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    A Igrea Catlica na Bahia f e

    poltica

    Solange Dias de Santana Alves

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    SOLANGE DIAS DE SANTANA ALVES

    A IGREJA CATLICA NA BAHIA: f e poltica

    Dissertao apresentada como requisitoparcial para obteno do ttulo de Mestre emHistria Social ao Programa de Ps-Graduao em Histria da UniversidadeFederal da Bahia.

    rea de Concentrao: Histria Social

    Orientadora: Profa. Dra. Elizete da Silva

    SALVADOR-BAHIA2003

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANASPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA

    SOLANGE DIAS DE SANTANA ALVES

    A IGREJA CATLICA NA BAHIA: f e poltica

    Dissertao apresentada como requisito parcialpara obteno do ttulo de Mestre em HistriaSocial ao Programa de Ps-Graduao emHistria da Universidade Federal da Bahia.

    rea de Concentrao: Histria Social

    Orientadora: Profa. Dra. Elizete da Silva

    Salvador/BA, 08/10/2003

    Elizete da Silva - DoutoraPrograma de Ps-Graduao em Histria

    FCH/UFBAOrientadora

    Cndido da Costa e Silva - DoutorPrograma de Ps-Graduao em Histria

    FFCH/UFBA

    Maria Jos de Souza Andrade - MestreFFCH/UCSAL

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    Dedico este trabalho memria do

    meu pai, Djalma Jos de Santana.

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    AGRADECIMENTOS

    Para a realizao do presente trabalho concorreu a participao de diversas pessoas,

    sem as quais, o mesmo no se concluiria. Por isso gostaria de registrar um agradecimento

    geral a todos que direta ou indiretamente participaram desse processo e, em especial ao Prof.

    Dr. Franklin Oliveira Jnior que me incentivou desde a graduao ao ingresso no curso de

    Mestrado em Histria Social dessa Universidade; aos colegas de curso, principalmente,

    Cristina Pinheiro e Sandra Silva cuja amizade foi essencial para manter-me calma nos

    momentos de aflio; s bibliotecrias Ceres, do Centro de Estudos e Ao Social CEAS, e

    Marina Silva da Biblioteca do Mestrado de Histria da UFBA; a Fernando da Costa Pinto do

    Instituto Geogrfico e Histrico da Bahia; s estagirias, Jlia Rosa Castro de Britto e Cludia

    Moraes Trindade; Renata Soraya Bahia de Oliveira do Laboratrio Eugnio Veiga

    (UCSAL) onde se encontra o acervo da Cria Metropolitana de Salvador; a Maria Tereza

    Simes; a minha irm Rosana Dias de Santana pelo seu grande auxlio na pesquisa em jornais

    e pela transcrio das entrevistas gravadas; a Soraia de Sousa Ariane Ferreira; a Helvdio

    Braga Landim por ter fotografado documentos para este trabalho; a Maria Brando por nos ter

    permitido consultar o acervo particular de seu pai, Thales de Azevedo; ao ento Bispo deJuazeiro BA, Dom Jos Rodrigues de Souza-C.Ss.R, por ter gentilmente cedido o raro livro

    de poesias Cnticos de Fde Dom Augusto lvaro da Silva e outro, no menos raro, Dom

    Augusto, Orador Sacro, que traz coletnea de seus sermes e discursos. Um agradecimento

    especial minha orientadora a Prof Dr. Elizete da Silva, pela constante dedicao e

    solicitude e, ao meu companheiro, Gualdino Alves Neto, pelo carinho e pacincia nos

    momentos mais difceis dessa jornada.

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    O passado no conhece o seu lugar: est

    sempre presente?

    Mrio Quintana

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    A IGREJA CATLICA NA BAHIA: F E POLTICA

    RESUMO

    O presente trabalho versa sobre as relaes estabelecidas entre a Igreja Catlica baiana e oEstado aps a Revoluo de 1930, tendo como articulador o Arcebispo da Bahia e Primaz doBrasil, Dom Augusto lvaro da Silva. Desde a separao oficial em 1890 entre a IgrejaCatlica e o Estado republicano brasileiro, a instituio catlica sonhou e preparou-se pararetomar as prerrogativas perdidas com o fim do Padroado. Sendo assim, nosso principalobjetivo analisar o movimento de Restaurao Catlica, na Bahia, efetivado nos anos trintado sculo passado. Para tanto, analisamos algumas aes de apoio da Igreja Catlica baiana aonovo governo, bem como a reao sofrida pela instituio por causa dessas estreitas relaes

    polticas com o novo Estado.

    Palavras-chave: Restaurao Catlica, Revoluo de 1930, Igreja Catlica, D. Augusto

    lvaro da Silva.

    Autora: Solange Dias de Santana Alves

    Orientadora: Dra. Elizete da Silva

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    THE CATHOLIC CHURCH IN BAHIA: FAITH AND POLITICS

    ABSTRACT

    This present paper discusses the associations established between the Catholic Church inBahia and State, after the Revolution of 1930, where the articulator was the Archbishop of

    bahia and Primate of brazil, Dom Augusto lvaro da Silva. Ever since the official separationof the Catholic Church and brazilian republican State, in 1890, the catholic institution hasdreamed of and prepared itself to recalim the prerogatives that were lost with the end of thePatronage. Thus so, the main objective here is to analyze the Catholic Restoration movement,in Bahia, brought about between 1930 and 1940. To achieve this, a few actions of support forthe new government by way of the Bahian Catholic Church have been analyzed, as well as the

    reactions the institution underwent because of these tight political relations with the newState.

    Keywords: Catholic Restoration, Revolution of 1930, Catholic Church, Dom Augusto lvaro

    da Silva.

    Author: Solange Dias de Santana Alves

    Adviser: Dra. Elizete da Silva

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    SUMRIO

    Resumo ............................................................................................................................................. vii

    Abstract ............................................................................................................................................ viii

    Introduo ..............................................................................................................................................11

    Captulo I: A IGREJA CATLICA NO BRASIL...................................................................................28

    1.1 A Igreja Catlica no Perodo Colonial ...............................................................................................29

    1.2 A Igreja Catlica no Imprio..............................................................................................................33

    1.3 A Igreja frente s transformaes sociais, polticas e econmicas.....................................................39

    1.4 A Igreja Catlica na Primeira Repblica.............................................................................. 45

    Captulo II: "DEPOSITANDO NOSSA F EM DEUS".........................................................................49

    2.1 Notas sobre a Revoluo de 1930......................................................................................................50

    2.2 "A Bahia ainda a Bahia"..................................................................................................................55

    2.3 A cidade de Todos os Santos..............................................................................................................63

    2.4 E a F venceu........................................................................................................................65

    2.5 Congresso Eucarstico Nacional...........................................................................................67

    2.6 A Liga Eleitoral Catlica......................................................................................................71

    2.7 A Ao Catlica: ver, julgar, agir.........................................................................................75

    2.8 Os Crculos Operrios Catlicos ..........................................................................................77

    2.9 O ensino religioso.................................................................................................................79

    2.10 O projeto modernizador...................................................................................................... 82

    2.11 "Removendo a poeira do passado" ..................................................................................... 85

    Captulo III: MOMENTOS DE TENSO E CRISE ...............................................................................94

    3.1 Os Recolhimentos ..............................................................................................................................95

    3.2 Recolhimento do Senhor Bom Jesus dos Perdes..............................................................................99

    3.3 O episdio dos Perdes....................................................................................................................100

    3.4 O Caso do Padre Ricardo Pereira ....................................................................................... 115

    Captulo IV: PER CRUCEM AD LUCEM............................................................................................122

    4.1 D. Augusto e a Restaurao Catlica..............................................................................................1234.2 "Dom Augusto, orador sacro" ..........................................................................................................137

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    4.3 Homenagens e comemoraes .........................................................................................................143

    CONSIDERAES FINAIS.................................................................................................................150

    FONTES .......................................................................................................................................154

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS...................................................................................................156

    ANEXO A

    ANEXO B

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    Introduo

    A vida uma viagemquecomeaBempertinho deDeus, - autor da vida-

    E vai por terra estranha, erma ou florida,Conformea Deus apraza ou ela merea..

    Aqui BERO roseo, - uma promessaQueninguemsabeseser cumprida.Ali a doceestancia apetecida

    DeumLAR quesurgeeao vacuo searremessa.

    Alm ao sol, chuva, ao frio, ao vento, uma CAMPA emais nada, o esquecimento,

    Derradeira homenagemda saudade!

    E a romagemTermina. Do romeiro semprea campa estagio derradeiro...

    Mas, pra l dessa campa, - a Eternidade!(Carlos Neto, 1942, p.311)

    Pseudnimo de Dom Augusto lvaro da Silva.

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    A terceira dcada do sculo XX representa uma ruptura no antigo sistema poltico

    brasileiro, a partir da Revoluo de 1930. Mas apesar desta ter possibilitado mudanas

    polticas e econmicas, o sistema continuou articulando-se com hbitos e costumes polticos

    tradicionais da Velha Repblica. Ao mesmo tempo, a instituio religiosa que fora

    oficialmente afastada do poder com o advento da Repblica a Igreja Catlica

    implementou um projeto para retomar as prerrogativas perdidas e retornar ao seio do poder.

    A recomposio poltica verificada na Bahia no ps 30 obteve as bnos da Igreja

    Catlica, principalmente a partir da interventoria de Juracy Magalhes. Foram tempos de

    modernizao poltica que se compuseram com o tradicionalismo. Processo similar ocorreu,

    tambm, na Igreja Catlica. Nessa conjuntura, a interveno de D. Augusto lvaro da Silva,

    no que concerne vida interna da Igreja e as articulaes com os poderes polticos institudos

    nos mbitos estadual e municipal foram decisivas.

    Na estrutura republicana, os coronis do interior mantiveram seu poder local

    adaptando-se s novas formas de deciso, influenciando a poltica e a economia do Estado, e

    cujo apoio era essencial para a ascenso de polticos da capital. Salvo algumas tentativas de

    diminurem seus poderes, como a que ocorreu no governo de Jos Joaquim Seabra, com a Lei

    Municipal de 1915, que lhe permitiria nomear os Intendentes Municipais, eles foram partefundamental da Repblica Velha, cujo apoio era essencial para a ascenso poltica dos

    polticos da capital.

    Outra caracterstica muito particular e, em certa medida, permitida pelo mecanismo

    acima citado o personalismo da poltica baiana. Os partidos polticos na Repblica Velha de

    carter regional consolidaram-se em torno de nomes. O fortalecimento do poder poltico

    ocorreu mediante a capacidade de negociao depersonagens(polticos) com as lideranas do

    interior. Logicamente, isso implicava em utilizar a mquina do Estado para trocar favores.Feita essa aliana o poltico obtinha prestigio eleitoral estruturando a base poltica, no nos

    partidos, mas em torno dele. Surgiram assim, o seabrismo, o calmonismo, o vianismo,

    dentre outros.

