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FREDERICO CARDIM DE PINHO FREITAS A RELAÇÃO ENTRE ENSINO DE MÚSICA E OS CONTEXTOS SOCIAIS EM QUE ELA SE INSERE MONOGRAFIA DE LICENCIATURA EM MÚSICA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO ESCOLA DE MÚSICA Orientandor: Samuel Araújo 1

Relação entre o ensino música e os contextos sociais em que ela se insere

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FREDERICO CARDIM DE PINHO FREITAS

A RELAÇÃO ENTRE ENSINO DE MÚSICA E OS CONTEXTOS SOCIAIS EM QUE ELA SE INSERE

MONOGRAFIA DE LICENCIATURA EM MÚSICA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

ESCOLA DE MÚSICA

Orientandor: Samuel Araújo

Rio de Janeiro, 2013

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SUMÁRIO

Introdução 03

As práticas locais do ensino de música 04

A concepção de transformação social 16 e a relação com o ensino de música

Ensino de música, escola, sociedade e formalidade 30

Industria da comunicação, produção local e ensino de música 36

Considerações finais 47

Referências Bibliográficas 48

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INTRODUÇÃO

Não é tão difícil deparar-se com professores que não entendem porque seus

alunos não se interessam por suas aulas, assim como com alunos que são tomados pelo

desinteresse em relação a propostas de ensino e ao tipo de regras que lhes são impostas.

Meu propósito na monografia não será explicar porque isso acontece, até porque cada

caso se insere em um universo diferente, mas, sim, buscar compreender a relação entre

o ensino de música e os contextos sociais desses alunos como um viés de conexão entre

a vida dos alunos e a aula, nem sendo preciso dizer que a comunicação entre educador e

educando exige pelo menos considerar esse universo local no qual se insere tanto quem

aprende quanto quem ensina, para que o conhecimento seja produzido através de um

espiríto de parceria entre os alunos e professores. O conhecimento, quando é construído

na relação humana, rende ao professor e ao aluno o desenvolvimento de uma de tão

elaborado, não é mais matéria prima mas produto útil aos dois. Resta ao professor

entender e utilizar o valor dessa história, e este será proporcional ao valor que seu

ensino terá para seus alunos.

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AS PRÁTICAS LOCAIS DO ENSINO DE MÚSICA.

É preciso considerar que o processo de ensino e aprendizagem, seja na música

ou em qualquer outra área, não se dá só na escola ou só na faculdade. Sempre quando

alguém aprende, alguém ou algo lhe ensinou, junto com o que a pessoa desenvolveu

diante de uma circunstância, a natureza, o tempo inteiro, nas relações sociais junto as

relações do universo, oferecem um infinito espectro de interação entre os seres humanos

e a maneira como este vai instrumentalizar um fenômeno e torna-lo útil a sua vida. As

práticas locais de ensino e aprendizagem quando incluídas na instituição de ensino

legitimam o conhecimento do estudante, aproximam o universo do aluno à escola.

É possível “desvelar práticas locais de ensino e aprendizagem musical e a partir da análise e interpretação dessas práticas, ampliar a visão de processos de ensino e aprendizagem musical”(ARROYO,p.8,2002).

As práticas locais de ensino são constantemente marginalizadas pelas

instituições legitimadas socialmente, ancoradas por uma concepção universalista (visão

de que a música é uma linguagem universal, compreendida por todos da mesma forma)

que vai de encontro às representações sociais construídas na comunicação e

identificação local, pois, quando essas representações não são trabalhadas e

reconstituídas no ambiente escolar fomal, não proporcionam para alunos e professores o

entendimento de suas próprias ações.

"Ao reconstituir as representações sociais, reconstitui-se sentidos de vida e de compreensão da realidade e entende-se porque determinado grupo social age como age"(ARROYO,p.3,2002).

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A relação entre realidade e a difusão de crenças e valores nas relações

interpessoais de um determinado contexto social, é certamente algo que vai se

apresentar em sala de aula. Todos possuem condicionamentos sociais, esses que na

dimensão da representação são elo de comunicação e entendimento seja entre

professores e alunos, ou em qualquer relação interpessoal.

Representações sociais são pensamentos, valores, crenças, códigos criados nas relações pessoais, com objetivo de garantir e manter a comunicação entre as pessoas de maneira clara. São também percepções, atribuições, atitudes e expectativas adquiridas nas relações e interações entre os sujeitos e às vezes mantidas, e quando isto acontece não leva em conta o processo de mutação, no qual as pessoas estão inseridas. (SILVA; LIMA; COSTA, 2009, p. 3).

O papel da representação se torna importante na medida em que ajuda a entender como

o ensino precisa dela para dar aos alunos espaço para serem protagonistas na construção

do conhecimento, visto que, quando seus saberes não são citados ou incluídos no ensino

de música se distanciam de suas realidades empobrecendo o sentido em suas vidas.

As projeções que os saberes locais alcançam, assim como o valor que ganham

ante a sociedade se relacionam com a dinâmica econômica e política global na medida

em que grandes corporações acabam promovendo uma dissolução de “identidades”

locais em alegorias vendáveis através de grandes projetos de comunicação.

O sistema de organização política e econômica mundial não mais delimita

monopólios em limites nacionais, visto que as maiores concentrações de capital estão

nas mãos de grandes coorporações multinacionais essas que espalham seus pontos de

produção em diferentes partes do globo (HARDT e NEGRI, 2000).

Na segunda metade do século XX, as corporações industriais e financeiras multinacionais e transnacionais começaram, realmente, a estruturar territórios globais biopoliticamente. (HARDT NEGRI, 2000, p. 30). As atividades das corporações (...) tendem a fazer dos estados-nações meros instrumentos para medir os fluxos de mercadorias, dinheiro e populações colocando-os em movimento (HARDT e NEGRI, 2000, p. 31).

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A projeção e superinvestimentos na indústria da comunicação têm o intuito de

legitimar sua imagem de autoridade, promovendo a condução da opinião pública na

direção da aprovação de sua produção. Os valores agregados desses produtos estão

muito mais numa dimensão imaterial, de status, do conceito de sucesso, e outros valores

superdimensionados por seus projetos de marketing(HARDT e NEGRI,2000).

A legitimação da máquina imperial nasce, ao menos em parte, das industrias das comunicações, ou seja, a transformação do novo modo de produção em uma máquina. É um sujeito que produz sua própria imagem de autoridade. Está é uma forma de legitimação que não se baseia em nada externo a si mesma, e se reinventa incesantemente desenvolvendo suas próprias linguagens de auto-validação (HARDT e NEGRI,2000,pág32).

Segundo os autores citados, a máquina cria seu próprio sistema de validação por

intermédio da indústria de comunicação através de constante intervenção social de

modo a regular a aceitação de sua estrutura de produção neutralizando os focos de

diferença, diferença essa que surge, por exemplo, através de uma produção local

autônoma em relação aos mecanismos de marketing da indústria.

A máquina é auto-validante, autopoiética – ou seja, sistêmica, constrói tramas sociais que evacuam ou tornam ineficazes qualquer contradição; cria situações pelas quais neutraliza coercivamente o diferente (HARDT e NEGRI, 2000, p. 33).

Mesmo que os focos de resistências à globalização e seu poder de

homogeneização continuem surgindo, a indústria se reinventa agregando a sua imagem

citações alegóricas e dissolvidas da produção local, e assim novamente, com o intuito de

promover a identificação de seu público alvo através de uma representação simbólica de

uma suposta “identidade”, comprometendo a fidelidade histórica dos saberes

socialmente construídos com autonomia ante a máquina.

A máquina imperial vive produzindo um contexto de equilíbrio e/ou reduzindo complexidades, pretendendo por em prática, um projeto de cidadania universal e, por fim, intensificando a efetividade de sua intervenção sobre cada elemento da interrelação comunicativa, enquanto dissolve a identidade e a história em um modo completamente pós-moderno (HARDT e NEGRI, 2009, p. 33).

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A globalização tem efeitos diretos na opressão dos saberes locais, não

simplesmente por intermédio do avanço tecnológico, que torna a circulação da

informação algo quase banal em quase todas as partes do globo, e potencialmente

homogeneizador cultural, mas também pela maneira como se conduzem projetos de

comunicação de grandes corporações, seduzindo a opinião pública para a adesão de

ferramentas e estilos de vida que rapidamente sobem ao posto de prioridades na vida

dos consumidores em potencial. As ferramentas de tecnologia em rede passam a ser

ferramentas, também para a divulgação desses ideais, que agregam em seu corpo

estrutural hierarquizações culturais eleitas segundo critérios que servem a esses projetos

de sugestão e convencimento através do marketing. Levando em conta que a indústria

também se mantém atualizada ante as produções socioculturais, e o tempo inteiro,

reinventa alegoricamente, essas produções, que passam a se apresentar como

genealogias dissolvendo a “identidade” dos sujeitos.

Em meio a esses contextos, alguns focos de resistência começam a surgir para

fidelizar a produção local sem que sejam distorcidos pela agressividade de imposições

externas, como a pesquisa sociopoética.

A pesquisa sociopoética é um novo método de construção coletiva do conhecimento que tem como pressupostos básicos que todos os saberes são iguais em direito e que é possível fazer da pesquisa um acontecimento poiético (do grego poiesis = criação) (PETIT, ano?, p.1).

Uma das bases teróricas que inspiram a sociopoética é a esquizo-análise que se procede segundo a passagem do texto de Petit:

Próxima ao referencial institucionalista está a Esquizo-Análise, cuja crítica radical a toda tendência homogeneizadora combina particularmente bem com a sociopoética. Nessa perspectiva, um dos conceitos inspiradores da Esquizo-Análise é a noção de devir. A Esquizo-Análise parte da constatação que nas nossas sociedades modernas predomina a tendência a serializar e moldar os indivíduos, em todas as dimensões – não somente econômica, mas também social, tecnológica, semiótica, midiática, corporal, biológica – e esses agenciamentos maquínicos representam interferências

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simultaneamente molares e moleculares, isto é, micro e macropolíticas pois, sendo imanentes, não há como separá-las (PETIT, ano?, p. 9).

Trata-se de uma ferramenta que busca conceber os seres humanos como múltiplos em

sua heterogeneidade, problematizando qualquer busca pela identidade ou

homogeneizações essencialistas.

Propõe ao invés da noção redutora de identidade, o conceito de devir, que sugere a nossa multiplicidade heterogênea. (PETIT, 2009. p. 10).

Ou seja, você é negro, mas nem por isso precisa ser do jeito como se concebem

os negros entre uma série de estigmas enraizados na sociedade, assim como os rótulos

machistas endereçados as mulheres etc. O fato é que essas tendências de produzir

rótulos socialmente legitimados muitas vezes tornam os sujeitos coagidos por uma auto-

imagem que lhes foi introjetada na dinâmica social por um intenso condicionamento ao

qual são submetidos. Não há como conhecer os valores contidos na própria origem local

sem construir um senso crítico a cerca da produção massificada que chega pela indústria

da comunicação, quando ela de fato chega (me referindo a massificação cultural).

Assim como a pesquisa sócio-poética, outras linhas de pesquisa também buscam

uma relação com os saberes locais sem a relação de pesquisador e objeto, visto que os

“objetos” de pesquisa nesse caso também estarão pesquisando a sua própria história. A

pesquisa participativa (que surgiu na ideia de proporcionar maior participação dos

nativos na pesquisa etnográfica) também procura dar voz e espaço para ação dos

sujeitos inseridos em um determinado contexto social, de forma que eles participem e

construam a pesquisa como protagonistas do trabalho.

