldlsclpllnares e comparatlstas e que tem 0titulo original
de Faculdade de Direilo e Clenclas Politicos, 0jurlsta soclo-
logo Gabriel Le Bras permlte contatos frutuosos com os Ilte-
ratos e com a Faculdade de Teologla, ao inlclar pesqulsascomuns sobre dlrelto concnlco e soclologla do rellglao. -Noo
e por acaso que a brllho de genlo dos Anno/es jorrou em
Estrasburgo, antes de tudo abrac;:ar."94Marc Bloch e Luclen
Febvre, apesar de temperamentos diferentes, estavam partl-
culorrnente Ugadosdesde Estrosburgo.Os dols Institutos.0de
HIst6ria Medieval e 0 de Hlstorlc Moderna, eram contiguos e
a porta separando os dais estava sempre aberta. De urn lado,
o erudlto mals 0 vontade no expressdo escrlta do que no
expressco oral: "Bloch, com seu discurso entrecortado, pare-
cia multo frio, dlstonte mesmo, suasaflrmac;oes eram chelas
de reservase de hesltac;oes, as quais desconcertavam alguns
69. Ibid., p. 1353.
90. Ibid.
91. H. COUTAU-6IOGARIE.La Ph<fmomina nOl.Jva"e hlstoIr&. Economca, 1983. p. 126.
92. Faler melhor qua 0Kaiser Wilhelms Unlversol':'l (1672-1918).
93. PFISTER.1925. citodo po. F.G. DREYfUS.Au berceou <1_ AnnaJes. op.cit .•pp. 11-19.
94. M. THOMANN, Au bercoou des Anna- op.cit., pp. 33..36.
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 23/28
48 A HIST6RIA EM MIGALHAS CLIO REV/StrADA 49
poucos novatos ovldos de certezas'095,Do outro lodo. 0peda-
gogo, 0 arader cousttco e talentoso: "Febvre tocava, desde
o primeiro momento, seus ouvlntes par seu temperamento
10goso e por seu talento pedagogic a que nao tlnha medo
de recorrer a procedlmentos quase fisicos"96,Marc Bloch e
lucien Febvre Jatlnham, em 1929, notorledade reconhecida,
elsque partlclpavam do Revue de synthese historique. lucien
Febvre J6havla escrlto dots Ilvrosnot6vels, a tese Philippe /I atfa Franche_-Comte (1911) eo obra sobre Marlin Luther (1928);
era tambem membro do comlte de dlre<;ao da Revue d'
h/stoire moderne et contemporalne. Quanta a Marc Bloch
oito anos mals [overn, filho de umdos melhores espectollstos
de hlstorlo romana, Gustave Bloch, autor de uma tese defen-
dida em 1920, Rois et serfs, 16era autor de um ltvro multo
Inovador e badalado: LesRofsthaumaturges (1924). Seucurso
unlversltorlo estava lange de estar na marginalidade e, alias,
pouco depois do [an<;amento da revista, tomarom sucessl-
vamente a caminho de Paris;a do consagra<;oo para Lucien
Febvre em 1933, data de sua entrada no College de France,o do semtconsccrocco para Marc Bloch, que se tornou em
1936professorde hlstorlo econornlco da Sorbonne sucedendo
a Henri Hauser. Entronlzado nos rnelos politicos, Luclen Febvre
recebero do Mlnlstro do Educa<;ao Naclonal (1932-1934), De
Me~zJe,0prC;Jetode urno Enclclopedla Francesa, no qual
sera 0secretarlo-geral e 0diretor, ou se]o,0mestre dirigente
de 600 colaboradores cientificos e 200 universif6rios. Gra<;as
ao quadro reallzado pelo proprio Lucien Febvre sobre suas
relocoes nos meios intelectuals percebe-se bem as fllJo90es
que tanto ele como os Anna/es em gero! Invocam a seu
favor (ct. quadro pag. 50). Ve-se ai ascirculos mals ou menos
dlstanclados de um centro em que ele se sltua. Tresgrupos
gravltam em torno dele: a Revue de synthese, L'Annee socio-
logique e os Anna/es. Seus colegas da Eco[e Normale, Jules
Sian,Henri Wallon, J.Bloch, Augustin Renaudet e Charles Blon-
del estoo emproxlmJdade imediata, depols encontramos outras
Influencias como a escola geogr6flca de Vidal de La Blache
a IIngOistica de Antoine Meillet e, certamente, Henri Plrenne:
a quem ele apela para diriglr a empresa dos Annates. Lucien
Febvre tJnha0projeto de loncor uma revlsta Inovadora desde
o pos-guerra: "Logo opes a guerra, pouco depols da desmo-
blllza9ao, eu havla concebldo a Jdeia de uma grande revlsta
de hlstorlo econcrnloo Internacional"97.Desde logo manifesta-
se0aspecto essenclalmente eoonomtcc dessa nova hlstorlo.
