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Boletim Informativo da SBCS - tema principal: plantio direto. O Sistema de Plantio Direto e a sustentabilidade na agricultura 1 Pedro Luiz de Freitas, Eng. Agrônomo, Ph.D. em Ciência do Solo Pesquisador da Embrapa Solos e Assessor Técnico da APDC E_mail: [email protected] Desde o inicio dos anos 70, uma revolução tem acontecido na agricultura brasileira em busca da sustentabilidade através do Plantio Direto. Fruto da integração tecnológica e da troca de experiências norteada pelo trabalho de produtores pioneiros, sempre reverenciados na figura de Herbert Bartz, que vem praticando o PD continuamente desde 1972 em sua fazenda em Rolândia, no Paraná, a adoção do Sistema Plantio Direto (SPD) tem crescido rapidamente e ocupa hoje cerca de 30 % da área agrícola do país (veja gráfico). Constitui uma das mais concretas ações do Brasil (senão a única) em atendimento as propostas estabelecidas na AGENDA 21, sendo um exemplo para os países tropicais e subtropicais de todo o mundo (Saturnino, 1998) e vem despertando grande interesse internacional. O SPD reúne uma série de práticas norteadas pela técnica de plantio sem movimentação do solo. Combina práticas bem conhecidas, como a rotação de culturas e a adubação verde, com àquelas resultantes de recentes avanços tecnológicos seja no aprimoramento do manejo de plantas daninhas com herbicidas dessecantes, no desenvolvimento de sistemas mais eficientes de abertura de sulco das plantadeiras, inclusive de tração animal, na introdução de plantas de cobertura para formação de palhada, ou na integração de técnicas de manejo de pragas e doenças, incluindo o controle biológico. Além disso, na busca da sustentabilidade, o SPD incorpora conceitos envolvidos tanto na integração e diversificação de atividades (especialmente da lavoura com a pecuária), permeando as várias cadeias de produção, quanto na agricultura de precisão. As vantagens da adoção do SPD são muitas e bem conhecidas, como o controle da erosão hídrica e eólica, a maior eficiência agronômica e flexibilidade operacional, minimizando as perdas de insumos e eliminando a sedimentação e poluição de mananciais hídricos. Por incluir a rotação de culturas, as culturas de cobertura e, principalmente, a manutenção de resíduos na superfície (palhada), temos ainda a reciclagem de nutrientes, a melhoria da dinâmica da matéria orgânica e do complexo de cargas do solo, a reestruturação física e seus efeitos na dinâmica da água e do ar, além da menor variação de temperatura e umidade do solo, proporcionando maior crescimento de raízes, desenvolvimento de organismos responsáveis pela vida no solo. Outras vantagens são listadas por Saturnino e Landers (1997), tais como a melhor interação entre o homem e a natureza; a preservação de solos produtivos e de recursos hídricos, com potencial para recupera-los e melhorá-los; a proteção da biodiversidade; a menor demanda por abertura de novas áreas; e, a redução substancial de consumo de combustíveis fósseis por área ou tonelada de grão produzida. Para a sociedade, a principal vantagem é a viabilização de uma agricultura produtiva, próspera e sustentável, resultando em custos menores em alimentos básicos e menor migração da população rural para cidades grandes, principalmente quando se viabiliza tal sistema na agricultura familiar. Na verdade, mais que um conjunto de técnicas, o Plantio Direto tem se tornado uma verdadeira filosofia, associando, de um lado, os caminhos tecnológicos, que promovem a sustentabilidade do uso 1 Freitas, P.L.de. O Sistema de Plantio Direto e a sustentabilidade na agricultura. Boletim Informativo, Soc. Bras. Ciência do Solo, Viçosa, 24(3): 24-28. 1999.

