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Frei Betto

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Frei Betto

1º – Sem respirar ninguém vive, pois necessitamos do oxigênio contido no ar. Também não se pode viver sem beber água. A maior parte de nosso corpo é formada por água, como no planeta Terra no qual habitamos. Como o ar, a água contém oxigênio. Ela é uma mistura de dois gases: o oxigênio e o hidrogênio. Por isso é líquida e não gasosa como o ar.

Assim são a fé e a Política.

As duas contém o mesmo “oxigênio”: o Espírito de Deus que tudo anima na direção do Reino. E assim como as duas visam libertar, também podem servir para dominar, como a fé dos fariseus ou a política dos opressores. Fé e política não são a mesma coisa. A fé é o oxigênio que o Senhor nos dá. Como diz o apóstolo Paulo, por ela captamos a presença de Deus no qual somos, existimos e nos movemos. Assim como o ar nos dá vida, a fé nos faz participantes da vida de Deus. Por ela somos integrados à comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

A política é uma ferramenta de construção do Reino diferente da fé. Ela tem algo que não é próprio da fé: o “hidrogênio” das análises da realidade e das estratégias de luta.

A fé e a política destinam-se ao mesmo objetivo de realizar o projeto de Deus na história. Mas não são a mesma coisa, são

diferentes.

Portanto, este é o 1º mandamento:

Para reflexão em

Grupo:

1 – Qual o projeto de Deus na história?

2 – Como a fé e a política podem ajudar

esse projeto?

2º - Não há água sem

oxigênio. Se alguém tirar o oxigênio da água ela deixa de ser matéria líquida, vira gás de oxigênio e gás de hidrogênio. Assim, não há fé sem política.

A fé é um dom encarnado. No céu não teremos fé, pois veremos o Pai face a face. Toda vivência de fé é vivência de uma comunidade politicamente situada. Quando a comunidade cristã afirma que só faz religião e que não se mistura fé com política é porque ela não sabe o que diz, ou está mentindo para encobrir com a fé os seus reais interesses políticos. Toda comunidade cristã aparentemente a-política só favorece a política dominante. Passa cheque em branco aos políticos que se encontram no poder. Jesus, em razão da sua fé, morreu assassinado como prisioneiro político. Como Jesus, o cristão deve viver sua fé no compromisso libertador com os oprimidos. Seja qual for o modo do cristão viver este compromisso evangélico, ele sempre terá consequências políticas.

Portanto, este é o 2º mandamento:

A vivência da fé é necessariamente política.

Ela pode sacralizar a opressão ou iluminar a libertação

Para Reflexão

em grupo:

Você conhece algum fato que sirva

de exemplo para as duas realidades?

3º – O ar que respiramos

não custa nada. É de graça. Assim é a fé:- é dom de Deus. Para respirar, basta ter as narinas abertas. Para acolher a fé, basta ter ouvidos e coração a Deus, ao próximo, ao amor. Pela fé participamos do projeto de Deus na história humana.

A água não é de graça. Custa dinheiro, exigem-se técnicos e ciência para obtê-la. Assim é a política, não é dom de Deus, é um aprendizado. Exige conhecimento de suas regras, de sua história, de seu programa, de seus objetivos. Pela política, participamos do projeto humano de construção de uma sociedade melhor.

Portanto, este é o 3º Mandamento

A fé é um dom que nos vem de Deus através da Igreja, da comunidade dos que crêem. A Política é uma ferramenta que

exige aprendizado.

É arriscado improvisar a política.

Para Reflexão em grupo: Como aprender política?

4º - O ar que respiramos e a água que bebemos podem ficar poluídos. Perdem a pureza e ficam contaminados por micróbios e bactérias quando não são bem tratados.

Uma política voltada contra o povo pode poluir a fé. E uma fé desencarnada, legalista, contraria aos direitos dos necessitados, contamina a política.

Assim acontece com a fé e a política.

Portanto, este é o 4º mandamento:

Uma política contrária aos direitos do povo faz da fé expressão de uma

religião “ópio do povo”.