    Apesar de certa bibliografia insistir na existncia do enigma baiano, uma espcie de

    involuo econmica que teria atingido o estado1, a sociedade baiana experimentou durante a

    Repblica Velha certas aes modernizadoras que repercutiram em Salvador, principalmente

    1Sobre o assunto ver Almeida (1977) e Aguiar (1977).

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    durante os governos de Seabra. Quando este assumiu, em 1912, o governo da Bahia iniciou

    uma poltica modernizadora no tocante urbanizao da cidade de Salvador.

    Discutia-se nesse momento histrico, uma necessidade de progresso alardeada

    pela classe dominante e pelos veculos de comunicao. As elites baianas, querendoa todo custo acompanhar os avanos que se davam no sudeste principalmente noRio de Janeiro no mediram esforos para implementar tambm na Bahia umprojeto de reforma urbana. (SANTANA, 1998, p.11).

    Segundo Peres (1973) era a ideologia do progresso. Por fora dela iniciou-se um

    processo de agresso ao nosso patrimnio arquitetnico e histrico, basta lembrar que s no

    governo de Seabra demoliram-se as Igrejas de Nossa Senhora DAjuda e So Pedro para a

    construo da Avenida Sete de Setembro. Mas, apesar das tentativas de alguns polticos

    baianos a modernizao idealizada para a Bahia foi incipiente, permitindo que

    permanecessem as antigas estruturas, principalmente a social.

    Teoricamente, a Revoluo de 1930 propunha-se a questionar o poder das oligarquias,

    acabar com as fraudes eleitorais, promover a participao poltica, suscitar o desenvolvimento

    econmico. Enquanto, na dcada de 20, as oligarquias viam o crescimento do Pas pela via

    agrcola (nossa herana agro-exportadora), a partir de 30, o caminho para o desenvolvimento

    buscou contemplar, tambm, outra via a industrializao.

    A chamada Revoluo de 30 foi um acerto de contas entre o avano e o atraso napoltica brasileira. De um lado, estavam a industrializao, incipiente, mas j muitopresente [...] de outro, est uma oligarquia rural, presa ao passado. Um passado queno mais se impe, mas tambm no se vai. (PINHEIRO, 1999, p.10).

    Na Bahia, porm, essa industrializao no era to presente e as estruturas estavam, de

    fato, enraizadas no passado, tanto que os representantes do movimento de 30 aceitaram o

    auxlio da Igreja e acabaram por aliar-se aos chefes polticos do interior.

    Diante do que foi explanado verifica-se a necessidade de estudar os desdobramentos

    polticos, aps a Revoluo de 1930, no Estado da Bahia e o impacto que esta causou Igreja

    Catlica. Nosso principal objetivo analisar o movimento de Restaurao Catlica, na Bahia,

    aps a Revoluo e as articulaes polticas do Arcebispo da Bahia e Primaz do Brasil, Dom

    Augusto lvaro da Silva.

    J existem diversos trabalhos que enfocam a temtica: Igreja e Estado, Igreja e

    Repblica, mas pouco ou quase nada se escreveu sobre as novas relaes poltico-sociais da

    Igreja Catlica Baiana nos anos 30, engendradas pelo seu Arcebispo. Quando muito, limitam-

    se a enfocar acontecimentos marcantes como a derrubada da Igreja da S ou alguns ensaios de

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    Thales de Azevedo. A carncia de maiores estudos sobre a questo religiosa na Bahia dos

    anos 30 contribui para essa importante lacuna. Da, nossa pretenso em analisar as aes da

    S Primacial, depois da Revoluo de 1930. um trabalho de grande envergadura para o qual

    esta dissertao de Mestrado pretende contribuir. Trazemos apenas alguns captulos de uma

    histria que ainda est por ser escrita.

    O fenmeno religioso est longe de ter um espao subalterno na vida das pessoas. A

    Histria demonstra que homens e mulheres buscam a experincia com o sagrado e, por isso

    mesmo, a religio um elemento importante da cultura. Apesar de nem sempre ocupar lugar

    de destaque na Academia, o estudo das Religies faz-se necessrio se quisermos compreender

    a Histria das sociedades, uma vez que os estudos econmicos, polticos, dentre outros, por si

    s no conseguem abarcar a complexidade das vivncias humanas. Apesar das diferentes

    interpretaes sobre as funes e contedos da religio, ela comumente considerada por

    vrios autores clssicos das Cincias Humanas como elemento importante para analisar e

    compreender os processos sociais e suas estruturas.

    Quem se prope a trabalhar com o fenmeno religioso deve debruar-se sobre as trs

    abordagens clssicas que permeiam esses estudos a conflitual; a funcionalista e a simblico-

    cultural s quais podemos agrupar as teorias da religio representadas por Karl Marx, mile

    Durkheim e Max Weber, respectivamente. Segundo Bourdieu (1974), todas as demais teorias

    relacionam-se a uma dessas posies simblicas.

    Na anlise conflitual, Marx encara a religio como mistificadora da realidade, uma vez

    que camufla os conflitos e as causas das desigualdades sociais. Teria assim uma funo

    alienadora que seria banida como o capitalismo quando superado pela vitria do proletariado.

    Realmente a religio a conscincia de si e o sentimento de si que possui o homem que

    ainda no se encontrou, ou que se tornou a perder.(MARX, 1972 p. 45,46). Se primeira

    vista percebemos apenas sua funo alienadora, podemos surpreender-nos se analisarmos com

    ateno as crticas de Marx religio. A clebre frase: a religio o pio do povonada tem

    de genuno, no podendo, portanto, ser considerada como a quintessncia da concepo

    marxista do fenmeno religioso. (LWY, 1989, p. 157). Podemos encontrar essa mesma

    concepo em outros autores, alguns at anteriores ao prprio Marx e em outros

    contemporneos, como Kant, Herder, Feuerbach, Bruno Bauer, dentre outros.

    Para comprovar tal afirmao podemos nos reportar a Michael Lwy quando este citadois autores prximos a Marx e que tm a mesma noo:

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    Em livro de 1840 sobre Ludwig Brne, Heine refere-se de modo bem positivo comuma pitada de ironia - ao papel narctico da religio: Bendita seja uma religio quedeposita no amargo clice da humanidade sofredora doces e soporferas gotas depio espiritual, gotas de amor, f e esperana. Moses Hess, em ensaios publicadosna Sua em 1843, assume uma posio mais crtica, embora no isenta de

    ambigidade: A religio pode tornar suportvel [...] a conscincia infeliz daservido [...] assim como o pio muito til nas enfermidades dolorosas (LWY,1989, p.157).

    Marx utilizou essa expresso posteriormente, em 1844, em seu artigo Crtica da

    Filosofia do Direito de Hegel, quando ainda era um grande admirador de Feuerbach2.

    Evidentemente que apesar de criticar a religio, Marx no escondeu seu duplo carter: embora

    usada comumente para legitimar o estado vigente, em outras ocasies serve tambm para

    protestar contra tal estado.

    A angstia religiosa , por um lado, a expresso da angstia real e, por outro, oprotesto contra a angstia real. A religio o suspiro da criatura oprimida, a alma deum mundo sem corao, tal como o esprito de condies sociais de que o espritoest excludo. Ela o pio do povo. (MARX, 1972, p.46).

    A abordagem funcionalista que teve mile Durkheim como seu primeiro formulador

    defende que a religio se eterniza nas sociedades, sobrevive a todas elas. Isso porque todo

    homem teria em si uma natureza religiosa, sendo, portanto, um aspecto essencial e

    permanente da humanidade. (DURKHEIM, 1989, p.29). Os adeptos dessa corrente defendem

    que a religio, a exemplo de outras instituies exerce funes determinantes na sociedade.

    Para Durkheim, a Sociologia da Religio seria uma dimenso da Sociologia do

    Conhecimento.

    Sabemos, desde h muito tempo, que os primeiros sistemas de representaes que ohomem produziu do mundo e de si mesmo so de origem religiosa. No h religioque no seja, ao mesmo tempo, a cosmologia e especulao sobre o divino. Se afilosofia e as cincias nasceram da religio porque a prpria religio, no princpio,fazia as vezes de cincia e de filosofia. Mas o que foi menos observado que ela no

    se limitou a enriquecer, com certo nmero de idias, um esprito humanopreviamente formado; ela contribuiu para form-lo. Os homens no lhe deveramapenas grande parte da matria dos seus conhecimentos, mas tambm a forma pelaqual essesconhecimentos so elaborados.(DURKHEIM, 1989, p. 37-38).

    Na abordagem simblico-cultural a religio se configura como depositria de

    fundamentais significados culturais, pelos quais indivduos e coletividade so capazes de

    interpretar a prpria condio de vida, construir para si uma identidade e dominar oprprio

    2Segundo J. Giannotti (1985) houve um momento em que todos os neo-hegelianos se disseram feuerbachianos

    Para J. Gorender (1985, p. IX), o humanismo naturista de Feuerbach foi uma revelao para Marx. Apetrechou-o da viso filosfica que lhe permitia romper com Hegel e transitar do idealismo objetivo deste ltimo emdireo ao materialismo. No obstante, assim como nunca chegou plenitude de hegeliano, tampouco se tornouinteiramente feuerbachiano. Ver tambm D. McLellan (1990).

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    ambiente.(MARTELLI, 1995, p.34). Max Weber, um dos maiores representantes desta

    corrente, em seus estudos sobre religio devolveu-lhe autonomia, apesar de concordar que os

    processos sociais possam interferir, a religio poderia exercer uma ao independente destes.

    Toda necessidade de salvao uma expresso de indigncia e, por isso, aopresso social ou econmica , por sua prpria natureza, uma fonte muito eficientede sua gnese, ainda que de modo algum seja a nica. Sendo iguais as demaiscircunstncias, camadas positivamente privilegiadas dos pontos de vista social eeconmico dificilmente sentem por si a necessidade de salvao. Antes passam religio, em primeiro lugar, o papel de legitimar seu modo de viver e a situaoem que vivem. (WEBER, 1991, p. 335).

    Apesar de no concordarmos totalmente com a posio de Marx e dos seus seguidores

    ortodoxos, que afirmam o fim da religio nas sociedades sem classes, abraamos para guiar

    teoricamente o presente trabalho, a proposta terica sobre religio de Antonio Gramsci, que se

    desprovendo do determinismo anterior, realizou uma minuciosa anlise da sociedade italiana

    de seu tempo, em todos os seus aspectos. Terico e militante, buscou transform-la atravs do

    marxismo, que segundo o prprio Gramsci, uma forma de religio, pois atua no mundo com

    uma moral que lhe adequada. (GRAMSCI, 1991).

