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FUNDAÇÃO EDUCACIONAL MACHADO DE ASSIS FACULDADES INTEGRADAS MACHADO DE ASSIS CURSO DE DIREITO ARLAN LOPES DA VEIGA JUSTIÇA PRIVADA: O (DES)CRÉDITO DO DIREITO E O PERIGO DA VOLTA DA VINGANÇA PRIVADA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Santa Rosa 2016

FUNDAÇÃO EDUCACIONAL MACHADO DE ASSIS … · DEDICATÓRIA Dedico o presente trabalho à minha mãe Sonia Lopes e minha avó Rosalina Pinto Lopes que sempre serão exemplos de determinação,

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FUNDAÇÃO EDUCACIONAL MACHADO DE ASSIS FACULDADES INTEGRADAS MACHADO DE ASSIS

CURSO DE DIREITO

ARLAN LOPES DA VEIGA

JUSTIÇA PRIVADA: O (DES)CRÉDITO DO DIREITO E O PERIGO DA VOLTA DA

VINGANÇA PRIVADA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Santa Rosa

2016

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ARLAN LOPES DA VEIGA

JUSTIÇA PRIVADA: O DESCRÉDITO DO DIREITO E O PERIGO DA VOLTA DA

VINGANÇA PRIVADA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Monografia apresentada às Faculdades Integradas Machado de Assis, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Orientador: Ms. Cláudio Rogério de Sousa Lira

Santa Rosa 2016

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DEDICATÓRIA Dedico o presente trabalho à minha

mãe Sonia Lopes e minha avó Rosalina Pinto Lopes que sempre serão exemplos de determinação, força de vontade e superação.

Aos amigos super inconvenientes que tive a honra de conhecer e conviver durante a graduação e os quais aprendi a valorizar e a cultivar os verdadeiros princípios de uma amizade. Obrigado pelos momentos inigualáveis e inesquecíveis, meus queridos: Andressa Sabino, André Schmidt, Angélica Cardoso, Bruna Mix, Celito Albuquerque, Cibeli de Mattos, Dainani Schmidt, Daniela Berti, Diórge Rochinheski, Eduardo Inácio, Ionissa Silva, Juliana Back, Magali Kowaleski, Maísa Kaufmann, Paola Schafer, Régis da Silva, Sara Petek, Simoni Casagrande e Valquíria Andressa. Esta etapa de minha vida foi mais feliz na presença diária de vocês. Sempre estarão em meu coração.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus pela oportunidade de estudar e me aperfeiçoar diariamente. Além disso, agradeço imensamente à minha mãe Sonia Lopes, irmão Luan Lopes, avó Rosalina Pinto Lopes e namorada Taciara Laise Argilar, que nos momentos mais difíceis desta caminhada sempre estiveram ao meu lado.

Ao meu pai que desde minha origem sempre transmitiu-me os ensinamentos, princípios e as qualidades de um verdadeiro homem. Obrigado por ser o molde de que toda criança precisa quando está nesta circunstância. Se hoje sou feliz pelas metas atingidas muito devo a você.

Agradeço aos companheiros do Pelotão de Comunicações do 19° RC Mec, que souberam compreender minhas ausências, principalmente nos horários de lazer, para que meus objetivos fossem alcançados.

Por fim, um agradecimento especial ao meu Orientador Cláudio Lira, que desde o princípio jamais mediu esforços para abrilhantar a presente monografia, além de ser sempre receptivo, amigo, leal, transparente e muito profissional. Com toda certeza é um exemplo pessoal profissional em minha vida.

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Seja quem você for, qualquer posição que você tenha na vida, do altíssimo ao mais baixo social, tenha sempre como meta muita força, muita determinação, e sempre faça tudo com muito amor, e com muita fé em Deus, que algum dia você chega lá, de alguma maneira você chega lá.

Ayrton Senna

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RESUMO

O presente trabalho tem como enfoque principal questionar a (in) eficiência do Estado na promoção da segurança pública e a possibilidade de um retorno à vingança privada. Não é de hoje que existe um constante conflito social quanto à aplicabilidade das normas penais e o verdadeiro sentido de justiça. A sociedade vem praticando atos de violência contra possíveis criminosos, buscando efetivar o que considera mais justo, cometendo, assim, aquilo que se denomina a justiça com as próprias mãos. Assim, fica-se como questionamento se tais atitudes podem gerar um círculo vicioso negativo de violência e um retorno à vingança privada. O objetivo geral da pesquisa é analisar a responsabilidade e a capacidade do Estado em proporcionar segurança pública para a sociedade, bem como os principais déficits na busca do cumprimento deste dever. Além disso, verifica-se se a ineficiência por parte do Estado pode gerar o sentimento de vingança privada. O assunto abordado no trabalho se torna cada vez mais relevante na medida em que diariamente se tem notícia de casos de vingança privada no Brasil, dos mais variados tipos. Assim, percebe-se uma mudança de paradigmas por parte da sociedade, principalmente quanto ao senso de justiça e de cumprimento das normas penais. O trabalho está criado sob a ótica teórica, com a realização de pesquisa de natureza qualitativa e com fins descritivos. Seus dados foram obtidos a partir de documentação indireta, por meio de pesquisas a bibliografias, artigos, doutrinas, leis propriamente ditas, e noticiários dos mais variados meios de comunicação. Seu método de abordagem foi a hipotético-dedutiva, e os métodos de procedimentos histórico e funcionalista. O primeiro capítulo fará uma retomada históricas da origem das normas penais e a sua relação com o desenvolvimento da sociedade. Além do mais, mostrará como se deu a evolução do direito penal e a sua influência nas escolas nacionais. O segundo capítulo tratará da real situação da segurança pública do Brasil, suas consequências para a sociedade e a aplicabilidade da Lei de Execuções Penais, além da relação existente entra a mídia e seu público alvo com a criação do sentimento de insegurança. Ao término da presente pesquisa, conclui-se que o país vive em um completo caos quando referente à segurança pública e à aplicabilidade da norma penal. A Lei de execuções penais é totalmente inaplicável nas penitenciárias brasileiras e o indivíduo que lá entra, salvo raras exceções, não tem a menor possibilidade de se ressocializar.

Palavras chave: eficiência - segurança - vingança.

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ABSTRACT

The main objective of this work is to question the (in) efficiency of the State in the promotion of public safety and the possibility of a return to private revenge. It's not from today that exist a constant social conflict about the applicability of criminal rules and the true sense of justice. Society has been practicing acts of violence against possible criminals. Seeking to effect out what it considers to be the most fair, committing in this way, what is called justice with own hands. So, it is questioned if these attitudes can generate a negative vicious cycle of violence and a return to private revenge. The general objective of the research is to analyze the responsibility and capacity of the State of provide public security for society as well as the main deficits in the pursuit of this duty. Besides that, it is verified if the inefficiency by the part of the State can generate the feeling of private revenge. The subject approached in this work becomes more and more relevant in the measure that there are daily reports of cases from private revenge in Brazil, in the most varied types. In this way, we realize a change of paradigms from part of the society, mainly as to the sense of justice and the accomplishment of the criminal norms. The work was created from the theoretical perspective, with the accomplishment of research of qualitative nature and with descriptive purposes. Its datas were obtained from indirect documentation, through researches on bibliographies, articles, doctrines, laws, and news from the most varied media. Its method of approach was the hypothetical-deductive, and the procedures methods are the historical and functionalist. The first chapter will make a historical return to the origin of criminal norms and their relationship with the development of society. Moreover, it will show how happened the evolution of the criminal law and its influence in the national schools. The second chapter will bring the real situation of public security in Brazil, its consequences for society and the applicability of the Law on Criminal Executions, beyond of the relationship between the media and its target public with the creation of a feeling of insecurity. At the end of the present research, it is concluded that the country lives in a complete chaos when refers to public security and the applicability of the criminal law. The Law of Criminal Executions is totally inapplicable in Brazilian penitentiaries and the individual who enters there, save rare exceptions, has no possibility of resocializing him.

Key words: efficiency – re-socialize – revenge.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 - Fábio Nadaes, acusado de integrar grupo de milicianos ..............

Ilustração 2 - Armamento utilizado pela milícia, encontrado no Rio de Janeiro..

Ilustração 3 - Material apreendido em operação contra milícia no Rio de

Janeiro ................................................................................................................

Ilustração 4 - Homem encontrado após ser torturado e ameaçado de morte

por milicianos da Favela do Aço .........................................................................

Ilustração 5 - Homicídios e pessoas desaparecidas na Zona Sul do Rio de

janeiro a outubro de 2015 ...................................................................................

Ilustração 6 - Operação do MP prende 16 pessoas suspeitas de integrar

milícia na Zona Sul do RS ..................................................................................

Ilustração 7 - Momento da busca e apreensão de militares envolvidos em

grupo de extermínio ............................................................................................

Ilustração 8 - Diogo Farias Souza, de 20 anos tinha dívida há três meses com

traficantes na Favela do Rola .............................................................................

Ilustração 9 - Moradores de Rua que vivem no entorno da Arena Fonte Nova

em Salvador – Bahia ..........................................................................................

Ilustração 10 - Sociólogo critica 'limpeza social' durante Copa e cobra criação

de políticas públicas ...........................................................................................

Ilustração 11 - Adolescente foi acorrentado nu após ser agredido a pauladas

no Rio de Janeiro ................................................................................................

Ilustração 12 - Rapaz escapando tenta fugir de agressores em Sorocaba ............. XX

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LISTA DE ABREVIAÇÕES, SIGLAS E SÍMBOLOS.