Comprovo-se Issona carta que Lucien Febvre envla a Armand
Colin, no lnlolo de 1928, na qual propoe como titulo da futuro
revlsto: "A evclucoo econ6mlco; revisfa crltlco de htstorlo
economica e soclol"96.No pro/eta do revlsta, atlrma-se a von-
tode de acobar com os dtvtsoes entre osdisclpllnas, de reallzor
umo clenclo social unlflcada, desto vea, pelo hlstorlo e 0
anselo de responder as tnterpelocoes do presente. A revlstaa ser lon<;oda dave "estobelecer uma rel0900 permanente
entre os grupos de trabalhodores que, com malor frequen-
cia, se 19norom e permanecem fechodos no dorninlo restrlto
de sua especlalldode: historlodores proprlomente ditos, eco-
nomlstos,9e6grafos, soclologos ou pesquisodores preoc upo dos
sobretudo com 0mundo contemporoneo"?". Tenta-se,de certo
modo, transpor 0 modelo de Estrasburgoa uma escala nacio-
nol. Sem duvido Marc Bloch est6 na orIgem da orlenfac;:ao
do revlsta para a estudo social, "soclologlzante" e nao somente
econ6mico como no projeto de Lucien Febvre do pos-querro:
"Somos devedores da palovra social. Destaco (0 estudo do
orgonlzac;:ao do sociedode, das classes etc.) 00 lado do
palavra economlco". escreve Marc Bloch 0 Andre SiegfrledOO.
A revista tol enfim loncodo em 15/01/1929 sob 0titulo de
Anna/es d'h/stoire economtoue et sociale e0cornlte de redo-
0:;:00az propaganda de seu papel de elo de IIga9ao entre
todos as clenclos humanas sob a dlre9ao de dols historlado-
res. Marc Bloch e Lucien Febvre sao os dols dlretores, sendo
membros 0geogrofo Albert Demangeon, que servlu de pre-
close Intermedl6rio junto 00 editor, 0 soclotoqo durkhelmlano
Maurice Holbwachs, 0economlsta Charles Rlst,0 politoloqo
Andre Siegfried, os confrades historladores: Andre Pigon!ol
para a Antiguldade, George Esplnaspara 0periodo medie-
val, Henri Hauser para 0 periodo modemo (secutos XVI ao
XVIII),aos quais e preclso acrescentar 0ernlnenclo parda do
operocoo: 0hlstorlador be[go Henri Plrenne'?'. Esquecemos
A. Col in, 1953,p. 398. (No 8rosil : ' lembra",;as de urno grande hisl6r la: More 810che
Esi,asburgo'in C. G. MOTA (org.). Lucien Febvre: HI.f6ria, SOoPaulo. Alico. 1978.o, 163.)
98, L.FEBVRE.ascunho de urna carla a A. Cctirode 29 de re"erel,o de 1928.Catalog"e
de l'e~POsJtIonsur L. Feb",... 8lbllolhe<we nollona"', 11/1978. p. 39.
99. Ibid.
100. M. BLOCH,corIo °A. SIEGFRIEDde 29 de janalro de 1928, cilad" no ol1igo de P.
lEUllliOT. 'Aux origines de. Annale. d'hlsto/re ,;,conom!que at soclole', 1928,InMelanga.
an I'honneur de F. Braudel, Prl"at, 1972.
101. A. DEMANGEON (1872-1940). ge6gralo "idalia no. p;olessor em Ulle a depcis no
Sorbonne (1911). La D<Iocllnde L 'furope (1920):I.....em 1905: La Picardie at Ie. /"&glons
"olsln...: Arlol,...CambrQsI. Beau"alsI s,
M. HAlBWACHS (1877-1945), soci6logo durkheimiono. professor em Paris0 partir de
1935,Le. Cau~ du suicide (1930);Morph%gle $Oolde (1938):f.q<JIssea'une psychclcgle
de. c/~e. $COolales1939).
Ch, RISl (1874,1955), eoonomista. "ice,d~eto, do Bonque d.. 10 France (1926-1929).