    A escolha por referenciais tericos gramscianos no foi aleatria, mas por sua

    concepo histrica sobre a religio ser mais adequada ao nosso objeto de estudo. Ele foi um

    grande estudioso do fenmeno religioso, cuja importncia para a formao cultural,

    especialmente da sociedade italiana abordada pelo filsofo foi preponderante. Em seus

    escritos, Gramsci ressalta a necessidade de se estudar o vis poltico da atuao religiosa

    coadunando, portanto com o objetivo principal de nosso trabalho: as relaes entre a Igreja

    Catlica e o Estado Republicano, mais especificamente na Bahia, durante os anos 30 do

    sculo passado. Na crtica sociedade italiana, o estudo sobre religio e mais notadamente, o

    Catolicismo, foram fundamentais, havendo coincidncia tambm, quanto poca estudada

    por ns, anos 20 e 30 do sculo XX. Podemos afirmar ainda, que o pensamento de Antnio

    Gramsci ultrapassou o de Marx, quando aplicou a dialtica aos estudos sobre o fenmeno

    religioso.

    Antes de analisarmos a concepo gramsciana sobre religio, mais precisamente sobre

    o catolicismo, temos que assinalar alguns pontos bsicos do seu pensamento. O principal

    deles o conceito de bloco histrico, pois atravs dele, articulam-se os demais elementos do

    seu pensamento poltico e as concepes religiosas.

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    A essncia do bloco histrico reside nas relaes entre estrutura e superestrutura,

    fundamentalmente no vnculo que as une, que segundo Gramsci, orgnico e corresponde a

    uma organizao social concreta.

    Se considerarmos um bloco histrico, isto , uma situao histrica global,distinguimos a, por um lado, uma estrutura social as classes que dependemdiretamente da relao com as foras produtivas e, por outro lado, umasuperestrutura ideolgica e poltica. O vnculo orgnico entre esses dois elementos realizado por certos grupos sociais cuja funo operar no ao nvel econmico,mas superestrutural: os intelectuais. (PORTELLI, 1990, p.15).

    Gramsci denomina essa camada social de funcionrios da superestrutura. Seu carter

    orgnico aparece na solidariedade estreita que vincula esses funcionrios s classes que

    representam e, em primeiro lugar, classe fundamental no plano econmico. (PORTELLI,

    1990, p.15).

    Analisar a articulao interna de um bloco histrico, considerando a importncia e o

    significado social do vnculo orgnico, possibilita-nos estudar a superestrutura e a funo dos

    intelectuais para a anlise estrutural de qualquer situao poltica. Sendo assim, ingressaremos

    nas duas instncias fundamentais da superestrutura: a sociedade civil e a sociedade poltica

    para podermos compreender as relaes entre a Igreja Catlica e o Estado.

    Para Gramsci, a Igreja Catlica pode ser considerada uma sociedade civil dentro da

    sociedade civil. Ele analisou como a instituio transformou-se em tal sociedade autnoma e

    como permaneceu influenciando o conjunto maior. Para o autor, o triunfo da Igreja deve-se

    basicamente homogeneidade ideolgica.

    A fora das religies, notadamente da Igreja consistiu e consiste no seguinte fato:que elas sentem intensamente a necessidade de unio doutrinal de toda a massareligiosa e lutam para que os estratos intelectualmente superiores no se destaquemdos inferiores. A Igreja romana sempre foi a mais tenaz na luta para impedir que seformassem oficialmente duas religies, a dos intelectuais e a das almas simples.Essa luta no foi travada sem que ocorressem graves inconvenientes para a prpria

    Igreja; mas estes inconvenientes esto ligados ao processo histrico que transforma atotalidade da sociedade civil e que contm, em bloco, uma crtica corrosiva dasreligies. E isto faz ressaltar ainda mais a capacidade organizativa do clero na esferada cultura, bem como a relao abstratamente racional e justa que a Igreja, em seumbito, soube estabelecer entre intelectuais e simplrios. (GRAMSCI, 1991, p.16,17).

    Para manter essa unidade ideolgica, a Igreja se vale da poltica e da evoluo

    ideolgica progressiva que mesmo lentamente busca satisfazer a cincia e a filosofia. A

    unidade para ser mantida necessita tambm da constante difuso do catolicismo. Para tal, a

    instituio apia-se primeiramente no clero, cujos representantes agem como intelectuais

    orgnicos; ao laicato catlico geralmente cabe a ao poltica ou ideolgica (orientado pelo

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    primeiro), atravs de sindicatos; partidos catlicos e Ao Catlica, com toda a organizao

    necessria (imprensa, direito...). por isso que Gramsci considera a Igreja Catlica uma

    sociedade civil dentro da sociedade civil, porque ela contm todos os elementos desta: por

    um lado, a ideologia disseminada e adaptada a todo o corpo social, por outro lado, as

    organizaes e os canais de difuso dessa ideologia.(PORTELLI, 1990, p.30).

    Imbuda do esprito missionrio de unir o povo de Deus no mundo, a Igreja Catlica

    cr ser a detentora da resposta para os males da humanidade. Para Pierre Bourdieu (2001):

    As ideologias, por oposio ao mito, produto coletivo coletivamente apropriado,servem interesses particulares que tendem a apresentar como interesses universais,comuns ao conjunto do grupo. A cultura dominante contribui para a integrao realda classe dominante (assegurando uma comunicao imediata entre todos os seus

    membros e distinguindo-os das outras classes); para a integrao fictcia dasociedade no seu conjunto, portanto, desmobilizao (falsa conscincia) dasclasses dominadas; para a legitimao da ordem estabelecida por meio doestabelecimento das distines (hierarquias) e para a legitimao dessas distines.Esse efeito ideolgico, produ-lo a cultura dominante dissimulando a funo dediviso na funo de comunicao: a cultura que une (intermedirio decomunicao) tambm a cultura que separa (instrumento de distino) e quelegitima as distines compelindo todas as culturas (designadas como subculturas) adefinirem-se pela sua distncia cultura dominante. (BOURDIEU, 2001, p.10-11).

    Tratando-se de representaes, o Catolicismo enquanto sistema simblico age como

    estruturas estruturantes. Esse poder simblico um poder de construo da realidade quetende a estabelecer uma ordem gnosiolgica: o sentido imediato do mundo (e, em particular,

    do mundo social) [...]. (BOURDIEU, 2001, p. 9). Os sistemas simblicos podem ser

    classificados como estruturas estruturantes (religio, lngua e arte) e estruturas estruturadas

    (lngua e arte). Encarados como instrumentos de conhecimento e comunicao exercem a

    funo poltica de legitimao e dominao de uma classe perante outras, buscando, no

    entanto a integrao social. [...] eles tornam possvel o consensus acerca do sentido do

    mundo social que contribui, fundamentalmente, para a reproduo da ordem social: a

    integrao lgica a condio da integrao moral.(BOURDIEU, 2001, p.10).

    Gramsci (2001), antes de expor sua definio de religio, esboou concepes de

    outros estudiosos sobre o tema, que segundo ele poderiam ser assim sintetizadas:

    No conceito de religio, portanto, esto pressupostos os seguintes elementos: 1) acrena de que existam uma ou mais divindades pessoais que transcendem ascondies terrestres temporais; 2) o sentimento dos homens de que dependemdestes seres superiores que governam totalmente a vida do cosmo; 3) a existnciade um sistema de relaes de culto entre os homens e os deuses. (GRAMSCI), 2001,

    p.209-210).

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    Para Gramsci, a religio seria uma forma de ideologia e a Igreja Catlica funcionaria

    como um aparelho ideolgico do Estado. Isso porque sua anlise do catolicismo e do

    fenmeno religioso em si norteava-se a partir de uma redefinio conceitual de Estado, que

    segundo ele seria o conjunto das sociedades civil e poltica, mais os aparelhos repressivos que

    exercem a funo de dominao, e os aparelhos ideolgicos que exercem a funo

    hegemnica de classe. Seria, portanto, um dos elementos essenciais do Estado.3A sociedade

    civil agrupa os diversos aparelhos ideolgicos, dentre eles: o religioso, o poltico, o escolar.

    necessrio, por conseguinte, distinguir entre ideologias historicamente orgnicas,isto , que so necessrias uma determinada estrutura, e ideologias arbitrrias,racionalistas, desejadas. Na medida em que so historicamente necessrias, asideologias tm uma validade que validade psicolgica: elas organizam asmassas humanas, formam o terreno sobre o qual os homens se movimentam,

    adquirem conscincia de sua posio, lutam, etc. (GRAMSCI, 1991, p.62-63).

    Outro conceito muito caro para Gramsci - o intelectual - foi transformado, a partir de

    suas elocubraes tericas: o intelectual no mais o escritor, acadmico ou similar. Luciano

    Gruppi (1996) em seu livro Tudo comeou com Maquiavel. As concepes de Estado em

    Marx, Engels, Lenin e Gramsciassim descreve o pensamento de Gramsci:

    Intelectual o dirigente da sociedade, o quadro social. Um cabo do exrcito, emboraanalfabeto, segundo Gramsci, um intelectual, porque dirige os soldados; intelectual tambm um chefe das ligas de assalariados agrcolas, ainda que analfabeto, comoeram muitos deles na poca de Gramsci, porque organiza os trabalhadores, dirige-ose educa-os. [...] Estes, segundo Gramsci, so os intelectuais, os que mantm coeso obloco histrico, os que elaboram a hegemonia da classe dominante, que sem osintelectuais no poderia ser dirigente: seria apenas dominante e opressiva, fartar-lhe-ia a base de massas, o consenso necessrio para exercer o seu poder. (GRUPPI,1996, p. 84).

    Conforme Gramsci, apesar de existir uma falsa aparncia de homogeneidade

    ideolgica, existem subgrupos paralelamente aos diversos setores da sociedade. No

    Catolicismo podemos ver a heterogeneidade social e ideolgica da seguinte forma: a teologia

    equivale filosofia, que seguida pelos intelectuais e representa a concepo da hierarquia

    eclesistica. Inversamente aos valores filosficos encontramos as prticas religiosas de

    diversos grupos sociais, que por sua vez, articulam-se em diferentes nveis da cultura.

    Os elementos principais do senso comum so fornecidos pelas religies e,conseqentemente, a relao entre senso comum e religio muito mais ntima doque a relao entre senso comum e sistemas filosficos dos intelectuais. Mas,tambm com relao religio, necessrio distinguir criticamente. Toda religio,inclusive a catlica (ou antes, notadamente a catlica, precisamente pelos seusesforos de permanecer superficialmente unitria, a fim de no fragmentar-se em

    igrejas nacionais e em estratificaes sociais), na realidade uma multiplicidade de

    3Ver Gramsci (1980 e 1991) e Portelli (1984).