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SPD é muito mais que um conjunto de práticas agrícolas visando a modernização da agricultura com base em conhecimento técnico-científicos conhecidos. Trata-se de uma filosofia que envolve todo o sistema produtivo na busca da sustentabilidade na agricultura, apoiada na perseverança e visão de produtores, integrando seus esforços aos de pesquisadores, professores, técnicos em extensão rural e assistência técnica, publica e privada, da industria de máquinas e insumos, do poder publico através de ministérios, secretárias estaduais e municipais, sistemas de crédito e seguro rural, em parceria com toda a sociedade.

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Boletim Informativo da SBCS - tema principal: plantio direto.

O Sistema de Plantio Direto e a sustentabilidade na agricultura 1

Pedro Luiz de Freitas, Eng. Agrônomo, Ph.D. em Ciência do Solo Pesquisador da Embrapa Solos e Assessor Técnico da APDC

E_mail: [email protected]

Desde o inicio dos anos 70, uma revolução tem acontecido na agricultura brasileira em busca da sustentabilidade através do Plantio Direto. Fruto da integração tecnológica e da troca de experiências norteada pelo trabalho de produtores pioneiros, sempre reverenciados na figura de Herbert Bartz, que vem praticando o PD continuamente desde 1972 em sua fazenda em Rolândia, no Paraná, a adoção do Sistema Plantio Direto (SPD) tem crescido rapidamente e ocupa hoje cerca de 30 % da área agrícola do país (veja gráfico). Constitui uma das mais concretas ações do Brasil (senão a única) em atendimento as propostas estabelecidas na AGENDA 21, sendo um exemplo para os países tropicais e subtropicais de todo o mundo (Saturnino, 1998) e vem despertando grande interesse internacional.

O SPD reúne uma série de práticas norteadas pela técnica de plantio sem movimentação do solo. Combina práticas bem conhecidas, como a rotação de culturas e a adubação verde, com àquelas resultantes de recentes avanços tecnológicos seja no aprimoramento do manejo de plantas daninhas com herbicidas dessecantes, no desenvolvimento de sistemas mais eficientes de abertura de sulco das plantadeiras, inclusive de tração animal, na introdução de plantas de cobertura para formação de palhada, ou na integração de técnicas de manejo de pragas e doenças, incluindo o controle biológico. Além disso, na busca da sustentabilidade, o SPD incorpora conceitos envolvidos tanto na integração e diversificação de atividades (especialmente da lavoura com a pecuária), permeando as várias cadeias de produção, quanto na agricultura de precisão.

As vantagens da adoção do SPD são muitas e bem conhecidas, como o controle da erosão hídrica e eólica, a maior eficiência agronômica e flexibilidade operacional, minimizando as perdas de insumos e eliminando a sedimentação e poluição de mananciais hídricos. Por incluir a rotação de culturas, as culturas de cobertura e, principalmente, a manutenção de resíduos na superfície (palhada), temos ainda a reciclagem de nutrientes, a melhoria da dinâmica da matéria orgânica e do complexo de cargas do solo, a reestruturação física e seus efeitos na dinâmica da água e do ar, além da menor variação de temperatura e umidade do solo, proporcionando maior crescimento de raízes, desenvolvimento de organismos responsáveis pela vida no solo. Outras vantagens são listadas por Saturnino e Landers (1997), tais como a melhor interação entre o homem e a natureza; a preservação de solos produtivos e de recursos hídricos, com potencial para recupera-los e melhorá-los; a proteção da biodiversidade; a menor demanda por abertura de novas áreas; e, a redução substancial de consumo de combustíveis fósseis por área ou tonelada de grão produzida. Para a sociedade, a principal vantagem é a viabilização de uma agricultura produtiva, próspera e sustentável, resultando em custos menores em alimentos básicos e menor migração da população rural para cidades grandes, principalmente quando se viabiliza tal sistema na agricultura familiar.