A aposta nos processos participativos continua como condição para trilhar os caminhos do protagonismo dos grupos oprimidos, marginalizados pelos sistemas excludentes das sociedades, com vistas a conquistar gradativamente mais justiça social em direção a um desenvolvimento solidário e sustentável. Continuam na sua essência (ADAMS, 2006, p. 3).

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Segundo Cambria (2004) a pesquisa etnográfica se apresenta como um método

para tentar comprender um determinado contexto sócio-cultural da perspectiva de quem

está inserido no contexto em questão. Porém mesmo com o intuito de proporcionar mais

lastro na relação entre pesquisa e realidade social, pois muitas linhas de pesquisa

etnográfica principalmente antes da década de 80, ainda se encontravam orquestradas

pelo pesquisador acadêmico, ou seja, criava-se uma estrutura em que o nativo apenas se

pronunciava em relação a sua cultura dentro da limitação estabelecida pelo pesquisador,

o nativo não participava da estruturação da pesquisa, nem da reflexão acerca de alguns

conceitos acadêmicos, muito menos tinha espaço para discordar da forma como as

ideias eram aplicadas a sua realidade. Porém, começam a surgir na antropologia alguns

questionamentos em relação as formas como esses estudos etnográficos estavam sendo

realizados, a chamada “crítica pós-moderna” que ganha mais força entre a década de 80

e 90 com autores como Clifford Geertz, que buscam questionar a hegemonia do

pesquisador ante aos pesquisados, esses que estariam muito mais como objetos de

pesquisa do que como colaboradores na construção dessa pesquisa. Com o intuito de

legitimar e promover a participação dos nativos na construção da pesquisa surge a

“pesquisa-ação participativa”.

É justamente o reconhecimento desta posição de subalternidade ou, como diria Paulo Freire (2000), de “opressão” que levou ao desenvolvimento de uma concepção de pesquisa que nos interessa discutir, a chamada “Pesquisa Ação Participativa” (ou participante)(CAMBRIA, 2004, p. 3).

No processo de implementação desse tipo estrutura de pesquisa alguns problemas

começam a surgir, como por exemplo, a relação entre o pesquisador e o sujeito inserido

no contexto X. O pesquisador nada interfere? Apenas se une aos propósitos dos nativos?

É importante a postura sincera de não negar as diferenças culturais mesmo quando se

busca crescer com o conhecimento de outras culturas.

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“[… ] na síntese cultural”, escreveu este autor, “se resolve – e somente nela – a contradição entre a visão do mundo da liderança [o pesquisador] e do povo, com o enriquecimento de ambos. A síntese cultural não nega as diferenças entre uma visão e outra, pelo contrário, se funda nelas. O que ela nega é a invasão de uma pela outra. O que ela afirma é o indiscutível subsídio que uma dá à outra” (FREIRE apud CAMBRIA 2000, p. 181).

O processo que busca legitimar os saberes locais na pesquisa e no ensino e de música

ainda caminha lentamente mas muito já foi feito nessa direção, de fato ainda quando se

pensa nesse concepção de pesquisa, construida e aplicada ao ensino, é comum a

associação com algo extra-acadêmico ou extra-excolar. Pela separação teria e prática,

pesquisa acadêmica ou aplicada, assim como pesquisa ou ensino.

A separação entre “teoria” e “prática” (entre pesquisa “acadêmica” e “aplicada”) que hoje somos acostumados a pensar no âmbito das ciências sociais e humanas, em boa parte, é conseqüência da institucionalização e delimitação das disciplinas acadêmicas e de seus métodos e formas de produção intelectual (CAMBRIA, 2004, p. 2).

Assim como a noção de teoria e prática expõe dicotomias no campo da pesquisa

etnomusicológica as noções de igual e diferente podem ser problematizadas. Muito do

que foi desenvolvido na pesquisa etnomusicológica participativa, partia da noção de

diferença e sua associação com algo positivo, porém esta mesma noção ocultava

relações de poder e suas correspondentes assimetrias, de maneira a homogeneizar e

categorizar o “outro”. Porém Cambria, em um artigo da revista Música e cultura,

problematiza o modo como a diferença foi entendida na pesquisa etnomusicológica, e

quais os novas tendências dessa mesma pesquisa. É dessa problemática que se

desenvolverá esse artigo, mostrando como a etnomusicologia desenhava sua perspectiva

de pesquisa na noção do “outro” como o exótico e que acabava por construir dicotomias

e reforçando estigmas.

Várias dicotomias, centrais em etapas passadas da história intelectual de nosso campo (mas que, muitas vezes, temos tomado emprestadas de outras áreas) vieram reforçar (e confirmar) a oposição binária definidora entre “nós” e o “outro”: civilizado/primitivo, mente/corpo, cultura/natureza, ciência/magia, escrita/oralidade, lógico/pré-lógico, urbano/rural, ocidental/não ocidental, modernidade/tradição, formal/informal, familiar/exótico e assim por diante(CAMBRIA, p.2, 2008).

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Cambria explica que a nova tendência etnomusicológica nas pesquisas aponta para uma

ressignificação da diferença de modo que está não mais significa simplesmente a

diferença entre o pesquisador e o outro, isto é, não mais como se todos os “diferentes”

“exóticos” estivessem categorizados em um mesmo nível de “sistemas” e “estruturas”.

Se, no passado, nossos predecessores tentaram compreendê-las como “estruturas” e “sistemas” coerentes, isto é, como todos homogêneos (dessa forma, eles falavam sobre “os” Balineses, “os” Nuer etc.), hoje, tendo consciência das diferenças internas que elas apresentam em todos seus níveis, preferimos analisar como são relacionalmente “construídas” e/ou “imaginadas”(CAMBRIA, p.3,2008).

A identidade passa a ser agora mais estudada pela etnomusicologia entendendo-a em

sua dimensão de construção social e processos relacionais(cambria, 2008).

Ao longo do artigo explica como as pesquisas etnomusicológicas se pautavam na

diferença como algo positivo, mas que hoje já se percebe uma necessidade de entende-la

sob uma perspectiva que leve em conta as assimetrias de poder, que tende a taxar em

um nível homogêneo o “outro”.

Se no passado temos buscado a diferença como algo fundamentalmente positivo em si, como uma riqueza (“diversidade”) a ser descoberta, representada e explicada, hoje temos cada vez mais a consciência de que, muitas vezes, essas mesmas diferenças são vinculadas a, quando não resultantes de, relações assimétricas de poder (“desigualdade”), em vários níveis, desde a dimensão local até aquela global, e que seus discursos e performances estão envolvidos nas lutas simbólicas para a legitimação ou a contestação de várias formas de hegemonia(CAMBRIA, p.12,2008).

Um bom exemplo de integração entre pesquisa e ensino de música, de modo que leve

aos nativos a possibilidade de participarem ativamente do processo de construção da

pesquisa em discursos que verdadeiramente sejam leais ao saberes locais descritos pelos

próprios nativos, de maneira a refletir sobre as assimetrias de poder contidos na noção

de diferença, e nos processos relacionais e construções sociais que irão pautar o

conceito de identidade, em parceria com pesquisadores não-nativos, é o grupo

Musicultura, um projeto na Maré cujo objetivo é pesquisar e estudar manifestações

musicais da Maré, uma autopesquisa.

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O pesquisador Alexandre Dias, em um artigo da ENABET, faz um levantamento

topográfico no bairro da Maré se atendo aos discursos subjacentes contidos no propósito

de projetos, que funcionam na região, que em grande parte dos casos, mostrou em sua

pesquisa, objetivam, através de atividades artístico-musicais, reforçar identidades (de

maneira estigmatizada), recuperar autoestima, construir cidadania, e retirar pessoas da

criminalidade, medidas efetivadas através do chamado terceiro setor, composto por

ONG´s (a pesquisa se atém ao caso das ONG´s), Associações comunitárias, Sindicatos,

e até igrejas, que ante a intensificação de conflitos de classe se transformam em

mecanismos de cooptação e controle social. (DIAS,2011).

É possível, no presente artigo, observar o quanto as ações da mídia e a

institucionalização de ações por intermédio do terceiro setor servem a um ideal de

apaziguar a iminência de conflitos entre favela e “cidade”, levando em conta como a

favela é colocada como um problema a ser solucionado por ações destinadas a

regulação do estado. O terceiro setor seria uma alusão a sociedade organizada de

maneira a unir interesses e investimentos da iniciativa privada e estatal, visto que das

duas partes existe o desejo de responder a demandas sociais mais urgentes(DIAS, 2011).

No caso da mídia, os discursos insuflados com intensidade por intermédio de veículos

de grande projeção e cooptação da opinião pública, se apresentam como instrumentos

que intensificam os estigmas a respeito de algumas localidades, e tornando os próprios

moradores, convencidos de sua periculosidade, ou de sua condição nociva ao bem estar

da cidade, ou como um problema para a cidade. A auto pesquisa, passa a ser então uma

forma de conhecer melhor sua própria realidade, atento as disparidades impostas nas

relações de poder e reforçadas por mecanismos da mídia. Fazer música para manter a

mente ocupada, ante a iminência de virar um traficante? Ou se conhecer no contexto-

social em que se está inserido, para transformar a ideia que se tem de si mesmo, e

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descobrir uma realidade que se torna até difícil de enxergar quando não se está atento

aos mecanismos de controle da opinião pública projetados pela mídia, que conceitua a

favela como sinônimo de perigo?

Para Cecília Maria Bouças Coimbra (1998), as ações da mídia em geral constroem a “estrita e definitiva relação entre pobreza e classes perigosas”, na qual o morador de favela é quase que “determinantemente propenso à vida do crime”. Esse determinismo geográfico, fortalecido e apropriado por boa parte da mídia, torna ainda mais difícil a integração do favelizado nas relações sociais formais de cidadania e acesso a bens materiais e culturais, o que acaba por justificar, de certa forma, a constante descrição do carente, numa analogia ao “pobre-coitado” – do criminoso, numa relação com o selvagem – e do inculto, numa identificação com o bárbaro, essas são algumas das principais adjetivações da favela e do favelizado para o restante da cidade(DIAS apud COIMBRA, 2011).

As iniciativas de projetos de arte que estigmatizam os moradores e seus saberes locais

na maré são bem numerosos como mostrou Dias:

Oito, num total de dezesseis organizações levantadas, oferecem oficinas ou atividades culturais ligadas a práticas musicais. Essas oficinas possuem, em grade parte dos casos, o objetivo de “reforçar identidades”, “recuperar a auto-estima”, “construir cidadania” e/ou “retirar as pessoas da criminalidade(DIAS,p.31,2011).

Mas não torna menos eficaz uma abordagem etnomusicológica que faz dos nativos

protagonistas de sua própria história e realidade, como o trabalho realizado no grupo

Musicultura. Não só na maré como em qualquer outro lugar, é possível proporcionar o

espaço necessário para a construção de um ensino de música que leve em conta o

contexto sociocultural em que estão inseridos alunos e professores.

A ideia contida no ensino de música muitas vezes agrega em torno de sua aplicação a

separação entre as práticas de ensino ministradas em ambientes tradicionalmente

destinados a esse tipo de atividade de ensino, que foram moldadas ante a parâmetros de

hierarquização do conhecimento, (por exemplo, no caso dos conservatórios, traz em sua

concepção histórica ideais eurocêntricos), o que acaba gerando um distanciamento das

práticas locais de ensino na cultura popular da metodologia utilizada para ensinar

música.