95. Ph. DOLLINGER.Au b9rceau de. Anna/es, op. cit" pp, 65,67.96. Ibid..p, 65.
97.1. FE8VRE.anunclo do lan"amento dosAnnale s,11/1928,em CombofsPOurl'hlsfol,..,
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 24/28
soA HIST6RIA EM MIGALHAS
Q'UADRO DAS RElAC;6ES INTElECTUAISDELUCIEN FEBVRE
Meus autores Meus pals e companheiros
Vidal Maillet
BerresRevue de synth8se
L'an" sociologiqueMauss , Simiand
Coura jod E . R4Je
R . L8 r iche
CamWe Julliand Abbe Bremond
lAvi-Bruhl
Ch. Blandal H . W a i lo n
A Renaudet Jules Bloch
Fonte: Arqulvos 5ro. Febvre, Exposis:oo Bfblloleco Noclonol, 1978.
Hh10te dfn doctrines kollOtnIQ<./e$. dapu& la. physJocr<:tfQ.jusqu a nos fours (1909j'
Hh10te de. doctrl",.,. ffilQtlvtn au ct9dtt et a 10monnale ......._ '1.John ~ ju ..... , '.i. '
]a IPS (1936). ~_,.,.. _.......- uno.
A. SIEGFRIED(1875-1959). urn do. tundodo.es cia 1I001oiogia pOlilioo. prof .. sser do COllege
de 1'I"0no. , Tablaou POIItIqu .. de /a Fronc .. d.. l'oueat(1913); TabJeou d<n p--"-Franoe (l930). ....,~ .. n
A. PIGANIOL (1833·1968), historlador, e.peoJoIWo do Roma antlgQ. profeaaqr do CoIIQge
deFrance (1942·1954), Egolaur laa origin... deRom"(191 7); La Conqu6te roma/ne(1928)'Histoh> d.. Rome(1939). '
G. ESPINAS(1869-1948), hlsto.lado. medl ..volislo, aapeolaislo ..m hlst6r1o u.bano Lou
origines au oap/ta/lame (I 933-1949), La Vie urbolna a Daual ov Moyen Ag..(1913) ,H. HAUSER: V... nota 3. •
H. PIRENNE {I862-193l)). hislo,lado. b"'go, p.of .... or em Gcnd Hh.tolre de 10 8-'gl{l8~1~. '-q~
CUO REV/SITADA 51
urn pOUCO0papel e a importancla desse ultimo, Oesde °flm da
prlmeira guerra, nomomenta em que Lucien Febvre tern a deselo
de \an~ar uma grande revlsta de hstono econ6mlca Intemaclo-
nol. tam tornbern a Inte~ao de dar a dlre~ao da mesma a
HenriPlrenne, "cuja autorldade mostrava-se Incomparavef'l02, Muito
tempO antes, Henri Plrenne j6 crlticava a escola hlstoriclzante e
suos Insuficlenclas. Oesde 1898 defende, contra Charles Langlois
e Charles Selgnobos. 0ccroter mutavel da clenclo hlstorlca, trlou-
taria da epoca e do espirlto do momento. Apes mais de dols
onoS de prisCo na Alemanha, durante os quais escreve a Hlstoire
de fa Belgique, conhece grande notorledade. Encontra, entao,
Marc Bloch e Lucien Febvre no dla 1Qde maio de 1920: "A recuse
do especlal1za~ao, a orlglnaldade de suasvis6esemhstcrlo eco-
nornico e social. a Inslst€mclaem defender a necessldade de
uma historic comparada Impressionaram seus [ovens colegas de
Estrasburgo"l03,0 dlalogo e a coloborocoo jamais se alterarao
entre os tres. tanto nos congresses Internaclonals. quanto no seio
da revista dos Annafes. e na Universldade de Gand. A morte de
Henri Pirenne fol a ocosklo do reconhecimento da divlda diantedesse padrlnho por tros dos bastldores: "Ele foi para nos, multo
mals do que um conseheiro e um apoio, a divindade tutelar que
nos dava, nos heros di(lCels.a torco e a oudoclo de perseverar
e que nos devolvla, nas haras de hesita~ao, a fe"l04.
A ruptura entre 0discurso hlstoriclsta eo dlscurso dos Anna/es
e imedlata e pode ser constatada no confronto da natureza dos
artlgos da revista dos Annates com os da Revue hlstorlque. Fa10
que fez0historlador holondes Jeon-Louls Oosterhoffl05.Seuestudo
quantltatlvo da dlstribu~ao des artigos nas duos revistasdurante
a primelro periodo: 1929-1945 (ver quadros), ados Anna/es de
Lucien Febvre e Marc Bloch, demonstra a queda espetocular da
hlstorlo politico, que noo represento mais do que 2,8%dos artigos
nesse perlodo. enquanto que. ao mesmo tempo, constltui 49.9%
dos artigos da Revue historlque. A orlentocoo econOmica dos
Anna/es e confirmada: os artlgos que tratom desse setor repre-
sentam 57,5% do total contra 17,5% para a Revue historique.