Na verdade, mais que um conjunto de técnicas, o Plantio Direto tem se tornado uma verdadeira filosofia, associando, de um lado, os caminhos tecnológicos, que promovem a sustentabilidade do uso

1 Freitas, P.L.de. O Sistema de Plantio Direto e a sustentabilidade na agricultura. Boletim Informativo, Soc. Bras. Ciência do Solo, Viçosa, 24(3): 24-28. 1999.

e do manejo dos recursos naturais – solo, água, ar e biodiversidade, utilizando conceitos da agricultura ecológica e suas variações e, de outro lado, induzindo a maior profissionalização do agricultor, melhorando os processos de produção agrícola. Para nós, cientistas do solo, essa é a maior vantagem do SPD, uma vez que, aumentando a capacidade gerencial do produtor, a tecnologia gerada nos laboratórios e campos experimentais tem muito mais chance de ser adotada, valorizando nosso esforço pessoal e o de nossas instituições.

Os órgãos de fomento e pesquisa, liderados pela Embrapa e CNPq, estão intensificando seus esforços no sentido de discutir e intensificar a P & D nos diferentes aspectos envolvidos no SPD, reconhecendo que esse é hoje um importante gargalo na evolução da adoção do SPD. A preocupação principal são os problemas de segunda geração, os quais surgem quando modificações expressivas nas condições físicas químicas e biológicas dos solos começam a se expressar interferindo na atividade biológica, na dinâmica da matéria orgânica, na infestação por patogenos e nas populações de insetos e de ervas daninhas, assim como na eficiência agronômica de insumos.

Dessa forma, ações concretas têm acontecido, como a realização, em março de 1998, do Workshop que discutiu o Sistema Produtivo Plantio Direto como a cadeia da sustentabilidade na agricultura, em uma ação conjunta do CNPq/Programa de C & T para o Agronegócio, Embrapa, APDC/FEBRAPDP, FUNAPE/GO e SRH/MAA. A participação de representantes de diferentes segmentos da sociedade, preocupados com a sustentabilidade do agronegócio brasileiro, assim como de representantes de instituições públicas ligadas ao setor agrícola e ambiental, foi fundamental para a definição dos pontos de estrangulamento para o desenvolvimento do SPD. Em outra oportunidade, a FEBRAPDP e APDC organizaram o 6º Encontro Nacional de Plantio Direto na Palha em Brasília, reunindo representantes dos diferentes segmentos envolvidos e, mais uma vez, discutindo temas relevantes, com ênfase ao comportamento do solo com rotação de culturas e palhadas, o controle fitossanitário a luz da nova dinâmica de pragas, doenças e plantas daninhas, e o desenvolvimento de plantadeiras e de nova técnicas de semeadura.

Plataforma Plantio Direto Para este ano, dependendo da liberação de recurso já orçamentados, está reservada a

Organização de uma Plataforma Tecnológica para o Direcionamento de Projetos Cooperativos de P & D em SPD. Proposto pela FEBRAPDP/APDC, Embrapa e FUNAPE/GO, esse projeto foi submetido e acatado pelo PADCT/MCT. Resumidamente, visa a montagem de uma base para o avanço tecnológico rápido e seguro em direção a uma agricultura sustentável em termos ambientais, econômicos e sociais, através da pesquisa agropecuária e da adoção do SPD em todo o Brasil. A principal atividade será o levantamento, junto aos produtores e técnicos, das demandas e, em especial, da oferta tecnológica regionalizada, que traduz as experiências bem sucedidas no sentido de resolver problemas práticos e reais. Constitui assim uma iniciativa que reconhece e fortalece o envolvimento da pesquisa agropecuária através da Embrapa, dos institutos estaduais de pesquisa, como o IAPAR e IAC, das universidades e fundações, com apoio da iniciativa privada, organizações de agricultores e demais órgãos públicos.