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A pesquisadora Margarete Arroyo (2000) mostra no artigo “Um olhar antropológico

sobre práticas de ensino e aprendizagem musical” a realidade de um conservatório

fundamentando no conceito de instituição como o que tem como característica analogias

naturalizantes que, no caso dos conservatórios reforçam, dicotomias esquizóides, como

mente/corpo.

Interpretei o Conservat6rio de Música como uma instituição escolar, conceitualizando "instituição" segundo a antropóloga Mary Douglas (1998). A autora argumenta que as instituições estão baseadas em analogias naturalizantes, que Ihes conferem legitimidade. Considerando que a instituição Conservat6rio está fundada em analogias constitutivas da cultura ocidental, legitimadas em oposições, tais como espiritual versus material, esquerdo versus direito, corpo versus mente (ARROYO apud DOUGLAS,2000,p.2).

E em contraposição a instituição conservatório, analisa as práticas locais de ensino de

música presente no congado mineiro, estabelecendo como viés de análise comparativa a

noção de representação social.

As representações sociais são uma forma de saber conceitual e prático, construído e compartilhado coletivamente a partir das interações sociais. As representações sociais edificam a realidade, sendo compreendidas no senso comum como formas, naturalizadas de significado. Em outras palavras, estruturadas socialmente, quando naturalizadas, acabam por estruturar a pr6pria sociedade, ou seja, reproduzimos concepções, crenças, valores e práticas como se elas fossem inquestionáveis, quando na verdade são resultado da elaboração de grupos humanos, em determinadas situações históricas(ARROYO,2000,p.2)

Usando o conceito de cultura segundo o antropólogo Clifford Gertz, que a define como

“uma teia de significados construídos nas relações sociais” (ARROYO apud

GERTZ,1989,p.15). Arroyo conclui que as representações sociais estão diretamente

relacionadas a maneira como a cultura irá se construir e se constituir em meio aos

contextos socioculturais. A prática musical passa a ser, no modo como é entendida, bem

mais do que ações ministradas por um concepção pedagógica e sim uma prática

significativa.

Quando recorro ao termo "práticas de ensino e aprendizagem musical", refiro-me ao sentido de "pratica significativa", segundo Middleton. Assim, práticas de ensino e

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aprendizagem de música são muito mais do que ações musicais acompanhadas dos tradicionais elementos pedag6gicos que compõem educação escolar/acadêmica: objetivos e conteudos. As práticas de ensino e aprendizagem musical, como reprodutoras e produtoras de significados, conferem ao ensino e aprendizagem de musica um papel de criador de cultura (compreendida segundo Geertz)(ARROYO,2000,p.2).

Partindo da concepção de movimento e mudança, as dinâmicas de ensino não são

estáticas visto que se reinventam de acordo com as transformações sociais, mesmo em

se tratando do âmbito institucional impregnado de “analogias naturalizantes”, como foi

dito anteriormente que acabam por segregar dimensões de manifestação de consciência

e ações humanas, como por exemplo a separação entre espiritual e material. A mudança,

se atendo a linha de raciocínio do referido artigo, seria a integração entre a história

humana na cultura de um determinado contexto, (o que de fato alunos e professores

vivem musicalmente em seu cotidiano, e quais representações sociais fazem sentido em

suas vidas, reproduzidas e produzidas na prática de ensino) e a inserção dessas práticas,

manifestas no significado presente em suas vidas, em instituições socialmente

legitimadas. Já a permanência, seria, por exemplo a hegemonia da concepção erudita de

música ante as práticas populares de ensino, por mais que no caso de muitos

conservatórios a música popular já esteja inserida, mas se ocupa um lugar secundário

ante uma hierarquização do conhecimento, ou se seu espaço está condicionado a moldes

de entendimento eurocêntricos, a integração das práticas locais de ensino estaria

incompleta.

O estranhamento ao familiar, e familiarização com o que se apresenta como estranho as

vivências humanas torna-se exercício importante, na direção de proporcionar mais

espaço para as práticas locais do ensino de música, visto que é grande a carga de

condicionamentos culturais impregnada nos ideias de educação e civilização presentes

no ensino de música.

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A concepção de transformação social e a

relação com a música

As escolas, são, pelo menos em potencial, locais com o poder de agregar em torno de si,

as práticas locais de ensino em sua dimensão significativa ou seja, mais do que simples

reproduções metodológicas, e sim práticas conectadas a realidade do ensino. Porém,

como cita Arroyo (2000) citada no capítulo anterior, as instituições de ensino muitas

vezes segregam a dimensão significativa do plano pedagógico presente nas aulas. Se

pautando no significado de permanência, boa parte das instituições, acabam por

naturalizar uma concepção hierárquica do conhecimento tradicionalmente instituído,

ante a realidades sociais, realidades essas que se apresentam como peças chaves no

processo de transformação pela autoconsciência da própria história e realidade social,

mas que frequentemente foram marginalizadas por sistematizações repressoras de

estruturas pedagógicas. O papel de transformação social das instituições de ensino já há

algum tempo são questionadas. Na década de 1960, começa-se a observar o papel da

escola como reprodutora de desigualdades sociais, selecionando “talentos”, projetando

nos alunos uma enorme carga de gostos, preferências e convenções sociais com base em

um julgamento tendencioso, contido nas avaliações que selecionam os que se

aproximam mais do que foi legitimado socialmente como conhecimento

(BOURDIEU,1998).

Bourdieu deixa claro que um dos mecanismos para a “separação” dos objetos (por exemplo, em temas ou assuntos) relevantes e não relevantes a um determinado sistema educacional ou campo cientifico, é a conivência da opinião de um determinado grupo (social ou intelectual) sobre um tema, ou um objeto socialmente reconhecido ou não pelos envolvidos no “julgamento”, conforme o contexto histórico em questão (CERQUEIRA, 2008, p. 266).

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Bourdieu também questiona o valor dado ao que ficou designado subjetivamente como

“cultura geral”, que seria um conjunto de ações típicas, já incorporadas nas relações

sociais. Construída pelos extratos economicamente privilegiados, essa cultura, na

verdade estaria contemplada por hierarquizações do conhecimento, segundo ideais

construídos e naturalizados dinâmica social, diretamente ligados a ideia de civilização.

A noção de cultura geral segundo Bourdieu está relacionada aos gostos e escolhas

sociais, convencionadas por exemplo, como códigos escolares tornando legítima a

tradição em esferas com maior poder de influência e estabelecendo uma relação direta

com o conceito de “capital cultural”, ou seja, uma relação com o conhecimento

reconhecido, aprovado socialmente pela cultura que domina(BOURDIEU,1998).

A intensificação do chamado terceiro setor, que inclui ong’s, se constitui como

mecanismo de regulação social na medida em que busca, em grande parte dos projetos,

aproximar a população “carente” com práticas de cidadania, recuperação da autoestima,

etc,(DIAS, 2011). Reproduzindo um discurso de aproximação com as “práticas da

sociedade civilizada”, ou seja, parte da ideia de que, certas regiões pobres, como favelas

e morros são um problema a ser resolvido(GUAZINA, 2011). As crianças vistas como

traficantes em potencial, e a população em geral é conduzida a uma orientação de “bons

modos”, permeando o objetivo de muitos projetos de educação ambiental por exemplo,

que apesar do nome, tem o objetivo muito mais de tornar pobres “educados” para que

não sejam um problema nas lindas praias do rio de janeiro, essa que recebe turistas do

mundo inteiro e abriga o extrato econômico mais abastado da sociedade carioca, do que

de fato promover educação ambiental, falando a grosso modo (estado e a iniciativa

privada, em muitos casos, se alinham e investem nesse tipo proposta) O uso da música

como ferramenta de transformação também está aliado aos interesses do estado de

“apaziguamento” em alguns projetos (GUAZINA, 2008). Em muitos casos, a música

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acabou ocupando um posto demagógico na política de “aproximação” do governo com

as areas pobres do Brasil. Se naturalizou o discurso de “cabeça vazia é oficina do diabo”

que tem como matriz pensar que a música ocupa a mente dos que são potencialmente

traficantes porque moram na favela, e assim a ideia de transformar a realidade pela

música vai se incorporando nos objetivos desse ensino (GUAZINA, 2008).

A crença no potencial transformador da sociedade pela ‘música’ perpassa, atualmente, diferentes esferas da própria sociedade e toma formas múltiplas e complexas muito presentes nas realidades brasileiras. Essa crença tem se expressado na forma de práticas musicais que costumam ser atravessadas por uma associação direta e naturalizada entre pobreza, violência, projetos sociais e discursos baseados em diferentes racionalidades, comumente marcados por uma lógica salvacionista que é associada as populações mais pobres. Tais projetos estão direcionados a parcela historicamente mais excluida das proteções sociais em múltiplas configurações e sao construidos e atravessados pelos modos de existência contemporâneos, os quais são calcados na velocidade das ações, desestabilização dos vínculos de trabalho, precarização da proteção social e uma produção cotidiana de relações de violência e dominação. (GUAZINA, pág. 359 e 360, 2008).

Segundo Guazina (2008), grande parte desses projetos mantém um discurso que

aponta para a profissionalização pela música, de modo que os participantes se vêem

seduzidos pela possibilidade de viver de música ou até mesmo serem famosos,

ricos(GUAZINA, 2008).

Estes profissionais nao costumam ter direito a proteção social trabalhista, uma vez que se exige deles um vinculo ‘terceirizado’. Mao-de-obra tornada barata, mesmo que muitas vezes seja altamente especializada (GUAZINA, p.363,2008).

A possibilidade de poder trabalhar com música, prossegue a autora, se apresenta como

um layout do projeto, tornando-o mais atraente, mas não leva os participantes a

refletirem sobre as garantias de emprego que terão, depois de submetidos a essa

formação especializada (GUAZINA, 2008). O aumento de projetos sociais está

diretamente relacionado a intensificação dos conflitos de classe, ante a demandas sociais

urgentes não comtempladas pelas políticas públicas, fazendo do terceiro setor, composto

por exemplo por, Ong’s, sindicatos e associações comunitárias, instrumento do estado

aliado a iniciativa privada com objetivo de amenizar as carências de serviços de

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qualidade prestados à população (DIAS, 2011) como por exemplo, escolas de

qualidade.

A grande maioria dos coordenadores de projetos com os quais conversei até agora concordam como a idéia de que seus projetos poderiam ser substituidos por boas escolas, no que diz respeito aos efeitos sobre a vida da população a que atendem, ou seja, oportunidades dignas e competentes de formação(GUAZINA,p.364,2008).

Não é de hoje que podemos perceber mecanismos de neutralização e normalização da

sociedade pela arte, principalmente pela música, com o intuito de dotar a classe pobre

operária de uma espécie de plenitude harmonizadora, como instrumento democrático do

estado para “anestesiar” a capacidade crítica da população, ante a demandas sociais não

contempladas por políticas públicas de qualidade.

As classes trabalhadoras na sociedade francesa na época de Napoleão eram vistas pelas

autoridades do governo com ambivalência, isto é, eram temidos, muitas vezes, citados

com sentimentos de rancor, mas ao mesmo tempo, o império matinha preocupações

humanitárias em relação a essas classes (FULCHER, 1979).A música nesse tipo de

sociedade, se apresentava como uma ferramenta de coalisão entre as artes, na

preferência do império, a boa música, por exemplo, e os trabalhadores, aludindo a ideais

sociológicos e de estéticos franceses (FULCHER, 1979). O “Orfeão”, sociedade coral

para os trabalhadores, surgi então inserido no contexto de “cultura democrática” como

modelo de permanência das tradições ideológicas, que foram utilizadas com objetivo de

lucro político reforçando ideais de harmonização pela música, a arte social, utilizadas

para disseminar uma concepção humanitária e democrática do estado (FULCHER,

1979).