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    religies distintas, freqentemente contraditrias: h um catolicismo doscamponeses, um catolicismo dos pequenos-burgueses e dos operrios urbanos, umcatolicismo das mulheres e um catolicismo dos intelectuais, tambm este variado edesconexo. (GRAMSCI, 1991, p.144).

    Para ele, a filosofia representa uma ordem intelectual e est num dos extremos da

    ideologia; no outro encontramos o folclore, que a concepo de mundo das classes

    subalternas.

    O estudo gramsciano do catolicismo baseia-se na anlise das funes ideolgicas,

    polticas e sociais da prpria doutrina catlica desde o seu nascimento, classificado por

    Gramsci em duas fases distintas. A primeira dita orgnica, porque a Igreja funcionou como

    Intelectual Orgnico ou casta intelectual da classe dirigente (PORTELLI, 1984, p. 46).

    Essa fase compreendeu o perodo at a Reforma Protestante. A segunda compreende o

    perodo da Reforma at a atualidade, quando a Igreja busca defender seus privilgios, depois

    de ver seu espao diminudo no mundo moderno com a perda de diversas funes para as

    novas classes intelectuais e os novos aparelhos ideolgicos. Como essa fase de declnio,

    seus intelectuais so denominados de Tradicionais.

    Geralmente os autores que adotam referenciais tericos gramscianos, quando utilizam

    o conceito de intelectual orgnico recorrem s condies que permitiram Igreja Catlica

    proceder assim. Antonio Gramsci estruturou a fase orgnica em quatro perodos histricos: o

    aparecimento do catolicismo como movimento revolucionrio4; sua ligao com o Baixo

    Imprio; sua mutao como intelectual orgnico da classe feudal e a crise de hegemonia que

    estoura com as heresias. (PORTELLI, 1984, p. 45).

    Para o filosofo italiano, o Cristianismo Primitivo pode ser considerado como um

    movimento progressista por ter possibilitado s camadas subalternas agirem positivamente.

    Para ele, a religio crist:

    [...]- em um determinado perodo histrico e em condies histricas foi econtinua a ser uma necessidade, uma forma necessria da vontade das massaspopulares, uma forma determinada de racionalidade do mundo e da vida, fornecendoos quadros gerais para a atividade prtica real. [...] Mas, tambm neste caso, trata-sedo cristianismo ingnuo; no do cristianismo jesuitizado, transformado em simplespio para as massas populares. (GRAMSCI, 1991, p.24-25).

    O apogeu hegemnico da Igreja Catlica ocorreu durante a Alta Idade Mdia, quando

    a instituio dentro de suas mltiplas funes, enquanto aparelho ideolgico do Estado feudal,

    4Para Gramsci, o Cristianismo foi uma revoluo que deu certo, pois teria ido at o fim de seu desenvolvimento,tendo criado um novo sistema de relaes morais, filosficas, jurdicas, artsticas. Portelli (1984).

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    desempenhava servios os mais diversos na sociedade medieval. Dentre eles, havia a funo

    repressiva, esta, como conseqncia da hegemonia ideolgica da Igreja, atravs do Direito

    Cannico. Outra foi a funo social, que num plano secundrio de assistncia ao estamento

    servil, demonstra o controle da instituio sobre este. (PORTELLI, 1984).

    Quando se exalta a funo que teve a Igreja na Idade Mdia em favor das classesinferiores, esquece-se simplesmente uma coisa: que esta funo no estava ligada Igreja como expoente de um princpio religioso-moral, mas Igreja comoorganizao de interesses econmicos bastante concretos, que devia lutar contraoutras ordens que pretendiam diminuir sua importncia. Portanto, esta funo foisubordinada e incidental: mas os camponeses no eram menos extorquidos pelaIgreja do que pelos senhores feudais. Talvez se possa dizer o seguinte: que a Igrejacomo comunidade dos fiis conservou e desenvolveu determinados princpiospoltico-morais em oposio Igreja como organizao clerical, [...]. (GRAMSCI,2001, p.178).

    Coadunamos com o pensamento de Portelli (1984), quando este afirma que a funo

    fundamental da Igreja Catlica foi a ideolgica.

    Mas a funo essencial da Igreja continua sendo a funo ideolgica: a religiocatlica a concepo oficial do mundo da sociedade feudal e a Igreja, enquantoaparelho ideolgico nico, encontra-se em situao privilegiada, na medida em quetodas as atividades superestruturais devem conformar-se ao quadro ideolgico doqual ela tem o controle e cuja reproduo ela assegura Igreja, Universidade, artesetc.A funo da Igreja facilitada por seu vnculo orgnico com todas as classes dasociedade: como intelectual orgnico da classe dirigente, a Igreja controlaestreitamente a aristocracia feudal. Mas o clero tambm conserva seu carter inicialde intelectual das classes subalternas; surge da uma contradio que se tornarsempre mais aguda, [...] entre a base real do clero classe feudal e os princpiosreligiosos e morais que ele inculca e que so os da classe populares. (PORTELLI,1984, p. 60).

    Contudo, a partir do sculo XIII, intensificam-se alguns movimentos religiosos

    populares, que ora levaram a casta intelectual catlica a romper com as massas, ora

    conduziram a instituio a absorver esses movimentos.

    Friedrich Engels em A Guerra dos Camponeses(1977), assinala que os movimentosreligiosos populares foram na realidade, expresso da luta de classes mascaradas pela religio.

    Mesmo naquilo a que chamamos as guerras religiosas do sculo XVI, tratava-se,antes de mais, de interesses materiais de classe muito claros e essas guerras eramlutas de classes, tanto na Inglaterra e na Frana. Se as lutas de classes tinham, nessapoca, um carcter religioso, se os interesses, as necessidades, as reivindicaes dasdiferentes classes se dissimulavam sob a mscara da religio, isso em nada altera oassunto e explica-se facilmente pelas condies da poca. [...] pois natural quetodos os ataques dirigidos em geral contra o feudalismo fossem, antes de mais,ataques contra a Igreja; todas as doutrinas revolucionrias, sociais e polticas,deviam ser, ao mesmo tempo e principalmente, heresias teolgicas. Para poder

    afectar as condies sociais existentes era preciso tirar-lhes o seu carcter sagrado.(ENGELS, 1977, p.116-117).

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    J Antonio Gramsci, remete-se formao do Estado italiano e s relaes entre os

    intelectuais catlicos e as massas como causadoras das heresias medievais. Para ele, a Igreja

    tinha mais do que o monoplio ideolgico na Itlia, alcanando o campo poltico. Quanto aos

    movimentos religiosos populares5, o filsofo italiano analisou principalmente os mtodos de

    luta e os objetivos destes, do que a composio social dos envolvidos. (PORTELLI, 1984). A

    forma encontrada pela Igreja para reagir a esses ataques ao seu bloco, nesse momento, foi o

    de remanejar a sociedade civil. O franciscanismo um excelente exemplo de como a cpula

    romana soube cooptar um movimento que ideologicamente trazia uma mensagem diferente da

    sua.

    As reformas luterana, inglesa e francesa foram as responsveis pela desagregao do

    bloco catlico-feudal e perda da hegemonia ideolgica catlica. A reforma luterana no teria

    atingido a Itlia devido ao Renascimento, por ter sido esta um movimento cultural das classes

    superiores, no atingindo s massas, que por sua vez, nos pases onde a reforma foi

    engendrada, tomou partido. J sobre a reforma inglesa, Gramsci evidencia a passagem dessa

    nova concepo de mundo de esprito capitalista para a sua plena realizao, a prtica. A

    Revoluo Francesa significou a ruptura entre o clero e as massas, mas apenas no campo

    poltico, uma vez que a populao francesa continuava francamente religiosa e catlica.

    (PORTELLI, 1984).

    Eis o pensamento de Gramsci sobre fatos que abalaram a estrutura catlica:

    Podem ser identificados na vida da Igreja alguns pontos decisivos: o primeiro oque se identifica com o cisma entre o Oriente e Ocidente, de carter territorial, entreduas civilizaes histricas contrastantes, com escassos elementos ideolgicos eculturais, [...] O segundo o da Reforma, que se verifica em condies bastantediversas e que tem como resultado uma separao territorial; tem, especialmente, umcarter cultural e determina a ContraReforma e as decises do Conclio de Trento,que limitam bastante as possibilidades de adaptao da Igreja Catlica. O terceiro o da Revoluo francesa (reforma liberal-democrtica), que obriga ainda mais a

    Igreja a endurecer e mumificar-se num organismo absolutista e formalista do qual oPapa o chefe nominal, com poderes teoricamente autocrticos, na verdade muitoescassos, pois o sistema, no seu conjunto, s se mantm graas ao seu enrijecimentode paraltico. (GRAMSCI, 1980, p.323).

    A Reforma Catlica teria conseguido estancar os movimentos religiosos populares

    graas a poderosa Companhia de Jesus.

    Mas a Contra Reforma esterilizou este pulular de foras populares: a Companhia deJesus a ltima grande ordem religiosa, de origem reacionria e autoritria, comcarter repressivo e diplomtico, que assinalou com o seu nascimento o

    5Tanto Gramsci quanto Engels crem que existem dois tipos de movimentos religiosos: os movimentos herticosburgueses urbanos - que contestavam a hegemonia eclesistica feudal e os movimentos autenticamentepopulares. Portelli (1984).

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    endurecimento do organismo catlico. As novas ordens, surgidas posteriormente,tm um pequenssimo significado religioso e um grande significado disciplinarsobre a massa dos fiis: so ramificaes e tentculos da Companhia de Jesus (ou setornaram isso), instrumentos de resistncia para conservar as posies polticasadquiridas, e de modo nenhum foras renovadoras de desenvolvimento. O

    catolicismo se transformou em jesuitismo. O modernismo no criou ordensreligiosas, mas sim um partido poltico: a democracia crist. (GRAMSCI, 1991, p.20).

    Dentro da Instituio Catlica no existia uma homogeneidade ideolgica de fato,

    apenas aparentemente, uma vez que internamente havia disputas entre Jansenistas, Jesutas,

    Modernistas, Integristas ou Integrais dentre outras. Para Gramsci (2001), catlicos Integristas,

    Jesutas e Modernistas representavam as trs tendncias orgnicas do Catolicismo, as foras

    que disputavam a hegemonia ideolgica na Igreja Romana.

    Os Integristas foram os mais conservadores, surgiram no sculo XIX, em oposio ao

    Iluminismo do sculo XVIII. Defendiam a concepo de que todos os aspectos da vida social

    e poltica deveriam ser conformados com base nos princpios imutveis da Doutrina Catlica.

