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FUNÇÕES SOCIAIS DA MÚSICA E INFLUÊNCIAS NA FORMAÇÃO DA IDENTIDADE MUSICAL DOS INDIVÍDUOS Marina Marques Ribeiro Andreo * RESUMO Este artigo busca, a partir de revisão de literatura, investigar as relações entre construção da identidade musical dos indivíduos, nos âmbitos pessoal e social, e, a relação dos gostos e preferências na formação dessa identidade. Uma das preocupações de pessoas que se dedicam à árdua e desafiadora tarefa de educar é estar em constante busca de entender os caminhos pelos quais passamos no processo de formação e amadurecimento da personalidade. Muitas áreas do conhecimento se dedicam em desvendar os “nós”, nesse emaranhado de fios condutores dos quais somos formados. A música, comprovadamente, é um desses fios. E é com o objetivo de compreender seu papel, indiscutivelmente importante, que me proponho nesse trabalho a contribuir com educadores musicais, professores e educadores sociais na compreensão sobre a formação da identidade musical, possibilitando uma intervenção mais focada nas metas de melhorar a qualidade educacional com a qual estamos diretamente ligados. Palavras-chave: Educação musical. Funções sociais da música. Identidade musical. INTRODUÇÃO Tenho como primeiro objetivo nesta pesquisa, realizar um levantamento do que já se tem estabelecido sobre o processo de organização mental, emocional e cultural na formação da identidade e do gosto musical das pessoas. Essa necessidade surgiu em um momento importante de minha formação profissional, durante o estágio no qual tive a oportunidade de realizar a prática de ensino com alunos do primeiro ano do ensino médio, no Colégio Estadual Dr. Gastão Vidigal, em Maringá-Pr. * Acadêmica do Curso de Graduação em Música pela Universidade Estadual de Maringá - UEM.Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá – UEM. Pós-graduada em Arte-Educação. Endereço eletrônico: [email protected].

Funções Sociais da Música

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Funções Sociais da MúsicaMarina Marques Ribeiro Andreo

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  • FUNES SOCIAIS DA MSICA E INFLUNCIAS NA FORMAO DA IDENTIDADE MUSICAL DOS

    INDIVDUOS

    Marina Marques Ribeiro Andreo*

    RESUMO

    Este artigo busca, a partir de reviso de literatura, investigar as relaes entre construo da identidade musical dos indivduos, nos mbitos pessoal e social, e, a relao dos gostos e preferncias na formao dessa identidade. Uma das preocupaes de pessoas que se dedicam rdua e desafiadora tarefa de educar estar em constante busca de entender os caminhos pelos quais passamos no processo de formao e amadurecimento da personalidade. Muitas reas do conhecimento se dedicam em desvendar os ns, nesse emaranhado de fios condutores dos quais somos formados. A msica, comprovadamente, um desses fios. E com o objetivo de compreender seu papel, indiscutivelmente importante, que me proponho nesse trabalho a contribuir com educadores musicais, professores e educadores sociais na compreenso sobre a formao da identidade musical, possibilitando uma interveno mais focada nas metas de melhorar a qualidade educacional com a qual estamos diretamente ligados.

    Palavras-chave: Educao musical. Funes sociais da msica. Identidade musical.

    INTRODUOTenho como primeiro objetivo nesta pesquisa, realizar um

    levantamento do que j se tem estabelecido sobre o processo de organizao mental, emocional e cultural na formao da identidade e do gosto musical das pessoas.

    Essa necessidade surgiu em um momento importante de minha formao profissional, durante o estgio no qual tive a oportunidade de realizar a prtica de ensino com alunos do primeiro ano do ensino mdio, no Colgio Estadual Dr. Gasto Vidigal, em Maring-Pr.

    * Acadmica do Curso de Graduao em Msica pela Universidade Estadual de Maring - UEM.Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maring UEM. Ps-graduada em Arte-Educao. Endereo eletrnico: [email protected].

  • Em vias de concluir a Licenciatura em Msica, essa questo tem se estabelecido entre os temas sobre os quais sinto necessidade de aprofundamento, pois a volta do ensino de msica nas escolas resultado de muito empenho e cabe a ns, educadores musicais, oferecer um ensino voltado para as necessidades atuais de crianas e jovens que consomem a msica de forma muito intensa em seu cotidiano, porm no lhes possibilitado o conhecimento cientfico musical na mesma proporo.