Por volta de 1830, a França começa a introduzir a educação coral orfeônica nas escolas,

depois de algum tempo passa a incluir alguns jovens e adultos trabalhadores o que

acabou fazendo surgir coros direcionados a classe trabalhadora. A experiência coral,

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tendo sucesso entre os trabalhadores, se disseminou pela França junto a concepções de

“aprimoramento moral” da classe dando ênfase ao repertório operístico (FULCHER,

1979).

Toda essa panaceia moral dirigida a classe operária, foi se configurando como

instrumento para o aumento da produção, entendendo o bem estar do trabalhador como

combustível para suas atividades profissionais exaustivas (FULCHER, 1979).

A música então segue sendo um artifício pelo qual, se disseminassem ideias de

harmonização social e neutralidade entre classes, como se a “boa arte”, correspondente

ao capital cultural do estado, fosse o viés capaz equilibrar as contradições e conflitos

entre classes (FULCHER, 1979).

O Orfeão foi um meio de se “cultivar” os trabalhadores, como o próprio Fourier havia proposto, de os imbuir de “gosto”, de consolar e “amenizar”, de os ajudar a formar “juízos”, de moralizar”(FULCHER,1979,p.8).

O ideal de harmonização social pela música também tinha uma dimensão de

predestinação, e conformismo cristão.

Sendo desejo das autoridades culturais elevar o gosto literário, as mesmas entenderam ser instrumental o fazer através de canções, em particular, aquelas que enfatizassem seus ideais. Altruísmo, crença em Deus, aceitação do sofrimento, todos estes eram temas centrais acentuados pelo governo, desejando os ver expressos na arte do trabalhador francês(FULCHER,1979,p.7).

Apesar de, em alguns aspectos, os ideias disseminados no canto coral, incluíssem, por

exemplo, crença em Deus e aceitação ao sofrimento, a religião na França não se

projetava com intensidade nas camadas proletárias, visto que essa classe, era

considerada bastarda, sem moral, perdida pelos antros de prostituição, de modo que o

interesse orfeônico os redirecionava para um “divertimento moral” “sadio”

(FULCHER,1979).

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A escolha orfeônica, não se consagrou como viés de cooptação da opinião pública por

acaso na França, visto que antes disso já havia uma inclinação camponesa a sátiras

políticas cantadas em coro, portanto o canto orfeônico seria uma forma de também

neutralizar esses focos de crítica social campesina (FULCHER,1979). ‘’

A sociedade Bonapartista centralizava nas mãos de um imperador o objetivo de uma

cooperação entre a classe pobre operária, a fim de harmonizar e neutralizar a sociedade

para servir as decisões políticas do estado. E assim o canto orfeônico servia aos ideias

democráticos de Bonaparte (FULCHER,1979).

A música civiliza o indivíduo e as massas…por tudo que ela impõe, pelos hábitos e qualidades que são prenhes de virtude, pela exatidão, pelo espírito de associação...pela obrigação de se realizar em grande número sob a vigilância de todos os olhares, sob a direção de um mestre, com o indispensável elo do concurso comum (FULCHER apud FALLOUX,1979,p.11).

Atrelada a concepção orfeônica no ensino de música se anexavam os ideais

nacionalistas, que no Brasil na época de Vargas, se estruturavam no conceito de

mestiço, presente nas ideias de Gilberto Freire. O estado busca um viés de que

represente a união das raças no Brasil, na música, o elo entre povo e estado foi o samba,

que tanto propagandeou as diretrizes do governo, essa que reafirmaria a intensão de

divulgar um estado democrático, junto ao estimulo de cooperação mútua entre o

operariado e iniciativas públicas a serviço do “progresso”. Parecido com a sociedade

orfeônica francesa, que continha em seu discurso por exemplo, a harmonização social,

algo que promovesse um sentimento de igualdade entre operários e império, mas que

acabava por neutralizar movimentos de crítica social.

De 1930 a 1950 o canto orfeônico foi instituído como modelo de educação musical no

Brasil, e inspirou a construção de concepções pedagógicas instituídas em conservatórios

e cursos superiores de música.

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Segundo Lisboa e Kerr, a escolha por esse modelo de ensino estava atrelada a uma

ideologia nacionalista universalista, que mais sintetizava apropriações da classe

dominantes dos elementos a cultura popular. Porém concebidos alegoricamente, e

propagandeados segundo interesses econômicos dessas classes.

De acordo com as palavras de Marilena Chauí (2001, p. 86), a ideologia transforma “as idéias particulares da classe dominante em idéias universais de todos e para todos os membros da sociedade”. A autora, também, destaca que “o momento essencial de consolidação social da ideologia ocorre quando as idéias e valores da classe emergente são interiorizados pela consciência de todos os membros não- dominantes da sociedade” (ib, p. 97)(LISBOA e KERR apud CHAUÍ,p.4,2005).

Assim como as sociedades orfeônicas na França, os ideais nazistas também continham

esse carácter harmonizar a sociedade, nesse caso, na direção de eleger símbolos de um

capital cultural germânico associada a uma busca pela raça pura ariana. A música

clássica alemã, já antes do período entre guerras, havia expandido a mentalidade

composicional além das concepções barrocas, clássicas, românticas, e outras

consagradas na difusão mundial da cultura germânica. Compositores como Weber,

Schoenberg, A. Berg, já buscavam uma linguagem que ultrapassasse as regras

instituídas em conservatórios europeus, e que não encontravam correspondência nas

exigências nazistas, ante a preferência da linguagem musical consagrada, cadências

perfeitas, discurso tonal clássico, formação instrumental tradicional, o reflexo da busca

pela raça pura, na busca pela cultura e música pura. Na verdade, alimentavam um ideal

que nem sequer é possível de existir, pois nenhum país deixa de conter em sua trama

étnica histórica, migrações, miscigenação, influências culturais, etc.

Recorri a uma monografia, de uma aluna de história da UNIOESTE, Paraná, que buscou

entender um pouco do movimento contemporâneo especificamente o compositor

Schoemberg no período em que a ideologia nacional alemã, o nazi-facismo, os rotulava

como arte degenerada, BATISTA (2009).

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A Chamada arte degenerada foi censurada e muitos dos artistas exilados, torturados ou

mortos.

Há setenta anos atrás, em Monique, na Alemanha, era organizada a “Exposição da Arte Degenerada”, com a qual os nazistas pretendiam desmoralizar importantes artistas modernistas, tais como Picasso, Kandinski e Klee. A exposição Entartete Kunst ocorreu em 19 de julho de 1937 na tradicional galeria Hofgarten, onde foram apresentadas cerca de 650 pinturas, gravuras e esculturas, as quais foram selecionadas entre as mais de 5 mil obras confiscadas pelo governo alemão dos principais museus e galerias do país. Seguindo de Monique para outras cidades da Alemanha e Áustria, a exibição foi visitada por centenas de pessoas, um público que desde 1933 vinha freqüentando as exposições patrocinadas pelo III Reich. As grandiosas Exposições da Arte Alemã (Grosse Deutsche Kunstausstellung) tinham como objetivo divulgar a arte 30 oficial, apregoada pelo regime. A exposição “Entartete Kunst” demonstrava a limpeza estética realizada nos museus e galerias do país.(BATISTA,p.29,2009).

A busca por um nivelamento social, por uma distorção da igualdade humana, o

extermínio da diferença, levou ao regime nazista alemão se caracterizar por aspectos

que hora se mostravam como um ideal de perfeição, na imagem de belas músicas, lindas

mulheres arianas junto a suas crianças loiras de olhos azuis, projetos de arquitetura,

urbanismo e design muitos vezes do próprio Hitler, como o Brasão de seu partido

nacional socialista (esse que antes teria se frustrado não conseguindo entrar para uma

escola de arte), e hora se refletiam na total brutalidade contra manifestações que se

construíam com autonomia ideológica, assim como etnias e ou concepções consideradas

nocivas à perfeição idealizadas pelo regime e deveriam ser destruídas, destinadas ao

extermínio só por sua diferença (BATISTA, 2009).

Os nazistas, projetando concepções de eugenia a serviço de uma perfeição idealizada,

temiam manifestações culturais autônomas, principalmente por serem potencialmente

denunciadores sociais. Assistindo a Schlageter, dramaturgia que fazia referência a um

alemão morto por ter realizado atentado terrorista, condenado a morte pelos militares

franceses, esse que foi apresentado como um ideal de heroísmo (Nesse dia

comemorava-se o aniversário de Hitler), um dos nazistas comentou, “Quando ouço a

palavra cultura, saco logo meu revólver” (a frase foi dita por Hermann Goering).

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Percebemos então como era importante para o regime nazista controlar a difusão da

cultura na sociedade alemã (BATISTA, 2009).

A cultura também diz respeito aos laços de identidade de um povo com os seus costumes, saberes, produção material e imaterial. O projeto arquitetado pelo nacional-socialismo apontou a preocupação de liquidar com os adversários e as idéias antagônicas às suas, mas não foi ingênuo a ponto de descartar por completo as tradições arraigadas no seio social e histórico alemão. Ao contrário, utilizou-as, apropriando-se de vários de seus elementos para legitimar sua própria ideologia (BATISTA,p.41, 2009).

O uso da tradição na cultura alemã foi um fator definitivo no estimulo ao orgulho

alemão que alimentava posições heroicas, e habilidosas dos soldados nas frentes de

batalha. O uso de suas raízes culturais reacendia a autoestima nacional, que

posteriormente seria distorcida para fins políticos (BATISTA, 2009).

Houve na Alemanha uma espécie de ajuste às premissas da nação, a qual já detinha elementos culturais de agregação fortemente definidos antes mesmo da ascensão e delimitação do Estado Nacional. Esse fator facilitou a constituição de um regime autoritário baseado no nacionalismo, reforçando pontos chave de combinação entre aspectos da cultura local e a ideologia do regime. Deste modo, certo sentimento de “orgulho de ser alemão”, imbricado na psicologia social do país pelos adeptos do III Reich, e resgatando a autoestima da população, foi direcionado e relacionado diametralmente ao nazismo, o suposto condutor dos desejos mais íntimos da pátria germânica (WENDPAD,p.42, 2009).

Antes do séc. XX era dada a música certa liberdade de manifestação, por ser

considerada uma atividade inócua ante a funções sociais políticas, porém um pouco

depois da revolução russa de 1917 alguns intelectuais começaram a entender a arte

como “fator de transformação social”(WENDPAD, 2009).

União Soviética, durante o século XIX, os românticos teriam iniciado a recuperação do “projeto nacionalista no campo musical” e procuraram estabelecer diretrizes para a arte, visando a possibilidade desta refletir os anseios do povo e preservar a cultura popular (BATISTA, p.43,2009).

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O que logo gerou iniciativas do estado para controlar essas manifestações da cultura:

Percebendo a importância da arte como uma arma de propaganda de ideais políticos, criaram órgãos específicos para controlar e censurar as mais diversas atividades artísticas. O Estado totalitário, diante do caráter polissêmico e coletivista da música, considerava que ela poderia transformar a multidão numa massa “perturbadora da ordem”(BATISTA apud CONTIER, p.43, 2009).

O estado nazista em 1933 já instituía um órgão de controle e difusão de ideais do

governo se servindo de ícones tradicionais distorcidos por discursos populistas em

apresentações alegóricas que animavam o espírito nacionalista alemão.