O surgimento da Plataforma Plantio Direto surgiu do reconhecimento da necessidade de se realizar um confronto entre a demanda espontânea, proposta pelos usuários, e a vasta oferta tecnológica sobre o SPD, respeitando as características regionais e considerando o fato de que o sistema exige adaptações, que acontecem rapidamente devido às sensíveis mudanças sofridas pelo ambiente, aos níveis de rizosfera, fazenda, meso ou macro-regiões. O esforço continuo de reavaliação faz com que a plataforma seja dinâmica, contribuindo para a obtenção de uma maior eficácia das

práticas envolvidas e de uma maior eficiência dos trabalhos de transferencia de tecnologia. O projeto considerará também a discussão do impacto ambiental, discutindo o papel do SPD como despoluidor ambiental, atuando na imobilização de C (efeito estufa) e como um grande reator, contribuindo efetivamente para a redução do uso de agroquímicos como insumos.

O projeto conta com a participação efetiva dos cientistas do solo, atuando como um corpo técnico virtual, com o papel de interpretar o conjunto de demandas e de ofertas tecnológicas obtido, levantando o estado da arte e a sua universalidade ou transferibilidade. Isto proporcionará a formação de um banco de dados composto de um catálogo dinâmico de demandas espontâneas e de ofertas tecnológicas, desagregadas regionalmente, que será disponibilizado pela internet, e que será o pano de fundo para a formulação de projetos cooperativos. Anexo, a plataforma oferecerá um inventário das necessidades de capacitação de agentes de ATER, dos mecanismos e métodos de difusão do SPD, e das leis e normas existentes e necessárias para estimular a expansão do SPD em prol de uma agricultura sustentável

Conclusão SPD é muito mais que um conjunto de práticas agrícolas visando a modernização da agricultura

com base em conhecimento técnico-científicos conhecidos. Trata-se de uma filosofia que envolve todo o sistema produtivo na busca da sustentabilidade na agricultura, apoiada na perseverança e visão de produtores, integrando seus esforços aos de pesquisadores, professores, técnicos em extensão rural e assistência técnica, publica e privada, da industria de máquinas e insumos, do poder publico através de ministérios, secretárias estaduais e municipais, sistemas de crédito e seguro rural, em parceria com toda a sociedade.

Essa integração, no entanto, exige que haja uma forte interação entre os diferentes atores envolvidos. Nesse quadro, cabe aos cientistas do solo o desenvolvimento de sua capacidade de observação, interpretando e decodificando as práticas e soluções propostas para os problemas chamados de segunda geração do SPD, a partir da experiência do agricultor e dos técnicos de campo. Com certeza, a motivação para que essa integração aconteça existe e é real. A APDC tem proposto um modelo de desenvolvimento, validação e transferência de tecnologia envolvendo os Clubes Amigos da Terra (CATs), constituídos em função do SPD, que têm sido o elo facilitador para todo o processo de integração tecnológica, como já acontece nas regiões de Rio Verde – GO, Uberaba e Unaí – MG, possibilitando a concentração de esforços dos cientistas em demandas claras e reais (EDITORIAL, 1998). Esse esforço é parte integrante do projeto CATs que a APDC vem desenvolvendo, com o apoio do MAA/SRH, MAA, Embrapa, etc. com o objetivo de fortalecer o manejo racional de bacias hidrográficas a partir da difusão e implementação do SPD.

REFERÊNCIAS PEREIRA, M. H. A Segunda Revolução Verde. In: Saturnino, H. M. & Landers, J. N. (eds.) O

Meio Ambiente e o Plantio Direto. Goiânia. APDC, 1997. Saturnino, H. M. & Landers, J. N. (eds.). O Meio Ambiente e o Plantio Direto. Goiânia: APDC,

1997. 116 p. Saturnino, H. M. Sustentabilidade do Agronegócio: Contribuição do sistema de Plantio Direto. In:

Caldas, R. de A. et al. (eds.) Agronegócio Brasileiro – Ciência, Tecnologia e Competitividade. Brasília, CNPq, 1998. Pp. 215-224.

Editorial. “Direto no Cerrado”: Ano 3, N. 10. Brasília, APDC, Out., 1998.

ANEXO: GRÁFICO TITULO: Expansão da área com Plantio Direto no Brasil e na região dos Cerrados.

(Adaptado de Pereira, 1997, citada por Saturnino, 1998)

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