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A PRODUTIVIDADE DA ESCOLA IMPRODUTIVA gaudêncio frigotto

FRIGOTTO, Gaudencio_A Produtividade Da Escola Improdutiva

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Livro digitalizado do autor Gaudêncio Frigotto para análise e estudo. PROIBIDO QUALQUER TIPO DE VENDA TOTAL OU PARCIAL DA OBRA.

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  • A PRODUTIVIDADE DA ESCOLA IMPRODUTIVA

    gaudncio frigotto

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Frigotto, Gaudncio. A produtividade da escola improdutiva: um (re) exame das

    relaes entre educao e estrutura econmico-social e capitalista/ Gaudncio Frigotto - 8. ed. - So Paulo : Cortez, 2006

    Bibliografia. ISBN 85-249-0152-7

    I. Capitalismo 2. Educao - Aspectos econmicos. I. Ttulo. II. Srie.

    CDD-338.4737 89-0074 -370.193

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. Capitalismo e educao 370.193 2. Economia e educao 338.4737 3. Economia: Economia 338.4737 4 Economia e capitalismo 370.193

  • Gaudncio Frigotto

    A PRODUTIVIDADE DA ESCOLA

    IMPRODUTIVA Um (re) Exame das Relaes

    entre Educao e Estrutura Econmico-Social Capitalista

    8a edio

    f, C O K T 6 Z ^ 6DITORQ

  • SUMARIO

    PREFCIO 3

    POSFCIO DA 5a EDIO BRASILEIRA E PREFCIO DA Ia EDIO EM CASTELHANO 7

    APRESENTAO 11

    INTRODUO 15

    1. O mbito da problemtica 15 2. Estruturao do trabalho 18 3. Notas metodolgicas: indicao de alguns riscos e delimitao de

    alguns conceitos utilizados 29

    EDUCAO COMO CAPITAL HUMANO: UMA TEORIA MANTENEDORA DO SENSO COMUM 35

    1. Teoria do capital humano: o movimento interno 36 1.1. O apelo de Adam Smith e seus discpulos 36 1.2. O conceito de capital humano nas anlises macro e

    microeconmica 38 1.3. O que se aprende na escola e o que funcional ao mundo do

    trabalho e da produo 46 1.4. Da anlise que "determina" as variaes na renda (individual ou

    social) aos "determinantes" de rendimento escolar: o determinante que se torna determinado 49

  • 2. A concepo do capital humano: do senso comum ao senso comum .. 52

    2.1. O carter de classe do mtodo de anlise da teoria do capital humano o mito da objetividade e da racionalidade . . 54

    2.1.1. O homo oeconomicus racional: O indivduo como unidade-base de anlise 57

    2.1.2. O "fator econmico" e estratificao social: a transfigurao da classe social em varivel 60

    AS CONDIES (HISTRICAS) QUE DEMANDAM E PRODUZEM A TEORIA DO CAPITAL HUMANO NO DESENVOLVIMENTO DO MODO DE PRODUO CAPITALISTA 69

    1. Homem, trabalho e a especificao do modo de produo capitalista da existncia 72

    2. A acumulao, concentrao e centralizao: leis imanentes do movimento de autovalorizao do capital e medidas de seus limites... 82

    3. O Estado intervencionista como articulador dos interesses intercapitalistas e como capitalistas: decorrncia histrica das novas formas de relaes de produo 100

    3.1. O Estado intervencionista: decorrncia histrica das novas formas de sociabilidade do capital 107

    3.2. A teoria do capital humano e a especificidade do modus operandi da educao na recomposio imperialista 120

    A PRODUTIVIDADE DA ESCOLA "IMPRODUTIVA": UM (RE)EXAME DAS RELAES ENTRE EDUCAO E ESTRUTURA ECONMICO-SOCIAL CAPITALISTA 133

    1. Da natureza mediata das relaes entre processo produtivo, estrutura econmico-social e processo educativo 136

    2. A produo do trabalhador coletivo e as dimenses econmicas da prtica educativa 144

    3. A desqualificao do trabalho escolar: mediao produtiva no capitalismo monopolista 162

    4. O trabalho como elemento de unidade tcnico-poltico na prtica pedaggica que medeia os interesses da "maioria discriminada" 180

    PROBLEMAS E PSEUDOPROBLEMAS: RECOLOCANDO AS QUESTES CENTRAIS DO TRABALHO 213

    BIBLIOGRAFIA 228

  • PREFCIO

    Economia da educao. Eis uma rea importante para a com-preenso objetiva do fenmeno educativo e que est a exigir esforo sistemtico dos estudiosos da educao.

    Essa rea se converteu em disciplina especfica a partir do incio da dcada de 60 quando da difuso da chamada "teoria do capital humano". E, com efeito, em torno de tal teoria que tm girado os estudos de economia da educao.

    No princpio (dcada de 60) a referida teoria foi desenvolvida e divulgada positivamente, sendo saudada como a cabal demonstrao do "valor econmico da educao". Em conseqncia, a educao passou a ser entendida como algo no meramente ornamental mas decisivo do ponto de vista do desenvolvimento da economia. Em tais circunstncias, a economia da educao s no se tornou moda generalizada entre os educadores devido s dificuldades de se lidar com a nomenclatura tcnica um tanto hermtica das cincias econ-micas. (Quem no se lembra das constantes referncias ao carter esotrico do economs?). Nesse momento, a teoria do capital humano se configurou como um dos elementos constitutivos e reforados da tendncia tecnicista em educao.

    Em seguida (dcada de 70), sob a influncia da tendncia crtico-reprodutivista, surge a tentativa de empreender a crtica da economia da educao. Buscou-se, ento, evidenciar que a subordinao da educao ao desenvolvimento econmico significava torn-la fun-cional ao sistema capitalista, isto , coloc-la a servio dos interesses da classe dominante uma vez que, qualificando a fora de trabalho, o processo educativo concorria para o incremento da produo da mais-valia, reforando, em conseqncia, as relaes de explorao. Ilustrativas dessa fase so as obras de Barbara Freitag, Estado, Escola e Sociedade e de Wagner Rossi, Capitalismo e Educao, publicados respectivamente em 1975 e 1978.

    Num terceiro momento (dcada de 80), busca-se superar os limites da crtica acima apontada, limites esses marcados pelo carter

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  • reprodutvista prprio da concepo que estava na sua base. Um primeiro esforo sistemtico nesse sentido ganha forma no livro de Cludio Salm, Escola e Trabalho, publicado em 1980. A ele se empenha em fazer a crtica das "crticas" pondo em evidncia a improcedncia da tese que liga direta e mecanicamente a educao com o processo de desenvolvimento capitalista. Entretanto, no af de demonstrar a autonomia do desenvolvimento capitalista em relao educao (o capital afirma ele no precisa recorrer escola para a qualificao da fora de trabalho; ele auto-suficiente; dispe de meios prprios) Salm acaba por absolutizar a separao entre escola (educao) e trabalho (processo produtivo). Assim sendo, a escola no teria a ver com a produo. Como, ento, explicar e justificar sua existncia? Salm, ao concluir seu livro, limita-se a mencionar uma possvel justificativa para a existncia da escola: a formao da cidadania.

    nesse debate que se insere o presente livro. Gaudncio Frigotto , a meu ver, o educador que melhores qualificaes rene para realizar um empreendimento crtico (no reprodutvista) da economia da educao. De formao originariamente filosfica, Gaudncio, ao assumir a condio de estudioso das questes educacionais, veio a integrar a competente equipe que desenvolvia o Programa Eciel, responsvel por consistentes pesquisas cujo quadro de referncia era o "teoria do capital humano". Ao retomar as reflexes filosficas no contexto do doutorado em filosofia da educao, Gaudncio vem a preencher os requisitos essenciais para empreender a crtica, com conhecimento de causa e a partir de seu interior, da teoria do capital humano. Com efeito, dispondo do instrumental terico e tendo com-preendido e vivenciado em sua experincia de pesquisa as caractersticas prprias da teoria do capital humano, estavam preenchidas as condies para desvendar as razes, isto , empreender uma crtica radical da referida teoria.

    Da, a estrutura deste livro.

    O primeiro captulo reconstitui a lgica interna teoria do capital humano pondo em evidncia o seu carter circular e a inverso que marca as anlises por ela produzidas.

    Mas, qual a razo desta lgica? O que explica o surgimento desta teoria com essa lgica especfica? O segundo captulo se empenha em responder a tais questes atravs da reconstituio da gnese histrica da teoria em questo. Explicitam-se, ento, as condies

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  • prprias do desenvolvimento do modo de produo capitalista a partir das quais se produziu a teoria do capital humano.

    Est, assim, constitudo o arcabouo a partir do qual se desenvolve a tese central do livro: a produtividade da escola improdutiva. Tal o objeto especfico do terceiro captulo. Percebe-se, ento, que a escola no produtiva a servio dos indivduos indistintamente, no seio de uma sociedade sem antagonismos, como supunham os adeptos da teoria do capital humano. Tambm no ela produtiva a servio exclusivo do capital como pretendiam os crticos (reprodutivistas) da referida teoria. E nem mesmo ela simplesmente improdutiva como pretendeu a crtica da crtica teoria do capital humano. Como se coloca, ento, as relaes entre educao e estrutura econmico-social capitalista? Eis a questo que este livro procura esclarecer.

    Se a teoria do capital humano estabeleceu um vnculo positivo entre educao e processo produtivo e seus crticos (reprodutivistas) mantiveram esse mesmo vnculo, porm com sinal negativo, a crtica aos crticos expressa no livro de Salm, desvincula a educao do processo produtivo. Ora, nas trs situaes postulava-se um vnculo direto, afirmado nos dois primeiros casos e negado no terceiro.

    Este livro situa, a meu ver, de modo correto a natureza da relao entre educao e processo produtivo uma vez que capta a existncia do vnculo mas percebe tambm que no se trata de um vnculo direto e imediato mas indireto e mediato. A expresso "pro-dutividade da escola improdutiva" quer sintetizar essa tese. Com efeito, se para a teoria do capital humano bem como para seus crticos a escola simplesmente produtiva e para Cludio Salm ela simplesmente improdutiva, para Gaudncio a escola (imediatamente) improdutiva (mediatamente) produtiva.

    Este livro situa-se, pois, no ponto mais avanado atingido pela economia da educao.

    E como o adequado entendimento das relaes entre educao e processo econmico de crucial importncia para a compreenso da prpria natureza e especificidade da educao, a leitura desta obra imprescindvel a todos os educadores. Constitui, pois, texto de consulta obrigatria nos cursos de formao de professores e espe-cialistas em educao, sendo tambm de interesse para economistas, historiadores, filsofos e cientistas sociais.

    So Paulo, outubro de 1984.