Quanfo a hstorlc cultural, seu peso e alnda modesto, Ja que e
inferior 00da Revue hlsforlque: 10,4%nos Anna/es contra 16,9%
noRevue hlstorique.Ostemos dosAnna/es conqulstam essarevista,
no entanto, situada nos antipodas de seuspostuiados teoricos. As
102. L. FE8VRE,Cornbola pcur. .. op. elf.. p. 398. rlerrbranc;:as cia ume>grande hio!Orio:More Bloch . . Estrosbu<go', op. olf. p. 163.)
103. R. DEMOUlN. Au be-o&au dell ~ op. elf., p. 274.
104. L. FESVRE,H.PIRENNE:1662·1935". Annala. d~ econorrlq.Ja &t K>CIde, 1=.t. vt p.529.
105. J. t, OOSTERHOFF,porte subslonorai do offigo de H. L. WESSEUNG."lhe Anncies
ochool ond 1he wntng of oon!efr4X>rarv hi:ltor(, Revif;,w, l hvamo--pr'movera, 1978.
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 25/28
52A HIST6R1A EM M1GAUlAS
rubricas tradlclonals que flzerom0sucesso da Revue hlstorlque
decllnam lentamente em beneficlo de uma hlstoriamals aberta
a economla e a socledade. A hlstorlablograflca declina Inexora.
velmente. Menos espetacular, a hlstorla politico conhece um
processode erosaopermonecendo apenas nostitulosdesrUbricas.
FIGURA 1 - P OR C EN TA GE NS D O N O ME RO D E p AG IN AS D O S A RT IG O S,
C O N SA GRA DO S A D IF ER E NT E SP E Rf oD O S .NOS ANNAIES, NA RH E NA RHMC (1929-1976)
PER f oDOS
17,1
HIST6RIA4,9 5,9 5.6 5.6
00.2 12.6ANTIGA
• "II ICJ Onh22.5
la.B 19.9
'D A DE M E D lA
0"'. 1a1
D i l n P lA n
DO ]28,2
r n[]lljNTIGO
REGIME
15,8
REVOLUiYAo 2,8 1,5 10 3,4 4,B 6,7 26 3.8 e::£]IMP~RlO ~r-, , CJ c:-JD60
47,4
SkUlOS n f T I nIX E xx
21,7 177
HIST6RIA
f Il_jt51~ 0,1 ~ 1,1MEDIATA
1,2 0.0 0.0
2,9 5,7 4,4 5.1 "7 7,12.0 2,2IVERSOS ' 08 1,90lU 10 I I' I I r-'D
21,3n 15,1 10,3SE M 10,6 107~
2,6 IJ4,4 2,0LASS IF ICAJ ;AO
DO0.3 1.1CJc,
1 2 3"
1 2 3 4 3 4ANNALES RH RHMC
192945:1 1946-56:2 1957-69: J 1969-76:4
CUD REVISITADA53
f lG U RA 2 - P OR C EN TA GE NS D O N O ME RO D E A RT IG O S C O NS AG RA DO SA P E Rl oD O S D IF ER E NT E SNO S ANNALES.
