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Sistema Plantio Direto: Modificando o ensino de Solos Pedro Luiz de Freitas Ronaldo Trecenti A agronomia é, por definição, o ramo da agricultura que lida com a produção de alimentos e fibras e o manejo do solo e, consequentemente, da água e da biodiversidade, recursos naturais que têm, em última instância, os agricultores por gestores. O engenheiro agrônomo é o responsável por assistir e aconselhar o agricultor na sua atividade. Seu paciente é o solo, sistema complexo e vivo. Sua opção, nessa sua missão de assistir o agricultor, é, por um lado, de ser engenheiro e tratar o solo como um mineral em intemperização, sem vida, onde plantas simplesmente adquirem suporte. Ou, por outro lado, de ser agrônomo, manejando os recursos naturais com base no entendimento pleno dos fenômenos biológicos que continuamente acontecem no solo. Assim fazendo, o engenheiro agrônomo estará apto a identificar práticas e processos que permitem ao agricultor atingir seus objetivos de alimentar, de vestir e de produzir moeda de troca internacional, com lucro e com qualidade de vida, mantendo o ambiente sadio para a vida do homem e de todos os outros seres vivos. Na verdade não se trata apenas de sua opção, como técnico ou como agricultor, mas a opção do país e de toda a humanidade, na busca da sobrevivência. O Professor Zander Navarro, em uma análise dos programas de microbacias executados nos estados do sul do País, tem relatado a necessidade de uma visão mais sistêmica do engenheiro agrônomo. Com certeza, essa necessidade é mais um reflexo dessa “engenheirização” que sofre o ensino de agronomia nas nossas mais de noventa escolas e faculdades em todo o país. Uma visão reducionista que foi imposta pela revolução verde e pela adaptação de processos e produtos dos países de clima temperado do hemisfério norte onde prevalece, como afirma o agricultor Eurides Penha. Essa visão fez a agronomia tornar-se uma ciência exata. A adoção do Sistema Plantio Direto (SPD), incorpora à agronomia conceitos milenarmente conhecidos e amplamente utilizados por correntes como a agricultura orgânica, biodinâmica e agroecológica, entre outras, os quais são combinados com avanços expressivos em termos de máquinas, agroquímicos e processos de manejo integrado de pragas, doenças e plantas invasoras ou indicadoras. Assim sendo, a engenharia agronômica adquire uma visão sistêmica, atenta à complexidade dos sistemas vivos, em especial o solo, e uma visão agrobiológica, permitindo que se olhe para a natureza como uma aliada e um modelo de equilíbrio a ser buscado. Dessa forma, o ensino de engenharia agronômica passa a se basear integralmente na observação das leis da natureza, com o uso de preceitos biológico- agronômicos, levando à substituição definitiva do amanho tradicional por técnicas, como o Sistema Plantio Direto, que proporcionem o mínimo necessário para fazer do solo “um ninho propicio para a deposição da semente e o crescimento das plantas, resultando no máximo de benefício para a humanidade”, como nos ensina, sempre com propriedade, o professor Dr. Zilmar Z. Marcos. O destaque nessa mudança no ensino de engenharia agronômica se dá, pela própria definição de agronomia, no ensino da ciência do solo. Processos físicos, químicos e biológicos no solo passam a ser controlados pelas plantas, em uma simbiose perfeita. O movimento de elementos básicos como o cálcio, magnésio, fósforo e potássio passam a ser conseqüência do processo de decomposição dos restos culturais ou, biologicamente falando, da escolha das culturas em rotação. O solo passa a ser um filtro natural para a água, tamponando os possíveis poluentes, sejam nitratos, inseticidas ou herbicidas, conduzindo água limpa para os mananciais.