    Dermeval Saviani

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  • POSFCIO DA 5a EDIO BRASILEIRA E PREFCIO DA Ia EDIO EM CASTELHANO

    A produtividade da escola improdutiva publicado em 1984 no Brasil e com sua 4a edio esgotada, tem como eixo de anlise e apreenso das relaes entre os processos econmico-sociais e os processos educativos num contexto em que a crise atual do capitalismo mundial j apresentava fortes indcios.

    A questo central que se colocava naquele momento era de tentar entender as determinaes histricas, no mbito das relaes sociais capitalistas, que alaram a educao a um "fator" de produo capital humano, como campo especfico da economia. Tamanha era a centralidade deste tema nos anos 60/70 nas economias desen-volvidas que Theodoro Schultz ganhou, em 1978, o Prmio Nobel de Economia justamente pelo desenvolvimento da teoria do capital humano.

    A teoria do capital se apresentou nos anos 70 como uma teoria do desenvolvimento econmico. Postulava explicar, ao mesmo tempo, as desigualdades de desenvolvimento entre as naes e as desigualdades individuais. Para esta teoria a vergonhosa e crescente desigualdade que o capitalismo monopolista explicitava e se tornava cada vez mais difcil de esconder, devia-se, fundamentalmente, ao fraco investimento em educao, esta tida como o grmen gerador de capital humano ou maior e melhor capacidade de trabalho e de produtividade. A frmula seria simples: maior investimento social ou individual em educao significaria maior produtividade e, conseqentemente, maior crescimento econmico e desenvolvimento em termos globais e ascenso social do ponto de vista individual.

    O projeto Mediterrneo, patrocinado pela OCDE (Organizao de Cooperao e Desenvolvimento Econmico) , sem dvida, a expresso mais eloqente da crena das tcnicas de previso de mo-de-obra (man-power-aproach derivadas da teoria do capital hu-

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  • mano e, ao mesmo tempo, do seu fracasso). No obstante o rpido desencanto a nvel dos pases desenvolvidos, a teoria do capital humano disseminou-se de forma avassaladora na Amrica Latina por intermdio das polticas dos organismos internacionais (Banco Mundial, Fundo Monetrio Internacional, Organizao Internacional do Trabalho etc.).

    A dcada de 70 demarca, sem dvida, o incio das polticas educacionais na Amrica Latina vincadas pelo vesgo reducionista do economicismo e resultante tecnicismo e cuja operacionalizao se efetiva mediante a fragmentao dos sistemas educacionais e dos processos de conhecimento. Trata-se de polticas impostas, via de regra, por violentas ditaduras. O caso brasileiro , neste particular, emblemtico. Duas reformas, a universitria em 1968 e dos nveis de primeiro e segundo graus em 1971, completam um ciclo de ajuste da educao ao projeto do golpe civil-militar de 1964.

    E a situao dos pases da Amrica Latina, 25 anos depois, supostamente de grandes investimentos no capital humano, situam-se hoje, na correlao de foras internacionais e na distribuio de renda interna, em melhores condies? Certamente no. E o que ocorreu para que as profecias to alentadoras da teoria do capital humano no se cumprissem?

    A assertativa de Marx, epgrafe do primeiro captulo* deste livro, de que presos s representaes capitalistas (os economistas burgueses) vem sem dvida como se produz essa prpria relao, nos assinala as razes fundamentais deste fracasso. Ou seja, como nos mostra o socilogo brasileiro Octvio Ianni, na sociedade burguesa as relaes de produo tendem a configurar-se em idias, conceitos, doutrinas ou teorias que evadem seus fundamentos reais.

    O que a teoria do capital humano evade e esconde so as relaes capitalistas efetivas de produo, cuja lgica , ao mesmo tempo, de acumulao, concentrao e excluso. O que estava sendo anunciado no fim dos anos 60 era, justamente, a crise do padro de acumulao centrado sobre a organizao econmico-social que tinha como referncia o Estado-Nao e os modos de regulao social-de-mocrata, Estado de bem-estar ou modelo fordista. Como bem o demonstra Eric Hobsbawm em Naes e nacionalismos (1991), o capital transnacional sob a hegemonia do capital financeiro uma espcie de voltil ou nuvem que emigra de acordo com os espasmos da maximizao do lucro implode, do ponto de vista econmico

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  • a nao como referncia bsica. Com esta imploso os patamares de reproduo ampliada do capital, a recomposio dos nveis de lucro vo ter como parmetro critrios transnacionais. A crise do capital neste final de sculo expressa s uma vez mais pela incapacidade do capitalismo de solidariamente socializar a enorme capacidade produtiva. A sua lgica o impele ao processo de excluso e criao de desertos econmicos e humanos.

    E qual o sentido de reeditar este trabalho dez anos depois numa conjuntura de colapso do socialismo real e onde, aparentemente, o capitalismo provou sua supremacia a ponto de, paradigmaticamente, Fukuyama expor a tese do fim da histria para significar que a nica histria vivel a regida pela relaes sociais de "tipo natural" relaes capitalistas?

    Creio que Pablo Gentili ao prefaciar o livro A educao e a crise do capitalismo real (So Paulo, Cortez, 1995), no qual busco apreender as relaes entre a base material e ideolgica do capitalismo e sua mais ampla e aguda crise, neste final de sculo, e a educao, situa com preciso o sentido de insistir na reedio.

    "Este libro es, de alguna manera, la continuacin ms elocuente de A produtividade da escola improdutiva, texto que todavia hoy continua siendo de consulta obligada para quienes desarrollan pes-quisas en el area de Educacin y Trabajo. Esta lnea de continuidad entre dos obras separadas por una dcada constituye, al mismo tiempo, un dato alentador y trgico. Alentador, porque Frigotto continua discutiendo de forma clara y decidida los enfoques econo-micistas que reducen la educacin a mero factor de produccin, a "capital humano Trgico, porque todavia hoy esta ltima perspectiva continua expandindose con nuevos ropajes, con inditas y sedutoras mscaras que convencen, incluso, a muchos intelectuales que las combatan en el pasado".

    As novas roupagens ou mscaras, a que se refere Gentili, so as novas categorias de sociedade do conhecimento, qualidade total, formao flexvel, formao de competncias e empregabilidade, que na realidade apenas efetivam uma metamorfose do conceito de capital humano. Os componentes da formao, apenas com uma materialidade diversa exigida pela nova base cientfico-tcnica, so os mesmos que constituem o constructo capital humano: habilidades cognitivas (edu-cao abstrata, polivalente) e traos psicossociais, atitudes, valores etc. (criatividade, lealdade, esprito de equipe, colaborao com a

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  • empresa etc.). A subordinao unidimensional do educativo aos pro-cessos capitalistas de produo contnua intacta, ainda que mais sutil, veiada e, por isso, mais violenta.

    Esta subordinao vem hoje sobredeterminada pela avassaladora onda neoliberal que estatui o mercado como o deus regular ds relaes sociais transformando direitos como os da sade, da educao, da habilitao etc., em mercadoria.

    A continuidade da crtica e do desenvolvimento de referenciais e formas alternativas de organizao social e de polticas educativas que propomos neste livro continua impondo-se no plano terico, ideolgico, mas sobretudo tico-poltico. A motivao bsica da verso em espanhol a de ampliar a possibilidade de intercmbio crtico com intelectuais, professores, estudantes, e tcnicos que na Amrica Latina sobretudo, mas no s, se empenham historicamente na cons-truo destas alternativas vincadas por uma democracia efetiva no campo social e no campo educativo. Alternativa esta que por enten-dermos que os direitos bsicos como: emprego ou renda mnima que faculte a reproduo digna da vida, sade, educao habitao, lazer etc., por serem direitos no pode estar subordinados esfera privada do mercado. Este mostrou-se historicamente incapaz de regular direitos. Trata-se de direitos que pressupem, contrariamente ao que prega a ideologia neoliberal, uma ampliao crescente da esfera pblica com controle democrtico do fundo pblico.

    No campo educativo somente na esfera pblica possvel construir efetivamente uma alternativa que busque desenvolver as mltiplas dimenses do ser humano. Alternativa esta que neste texto, dentro de uma perspectiva gramseiana denominamos de escola unitria (sntese do diverso), formao omnilatral ou politcnica.

    Contraditoriamente, o exame cuidadoso da natureza e especifi-cidade da crise sem precedentes do capitalismo real neste fim de sculo, mesmo sob os escombros do colapso do socialismo real, nos indica que a razo cnica do fim da histria, das celebraes apologticas da sociedade ps-industrial e da "melanclica zombaria da historicidade" (Frederic Jameson, 1994) do ps-modernismo, h espao para utopias que transcendam a barbrie do mercado. Os seres humanos ainda contam.

    Rio de Janeiro, janeiro de 1999.

    Gaudncio Frigotto

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  • APRESENTAO

    O presente trabalho tem com objeto de anlise um (re)exame das relaes entre a prtica educativa escolar e a prtica de produo social da existncia no interior da estrutura econmico-social capitalista. A questo fundamental que o orienta a de averiguar como a prtica educativa, enquanto uma prtica social contraditria, medida que se efetiva no interior de uma sociedade de classes marcada por interesses antagnicos, se articula com os interesses burgueses e com os daqueles que constituem a classe dominada.

    A idia original surgiu na fase de elaborao da dissertao de mestrado do autor, gerada a partir de uma vinculao profissional com o Projeto Educao, do Programa Eciel (Programa de Estudos Conjuntos de Integrao Econmica da Amrica Latina). Tratava-se de um projeto que refletia o pensamento mais denso, entre ns, sobre as relaes entre economia e educao, na tica do desenvolvimento da "teoria" do capital humano. A dissertao se desenvolveu sobre uma das questes, ainda em discusso, acerca (los componentes cognitivos e no-cognitivos (ideolgicos) que se relacionam com o processo produtivo.

    Tendo como formao bsica a filosofia, intrigava-nos o avano e a natureza do pensamento econmico na educao, reduzindo, sob esta vertente, a questo educativa uma relao poltica e social a uma mera relao tcnica. Intrigava-nos, de outra parte, o aparato metodolgico e a sofisticao estatstica dessas anlises, e as indicaes a que chegavam como, por exemplo, que "o turno escolar" era a varivel que concentrava maior explicao na variao do rendimento escolar.

    Ao querer analisar a influncia e as conseqncias desse pen-samento na poltica educacional brasileira, deparamos com a necessidade de desvendar a natureza epistemolgica e a gnese histrica desse pensamento.

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  • Por qu, a partir de um dado momento, a educao transvestida com a mesma natureza do capital "capital humano"? Qual o processo dessa metamorfose? E por qu justamente a "socializao desse capital", e no do capital social os meios e instrumentos de produo seria o meio pelo qual os "subdesenvolvidos" ou os assalariados atingiriam a prometida igualdade ou diminuio da desi-gualdade social?

    Por esse caminho entramos em contato com a literatura que critica a teoria do capital humano e tenta averiguar a natureza das relaes entre educao e trabalho, educao e a estrutura econmi-co-social capitalista. Neste percurso deparamo-nos com algumas ques-tes de ordem terica e prtica que nos levaram a encaminhar este trabalho para um (re)exame das anlises sobre as relaes entre educao e a estrutura econmico-social capitalista.