    Atuar com Educao Musical, nesse momento histrico, em que se trilham os caminhos para a implementao do retorno de contedos musicais na educao bsica formal brasileira, garantia dada pela Lei nmero 11.769/08, um grande desafio para o qual devemos estar preparados. Assim, nos vemos em meio a um processo histrico do qual fazemos parte e somos chamados a contribuir. Dessa maneira, ao realizarmos uma reviso bibliogrfica podemos ampliar nosso campo de viso, alm de possibilitar a socializao das informaes levantadas pela pesquisa.

    O PAPEL DA MEDIAO NA FORMAO DOS INDIVDUOS

    A sociedade, conforme Ferreira (2010, p. 706), um meio humano em que o indivduo est integrado, vivendo por vontade prpria sob normas comuns, em comunidade. O indivduo por sua vez definido como: pessoa humana, considerada em suas caractersticas particulares; criatura (FERREIRA, 2010, p. 422).

    Os indivduos, segundo Oliveira (2012) desenvolvem atividades psicolgicas sofisticadas em um processo de desenvolvimento no qual o organismo individual interage com o meio fsico e social em que vive. Para explicar essa afirmao, a autora realiza um estudo apoiado nas teorias do psiclogo do desenvolvimento Lev Vygotsky, que se dedicou ao estudo das funes psicolgicas superiores ou processos mentais superiores.

  • Os apontamentos que se seguem, esto fundamentados nos estudos de Oliveira e caminham no sentido de explicar como mecanismos psicolgicos envolvem o controle do comportamento, a liberdade e a ao intencional das pessoas relacionadas s caractersticas do momento e do espao.

    Para a autora, Vygotsky trabalha com a concepo de que a relao do homem com o mundo mediada por ferramentas auxiliares da atividade humana: os instrumentos e os signos. Os instrumentos so elementos externos ao indivduo, voltados para fora dele, enquanto os signos so orientados para o prprio sujeito, para dentro do indivduo; dirigem-se ao controle de aes psicolgicas, seja do prprio indivduo, seja de outras pessoas. (OLIVEIRA, 2012, p.31).

    O processo de mediao, feito atravs de instrumentos e signos so construdos ao longo do desenvolvimento humano, provocando duas mudanas qualitativas fundamentais em seu uso: a primeira a formao do processo de internalizao, ou processos internos de mediao, o indivduo passa a ter capacidade de lidar com representaes que o possibilitam libertar-se do espao e do tempo, pois j no precisar de objetos, situaes e eventos do mundo real. Poder fazer relaes mentais, imaginar fazer planos e intenes.

    A segunda mudana o desenvolvimento de sistemas simblicos, que a capacidade de representao da realidade atravs do uso de instrumentos e signos. E, como afirma:

    Os signos no se mantm como marcas externas isoladas, referentes a objetos avulsos, nem como smbolos usados por indivduos particulares. Passam a ser signos compartilhados pelo conjunto de membros do grupo social, permitindo a comunicao entre os indivduos e o aprimoramento da interao social. (OLIVEIRA, 2012, p.37)

    Os sistemas simblicos de representao da realidade e a linguagem como sistema simblico bsico humano, so desenvolvidos

  • pelos grupos culturais os quais fornecem aos seus membros as formas de perceber e organizar o real.

    a partir de sua experincia com o mundo objetivo e do contato com as formas culturalmente determinadas de organizao do real (e com os signos fornecidos pela cultura) que os indivduos vo construir seus sistemas de signos, o qual consistir numa espcie de cdigo para decifrao do mundo. (OLIVEIRA, 2012, p.37)

    Nas relaes interpessoais e na interao social com outros membros da cultura estruturada, o indivduo recebe a matria-prima para seu desenvolvimento psicolgico. Entretanto, ressalta Oliveira: A vida social um processo dinmico, no qual cada sujeito ativo e em que acontece a interao entre o mundo cultural e o mundo subjetivo de cada um (OLIVEIRA, 2012, p.39).

    Para Vygotsky, diz Oliveira, so os sistemas simblicos e, em particular, a linguagem, que exercem papel fundamental na comunicao entre os indivduos, bem como no estabelecimento dos significados que compartilham permitindo interpretaes dos objetos e situaes do mundo real.

    A linguagem musical, sistema simblico de significados

    Segundo Pereira (2007, p. 1) A comunicao transcende os limites da linguagem verbal, pois os seres humanos so capazes de estabelecer modalidades que ampliam possibilidades de significaes que vo para alm da linguagem discursiva. Elementos como cores, tons, palavras, msica, pintura e a poesia tambm possibilitam a exteriorizao de pensamentos, antes isolados na mente humana.