    Para Gramsci:

    Os catlicos integrais foram muito felizes durante o papado de Pio X;representaram uma tendncia europia do catolicismo politicamente de extremadireita. Naturalmente eram mais fortes em determinados pases, como a Itlia, aFrana, a Blgica, onde, sob formas diversas, as tendncias de esquerda em poltica

    e no campo intelectual manifestavam-se com mais fora na organizao catlica.(GRAMSCI, 1980, p.317).

    Os Modernistas por sua vez, estavam mais esquerda no bloco ideolgico catlico e

    tentaram sensibilizar a cpula romana para uma conciliao com a emergente fora liberal.

    Gramsci nos chama a ateno para o fato de no haver um modelo fixo e facilmente

    identificvel do modernista e do modernismo. Segundo ele:

    Pode-se dizer que existiam diversas manifestaes do modernismo: 1) a poltico-social, que tendia a aproximar a Igreja das classes populares, portanto favorvel ao

    socialismo reformista e democracia (talvez seja esta manifestao a que maiscontribuiu para provocar a luta dos catlicos integrais, estreitamente ligados sclasses mais reacionrias e especialmente nobreza ligada terra e aoslatifundirios em geral, como demonstram o exemplo francs da Action Franaiseeo exemplo italiano do Centro cattolico ) e em geral s correntes liberais; 2) acientfico-religiosa que sustenta uma nova atitude em relao ao dogma e crtica histrica. Em oposio tradio eclesistica; portanto, tendncia a umareforma intelectual da Igreja. (GRAMSCI, 1980, p.334).

    Os Jesutas firmavam-se no centro. Para neutralizar as outras duas correntes e

    confirmarem a hegemonia no bloco catlico trabalharam em dois sentidos: condenar e

    aniquilar as outras tendncias e, ao mesmo tempo, trazer para si os setores moderados das

    mesmas. Seriam eles os verdadeiros Intelectuais Tradicionais.

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    [...] aps o Conclio de Trento e a fundao da Companhia de Jesus - no maissurgiu nenhuma grande ordem religiosa ativa e fecunda, de novas ou renovadascorrentes de sentimento cristo; surgiram novas ordens, verdade, mas elas tiveramum carter por assim dizer - principalmente administrativo e corporativo. Ojansenismo e o modernismo, que foram os dois grandes movimentos religiosos que

    surgiram no seio da Igreja neste perodo, nem criaram ordens novas nem renovaramas antigas. (GRAMSCI, 1991, p.214).

    O perodo analisado por ele que mais nos interessa - por ser o mesmo pretendido por

    ns - foi o perodo da Restaurao. Depois do declnio sofrido pela Reforma Protestante e

    Revoluo Francesa, a Igreja Catlica perdeu definitivamente sua posio hegemnica. Com

    o advento da Revoluo Francesa, a Igreja de posio fundamental passou a ocupar uma

    posio subalterna. De Intelectual Orgnico do perodo medieval passou a Intelectual

    Tradicional. Teve fim a hegemonia ideolgica da Igreja Romana. Se, no mundo feudal, nohavia concorrncia ideolgica que lhe fizesse frente, na poca moderna e contempornea, um

    campo de opes se abriu, ampliando e consolidando ainda mais essa concorrncia.

    A Ao Catlica assinala o incio de uma poca nova na Histria da religiocatlica: de uma poca em que ela, de concepo totalitria (no duplo sentido: deque era uma concepo total do mundo de uma sociedade em sua totalidade), torna-se parcial (tambm no duplo sentido) e deve dispor de um partido prprio. Asdiversas Ordens Religiosas representam a reao da Igreja (comunidade dos fiis oucomunidade do clero), a partir do alto ou a partir de baixo, contra as desagregaesparciais da concepo do mundo (heresias, cismas, etc., e tambm degenerescncia

    das hierarquias); a Ao Catlica representa a reao contra a intensa apostasia deamplas massas, isto , contra a superao de massa da concepo religiosa domundo. No mais a Igreja que estabelece o terreno e os meios da luta; ao contrrio,ela deve aceitar o terreno que lhe imposto pelos adversrios ou pela indiferena eservir-se de armas tomadas de emprstimo ao arsenal de seus adversrios (aorganizao poltica de massa). A Igreja, portanto, est na defensiva, perdeu aautonomia dos movimentos e das iniciativas, no mais uma fora ideolgicamundial, mas apenas uma fora subalterna. (GRAMSCI, 2001, p.152-153).

    Como as crticas da Santa S, atravs das inmeras encclicas, no impediram o

    avano do liberalismo, nem mesmo do socialismo, a Igreja no teve outra sada seno, a de

    aliar-se ao estado burgus para poder sobreviver. A cpula romana acabou por abandonar a

    luta contra o Estado liberal, em prol de aliar-se a ele, porque o temor ao socialismo era maior.

    Outro fator que Gramsci considerava tambm importante foi a situao econmica difcil da

    Santa S, que entre outras coisas, implicava em uma limitao vocacional. A Igreja cedeu

    primeiramente na Frana. Na Itlia, sede do Catolicismo, o processo foi mais lento e apenas

    nos anos vinte do sculo XX o pacto com o Estado fascista se efetivou de fato. No Brasil, as

    relaes iniciaram-se timidamente tambm nos anos vinte do mesmo sculo e se fortaleceram

    nos anos trinta para se consolidarem durante o Estado Novo.

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    A Cria Romana valeu-se tambm, das Concordatas que estabeleceu com diversos

    pases da Europa e das Amricas, para no perder totalmente sua influncia nas sociedades

    desses pases.

    A capitulao do Estado moderno atravs das concordatas mascarada,identificando-se verbalmente concordatas com tratados internacionais. Mas umaconcordata no um tratado internacional comum: com a concordata verifica-se, defato, uma interferncia de soberania num nico territrio estatal, pois todos osartigos de uma concordata referem-se aos cidados de apenas um dos Estadoscontratantes, sobre os quais o poder soberano de um estado estranho justifica ereivindica determinados direitos e poderes de jurisdio (mesmo sendo umadeterminada e especial jurisdio). (GRAMSCI, 1980, p.303).

    ***

    O universo central do nosso trabalho foi a cidade do Salvador, embora a Arquidioceseda Bahia englobe uma rea muito mais abrangente. Buscamos nos concentrar no limite

    temporal dos anos 30 do sculo passado, apesar de termos que recuar dcada de 1920 para

    compreender a gestao do projeto de Restaurao Catlica iniciada nesses anos. Tambm

    tivemos que nos reportar, mesmo que rapidamente, dcada de 1940 para finalizar algumas

    discusses.

    Com a finalidade de resgatar a Restaurao Catlica na Bahia, e as articulaes

    polticas de Dom Augusto lvaro da Silva nesse projeto da Igreja Catlica brasileira,recorremos a fontes eclesisticas e no eclesisticas. Dentre as eclesisticas deparamo-nos

    com duas categorias de fontes:

    a) Impressas: Cartas Pastorais de Dom Augusto lvaro da Silvaque trazem mensagem da

    Igreja Catlica para o seu rebanho. Nelas, entre outras coisas, o Arcebispo informa ao

    clero e ao corpo de fieis as orientaes de comportamento e vivncia da instituio para a

    comunidade catlica; Termos de Visitas Pastoraisde 1926 a 1954, livro que descreve as

    visitaes cannicas oficiais do Arcebispo por toda a Arquidiocese da Bahia; Livro do

    Primeiro Congresso Eucarstico Nacional Brasileirorealizado de 3 a 10 de setembro de

    1933 em Salvador, esse livro rene todos os discursos e seminrios (teses) apresentados

    no Congresso; Coletnea de Sermes de Dom Augusto lvaro da Silva e documentos

    diversossobre o Recolhimento do Senhor Bom Jesus dos Perdes;

    b) manuscritas: Cartas da Regente do Recolhimento do Senhor Bom Jesus dos Perdes;

    Cartas da recolhida Beatriz Campello do referido Recolhimento; Documento das

    intenes da fundao do mesmo Recolhimento; Relao patrimonial do dito

    Recolhimento; Cartas de professoras do Educandrio do Sagrado Corao de Jesus; Cartas

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    de alunas do referido Educandrio e Carta de um monge beneditino a Dom Augusto

    lvaro da Silva.

    Para auxiliar no tratamento das fontes eclesisticas, comparando ou complementando-

    as, trabalhamos tambm com fontes no eclesisticas:

    a) impressas: os jornais A Tarde; Dirio de Notcias; Estado da Bahia; O Imparcial da

    dcada de 1930; Constituio da Repblica dos Estados Unidos do Brasil de 1934;

    Constituio do Estado da Bahia de 1935, Discurso do Deputado Constituinte Dantas

    Jnior O Nome de Deus na Constituio Bahiana de 1935; livreto Cardeal da Silva de

    amigos em homenagem ao primeiro ano de falecimento de Dom Augusto lvaro da Silva.

    No caso dos jornais, tivemos a precauo para no valorizar excessivamente asinformaes, a menos se estas pudessem ser devidamente comprovadas. Buscamos trabalhar

    com um maior nmero de jornais tendo em vista que as matrias publicadas tinham conotao

    diferenciada mesmo quando retratavam os mesmos fatos. Isso se explica pelo fato dos jornais

    representarem os interesses de grupos divergentes que atuavam no momento estudado por

    ns. Por isso, apesar de excelente fonte de informaes para o pesquisador ponderamos essas

    implicaes.

    Trabalhamos tambm, com a fonte oral, atravs de depoimentos colhidos ementrevistas com membros do clero baiano que conheceram Dom augusto lvaro da Silva. Os

    depoimentos de Monsenhor Gilberto Piton, Monsenhor Gaspar Sadoc da Natividade e

    Monsenhor Walter Magalhes contriburam para que pudssemos traar um perfil do

    Arcebispo Primaz com mais clareza e objetividade6, como tambm para contrapor a oralidade

    utilizao das fontes escritas, o que compreende um dos gneros da Histria Oral. (MEIHY,

    1996).

    No podemos deixar de citar algumas dificuldades encontradas para ter acesso ao

    Arquivo da Cria Metropolitana de Salvador (ACMS), local onde se encontra a maior parte

    das fontes eclesisticas. Este se encontra sob a guarda da Universidade Catlica do Salvador

    desde 1999, estando desde ento, fechado para pesquisadores de todo o pas. Apesar disso,

    obtivemos permisso no segundo semestre de 2001, para l pesquisarmos. Contudo, outros

    obstculos surgiram. O mais grave o fato de o acervo no estar ainda devidamente

    organizado. Toda a documentao existente est distribuda em 900 caixas de papelo, sem

    indicaes precisas do que contm cada uma, embora existam listas indicando os documentos

    6No se trata de uma biografia, por no ser essa nossa inteno nem termos fontes suficientes para tanto.

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    existentes nas mesmas. Mas, muitas vezes, depois de abertas as caixas, verifica-se que os

    documentos no correspondem lista. Devido a esse problema fomos obrigados a modificar o

    planejamento inicial e trabalhar com os documentos que foram sendo encontrados. Por isso,

    bom assinalar que as referncias dos documentos citados so provisrias tombamento de

    mudana.