    Esse trabalho contou com a colaborao de muitas pessoas que, de diferentes formas, contriburam para que algumas limitaes fossem superadas.

    A Dermeval Saviani, sem dvida, debitamos grande parte daquilo que nos foi possvel desenvolver neste trabalho, por sua orientao durante a elaborao da tese de doutorado* e pela densidade dos seus trabalhos publicados que nos desafiaram a tentar ir "raiz" de alguns problemas.

    Gostaramos de agradecer tambm a Lus Antnio C. Cunha, pelo exaustivo exame do texto e pelas crticas e sugestes.

    Aos colegas de curso de doutoramento que, desde a origem desse trabalho, se constituram em crticos e colaboradores mais prximos. No h como camuflar o pensar e elaborar coletivo neste trabalho, embora o mesmo guarde o carter e responsabilidade de produo individual.

    Beatriz Maria Arruda de A. Pinheiro, aluna de graduao do Curso de Pedagogia da USU,* que, por sua formao econmica e por seu interesse na anlise das questes postas neste trabalho, se disps a ler os originais e critic-los da tica de uma parcela dos destinatrios os alunos de graduao. As observaes feitas nos foram de grande relevncia para explicitar mais alguns aspectos e,

  • mesmo, nos convencer de que outros necessitam serem desenvolvidos de outra forma para poderem ser utilizados a esse nvel de ensino.

    Erclia Lopes, Regina Heredia Dria e Paulo dos Anjos Matias, respectivamente revisoras do texto e datilografo, nosso agradecimento.

    Muitas das sugestes e crticas, certamente apenas foram atendidas parcialmente; em alguns dos aspectos criticados mantivemos a posio inicial, face ao carter por excelncia polmico de boa parte do texto. Com isso queremos isentar a todos aqueles que nos ajudaram nesta obra por quaisquer problemas que por ventura ela engendre. O intuito que nos leva a divulg-la no outro seno aquele de entrar de forma mais comprometida no debate sobre o qual se desenvolve e que est longe de ser esgotado. Esse debate , ao nosso ver, fundamental para dar consistncia nossa prtica de educadores e/ou de cidados interessados na mudana das relaes sociais que produzem a desi-gualdade e a injustia.

  • INTRODUO

    Estudo e cultura no so para ns outra coisa seno a conscincia terica dos nossos fins imediatos e supremos e do modo de lograrmos traduzi-los em atos. (A. Gramsci)

    1. O MBITO DA PROBLEMTICA

    Este trabalho, tanto em sua origem quanto em seu desenvolvi-mento e conseqncias, tem uma preocupao concreta e imediata: as atividades que realizamos no interior da ps-graduao em edu-cao a nvel de ensino e pesquisa.

    Esta opo direciona o trabalho para um tipo de abordagem em que o aspecto "pedaggico", pelo menos em algumas partes, poder determinar urna esquematizao e simplificao da temtica. Trata-se de um risco resultante de uma opo por um trabalho ende-reado muito menos "academia", entendida como o locus onde so discutidas idias, e mais queles que consomem muitas vezes sem o saber no trabalho cotidiano de salas de aula, ou em depar-tamentos de secretarias de educao, os inmeros slogans e postula-dos derivados da chamada "teoria do capital humano".

    Ao longo de cinco anos de trabalho, em conjtato com uma vasta literatura e pesquisadores que analisam os vnculos entre economia e educao, educao e trabalho (emprego), educao e crescimento e desenvolvimento econmico, percebemos que a teoria do capital humano, que tem no arsenal da economia neoclssica, na ideologia

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  • positivista os elementos constitutivos, os pressupostos de seu estatuto terico, vem, ao mesmo tempo, se constituindo numa teoria do desen-volvimento e numa "teoria da educao". Essa teoria, por sua vez, reflexo de determinada viso do mundo, antagnica aos interesses da classe trabalhadora.

    Quanto ao primeiro sentido teoria do desenvolvimento -concebe a educao como produtora de capacidade de trabalho, po-tenciadora de trabalho e, por extenso, potenciadora da renda, um capital (social e individual), um fator do desenvolvimento econmico e social. Quanto ao segundo sentido, ligado ao primeiro teoria da educao a ao pedaggica, a prtica educativa escolar redu-zem-se a uma questo tcnica, a uma tecnologia educacional cuja funo precpua ajustar requisitos educacionais a pr-requisitos de uma ocupao no mercado de trabalho de uma dada sociedade. Trata-se da perspectiva instrumentalista e funcional de educao.

    O crescente volume de trabalhos, principalmente no mbito da economia, sociologia e, mais recentemente, no campo da educao, que buscam efetivar uma crtica a essa teoria, impe srios riscos de repeties desnecessrias. por termos presente isso que, dentro do carter pedaggico deste trabalho, buscamos explicitar essas posi-es e indicar qual a contribuio especfica que se pretende dar aqui.

    Inicialmente tnhamos como propsito efetivar uma anlise his-trica da influncia e das conseqncias do pensamento econmico neoclssico introduzido no mbito educacional, especialmente a partir da dcada de 60, nos EUA, e posteriormente disseminado a nvel de pases subdesenvolvidos. Repentinamente parece que a "inteligncia" imperialista indica aos pases subdesenvolvidos e/ou aos miserveis do mundo subdesenvolvido a chave mediante a qual, sem abalar as estruturas geradoras da desigualdade, possvel atingir a "igualdade" econmica e social investimento no capital humano.1

    1. M. Blaug nos d conta de que, j em 1965, a literatura por ele levan-tada em relao ao investimento no capital humano ultrapassava 800 trabalhos. Estes trabalhos, porm, como veremos a seguir, desenvolvem-se dentro de uma mesma postura terica, decorrente da viso funcionalista e empiricista da eco-nomia neoclssica.

  • O contato com a literatura crtica que se ocupa da anlise desse tipo de concepo tem revelado que um nmero crescente de livros, dissertaes ou teses, tem-se empenhado em mostrar o carter ideo-lgico dessa concepo e suas conseqncias na poltica educacional em nosso meio. Notamos, entretanto, que essas anlises no mostram a estruturao e evoluo interna desse pensamento, seu carter cir-cular como conseqncia da tica de classe que o engendra.

    Por outro lado, se essas anlises explicitam a conjuntura em que emerge a teoria do capital humano e sua funo ideolgica, no apreendem, de forma suficiente, as determinaes de carter orgnico do avano do capitalismo que a produzem. Dito de outra forma, a no-apreenso adequada da relao dialtica entre a infra e super-estrutura; da expanso mais rpida do trabalho improdutivo em face do trabalho produtivo como resultado da dinmica do processo de produo capitalista cujo objetivo no satisfazer necessidades hu-manas, mas produzir para o lucro; da necessria inter-relao entre trabalho produtivo e improdutivo, medida que passamos de um capitalismo concorrencial para um capitalismo monopolista, onde o trabalho improdutivo posto como condio de eficcia do trabalho produtivo, levam as anlises que discutem as relaes entre educao e estrutura econmico-social capitalista a se enviesarem, ora bus-cando um vnculo direto ora negando qualquer relao.

    De fato, os trabalhos que efetivam uma anlise crtica da teoria do capital humano tm tomado, basicamente, dois rumos:

    a) a viso segundo a qual haveria uma vinculao direta entre educao, treinamento e produtividade produtividade esta que representa um mecanismo de produo de mais-valia relativa para o capital;

    b) a viso que estabelece uma crtica tanto tica do capital humano quanto viso dos crticos acima, postulando que a escola "no capitalista" e o capital prescinde dela. Basicamente referimo-nos aqui tese de Cludio Salm sobre Escola e trabalho.

    O que postulmos em nossa anlise que, tanto os que buscam um vnculo linear entre educao e estrutura econmico-social capi-talista, quanto aqueles que defendem um "desvinculo" total, envie-sam a anlise pelo fato de nivelarem prticas sociais de natureza

    17

  • distinta e de estabelecerem uma ligao mecnica entre infra-estru-tura e superestrutura, e uma separao estanque entre trabalho pro-dutivo e improdutivo. Tomada a prtica educacional enquanto uma prtica que no da mesma natureza daquela fundamental das relaes sociais de produo da existncia, onde ela se funda, mas enquanto uma prtica mediadora que na sociedade de classes se articula com interesses antagnicos, a questo do vnculo direto ou do desvinculo no procede. Tambm no procede reduzir essa prtica ao ideolgico.

    Seguindo esta direo de anlise buscamos, fundamentalmente, mostrar as diferentes mediaes que a prtica educativa escolar esta-belece com o modo capitalista de produo onde, no limite, a "im-produtividade", a desqualificao do trabalho escolar, uma aparente irracionalidade e ineficincia em face dos postulados da teoria do capital humano constituem uma mediao produtiva. Por outro lado, concebendo a prtica educativa como uma prtica que se d no interior de uma sociedade de classes, onde interesses antagnicos esto em luta, vislumbramos o espao escolar como um locus onde se pode articular os interesses da classe dominada. Destacamos a prtica social de produo da existncia as relaes de trabalho historicamente circunstanciadas; o trabalho humano, em suma, como o elemento de unidade tcnica e poltica da prtica educativa que articula os interesses da classe trabalhadora. Postulamos aqui, tambm, que para a escola servir aos interesses da classe trabalhadora no suficiente desenvolver dentro dela a contra-ideologia prole-tria.

    2. ESTRUTURAO DO TRABALHO

    O trabalho, para discorrer sobre a problemtica acima esbo-ada, se estrutura em trs captulos cuja ordem de exposio no coincide com a da investigao.

    No primeiro captulo ocupamo-nos em demonstrar o carter circular da evoluo interna da teoria do capital humano, circulari-dade esta que deriva da tica de classe que esconde; ou seja, a teoria do capital humano representa a forma pela qual a viso burguesa reduz a prtica educacional a um "fator de produo", a uma ques-to tcnica. Na primeira parte do captulo buscamos demonstrar,

  • seguindo o movimento i&tro da, teori^ atravs dos enfoques bsicos das pesquisas, que o que determinante na origem passa por uma metamorfose e se constitui em determinado. A educao, o treina-mento, que aparecem na teoria como fatores determinantes do desen-volvimento econmico, da equalizao social, passam a ser deter-minados pelo "fator econmico" quando as pesquisas discutem as variveis explicativas do acesso e do sucesso escolar.

    Esse primeiro aspecto nos leva a explicitar a forma pela qual a teoria do capital humano formula seu estatuto epistemolgico de tal sorte que, sob a aparncia do rigor cientfico, da formulao e matematizao da linguagem, da pretensa neutralidade, se constitui numa mistificao e reforo do senso comum. Discutimos, sob este aspecto, o carter de classe da viso positivista da teoria do capital humano, calcado sobre o itiito da objetividade e racionalidade do indivduo.