§ - Parágrafos

CF – Constituição Federal

FEMA – Fundação Educacional Machado de Assis

n°. – número

LEP – Lei de Execução Penal

CP – Código Penal

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 1 DIREITO PENAL: O PROCESSO DE EVOLUÇÃO DO DIREITO PENAL NA BUSCA POR UM MODELO PUNITIVO ....................................................... 1.1 OS MEIOS DE RESPOSTAS ÀS VIOLAÇÕES DE BENS SUBJETIVOS: UMA APOSTA NO DIREITO PENAL ................................................................. 1.1.1 Vingança Divina ...................................................................................... 1.1.2 Vingança Privada...................................................................................... 1.1.3 Vingança Pública .................................................................................... 1.2 AS PRINCIPAIS INFLUÊNCIAS DOUTRINÁRIAS INTERNACIONAIS NA CONSTRUÇÃO DO DIREITO PENAL ............................................................... 1.2.1 Direito Penal Romano ............................................................................ 1.2.2 Direito Penal Germânico.......................................................................... 1.2.3 Direito Penal Canônico............................................................................ 1.2.4 Período Humanitário................................................................................ 1.3 AS CONTRIBUIÇÕES DAS ESCOLAS PENAIS PARA A FORMAÇÃO DE UMA JUSTIÇA PENAL ....................................................................................... 1.3.1 Escola Clássica......................................................................................... 1.3.2 Escola Positivista..................................................................................... 1.3.3 Escola Técnico-jurídica............................................................................ 1.4 O CASO BRASILEIRO: COMO O PAÍS PRODUZ, ALTERA E APLICA A NORMAL PENAL ................................................................................................ 2 A (IN)EFICÁCIA DO ATUAL MODELO DE SEGURANÇA PÚBLICA .......... 2.1 O MEDO COMO “COMBUSTÍVEL” PARA A PROPAGAÇÃO DA SENSAÇÃO DE INSEGURANÇA ...................................................................... 2.2 A MÍDIA E A PRESSÃO POPULAR COMO CLAMOR DE NOVAS LEIS PENAIS MAIS SEVERAS ................................................................................... 2.3 O DESCRÉDITO DA NORMA PENAL A PARTIR DO FRACASSO EM EXECUÇÃO PENAL ........................................................................................... 2.4 AVINGANÇA PRIVADA COMO RETORNO PERIGOSO DO COMBATE À CRIMINALIDADE ................................................................................................ 2.4.1 Milícias....................................................................................................... 2.4.2 Grupos de extermínio............................................................................... 2.4.3 Tribunal do Tráfico................................................................................... 2.4.4 Limpeza Social.......................................................................................... 2.4.5 Linchamento............................................................................................. CONCLUSÃO ..................................................................................................... REFERÊNCIAS ..................................................................................................

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho abordará as causas de intolerância por parte da

sociedade frente a condutas criminosas ocorridas no Brasil. Atualmente, o país vive

um momento de transformação, uma vez que a sociedade, frente à carência de

valores éticos e sociais, busca incessantemente uma solução para melhorar as

perspectivas vindouras.

Nesse mesmo passo, há uma necessidade de se assegurar direitos e

garantias fundamentais à sociedade, a partir de políticas públicas. O desafio do

legislador não é diferente na área da Segurança Pública, cada vez mais precária,

com menos recursos financeiros, gerando um trabalho cada vez mais oneroso e

desgastante frente, inclusive, à falta de treinamento contínuo e de recurso pessoal

em razão do alto número do índice de casos de violência.

Em contrapartida, esses dois índices estão em uma constante crescente. Isso

pode ser resultado de problemas sociais como a falta de emprego, ocasionando o

ingresso no mundo do crime pela carência de recursos financeiros para diversas

famílias envolvidas. Há, também, uma perceptível ausência de incentivo e de

investimento em áreas sociais, como por exemplo, na educação pública, ou pela

mera falta de fiscalização, combate efetivo e consequente punição legal, por meio do

Poder Judiciário, dos criminosos e malfeitores em geral.

Em meio a este cenário, as vítimas deste sistema falho, os cidadãos comuns,

que por meio do contrato social abdicaram da sua soberania individual em troca de

um Estado soberano que garantisse a ordem, a paz social e o progresso

comunitário, constatam que o aparato estatal está cada vez mais ineficaz nas suas

atribuições, o que, portanto, desperta uma ação desesperada na busca da justiça

pelas próprias mãos, a partir de seus próprios conceitos de justiça e de legalidade.

A sociedade brasileira diariamente vem manifestando seu sentimento de

revolta e repulsa diante de casos de crimes graves, culminando com ações de

vingança com a aplicação de violência contra os supostos delinquentes, sob o

pretexto de falta de segurança por parte do Estado.

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O presente trabalho de conclusão de curso baseia-se no questionamento

central se tal agir social pode gerar um círculo vicioso negativo de violência e um

retorno à vingança privada.

Como possíveis respostas ao questionamento anteriormente apresentado

supôs-se o seguinte: a) O elevado número de casos graves de violência indica que o

Estado é ineficaz na prestação da segurança pública; b) Há um sentimento

generalizado de insegurança propagado pela mídia e pelo senso comum, gerando a

formação de grupos de extermínio, linchamentos e de vingança contra pessoas

identificadas como criminosas; c) A justiça pelas próprias mãos configura um retorno

perigoso e põe em risco a segurança jurídica e a paz social à medida que passa a

valer a lei do mais forte física e economicamente.

O objetivo principal deste trabalho é analisar a deficiência estatal na

promoção da segurança pública e o quanto essa debilidade pode criar um

sentimento de justiça privada. Almejando alcançar este objetivo, foi necessário traçar

os seguintes objetivos específicos:

a) Fazer uma retomada da evolução do Direito Penal desde a vingança

divina até a pública;

b) Analisar o modelo de promoção da Justiça Pública e em que medida a

ineficácia do Estado estimula a autotutela;

c) Demonstrar que as ações de violência como instrumento de vingança e

de promoção da justiça com as próprias mãos podem remeter a um caos social e

político.

Este trabalho foi criado sob a ótica teórica, por meio de pesquisa de natureza

qualitativa e com fins descritivos. Os dados foram obtidos mediante documentação

indireta, por meio de pesquisas a Bibliografias, Artigos, Doutrinas, e noticiários dos

mais variados meios de comunicação. O método de abordagem é a hipotético-

dedutiva, e os métodos de procedimentos histórico e funcionalista.

O desenvolvimento da pesquisa se dará em dois capítulos. No primeiro, o

trabalho fará uma retrospectiva do direito penal primitivo e das formas que se deu a

evolução da norma penal nas diversas escolas penais.

Posteriormente, a pesquisa se ocupará das principais influências doutrinárias

internacionais na construção do direito penal, fazendo um estudo quanto aos

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principais doutrinadores da época até as suas influências no Brasil, para, ao final,

destacar a criação e o desenvolvimento do direito penal Brasileiro até a atualidade.

Além disso, será realizada uma análise acerca da situação do sistema

penitenciário brasileiro, bem como sobre as condições em que os presos se

encontram quando estão sob a tutela do Estado.

Ainda, será discorrido em relação aos procedimentos previstos na Lei de

Execução Penal (Lei nº 7.210/84) e a sua aplicabilidade na prática. Por fim, foram

apresentados alguns casos de vingança privada ocorridos no Brasil.

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1 DIREITO PENAL: O PROCESSO DE EVOLUÇÃO DO DIREITO PENAL NA

BUSCA DE UM MODELO PUNITIVO

Nos primórdios das relações humanas, quando inexistia um Estado Soberano,

as relações sociais eram baseadas no estado natural das coisas, ou seja, não havia

normas escritas e predefinidas entre os homens. A liberdade era ampla a ponto de

não ter qualquer importância para alguém o que o seu próximo esperava, valorizava

ou acreditava.

No entanto, em determinado momento os obstáculos e os problemas

encontrados eram tão grandes e prejudiciais que não restava alternativa senão a

união, uma vez que a presença iminente do risco de perecimento da raça humana

estava em constante crescimento.

Assim sendo, segundo Jean-Jacques Rousseau,

[...] como os homens não podem engendrar novas forças, mas apenas unir e dirigir aquelas existentes, não lhes resta outro meio, para se conservar, senão formando por agregação uma soma de forças que possa leva-los à resistência, coloca-los em movimento por um único móvel e fazê-los agir de comum acordo. (ROUSSEAU, 2008, p. 30).

Foi necessário, neste sentido, conforme Rousseau,

[...] encontrar uma forma de associação que defenda e proteja com toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado e pela qual cada um, unindo-se a todos, não obedeça portanto senão a si mesmo e permaneça tão livre como anteriormente. (ROUSSEAU, 2008, p. 30).

Este problema original, e primordial para a perpetuação da raça humana, tem

resposta e solução por meio do contrato social. Com ele, todos os membros de uma

mesma sociedade abdicam de seus direitos e liberdades supremas, dentro de sua

individualidade, em prol do bem comum. Todos os componentes deste grupo

passam o seu poder a um único ente, responsável por garantir a paz, o convívio, o

bem estar, o patrimônio, a segurança, dentre outros direitos necessários à vida em

sociedade.

Portanto, “[...] em lugar da pessoa particular de cada contratante, esse ato de

associação produz um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quanto

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a assembleia tem devotos, o qual recebe desse mesmo ato sua unidade, seu eu

comum, sua vida e sua vontade.” (ROUSSEAU, 2008, p. 32).

Ainda, segundo o entendimento de Rousseau,

[...] essa pessoa pública, formada assim pela união de todas as outras, tomava outrora o nome de cidade e hoje recebe o nome de república ou de corpo político, o qual é chamado por seus membros Estado, quando é passivo, Soberano quando é ativo, poder quando comparado a seus semelhantes. Com relação aos associados, adquirem coletivamente o nome de povo e se chamam particularmente cidadãos, como partícipes da autoridade soberana e súditos, quando sujeitos às leis do Estado. Esses termos, contudo, muitas vezes se confundem e são tomados um pelo outro. (ROUSSEAU, 2008, p. 32).

Vale ressaltar que o Estado é composto por território, povo e soberania,

sendo estritamente necessária a ligação de todos estes elementos para a

composição da força da entidade estatal soberana. Portanto, o contrato social se

mostrou um instrumento jurídico, ainda que ficto, capaz de limitar direitos e exigir

obrigações de cada integrante do corpo social, inclusive o Estado. É a partir daí que

se legitimaram as formas e os meios de respostas às violações de direitos

subjetivos.

1.1 OS MEIOS E RESPOSTAS ÀS VIOLAÇÕES DE BENS SUBJETIVOS: UMA

APOSTA NO DIREITO PENAL

Primeiramente, para que se entenda o que acontece nos dias de hoje, é

necessário fazer um estudo histórico e científico de como se iniciou o Direito Penal

na regulamentação das atividades humanas.

O estudo do Direito Penal se fraciona em alguns momentos ímpares, algumas

fases, sendo que, no entanto, elas não são progressivas, sucessivas de forma rígida

uma das outras, vindo a se intercalarem entre si. O estudo desse processo de

evolução das Ciências Penais é relevante para o tema, na medida em que se aposta

na intervenção do Estado nas relações sociais como forma de controle e repressão

de atos violentos.

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1.1.1 Vingança Divina

Nesta fase do desenvolvimento humano, as formas de punição consistiam em

um misto de direito e de religião impostos pelos sacerdotes ao povo comum. Os

crimes cometidos pelo infrator eram vistos como um pecado, devendo ser pagos

mediante um castigo, com a finalidade de se buscar a purificação, a limpeza e

posterior salvação do mesmo diante de seus próprios atos, sendo comum, nesta

época, o uso de penas cruéis e bastante severas.

A esse respeito, Guilherme de Souza Nucci afirma que “acreditava-se nas

forças sobrenaturais, que, por vezes, não passavam de fenômenos da natureza,

como chuva ou o trovão, motivo pelo qual, quando a punição era concretizada,

imaginava o povo primitivo que poderia acalmar os deuses.” (NUCCI, 2009, p.60).