    A dissertao foi elaborada em quatro captulos que tentam analisar o Catolicismo na

    Bahia e apesar da escassez documental, acreditamos que contribua para seno um

    enriquecimento historiografia catlica do perodo, ao menos, trazer tona, acontecimentos

    polmicos ocorridos na cidade do Salvador dos anos trinta e que so ainda pouco conhecidos.

    O primeiro captulo traa a trajetria da Igreja Catlica no Brasil no qual buscamos

    enfocar o modelo de Igreja adotado nos perodos colonial e imperial e a sua ruptura com a

    implementao da Repblica no Pas. No segundo discorremos sobre as relaes entre a Igreja

    Catlica e o Estado Republicano, como a instituio agiu para pressionar o novo Estado a

    aliar-se a ela, atravs de festas comemorativas religiosas e Congressos catlicos, a Ao

    Catlica Brasileira (ACB) e da Liga Eleitoral Catlica (LEC), discutimos o significado da

    Revoluo de 1930, o apoio de Dom Augusto ao Tenente Juracy Magalhes, e as articulaes

    polticas do Arcebispo Primaz.No terceiro captulo optamos por resgatar alguns incidentes

    que tentaram macular a imagem da Igreja Catlica baiana, com ataques diretos ao Arcebispo

    D. Augusto lvaro da Silva ou a sacerdotes catlicos como o caso do Padre. Ricardo Pereira.

    Acreditamos que esses ataques escondiam motivos polticos ocultos como o Caso dos Perdes

    episdio bastante polmico para a S primacial do Brasil na poca e ainda hoje mal

    interpretado e que representou um momento de tenso e crise entre o Arcebispado e o

    Estado baianos. O quarto captulo traz uma sntese biogrfica de D. Augusto lvaro da Silva,

    alguns de seus sermes e discursos que ilustram o seu pensamento, bem como a anlise dos

    Termos de Visitas Pastorais, que mostram as aes do prelado na administrao da

    arquidiocese baiana.

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    Captulo I

    A IGREJA CATLICA NO BRASIL

    Quando o gnio da feo gnio das conquistas

    Irmanados, fiis, emarrojados planos,

    Recobriamdeloiro eglrias nunca vistas

    O lbaro imortal dos povos lusitanos,

    Surgiu, - no a mercdecausas imprevistas

    Mas a luz genial dos clculos humanos,

    EsseBrasil imenso, essepas da Cruz,

    Consagrado, ao nascer, crena deJesus.

    [...]

    Das matas colossais recurvas sobreas vagas

    O odor do virgemseio expande-seno ar,

    Levando aos quevemvindo as suntuosas plagas

    Da certeza feliz das terras dalmmar.

    E emcada virao balsmica das plagas,

    E emcada ondulao do oceano a soluar,

    Redizemcomardor: - Pas da Santa Cruz;

    A terra para o Rei eo povo para Jesus.

    [...]

    (Carlos Neto, 1942, p.102-103)

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    A Igreja Catlica representa no mundo ocidental, entre outros papis, o de um

    centro de autoridade e poder. (ALBERIGO, 1999, p.16). Desde a sua fundao passou por

    diversas transformaes em sua estrutura e funcionamento e, quando da sua insero no novo

    mundo, algumas mudanas j haviam ocorrido, como a separao entre o clero e os leigos,

    por exemplo. Nem sempre fora assim.

    Conforme Giuseppe Alberigo (1999), nos primrdios do Cristianismo os cristos

    participavam das atividades sacramentais da Igreja, principalmente nos sacramentos da

    Penitncia e da Eucaristia, sendo excludos de tais atividades apenas a partir do sculo IV.

    Outro momento de participao dos fiis nos primeiros sculos do Cristianismo dizia respeito

    escolha de seus representantes. Contudo, essa realidade comeou a transformar-se entre os

    sculos IV e V, com o demasiado aumento de fiis e a participao de todas as classes sociais.

    Ocorreu tambm, uma mudana qualitativa, pois a sociedade categorizou-se e passou a

    distingir-se: oratores, bellatores, laborantes. E, quando a Igreja foi definitivamente

    absorvida pelo Imprio Romano, as transformaes em sua estrutura e funcionamento

    modificaram, irremediavelmente, a vida dos cristos, reduzindo-lhes cada vez mais espao

    dentro da instituio7 e elevando o status do ministrio sacerdotal, imprimindo assim, a

    dualidade: cristos de primeira e segunda grandeza.

    Com a consolidao do feudalismo e a sua respectiva organizao social, a antiga

    unidade crist foi rompida, sucumbindo s categorizaes as comunidades crists irms foram

    classificadas verticalmente e no mais horizontalmente como outrora. A Cristandade feudal

    implantou uma concepo de Igreja baseada na autoridade e na hierarquia. Foi tambm nesse

    perodo, que a Igreja teve um largo crescimento de seu patrimnio, o que permitiu uma maior

    autonomia da ordem clerical. A Igreja Romana transformou-se, de fato, num centro de poder e

    autoridade no mundo ocidental.

    A Igreja Catlica no Perodo Colonial

    No Brasil, A Igreja Catlica sempre foi dependente do Estado, tanto no perodo

    colonial quanto no perodo independente do Imprio. Durante a vigncia da relao

    7Seguindo os passos de Giuseppe Alberigo (1999, p. 91), adotamos o conceito de instituio como uma formaou estrutura fundamental de organizao social, caracterizada pela durao e identidade no tempo [...] por umafisionomia impessoal e por um equilbrio varivel entre os fatores organizativos e os valores ou servios que soo objeto e a motivao da instituio.

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    metrpole-colnia os religiosos encontravam-se sob a tutela do Estado portugus8, que lhes

    conferia privilgios e vantagens. Aps a independncia ficou estabelecido o regime do

    Beneplcito Imperial, segundo o qual, as orientaes da Cria romana estabelecidas por Bulas

    Papais, Encclicas e outros tipos de documentos oficiais da Santa S, s teriam validade

    depois de sancionadas pelo imperador.

    O regime do Padroado9estabelecia um compromisso entre a Coroa portuguesa e a

    Cria Romana e os governantes tinham o direito e o dever de administrar os negcios

    eclesisticos. Alm dos direitos do Padroado, em 1522, o papa Adriano conferiu a D. Joo III

    a dignidade de Gro-mestre da Ordem de Cristo, transmitida em seguida aos seus sucessores

    no trono..(AZZI, 1987, p.21). Isso confirmava ainda mais aos reis de Portugal, a liderana da

    Igreja no Brasil. Assim, ficava a cargo dos monarcas lusitanos, a criao e o desenvolvimento

    da Igreja Catlica em domnios portugueses, sendo de sua responsabilidade construir e

    conservar os templos, remunerar os sacerdotes, bem como apresentar os candidatos para as

    parquias e dioceses.

    A instalao oficial da Igreja Catlica brasileira ocorreu em 1551, com a criao do

    primeiro bispado, na Bahia, a partir da Bula Super Specula Militantis Ecclesiae, de 25 de

    fevereiro do mesmo ano. Nela, o Pontfice Jlio III ratifica o Padroado como demonstra Azzi,

    em A Cristandade Colonial: Um projeto autoritrio:

    E declaradamente que o direito de padroado existe e de apresentao existe comtodo o seu vigor, essncia e eficcia em virtude de verdadeiras e totais fundao edotao reais, e ao dito rei compete como Gro-mestre ou administrador comoigualmente lhe compete em virtude de verdadeira e total doao, e no poder ela serderrogada nem mesmo pela Santa S, sem primeiro intervir o consentimentoexpresso de Joo, Rei e Gro-mestre, ou do administrador que ento for [...]. (AZZI,1987, p.23).

    Com a ereo do Bispado na Bahia, este passou a ser sufragneo da Arquidiocese de

    Lisboa, sendo desmembrado do Arcebispado de Funchal, que at ento era responsvel pelas

    Terras de Santa Cruz. Foi elevado a Arquidiocese em 16 de novembro de 1676, pela bula

    Inter Pastoralis Officii Curas do Pontfice Inocncio XI, sendo suas sufragneas as novas

    dioceses de Olinda e Rio de Janeiro, alm das de So Tom e Angola, na frica10. Apenas os

    8Os religiosos acabaram sendo incorporados tutela do Estado, depois de terem participado da reconquista daPennsula Ibrica.9 A base para a constituio do Padroado lusitano se deu pelas Bulas: Romanus Pontifex, de 8/01/1455 de

    Nicolau V; Inter Coitera de 13/03/1456 de Calixto II; Eterni Regis de21/06/1481 de Sisto IV e PraeclaraeDevotionsde 3/11/1514 de Leo X. Riolando Azzi.(1987).10Ambas s foram desmembradas do Arcebispado da Bahia em 1845, (duas dcadas aps a Independncia)passando a serem sufragneas da Arquidiocese de Lisboa. Thales de Azevedo (1978).

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    Bispados do Maranho (1677) e do Par (1719) ficaram fora da sua jurisdio, passando a se

    incorporarem ao Arcebispado da Bahia somente em 1827. O Brasil s passou a constituir-se

    em duas provncias eclesisticas em abril de 1892, quando Leo XIII promulgou a bula Ad

    Universas Orbis Ecclesias. A Bahia passou a ser sede do Norte e o Rio de Janeiro, a do Sul.

    Devido a esses antecedentes histricos que o Arcebispado da Bahia reconhecido como

    Primaz desde 1870, sendo confirmado esse ttulo em 1892 (AZEVEDO, 1978).

    Quanto relao de Padroado, Thales de Azevedo (1978) afirma: [...] estabelece-se,

    destarte, no Brasil um regmen de subordinao completa da Igreja ao Estado absoluto, em

    que a proteo prometida estrutura eclesial e vida religiosa vem a ser desfalcada

    consideravelmente pela opressiva ingerncia secular no sagrado. (AZEVEDO, 1978, p. 80).