    Sustentamos, por outra parte, que a relevncia dos vnculos que a teoria do capital humano busca estabelecer entre educao e de-senvolvimento, educao e trabalho, vale ser explorada no pelo poder que tem de explicar, mas, ao contrrio, pelo poder de mas-carar a verdadeira natureza desses vnculos no interior das relaes sociais de produo da sociedade capitalista. Ao pautar-se por um mtodo positivista de anlise, concebendo as relaes sociais da so-ciedade do capital como dadas, produtos naturais, ou simplesmente com relaes tcnicas, a teoria do capital humano acaba por se cons-tituir numa anlise a-histrica. O carter circular das anlises decorre de sua funo de efetivar uma apologia das relaes sociais de pro-duo da sociedade capitalista.

    Em suma, neste primeiro Captulo, procuramos evidenciar que o carter de classe da viso do capital humano estabelece uma redu-o: do conceito de homem, de trabalho, de classe e de educao.

    O segundo Captulo, na ordem da construo da anlise que efetivamos, o ponto de partida.

    O que intrigante na teoria do capital humano que postula uma ligao linear entre desenvolvimento e superao da desigual-dade social, mediante a qualificao, porque levaria a uma produti-vidade crescente o fato dela surgir quando observamos historica-mente uma reorganizao do imperialismo, uma exacerbao do pro-

  • cesso de concentrao centralizao do capital, uma crescente in-corporao do progresso tcnico da produo arma de competi-o intercapitalista e uma conseqente desqualificao do traba-lho, criao de um corpo coletivo de trabalho e o anncio da fase urea do desemprego e subemprego no mundo.

    Por outro lado, o que aparentemente paradoxal, que a teoria do capital humano, fundada sobre os pressupostos da economia neo-clssica, da viso harmnica da sociedade, na crena do funciona-mento linear dos mecanismos de mercado, surge exatamente no bojo dos mecanismos de recomposio da crise do mundo capita-lista, onde a monopolizao de mercado constrange o Estado a um crescente intervencionismo.2 Surge exatamente no perodo histrico onde, ao lado da crise da superproduo, desnuda-se a vergonha do subdesenvolvimento, da misria, desequilbrios do consumo e acir-ramento da contradio capital-trabalho.

    Partindo, ento, da tese de que

    "o modo de produo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, poltica e intelectual em geral, (e que) no a cons-cincia dos homens que determina o seu ser, mas, seu social, inver-samente, que determina sua conscincia",2 (Marx, K., 1977a, p. 24),

    procuramos, neste segundo captulo analisar as condies histricas, a base material sobre a qual e em funo da qual nasce e se desen-volve a teoria do capital humano. Ou seja, em que condies hist-ricas concretas do modo de produo capitalista essa formulao produzida e encontra o espao de sua produtividade especfica, no interior das relaes sociais capitalistas? Qual a mediao, ou as mediaes, que tenta efetivar no bojo do movimento global do capi-tal? Quais as contradies que a mesma enseja?

    Estas questes encaminham a anlise no sentido de mostrar que a teoria do capital humano no um produto arquitetado ma-quiavelicamente por indivduos iluminados, mas faz parte do con-

    2. Neste sentido, P. A. Baran indica que a "ascenso do capital monopo-lista ao poder econmico e social no implicou, inicialmente, a renncia dos sacrossantos princpios do individualismo desenfreado, da automaticidade do mercado e da neutralidade do governo. Uma vez que esses princpios serviam admiravelmente como cortina de fumaa ( . . . ) os capites da indstria mono-polista no pouparam esforos para difundir e apoiar a ideologia da livre sobre-vivncia dos mais aptos" (Baran, Paul A. A Economia poltica do desenvolvi mento. Rio de Janeiro, Zahar, 1972).

  • junto de mecanismos que buscam dar conta das prprias contradi-es e crises do capitalismo em sua etapa de acumulao ampliada. Trata-se de mecanismos que preconizam a crescente interveno es-tatal na economia, quer como reguladora da demanda, da distribui-o (poltica de benefcios), quer como programadora de processo produtivo e do consumo (Napleoni, 1978). Tentamos evidenciar, porm, que o Estado capitalista, como regulador da vida do capital, se revela ineficaz. Esta ineficcia no casual mas reside, de um lado, na natureza privtada do capital e, de outro, no fato de o Esta-do, quer em sua forma liberal, quer em sua forma intervencionista, ser um estado de classe. A contradio fundamental capital-trabalho, capitalista-trabalhador assalarido um "equilbrio" que se situa alm do alcance e do poder do Estado.

    Este segundo Captulo, que busca discutir as condies histricas que produzem e demandam a teoria do capital humano, e que tem por fio condutor as questes acima, constitui-se metodologicamente no referencial bsico para dar conta do que discutimos no primeiro captulo e, principalmente, no terceiro. Esta anlise, embora no sendo o foco central da tese, representa a condio sem a qual, a nosso ver, no possvel avanar na discusso das relaes entre educao e estrutura econmico-social capitalista. Trata-se de resga-tar uma direo de anlise, mais que analisar a complexidade do en-redo histrico que a mesma engendra. Certamente, ao privilegiarmos o carter pedaggico e metodolgico, corremos o risco de simpli-ficaes. V

    Na primeira parte do Captulo discutimos as categorias bsicas homem, trabalho e modo de produo da existncia, buscando mostrar a especificidade do modo de produo capitalista. Especi-ficidade que se define, basicamente, pela ciso do homem em rela-o s suas condies objetivas de produo da existncia mediante o surgimento da propriedade privada e pela estruturao de um modo de produo da existncia, onde se produz para o lucro e no para satisfazer as necessidades humanas. Tentamos mostrar que esta ciso se radicaliza medida que o capitalismo avana. Nesta pri-meira parte, discutimos tambm as leis imanentes ao movimento de autovalorizao do capital acumulao, concentrao e centrali-zao e as contradies e crises que advm deste movimento.

    Na segunda parte deste Captulo mostramos que o processo de centralizao do capital que configura uma nova organizao do

  • mercado, tendo como resultado o processo de monopolizao e oli- 1 gopolizao, vai aguando as crises e contradies do modo capita- | lista de produo. A suposta livre concorrncia, responsvel pela harmonia do mercado, historicamente mostra-se incua.

    Uma nova figura demandada como forma de salvaguardar o interesse do sistema capitalista no seu conjunto. O intervencionismo 1 do Estado, agora tambm como produtor de mercadorias e de servi-os, e mantendo seu poder de coao poltica e ideolgica, passa a ser a forma pela qual o capital tenta contornar o aguamento das crises cclicas. O intervencionismo do Estado, neste contexto, no se apresenta como uma escolha, mas como uma imposio histrica 1 das novas formas de sociabilidade do capital. Neste contexto que so produzidas as teorias e/ou ideologias desenvolvimentistas dentro das quais a teoria do capital humano uma especificidade no campo : educacional. Trata-se de teorias que so produzidas no bojo dos me-canismos de recomposio do imperialismo capitalista, tendo como pas lder os Estados Unidos.

    Essas teorias tm como funo produtiva especfica a de evadir, no plano internacional, o novo imperialismo (Magdof, 1978), pas-sando a idia de que o subdesenvolvimento nada tem a ver com rela-es de poder e dominao, sendo apenas uma questo de moderni-zao de alguns fatores, onde os "recursos humanos" qualificados capital humano se constituem no elemento fundamental. No plano interno dos pases passa-se a idia de que o conflito de classes, o an-tagonismo capital-trabalho pode ser superado mediante um processo meritocrtico pelo trabalho, especialmente pelo trabalho poten-ciado como educao, treinamento, etc. (teses de Simonsen, Langoni, no Brasil).

    A anlise da constituio interna da teoria do capital humano que nos revela seu carter de classe e sua funo apologtica quanto s relaes capitalistas de produo, e a anlise das condies his-tricas que a demandam e produzem iluminam o enfrentamento da questo bsica que nos propomos discutir a relao entre educa-o e a estrutura econmico-social capitalista.

    O terceiro Captulo procura elucidar a controvrsia das relaes entre a prtica educacional escolar e a estrutura econmico-social no interior do capitalismo atual. Esta controvrsia tem como foco a viso linear dos tericos do capital humano que postulam que a educao

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  • e o treinamento, enquanto potenciadores de trabalho, geram maior produtividade e, como conseqncia, maior desenvolvimento e maior renda.

    Duas vertentes crticas, como j vimos, alimentam essa con-trovrsia entre ns:

    a) a dos que vem a educao como potenciadora de trabalho e, portanto, geradora de produtividade, o que representa no um au-mento de renda para o trabalhador, mas um mecanismo de aumento de explorao, de extrao de mais-valia relativa, pelo capital;

    b) a posio segundo a qual tanto os tericos do capital hu-mano quanto seus "crticos" esto equivocados, na medida em que a escola uma instituio situada margem do sistema produtivo capitalista, cujo nico vnculo o ideolgico.8

    Pretendemos demonstrar que a insero da educao (escolar ou no-escolar) no movimento global do capital, a nosso ver, existe e se d por um processo de diferentes mediaes. O vnculo no direto pela prpria natureza e especificidade da prtica educativa, que no se constitui numa prtica social fundamental, mas numa prtica mediadora.

    Defendemos, ento, a tese de que a relao que a teoria do capital humano busca estabelecer entre educao e desenvolvimento, educao e renda efetivamente um truque que mais esconde que revela, e que neste seu escondimento exerce uma parcela de uma produtividade especfica. Aceitamos que a educao escolar em geral no tem necessariamente um vnculo direto com a produo capita-lista; ao contrrio, esse vnculo direto tende a ser cada vez mais tnue, em face do movimento geral do capital de submeter de modo

    3. Esta basicamente a tese que Salm defende ao discutir a relao entre a escola e o processo capitalista de produo. A tese de Salm representa um avano e uma crtica adequada em relao viso do capital humano e o tipo de literatura "crtica" aqui aludida. O desdobramento de seu trabalho, porm, que o leva a afirmar que a escola no capitalista e o capital prescende dela, salvaguardando apenas o papel ideolgico, se revela problemtico. Salm efetiva uma separao entre infra e superestrutura, contrariando teoricamente o prprio referencial em que se apia para sua anlise. (Ver Salm, C. Estola e trabalho. So Paulo, 1980).

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  • pitai. A histria do capitalismo, neste sentido, um esforo crescente de degradao do trabalho e do trabalhador.

    No aceitamos, porm, as teses que definem a escola apenas como um aparato ideolgico, reprodutor das relaes sociais de pro-duo capitalista, uma instituio que se coloca margem do movi-mento geral do capital porque os vnculos diretos com a produo capitalista so escassos.