Além disso, segundo o penalista:

[...] O vínculo existente entre os membros de um grupo era dado pelo totem (estátuas em forma de animais ou vegetais), que era o antepassado comum do clã: ao mesmo tempo, era o seu espírito guardião e auxiliar, que lhe enviava oráculos, e embora perigoso para os outros, reconhecia e poupava seus próprios filhos. (NUCCI, 2009, p.60).

Assim, se não houvesse a sanção e provável condenação, acreditava-se,

severamente, que a ira dos deuses atingiria a todo o grupo, com severas

consequências.

Exemplos de legislações divinas são o Código de Hamurabi e o Código de

Manu. Nesse período, não se reconhecia a responsabilidade subjetiva, havendo

somente a responsabilidade objetiva. Portanto, apenas bastava haver nexo de

causalidade entre a conduta e o resultado do agente para que ficasse configurado o

crime, ficando este infrator apto para sofrer as consequências de seu crime. Não

havia neste momento a figura da culpa, sendo que, mesmo que o fato ocorrido tenha

se dado acidentalmente, o seu agente ativo seria severamente castigado.

1.1.2 Vingança Privada

A vingança privada trata-se da ação/atitude tomada em contrapartida a um

crime ou dano. Quando um fato criminoso era cometido por um agente agressor,

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este, em contrapartida, sofria represálias e reações vingativas por parte da vítima,

de seus familiares ou da sua tribo. Nesta fase, não importava o que era justo ou não,

a vingança bastava-se em si mesma. Além disso, não havia qualquer grau de

proporcionalidade ou justiça.

Neste contexto, houve-se a necessidade da criação de algumas regras, tendo

em vista que a vingança privada estava trazendo a extinção de várias tribos. Esta

forma de repreensão aos crimes da época nada mais foi que uma forma de reação

da comunidade contra o infrator.

Segundo Nucci,

[...] a justiça com as próprias mãos nunca teve sucesso, pois implicava, na essência, em autêntica forma de agressão. Diante disso, terminava gerando uma contrarreação e o círculo vicioso tendia a levar ao extermínio de clãs e grupos. (NUCCI, 2009, p.60).

A vingança privada estava levando as tribos e as coletividades ao mútuo

extermínio, uma vez que faltava, uma norma regulamentadora do certo e do errado,

do justo e do injusto, em cada caso concreto. Desta forma, a legitimidade de

determinado ato estava eminentemente ligada ao subjetivismo particular.

Por outro lado, conforme Paulo José da Costa Júnior, através da vingança

privada se deu a origem do

[...] jus talions (direito de talião), não permitindo que o revide ultrapassasse a medida da ofensa, constitui sem dúvida um progresso. A um olho arrancado, somente outro; a um dente, outro dente. O Código de Hamurabi e a Lei das XII Tábuas acolheram este princípio. (COSTA JÚNIOR, 2009, p.12).

Além do caráter corretivo, a vingança privada exercida pela vítima ou seus

familiares, aferia contentar os deuses.

Para Costa Júnior, através da vingança privada

[...] surgiu a fase da compositio (composição), na qual o transgressor satisfazia a ofensa mediante indenização em dinheiro ou em espécie. Incluída no Código de Hamurábi, foi bastante adotada no direito germânico. É ela a precursora da indenização do direito privado e da multa do direito penal. (COSTA JÚNIOR, 2009, p.12).

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Portanto, a fase da vingança privada foi necessária e essencial para

chegarmos ao ordenamento jurídico que hoje está em voga. Porém, com o risco de

haver dizimação das tribos e núcleos familiares por parte da vingança contra

vingança, passou-se à necessidade de transferir mais poder a um ente superior a

todos, o Estado. Esta iniciativa se deu na fase da chamada vingança pública.

1.1.3 Vingança Pública

A vingança pública teve espaço no momento em que o chefe do grupo, o líder

da sociedade, detinha o poder de punir quem cometesse determinada infração, e

surgiu para evitar que os clãs se destruíssem, pois a vingança privada gerava um

círculo vicioso de vingança contra vingança.

Com o poder do Estado cada vez mais fortalecido, o caráter religioso foi

sendo dissipado e as penas passaram a ter intuito de intimidar para que os crimes

fossem prevenidos e reprimidos. Esta fase foi marcada por existirem as penas de

empalamento, morte na fogueira, esquartejamento, etc.

Assim, diferentemente da vingança privada, que fazia com que particulares

lutassem entre si, gera um sentimento de revolta constante, agora

[...] a centralização do poder fez nascer uma forma mais segura de repressão, sem dar margem ao contra ataque. Nessa época, prevalecia o critério do talião (olho por olho, dente por dente), acreditando-se que o malfeitor deveria padecer do mesmo mal que causara a outrem. Não é preciso ressaltar que as sanções eram brutais, cruéis e sem qualquer finalidade útil, a não ser apaziguar os ânimos da comunidade, acirrados pela prática da infração grave. Entretanto, não é demais destacar que a adoção do talião constituiu uma evolução no direito penal, uma vez que houve, ao menos, maior equilíbrio entre o crime cometido e a sanção destinada ao seu autor. (NUCCI, 2009, p.61).

Nesta fase, os processos eram sigilosos e o réu não sabia sequer qual era a

imputação feita contra ele, uma vez que o entendimento era o de que uma vez

inocente o mesmo não necessitava de defesa, se fosse culpado ele não teria direito

algum.

Nucci afirma que, se a Lei de Talião teve algum mérito, certamente foi o de

“reduzir a extensão da punição e evitar a infindável onda de vingança privada.”

(NUCCI, 2009, p. 61).

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1.2 AS PRINCIPAIS INFLUÊNCIAS DOUTRINÁRIAS INTERNACIONAIS NA

CONSTRUÇÃO DO DIREITO PENAL

No transcorrer da história do homem, diversos acontecimentos o levaram a

aperfeiçoar e aprimorar as suas normas e legislações norteadoras do convívio

social. O direto penal brasileiro se baseou, além de seu contexto histórico, em

diversas correntes doutrinárias internacionais. Abaixo, estão listadas e brevemente

explicadas algumas delas.

1.2.1 Direito Penal Romano

Em meados de 753 a. C., na fundação da cidade de Roma, direito e religião

se confundiam. Nesta época, “a pena era aplicada para aplacar a ira dos deuses.”

(COSTA JÚNIOR, 2009, p. 12).

Com a chegada da República Romana, ocorreu a ruptura e desmembramento

dos alicerces compostos pela união da religião e o direito, passando o poder da

tutela penal ao Estado, “com a prevalência do poder absoluto do chefe da família

(pater familias), aplicando as sanções que bem entendesse ao seu grupo.” (NUCCI,

2009, p. 61).

Segundo Luiz Régis Prado, “na hipótese de morte do patriarca, o grupo

familiar (dumus) dividia-se de acordo com o filii famílias, sendo que os descendentes

formavam a gens, que reconhecia, também, um pater (magister gentis).” (PRADO,

2014, p. 78).

Além disso, segundo o referido autor,

[...] o primeiro código romano escrito foi a Lei das XII Tábuas (séc. V a.C.), resultante do trabalho dos decenviri legibus scribendis. Com ela, inicia-se o período de vigência legislativa, com a consequente limitação da vingança privada, pelo talião e pela composição. (PRADO, 2014, p. 78).

Conforme Prado, em sua obra Curso de Direito Penal Brasileiro,

A ciência do direito romano dividia o ordenamento jurídico em duas partes, relativamente claras: de um lado, o Direito Público (relativo aos órgãos nacionais e internacionais, e com os deuses) e, de outro, o Direito Privado (relativo à situação dos indivíduos em comunidade). Nesse contexto, o Direito Penal romano era baseado no princípio do dever moral (= lei penal),

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aplicado pelo Estado. O delito era não cumprimento de um preceito legal, sendo a pena o mal imposto por esse comportamento. Com a pena, apagava-se o crime e restaurava-se a ordem pública. (PRADO, 2014, p. 78).

Ainda, para este autor, o Direito Penal Romano apresenta algumas

características principais elencadas a seguir:

a) afirmação do caráter público e social do Direito Penal; b) o amplo desenvolvimento alcançado pela doutrina da imputabilidade, da culpabilidade e de seus excludentes; c) o ordenamento subjetivo claramente diferenciado. O fundamento ético da vontade antijurídica, sem o qual não havia delito, nem pena, podia emergir, ora sob forma de ofensa intencional à lei moral e à lei do Estado (dolus), ora sob a forma de descuido ou negligência culpável (culpa) na observância das mesmas. O dolo-animus-vem a ser “a vontade delituosa, que se aplicava a todo campo do Direito, e designava-se na linguagem jurídica com a palavra astúcia, dolus, reforçada a maior parte das vezes, pelo adjetivo má, astúcia má, dolus malus, exercida com consciência da injustiça pelos sciens”; d) o desenvolvimento incompleto da teoria da tentativa; e) a falta de formulação expressa do princípio da legalidade e a falta de proibição da analogia; f) o reconhecimento, de modo excepcional, das causas de justificação (legítima defesa e estado de necessidade); g) a pena entendida como uma reação pública correspondendo ao Estado a sua aplicação; h) a distinção entre crimina publica, delicta privata e a previsão dos delicta extraordinaria; i) a consideração do concurso de agentes, diferenciando a autoria e a ope consilio – cumplicidade. (PRADO, 2014, p. 79).

Portanto, fora nesse período que houve uma importantíssima mudança de

paradigma, quando se passou a observar e diferenciar o delito na ótica do dolo ou

da culpa.

Nos dias atuais, Fernando Capez, conceitua dolo como “a vontade e a

consciência de realizar os elementos constantes do tipo legal. Mais amplamente, é a

vontade manifestada pela pessoa humana de realizar a conduta.” (CAPEZ, 2010, p.

223).

Para este mesmo autor, a culpa

[...] é o elemento normativo da conduta. A culpa é assim chamada porque sua verificação necessita de um prévio juízo de valor, sem o qual não se sabe se ela está ou não presente. Com efeito, os tipos que definem os crimes culposos são, em geral, abertos, portanto, neles não se descreve e que consiste o comportamento culposo. O tipo limita-se a dizer: “se o crime é culposo, a pena será de...”, não descrevendo como seria a conduta culposa. (CAPEZ, 2010, p. 230).

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Contudo, o crime culposo pode se dar em decorrência de negligência,

imperícia ou imprudência. Assim, o Direito Romano foi a origem do arcabouço

jurisdicional existente na contemporaneidade.

1.2.2 Direito Penal Germânico

O Direito Germânico era visto como uma solução dos conflitos sociais,

objetiva sempre a ordem e a paz social. Aquele que descumpria as normas pré-

estabelecidas trazia transtornos para os demais, ao mesmo tempo em que causava

uma ruptura no bem estar social.