NA RH.E NA RHMC (1929-1976)
AREAS
B IOGRAFIA
HI s r6RIAPOl irlCA
HIST6RIA
ECONQM ICA
HIST6RtA
SOCIAL
HIST6RIA
CULTURAL
TEORIA
OUTRAS
CI~NCIAS
SE M
CLASS IF ICAJ ;AO
1929-45:1
0.0 0,7 0.4 0,1
2.8 5,4 4,1 2,1
r=--JD=Jc=J
57,8r--
40,4 39.0r--- r--
25,1~
D o D D32,8
8,4 402,6 4,2n'~CJ_D
4.9 8.1 8.3
0, 2 nOD0.0 0,0 0.0 0.0
1 2 3 4
ANNA tES
1946-56: 2
n o O OlB,1
44 8,8 6,2 DC=-,On
lB,9 18,2 14,4 18.0
nOoD9,8 6,2 8.4
1,2 DoD
0,4 1,8 0,8 0,4r - - : = a '==='
1,1 0.7 0,4 0. 0
1 2 3 4
RH
1951-69:3 1969·16: 4
15,214,3
DO18,8
D O
0,0 0, 0
0.0 0,3
3 4
RHMC
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 26/28
54 A HISTORIA EM MIGALHAS CLIO REVISJTADA55
Por tros dessas nurneros, registra-se 0sucesso dos Anna/es
dlante da htstorlc-botolhos. 0 historicismo acumulavo, no
entanto, cargos e honras. E no luta contra ele que os Annales
encontram seu impulso. Coda nurnero da revista dos Anna-
les e uma pe~a nova de artllharla para dlsparar sobre a
escola hlstorlclsta. As resenhas, a rubrica "Debates e Comba-
les" sao Igualmente trompollns para travor a polernlco em
uma revista que se da asslm ares de mllilante. Aquilo que
rnontern Juntos soololoqos, ge6grafos, pslcoloqos e hlstorla-
dotes dos Anna/es, aquilo que fundamenta sua unldade, e a
rejel~ao comum do hlstorlclsmo. A conflgura~ao do odverso-
rio reforc;:aa coesoo do grupo. Osataques formulados contra
a hist6rla hlstoriclzonte, a primeira vista, responsablllzam 0
aspecto estrltamente politico de suas onollses. Os Anna/es
vao definir-se, em primeiro lugar, como hostls ao dlscurso e aanalise politicos. Doi temos como resultado 0desmorono-
mento do hlst6rla politlca. as Anna/es prop6em 0alarga-
mento do campo da hlst6rla, e00desertar 0terreno politico,
esta acaba por orlentar 0Interesse dos historiadores paraoutros horizontes: a natureza, a palsagem, a populccoo e a
demografio, as trocas, os costumes ...: "Asslmse constltul a
anlropologla do cultura material e se define 0conceito de
materialidade hist6rica"106.Com esse conceito, agora cen-
tral. temos como resultado 0deslocamento das tontes do
hlstorlador, que nao pode mals secontentar em fazer a exe-
gese dos documenfos escritos orlundos do esfero politlca.
Deve ampliar as fontes e os metod os, os quais devem lnctolr
a estotistlca, a demogrofia, a lingGistlca,a pslcologla, a nurnls-
rnctlco e a crqueotoqlo.i.: "Os textos. evidentemente; mas
noo apenas os textos"'". Nesseaiargamenlo em dlrecoc asoulras clenclos humanas, Ja podemos perceber a ollonco
que Ihesfol proposta contra 0hlstorlclsmo, mas que as trans-
formou em servos do hlstorlo. Emseus trabalhos ou resenhas,
Marc Bloch e lucien Febvre denunciam as tnsutlclenclcs dos
anligos mestresdo escola hlst6rlc0francesa. No obra, A Socie-
dade Feudal, Marc Bloch tem por obletlvo demonstrar que
nco se pode reduzlr essa ultima a uma simples definlc;:ao
politico ou Juridica: "Na sua utilizac;:aootual, 0feudolismo e
sociedade feudal abrangem umconjunto Intrlncado de Ima-
gens em que 0feudo propriamente dllo delxou de flgurar
em primeiro piano"IC6. A hlstortc assim preconizada aban-
dona os campos de batalho, a preporac;:ao dos espirltos
para a guerra e procure. 00contra rio, reconcillar os anlago-
nlsmos e superor a germanofobla do gera~ao precedente:
"A tese do frontelra predestlnada nao se sustento, de foto,
nem no estudo do passado nem no observocco do pre-
sente. A Franc;:o nem sempre demonstrou a tendencia
premente para a conqulsta do rio, asslmcomo a Alemanha,
ja que esta Ignorou a mistlco do Reno, essa crlac;:ao recente
do sentlmento e do espirlto, A Fronc;a, a Beiglco, os Poises
Balxos, a Alemanho, a Sui~a: todos esses paises sao mutua-
mente compreendldos, penetrados e fecundados pelo
Reno"I09.suojocente a rejelc;ao do politico, 1 0 se registra a
opcoo de mlnorar 0actual em beneficlo da longa duraC;ao,
que melhor corresponde 00rltmo de evolucoo do materlall-
dade hlst6rlca. Ao resenhar a tercelra porte do tese de Fernand
Braudel, 0 Medlterroneo eo mundo meattenantoo.na eoocode Fllipe If, em 1950, aquela parte que tem por objeto os