O Ministério do Reich de Esclarecimento Popular e da Propaganda, criado em 1933 por Hitler, que tinha como dirigente Joseph Goebbels. Tal Ministério apresentava como principal função a direção intelectual da Nação através da divulgação de idéias que beneficiassem o Estado, sua economia e cultura (BATISTA, p.43, 2009).

Não coincidentemente o DIP (Departamento de impressa e propaganda) foi criado no

governo de Vargas em 1939, 6 anos depois do Ministério do Reich. O DIP controlava os

meios de comunicação e censurava a atividade artística no Brasil.

Não era tão fácil ver intelectuais do estado novo demonstrarem sua admiração pelo

regime nazista, porém alguns poucos admitiam, como Felinto Muller, chefe de polícia

política e Lourival Fontes, Diretor do DIP, também responsável pela produção e

divulgação da propaganda estado-novista (PANDOLFI, 1999).

A importância dos meios de comunicação para a propaganda política já fora salientada por Chateaubriand, que em 1935 criticou Vargas pela incapacidade de utilizá-los de forma eficiente. Mencionando o exemplo da Alemanha nazista, Assis Chateaubriand comentou que nesse país “a técnica de propaganda obtém resultados até a hipnose coletiva (...). O número de heréticos se torna cada vez mais reduzido porque o esforço de sugestão coletiva é desempenhado pelas três armas poderosas de combate da técnica material de propaganda: o jornalismo, o rádio e o cinema (PANDOLFI, p.170, 1999).

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A ideia de “transformar a sociedade” está presente nas intenções desse projeto político

de modelar a mentalidade popular na direção de envolve-los emocionalmente em um

discurso de mudança, virada, revolução. Levando pessoas a se empenharem em sua

“cidadania” convencidas da necessidade da cooperação e ancoradas por ideais de

progresso e democracia, esses que são insuflados por um sentimento de orgulho a

nação.

Francisco Campos referiu-se à transformação da “tranquila opinião pública do século passado em um estado de delírio ou de alucinação coletiva mediante os instrumentos de propagação, de intensificação e de contágio das emoções, tornados possíveis precisamente graças ao progresso que nos deu a imprensa de grande tiragem, a radiodifusão, o cinema, os recentes processos de comunicação que conferem ao homem um dom de ubiqüidade e, dentro em pouco, a televisão, tornando possível a nossa presença simultânea em diferentes pontos do espaço. Não é necessário o contato físico para que haja multidão. Durante toda a fase da campanha ou da propaganda política, toda a nação é mobilizada em estado multitudinário. Nessa atmosfera emotiva seria ridículo admitir que os pronunciamentos de opinião possam ter outro caráter que não seja o ditado por preferências ou tendências de ordem absolutamente irracional” (PANDULFI apud CAMPOS, 1999).

Assim como sua inspiração nazista, o projeto de divulgação e

propaganda no governo Vargas também buscava nos elementos

tradicionais da cultura nacional, representações sociais que

promovessem a identificação do povo a suas raízes, e através dessa

ferramenta, alimentar o sentimento de orgulho nacional cooptando a

opinião pública. Era uma forma de legitimar uma linguagem falada e

criada pelo povo, como foi e é no caso do Brasil, o samba, mas

utilizando-a a serviço do projeto de propaganda política que promovia

o ideais do estado (FENERICK, 2005).

O estado agora promoveria, por intermédio de manifestações da

cultura antes estigmatizadas, uma aproximação com o povo.

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O governo já esboçava uma política para estabelecer elos com as manifestações populares, antes tão estigmatizadas, os ideólogos do regime autoritário faziam mil malabarismos para mostrar que havia uma continuidade entre o movimento vanguardista paulista dos anos 1920 e o estado pós-30. Queriam criar pontes entre a chamada revolução estética e a política. Entrava aí, a retórica do país novo, ávido de novos caminhos e de cabeças pensantes, e nesse quadro, Vargas a parecia como o verdadeiro Candottiero das mudanças. Explicava-se que, antes do estado novo, a política era “Madrasta da inteligência”, mas, com Vargas no poder, essa hostilidade foi substituída pela cooperação (FENERICK apud VELOSO, p.73, 2005).

A cooptação do opinião pública vem através de mensagens adaptadas a linguagem

popular.

O que Vargas faz é legitimar algo que já está sendo legitimado pela própria sociedade. Aliás essa era uma das estratégias propagandísticas do governo: Dizia antecipar-se aos anseios da sociedade. Dessa maneira Vargas aparecia como patrocinador do teatro, da música (popular e erudita), da literatura e de quase todas as manifestações sócio-culturais, com o samba dá-se o mesmo. (FENERICK apud VELOSO, p.74, 2005).

Não só de samba, se construiu a cultura no Brasil, porém a relação entre samba e

identidade brasileira ficou marcada e estigmatizada e nem é preciso dizer, que outros

gêneros também fazem parte do panorama cultural da música brasileira, como por

exemplo o rock. Segundo JACQUES (2009), o estilo rock, cria um território simbólico

que constitui comunidade. A autora analisa segundo a perspectiva de forma e conteúdo,

categorias em que estariam inseridos os fatores ruído e peso. Essas categorias estariam

ligadas a tendência do rock de ruptura com uma estética construída sobre moldes

racionais.

Essas categorias apontam para o desejo de ruptura com uma ordem racionalizada, seja musical ou social. Com a ênfase no prazer de tocar e na criatividade em detrimento da técnica, o rock questiona a estética da tradição musical moderna. A rejeição da música racionalizada é também a rejeição do comportamento racionalmente orientado. É devido ao abandono de um discurso marcado pelo racionalismo e pela lógica da dominação que articulo a idéia de transfiguração do político para tratar do gênero musical rock (JACQUES, p.1,2009).

Em 1950 o Brasil tinha como principais protagonistas de projeção nacional na música, o

choro, o samba, e surgindo também a seresta, na década de 60 a bossa-nova começa a se

inserir nesse panorama musico-cultural com o posto de música moderna influenciada

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pelo jazz americano, e um pouco depois ganha mais visibilidade e força o movimento

do rock no brasil, esse que era categorizado como estilo diluído pelas influencias

massificadas norte americanas, alienado, e assim ganhando rótulos que o

estigmatizavam (JACQUES,2009).

Em 1964 os militares tomam o poder, a ditadura no Brasil com o AI5 cria sistemas de

controle político-ideológico, surge o tropicalismo, canção de protesto, esses que

apoiaram a jovem guarda, considerado o iê iê iê do rock, e que não demonstrava em

suas letras, conexão com a realidade político-social em que se encontrava o país em

plena ditadura, inclusive eram citados como colaboraciosnistas do regime (JACQUES,

2009).

O canibalismo musical, inspirado nas ideias de Oswald de Andrade, torna-se difundido

nas músicas da tropicália, movimento que incorporava elementos do pop em suas

músicas, como maneira de “deglutir o outro” transformando elementos estrangeiros em

material para desenvolvimento de músicas nacionais, misturando tendências

(JACQUES, 2009).

Na década de 80 surge um rock brasileiro, que agora já expressa bem mais os problemas

políticos e sociais, como Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Titãs, Barão Vermelho

e outros, importantes para legitimar a cara do rock brasileiro, em 1990, surge o

movimento Manguebeat, com Chico Science, Nação Zumbi e outros, que caracteriza-se

pela fusão hard-core, punk, reggae, e gêneros nordestinos como maracatu e embolada

(JACQUES, 2009).

O panorama do rock nesse contexto, mostra uma tensão entre suas propostas e a

identidade nacional, essa (a identidade) que foi associada a outros gêneros,

principalmente samba e bossa-nova, porém de maneira muitas vezes alegórica e que

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monopolizavam associação da imagem a música brasileira, a difusão midiática desses

gêneros como representantes de brasilidade, ofuscavam ou diluíam a projeção de outros

gêneros que nem sempre se ligavam tão fortemente ao conceito identitário nacional, ou

mostravam uma identidade diferente da que foi difundida no inconsciente coletivo

nacional, e internacionalmente associado ao Brasil.

A tensão em torno do rock e da identidade nacional não se dissolve tão facilmente. De um lado as incessantes acusações de “alienação”. De outro, bandas de rock propõem um distanciamento quanto a outros gêneros da música popular brasileira. Desde que pesquiso o rock no Brasil, ouvi inúmeros comentários sobre a “decadência da música popular brasileira”, dirigidos particularmente ao pagode e à MPB, consideradas como establishment musical brasileiro. Este gênero de crítica já aparece nos anos 1970, quando bandas das periferias das grandes cidades se apropriam do punk inglês e americano, não se preocupando com a construção de uma identidade brasileira (JACQUES, p.4, 2009).

Citando Maffesoli (2000), a autora do artigo propõe o conceito do Neotribalismo

também chamado de comunidades afetuais, para analisar as comunidades rock.

As comunidades afetuais observadas por Maffesoli são formadas a partir de uma estética - considerada como a faculdade de sentir e experimentar em comum - e de uma ética - entendida como um código particular a um grupo, que une ou exclui membros - compartilhadas. Elas seguem uma lógica segundo a qual a idéia de identidade não faz sentido. Para Maffesoli, a identidade é uma construção ligada ao individualismo moderno, segundo a qual definimos nossa existência de forma rígida. O autor propõe uma substituição da lógica contratual por uma lógica que segue atrações. Assim, a identidade cede lugar à identificação em torno de imagens e formas sensíveis. O indivíduo enquanto “ser” substancial é substituído por uma noção de pessoa que se forma a partir de situações e experiências específicas, seguindo uma lógica relacional (JACQUES apud MANFFESOLI, p.4,2009).

Segundo Maffesoli, identidade, é um conceito moderno fundado no individualismo e

pode ser substituído por identificação, entendendo que o ser humano é constituído

experiências ante a formas e imagens sensíveis. As pessoas tem diversas facetas e

estratos, não cabendo uma redução estigmatizante e superficial associada a uma

classificação (JACQUES, 2009). Inclusive é uma perspectiva parecida com a da

esquizoanálise, citado no primeiro capítulo dessa monografia (método terapêutico que

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busca ampliar o espectro do ser humano de percepção dos outros e de si mesmo,

tomando consciência dos rótulos existentes na sociedade, essas que constroem taxações

e classificações distanciando as pessoas de suas múltiplas experiências adquiridas

durante a vida).

O discurso de transformação social esteve presente no movimento nacionalista

brasileiro e associado a busca de uma identidade nacional como ferramenta de

unificação territorial e ideológica, essa que iria ancorar um estimulo ao ufanismo e

cooperação popular aos ideais do governo. No caso da educação musical, os símbolos

de civilização foram difundidos e instituídos nas escolas por intermédio de métodos que

privilegiavam o conhecimento historicamente legitimado, no caso da arte, a referências

europeias de excelência na música, como foi citado no caso da sociedade orfeônica

francesa que inspirou a institucionalização do canto orfeônico no Brasil. Este fatores

estavam diretamente relacionados a tentativa do estado de distensionar os conflitos entre

classes, e principalmente a consciência desses conflitos, no caso das camadas populares,

por intermédio de medidas educacionais e culturais que estariam “harmonizando”

diluindo e neutralizando a diferença entre conhecimento legitimado pelo estado e elite,

ante ao conhecimento legitimado pelo povo.

Ensino de música, escola, sociedade e formalidade.