As leis baseadas nessa Escola Penal eram consideradas bárbaras, momento

em que, as punições ou sanções eram estabelecidas conforme as qualidades gerais

do infrator, por exemplo: o sexo da pessoa, a idade, o local e a espécie do delito

cometido. Aqueles que não tinham condições remuneratórias de pagar suas dívidas,

se assim fosse possível, quitavam as dívidas com penas corporais.

Com a finalidade de buscar a justiça e a punição do transgressor,

O Direito Germânico, de natureza consuetudinária, caracterizou-se pela vingança privada e pela composição, havendo, posteriormente, a utilização da ordálias ou juízos de Deus (provas que submetiam os acusados aos mais nefastos testes de culpa - caminhar pelo fogo, ser colocado em água fervente, submergir num lago com uma pedra amarrada aos pés -, caso sobrevivessem seriam inocentes, do contrário, a culpa estaria demonstrada, não sendo preciso dizer o que terminava ocorrendo nessas situações) e também dos duelos judiciários, onde terminava prevalecendo a lei do mais forte. (NUCCI, 2009, p.62).

Percebe-se que mesmo havendo formas de resposta ou tentativa de defesa

por parte dos acusados, raramente os mesmos teriam um destino diferente da morte

após serem submetidos aos mais difíceis e penosos testes.

No Direito Germânico, preponderou por muito tempo, a responsabilidade

objetiva do agente, ou seja, não importava a intenção do transgressor da norma,

“punia-se o dano, sem levar em conta se o fato resultou de dolo, culpa ou do caso

fortuito.” (COSTA JÚNIOR, 2009, p. 14).

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1.2.3 Direito Penal Canônico

É o ordenamento jurídico da Igreja Católica Apostólica Romana,

predominante na idade média, que perpetuou o caráter sacro da punição, que tinha

caráter meramente disciplinar, corretivo, e passou, após o fortalecimento papal, a

atingir toda a sociedade.

Segundo Costa Júnior, “no direito canônico as penas visavam à justa

retribuição, bem como ao arrependimento e à emenda do condenado (poena

medicinalis). Poderiam ser elas espirituais (excomunhão, penitência) ou temporais.”

(COSTA JÚNIOR, 2009, p. 14).

Ainda, segundo o doutrinador,

O direito canônico, além de aceitar a igualdade de todas as pessoas, dava especial relevo ao aspecto subjetivo do crime (in maleficiis voluntas expectatur, non exitus: nos crimes deve-se dar relevo à vontade, não ao evento). Combateu as ordálias, introduzindo as penas privativas de liberdade, em substituição Às patrimoniais, que possibilitavam o arrependimento e a emenda do condenado. A penitenciária foi idealizada pelo direito canônico, para que nela o réu expiasse a pena, emendando-se. (COSTA JÚNIOR, 2009, p. 14).

Dessa forma, os Tribunais Eclesiásticos não costumavam aplicar a pena de

morte. Porém, com o advento da Inquisição, no ano de 1215, com Concílio de

Latrão, passou-se a “[...] empregar a tortura em larga escala. O processo inquisitório

dispensava prévia acusação, pública ou privada, podendo as autoridades

eclesiásticas proceder de ofício.” (COSTA JÚNIOR, 2009, p.14).

A utilização de métodos severos de punição tinha como princípio norteador

obter o arrependimento do infrator e a regeneração do criminoso. Segundo Nucci,

A religião e o poder estavam profundamente ligados nessa época, e a heresia implicava em crime contra o próprio Estado. Surgiram os manifestos excessos cometidos pela denominada Santa Inquisição, que se valia, inclusive, da tortura para extrair a confissão e até então, qualquer proporcionalidade entre a infração cometida e a punição aplicada. (NUCCI, 2009, p.62).

Parafraseando Nucci (2009), na sua obra Manual de Direito Penal, a Santa

Inquisição foi uma das formas mais cruéis de julgamento de supostos criminosos do

Estado e contrários às normas da Igreja, que submetia os mesmos às mais

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diversificadas formas de torturas com a finalidade de extrair confissões e punir os

autores do fato.

Estes acontecimentos e formas de punição fazem lembrar a importância de se

manter o Estado laico, que possua uma posição neutra nos critérios religiosos,

respeitando todas as formas de pensamento e de credo, possibilitando a liberdade

de pensamento para todos os seus cidadãos.

1.2.4 Período Humanitário

O objetivo da pena até o presente momento era nada mais do que

intimidatório, e causa incômodo aos juristas e filósofos da época, “[...] propiciando,

com a obra dos delitos e das penas, de Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, o

nascimento da corrente denominada Escola Clássica.” (NUCCI, 2009, p. 62).

Para Nucci, o Marquês de Beccaria, contrário à pena de morte e às penas

cruéis, pregou

[...] o princípio da proporcionalidade da pena à infração praticada, dando relevo ao dano que o crime havia causado à sociedade. O caráter humanitário presente em sua obra foi o Marco para o Direito Penal, até por que contrapôs-se ao arbítrio e à prepotência dos juízes, sustentando-se que somente leis poderiam fixar penas, não cabendo aos magistrados interpretá-las, mas somente aplica-las tal como postas. Insurgiu-se contra a tortura como método de investigação criminal e pregou o princípio da responsabilidade pessoal, buscando evitar que as penas pudessem atingir os familiares do infrator, o que era fato corriqueiro até então. A pena, segundo defendeu, além do caráter intimidativo, deveria sustentar-se na missão de regenerar o criminoso. (NUCCI, 2009, p.62).

Ainda, segundo o autor, a prisão privativa de liberdade servia apenas para

guardar réus durante o trâmite do seu julgamento, procedimento que se modificou

ao final do Século XVII, quando passou a ser caracterizada como cumprimento da

pena. Com a propagação das ideias iluministas houve a conscientização quanto às

barbáries que ocorriam e passou-se a haver uma preocupação tanto com a proteção

dos direitos individuais quanto ao arbítrio do judiciário.

Nesse período, portanto, tinha-se como foco principal a criação de Leis que

fossem simples, claras, precisas e escritas em língua pátria, em que devia trazer

consigo uma mínima severidade frente ao combate à criminalidade, e dar mais

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ênfase à celeridade do processo e o respeito à dignidade da pessoa humana, além

de buscar a prevenção dos delitos e não somente o castigo dos mesmos.

Como visto, para esta pesquisa, foi feito uma retomada da evolução da

estrutura do Estado desde a época da vingança divina até se chegar ao modo de

Proteção Jurídica bem escolhida pelo Estado, como regra da tutela estatal penal.

Outro quesito importante para o presente estudo é a compreensão das

transformações do Direito Penal, a partir da influência de juristas penais

conceituados, que, em essência, formaram as Escolas Penais.

1.3 AS CONTRIBUIÇÕES DAS ESCOLAS PENAIS PARA A FORMAÇÃO DE UMA

JUSTIÇA PENAL

São chamadas escolas penais as diversas correntes doutrinárias que

passaram a abordar os mais variados assuntos desta área nos tempos modernos.

Estas se destacam pela sua abordagem diferenciada de todos os temas

abordados pelo Direito Penal. Assim estas escolas foram divididas ao longo da

história em escola clássica, jurídica e técnico-jurídica.

1.3.1 Escola Clássica

A Escola Penal nasceu sobre os ideais iluministas, sendo que, para seus

idealizadores, a pena era um mal imposto a determinado indivíduo, que de forma

consciente e voluntária, cometia algum fato previsto como crime. Esta escola era

contrária à pena de morte e às penas cruéis, sustentando que a sanção penal

deveria ser proporcional ao fato criminoso cometido pelo seu agente infrator.

Segundo Nucci (2009), os clássicos visualizavam a responsabilidade penal do

criminoso com base no livre-arbítrio. Nas palavras de Antonio Moniz Sodré de

Aragão,

[...] o criminoso é penalmente responsável, porque tem a responsabilidade moral e é moralmente responsável porque possui livre arbítrio. Este livre-arbítrio é que serve, portanto, de justificação às penas que se impõe aos delinquentes como um castigo merecido, pela ação criminosa e livremente voluntária. (ARAGÃO, p. 59 apud NUCCI, 2009, p. 65).

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Portanto, ser criminoso e contrário às normas sociais seria uma opção, uma

decisão tomada pelo próprio particular, por meio de seu livre arbítrio e

liberdade/autonomia de escolha.

O autor Costa Júnior cita em sua obra Curso de Direito Penal, os princípios

fundamentais da escola clássica, que se dividem nos seguintes:

a) o crime é um ente jurídico, vale dizer, o crime é infração do direito; b) a responsabilidade penal se funda na responsabilidade moral, assentada no livre-arbítrio, o que torna fundamental a distinção entre imputáveis e inimputáveis; c) a pena é retributiva, é a expiação da culpabilidade contida no fato punível. Com ela se restabelece a ordem violada pelo crime; d) o método é o lógico-abstrato. (COSTA JÚNIOR, 2009, p. 17).

Para Costa Júnior, o maior penalista de todos os tempos desta fase foi

Francesco Carrara que

[...] definia o crime como “a infração da lei do Estado, promulgada para proteger a segurança dos cidadãos, resultante de um ato externo do homem, positivo ou negativo, moralmente imputável e politicamente danoso”. [...] autor do extraordinário Programa del corso di diritto criminale (1859) que até hoje é atual. (COSTA JÚNIOR, 2009, p. 18).

Para ele, o crime era cometido por meio de duas origens, duas forças, quais

sejam, o movimento, ação, corpórea de um corpo somado a uma vontade moral,

consciente, premeditada, de realizá-lo.

1.3.2 Escola Positivista

A partir dos pensamentos positivistas, “passou-se a examinar o crime em seu

aspecto fenomênico, sob o ângulo sociológico. E o criminoso, paralelamente, tornou-

se o centro de investigações biopsicológicas.” (COSTA JÚNIOR, 2009, p.19).

Segundo Costa Júnior, o movimento positivista se dá em uma tríade, com três

grandes autores, Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Rafael Garofalo. Primeiramente o

movimento teve início com o médico

[...] Cesare Lombroso (1835-1909), com a obra L’uomo delinquente (1875) e inúmeras outras monografias resultantes de suas observações como diretor do manicômio de Pésaro. É dele o criminoso-nato, que é o indivíduo com predisposição natural ao crime (penchant au crime), por causas diversas,

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biopsicológicas. Em razão dessa predisposição (e não predestinação), dificilmente se adapta à sociedade, vindo a delinquir por uma condição desencadeante de escasso significado. (COSTA JÚNIOR, 2009, p.19).

Anos mais tarde esta tese fora tida como falha, no entanto, serviu para o

lançamento da semente do que seria a atual antropologia e psicologia criminal.