oconteclmentos, a politico e os hornens. lucien Febv~e, e
alias, a autor tornbern, quallflco esse hist6ria "de espuma",de "cristasde ondas que vem anlmar superflcialmente 0forte
movlmento resplratorlo da masso oceonlca"IH1. 0 tom e, rnul-tos vezes, bem polemlco contra 0odverserlo Indlcado: Selg-
nobos, langlois, lavlsse, Fustel ou Halphen tornaram-se os
alvos nos quais se ogu~am a combatlvldade e os argumen-
tosdes Anna/es. Podemos ter uma ldelo dissocom essaresenha
destrutlvo de lucien Febvre sobre a llvro de Charles 5elgno-
bos, Ch, Eisenmann e P. Milioukov sobre a H/stoire de /0Russ/e,
lonc;:ado em 1932: "Abro a Histo/re de 10 Russie:czores grotes-
cos, escapados do Ubu Rei; tragedlas de potcclo: mlnlstros
concussloncrlos: burocrotos toga reias; ucasses e pricasses adlscrtcoo /.../. A hist6ria e a que nao encontro nesta Histolre
de 1 0 Russle, que por lsso nasce morto'"!'. 0 pr6prlo Seigno-
bas, no ana precedente, 1933, havlo sldo crltlcodo no mesma
Revue de synthese por lucien Febvre a respeito do Histofre
sincere de /0 nation (ranga/se ,Muito mais do que um IIvrode
hlstorla, lucien Febvre dlzter em suasrnoos ummanual dldo-
tlco: "Para olern desse llvro, nao e contra umhlstorlador, mas
contra uma determlnada eoncepcco de hist6rlo que eu com-
bato, uma concepcco que eu repudlo com todo meu ser"112,
Estigmatiza a abordagem estallca da hlst6rla que faz do
109. L. FEBVRE. L.. Rhln. probl&me d'r'htolte ..t d'..eonorrJ... A. Colin. 1935, pp. 291-292.
110. t. FEBVRE.Pour una hlstolre 6 part ..ntltlJre(1950), SEVPEN, 1903, pp. 107·179.
111. L. FEBVRE.C. R.Revue d.. synth9s ... VII, 1934, r.... dilodo ..m Combat5 pourl'hlstolre,
pp.10-74.112. l. LEBVRE.R..vu.. de synthrh .., V. 1933...... d~odo ..m Combats poUrl'hWo/re, ot».
cit.. pp. BO-96.
106. B_BARRET-KRIEGEL• Hlstol..... , poillqu ..••Annal ..... 11 de dazembro de 1973.
107. l.FEBVRE. ·L..-;on douv ..rlura aU Cal~ge de France', 13 de d..zembro d.. 1933.
Combats pour I'hI.lolre. op. el l . . p. 13.
108. M. BLOCH. La Soc/ete teodoie. 1941. A. Mch.. 1. 1968. p_13. (Edi90o em porlugues:
A Socl..dade Feuc/o/. 1941, lisboo. EdI<;6... 70. 1962, p. 12.
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 27/28
56 A H/ST6RIA EM M/GALHAS CUO REV/SITADA 57
Franc;:aum dado pronto a consumir, um postulado, uma inva-
riante atemporal preservada dos tormentos da hlstcno. Essa
polemlco com a hlstorlo hlstorielzanle sera uma constante
dos Anno/as. Em 1946, lucien Febvre otoco alnda "a hlstcrlo
diplomallca em si"a respelto do livro de A, Roubaud, La Poix
ormee: 1871-1914: -Esselivro sltua-se, com demaslada exatl-
doo, nos antipodas do que, para nos dos Anna/es, constitul
o bam IIvro de hlstcrlo contemporonea /...I,geografia nada
/ .../. economio nada"113.
Segundo alvo de ataque, osAnna/as criticam 0fetichismo
do toto entre os historladores tradlcionals, a pretensa passIvl-
dade do historlador diante dos aconteclmentos, 0qual apenas
terla por tarefa tronscreve-los. sem oulro objetlvo: "Por oulras
palavras, 0soblc, 0historlador, sao convldados a apagar-se
perante os fatos"114,Marc Bloch e luelen Febvre defendem,
00controrlo, a necessaria lntervencoo ativa do hlstorlador
perante os documentos e os arquivos. Como afirma Gaston
Bachelard, essa e a formula que se encontra em termos
simllares,no dlscursodosAnna/as: "N ada comlnha por simesmo,Nada e dado. Tudo e construido"115.0historlador, segundo
os Anna/es. constrol seu material: os documentos, em series
intellgiveis. que ele Integra em um quadro teorlco prevlo e
adapta a sua pesqulsa. Semesse percurso com torrnulccoo
de probjernctlcos, 0historiador e certamente um fraco, um
datil6grafo, um arquiteto, mas noo um pesquisador clenti-
fico. Ao eitar a formula do fisiologlsta Dastre. lucien Febvre
aflrma: MQuando nao se sabe 0qua sa procure. naG se sabe
o qua sa ancontra"116.0percurso do hislorlador tradicional
caracterizo-se, porion to. pela lmpotenclc. pela "ingenuida-
de" e pela "lndolenclo", essess60 osqualificatlvos que marcam
o tom do polernlco. lucien Febvre insistesoore0popel malor
do hlstorlador, sobre sua subjetividade necessaria: "Dado?