    Em suma, buscaremos defender a idia de que a separao entre infra e superestrutura um exerccio de exposio, e por isso, parti-mos da suposio de que a escola, ainda que contraditoriamente, por mediaes de natureza diversa, insere-se no movimento geral do ca-pital e, neste sentido, a escola se articula com os interesses capitalis-tas. Entretanto, a escola, ao explorar igualmente as contradies ine-rentes sociedade capitalista, ou pode ser um instrumento de me-diao na negao destas relaes sociais de produo. Mais que isso, pode ser um instrumento eficaz na formulao das condies concretas da superao destas relaes sociais que determinam uma separao entre capital e trabalho, trabalho manual e intelectual, mun-do da escola e mundo do trabalho. Isto nos indica, ento, que a escola que no por natureza capitalista no interior deste modo de produo tende a ser articulada com os interesses do capital, mas exatamente por no ser inerente ou orgnica deste modo de produ-o, pode articular-se com outros interesses antagnicos ao capital. Nisto se expressa o carter diferenciado da prtica educativa escolar em relao prtica fundamental de produo social da existncia e sua especificidade mediadora.

    Na anlise desta problemtica subdividimos o ltimo Captulo em quatro tpicos. No primeiro discutiremos a natureza mediata das relaes entre sistema produtivo e processo educativo. Sob este as-pecto, procuramos mostrar que a tese que Salm sustenta procede quanto crtica que faz aos tericos do capital humano e aos seus "crticos", que vem no processo educativo um mecanismo de pro-duo de mais-valia relativa.

    Entretanto mostramos que Salm, ao defender a tese de que a escola no capitalista e o capital prescinde dela, apenas pelo fato de no encontrar um vnculo direto, no apreende o carter org-

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  • nico das relaes entre infra-estrutura e superestrutura e a inter-re-laao entre trabalho produtivo e improdutivo.

    A evidncia do carter problemtico da anlise de Salm se esta-belece quando, ao admitir apenas o "vnculo ideolgico" e, en-quanto tal, algo, de acordo com ele, que diz muito pouco vai apontar, ao mesmo tempo, como sada para a escola progressista a proposta de Dewey a formao do cidado para a democracia. Por que o autor busca em Marx a base para refutar a viso dos te-ricos do capital humano e de seus crticos sobre as relaes entre educao e modo de produo capitalista e abandona esta perspec-tiva ao-assinalar o papel da escola na perspectiva da mudana desse modo de produo?

    No segundo tpico, baseados na compreenso marxista de tra-balho produtivo e improdutivo e na evoluo das formas de socia-bilidade capitalista, detemo-nos em mostrar a sua necessria comple-mentaridade dentro do processo de formao do corpo coletivo de trabalho. Neste mbito buscamos mostrar diferentes mediaes que se podem estabelecer entre o processo produtivo capitalista^ e o pro-cesso educativo escolar. Destacamos, especialmente, o fenmeno da tercializao da sociedade como decorrncia histrica da forma de o capital desenvolver-se.

    A natureza mediata entre o processo produtivo e a prtica edu-cativa escolar posta, em suma, dentro da apreenso de que o tra-balho produtivo, no interior do movimento da expanso capitalista, vai pondo seu outro trabalho improdutivo. Trabalho produtivo e improdutivo, embora de natureza distinta, so partes de um mesmo movimento total da produo, circulao e realizao do valor.

    Entretanto, medida que a relao mediata entre educao e estrutura econmico-social capitalista se efetiva numa sociedade de classes, vai expressando, cada vez mais nitidamente, os interesses antagnicos que esto em jogo. O conflito bsico capital-trabalho coexiste em todas as relaes sociais e perpassa, portanto, a prtica educativa em seu conjunto. A relao de produo e utilizao do saber revela-se, ento, como uma relao de classes.

    O que a sociedade do capital busca estabelecer um determi-nado nvel de escolarizao e um determinado tipo de educao ou treinamento, nvel que varia historicamente de acordo com as mu-

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  • danas dos meios e instrumentos de produo Esse nvel, necessrio funcionalidade do capital, historicamente problemtico ao capital4

    na medida em que, por mais que o capital queira expropriar o tra-balhador do saber, no consegue de todo, de vez que a origem deste saber algo intrnseco ao trabalhador e sua classe.5

    O terceiro tpico busca, justamente mostrar quais so os me-nismos que o capitalismo monopolista engendra para fazer face ao aumento do acesso escola e aos anos de escolaridade, de vez que esse aumento se torna irreversvel, quer pelas prprias contradies da expanso capitalista, quer pelo aumento de organizao da classe trabalhadora.

    Apontamos ento que, ao movimento histrico de submisso real do trabalho ao capital, consubstanciado pela separao do tra-balhador da concepo do processo de produo e de seu instrumen-to de trabalho, tornando-o mero executor, parece corresponder um esforo necessrio de expropriao do saber atravs de uma crescente desqualificao do trabalho escolar. Se o objetivo do capital redu-zir todo o trabalho complexo a trabalho simples, e se isto implica uma desqualificao crescente do posto de trabalho, para a grande maioria, como poderia a sociedade do capital pensar numa elevao da qualificao para a massa trabalhadora? Neste sentido o processo de produo do saber, enquanto processo que implica pensar, refletir sobre as condies histricas concretas de onde emerge, tende, em-bora no sem luta, sem conflitos, a reduzir-se a uma transmisso de um "saber" em "pacotes de conhecimentos", um conhecimento pr--programado. Isso no atinge apenas os cursos profissionalizantes, os

    4. O carter problemtico de escolarizao j nitidamente percebido pelos economistas clssicos que buscam estudar as "leis" que regem e estrutu-ram a sociedade do capital. Smith, por exemplo, expressa essa preocupao quando recomenda "ensino popular pelo Estado, porm em doses homeopti-cas" (ver Marx, K. O Capital. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1980. Livro 1, t. 1, p. 144).

    5. "Os industriais americanos compreenderam muito bem essa dialtica inerente aos novos mtodos industriais. Compreenderam que 'gorila domesti-cado' (referncia frase de Taylor) apenas uma frase, que o operrio con-tinua 'infelizmente* homem e, inclusive, que ele, durante o trabalho, pensa demais,, pelo menos, tem muito mais possibilidades de pensar principalmente depois de ter superado a crise de adaptao. ( . . . ) S o gesto fsico mecani-zou-se inteiramente; a memria do ofcio, reduzida a gestos simples repetidos em ritmo intenso 'aninhou-se' nos feixes musculares e nervosos e deixou o crebro livre" (ver Gramsci, A. Maquiavel, a poltica e o Estado moderno. Rio de Janeiro, Vozes, 1978, p. 404).

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  • programas de treinamento, mas essa tendncia passa a ser cada dia mais dominante nos diferentes nveis de ensino.

    Argumentamos, ento, que se o prolongamento da escolaridade efetivando uma qualificao geral mnima cumpre mediaes importantes para as necessidades do capital, a desqualificao do trabalho escolar, quando a escolaridade se prolonga, no seu aspecto tcnico-profissional e no seu aspecto poltico-cultural, ser igualmente necessria aos desgnios do capital. A escola ser um locus que ocupa para um trabalho "improdutivo forado" cada vez mais gente e em maior tempo e que, embora no produza mais-valia, extrema-mente necessria ao sistema capitalista monopolista para a realizao de mais-valia; e, nesse sentido, ela ser um trabalho produtivo.

    A anlise do caso brasileiro, neste particular, singularmente reveladora. Toda a poltica educacional, desenhada especialmente aps a segunda metade da dcada de 60, tem nos postulados da teoria do capital humano seu suporte bsico. Ao lado de uma poltica econmica que velozmente se associa ao capital internacional, cujo escopo a exacerbao da concentrao da renda e da centralizao do capital, toma-se a "democratizao" do acesso escola parti-cularmente universidade como sendo o instrumento bsico de mobilidade, equalizao e "justia" social. Produz-se, ento, a crena de que o progresso tcnico no s gera novos empregos, mas exige uma qualificao cada vez mais apurada. De outra parte, enfatiza-se a crena de que a aquisio de capital humano, via escolarizao e acesso aos graus mais elevados de ensino, se constitui em garantia de ascenso a um trabalho qualificado e, conseqentemente, a nveis de renda cada vez mais elevados.

    Mais de uma dcada e meia tem-se passado e o que se verifica concretamente que, ao contrrio da distribuio de renda, a con-centrao se acentuou; e, ao contrrio de mais empregos para egressos de ensino superior, temos cada vez mais um exrcito de "ilustrados" desempregados ou subempregados. A realidade, em suma, passa a demonstrar de forma cada vez mais clara que as "promessas" prog-nosticadas da poltica econmica e educacional no se cumpriram.

    Neste contexto, a desqualificao da escola e, ao mesmo tempo, o aumento da escolaridade desqualificada so amplamente funcionais aos interesses da burguesia nacional associada ao capital internacio-

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  • nal. classe trabalhadora interessa uma escola que lhes d acesso ao saber historicamente produzido, organizado e acumulado.

    Revelar a natureza real das relaes de produo de desigual-dade, que a teoria do capital humano mascara, bem como mostrar a gnese da produo do desemprego ou subemprego de contingen-tes cada vez mais elevados de egressos de cursos superiores, formados para o no-trabalho, e, mais amplamente, lutar pela qualificao da escola em geral, para transform-la, uma forma de aguar a cons-cincia crtica e instrumentalizar a classe trabalhadora para se orga-nizar na busca da superao das relaes sociais vigentes.

    Nesta direo, procuramos mostrar que quanto mais eficaz e global for o trabalho escolar, na sua tarefa especfica de transmisso do conhecimento elaborado e historicamente sistematizado, tanto mais ele significar um instrumento que se volta contra os interesses do capital. O esforo de nivelar por cima um esforo contra o privilgio elemento constitutivo da sociedade de classes. Este esforo, obje-tivamente, se materializa mediante uma direo poltica e uma qua-lidade tcnica que vinculam o saber que se processa na escola aos interesses da classe trabalhadora. Saber que, historicamente, sempre lhe foi negado, mediante diferentes mecanismos, que vo da seleti-vidade social ao oferecimento de uma escola desqualificada.

    O ltimo tpico centra-se na discusso da questo da unidade do terico e do prtico, do tcnico e do poltico, na perspectiva do resgate da escola para os interesses da classe trabalhadora.

    Contrariamente tese de Salm, que separa "escola e trabalho", e dos tericos do capital humano, que reduzem o trabalho a emprego, ocupao remunerada, focalizamos o trabalho, enquanto uma relao social que expressa a forma pela qual os homens produzem sua exis-tncia, como o elemento de unidade do tcnico e do poltico, do terico e do prtico, no processo educativo.

    Para esta anlise retomamos, num primeiro momento, a herana terica marxista e averiguamos em que medida ela efetivamente pode iluminar a tarefa de articulao do processo educativo escolar aos interesses da maioria discriminada a classe trabalhadora. Num segundo momento, discutimos alguns aspectos mais especficos sobre a questo da utilizao dessa herana terica numa formao social como a brasileira.