No texto, Educação musical na contemporaneidade, Arroyo conceitua educação musical

numa concepção que vai além de uma iniciação formal e seu processo acadêmico,

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entendendo as transformações do conhecimento no início do séc. XX, em várias áreas

como psicologia, antropologia, ciência política, física, etc, que exigia da educação

musical uma revisão de sua concepção pedagógica. As instituições de música, em sua

maioria, se amparavam em bases da tradição vinda da Europa, como por exemplo o

conservatório, e o ensino de música se associava a ideais de formalidades eruditos.

Suas bases epistemológicas estavam assentadas em algumas formas de conhecer ou entender a realidade: a compreensão do ensino e da aprendizagem musical estava baseada em uma lógica carteziana e positivista e o que deveria ser ensinado e aprendido era o que na visão evolucionista era tomado como o ápice da produção musical da humanidade: a música de concerto dos séculos XVIII e XIX da tradição europeia (ARROYO, 2002, p.19).

Rompendo com as vertentes positivistas e evolucionistas, a antropologia começou a

construir novas bases epistemológicas que relativizaram os processos de produção

cultural.

Relativização implica que os processo e os produtos culturais só podem ser compreendidos se considerados no seu contexto de produção sociocultural; o conceito de cultura encontra no entendimento de Cliffort Geertz uma interpretação que teminfluenciado muitos estudiosos, isto é, cultura entendida como uma teia de significados que conferem sentido à existência humana (Geertz, 1989) (ARROYO apud GEERTZ, 2002, p.19).

A cultura então passa a não ser mais compreendida ante a ideais eurocêntricos, com a

relativização de cultura e a criação de novas referências epistemológicas. A música já

não pode, dentro dessa nova concepção, ser entendida no singular. As manifestações

culturais africanas ou indígenas não poderiam ser compreendidas dentro de parâmetros

da música de concerto alemã, por exemplo, Seria preciso um olhar desprendido de

hierarquizações e imposições culturais.

Também surgiram contribuições vindas das ciências sociais na ideia de que a realidade

é uma construção social (ARROYO,2002).

A superação de uma visão eurocêntrica do mundo e a compreensão da construção social da realidade levaram a outras elaborações decisivas na segunda parte do século XX,

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entre elas a visão pós-moderna e pós-estruturalista, quando houve rupturas com a idéia de progresso, de objetividade incontestável da ciência; quando as grandes narrativas foram substituídas pela narrativa de todos, e que poder e saber poderiam estar estreitamente relacionados (ARROYO, 2002, p.20).

O ensino de música em geral sofreu influências dessas modificações do entendimento

de sociedade e cultura. A música aqui caminha na direção de ser concebida como

construção social.

As músicas devem ser estudadas não apenas como produto, mas como processo; alguma modalidade de educação musical acontece em todos os contextos onde haja prática musical, sejam eles formais ou informais; portanto há inúmeras possibilidades de se empreender a educação musical (ARROYO apud JORGENSEN, 2002, p.20).

As transformações do conhecimento no séc. XX, levaram contribuições a muitas áreas,

e falando em transformação, a escola, instituição a qual era atribuída a função de

transformar a sociedade foi sendo contestada nesse aspecto por teóricos como Bourdier

e Ivan Illich. Para Ivan Illich, que tem uma posição bem radical, por melhor que seja a

escola nunca será boa para a sociedade. Em seu livro Sociedade sem escolas constam as

seguintes passagens:

Nem a aprendizagem individual e nem a igualdade social podem ser incrementadas pelo rito escolar. Não podemos superar a sociedade de consumo sem antes compreender que a escola pública obrigatória recria tal sociedade (ILLICH, 1985, p..51)...Um indivíduo de mentalidade escolarizada concebe o mundo como uma pirâmide, composta de pacotes classificados; a eles só têm acesso os que possuem os rótulos adequados (ILLICH, 1985, p.86.).

Illich discorre a respeito de como a escola inibe o desenvolvimento de uma mentalidade

desprendida de sistematizações rotuláveis, sempre que algo foge um pouco da

classificação proposta pelo ensino. O aluno, não encontrando a identificação que espera,

não consegue lidar com tal situação. A concepção e conclusões de Illich a respeito do

ensino escolar questionam o caráter do ensino que desqualifica as habilidades já

presentes nos alunos (ILLICH,1985). A escolarização formal não leva em conta os

saberes que já possuem.

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O público em geral foi doutrinado para acreditar que as habilidades são valiosas e de confiança unicamente se forem resultado de escolarização formal. (ILLICH, p.100, 1985).

A formalidade na música sempre foi e ainda é algo muito forte em

conservatórios e instituições de música em geral. Da mesma forma como nas escolas

regulares ou faculdades de outras áreas, o conhecimento se torna formal na medida em

que aprovado socialmente e institucionalizado como tal. Mas, ao longo da história da

música, muitos compositores, por exemplo, quebraram as formas musicais

convencionalmente adotadas em conservatórios de música, ou outras instituições de

ensino tradicionais, na música erudita alemã, compondo de uma maneira diferente. Um

desses momentos foi no início do séc. XX, em que compositores como Stravinsky e

Schoenberg iam em busca de superar padrões acadêmicos. Como discorrem DEFERT,

EWALD e LAGRANGE, no livro Ditos e escritos III, que buscou compilar trechos e

resenhas do livro“Estética, literatura e pintura, música e cinema” de Foucault.

“A maneira como a música refletiu”sobre suas linguagens, suas estruturas, seu ideal, decorre de uma interrogação que, acredito, atravessou todo o século XX: interrogação sobre a forma, aquela de Cézanne, ou dos cubistas, a de schöenberg, e também a dos formalistas russos ou a da escola de Praga.”Foucault toma o trabalho com o formal da música contemporânea como uma alternativa fecunda, autônoma e criadora frente a fenomenologia e seus continuadores na filosofia da existência e mesmo do marxismo. Referindo-se a época em que nos ensinavam os privilégios do sentido, do vivido, do carnal, da experiência originária, dos conteúdos subjetivos ou das significações sociais” Os combates em torno do formal foram uma das grandes características da cultura no século XX” (DEFERT, EWALD e LAGRANGE, p.25 e 26.2009).

A busca por uma música sem forma pelos compositores contemporâneos no séc.

XX é vista aqui como uma busca autônoma de produção em arte, na direção de se

desvincular de regras e mecanismos de regulação sociais pautados em políticas puristas

conservadoras, legitimadas como conhecimento e propagandeadas pelo estado como um

ideal de civilidade como acontecia no caso do nazi-facismo. Porém, segundo Adorno

essa busca refletia uma negação da sociedade que se ligava ao conhecimento musical

tradicionalmente legitimado, através de instituições, regimentavam, normatizavam esse

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conhecimento. Não se tratava de obras que eram um espelho social, que se

aproximavam de realidades sociais “extra institucionais” e sim de obras que se

constituiam apenas como negativo de tradições institucionais da sociedade alemã e

austríaca no caso. O verdadeiro realismo, segundo ele, estaria então em conhecer outras

formas, estaria na “deformação”, ou seja, quando se modificam essas formas em vez de

só nega-las.

“O realista moderno não tem alternativa senão ser um formalista”. A arte moderna, para Adorno, não corresponde a um espelho do social, “mas sim a um negativo da sociedade” (MERQUIOR, 1969, p. 81). Sendo assim, a essência do verdadeiro realismo está na “deformação” (apud MERQUIOR, 1969, p.81). Isso equivale a dizer que ao não apresentar uma objetividade, no sentido de uma aproximação em relação ao real, a obra de arte, e em especial a de ficção, logra descortinar o vazio da existência humana(COUTINHO,2005,p.1).

Segundo Merquior, na maneira como lê e interpreta Adorno, a arte moderna não

estaria promovendo uma aproximação com a expressão artística social, visto que, o

movimento de se afastar das formas musicais consagradas na cultura clássica erudita

europeia, seguia na direção de transcender essas formas, e acabam sendo apenas o

negativo dessas estruturas legitimadas em instituições tradicionais de ensino, como

conservatórios por exemplo, e não em buscar nas expressões sociais “extra

institucionais” novas formas de entender a arte, de expressar, construir, e se manifestar

artisticamente. Essa cultura que estaria fora dos conservatórios, nem por isso, seria

destituída de uma forma, mas sim, construída com base em parâmetros e concepções

distintas da representação social encontrada em instituições convencionais de ensino.

Arroyo (2000) afirma que se deve também considerar as formalidades características ao ensino nos contextos populares de música, assim Arroyo (1999; 2000) busca na etnomusicologia as discussões entre formalidades, manifestações populares e escolas especializadas. Arroyo (2000) ainda alerta para o termo educação não-escolar, pois se remete diretamente a escola. O termo não-escolar toma como padrão esta instituição que não é a única a desenvolver conhecimentos musicais. Oliveira (2000) remete-se a Libâneo, autor da pedagogia, para antes de propor nomenclaturas, analisar as organizações que ensinam música. (ARAÙJO, 2012,pág.94).

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A educação formal é frequentemente associada a esses circuitos reconhecidos pela

sociedade, como as instituições de ensino escolar e universitário. Porém não existe

formalidade nas demais manifestações culturais de música?

Usarei abaixo uma definição do termo “ensino formal” para problematizar a

maneira como este é associado a instituições legitimadas socialmente.

A educação formal tem objetivos claros e específicos e é representada principalmente pelas escolas e universidades. Ela depende de uma diretriz educacional centralizada como o currículo, com estruturas hierárquicas e burocráticas, determinadas em nível nacional, com órgãos fiscalizadores dosministérios da educação. (GADOTTI, 2005, p. 2).

Podemos começar questionando a objetividade da educação formal, visto que essa

muitas vezes se pauta em uma sistematização que servem a demanda social, baseadas

em convenções construidas ao longo da história dentro de uma dinâmica de dominação

da cultura socialmente reconhecida, oprimindo os saberes locais por meio de uma

hirarquização do conhecimento. Castanheira e Correia explicam, através de um conceito

de Foucault, a relação de como o sujeito se reconhece legítimo ante a um conhecimento

socialmente aprovado, configurando o que o filósofo conceituou como processos de

subjetivação.

Os chamados processos de subjetivação referem-se ao modo como o próprio homem se compreende como sujeito legítimo de determinado tipo de conhecimento, ou melhor, como o sujeito percebe a si mesmo na relação sujeito-objeto.(CASTANHEIRA e CORREIA, 2008, p.2).

Nem sempre, ou talvez quase nunca, o conhecimento legítimo socialmente se apresenta

imune a questionamentos ante a sua objetividade, sua serventia, sua validade e

aplicabilidade, mas é difícil de ser percebido pelo sujeito quando este não considera, ou

foi condicianado a desconsiderar os seus saberes construidos em sua história. Muito em

função disso, o papel da educação na transformação social vem sendo questionado com

mais intensidade a partir da década de 1960, ante um panorama em que a escola não

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proporciona espaço para que os contextos sócio-culturais locais possam ser integrados a

essas instituições já legitimadas, suas formas de ensino e aprendizagem, e o fazer dos

alunos como protagonistas na relação do conhecimento com sua realidade. Também é

possível perceber que a educação formal é constantemente associada como sendo

exclusividade de escolas e faculdades, pois se tratam de instituições consagradas

socialmente, porém a formalidade também está presente nas sistematizações do ensino

em contextos extra-escolares e extra-acadêmicos, como descrevi anteriormente em

alguns autores.