Noo, crlado pelo hlstorlodor"!". "Nao ha passado que engen-
dre 0hlstorlador. Ho 0historlador que faz nascer a hlstorla,"118
Ao eientlficismo objetivista de Ranke ouSelgnobos. Marc Bloch
e lucien Febvre op6em 0reiativlsmo subjetivo da protlco em
que 0hlstorlador escolhe. em tunc;oo das preccupccees pre-
sentes. os tatos a serem Interrogados, os submete a certo
nurnero de hip6teses sem as quais 0conhecimento hlstorlco
e palavra va. 0hlstoriador nao deve tazer tabua rasa de sua
Indlvldualldade para professar a duvlda: deve, ao contra rio,
confrontar suashlp6teses com osdocumentos coletados. Para
quelmar a hlstorlo tradicional, osAnna/es VaGdisparar contra
lodos. A Integrac;:ao na equlpe de soctoloqos. pslcoloqos.ge6grafos nada mols e do que 0 alibi do modernismo para
prossegulr a carreira de uma hlst6rla semelhante a slmesma.
OsAnna/es vao allmentar-se dos conceltos, rnetodos e hlp6-
teses de oulras ci€mclas socials. A empresa eSlrateglca de
Marc Bloch e lucien Febvre passa pela recucerocco de todas
essas IInguagens e c6digos novos, melo indlspensavel para
ganhar a batalha do poder. EstacomeC;a pelo apelo a der-
rubada das tronlelras: salam de vossos compartlmentos, eum pacto de confraternizac;:ao que e proposto asoutras olen-
clas human as: "Osmuros soo tao altos que muito treqOente-
menle Impedem a visao /.../.Econtra essescismas duvldososque qu eremos nos elev ar"119.Realiza-se0 reagrupamen 10con-
tra qualquer coisa. no caso, a velha escola hlstorlcizante.
Para ser bem-sucedlda, a revista emprega as nocoes mais
proplclos para limpar bem a area. evlla culdadosamente
aparecer como 6rgao de dogma novo, pols assimpoderla
ferlr seus aliados: "Uma paiavra 100 vaga como social / . ../
parecla ter side criada para servlr de bandeira a uma revista
que naG pretendia se cercar de muralhas"120.OsAnnales nao
se contentam somente com a alianc;a com outros espeela-
l istas, integram tornbern seus rnetodos e conceltos. lucien
Febvre Insplra-se dlretamente no lingOlstaAntoine Meillet, que
colabora no Annee sociotoqtoue, quando coloca a frente
sua nocco de utensllagem menial que, como a lingua, designa
"teclados de posslbllidodes"!" postos pela socledade a dis-
poslc;:aodo indlviduo. Quando tuclen Febvre lanC;aas bases
da pslcologla hist6rica, utlllzo os trabalhos dos pslcoloqos Henri
Wolion ou Jean Plaget e apresenta. entoo, ao historlador
nova perspectlva: a do estudo da sensibilidade, da vida afe-
tiva na hlstorlo. perspectlva sem ornonhe Imedlato mas que
sera mais tarde relomada com muito sucesso. Marc Bloch
coloca no centro de suas onollses sobre A Socledade feudal
as categorlas soclol6gicas, as quais tornbern coloca a ser-
113.. FEBVRE.Annale .. econo/l'lJQt. soc,..le5, ",Ivlhallom. 1946..... diloc!o ..m Combolt>
pour rhlstoir9. OP. elf" pp. 61-69.114.M.BLOCH.Apologle pour rhlslo/re, ot».cff..p. 117.Edi<;6o ..m porlugues: Infrodu<;60
,:,hlstOrio(1941).isboo. Europo-America. lid .•p. 121.)
115.G.BACHElARD, Lo Formationde re.prlf=/entlflqua. Contribution ,:,unapsychonolvsade/o connafSlionce obJective. Vrin. 1970.. 14.116.. FEBVRE,Combcm pour rhlsto/re, at».cit.• p. 59.
117..FEBVRE.,La<;on d'ouv .."ur.. ouCol~ga de Fronce'. Combats pour /'Ilk toIre. op.
ott., p. 7.