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  • O que nos propomos, em suma, neste trabalho foi a tentativa de:

    a) revelar o carter circular da teoria do capital humano como decorrncia da tica de classe e de sua funo apologtica das rela-es capitalistas de produo da existncia;

    b) mostrar, atravs da anlise da gnese histrica da teoria do capital humano, que a mesma no resultante de um "maquiavelismo", mas sim uma produo decorrente das novas formas que assume a organizao da produo capitalista em sua fase monopolista atual, onde o "novo imperialismo'' necessita de mecuismos cada vez mais refinados para elidir seus fundamentos e contemporizar suas crises;

    c) evidenciar, por fim, que a natureza especfica das relaes entre estrutura econmico-social capitalista e educao no ime-diata, mas mediata.

    No interior do capitalismo monopolista essa mediao se efetiva de diferentes formas: uma escolarizao alienada em doses homeo-pticas para a grande massa de trabalhadores; prolongamento des-qualificado da escola; pelo volume de recursos alocados e que fun-cionam como realizadores de valor; etc. Buscamos mostrar, entre-tanto, que a prtica escolar, enquanto uma prtica que se efetiva no interior da sociedade de classes, perpassada por interesses antag-nicos. O saber que se processa na escola, a prpria orientao e a organizao da escola so alvo de uma disputa. Essa disputa busca vincular "o saber social", produzido e veiculado na escola, aos inte-resses de classe.

    A luta por uma escola de qualidade e a servio da classe tra-balhadora , em ltima instncia, um aspecto da luta mais ampla pela transformao das relaes sociais de produo da existncia, que tm como produto a desigualdade orgnica, o no-trabalho, o parasitismo e a explorao.

    3. NOTAS METODOLGICAS: INDICAO DE ALGUNS RISCOS E DELIMITAO DE ALGUNS CONCEITOS UTILIZADOS

    Tem sido usual em dissertaes e teses apresentar um captulo introdutrio que contm a descrio dos passos metodolgicos seguida de um esboo daquilo que se convencionou chmar de quadro refe-

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  • rencial terico. Neste trabalho evitamos adotar este procedimento por entendermos que, na prpria forma de exposio, tanto os aspectos de encadeamento metodolgico quanto a postura terica que orienta o estudo devem se tornar claros para o leitor. Se a exposio no consegue tornar perceptveis esses aspectos, a experincia tem mos-trado que o captulo inicial fica tendo apenas um carter formal.

    Neste item, ento, buscamos apenas chamar a ateno para os riscos, especialmente pela forma de abordar a temtica em discusso bem como delimitar o sentido que damos a alguns conceitos utilizados.

    Para efetivar a anlise acima esboada incorremos em diversos riscos, especialmente levando-se em conta as condies objetivas de que dispomos para a produo deste trabalho. De muitos destes riscos certamente sequer temos conscincia especialmente daqueles liga-dos aos limites pessoais. Outros, porm, decorrem da prpria postura metodolgica do trabalho. O risco, neste sentido, entendido como a condio para avanar na compreenso da problemtica em foco.

    O trabalho se orienta epistemologicamente pela concepo de que o processo de conhecimento implica delimitaes quanto ao campo de investigao, porm no admite atomizao do carter de totalidade do objeto a ser investigado. A parte engendra a totali-dade. Neste sentido, a anlise da prtica educativa escolar e suas relaes com a estrutura econmico-social capitalista moveu-se, basi-camente, nos mbitos econmico, sociolgico, poltico e filosfico.

    Essa forma de abordar o (re)exame das relaes entre a prtica educativa escolar e a estrutura econmico-social capitalista decorre da concepo segundo a qual a prtica pedaggica escolar no se define, enquanto uma prtica social, apenas pelo seu aspecto peda-ggico (pedagogismo), e a prtica econmica entendida como a relao social fundamental mediante a qual os homens produzem sua existncia no se reduz a uma viso economicista onde o social, o poltico e o filosfico esto excludos. Ora, se tal enfoque se revela complexo, essa complexidade advm das mltiplas determinaes que encerra a problemtica em questo. O risco, ento, no reside no mbito epistemolgico, mas nos limites do prprio autor quanto apreenso destas diferentes dimenses.

    Um outro risco que temos presente o de que o trabalho, no seu conjunto, assume uma postjira que tem como ponto de partida

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  • o carter de classe do processo de conhecimento, medida que tal processo se efetiva no interior de uma sociedade cindida em classes onde se digladiam interesses antagnicos. Ou seja, o conhecimento, quer em sua produo, quer em sua divulgao, articula-se com inte-resses de classes. A defesa da neutralidade cientfica no passa de um mecanismo de defesa do status quo, no caso dos interesses bur-gueses. A o assumir uma tica de crtica aos interesses burgueses e postular que tal tica crtica carrega historicamente mais condies (embora no suficientes) para um desvendamento mais profundo do real, podemos ensejar uma interpretao apressada que se direciona para o relativismo absoluto, o ceticismo ou o carter doutrinrio do conhecimento. Aqui tambm o risco no reside no mbito epistemo-lgico, mas na precariedade, talvez, da discusso incorporada no texto sobre essa questo.

    Finalmente, um ltimo risco que temos presente em nosso tra-balho decorre da sua prpria evoluo. Ou seja, na medida que pas-samos da idia inicial de uma anlise contextualizada influncia do pensamento econmico neoclssico veiculado na educao atravs da "teoria do capital humano", na realidade educacional brasileira e ficamos ao nvel da discusso mais terica sobre a anlise dos

    .vnculos ou desvnculos entre educao e estrutura econmico-social capitalista, podemos incorrer numa anlise abstrata. Trs razes nos levam a pensar que tal fato no ocorre. Primeiramente, ao nos preo-cuparmos, de um lado, com a gnese histrica, ou seja, com as con-dies materiais objetivas que produzem e demandam a teoria do capital humano e, ao mesmo tempo, com a superao das pseudo-questes em relao aos vnculos ou desvnculos entre educao e estrutura econmico-social capitalista, fomos levados a centrar a an-lise na etapa mais avanada do capitalismo capitalismo mono-polista. Ora, embora o capital monopolista se configure de forma diversa, em formaes sociais especficas, o fenmeno da internacio-nalizao do capital se pe, ainda que diferenciadamente, como um fenmeno transnacional. E m segundo lugar buscamos, ao longo do texto, assinalar algumas especificaes, no mais das vezes a ttulo de exemplificao. Finalmente, como apontamos anteriormente, o foco central do estudo se localiza na tentativa de avanar na compreenso da problematicidade que subjaz s questes "ou falsas questes sobre a relao entre prtica educativa e estrutura econmico-social capi-talista. Trata-se mais de uma direo terico-metodolgica para definir o caminho mais adequado na anlise da especificidade da prtica

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  • educativa, no conjunto das prticas sociais, no interior de formaes sociais capitalistas.

    Neste sentido a originalidade se que h alguma deve residir no na temtica escolhida, mas na forma pela qual buscamos o desvendamento dos problemas que as questes postas engendram e escondem. Entendemos, ento, este trabalho mais como um ponto de partida, um horizonte, uma direo para anlises circunstanciadas historicamente, e por este prisma que gostaramos que fosse lido. Trabalho que, para ns, transcende a tarefa acadmica para inserir--se na tentativa de entender e desvendar a realidade, como mecanismo de poder transform-la.

    Ao longo do texto discutimos as categorias modo de produo da existncia, trabalho e homem por se constiturem nos elementos bsicos mediante os quais buscamos dar conta da anlise a que nos propusemos. Dispensamo-nos, mediante indicao de referncias es-pecficas, de uma explicitao de outras categorias utilizadas, tais como: mediao, totalidade, contradio, por julgarmos que estas referncias respondem de forma suficiente apreenso de tais cate-gorias. Dentro do carter pedaggico deste trabalho, porm, julgamos importante situar o leitor para algumas categorias e conceitos utili-zados, delimitando o sentido que damos neste trabalho.

    a) Classe burguesa, capitalista, dominante aparecem no texto como sinnimos e compreendem no apenas os donos (individuais ou associados) dos meios e instrumentos de produo, mas tambm aqueles que, embora no-proprietrios, constituem o funcionrio co-letivo do capital, ou seja o conjunto daqueles que gerem, represen-tam e servem ao capital e suas exigncias (Gorz, 1983) .

    b) Classe proletria, trabalhadora, dominada, maioria discri-minada tambm aparecem como sinnimos e designam o conjunto dos trabalhadores que no interior das relaes capitalistas de pro-duo, de uma forma ou de outra, so expropriados pelo capital.

    No estamos ignorando a heterogeneidade e mesmo as segmen-taes que historicamente se fazem presentes no interior das classes fundamentais e nem a diferenciao existente que ocorre em forma-es sociais especficas. De outra parte, no desconhecemos o fen-meno complexo e tampouco resolvido daquilo que a literatura socio-

  • lgica identifica como "camadas mdias", "pequena burguesia tradi-cional" e a "nova pequena burguesi"' (Poulantzas, 1978). O que importa neste trabalho demarcar os plos fundamentais que cons-tituem a estrutura social capitalista, e que no se definem simples-mente pela propriedade ou no-propriedade dos meios e instrumentos de produo, mas pela identidade de interesses, viso de mundo e realidade.

    c) Educao elou prtica educativa embora neste trabalho estejamos nos referindo mais especificamente prtica educativa que se d na escola, em diferentes momentos mostramos que a mesma se efetiva nas relaes sociais de produo da existncia no seu con-junto. A educao e /ou a prtica educativa , ento, concebida

    "como uma prtica social, uma atividade humana concreta e hist-rica, que se determina no bojo das relaes sociais entre as classes e se constitui, ela mesma, em uma das formas concretas de tais rela-es". (Grzybowski, 1983).

    Dentro desta perspectiva, a prtica educativa escolar conce-bida como uma prtica social contraditria que se define no interior das relaes sociais de produo da existncia, que se estabelecem entre as classes sociais, numa determinada formao social.

    Nesta perspectiva, a prtica educativa que se efetiva na escola alvo de uma disputa de interesses antagnicos. Sua especificidade poltica consiste, exatamente, na articulao do saber produzido, ela-borado, sistematizado e historicamente acumulado, com os interesses de classe.

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  • EDUCAO COMO CAPITAL HUMANO: UMA TEORIA

    MANTENEDORA DO SENSO COMUM

    Presos s representaes capitalistas (os economistas burgueses), vem sem dvida como se produz dentro da relao capita-lista, mas no como se produz essa prpria relao.