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O solo, de qualidade e sadio, é o ambiente propício onde plantas buscam sustentação para o seu desenvolvimento, onde organismos vivem e em equilíbrio e onde ocorre a acumulação de CO2, mitigando os riscos do aquecimento global pelo efeito estufa e a destruição da camada de ozônio. Isto requer que seja incorporado ao ensino da ciência do solo todo o conhecimento técnico científico gerado nas últimas décadas, permitindo ao engenheiro agrônomo dar assistência aos agricultores que, com a adoção do SPD, passam a ser verdadeiros profissionais no gerenciamento dos recursos naturais. Freitas, P.L.de; Trecenti, R. Sistema Plantio Direto: Modificando o ensino de solos. Boletim Informativo, Soc. Bras. Ciência do Solo, Viçosa, 27(1): 15-16. 2002.

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Sistema Plantio Direto: Modificando o ensino de Solos

Pedro Luiz de Freitas Ronaldo Trecenti

A agronomia é, por definição, o ramo da agricultura que lida com a produção de alimentos e fibras e o manejo do solo e, consequentemente, da água e da biodiversidade, recursos naturais que têm, em última instância, os agricultores por gestores.

O engenheiro agrônomo é o responsável por assistir e aconselhar o agricultor na sua atividade. Seu paciente é o solo, sistema complexo e vivo. Sua opção, nessa sua missão de assistir o agricultor, é, por um lado, de ser engenheiro e tratar o solo como um mineral em intemperização, sem vida, onde plantas simplesmente adquirem suporte. Ou, por outro lado, de ser agrônomo, manejando os recursos naturais com base no entendimento pleno dos fenômenos biológicos que continuamente acontecem no solo. Assim fazendo, o engenheiro agrônomo estará apto a identificar práticas e processos que permitem ao agricultor atingir seus objetivos de alimentar, de vestir e de produzir moeda de troca internacional, com lucro e com qualidade de vida, mantendo o ambiente sadio para a vida do homem e de todos os outros seres vivos. Na verdade não se trata apenas de sua opção, como técnico ou como agricultor, mas a opção do país e de toda a humanidade, na busca da sobrevivência.

O Professor Zander Navarro, em uma análise dos

programas de microbacias executados nos estados do sul do País, tem relatado a necessidade de uma visão mais sistêmica do engenheiro agrônomo. Com certeza, essa necessidade é mais um reflexo dessa “engenheirização” que sofre o ensino de agronomia nas nossas mais de noventa escolas e faculdades em todo o país. Uma visão reducionista que foi imposta pela revolução verde e pela adaptação de processos e produtos dos países de clima temperado do hemisfério norte onde prevalece, como afirma o agricultor Eurides Penha. Essa visão fez a agronomia tornar-se uma ciência exata. A adoção do Sistema Plantio Direto (SPD), incorpora à agronomia conceitos milenarmente conhecidos e amplamente utilizados por correntes como a agricultura orgânica, biodinâmica e agroecológica, entre outras, os quais são combinados com avanços expressivos em termos de máquinas, agroquímicos e processos de manejo integrado de pragas, doenças e plantas invasoras ou indicadoras. Assim sendo, a engenharia agronômica adquire uma visão sistêmica, atenta à complexidade dos sistemas vivos, em especial o solo, e uma visão agrobiológica, permitindo que se olhe para a natureza como uma aliada e um modelo de equilíbrio a ser buscado.

Dessa forma, o ensino de engenharia agronômica passa a

se basear integralmente na observação das leis da natureza, com o uso de preceitos biológico-agronômicos, levando à substituição definitiva do amanho tradicional por técnicas, como o Sistema Plantio Direto, que proporcionem o mínimo necessário para fazer do solo “um ninho propicio para a deposição da semente e o crescimento das plantas, resultando no máximo de benefício para a humanidade”, como nos ensina, sempre com propriedade, o professor Dr. Zilmar Z. Marcos.