Esta religião só ajuda aos interesses dos opressores.

Para reflexão em

Grupo:

1 – Como a Religião tem ajudado os opressores?

2 – Como tem ajudado os oprimidos, excluídos?

5º - A água não pode existir sem união do oxigênio com o hidrogênio. Mas, o ar que respiramos não necessita e não contém quase nenhum hidrogênio. Porém, o que seria da nossa vida se não houvesse o sol ?

Assim a política pode ser bem feita por quem não tem fé. E nem sempre os que tem fé fazem política bem feita. O Concílio

Vaticano II reconhece a autonomia da política. Autônomo é o que tem movimento próprio. Um ateu pode fazer uma política

justa, favorável aos oprimidos. Porém....

O sol é um imenso balão de hidrogênio em combustão, isto é, uma bola de fogo, um milhão de vezes maior do que a terra.

Porém, a fé é o sol que desponta no horizonte da política. Isso não significa que deve haver “política cristã”. Deve haver uma política justa, democrática, voltada para a maioria. Uma política assim, inevitavelmente deverá se encontrar com as verdades da fé. Aliás, isso já acontece a cada vez que a política realiza na sociedade os valores evangélicos: libertação dos pobres e construção da sociedade fraterna.

Portanto, este é o 5º mandamento:

A Política é autônoma, não depende da fé.

Mas, uma política popular caminha necessariamente na direção do horizonte apontado pela fé.

Para reflexão

em grupo:

1 – Você participa de algum movimento que não

seja da Igreja? Qual ?

2 – Como a fé o(a) ajuda nesta participação?

6º - O ar enche os pulmões e envia oxigênio para alimentar o nosso organismo.

Mas, o ar não serve para lavar as mãos. A água limpa o corpo mas, não serve para se respirar. Sem balão de oxigênio, o mergulhador morre afogado no fundo do mar. Assim, a fé não tem receitas para resolver administrativamente problemas como a dívida externa, a reforma agrária, a moradia ou a saúde pública. Isto é tarefa da política. A fé mostra o sentido da política: dar vida a todos. Mas, o jeito de dar vida depende da linha da política. Se for uma política injusta, poucos terão vida às custas da morte de muitos, como ocorre no capitalismo.

A política é a estrada e, a fé, o mapa da estrada.

Sem mapa fica difícil construir uma estrada que conduza ao Reino. Sem estrada, o mapa

fica no papel.

Portanto, este é o 6º mandamento:

Fé e política são coisas diferentes que se completam na prática

da vida.

Para reflexão

em grupo: Contar fatos que ilustrem esse

mandamento.

7º -Para ser puros e saudáveis, o ar e a água precisam ser tratados. Por isso, os hospitais oferecem oxigênio puro aos pacientes. E nas casas a água deve ser fervida ou filtrada

antes de ser tomada. Do mesmo jeito a fé exige participação na comunidade para

ser evangélica. E a política exige participação nas lutas populares e o estudo dos problemas sociais

para ser consequente.

Portanto, este é o 7º mandamento:

A fé é “tratada” na Igreja, onde é celebrada, anunciada e refletida. A política é melhor

“tratada” nos movimentos populares, sindicais e nos partidos que assumem os direitos dos

oprimidos e excluídos.

Para refletir

em grupo:

1 – Qual a importância da participação

na Igreja e na política?

2 – Porque há conflitos quando uma

pessoa quer participar de ambos?

8º - Todo mundo respira o ar,

mas nem todos tomam banho diariamente e do mesmo jeito. Assim, na Igreja os cristãos têm

na fé o ar comum que todos respiram. Mas, na hora de levar para a prática os valores da fé,

nem todos agem do mesmo jeito e na mesma direção.

A água é sempre a mesma, o jeito de usá-la é que varia. Assim, é preciso não exigir na política, o mesmo consenso que há na Igreja em torno da fé. Quando o cristão ingressa na esfera da política, não deve esperar que todos estejam mais ou menos de acordo, como parece acontecer na comunidade eclesial. Assim como a água pode conter vermes, sal ou cloro, a política tem ideologias, tendências, grupos de pressão e ambições pessoais ou de grupos.