    A msica, continua a autora, como meio de transmisso de mensagem enfatiza elementos subjetivos e intersubjetivos e, enquanto maneira de se comunicar, desperta sentimentos afeies e emoes segundo a viso subjetiva dos indivduos.

  • A simbologia musical sistematizada em signos criados pelo homem, passvel de compreenso em formas de expresso e conotaes que dependem tanto da imagem sonora e sentido proposto pelo msico, quanto da relao estabelecida entre esta realidade e a impresso psquica do prprio ouvinte. (PEREIRA, 2007, p. 2)

    Assim, muitos pesquisadores, tais como: Langer (1989); Shurmann (1989) e Wisnik (1989) citados por Pereira (2007), abordam a msica como sendo uma linguagem com signos e expresses que podem ser propostas pelos seus compositores, mas possibilitam tambm ao ouvinte sentir ou interpret-la conforme sua prpria subjetividade.

    A msica na formao da identidade cultural e social dos indivduos

    Para entender a importncia da linguagem musical na formao da identidade das pessoas, recorremos primeiramente a Hummes (MERRIAN 1964, apud HUMMES, 2004, p. 18 e 19) que escreveu sobre as dez principais funes sociais da msica sendo: Funo de expresso emocional; Funo do prazer esttico; Funo de divertimento, entretenimento; Funo de comunicao; Funo de representao simblica; Funo de reao fsica; Funo de impor conformidade s normas sociais; Funo de validao das instituies sociais e dos rituais religiosos; Funo de contribuio para a continuidade e estabilidade da cultura; Funo de contribuio para a integrao da sociedade.

    Segundo Hummes (2004), vrios outros educadores como Freire (1992), Swanwick (1997), Campbell (1998), Ibaes (1988), revisaram as funes sociais da msica, de Merrian (1964) reconhecendo-as como um referencial para a educao musical. Ela, entretanto, realiza uma leitura voltada para a realidade atual, propondo que o referencial de Merrian [...] ainda pode ser ratificado e reavaliado,

  • dependendo do contexto em que estiver inserido. (HUMMES, 2004,p.20).

    Trago para essa reflexo, a pesquisadora Beatriz Ilari (2007) que, tambm com base em Merrian 1964; Gregory, 1997; Hodges; Haack, 1996; Trehub; Schellenberg, 1995, realizou uma abordagem acerca das funes psicolgicas da msica em diferentes contextos educacionais. As funes psicolgicas analisadas a partir de sua pesquisa qualitativa foram: Desenvolvimento de competncias e habilidades musicais: observado em todos os casos, seja na apreciao, execuo, musicalidade comunicativa ou experincias de audio; Regulao do humor e dos afetos: a participao em atividades musicais contribuiu para a regulao do humor e dos afetos dos participantes da pesquisa; Fortalecimento de vnculos interpessoais: foi possvel observar entre os membros dos grupos, que em suas experincias musicais coletivas, se identificavam com o grupo e individualmente; Apropriao cultural e empoderamento: houve evidencia de que crianas e jovens se apropriam da cultura da qual os repertrios fazem parte.

    Quanto formao identitria, creio ser adequada a afirmao:

    [...] a atividade coletiva permite ao indivduo interpretar os diversos significados da msica de maneira independente e individual, sem com isso afetar a integridade do fazer musical coletivo. E, claro, ao reforar a identidade social, refora-se tambm a identidade individual. (ILARI, 2007, p. 41)

    Assim, as pesquisas de Hummes (2004) e Ilari (2007) se complementam, enquanto a primeira aborda a relao da msica com a sociedade, citando o quanto est diretamente ligada vida pessoal e comunitria dos indivduos, a segunda preocupa-se em investigar qual o grau de envolvimento da msica na psicologia, ou na formao da mente como diria Vygotsky, das pessoas desde a mais tenra idade.

    Podemos verificar que, alm de serem complementares, ambas informaes se convergem em vrios pontos que tratam da

  • importncia da msica como aparato social na formao da identidade individual e coletiva, com grande potencial de fortalecimento vnculos de pertencimento e de assimilao da cultura local.

    Cultura e mdia, influncias no gosto musical

    Como se constitui o gosto musical? Quais as influncias culturais e miditicas na formao da identidade musical? Para essa reflexo, trago a abordagem de Subtil (2005) que analisou representaes sociais de crianas de 9 a 11 anos, baseadas nos conceitos de representaes sociais, de habitus e de poder simblico, tendo como referncias as teorias de Moscovici (1978) e Bourdieu (1989).