Em um segundo momento, posteriormente a Lombroso,

Enrique Ferri (1856 – 1929), notável advogado criminalista, político, grande orador, foi o continuador da obra de Lombroso. Publicou diversas obras e fez inúmeras conferências, inclusive no Brasil e na Argentina, no ano de 1910, destacando-se La teoria del’imputabilità e la negazione del libero arbítrio (1878), L’omicidio-suicidio (5ªed., 1880), Nuovi orizzonti dela giustizia penale (1881), que em sua 5ª edição recebeu o título de Sociologia criminale (1828). Com efeito, Ferri foi o fundador da sociologia criminal ao visualizar os três fatores determinantes do crime (antropológicos, físicos e sociais) e ao classificar os criminosos em natos, loucos, habituais, de ocasião e por paixão. (COSTA JÚNIOR, 2009, p. 20).

Além disso, para ele, o objetivo da ação penal é a prevenção dos crimes, em

que deve a pena ser ajustada ao delinquente, e ao fato, além de visar reajustá-lo ao

convívio social.

Outrossim, a tríade positivista se encerra com

Rafael Garofalo (1851-1934), com a obra fundamental Criminologia (1891). Para ele, o crime está sempre no indivíduo e é a revelação de uma natureza degenerada, sendo por isso temível. Na finalidade da pena, empresta especial ênfase à repressão, defendendo inclusive a eliminação, pela pena capital, ou a deportação do criminoso para colônias penais. A temibilidade de Garofalo foi incorporado aos princípios positivistas como periculosidade, adotada pela maioria dos estatutos penais. (COSTA JÚNIOR, 2009, p. 20).

Porém, nas palavras de Nucci, momento em que compara as escolas clássica

e positivista, tanto uma quanto a outra merecem críticas por serem contrapostas.

Enquanto a clássica trabalhava a necessidade de reeducação do condenado, a

positiva se debruçava sobre a responsabilidade do condenado e a sua

periculosidade frente à coletividade. (NUCCI, 2009, p.66).

Faz-se observar que ambas as escolas estavam em contraposição, em lados

opostos, e ao mesmo tempo não traziam uma solução definitiva e justa para a

problemática em questão.

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1.3.3 Escola Técnico-jurídica

Também chamada de Escola Eclética, é uma reação às escolas anteriores,

em que se busca conciliar as ideias principais de cada escola e uni-las a partir de

um só argumento.

Os defensores da Escola Técnico-Jurídica reconhecem que a prisão é um mal

necessário, mesmo trazendo inúmeras consequências negativas, e deve ela, no

entanto, evitar a pena de morte.

Para esta escola, é necessário fazer uma diferenciação de crimes pesados,

cruéis, das condutas menos gravosas, especialmente aquelas que são consideradas

crimes de bagatela, e evitar o encarceramento descontrolado e indiscriminado.

Neste contexto, Nucci sustenta que a norma deve

[...] dar relevo à teoria surgida nas últimas décadas, denominada de teoria da prevenção geral positiva, reafirmando que a pena não serve para intimidar criminosos, mas apenas para reafirmar a “consciência social da norma”, demonstrando a sua vigência por meio da aplicação da sanção penal. A teoria da prevenção geral positiva divide-se em: a) fundamentadora (Jakobs, Wenzel), sustentando que a aplicação da pena tem o poder de evidenciar que o agente do crime não se conduziu corretamente, servindo de orientação aos cidadãos para o cumprimento das normas em geral, com função educativa. Por isso, é contrária ao Direito Penal mínimo; b) limitadora (Roxin, Mir Puig, Silva Sánchez, Muñoz Conde), reafirmando as bases da anterior, embora pregando que a intervenção do Estado deve ser limitada. (NUCCI, 2009, p. 67).

Portando, o principal objetivo da norma é manter o controle comportamental

social por meio da sanção penal e buscar a reeducação do indivíduo delinquente,

além de restringir futuros novos criminosos. Este objetivo deve ser buscado por

parte do Estado da forma mais limitada possível.

Toda essa evolução culminou na produção de um Direito Penal capaz de dar

conta de atos violadores de bens juridicamente protegidos. Cada país, a seu tempo,

experimentou um modelo de Direito Penal e estabeleceu suas matrizes de aplicação

da Lei Penal. Não foi diferente no Brasil.

Na época do descobrimento do Brasil quando os portugueses chegaram no

novo continente, encontraram uma terra habitada por índios, sem qualquer

legislação, em que os percalços, desentendimentos e crimes eram resolvidos com

base na vingança privada, com tortura, morte e banimento.

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Segundo NUCCI,

Sem dificuldade, instalou-se a legislação portuguesa, trazida nas Ordenações do Reino. Inicialmente, vigoraram as Ordenações Afonsinas (1446), da época de D. Afonso V. Posteriormente, passaram a viger as Ordenações Filipinas (1603), do reinado de D. Filipe II, houve a aplicação da compilação organizada por D. Duarte Nunes de Leão, por volta de 1569. (NUCCI, 2009, p. 68).

No entanto, segundo este autor, a mais longa delas – 1603 a 1830 – foram as

Ordenações Filipinas, que previam penas cruéis e desproporcionais, sem qualquer

sistematização. Somente com a edição do Código Criminal do Império (1830),

advindo do projeto elaborado por Bernardo Pereira de Vascolcellos, conseguiu-se

uma legislação penal mais humanizada e sistematizada. “Constituiu-se um avanço

notável, criando institutos (como, por exemplo, o dia-multa) até hoje utilizados pelo

direito brasileiro e também por legislação estrangeira”. (NUCCI, 2009, p. 68).

Este código penal vigeu por aproximadamente sessenta anos, momento em

que,

Em 1890, aprovou-se o Código Penal da era Republicana. Sob muitas críticas, acusado de não ter mantido o mesmo nível de organização e originalidade de seu antecessor, foi mantido até que se editou o atual Código Penal (Decreto-lei 2848/40), da época de Getúlio Vargas, advindo de projeto elaborado por Alcântara Machado. No meio-tempo, em razão da criação de inúmeras leis penais desconexas, houve a Consolidação das Leis Penais de Vicente Piragibe (1932). (NUCCI, 2009, p. 68).

Ainda, segundo o citado doutrinador, posteriormente editou-se a Lei 7.209/84,

promovendo extensa reforma na parte geral do Código atual, embora sem modificá-

la por completo. “O código original de 1940, nascido de concepção causalista, sofreu

algumas modificações de natureza finalista por ocasião da mencionada reforma do

ano de 1984, permanecendo, pois, híbrido, não se podendo afirmar ser de

conotação causalista pura, nem tampouco finalista na essência”. (NUCCI, 2009, p.

68).

Inúmeras reformas posteriores a isso foram realizadas, porém, causaram

desarmonia entre os artigos tanto da parte geral quanto da parte especial do Código

Penal. Além disso, ocorreram alguns descompassos entre o Código Penal e a Lei de

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Execuções penais que perduram até os dias de hoje, como exemplifica Nucci,

segundo o qual,

[...] apenas para citar um exemplo, a possibilidade de concessão de penas restritiva de direitos a crimes cuja pena privativa de liberdade não ultrapasse quatro anos, mas a suspensão condicional da pena, mais rigorosa, somente pode ser aplicada a crimes cuja pena privativa de liberdade não seja superior a dois anos. Algumas outras modificações na Lei de Execução Penal levam igualmente à perplexidade. Como ilustração, podemos mencionar a previsão, no art. 112, § 2°, da Lei de Execução Penal, de simples apresentação de atestado de boa conduta carcerária para auferir o livramento condicional, enquanto que, no art. 83, parágrafo único, do Código Penal, exige-se exame criminológico do condenado por delitos violentos ou com grave ameaça à pessoa. As contradições devem ser dirimidas pelo juiz em cada caso concreto, o que não deixa de gerar um sistema inseguro e imprevisível. (NUCCI, 2009, p. 69).

Contudo, com o objetivo de sanar estes percalços, trazendo mais segurança

jurídica ao Código Penal e às Leis Especiais (como o caso da LEP), no ano de 2012,

o Senado Federal elaborou o Projeto de Lei nº 236, que tem por finalidade reformar

o Código Penal Brasileiro, que é de 1940.

Este Projeto de Lei ainda está em tramitação no Senado Federal, porém, com

certeza irá trazer maiores benefícios e uma verdadeira atualização das leis penais.

1.4 O CASO BRASILEIRO: COMO O PAÍS PRODUZ, ALTERA E APLICA A NORMA

PENAL

O Estado Brasileiro, segundo o modelo tripartite de Montesquieu, é

constituído de três poderes independentes e harmônicos entre si, assim como

preceitua o art. 2° da Constituição Federal de 1988.

Cada um desses pilares tem funções típicas, próprias e indelegáveis. O

responsável por criar e elaborar Leis é o Poder Legislativo, composto, em âmbito

nacional, por um Congresso Nacional, dividido, conforme o sistema bicameral, pela

Câmara de Deputados e o Senado Federal, os quais detêm a competência de criar,

alterar e revogar leis.

Conforme Cláudio Rogério Sousa Lira, em sua obra Direito Penal na Pós-

modernidade, A Racionalidade Legislativa para uma Sociedade de Risco,

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[...] essa missão principal do legislador vem se tornado cada vez mais difícil, diante do constante desafio de produzir/alterar leis para uma sociedade de relações complexas e multifacetadas, características marcantes de Estado da pós-modernidade. O ofício da produção das Leis deve ser orientado por um processo legislativo baseado em níveis de racionalidades suficientes para criar normas possíveis de serem aplicadas em um recorte temporal de modernidade tardia, em que os ventos do Estado de Direito ainda não sopram plenamente. (LIRA, 2015, p. 47).

Frequentemente ocorrem falhas, problemas, seja pela omissão ou pela falta

de cuidado na elaboração de normas por parte do poder legislativo, em que afeta,

consequentemente a execução das normas por parte do Poder Executivo ou no

dizer o direito do Poder Judiciário.

Segundo Lira,

as incorretudes do processo legislativo produzem irritações no sistema harmônico entre os poderes, à medida que desperta no Judiciário uma atividade não de hermenêutica, mas de “criação” de Direito, o que se costuma designar como ativismo judicial legislativo. Não é que o Poder Judiciário se arvora na função de legiferar, mas resta acuado pela função jurisdicional de dizer o direito, quando esse “direito” foi mal produzido. (LIRA, 2015, p. 49).

A produção das leis dentro de um sistema organizado, hierarquizado e

multifacetário como o brasileiro merece ser profundamente estudado e alicerçado

em princípios norteadores, que determinarão os valores e fundamentos que serão

seguidos pela legislação posterior.

Porém, como o fato concreto ocorre antes da criação da Lei propriamente

dita, sempre haverá, em algum momento futuro, a ausência de norma para regular

determinado acontecimento.