    (Marx)

    Neste Captulo apresentaremos inicialmente as teses bsicas da teoria do capital humano e mostraremos que elas so um desdobra-mento singular dos postulados da teoria econmica marginalista apli-cados educao. No objetivamos fazer um tratado sobre a teoria marginalista, mas apenas recuperar os vnculos do capital humano com esta viso.1 Discutiremos, num segundo momento, que o carter circular das abordagens econmicas da educao, baseadas na pers-pectiva do capital humano, decorrncia do carter positivista da

    1. A viso econmica marginalista caracteriza-se pela postura metodolgica positivista que busca apreender o funcionamento da economia mediante a an-lise de unidades isoladas ou agentes econmicos (indivduos, firmas) e, a partir desta viso atomizada, elabora uma teoria da economia como um todo mediante a agregao do comportamento destas unidades. O termo Marginalista deriva da viso de que o indivduo, dotado de "racionalidade" e "liberdade", faz as escolhas econmicas de acordo com a utilidade marginal ou desutilidade margi-nal dos bens disponveis. Isto por sua vez, decorre, da concepo de que o "indivduo", enquanto homo-economicus, relaciona racionalmente os seus dese-jos, as suas necessidades, seu oramento com os preos dos bens, atingindo sempre, mediante esta relao, uma escolha tima, o equilbrio. (Ver, a esse respeito, Himmelweit, S. O indivduo como unidade bsica de anlise. In: Green, F. & Nore, P. A Economia um antitexto. Rio de Janeiro, Zahar, 1979, p. 35-52).

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  • teoria econmica que lhe serve de base teoria esta que se cons-titui numa apologia das relaes sociais de produo da sociedade burguesa. Buscaremos evidenciar que o mtodo de anlise positivista constitui-se, ento, na forma especfica da viso burguesa dos nexos entre educao e desenvolvimento, educao e trabalho, capital e trabalho. Nexo este que esconde a verdadeira natureza de explorao das relaes sociais de produo capitalista, determinando que esta teoria se constitua num poderoso instrumento de manuteno do senso comum. A teoria mostra-se fecunda enquanto uma ideologia, tanto no sentido de falseamento da realidade quanto no de organi-zao de uma conscincia alienada.

    1. TEORIA DO CAPITAL HUMANO: O MOVIMENTO

    INTERNO

    Buscamos, neste item, caracterizar de forma rpida o movimento interno da teoria do capital humano. Trata-se, como veremos, de um movimento que guarda em seu interior um carter circular, um pensamento em "giro", recorrente aos mesmos supostos, mas que se desdobra em linhas muitas vezes aparentemente contrrias. Os supos-tos, o arsenal terico sobre o qual a teoria se move, no so postos em questo. O movimento se d exatamente na tentativa de encon-trar, no mundo da imediaticidade emprica, de forma cada vez mais rigorosa, elementos que sustentam os supostos. No nos demorare-mos em demonstrar as polmicas internas da teoria, apenas apon-taremos os diversos deslocamentos das abordagens.

    1.1. O apelo de Adam Smith e seus discpulos

    quase um lugar-comum entre aqueles que analisam os vnculos entre educao e desenvolvimento, educao e renda, educao e mobilidade social apoiarem-se em alguns pensamentos da obra de Smith e seus discpulos. Este apelo, no mais das vezes, aparece como a busca de um critrio de autoridade para realar os desdobramentos de abordagens que pouco ou nada tm a ver com o que esses autores escreveram naquela poca, e menos ainda com o mtodo de invs-

  • tigao por eles adotado.2 Uma das passagens clssicas de Smith, citada em grande nmero de trabalhos, a seguinte:

    "Um homem educado custa de muito esforo e tempo para qual-quer emprego que exige destreza e qualificaes especiais pode ser comparado a uma daquelas mquinas caras. O trabalho que ele aprende a realizar, como ser de esperar, acima dos salrios habituais da mo-de-obra comum, compensar-lhe- todo o custo de sua edu-cao, com, pelo menos, os lucros habituais de um capital igualmente valioso."3

    J . Stuart Mill, em 1848, quase um sculo depois da obra de Smith, na sua exposio sobre a economia poltica clssica retoma o pensamento de Smith de forma mais contundente:

    "Para o propsito, pois, de alterar os hbitos da classe trabalhadora ( . . . ) a primeira coisa necessria uma eficaz educao nacional das crianas da classe trabalhadora. Pode-se afirmar sem hesitao que o objetivo de toda a formao intelectual para a massa das pessoas deveria ser o cultivo do bom-senso; o torn-las aptas a formular um julgamento sadio das circunstncias que as cercam. Tudo o que se pode acrescentar a isso, no domnio intelectual, sobretudo decora-tivo."4

    A. Marshal ( 1 9 8 0 ) , embora considere a educao "o mais valioso capital que se investe nos seres humanos", considera que a analogia feita por Smith entre o investimento em mquinas e edu-cao imperfeita pelo fa to de o "trabalhador vender seu trabalho mas permanecer ele mesmo a sua propriedade", e pela interveno de fatores que limitam o investimento na educao, como o poder aquisitivo das famlias. (Marshal , A., 1980) .

    2. De fato, enquanto os primeiros estavam preocupados em identificar as leis que regiam a sociedade capitalista nascente sem, no entanto, tirar dessas anlises as conseqncias polticas, como dir Marx ao critic-los, os segundos se movem mais dentro de uma tica "vulgar" de economia preocupados na apologia das relaes sociais de produo vigentes nesta sociedade.

    3. Smith, Adam. A Riqueza das naes, 1776, livro , cap. 10. preciso frisar que o conceito de educao, no contexto do trabalho de Smith, nitida-mente identificado com ensino vocacional, treinamento, formao profissional No guarda, portanto, o sentido genrico dado hoje, especialmente quando se apela para a idia de Smith ou a idia geral de capital humano, para justificar determinadas polticas governamentais.

    4. Stuart Mill, J. The principies of politicai economic, 1848. Apud Launay, J. Elementos para uma economia poltica de educao. In: Durand Jos C. G. (org.) Educao e hegemonia de classe. Rio de Janeiro, Z,ahar, 1978, p. 179. A concepo de educao como treinamento e adestramento para o trabalho explcita em Stuart Mill, bem como uma tcita aceitao da desigualdade social.

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  • Embora seja possvel mencionar mais de uma dezena de traba-lhos que s referem ao investimento nas pessoas aps os fragmentos dos clssicos, somente a partir do final da dcada de 50 que esta idia se desenvolve de forma sistemtica,5 especialmente por traba-lhos de pesquisadores americanos e ingleses, colimando com o que se convencionou denominar, por analogia ao capital fsico, de teoria do capital humano.

    Vale assinalar que a idia de "capital humano" surge, histori-camente, bem antes, at mesmo no Brasil,6 da dcada de 50. O fato de que sua formulao sistemtica e seu uso ideolgico poltico so-mente se verificam a partir do fim da dcada de 50 e incio da dcada ! de 60 aponta para a hiptese de que efetivamente neste perodo que as novas formas que assumem as relaes intercapitalistas de-mandam e produzem esse tipo de formulao.7

    1.2. O Conceito de capital humano nas anlises macro e microeconmicos

    O conceito de capital humano, que a partir de uma viso redu-cionista busca erigir-se como um dos elementos explicativos do de-senvolvimento e eqidade social e como uma teoria de educao, segue, do ponto de vista da investigao, um caminho tortuoso. Percorrendo-se esse caminho depreende-se que o determinante (edu-cao como fator de desenvolvimento e distribuio de renda) se transmuta em determinado (o fator econmico como elemento expli-cativo do acesso e permanncia na escola, do rendimento escolar,

    5. B. F. Beker, por exemplo, menciona mais de duas dezenas de trabalhos desta natureza em artigo intitulado "The historical roots of the concept of human capital". (University of South Carolina, s.d.)

    6. "Simultaneamente necessrio atender sorte de centenas de milhares de brasileiros que vivem nos sertes, sem instruo, sem higiene, mal alimenta-dos e mal vestidos, tendo contato com os agentes do poder pblico apenas atra-vs dos impostos extorsivos que pagam. preciso agrup-los instituindo colnias agrcolas; ( . . . ) despertar-lhes, em suma, o interesse incutindo-lhes hbitos de atividades e de economia. Tal a valorizao bsica, essa sim que nos cumpre iniciar quanto antes a valorizao do capital humano (o grifo nosso), por isso que a medida da utilidade social do homem dada pela sua capacidade de produo." (Ver Carone, Edgar. A Primeira Repblica. So Paulo, Difuso Europia do Livro, 1969, p. 245).

    7. Veremos esse aspecto detalhadamente no Captulo 2, onde abordaremos as condies histricas que demandam esta formulao.

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  • etc.)- Essa circularidade de anlise, veremos, decorre de sua funo apologtica da tica de classe que representa.

    Do ponto de vista macroeconmico, a teoria do capital humano constitui-se num desdobramento e/ou um complemento, como a situa Shultz, da teoria neoclssica do desenvolvimento econmico. De acordo com a viso neoclssica, para um pas sair de estgio tradi-cional ou pr-capitalista, necessita de crescentes taxas de acumulao conseguidas, a mdio prazo, pelo aumento necessrio da desigual-dade (famosa teoria do bolo, to amplamente difundida entre ns). A longo prazo, com o fortalecimento da economia, haveria natural-mente uma redistribuio. O crescimento atingido determinaria nveis mnimos de desemprego, a produtividade aumentaria e haveria uma crescente transferncia dos nveis de baixa renda do setor tradicional para os setores modernos, produzindo salrios mais elevados.8

    O conceito de capital humano, que constitui o construtor bsico da economia da educao, vai encontrar campo prprio para seu desenvolvimento no bojo das discusses sobre os fatores explicativos do crescimento econmico. A preocupao bsica ao nvel macro-econmico , ento, a anlise dos nexos entre os avanos educacio-nais e o desenvolvimento econmico de um pas.

    A observao de que o somatrio imputado produtividade do estoque de capital fsico e estoque de trabalho da economia, ao longo de determinado tempo, explicava apenas uma parcela do crescimento econmico desta economia levou hiptese de que o resduo no explicado pelo acrscimo do estoque de capital e de trabalho poderia ser atribudo ao investimento nos indivduos, denominado analogi-camente capital humano. Este resduo engloba o investimento em educao formal, treinamento, sade etc.

    "O meu prprio interesse por este assunto surgiu no correr de 1956-57, quando eu era membro do Centro de Estudos Avanados das Cincias do Comportamento. Sentia-me perplexo ante os fatos de que os conceitos por mim utilizados, para avaliar capital e tra-

    8. Esta tese toma fora especialmente a partir dos estudos empricos de Kuznets, atravs dos quais, tenta evidenciar que existe uma relao com o for-mato de um "U", entre igualmente de distribuio de renda e nveis de renda per capita. (Ver Kuznets, Simon. Economic growth and income inequality. American Economic Review, 6 (45) 1955). No Captulo 2 retomaremos esta questo, ligando as teorias do desenvolvimento com a educao.