    Para uma anlise da formao do Catolicismo brasileiro, faz-se necessrio

    compreender o modelo de Igreja vivido no perodo cristandade lusitana com fortes

    caractersticas medievais e as particularidades desse modelo ao ser transplantado para o

    Brasil no sculo XVI. Conforme Azevedo (1978):

    Esse modelo de relacionamento tem razes mais prximas na Idade Mdia europia,com persistncia mais prolongada exatamente na Pennsula Ibrica no atingidapelas divises da Reforma luterana e calvinista: no existindo ainda, nos inciosdaquele perodo, uma noo definitiva e vigorosa de Estado, a Igreja era a instituio

    dominante em todas as esferas da sociedade, por isso que tinha o monoplio detodos os meios para a salvao; da lhe advinha a autoridade tanto sobre o espiritualquanto sobre o temporal. Esse princpio de organizao cobre a totalidade dosterritrios, cabendo ao administrador cristo converter todos ali residentes. Dissodecorre a obrigao para todos de aceitar espontaneamente ou pela coero, como nocaso dos pagos e infiis, a religio catlica, o que explica, no Brasil nascente, obatismo em massa de ndios e de africanos. Um terceiro elemento consiste emabranger, pela religio todos os aspectos e fases da existncia humana, donde caber Igreja fazer a expressa e direta regulamentao das relaes sociais e at dostrmites seculares, como o registro dos nascimentos, a legitimao da propriedade, aposse da terra, que at a Repblica so atribuies suas no Brasil. (AZEVEDO,1978, p. 86-87).

    Devido obrigatoriedade do sistema religioso catlico na colnia, a formao do

    Catolicismo brasileiro teve forte influncia da Inquisio, apesar de nunca ter havido um

    Tribunal do Santo Ofcio no Brasil. Ocorreram, porm visitaes do Santo Ofcio durante os

    sculos XVI e XVII, em Pernambuco e na Bahia. Conforme Hoornaert:

    A inquisio ajudou poderosamente a formar (ou deformar) a conscincia catlicano Brasil, criando a impresso de que todos so catlicos da mesma forma,obedecendo s mesmas normas e lutando contra os mesmos inimigos. O catolicismo o cimento que une a nao, o lao que prende a todos, o local de reunio e

    confraternizao entre as raas as mais diversas que compem a nacionalidade:afirmaes como estas se repetem de gerao em gerao, embora elas pareambastante levianas para quem sentiu o clima de medo e de represso existente nacolnia. (HOORNAERT, 1978, p. 14).

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    No sculo XVII, com o largo desenvolvimento comercial, a Santa Inquisio

    comeou a deportar muitos cristos novos brasileiros e a confiscar seus bens. Para evitar tais

    atitudes, a sociedade brasileira buscou atravs de demonstraes apologticas da f,

    assegurar-se no sistema colonial vigente. Cunhava-se assim, o Catolicismo brasileiro:

    superficial, apologtico, repressor e preocupado em demasia com a forma.

    Diante deste clima de medo criado pelas denunciaes, visitaes, deportaes,represses e confiscos, os brasileiros reagiram de maneira inteligente: criaram umcatolicismo ostensivo, patente aos olhos de todos, praticado sobretudo em lugarespblicos, bem pronunciado e cheio de invocaes ortodoxas a Deus, Nossa Senhora,os santos. Todos tinham que ser muito catlicos para garantir a sua posio nasociedade, e no cair na suspeita de heresia. (HOORNAERT, 1978, p. 16).

    Esse formalismo mais preocupado com a exteriorizao do que com o contedopossibilitou por outro lado, a formao e propagao de diversos cultos sincrticos.11Outra

    conseqncia do catolicismo fortemente presente na vida pblica das pessoas foi a grande

    multiplicao de Irmandades e Confrarias pelo Pas, nas quais a sociedade buscava variados

    servios de ordem social.

    Atravs dos conventos, das parquias, das irmandades e confrarias formou-se umasociedade na qual ningum escapava necessidade de apelar para instituiesreligiosas: para conseguir emprego, emprestar dinheiro, garantir sepultura,providenciar dote para filha que queria casar-se, comprar casa, arranjar remdio.

    (HOORNAERT, 1978, p. 18).

    As Constituies Primeiras do Arcebispado da Bahia (1707), intensificaram ainda

    mais, o sentimento de temeridade e represso durante o perodo colonial. Acrescente-se a isso

    a falta de livros e universidades para contribuir com o desenvolvimento de um catolicismo

    formal, severo e repressor. As tentativas anteriores chegada da famlia real em 1808 foram

    fracassadas ou duramente perseguidas. A importao de livros tambm sofreu censura, e a

    implantao de universidades nunca fez parte dos planos de Portugal para sua colniaamericana.

    Outro prejuzo para a cultura e a evangelizao proveio da falta de universidades.Portugal no quis saber de universidades no seu vasto imprio ultramarino. Era maisfcil controlar as lideranas a partir de Coimbra, que formava os quadrosintelectuais, eclesisticos, administrativos e jurdicos para a sia, a frica e aAmrica portuguesas, pelo menos a partir da reforma pombalina. Isso em contrastecom a Amrica espanhola onde houve universidades desde o inio da colonizao:So Domingos (1537), Lima (1552), Mxico (1553), Cuzco (1592), Quito (1591),Santa F de Bogot (1573), Crdoba (1613). Houve tambm imprensa no Mxicodesde 1539. (HOORNAERT, 1978, p.20).

    11 Uma prova disso a sobrevivncia dos cultos africanos. Utilizamos o conceito de sincretismo, comoHoornaert (1978, p. 23) numa acepo mais ampla do termo, como a coexistncia de elementos entre siestranhos dentro de uma religio e que segundo ele, seria uma exigncia da misso.

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    Concomitantemente ao Catolicismo oficial, largamente difundido no Brasil, formou-

    se tambm um tipo de catolicismo denominado popular ou catolicismo de devoo.

    O catolicismo tradicional de origem medieval e lusitana possui um carter

    nitidamente sacral, alicerado numa cosmoviso transcendente onde Deus e osdemais seres sobrenaturais se manifestam de modo imediato no mundo e na histria.O acesso ao divino, no entanto, feito atravs dos santos, nos quais o homem buscaproteo e aos quais pede intercesso, suprindo assim sua prpria insegurana,insuficincia e limitao. De fato, a figura do santo faz com que o sobrenaturalesteja diretamente ao alcance do homem que assim pode estabelecer um contatoimediato com o Sagrado, sem necessidade de intermedirios oficiais da instituioeclesistica. (MATOS, 1989, p. 101).

    Esse tipo de Catolicismo, de carter mais intimista, foi a forma encontrada pelas

    classes populares medievais portuguesas para resistir ao catolicismo romano oficial (VAZ,

    1979 e AZZI, 1987). Com o incio da colonizao no Brasil, esse conjunto de devoes foi

    transplantado, caracterizado principalmente por culto a inmeros santos. O aspecto

    exteriorista e tipicamente social assumido pela religio oficial durante o perodo colonial

    contribuiu para a sobrevivncia desse catolicismo devocional do povo, com larga margem de

    sincretismo(AZZI, 1987, p.215).

    Conforme Riolando Azzi (1977 b), o modelo de igreja conhecido por Cristandade,

    implantado no Brasil desde o incio da colonizao entrou em crise em meados do sculoXIX.

    A Igreja Catlica no Imprio

    Logo aps a Independncia surgiu no seio da prpria hierarquia catlica, rumores

    sobre a necessidade de se reformar a Igreja Catlica brasileira. Debateram-se duas correntes

    de opinio a esse respeito: a) a liberal-nacionalista, liderada pelo Pe. Antnio Feij, que alm

    de Regente (1835-1837) havia sido Ministro da Justia (1831-1832). Os liberais pretendiam

    construir uma Igreja Nacional sem Congregaes Religiosas, submetida a um Conclio

    Nacional; b) os ultramontanos, que visavam ligaes mais estreitas com a Santa S,

    devotando total obedincia s suas orientaes e ao Santo Padre.

    O ultramontanismo12, entendido como um movimento de renovao catlica, pode

    ser caracterizado conforme Azzi (1994) e Casali (1995), como tridentino, romanizador e

    episcopal. Romanista ou romanizador, porque previa total obedincia ao Sumo Pontfice e s12 Movimento poltico idealizado por Pio IX, que objetivava fortalecer a autoridade papal, e buscava acentralizao das Igrejas nacionais em torno da Cria Romana.

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    orientaes da Cria Romana; episcopal, porque foram os integrantes da hierarquia

    eclesistica que o implantaram e o divulgaram ao resto do clero e aos fiis13 e tridentino,

    porque as resolues do conclio de Trento, passaram a ser aplicadas mais enfaticamente no

    pas. Por isso o movimento visava a reforma do clero e segundo Casali:

    O tempo cuidaria do desaparecimento gradual do tradicional clero tpico do regimedo Padroado e concentrado no meio rural. Uma ampla reforma dos Seminriosdeveria ter como efeito a formao de um novo perfil de sacerdote: sbio,disciplinado, celibatrio, trabalhador. (CASALI, 1995, p. 60-61).

    A posio tridentina, entre outras coisas, afirmava a submisso dos sacerdotes aos

    bispos. Quanto s funes e deveres do cargo houve um retorno ao preceito divino como uma

    forma de estimular os bispos a exercerem suas funes da melhor maneira possvel. Eles so oexemplo, a luz para o rebanho. Devem adotar a figura do bom pastor. (ALBERIGO, 1999).

    Como representantes do ultramontanismo no Brasil podemos destacar: D. Romualdo

    Antnio de Seixas, Arcebispo da Bahia e Primaz do Brasil; D. Romualdo Coelho, bispo do

    Par; D. Marcos Souza, bispo do Maranho e D. Antnio Ferreira Vioso, bispo de Mariana

    que segundo Casali (1995) foi o precursor de tal movimento no Pas.

    O Regalismo ou Padroado Rgio comeou de fato, em 1827, quando D. Pedro I

    recebeu a bula Praeclara Portugallie de Leo XII, que o informava a respeito do

    reconhecimento da Santa S ao Imprio brasileiro. Mas D. Pedro j havia se antecipado

    quando outorgou a Constituio de 1824, na qual garantia amplos poderes a si, incluindo

    neles o domnio da Igreja Catlica. (CASALI, 1995). Conforme Thales de Azevedo:

    O papado, que antes era apenas consultado ou informado de determinadas decisesdo Estado em matria eclesistica e religiosa, cedo procurado pelo imperador paraque lhe confirme as prerrogativas do padroado: tenta-se uma Concordata com aSanta S, a qual legitime e reconhea ao soberano os poderes de sua verso galicanadas regalias de Gro-mestre da Ordem de Cristo, que considera herana sua prpria

    e indiscutvel comopatrimnio da Casa de Bragana. A Santa S no atende a essareivindicao e nega-se mesmo a discuti-la com Mons. Vidigal, o enviado especialdo Imperador. (AZEVEDO, 1978, p.123).

    medida que se fortaleceu o regime monrquico buscou-se afastar a Igreja brasileira

    da Cria Romana. Pretende-se, e nalguns casos consegue-se, cortar as relaes das ordens

    religiosas com suas casas-mes na antiga Metrpole e em Roma. Probem-se os brasileiros

    que professam em ordens religiosas no exterior de serem recebidos nos conventos do pas.

    13Inclusive atravs da Imprensa Catlica. Na Bahia, por exemplo, foram criados a Crnica Religiosa em 1869, aSemana Religiosa em 1878 e a Religio em 1887, que passou a chamar-se Monitor Catlico. Thales de Azevedo(1978).