Neste momento, em casos de omissão legislativa, Lira, citando Dworkin,

leciona que

[...] a solução para inexistência da lei para o caso concreto está, conforme, Dworkin, na utilização de um conjunto de princípios para melhor interpretação da estrutura política e da doutrina jurídica da comunidade. Neste tocante, a prática do Juiz está alicerçada em argumentos de princípios, enquanto que o labor do legislador é alumiado por argumentos de política. Dworkin sustenta que “el positivismo no consegue ver que el Derecho no es tan solamente un sistema de reglas, por tanto, y que ahí hay algo más, los princípios, cuya forma de aplicación es distinta de la de las reglas”. Pois bem, parece claro que o Direito não significa tão-somente um conjunto de regras. Por outro lado, também parece evidente que as regras constituem o Direito; por isso a importância de uma Teoria da Legislação para orientar o processo de produção das leis. Essa teoria, porém, tem de

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cuidar dos princípios, como procura fazer a Teoria de Dworkin. Até porque os princípios devem integrar a feitura da lei. (LIRA, 2015, p. 61).

Além do mais, este autor preconiza que “o que se deseja é uma atuação

legislativa orientada também pelo princípio da integridade como se quer na

aplicação da legislação ‘pronta’.” (LIRA, 2015, p. 61).

Assim, inevitavelmente

[...] a lei não é senão o resultado de um momento histórico recortado na forma de comando para os atores da vida em sociedade. Não levar em consideração os princípios por ocasião da produção da norma implica dupla dificuldade: mais discricionariedade do legislador e, por consequência, possibilidade de maior dificuldade para o Juiz aplicar o direito, sem falar na maior possibilidade de se ampliar ainda mais a discricionariedade judicial. (LIRA, 2015, p. 61).

Portanto, as Leis não podem ser criadas de qualquer forma, uma vez que

afetam diretamente a vida de todos aqueles que estiverem sob seus efeitos.

Segundo Lira, citando Kildare Gonçalves Carvalho,

[...] existem três regras no procedimento da elaboração das leis que corroboram os princípios do Estado Democrático de Direito: a) maioria; b) participação; e c) publicidade. É inato ao Estado de Direito a busca da submissão das relações sociais ao regime legal. (CARVALHO, 2010, p. 8 apud LIRA, 2015, p. 67).

Portanto, “a técnica legislativa, observa Carvalho, é um método correto de

elaborar as leis, para que seja possível de serem executadas e cumpridas.” (LIRA,

2015, p. 67). Dessa forma, torna-as mais justas, coerentes e possíveis de serem

seguidas.

Buscando sempre o princípio da segurança jurídica, é necessário ressaltar

que as normas devem ser produzidas com clareza e precisão. Assim, conforme

defende Lira,

[...] a primeira está relacionada à linguagem com a qual a norma é redigida, dificultando muitas vezes a compreensão por parte do senso comum. A solução encontrada para esse impasse foi o de promover os esclarecimentos necessários para a população para se atingir a plenitude de interpretação do sentido do texto, além de tornar mais amplo o tempo de Vacatio Legis (período entre a publicação da lei e o período em que iniciará os seus efeitos), para preparar a população das consequências oriundas desta nova lei. (LIRA, 2015, p. 68).

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Já a precisão procura “evitar ‘fórmulas genéricas’ nos textos das leis, a fim de

não causar no destinatário da norma incertezas em relação aos seus direitos e

deveres.” (LIRA, 2015, p. 69).

Além dos elementos abordados anteriormente, o direito adquirido, o ato

jurídico perfeito e a coisa julgada também visam reforçar a segurança jurídica.

Conforme Lira, “no sistema do Brasil, a formação da lei abrange a proposição

– iniciativa –, o exame pelas comissões, a revisão do projeto, a sanção, a

promulgação e a publicação.” (LIRA, 2015, p. 71).

Segundo o art. 59 da Constituição da República Federativa do Brasil, o

processo legislativo compreende a elaboração de: (1) emendas à Constituição; (2)

leis complementares; (3) leis ordinárias; (4) leis delegadas; (5) medidas provisórias;

(6) decretos legislativos; (7) resoluções. (BRASIL, 1988).

Ao abordar esse assunto, Lira argumenta que,

As emendas à Constituição são de iniciativa de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, do Presidente da República ou de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria de seus membros, (redação do art. 60 da CR/1988). (LIRA, 2015, p. 72).

Porém, excepcionalmente, segundo o art. 5°, § 3°, da Constituição Federal de

1988,

Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (BRASIL, 1988).

Ademais, o art. 61 do mesmo diploma legal explana que a iniciativa das leis

complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Câmara dos

Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da

República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-

Geral da República e aos Cidadãos.

Conforme determina o art. 61, § 2°, da CF, os cidadãos podem dar iniciativa à

criação de leis por meio da iniciativa popular, que pode ser exercida pela

apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo,

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um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com

não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.

Contudo, em caso de relevância e urgência, o Presidente da República

poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, e deve submetê-las de imediato

ao Congresso Nacional, conforme art. 62 da Lei Magna.

Além do mais, conforme a mesma norma legal, em seu art. 62, § 3º, § 11º e §

12, que tratam respectivamente deste assunto,

[...] § 3. As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001). [...] § 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001). § 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001). (BRASIL, 1988).

Portanto, o Decreto Legislativo é, segundo Pedro Lenza,

[...] o instrumento normativo por meio do qual serão materializadas as competências exclusivas do Congresso Nacional, alinhadas aos incisos I a XVII do art. 49 da CF/88. As regras sobre o seu procedimento vêm contempladas nos Regimentos Internos das Casas ou do Congresso. (LENZA. 2010, p. 490).

Ainda, segundo o constitucionalista,

Deflagrado o processo legislativo, ocorrerá a discussão no Congresso Nacional, e, havendo aprovação do projeto (pela maioria simples, art. 47), passa-se, imediatamente, à promulgação, realizada pelo Presidente do Senado Federal, que determinará a sua publicação. Não existe manifestação do Presidente da República, sancionando ou vetando, pela própria natureza do ato (pois versa sobre matérias de competência do Congresso, conferindo subjetividade ao regulamentar o art. 49), bem como em virtude de expressa previsão constitucional (art. 48, caput). (LENZA. 2010, p. 491).

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As Leis delegadas, por sua vez, serão elaboradas pelo Presidente da

República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional, conforme

determina o art. 68 da Lei Maior.

Conforme Lira, parafraseado o pensamento de Atienza, o sistema de

produção de normas do Brasil contemplas três fases: pré-legislativa, legislativa e

pós-legislativa (LIRA, 2015).

Segundo o citado autor,

Em relação à fase pré-legislativa, no Brasil, essa etapa está contemplada na possibilidade de realização de audiência pública e de plebiscito. As audiências públicas visam à discussão com entidades da sociedade civil em relação à legislação de temas de importância para a população brasileira. (LIRA, 2015, p. 73).

O Plebiscito é um direito político e uma das formas de se exercer a soberania

popular, conforme preceitua o art. 14, inc. I, CF/88:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; (BRASIL, 1988).

Outrossim, já na fase legislativa, segundo Lira,

[...] o texto construído – com ou sem participação popular - será submetido para apreciação das Comissões Parlamentares, começando pela Comissão de Constituição e Justiça, a qual terá, como função precípua, um controle prévio da constitucionalidade do projeto de Lei. (LIRA, 2015, p. 73).

Este projeto de Lei, quando já iniciado e formado, irá para a 2ª Casa

Legislativa, a casa revisora, que em um só turno de discussão a aprovará ou a

rejeitará. Em caso de aprovação, o projeto de Lei será devidamente sancionado,

outrossim, em caso de rejeição, o mesmo será arquivado.

O fato é que “se houver emenda ao projeto, faz-se necessária a devolução à

Casa Iniciadora.” (LIRA, 2015, p. 73). Conforme enuncia o art. 66 da Constituição da

República Federativa do Brasil, findo esta fase procedimental, a “Casa na qual tenha

sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que,

aquiescendo, o sancionará.” (BRASIL, 1988).

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Ao chegar nas mãos do Presidente da República tal projeto de Lei, este terá o

prazo de 15 dias para sancionar ou vetar, total ou parcialmente a sua redação. Em

caso de omissão por parte do Chefe do Poder Executivo, o projeto de lei se

considerará sancionado, conforme art. 66, § 3°, da CF. Em caso de veto (total ou

parcial), o projeto de lei deverá retornar às casas do Congresso Nacional, para que,

em sessão conjunta, no prazo de 30 dias a contar do seu recebimento, decida-se

pela manutenção do veto ou não. Vale destacar que para haver a rejeição do veto,

faz-se necessário a deliberação da maioria absoluta dos Deputados e Senadores em

favor de tal decisão.

Conforme art. 7° da Constituição Federal,

[...] Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito horas pelo Presidente da República, nos casos dos § 3º e § 5º, o Presidente do Senado a promulgará, e, se este não o fizer em igual prazo, caberá ao Vice-Presidente do Senado fazê-lo. (BRASIL, 1988).

As quarenta e oito horas referidas no parágrafo anterior se referem a partir da

sanção tácita ou expressa por parte do Presidente da República. Após a sanção e

promulgação, em Diário Oficial da União, o projeto de lei torna-se Lei propriamente

dita, devendo ser ingressada no ordenamento jurídico. Com isso, dá-se o ingresso

na nova fase legislativa, ou seja, como afirma Lira, a fase pós-legislativa. Nesta fase,

pode-se citar o vacatio legis – período de vacância da lei - e o referendo como etapas que acontecem depois da redação final do texto. O vacatio legis é o período em que se inicia da publicação da lei até o momento em que se inicia a sua produção de efeitos, isto é, a vigência. (LIRA, 2015, p. 74).

Todavia, mais especificamente quanto à norma penal, a sua criação é de

responsabilidade e competência da União, como prevê o art. 22, inc. I, da

Constituição Federal:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho. (BRASIL, 1988).

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No entanto, o art. 22, parágrafo único, do mesmo dispositivo legal, assegura

que, “[...] Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões

específicas das matérias relacionadas neste artigo.” (BRASIL, 1988).

Entende-se por questões específicas, por exemplo, uma regra de trânsito de

determinada cidade ou sobre o meio ambiente em alguma região. Desta forma, o

Estado Federado não é competente, nem mesmo subsidiariamente, sobre temas

fundamentais do Direito Penal, como criação de novos tipos penais, crimes

hediondos, excludente de culpabilidade, entre outros.

Para que seja possível a criação da norma penal, precisa-se estar atento e

respeitar alguns princípios básicos norteadores desta matéria que estão

apresentados na nossa Carta Magna de forma explícita ou implícita.