Na política, cada uma de suas esferas – a dos movimentos populares, a sindical ou a partidária – têm seu jeito próprio, sua especificidade, seus critérios, sua linguagem própria. Quem passa de uma esfera a outra sem estar atento a essas diferenças, acaba quebrando a cara.

Movimentos Populares

Área sindical

Área partidária

Portanto, este é o 8º Mandamento

Não devemos confundir a esfera da explicitação religiosa da fé, a Igreja, com as esferas políticas. Mas, embora diferentes,

são complementares.

Para reflexão

em grupo:

Como, na sua participação, fé e política

se complementam?

9º – Se o rio fica sujo, poluído,

o oxigênio da água diminui e os peixes morrem asfixiados. A água do rio necessita da pureza do oxigênio para preservar a vida. Assim acontece com a política: ela precisa dos valores evangélicos para não ficar poluída.

Valores como direitos dos necessitados, vida para todos, partilha de bens, poder como serviço e outros. Sem esses valores a política vira politicagem e a corrupção mata o projeto da vida. Isso não significa que a política deva ser feita em nome da fé. Ela deve ser feita em nome do amor, da verdade e da justiça aos oprimidos e excluídos.

Portanto, este é o 9º mandamento:

A fé cristã contém valores que criticam e norteiam a atividade

política.

Para reflexão

em grupo:

1 – Quais são esses valores?

2 – Eles conseguem, de fato, atingir e

nortear a atividade política?

10º – Para ser pura, a água

exige cuidados ou tratamento. Assim, para ser

popular a política exige mediações (meios):

vinculação com a luta popular, reflexão e análise

dos problemas, teoria política, conhecimento da

história das forças políticas, etc..

O ar é a vontade. Mas se a pessoa não faz exercícios, não anda, o pulmão começa a diminuir e fica atrofiado. A pessoa fica sem resistência. O mesmo acontece com a vida de fé: se não participamos da comunidade, dos sacramentos, da leitura da Bíblia, das celebrações e orações, a nossa fé vai ficando fraca, atrofiada.

Portanto, este é o 10º mandamento:

A políticas é tanto mais popular quanto mais a gente se encontra ligado à luta do

povo. A fé é tanto mais evangélica quanto mais a gente se liga ao Deus da

vida através da comunidade cristã.

Para reflexão

em grupo:

- Vamos participar no grupo e dizer

como cada um se sente ligado à luta

do povo e à construção do projeto do

Deus da vida.

Sem essas amarras ao grande navio da libertação, o nosso bote fica à deriva,

solto entre as ondas do imprevisto e acaba perdendo o rumo.

Relembrando 1º - A Fé e a política destinam-se ao mesmo objetivo de realizar o projeto de Deus na História. Mas, não são a mesma coisa. 2º - A vivência da fé é necessariamente política. 3º - A fé é um dom que nos vem de Deus através da Igreja, da comunidade dos que crêem. A política é uma ferramenta que exige aprendizado. 4º - Uma política contrária aos direitos do povo faz da fé expressão de uma religião “ópio do povo”. 5º - A política é autônoma, não depende da fé. 6º - A fé e política são coisas diferentes que se completam na prática da vida. 7º - A fé é “tratada” na Igreja, onde é celebrada, anunciada e refletida. A política é melhor “tratada” nos movimentos populares, sindicais e nos partidos que assumem os direitos dos oprimidos. 8º - Não devemos confundir a esfera da explicitação religiosa da fé, a Igreja, com as esferas da política. Mas embora diferentes, são complementares. 9º - A fé cristã contém valores quem criticam e norteiam a atividade política. 10º-A política é tanto mais popular quanto mais a gente se encontra ligado à luta do povo. A fé é tanto mais evangélica quanto mais a gente se liga ao Deus da vida através da comunidade cristã.

Texto: Frei Betto Imagens e

formatação: Ir.Eunice Wolff