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  • balho, estavam se revelando inadequados para explicar os acrscimos que vinham ocorrendo na produo. Durante o ano de minha per-manncia no Centro, comecei a perceber que os fatores essenciais da produo, que eu identificava como capital e trabalho, no eram imutveis: sofriam um processo de aperfeioamento, o que no era devidamente avaliado, segundo a minha conceituao de capital e trabalho. Tambm percebi claramente que, nos Estados Unidos, muitas pessoas esto investindo, fortemente, em si mesmas; que estes investimentos humanos esto constituindo uma penetrante influncia sobre o crescimento econmico; e que o investimento bsico no capi-tal humano a a educao."

    Segundo T. Schultz, um dos pioneiros da divulgao da teoria do capital humano, que lhe valeu o Prmio Nobel de Economia em 1979,

    "O componente da produo, decorrente da instruo, um investi-mento em habilidades e conhecimentos que aumenta futuras rendas e, desse modo, assemelha-se a um investimento em (outros) bens de produo". (Schultz, T., 1962).

    Schultz, como se pode depreender desses fragmentos e mais detalhadamente em suas obras (ver tambm Schultz, T. O Capital Humano, 1973), e os seus adeptos pretendem com o conceito de capital humano, a um tempo, complementar os fatores explicativos do desenvolvimento econmico na concepo neoclssica, explicar a alta de salrios do fator trabalho nos pases mais desenvolvidos e explicar, a nvel individual, os diferenciais de renda.

    A educao, ento, o principal capital humano enquanto concebida como produtora de capacidade de trabalho, potenciadora do fator trabalho. Neste sentido um investimento como qualquer outro.

    O processo educativo, escolar ou no, reduzido funo produzir um conjunto de habilidades intelectuais, desenvolvimento de determinadas atitudes, transmisso de um determinado volume de conhecimentos que funcionam como geradores de capacidade de trabalho e, conseqentemente, de produo. De acordo com a espe-cificidade e complexidade da ocupao, a natureza e o volume dessas

    9. Schultz, T. O valor econmico da educao. Rio de Janeiro, Zahar, 1962. Certamente, Schultz teria grande dificuldade para justificar hoje o desem-prego em massa nos EUA (perto de 10 milhes de pessoas), embora esses indi-vduos tenham "investido fortemente neles mesmos".

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  • habilidades devero variar. A educao passa, ento, a constituir-se num dos fatores fundamentais para explicar economicamente as dife-renas de capacidade de trabalho e, conseqentemente, as diferenas de produtividade e renda.

    O conceito de capital humano ou, mais extensivamente, de recursos humanos busca traduzir o montante de investimento que uma nao faz ou os indivduos fazem, na expectativa de retornos adicionais futuros. Do ponto de vista macroeconmico, o investi-mento no "fator humano" passa a significar um dos determinantes bsicos para aumento da produtividade e elemento de superao do atraso econmico. Do ponto de vista microeconmico, constitui-se no fator explicativo das diferenas individuais de produtividade e de renda e, conseqentemente, de mobilidade social.

    A tese central da teoria do capital humano que vincula educa-o ao desenvolvimento econmico, distribuio de renda, confi-gurando-se como uma "teoria de desenvolvimento", sem desviar-se de sua funo apologtica das relaes sociais de produo da socie-dade burguesa, vai desdobrando-se, no campo da pesquisa, em tra-balhos aparentemente contrrios. Assim que as pesquisas se deslocam do campo macroeconmico para o microeconmico e, den-tro destas esferas, tomam especificidades diversas. O que d coerncia aos trabalhos o arsenal terico e ideolgico no qual todos os enfoques se afunilam. Neste sentido, como veremos adiante, a aparente pol-mica de carter "cientfico" que se estabelece apenas serve para esconder o carter circular das abordagens.10

    A nvel macroeconmico, o trabalho de Harbinson e Myers, sobre comparaes internacionais, efetivado em 1960,11 o mais

    10. As abordagens mais freqentes para o estudo das relaes entre educa-o a desenvolvimento (crescimento) econmico so as comparaes interna-cionais, comparaes intertemporais, comparaes interindustriais e a anlise do "fator residual". O segundo e o terceiro tipo de abordagem tiveram pouco impacto quando comparados com o primeiro e o ltimo.

    11. Harbinson, F. H. & Myers, . M. Education manpower and economic growth. New York, McGraw-Hill, 1964. No Brasil, os trabalhos de Langoni (As causas do crescimento econmico no Brasil. Rio de Janeiro, Anpec, 1974; e Distribuio de renda e o desenvolvimento econmico no Brasil. Estudos Econ-micos, 2 (5), 1972) se enquadram nesta tica. O mesmo vale em relao ao que escreve sobre educao e distribuio de renda (Ver Simonsen, M. H. Brasil 2001. Rio de Janeiro, Anpec, 1969).

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  • f completo e que tem gerado maior jmpacto e alimentado o discurso especialmente nos governos dos pases subdesenvolvidos sobre a eficcia da educao como instrumento de desenvolvimento econ-mico e distribuio de renda e equalizao social. Estes autores toma-ram um ndice de desenvolvimento de recursos humanos formado na base do fluxo de pessoas matriculadas nas escolas secundrias com idade entre 15 e 18 anos, e fluxo de pessoas entre 20 e 24 anos que estavam no ensino superior, de 75 pases, e o correlacio-naram com o PNB per capita de cada pas. A correlao encontrada foi de r2 = 0,789. Inferiu-se da a relevncia da educao para o desenvolvimento econmico.

    Esse trabalho, embora mantenha ainda hoje, pelo menos entre ns, um forte apelo ideolgico, foi muito criticado internamente pelos adeptos da teoria do capital humano.12

    Entre outras crticas sobressaem: as ponderaes que os autores fazem na construo do seu ndice de desenvolvimento de recursos humanos; o fato de compararem um fluxo (pessoas no processo edu-cacional) com um estoque (PNB per capita) das pessoas que estavam no mercado de trabalho; de outra parte, o fato de o modelo estatstico de correlao no permitir inferncias de causao, mas apenas de vnculo. Resta saber, dizem os crticos, se educao que gera mais desenvolvimento ou se o desenvolvimento gera mais educao.

    Uma forma mais elaborada e at mesmo altamente formalizada de abordagem do vnculo entre educao e desenvolvimento econ-mico foi a introduo do "fator H" (recursos humanos) numa funo neoclssica de produo, geralmente sob a frmula de Cobb-Dou-glas,13 onde toda a variao de PIB ou de renda per capita no

    12. Toda vez que nos referimos crtica interna estamos entendendo as crticas que partem dos prprios adeptos da teoria do capital humano, que se atm no no questionamento dos supostos da teoria, mas de alguns aspectos dos trabalhos que buscam demonstr-la e confirm-la.

    13. A frmula geral de Cobb-Douglas geralmente apresentada pela equa-o: X = AKa Li-6 onde X = volume de produtos; A = nvel de teconologia; K = insumos de capital; L = insumos de mo-de-obra; a uma constante; 1-8 igual unidade para dar rendimentos constantes de escala.

  • explicada pelos fatores A (nvel de tecnologia), K (insumos de capi-tal), L (insumos de mo-de-obra) seria devida ao fator H (mo-de-obra potenciada com educao, treinamento etc.).

    O trabalho de Denison (Denison, E. F., 1962) o mais conhe-cido entre os que introduziram inicialmente o "fator H" na funo de produo, nos EUA e em outros pases.

    A suposio bsica do modelo de que os fatores recebem o valor dos seus produtos marginais, donde "o crescimento do produto, no tempo, pode ser atribudo ao crescimento dos vrios insumos e s mudanas n tecnologia". (Sheehan, J., 1973).

    Nesse contexto, o "resduo" do crescimento econmico, no explicado pelos fatores A, K, L, seria atribudo ao fator capital humano.

    As crticas internas sobre o modelo, a despeito de sua capaci-dade de formalizao e matematizao, so inmeras. M. Abramo-vitz, por exemplo, denomina o "resduo" atribudo educao, trei-namento etc., "ndice de nossa ignorncia", querendo enfatizar a debilidade desse tipo de medida. (Abromovitz, 1962). De outra parte, a suposio bsica de que os "fatores recebem o valor de seus pro-dutos marginais" implica a suposio de que a concorrncia perfeita prevalea no mercado desses produtos, o que conflitua com o cres-cente carter monopolista da economia capitalista, e a crescente inter-veno do Estado. Alm dessas crticas, Becker e Atkinson enfatizam que existem razes tericas pelas quais o treinamento no prprio trabalho (Becker, G.S., 1964, p. 8-11) e certos tipos de progresso tcnico (Atkinson, A. B. & Stiglitz, J. E., 1969) gerem divergncias entre as remuneraes dos fatores e o valor dos produtos marginais.

    As tentativas de se mensurar, em termos macro, a contribuio da educao para o crescimento econmico tm esbarrado, do ponto de vista da investigao, nas mais diversas crticas internas teoria. Essas crticas fundamentalmente se prendem debilidade das medi-das que tentam apreender o impacto da educao sobre o crescimento. A Tiso positivista, cujo patamar de sustentao se calca sobremodo na mensurao dos fenmenos, no rigor formal, na aplicao do modelo fsico de cincia s cincias sociais, fica vulnervel. Isto faz

  • I O suposto bsico microeconmico de que o indivduo, do

    ponto de vista da produo, uma combinao de trabalho fsico e educao ou treinamento. Supe-se, de outra parte, que o indivduo produtor de suas prprias capacidades de produo, chamando-se, ento, de investimento humano o fluxo de despesas que ele deve efetuar, ou que o Estado efetua por ele, em educao (treinamento) para aumentar a sua produtividade. A um acrscimo marginal de escolaridade, corresponderia um acrscimo marginal de produtivi-dade. A renda tida como funo da produtividade, donde, a uma dada produtividade marginal, corresponde uma renda marginal. Na base deste raciocnio (silogstico) infere-se literalmente que a educa-o um eficiente instrumento de distribuio de renda e equaliza-o social. O clculo da rentabilidade efetivado a partir das dife-renas entre a renda provvel de pessoas que no freqentaram a escola e outras, semelhantes em tudo o mais (critrio ceteris paribus) e que se educaram. Da decorrem tambm as teses relacionadas com a mobilidade social.15

    com que a teoria do capital humano se desloque da esfera macro-econmica para a microeconmica.

    Estabelecem-se, ao nvel das diferentes correntes de pesquisa polmicas que podem deixar ao leitor menos familiarizado com a rea, uma impresso de vises diametralmente antagnicas. Ao con-trrio, o que est em jogo apenas o carter de maior ou menor possibilidade de preciso na apreenso do dado ou a representati-vidade da amostra, validade dos testes, etc.14

    i

    14. Um exemplo desse tipo de polmica interna a discusso que se esta-beleceu entre Langoni e Castro na dcada de 70. (Ver Castro C. M. Investimento em educao no Brasil: comparao de trs estudos. Revista de Pesquisa e Pla-nejamento Econmico. Rio de Janeiro 1 (1): 141-59, jun./nov. 1971; Langoni, C. G. Investimento em educao no Bra