Os princípios explícitos no texto constitucional são a legalidade ou reserva

legal, a anterioridade, retroatividade da lei penal mais benéfica, personalidade ou

da responsabilidade pessoal, individualização da pena e, por fim, humanidade.

Segundo Nucci, o princípio da legalidade ou reserva legal,

Trata-se do fixador do conteúdo das normas penais incriminadoras, ou seja, os tipos penais, mormente os incriminadores, somente podem ser criados através de lei em sentido estrito, emanada do Poder Legislativo, respeitando o procedimento previsto na Constituição. Encontra-se previsto, expressamente, no art. 5°, XXXIX, da CF, bem como no art. 1°. Do Código Penal [...]. (NUCCI, 2009, p. 70).

O princípio da anterioridade está definido no Código Penal em seu art. 1°

como “não há crime sem lei anterior que o defina e nem pena sem prévia cominação

legal.” (BRASIL, 1940). Portanto, para que uma conduta seja considerada crime é

necessário, anteriormente ao fato, a existência de uma lei que assim o defina.

Para Nucci,

De nada adiantaria adotarmos o princípio da legalidade, sem a correspondente anterioridade, pois criar uma lei, após o cometimento do fato, seria totalmente inútil para a segurança que a norma penal deve representar a todos os seus destinatários. O indivíduo somente está protegido contra os abusos do Estado, caso possa ter certeza de que as leis penais são aplicáveis para o futuro, a partir de sua criação, não retroagindo para abranger condutas já realizadas. (NUCCI, 2009, p. 71).

Assim, pode-se entender, obviamente, consubstanciado no citado

anteriormente, que a nova lei somente pode influenciar os fatos ocorridos no

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decorrer da sua vigência, não sendo possível retroagir para prejudicar alguém que

tenha praticado determinado fato anteriormente a sua égide. Todavia, segundo

Nucci,

Abre-se exceção à vedação à irretroatividade quando se trata de lei penal benéfica. Esta pode voltar no tempo para favorecer o agente, ainda que o fato tenha sido decidido por sentença condenatória com trânsito em julgado (art. 5.º, XL, CF; art. 2.º, parágrafo único, CP) [...]. Pode-se denomina-lo, também, como princípio da irretroatividade da norma penal, adotando como regra que a lei penal não poderá retroagir, mas, como exceção, a retroatividade da lei benéfica ao réu ou condenado. (NUCCI, 2009, p. 71).

O principio da personalidade ou da responsabilidade pessoal diz que a norma

jamais deve passar da pessoa do condenado, e impede que terceiros inocentes

sejam responsabilizados por atos que não cometeram. Para Nucci, “a família do

condenado, por exemplo, não deve ser afetada pelo crime cometido. Por isso, prevê

a Constituição, no art. 5º, XLV, que ‘nenhuma pena passará da pessoa do

condenado’.” (NUCCI, 2009, p. 71).

Além disso, a pena deve ser padronizada, segundo o princípio da

individualização da pena, cabendo a cada punido a consequência respectiva a

exatamente àquilo que ele praticou.

Por sua vez, o princípio da humanidade diz que o direito penal deve garantir o

bem-estar social, inclusive o dos condenados. Estes não devem ser marginalizados

ou excluídos da sociedade pelo fato de terem cometido um crime. Para Nucci, por

este motivo,

[...] estipula a Constituição que não haverá penas: a) de morte (exceção feita à época de guerra declarada, conforme previsão dos casos feita no Código Penal Militar); b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis (art.5º, XLVII), bem como que deverá ser assegurado o respeito à integridade física e moral do preso (art. 5, XLIX). (NUCCI, 2009, p. 72).

Serão abordados os princípios implícitos que se dividem em intervenção

mínima ou subsidiariedade, fragmentariedade, culpabilidade, taxatividade,

proporcionalidade e por fim a vedação da dupla punição pelo mesmo fato.

Segundo o citado jurista, intervenção mínima,

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Significa que o Direito Penal não deve interferir em demasia na vida do indivíduo, retirando-lhe a autonomia e liberdade. Afinal, a lei penal não deve ser vista como a primeira opção (prima ratio) do legislador para compor conflitos existentes em sociedade, os quais, pelo atual estágio de desenvolvimento moral e ético da humanidade, sempre estarão presentes. (NUCCI, 2009, p. 72).

A fragmentariedade, por sua vez, significa que o Direito Penal é apenas uma

parcela do todo que é o ordenamento jurídico brasileiro. Portanto, deve se preocupar

apenas com as condutas delituosas mais graves até para que o mesmo não seja

banalizado.

Já o princípio da culpabilidade se refere ao fato de que ninguém será punido

se não agir com dolo ou culpa, ou seja, se tiver a intenção de cometer o crime ou se

o cometeu por imperícia, negligência ou imprudência.

A taxatividade, por seu turno, “significa que as condutas típicas, merecedoras

de punição, devem ser suficientemente claras e bem elaboradas, de modo a não

deixar dúvida por parte do destinatário da norma.” (NUCCI, 2009, p. 75).

Ainda, o principio da proporcionalidade, segundo Nucci, assevera que,

[...] as penas devem ser harmônicas com a gravidade da infração penal cometida, não tendo caimento o exagero, nem tampouco a extrema liberdade na cominação das penas nos tipos penais incriminadores. Não teria sentido punir um furto simples com elevada pena privativa de liberdade, como também não seria admissível punir um homicídio qualificado com a pena de multa. (NUCCI, 2009, p. 76).

Por fim, a vedação da dupla punição pelo mesmo fato, como o próprio nome

já esclarece,

[...] ninguém deve ser processado e punido duas vezes pela prática da mesma infração penal. Tal garantia está prevista implicitamente na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 8º, n. 4). Se não há possibilidade de processar novamente quem já foi absolvido, ainda que surjam novas provas, é lógico que não é admissível punir o agente outra vez pelo mesmo delito. (NUCCI, 2009, p. 76).

Todavia, vale ressaltar que o indivíduo pode ser punido em esferas diferentes

pelo mesmo fato, ou seja, tanto na esfera penal, quanto na cível e administrativa.

Para fins de exemplificação, o agente que comete o delito de estupro, pode ser

sentenciado criminalmente com a pena privativa de liberdade e concomitantemente

condenado a pagar danos morais à vítima na esfera cível.

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2 A (IN)EFICÁCIA DO ATUAL MODELO DE SEGURANÇA PÚBLICA

Este capítulo abordará alguns casos de vingança privada mais famosos

ocorridos no Brasil, bem como as causas e consequências que estes fatos vêm

trazendo à população em geral. Além disso, será abordado o conceito de cada um

dos grupos de vingança privada que hoje imperam no Brasil.

Outrossim, será realizada uma análise da interligação existente entre o medo

coletivo, em aspecto geral, e a responsabilidade da mídia neste contexto social, bem

como a responsabilidade estatal pelo retorno deste fenômeno (vingança privada)

que é oriundo dos primórdios da humanidade.

2.1 O MEDO COMO “COMBUSTÍVEL” PARA A PROPAGAÇÃO DA SENSAÇÃO DE

INSEGURANÇA

Há uma constante alegação da população que as normas penais criadas são

insuficientes para dar conta da violência e da insegurança no dia-a-dia. Isso saiu do

campo das ciências criminais e domina o imaginário popular. Em suma, existe um

desejo do senso comum de que sejam produzidas leis penais mais severas, com

mais condutas tipificadas e mais penas.

Diversos aspectos influenciam para a propagação da sensação de

insegurança no Brasil, entre eles o medo. O medo está presente cada vez mais na

vida e no cotidiano dos brasileiros, seja na fila do caixa eletrônico do Banco, no

supermercado, no aeroporto ou na praia.

Nesse cenário, o Direito Penal é utilizado como instrumento de gestão e

controle social das camadas subalternizadas da sociedade. Com o mundo

globalizado, globalizam-se as inseguranças, incertezas e o próprio medo

populacional. Para Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth,

O processo de globalização e a consequente sociedade de risco que se configura na contemporaneidade propiciam o surgimento de um sentimento generalizado de insegurança diante da imprevisibilidade e da liquidez das relações sociais. A globalização introduz, a cada dia, no catálogo dos riscos e inseguranças, novas e aterradoras formas que eles podem assumir. Paradoxalmente, o aumento da crença de estar habitando um mundo cada vez mais seguro e controlado pela humanidade é inversamente proporcional ao avanço da ciência e da tecnologia. (WERMUTH, p. 26, 2011).

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Para Wermuth, o que se vive hoje é uma sociedade de risco, sendo que,

parafraseando Beck, sustenta o professor brasileiro em sua obra Medo e Direito

Penal que,

O conceito de sociedade de risco, portanto, designa um estágio da modernidade em que começam a tomar corpo as ameaças produzidas até então no caminho da sociedade industrial, impondo-se a necessidade de considerar a questão da autolimitação do desenvolvimento que desencadeou essa sociedade. A potencialização dos riscos da modernização caracteriza, assim, a atual sociedade de risco, que está marcada por ameaças e debilidades que projetam um futuro incerto. (BECK, 1998 apud WERMUTH, 2011, p. 26).

Ainda, conforme este doutrinador, a modernidade está dividida em duas

fases, duas gerações (WERMUTH, 2011). A primeira corresponde à figura do

surgimento dos Estados-nação, em que as relações se dão em âmbito territorial; já a

segunda geração é a consequência dos acontecimentos imprevistos originados na

primeira geração, tal como a crise ecológica, que rompe as fronteiras territoriais dos

estados e afeta toda a coletividade mundial.

Neste sentido,

Os riscos da contemporaneidade são definidos por Bach (1998) como “riscos da modernização”, que diferenciam dos riscos e perigos da Idade Média justamente pela globalidade de sua ameaça e por serem produto da maquinaria do progresso industrial. Ademais, é intrínseco a esses “novos riscos” um componente futuro, ou seja, relacionado com uma previsão de uma destruição/catástrofe que ainda não ocorreu, mas que se revela iminente. (WERMUTH, 2011, p. 27).

Ao contrário dos riscos que podem ser contabilizados, as incertezas se

expandem e se perpetuam na medida em que se distanciam dos indivíduos. Como

consequência dessas incertezas nunca se teve tanto medo como nos dias atuais,

para Wermuth,

[...] podem vazar de qualquer canto ou fresta de nossos lares e de nosso planeta. Das ruas escuras ou das telas luminosas dos televisores. De nossos quartos e de nossas cozinhas. De nossos locais de trabalho e do metrô que tomamos para ir e voltar. De pessoas que encontramos e de pessoas que não conseguimos perceber. De algo que ingerimos e de algo com o qual nossos corpos entram em contato. Do que chamamos “natureza” (pronta, como dificilmente antes em nossa memória, a devastar nossos lares e empregos e ameaçando destruir nossos corpos com a proliferação de terremotos, inundações, furacões, deslizamentos, secas e ondas de calor) ou de outras pessoas (prontas, como dificilmente antes em

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nossa memória, a devastar nossos lares e nossos empregos e ameaçando destruir nossos corpos com a súbita abundância de atrocidades terroristas, crimes violentos, agressões sexuais, comida envenenada, água ou ar poluídos). (BAUMAN 2008, p 11 apud WERMUTH, 2011, p. 29).