116.L. FEeVRE.pre/6do 001Tran G3SaI. sur hlsfo/re e' oulture. de CH. MORAZ~, Cohlersd_ Anno.<es.A. Colin. 1948.. 6.
119.L FEeVRE.Anno/&Sd'hl.lolre Qconom/que et sco/ale. 1029.
120.M. eLOCH .. L. FEeVRE.'A nos leol .......•. Annales d'h/slolre Qconomlqu .. at soclole.
1929.p. 1-2.121.H. D. MANN. L.F&bvre: 10pensee vlvonte d'un hlslorian. CoNers de. Anndet;. A.
Colin. 1971,. 131.
5/16/2018 François Dosse - História em Migalhas - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/francois-dosse-historia-em-migalhas-55ab5795d11ac 28/28
58 A HISTORIA EM MIGALHASCLIO REVISITADA 59
vlco da hist6ria. Les Ccsrcicteres origlnaux de I'histoire rurole
(1931) de Marc Bloch constitu em a ruptura hIstorlogr 6flca
ctroves da qual se expressa 0 conceito durkheimiano de tato
social, como ferramenta do percurso hlst6rlco. Lucien Febvre
torna-se 0 advogado de Vidal de la Blache contra a escola
geopolit lca alema de Ratzel e Integra 0 percurso geogr6tico
no horizonte hlst6rlco: La Terre et I'evolution humaine (1922).
Proclama mesmo, em 1953. que a geogrofia vldallana engen-
drou a hist6ria dos Anna/es. Mas esses eloglos dlsslmulam a
vontade de subjugar a geografia como cienolo auxiliar da
hist6rla. 0 meio de reduzi-Ia consistiu em integr6-la na htstorlo
e em IImltar seu terrltorlo: "0 solo, noo 0 estado: eis 0 que
deve levar em ccnsroerocco a geogratla / ...l, Quanto ao
resto, todos tem a IIberdade de se apoiar nos trabalhos dos
geografos ... para fins que nao sao geogr6ficos"122. Os geo-
gratos sentlram-se ornecrccrdos pela empresa de Lucien Febvre
e reagiram viva mente, a tal ponto que Lucien Febvre preci-
sou se explicar: "Nesses ultlmos tempos quiseram revelar, de
todos os lados, a minha Inteno:;oo partlcularmente tenebrosa
de estrangular a geografla. E, clrcunst6ncla agravante, a
lntencco de estronquto-lo ao Ihe tomar emprestado a corda
fatal"123. Mas a partida ]6 estava ganha antes de cornecor.
pois a escola geogr6fica ja estava em declinlo.
Mais do que um cartel, os Anno/es toram bem-sucedidos
no agrupar as cienclos humanas por detros de sua bandeira.
Nesse combate contra 0historicismo, temos como resultado
o nucleo permanente do dlscurso dos Anno/es, para olern de
suas rlutuocoes: a relativlza~60 ou, pelo menos, a recusa do
relato factual e do relato politico. E a partir dessa recusa que
os Anna/es se definem como escola, superando a diversi-
dade de seus componentes. 0 odversono e sempre 0mesmo:a hlstorlo dita positivista. lsso permite assegurar a continui-
dade e a coesoo do movimento: "Vantagem suplemenfar:
n60 se frata de um odversorlo perlgoso. pois ele esto rnorto"!".
As duas recusas do prlmeiro periodo, da hist6ria factual e da
hlstorlo politic a, s60 ainda reivindicadas pelos Annales de
hoje. Verlfica-se essa condenocoo sem apelo como cons-
tante, na analise do conteudo feita, por Jean-louis Ooste-
rhoff, sobre a revlsta dos Anna/es nos diversos period os. A
hlst6rla politica representava somenfe 2,8% dos artigos entre
1929 e 1945, 5.4% entre 1946 e 1956, 4,1% entre 1957 e 1969
para cair novamente para 2,1% entre 1969 e 1976. Nesse
dominio, osAnna/es de hole cont inuam bem os herdeiros dos
Anna/es de Marc Bloch e Lucien Febvre de 1929. Essacontl-
nuldade constltul 0 tundamento do sobrevido de uma escolo
para olern da diversldade de seus componentes.
122. L. FEBVRE. La Terre et revolution human .. (1922). A. Mchel, 1970. p. 7B.
123. L. FEBVRE. Pour une hlstoi re 0 por t entJet ... op. ott .. p. 163.
124. H. coUTAU.BEG A [{IE. Le Phenomena nouvelie h/stoir -e. op. ci t . . p. 296.