A relação entre produção local e a indústria

da comunicação

Novos panoramas na indústria da comunicação e a utilização de ciberespaços como

ferramentas dos artistas, proporcionam maior projeção da produção local independente,

transformando a rota do mercado cultural em nichos acessíveis a públicos cada vez mais

autônomos em relação a indústria que antes massificava a cultura e homogeneizava sua

produção voltada para um amplo público alvo, (de modo a estigmatizar a produção local

através de alegorizações da linguagem popular difundida a serviço de interesses da

indústria de comercialização e veiculação de bens culturais, com grande investimento

em comunicação como instrumento de convencimento das massas), mas que hoje (em

relação a indústria) tem que inevitavelmente se adaptar a dinâmicas de grande

acessibilidade promovidas pela internet. Não é mais possível exercer uma influência tão

grande a ponto de anular outras produções locais, visto que essas já possuem suporte

técnico fonográfico, e audiovisuais a custos bem mais baixos,

assim como a possibilidade de difusão dessa produção. Várias propagandas já se

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Page 37: Relação entre o ensino música e os contextos sociais em que ela se insere

utilizam de vídeos do Youtube, citam redes sociais como o Facebook, cedem ao poder

da produção independente, apesar de por outro lado, sempre estarem buscando uma

maneira de resignificar aquela produção de acordo com seus objetivos de mercado que

apontará para algum tipo de público alvo. A música se insere dentro desse panorama, de

modo que os artistas de estilos variados, tem espaço para expor sua produção através da

veiculação virtual.

Porém, pesquisar sobre tecnologia virtual, indústria fonográfica, e produção de música é

desafiador, tendo em vista as novas ferramentas de softwares, sites, redes sociais, que

estão sempre se modificando ou surgindo.

A chegada da Internet colocou um desafio significante para a compreensão dos métodos de pesquisa. Através das ciências sociais e humanidades as pessoas se encontraram querendo explorar as novas formações sociais que surgem quando as pessoas se comunicam e se organizam via email, websites, telefones móveis e o resto das cada vez mais mediadas formas de comunicação. Interações mediadas chegaram à dianteira como chave, na qual as práticas sociais são definidas e experimentadas (VIANA apud [HINE, 2005, p. 1] 2009, p.2).

Associado a produção de música está a busca por identidades dos consumidores, visto

que os estilos musicais acabam por promoverem junto a outros fatores, intricadas

relações sociais que giram em torno gostos em comum, e uma escolha por determinado

estilo de vida e por um tipo de estética.

Ao tratar a escuta da música como “elemento de aglutinação social e definição de identidade” (VIANA apud LEÃO & PRADO, 2007, p. 69), esta é posicionada dentro dos estudos comunicacionais relacionados à sociabilidade como um recorte capaz de promover a visualização e a exploração de detalhes comportamentais dentro das comunidades online. Assim, a música se configura como uma lente através da qual podemos observar o comportamento humano a respeito da transição de suportes promovida pelas inovações tecnológicas sem nos deixar guiar pelo determinismo tecnológico (VIANA, 2009, p.2).

As pesquisas em torno da indústria cultural antes da década de 60 giravam em torno de

uma ideia de monopólio e massificação cultural, homogeneizações dos saberes,

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Page 38: Relação entre o ensino música e os contextos sociais em que ela se insere

sobrepondo um mercado imperialista que impõe produtos e ideais estéticos sobre os

consumidores alienados, logo após a um período em que se começa a pensar no homem

vivo nessa dinâmica, na década de 70 e 80 a pesquisa já se direciona para o consumidor,

como ele se relaciona com a produção que chega até ele (VIANA, 2009),

Podemos nos perguntar se hoje o consumidor com acesso irrestrito a ciberespaços é

agente passivo de processos de massificação cultural?

atualmente, a pesquisa sobre indústria cultural tende a focar nas condições de consumo e recepção ou nas mudanças de características das estruturas da indústria cultural e nas mudanças nacionais, transnacionais e estruturas globais onde estas funcionam (VIANA apud BECK, 2002, p. 1).

Passam a conflitar as ideias de massificação cultural e o surgimento espontâneo de

manifestações culturais por intermédio da tecnologia na internet. O termo indústria

cultural foi e é muito associado a massificação dos bens culturais destinados aos

mercado, porém prudente seria pensar nesse conceito com um pouco de senso crítico a

respeito da real aplicabilidade ou não na dinâmica sócio-cultural, que hoje se dá muito

através de tecnologias virtuais de difusão da produção artística.

Partindo da definição inicial de indústria cultural como o oposto do que deveria ser uma cultura de massa (VIANA apud ADORNO, 1987, p. 287), apresentando-o como algo que deveria soar como depreciativo, define-se o ponto de observação da mesma como sendo a partir do conflito entre a massificação e o surgimento espontâneo de manifestações culturais. A transformação de bens culturais em produtos passíveis de comercialização estimula a utilização do termo “indústria” para designar uma complexa cadeia de criação de valores que tem por finalidade induzir o consumo através de estratégias de massificação, a despeito da consciência de cada indivíduo. Assim, o termo tem aplicações técnicas de todo um segmento, tendo por intenção designar a indústria da cultura, quando “assume um caráter ultracontemporâneo, desprovido de qualquer impulso crítico” (VIANA apud DURÃO, ZUIM, & VAZ, 2008, p. 11).

O modo de pensar a indústria foi mudando e se adaptando a uma realidade mais

próxima do que acontece hoje, na qual os consumidores são bem mais autônomos e

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protagonistas na relação com o produto, o discurso de mera submissão ao imperialismo

cultural foi se distanciando de uma equivalência com a realidade. Já não é possível

aderir as ideias de Adorno e Horkheimer nesse aspecto.

A afirmação de que a indústria cultural “impede a formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e de decidir conscientemente” (VIANA apud ADORNO, 1987, p. 295) faz parte do discurso crítico acerca da influência à qual estamos todos submetidos (VIANA,2009,p.3).

A lógica de produção da indústria cultural que inclui a participação dos segmentos da comunicação e do entretenimento, num envolvimento harmônico entre todos os atores da sociedade com a finalidade de promover o consumo, defendida por Adorno e Horkheimer (2000) aponta para o consumidor um papel pouco participativo, que vem sendo alterado na atual configuração do mercado de bens de consumo, alterando as lógicas do mercado, apresentando um novo modelo econômico, cujas características principais apresentam um desafio às indústrias envolvidas, principalmente de mídia e entretenimento (VIANA, 2009, p.3).

Lucina Retembach traz um dado importante em relação aos trabalhos que tratam

sobre a indústria fonográfica brasileira, a maioria focava sua pesquisa nas

grandes produtoras, mas eram por demais escassos os trabalhos que tratavam da

realidade das gravadoras independentes.

O quadro de estudos acerca da indústria fonográfica do Brasil apresenta uma figura distorcida e espalhada. Fora trabalhos importantes (TINHORÃO, 1981; MORELLI, 1991; PAIANO, 1994; VICENTE, 1996; DIAS, 2000; SÁ, 2002), a maioria dos relatos está espalhada em pequenos pedaços ao longo de uma vasta bibliografia de artigos publicados em revistas cientificas e anais de eventos . Apesar dos inúmeros artigos acadêmicos sobre o assunto, grande parte trata de dados regionais ou enfoca o assunto com o recorte de movimentos específicos. Mais precária é a história das gravadoras independentes, bem menos pesquisadas (VIANA, 2009, p.4).

O desenvolvimento da indústria fonográfica, tem intima ligação com o desenvolvimento

econômico e tecnológico, e tem como marco da “primeira grande onda da cultura

popular”(VIANA apud ANDERSON, 2006, p.26), o momento em que se torna possível

gravar sons, veiculando músicas e a imagem agregada a esses fonogramas através de

rádios.

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a evolução dos sistemas de gravação como resultado da própria evolução tecnológica de cada época é ponto de partida para estudos acerca da indústria fonográfica (VIANA, 2009, p.5.

Na década de 20 começam a ser superadas as tecnologia de gravação por sistemas de

fonógrafos e cilindros. As gravações mecânicas dão lugar aos sistemas elétricos. Na

década de 50 o long play se matem como técnica de reprodução de fonogramas dando

lugar aos CDs na década de 80. De 70 a 90 a televisão permanece como principal

veículo de massificação cultural que influenciou padrões de comportamento e consumo

na música. No período entre 80 e 90 a inovação da tecnologia possibilitou o

barateamento dos sistemas de gravação e a multiplicação da produção de gravadoras

independentes (VIANA, 2009).

No começo do século XXI, final do século XX, a indústria fonográfica tem seu apogeu,

aliado a investimento em marketing e estudo de público alvo, consegue criar sua própria

demanda (VIANA apud ANDERSON, 2006).

A tecnologia fonográfica, a partir de então, torna-se digitalizada, e multiplica-se a

pirataria e a produção independente, em função da redução dos custos da reprodução

fonográfica. Nos anos 90, a internet transforma totalmente o panorama de produção

fonográfica e difusão de gravações, levando em conta dinâmicas de mercado, a

necessidade de adaptação da indústria, e a mudança na relação do consumidor com o

produto (VIANA, 2009).

Os artistas, agentes da criação artística, aproximam-se do processo de produção, antes intermediado e realizado pela grande indústria que, na atual conjuntura, passa a ocupar-se especialmente das etapas de gerenciamento de produto, marketing e difusão. O mercado começa a oferecer uma profusão de estilos, subgêneros e mesclas de toda sorte. (VIANA apud DIAS, 2000, p. 41).

A difusão de gravações na internet, e aliada e esse fator, a pirataria, levam a prejuízos

na indústria fonográfica de peso, porém não é somente esse o fator que leva os hits a

perderem mercado consumidor, a veiculação de inúmeros estilos e a possibilidade dos

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Page 41: Relação entre o ensino música e os contextos sociais em que ela se insere

ouvintes conhecerem diversas produções do mundo inteiro, inclusive as veiculadas por

gravadoras independentes, facilitam o consumo sem custo, e a diminuição da compra de

CDs, mas também acabam por estimular esse ouvinte a buscar novas fontes de arte e se

desinteressar pelas músicas de sucesso.

Nesse contexto a indústria precisa de adaptar a uma dinâmica de mercado, não mais

movida a hits, mas que se organiza em nichos (VIANA apud ANDERSON, 2006).

a economia baseada na criação de hits perde seu sentido primordial a partir da digitalização dos produtos, que se tornaram não mais que bytes no ciberespaço, deixando de ocupar espaço no mundo das prateleiras (VIANA, 2009, p.8).

A participação mais ativa do consumidor se configura como uma mudança no panorama

do mercado atual de difusão fonográfica, e modifica o cenário econômico da indústria

que atua nesse mercado.

O consumo participativo como quadro atual da indústria cultural e da indústria fonográfica como parte integrante é de extrema importância para o presente estudo, pois ocasiona interferência no processo de criação, que por sua vez altera as características do que se produz sobre o signo da indústria cultural, em detrimento à alienação produzida nas massas receptoras da perspectiva do determinismo cultural. Essas transformações alteram o cenário atual e confundem aspectos e papeis do mercado em que se insere a música (VIANA, 2009, p.8).

A tecnologia utilizada na produção musical, estreita as fronteiras entre quem cria e o

que cria, visto que as ferramentas como softwares de edição, novos tipos de

possibilidade de criar uma textura sonora ou mecanismos de sensores por exemplo

tornam a música passível de interação com ouvinte, daí possiblidade de reencaminhar

sua direção de acordo com as ações do ouvinte.

novas espécies de imagens, de sons, de formas geradas por tecnologias interativas e seus dispositivos de acesso permitem um contato direto com a obra, modificando a maneira de fruir imagens e sons. As interfaces possibilitam a circulação das informações que podem ser trocadas, negociadas, fazendo com que a arte deixe de ser um produto de mera expressão do artista para constituir um evento comunicacional (VIANA apud DOMINGUES, 1997, p. 20).