O destaque nessa mudança no ensino de engenharia agronômica se dá, pela própria definição de agronomia, no ensino da ciência do solo. Processos físicos, químicos e biológicos no solo passam a ser controlados pelas plantas, em uma simbiose perfeita. O movimento de elementos básicos como o cálcio, magnésio, fósforo e potássio passam a ser conseqüência do processo de decomposição dos restos culturais ou, biologicamente falando, da escolha das culturas em rotação. O solo passa a ser um filtro natural para a água, tamponando os possíveis poluentes, sejam nitratos, inseticidas ou herbicidas, conduzindo água limpa para os mananciais.

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Freitas, P.L. de & Trecenti, R. Sistema Plantio Direto: Modificando o Ensino de Solos

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Depoimentos do agricultor e músico Eurides Penha, pioneiro na adaptação e adoção do Sistema Plantio Direto nos Cerrados

Desmatei, arei, plantei, colhi e aprendi muito; adquiri siso e tino próprio sobre a coisa e até dei de gostar de plantar – plantando a gente modifica o mundo e se modifica, enquanto aguarda o momento certo da colheita. Até sonhos eu plantei, mas, nada se compara ao doce cheiro de terra virgem, que tem essência de útero e de vida. A tal revolução verde estava acontecendo, coisa de agrônomo norte-americano que garantia ser possível

salvar o planeta da fome à base do uso maciço de adubos químicos, sementes selecionadas e agroquímicos. Pacotes tecnológicos trazidos para o Brasil, sem consideração com as condições edafoclimáticas, culturais e financeiras. Não demorou muito, grandes parcelas dos solos agrícolas entraram em decadência. Deram o Premio Nobel para o agrônomo norte-Americano e, nos dias de hoje, uma em cada 6 pessoas passa fome no planeta. Prevalece o “saber-fazer” europeu – daí a força histórica daquela tal mania brasileira de arar e revolver os

solos antes do plantio, como se caísse neve aqui também e fosse necessário revolver a terra para que suas entranhas ficassem expostas a mais luz e calor. Ora, o Brasil é um país tropical, onde luz e calor são coisas que tem de sobra.

EEuurriiddeess PPeennhhaa nnaasscceeuu eemm 1940 em Morro Agudo, SP. Sua família é ligada à inovação agrícola (sobrinho do inventor da máquina de debulhar milho). Veio para Goiás no final dos anos 60. Na sua fazenda em Montividiu conduziu a primeira experiência bem sucedida de SPD nos cerrados no ano agrícola de 1981/82. Parou de plantar em 1983, mas continuou com suas experiências. Em 1992 criou a Sociedade de Estudos Técnicos do Cerrado e em 1999 publicou parte de suas experiências na viabilização do SPD sem o uso de herbicidas. Assim o solo, de qualidade e sadio, é o ambiente propício onde plantas buscam sustentação para o seu desenvolvimento, onde organismos vivem e em equilíbrio e onde ocorre a acumulação de CO2, mitigando os riscos do aquecimento global pelo efeito estufa e a destruição da camada de ozônio.

Isto requer que seja incorporado ao ensino da ciência do solo todo o conhecimento técnico-científico gerado nas últimas décadas, permitindo ao engenheiro agrônomo dar assistência aos agricultores que, com a adoção do SPD, passam a ser verdadeiros profissionais no gerenciamento dos recursos naturais.

Pedro Luiz de Freitas é Engenheiro Agrônomo, Ph.D. em Ciência do Solo, Pesquisador da Embrapa Solos, Coordenador da Plataforma Plantio Direto {www.embrapa.br/plantiodireto}. Colaborador técnico e Diretor Secretário Adjunto da APDC; Bolsista e Consultor Ad-Hoc do CNPq. End. eletrônico: [email protected]. Ronaldo Trecenti é Engenheiro Agrônomo; Coordenador de Treinamento da Associação de Plantio Direto no Cerrado - APDC (Brasília, DF); Secretario Executivo da Plataforma Plantio Direto. Bolsista do CNPq. End. eletrônico: [email protected].