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    (AZEVEDO, 1978, p. 126). Dada essa dificuldade de contato, a hierarquia brasileira ficou

    afastada e at certo ponto desinformada das orientaes da Cria Romana.14Contudo, a partir

    dos anos 70 do sculo XIX, o movimento ultramontano intensificou-se no Brasil quando,

    coincidentemente, comearam a afirmar-se os ideais liberais e republicanos.

    D. Antnio de Macedo Costa, bispo do Par e um dos cones da Questo Religiosa,

    j desde 1863 denunciava o exagero da intromisso imperial nos assuntos da Igreja.

    (CASALI, 1995). Mas a situao s veio a complicar-se dez anos depois, quando ele e D. Frei

    Vital Maria Gonalves de Oliveira, bispo de Pernambuco15, determinaram em suas respectivas

    dioceses, o afastamento de membros maons de Irmandades e/ou tipos de associaes

    religiosas. Tendo em vista a desobedincia de algumas associaes, os bispos suspenderam-

    nas, interditando tambm suas capelas.

    Nesse nterim, Pio IX lanou a Bula Quanquam Dolores ameaando aos maons

    brasileiros de excomunho e incitando o episcopado a dissolver Irmandades que mantivessem

    membros maons.

    As associaes por sua vez, recorreram ao governo imperial alegando que as

    associaes alm de religiosas eram tambm civis; que as bulas papais que condenavam a

    Maonaria no tiveram o Beneplcito Imperial ocorrendo, portanto, abuso por parte dosbispos que no poderiam ter mais poderes que o imperador. O monarca brasileiro deu ganho

    de causa aos representantes das Irmandades e Associaes desobedientes e como os Bispos

    no respeitaram sua deciso, foram presos em 1874, julgados e condenados a 4 anos de priso

    com trabalhos forados, sendo anistiados em 1875 pelo Gabinete Caxias, o qual, apesar de ser

    maom preferiu dar uma trgua ao episdio conhecido na historiografia brasileira como

    Questo Religiosa.

    Para David Gueiros (1980), a insegurana inicial do Imprio brasileiro fez com que ogoverno ficasse atento s tentativas romanas de interferncia nos negcios nacionais,

    buscando controlar ao mximo as aes da instituio no Brasil. Uma aliada foi a Maonaria,

    que alm de no permitir nenhum dogma religioso, nem adotar qualquer teologia com seus

    princpios liberais e ecumnicos, consistia em fora poderosa no Imprio.16 Os ideais de

    progresso cientificistas apregoados pelos maons batiam de frente contra as propostas

    conservadoras dos ultramontanos brasileiros, que a partir de 1860 com Pio IX, vem o embate

    14Havia comunicao precria atravs dos nncios e internncios. Thales de Azevedo (1978).15O primeiro tendo participado do Conclio Vaticano I em 1870.16O Visconde do Rio Branco, chefe do Gabinete no tempo da Questo Religiosa, por exemplo, era Gro-mestredo Lavradio. Oscar de F. Lustosa (1982).

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    ideolgico entre as duas foras que pleiteavam a dirigir o mundo ocidental cristo: a Igreja

    Catlica Romana que defendia a primazia dos valores tradicionais catlicos na conduo das

    sociedades crists e o liberalismo laicizante, que defendia a total independncia do Estado e

    da economia da inferncia religiosa.

    A provocao exibicionista dos adeptos da maonaria de que era possvel ser bomcatlico e maom ao mesmo tempo, a celebrao de missas, programadas epromovidas com o intuito de demonstrar o poder das lojas e de seus membros, aimposio, feitas pelos dois bispos, para a eliminao dos quadros das Irmandadesde maons publicamente conhecidos e declarados, a interdio das Irmandades quedesobedeceram aos mandamentos dos Prelados (1873) no fez mais do que acionaruma srie de dispositivos legais (Placet eRecurso ab abusu) e de mecanismospolticos [...] Quaisquer que tenham sido as reservas dos catlicos, especialmente dahierarquia, em relao natureza da luta entre a maonaria e os bispos, o certo queela transbordara da rea exclusivamente religiosa para incorporar-se ao processo

    poltico da nao. (LUSTOSA, 1982, p. 35, 37).

    O ponto mais grave da situao que se configurou foi o fato da Igreja no poder

    contar com o apoio do Estado ao qual estava atrelada pelo regime do Padroado, uma vez que

    seus representantes eram em grande parte membros de lojas manicas. Nesse perodo, o

    Imprio brasileiro ficou receptivo s misses protestantes, o que preocupou muitssimo o

    episcopado brasileiro, temeroso de se protestantinizar o Brasil. 17 Tanto Elizete da Silva

    (1998) como Gueiros (1980) evidenciam em seus trabalhos, a importncia das correntes

    migratrias norte-americanas para o crescimento das denominaes protestantes no Brasil.

    Um movimento protestante de emigrao em massa, dos Estados Unidos para oBrasil, parecia estar a caminho entre 1865 e 1868. Essa ameaa de uma invasoprotestante, a julgar pelos jornais ultramontanos da poca e pela correspondncia dointernncio com Roma, parece ter sido mais inquietante para a Igreja do que a guerrado Paraguai. (VIEIRA, 1980, p.210).

    Os primeiros grupos protestantes a migrarem sistematicamente para o Brasil foram

    anglicanos e luteranos a partir do incio do sculo XIX. At ento, a presena de comunidades

    protestantes foi rarefeita e relacionou-se com as ocupaes francesa e holandesa no Pas, nos

    sculos XVI e XVII. (SILVA, 1998). Conforme Elizete da Silva (1998), o conflito entre as

    potncias Inglaterra e Frana pela hegemonia poltica e econmica da Europa, desde o sculo

    XVIII, e agravadas pelo bloqueio continental imposto por Napoleo Inglaterra trouxe

    conseqncias no somente aos pases europeus como tambm s suas colnias. Portugal,

    aliado da Inglaterra, propiciou a esta a soluo:

    17O trabalho missionrio protestante no Brasil comeou segundo Gueiros, ainda na primeira metade do sculoXIX, mais precisamente entre 1836-1842, no Rio de Janeiro, pelos Metodistas Daniel P. Kidder e JustinSpaulding. David Gueiros Vieira (1980).

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    [...] a colnia portuguesa na Amrica seria o escoadouro da sua produo industrial,a soluo para o boicote econmico e poltico imposto pela Frana. Numa explcitatroca de favores, onde a Inglaterra ficou com a parte do leo, o Prncipe regente D.Joo recebeu o apoio ingls para a expulso dos franceses em territrio portugus e,em contrapartida, garantiria o mercado brasileiro para os sditos de S. M. Britnica.

    (SILVA, 1998, p. 32).

    Em 1808, a vinda da famlia real portuguesa para o Brasil e as decises dos dois

    Tratados Aliana e Amizade e o de Comrcio e Navegao de 1810, dando plenas

    vantagens para a Inglaterra, promoveram alteraes no campo social e religioso da colnia.

    Alm das transformaes poltico-econmicas e sociais, o episdio da transfernciada famlia real portuguesa para o Brasil, em 1808, afetou sobremaneira o quadroreligioso brasileiro e baiano. Como nao oficialmente protestante, a Inglaterragarantiu para os seus sditos privilgios de carter religioso, sem precedente na

    histria da colnia. evidente que tais privilgios, que se opunham ao monoplio daIgreja Catlica, s foram concedidos em decorrncia do poder econmico que aInglaterra tinha sobre Portugal. (SILVA, 1998, p33).

    A reao catlica no tardou e ao que parece, partiu do Arcebispado da Bahia.

    Conforme mile-Guillaume Lonard (s/d):

    Os propagandistas protestantes no haviam a princpio, ultrapassado os limites deuma simples evangelizao sem atacar propriamente o catolicismo; entretanto, asautoridades eclesisticas catlicas j haviam advertido os seus fiis contra a tentaodas novas doutrinas; como oarcebispo da Bahia, por exemplo, ao tempo de Feij ede Kidder; [...] (LONARD, s/d, p. 105).

    A partir de 1873, incidentes contra os protestantes e seus cultos, comearam a

    ocorrer em diversas localidades do Pas como: Recife (PE) em 1873; Ja (SP) em 1877;

    Salvador (BA) em 1882, 1883 e 1884; So Bernardo (SP) em 1884; Juiz de Fora (MG) em

    1884; Po de Acar (AL) em 1887; Porto Belo (SC) em 1890; Campos (RJ) em 1894;

    Pimenta (MG) em 1895, dentre outros que eclodiram at 1896. Nesses conflitos ocorriam

    desde a proibio do culto, apedrejamento de pastores e templos - por vezes, eramincendiados tambm - priso de adeptos at a proibio de sepultamentos de membros das

    denominaes protestantes nos cemitrios administrativos pelos catlicos.18. (LONARD,

    s/d). Os nimos eram mais acirrados no Nordeste e no Rio de Janeiro, devido ao antagonismo

    de ambas as partes, e pioraram quando os choques migraram do campo religioso estendendo-

    se para a esfera poltica.

    18Em So Bernardo (SP) em 1883, por exemplo, o Vigrio da regio no permitiu que o filho de um Italiano

    presbiteriano fosse enterrado no cemitrio da cidade, obrigando o pai do garoto a lev-lo dentro de um cesto at capital. Em 1890, o sacerdote catlico de Porto Belo (SC) tambm impediu o sepultamento de um protestante,desta vez, de origem brasileira. mile Lonard (s/d). Esses fatos aconteciam porque os cemitrios eramadministrados pelas Igrejas e Irmandades catlicas.

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    O protestantismo, por muito tempo quase que inexistente no Brasil, havia sido nocampo da poltica apenas um tema de discusses tericas entre o partido catlico eos liberais. [...] Mas com o desenvolvimento do protestantismo, formaram-se logoncleos, numrica e socialmente importantes, que atraram lderes liberais deprimeira linha, como os Nogueira Paranagu, no Piau, e que haveriam de defend-lo

    com todas as suas foras e em qualquer campo. Dessa forma o protestantismo setornava tambm uma fora poltica que no tinha diante de si destino de suaparquia, mas toda a gama de chefes polticos, desde os chefes da cidade atmesmo os governadores. (LONARD, s/d, p. 113-114).

    O historiador francs refere-se ao fato de nem sempre as autoridades polticas estarem

    afinadas com o setor catlico, dependia da orientao ideolgica de cada governante. Em

    Pernambuco, por exemplo, at o governo liberal de Barbosa Lima (1897), os protestantes no

    sofreram muitas perseguies. Seu sucessor, porm, representante dos catlicos, permitiu uma

    reao muito mais incisiva e violenta, culminando na primeira morte de um fiel, que pa