    A cultura para Cenevacci (1996), segundo Subtil, no pode ser encarada como algo unitrio, que compacta e liga entre si indivduos, sexos, grupos, classes, etnias; mas sim algo bem mais plural, descentrado, fragmentrio, conflitual, (CANEVACCI, 1996, apud SUBTIL, 2005,p. 67).

    Sua pesquisa revela que difcil diferenciar o gosto de adulto/criana na sociedade, pois todos esto submetidos mdia que determina, mesmo que relativamente, escolhas, vivncias e prticas musicais. Os limites da fronteira de ser criana ou adulto aparecem nas explicaes do que gostam e porque gostam. A explicao sobre inadequao das msicas miditicas no parte de uma ao educativa dos mais velhos e nem das instituies socializadoras.

    A autora conclui que, mesmo se afirmando que o processo de constituio da infncia decorre das imposies da estrutura social de consumo, os sujeitos por ela pesquisados demonstraram aspectos ativos da recepo musical. A msica aciona mediaes individuais e contextuais que vo, de certa forma, interferir nas escolhas, nas preferncias, nos juzos de valor e nas prticas musicais individuais ou compartilhadas (SUBTIL, 2005,p. 72).

  • Consideraes finais

    Como verificamos, nas pesquisas de Oliveira (2012) a convivncia social fundamental na formao humana. atravs da mediao que aprendemos a fazer uso de ferramentas e signos necessrios nossa sobrevivncia e constituio da nossa subjetividade, o que nos confere a autonomia para definirmos nossa identidade .

    A subjetividade, estudada por Pereira (2007), constituda principalmente atravs das linguagens e dentre elas a msica tem papel fundamental, como afirmam as pesquisas citadas. E justamente pela subjetividade que o ouvinte tem a possibilidade de sentir e interpretar com autonomia, adquirindo assim seu gosto musical.

    A msica possui funes sociais e psicolgicas que contribuem na expresso de valores, na cultura, na veiculao da histria e da educao, na formao da identidade comunitria e individual do homem, o que ocorre na convivncia com seus pares desde bebs, como afirma Ilari (2007).

    A mdia, segundo Subtil (2005), exerce uma influncia muito grande nas escolhas e vivncias musicais tanto de adultos quanto de crianas e nem as famlias, nem as instituies, e aqui podemos incluir as escolas, interferem educativamente sobre a inadequao de determinadas preferncias relacionadas a gneros, estilos musicais vivenciados e incorporados na sociedade.

    Vejo a o grande desafio para a Educao Musical: atuar de forma a fornecer os aparatos para decifrar e utilizar dos cdigos e signos da linguagem musical e, ao mesmo tempo, atuar positivamente no sentido de instrumentalizar os alunos a pensar criticamente sobre a msica.

    Pensar criticamente sobre os gostos musicais dos alunos, mediar a reflexo, foi a proposta das prticas musicais realizadas

  • durante meu estgio no ensino mdio. Ao valorizarmos os gostos trazidos por eles, proporcionarmos o conhecimento cientfico e possibilitarmos a reflexo sobre suas msicas e repertrios propostos, teremos encontrado uma alternativa que facilitar a ao educativa.

    REFERNCIAS

    FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Mini Aurlio: o dicionrio da lngua portuguesa. 8 ed.. Curitiba: Editora Positivo, 2010.

    Hummes, Jlia Maria. Por que importante o ensino de msica? Consideraes sobreas funes da msica na sociedade e na escola. 2004. Disponvel em: http://www.abemeducacaomusical.org.br/Masters/revista11/revista11_artigo2.pdf. Acesso: 19 set. 2013.

    ILARI, Beatriz. Msica, identidade e relaes humanas em um pas mestio:implicaes para a educao musical na Amrica Latina1. 2007. Disponvel em: http://www.abemeducacaomusical.org.br/Masters/revista18/revista18_artigo5.pdf . Acesso em 15 set. 2013.

    OLIVEIRA, Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo scio-histrico. 5 ed..So Paulo: Scipione, 2010.

    PEREIRA, Elen. Educao Musical: do sentido compreenso. 2007. Disponvel em:http://www.abemeducacaomusical.org.br/Masters/anais2007/Data/html/pdf/art_e/Educa%C3%A7%C3%A3o%20Musical%20do%20sentido%20%C3%A0%20compreens%C3%A3o.pdf . Acesso: 20 set. 2013.

    Subtil, Maria Jos Dozza. Mdias, msica e escola: prticas musicais e representaes sociais de crianas de 9 a 11 anos. 2005. Disponvel em: http://www.abemeducacaomusical.org.br/Masters/revista13/revista13_artigo7.pdf. Acesso: 19 set. 2013.