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Page 42: Relação entre o ensino música e os contextos sociais em que ela se insere

A séculos e séculos que a música se utiliza de tecnologia de ponta pra criar e interpretar,

visto que a qualidade do som ou da tecnologia composicional ampliam os leques de

possibilidades de construção musical.

A música sempre utilizou as mais avançadas tecnologias que existiram; os artesãos criadores de gabinetes do século XVIII; as indústrias metalúrgicas do século XIX; e a eletrônica analógica dos anos 1960. Hoje, praticamente toda música comercial – gravações, trilhas sonoras de cinema e televisão – é criada em estações de trabalho de música de computador, que sintetizam e processam os sons, gravam e manipulam as seqüências de notas, geram notações e até mesmo produzem automaticamente padrões rítmicos, linhas de baixo e progressões e variações melódicas (VIANA apud KURZWEIL, 2007, p. 219).

Não é mais preciso estudar anos de um instrumento para compor, ou seja, as técnicas

instrumentais deixam de ser necessárias para a criação, visto que os softwares

possibilitam manipulação precisa e dinâmica da construção de um fonograma.

O artista deixa de simplesmente fazer uso do aparato para produzir música, e passa agora interagir com ele numa espécie de sistema aberto e colaborativo (VIANA, 2009, p.9).

Enquanto a tempos atrás a tecnologia para criação de fonogramas era cara e de difícil

acessibilidade, hoje se tem essas ferramentas disponíveis em softwares de manipulação

de áudio, alguns são distribuídos gratuitamente na internet. O fato é que, a facilidade de

manipulação sonora, com milhares de plataformas interativas e de fácil

instrumentalização, permitem uma quantidade cada vez maior de pessoas criarem,

recriarem, modificarem. O intenso movimento sonoro de diferentes combinações e

concepções torna as músicas pop’s cada vez menos sedutoras, dada a quantidade de

amostras de qualidade e de diferentes estilos, e da possibilidade de identificação, por

parte do ouvinte, ante a nichos cada vez mais específicos, e que traduzem melhor seu

gosto, concepção, estilo de vida, sentido para ele etc. É grande a quantidade de remixes

e mashups (combinação de duas ou mais músicas em uma mesma edição sonora), o que

leva a música a se fragmentar e recombinar de acordo com o gosto dos ouvintes.

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Page 43: Relação entre o ensino música e os contextos sociais em que ela se insere

Segundo VIANA o desenvolvimento de músicas que tem o computador como

ferramenta, podem ser notadas e três tipos de processos.

O primeiro engloba os processos de reutilização das ideias composicionais e garimpo de

fragmentos musicais. O segundo a produção da música de fato, onde ela é remixada,

recombinada, em programas de edição multipista. O terceiro seria o processo de

fornecimento, mediados pela internet. Consumo e produção, em relação a esse último

processo acrescento mais um citação da autora.

A mediação nesse caso promove a reconfiguração do consumo, pois tendo disponível uma gama maior de possibilidades sonoras e sem interferência direta das estratégias de indução do mercado fonográfico, os consumidores têm mais liberdade em buscar e ouvir novas possibilidades, reconfigurando o que se ouve e reorganizando os processos econômicos acerca do mercado da música (VIANA, 2009, p.13).

A tecnologia empregada nos processos musicais, transforma a produção a difusão da

arte sonora e a concepção dessa arte. Onde não se tem espaço para um abismo entre

criador e consumidor. A capacidade que o sistema cibernético promove em termos de

acessibilidade a produções de todos os tipos assim como a manipulação dessa produção,

torna os consumidores agentes ativos no processo de reconfiguração do mercado de arte

fonográfica, possibilitando alternativas aos produtos construídos ante a estratégias

marqueteiras e massificadores através da imagem agregada arte. O consumidor passa a

preferir um mundo de possibilidades do que se limitar a músicas de sucesso.

A produção independente de música hoje, pode sim se articular pela internet, e se

articula levando mais diversidade, dotando os saberes locais de menos alegorias, e mais

autonomia em sua produção, existe uma quantidade enorme de nichos musicais com

diferentes vertentes estéticas, mal aproveitadas por grandes gravadoras, porém isso não

impede que as pequenas, tenham recursos suficientes a um custo baixo para difundir

essas produções. O ensino de música pode e deve levar em conta as novas tramas da

comunicação e da sociedade, mostrando aos alunos a variedade de produção através de

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ferramentas como o Youtube, Soundcloud, Facebook, ferramentas interativas através de

softwares de áudio, e outros instrumentos para criar, modificar e difundir arquivos de

som.

A difusão musical através dos ciberespaços modifica o cenário da projeção que tomam

os registros fonográficos. Além de diversas vídeo-aulas, tutoriais, blog´s, grupos de

bate-papo, que se configuram como novos campos de veiculação da informação e

experiência musical. Se antes muitos aprendiam violão em revistinhas de cifras

vendidas em jornaleiro, hoje uma gama enorme de ferramentas, levará facilidade para

quem quer aprender alguma música, ou técnica, ou saber detalhes de algum trecho

melódico. Isso tudo é facilmente encontrado em muitos casos. Os ciberespaços

modificam a configuração do ensino de música. Ao professor já não cabe mais utilizar

ou não ferramentas do computador, e sim, saber planejar o modo como utilizará essas

ferramentas.

A ampliação do espectro cibernético tem viabilizado acessibilidade a uma enorme gama

de ferramentas destinadas a difusão de métodos para ensino de música. A produção em

pesquisa na área de educação musical relacionada a utilização de ferramentas

tecnológicas para o ensino de música ainda é pequeno em relação as possibilidades

geradas por essas ferramentas. Mesmo assim alguns autores já desenvolveram pesquisas

a respeito:

diversos autores têm estudado as práticas do ensino-aprendizado musical, entendendo que os meios tecnológicos, representam uma grande influência no que diz respeito ao sucesso dessa abordagem (PINEIRO apud GOHN, 2003; MOORE, 1997; FALKEMBACH, 2005; MARTIRANI, 1998; WEBB, 2007) (PINHEIRO, 2010, p.4).

Ante a um mundo de informações e diferentes culturas disponíveis na internet, a figura

do professor não mais representa um agente da informação e conhecimento, e sim um

mediador, alguém que faz a ponte entre a informação e a maneira como ela irá ser

utilizada. Sendo assim saber onde estão e como manejar ferramentas virtuais será um

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Page 45: Relação entre o ensino música e os contextos sociais em que ela se insere

ponto de conexão entre o que é familiar para o aluno assim como as linguagens de

interfaces virtuais e o professor.

[...] a figura do professor-educador está envolvida nesse processo como o produtor-organizador do material que servirá de mediação para o aprendiz, seja este um texto, um vídeo, um website ou qualquer outro meio. (PINHEIRO apud GOHN, 2003; p. 13).

Quando o ambiente escolar agrega em torno de si uma variedade maior de tecnologias,

criam espaço mais propício a aprendizagem e criatividade. A interação com vídeos,

imagens, criação sonora em ambiente virtual estimulam habilidades dos alunos.

a interação com os vídeos, por exemplo, disponíveis no Youtube proporcionam uma maior criatividade nos ouvintes, além de desenvolver aspectos como a memória aural, visual, espacial, dentre outras. Segundo ele, a apreciação dos vídeos promove a reintegração e o múltiplo domínio dos elementos musicais, além de contribuir para uma crescente “reconceitualização na educação musical” e “um significado maior para a educação musical contemporânea” (PINHEIRO apud WEB, 2007, p. 158).

Tanto a produção e a difusão de música, assim como métodos de aprendizagem com

recursos virtuais compartilhados na internet, levam a uma nova configuração do

panorama da educação musical. Levando aos profissionais das áreas relacionadas a

música a terem de se adaptar. Da mesma forma, os professores estão diretamente em

contato com um público, que manipula com extrema destreza as interfaces virtuais,

principalmente quando esse público é composto de crianças. As gerações mais recentes

nasceram em mundo cercado por tablet´s e smarthphones, e interagem o tempo inteiro

com a música mediado por plataformas instaladas nesses dispositivos móveis. Se antes

tínhamos uma cultura de massa cooptada pela mídia televisiva, hoje essa mídia ainda se

infiltra nos ciberespaços, porém não dita mais as rédeas do mercado através de

estratégias de marketing que reduziram o gosto dos consumidores a meia dúzia de

músicas de sucesso, e sim tem de se adaptar o tempo inteiro a produção de cultura que

faz sucesso entre os visualizadores, sendo assim os saberes locais e sua produção

tornam-se mais autônomos, e projetados sem a mediação da grande mídia. A cultura

ganha contornos mais amplos em seu espectro de projeção, e se infiltram uma

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Page 46: Relação entre o ensino música e os contextos sociais em que ela se insere

diversidade grande de nichos, o que leva ao ouvinte a ter mais poder de escolha. Dessa

forma os contextos sociais ganham mais espaço na internet, quando a produção local

não passa pelo pente fino do show business, não se transformam em genealogias

superficiais da história local, ou por exemplo deixam de virar ferramenta de divulgação

dos ideais do estado, como acontecia na época de Vargas por exemplo, no qual o DIP

(departamento de imprensa e propaganda) utilizava a linguagem popular a serviço do

discurso de orgulho a nação. Saber utilizar as ferramentas da internet para conhecer a

produção local desinfectada de estigmas fortalece uma posição política de valorização a

cultura local, e respeito a diversidade étnica, e aproximação dos saberes locais. Por isso

é importante a posição do professor como mediador dessas ferramentas nos lugares

onde são ministradas atividades de música, para que a realidade dos alunos seja de fato

a realidade dos alunos, onde os contextos sociais, eles mesmos irão mostrar, ou

conhecidos por alguém que pode exemplificar com propriedade. É evidente o quadro de

problemas sociais que se encontram dentro e fora das salas de aula, os professores tem

muitas vezes tem que lhe dar com questões que não são de sua ossada, ficam

sobrecarregados, temos de levar isso em conta, mas é preciso pensar que parte do

desgaste dos profissionais de educação dentro de sala de aula, está na concepção de

música interiorizada ante ao condicionamento escolar e acadêmico que já reconhece a

produção local e seu conhecimento, porém é pautada por concepções superficiais

daquele contexto.

Considerações finais

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Page 47: Relação entre o ensino música e os contextos sociais em que ela se insere

A relação entre o ensino de música e os contextos sociais nele inseridos se faz quando

de fato existe espaço para que os saberes dos alunos estejam presentes em aula, se

apresentando como ferramenta para construção do conhecimento amparado pela

validação da história do aluno ante ao planejamento do ensino de música. Mas isso deve

ocorrer de maneira que tais saberes não caiam em genealogias superficiais da cultura

local, que acabam, muitas vezes sem que o professor perceba, se colocando numa

posição de vanguarda sectária, pois buscam uma aproximação com a realidade dos

alunos por conceituações que já vem prontas, não partindo deles (alunos), e

estigmatizando sua origem numa proposta que teoricamente lhes forneceria a

possibilidade de interagirem e mostrarem suas habilidades, mas que na prática limita

seus campos de ação ao papel de expectadores das ideias que o professor exibe a

respeito da realidade deles. Nem é preciso dizer que é vastíssima a gama de formatos

musicais encontrados em diferentes culturas e regiões, assim como a sistematização do

conhecimento respectivo a cada um deles, que oferecem múltiplas possibilidades

enquanto material utilizado para o ensino de música, conhecimento esse que muitas

vezes já é, em algum nível, instrumentalizado pelo aluno.

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