Novos perigos são anunciados diariamente, tanto em possíveis teorias da

conspiração como em supostos frustrados atentados terroristas, novos vírus e

superbactérias, bem como doenças psicológicas, invisíveis, silenciosas e ao mesmo

tempo letais. Vive-se em um constante “pisar em ovos”, em um labirinto ou espécie

de corda bamba em que qualquer passo em falso pode ser fatal e incorrigível.

Como assevera Wermuth,

Como consequência inafastável dos cada vez mais fortes sentimentos de insegurança e medo na sociedade contemporânea, tem-se o aumento da preocupação com as novas formas de criminalidade que se apresentam nesta realidade, notadamente, as relacionadas ao crime organizado e ao terrorismo, sendo os atentados terroristas ocorridos em Nova Iorque em setembro de 2001 considerados como estopim dessa nova doxa do medo, uma vez que expuseram ao mundo a sua própria fragilidade. (WERMUTH, 2011, p. 29).

Frente a esse contexto de medo e riscos cada vez maiores e mais

perturbadores, o clamor social anseia por uma salvação, algo que a proteja e lhe de

segurança, e colocam as suas esperanças no Direito Penal e nas instituições do

sistema punitivo. Acredita-se que o Direito Penal é mais eficaz “na prevenção aos

novos tipos delitivos do que medidas de política social ou econômica, ou, ainda, de

medidas decorrentes da intervenção do Direito Civil ou Administrativo.” (WERMUTH,

2011, p. 31).

Nas palavras de Wermuth,

A política criminal que se apresenta no sentido de dar resposta aos riscos da sociedade contemporânea possui alguns traços característicos que são sintetizados por Díez Ripollés (2007, p. 134-135) em: a) uma considerável ampliação dos âmbitos sociais passíveis de intervenção penal, a qual passa a abarcar tanto as novas realidades sociais problemáticas quanto as realidades preexistentes cuja vulnerabilidade é potencializada; b) uma significativa transformação dos objetivos e do campo de atuação da política criminal, que passa a de preocupar majoritariamente com a criminalidade dos poderosos, únicos capazes de desenvolver as novas formas delitivas e que até então dificilmente entravam em contato com o sistema punitivo; c) a proeminência que é dada à intervenção punitiva em detrimento de outros instrumentos de controle social; d) a necessidade de “adequar” os conteúdos do Direito Penal e Processual Penal às dificuldades ínsitas à persecução às novas formas assumidas pela criminalidade, o que perpassa por um processo de “atualização” dos instrumentos punitivos no sentido de

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torna-los mais eficazes. (RIPOLLÉS, 2007, p 134-135 apud WERMUTH, 2011, p. 32).

Assim, o Direito Penal se torna cada vez mais necessário e esparso, e se

firma como uma espécie de arma contra o medo. Para Wermuth é possível destacar

algumas características deste novo paradigma assumido pelo Direito Penal

A primeira dessas características é uma maior identificação/solidarização da coletividade com as vítimas, em decorrência do medo de tornar-se uma delas. Com isso, deixa-se de ver o Direito Penal um instrumento de defesa dos cidadãos em face do arbítrio punitivo estatal – ou seja, como Magna Carta do delinquente - e passa-se a percebê-lo como Magna Carta da vítima, o que redunda em um consenso restritivo quanto aos riscos permitidos, dado que o sujeito que se considera enquanto vítima potencial de um delito não aceita a consideração de determinados riscos como permitidos. Isso resulta em uma definição social-discursiva expansiva do âmbito de incidência do Direito Penal, visto que a identificação social com as vítimas da criminalidade implica a reivindicação por maior eficiência na sua aplicação e/ou na reparação dos efeitos do delito. (SÁNCHEZ, 1999 apud WERMUTH, 2011, p. 32).

Por conseguinte, afirma o referido autor que,

Uma segunda característica, decorrente da anterior, é a politização do Direito Penal por meio da utilização política da noção de segurança, resultado de um empobrecimento ou simplificação do discurso político-criminal, que passa a ser orientado tão somente por campanhas eleitorais que oscilam ao sabor das demandas conjunturais midiáticas e populistas, em detrimento de programas efetivamente emancipatórios. (CEPEDA, 2007 apud WERMUTH, 2011, p. 32).

Além disso, outra forte preocupação do Direito Penal acaba sendo a

necessidade de evitar que os riscos se tornem realmente situações concretas.

Surgem novas Leis como forma de prevenir esses supostos futuros acontecimentos,

além de servir como uma resposta política para a população frente aos medos que

assombram o seu dia-a-dia.

Concomitante a isso, segundo Wermuth,

[...] verifica-se um desapreço cada vez maior pelas formalidades e garantias penais e processuais penais características do Direito Penal liberal, que passam a ser considerados como “obstáculos” à eficiência que se espera do sistema punitivo diante da insegurança da contemporaneidade. (WERMUTH, 2011, p. 35).

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Além do mais, “verifica-se um processo de flexibilização das garantias

político-criminais materiais e processuais, mediante o desrespeito ao princípio da

legalidade penal.” (WERMUTH, 2011, p. 35).

Em meio a esse cenário atual,

O contexto social no qual se produzem os novos sentimentos de insegurança e consequente expansão do Direito Penal coincide com o desmantelamento do Estado de Bem-Estar, que redunda em sua desigualdade social que cada vez mais se agudiza. O processo de globalização coloca-se como o contraponto das políticas de Welfare State, visto que representa uma lógica altamente concentradora, responsável pela exclusão de grandes contingentes populacionais do mundo econômico, pelo desemprego e pela precarização do mercado de trabalho. (WERMUTH, 2011, p. 36).

Portanto, torna-se incontestável a influência do medo populacional, promovido

grande parte pelas mídias de comunicação em geral, frente às leis penais.

2.2 A MÍDIA E A PRESSÃO POPULAR COMO CLAMOR DE NOVAS LEIS PENAIS

MAIS SEVERAS

A sociedade globalizada e cada vez mais conectada caracteriza-se pela

dependência e total influência dos meios de comunicação em massa no processo de

formação intelectual dos mais variados assuntos.

Na sociedade de consumo contemporânea, “os meios de comunicação são

utilizados como mecanismos para fomentar crenças, culturas e valores, de forma a

sustentar os interesses – invariavelmente mercadológicos – que representam.”

(WERMUTH, 2011, p. 44).

Desta forma, inexiste a obrigatoriedade da informação, da notícia, ser/estar

realmente vinculada com a realidade fática. Algo que ocorrera aleatoriamente é

levado em consideração como se a regra fosse enganar e mascarar a realidade,

persuadindo e manipulando aqueles que são atingidos pela divulgação midiática.

Assim, para Wermuth, a mídia – e em especial a televisão – acaba por

“ocultar mostrando”, ou seja,

Mostrando uma coisa diferente do que seria preciso mostrar caso se fizesse o que supostamente se faz, isto é, informar; ou ainda mostrando o que é preciso mostrar, mas de tal maneira que não é mostrado ou se torna

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insignificante, ou construindo-o de tal maneira que adquire um sentido que não corresponde absolutamente à realidade. (BOURDIEU, 1997, p. 24 apud WERMUTH, 2011, p. 46).

Com isso, adentra-se em um momento de incertezas e inconfiabilidade, uma

vez que não se sabe a fundo, e com certeza, naquilo que se pode confiar, ou seja, a

real credibilidade que podemos depositar à informação que chega até nós.

A única responsabilidade e preocupação por parte dos meios de comunicação

em massa é com a sua popularidade e aumento de níveis de audiência.

Consequentemente, para Wermuth,

O perigo decorrente disso é justamente o fato de que a mídia de massa impõe ao conjunto da sociedade uma forma bastante peculiar de enxergar os “problemas sociais”, fruto de uma lógica mercadológica que busca, a todo custo, a audiência, ou seja, o sucesso comercial. (WERMUTH, 2011, p.47).

A potencialização desse perigo vem do poder que a mídia tem de atingir uma

grande massa de espectadores, facilitando a mobilização e o consenso comum em

detrimento de uma única causa. Assim, para Wermuth, a mídia pode

[...] fazer existir idéias ou representações, mas também grupos. As variedades, os incidentes ou os acidentes cotidianos podem estar carregados de implicações políticas, éticas etc. capazes de desencadear sentimentos fortes, frequentemente negativos, como o racismo, a xenofobia, o medo-ódio do estrangeiro, e a simples narrativa, o fato de relatar, to record, como repórter, implica sempre uma construção social da realidade capaz de exercer efeitos sociais de mobilização (ou de desmobilização). (BOURDIEU, 1997, p. 28 apud WERMUTH, 2011, p. 47).

Com os interesses unicamente mercadológicos, lucrativos e rentáveis, a mídia

distorce realidades ou dá ênfase a eventos excepcionais, cria regras paradigmáticas

e aumenta os níveis de insegurança e medo do público alvo, a sociedade em geral.

Para Wermuth,

Desencadeiam-se, assim, campanhas midiáticas de “lei e ordem” inspiradas no modelo norte-americano que se utilizam de fatores como a invenção da realidade – por meio de estatísticas falaciosas e do aumento do tempo do espaço publicitário de dedicado aos fatos relacionados ao crime-, a criação de profecias que se autorrealizam - por meio de slogans como “a impunidade é a regra”, “os presos entram por uma porta e saem por outra” – e a produção de indignação moral para reforçar os argumentos em prol da necessidade de cada vez mais segurança. (ZAFFARONI, 2011 apud WERMUTH, 2011, p. 48).

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Ao parafrasear e citar as dizeres da análise de Wacquant quanto ao processo

de influência dos meios de comunicação de massa na formação da opinião pública

acerca da criminalidade na França, Wermuth o reaproveita para fins de ilustração do

mesmo processo no Brasil, por se aproximar da forma com ele acontece no país

Europeu, assim,

O jornal das 20 horas transmudou-se em crônica dos noticiários judiciais, que parecem subitamente formigar e ameaçar em toda parte; lá, um professor pedófilo; aqui, uma criança assassinada; mais adiante, um ônibus depredado. Os programas especiais se multiplicam nos horários nobres, como esta edição de “Ça peut vous arriver”, a qual, sob a rubrica das “violências escolares”, desfia a trágica história de um guri que se suicidou após uma chantagem, molecagem de pátio de escola primária, caso totalmente aberrante mas prontamente erigido a paradigma para as necessidades da audiência. As revistas semanais regurgitam reportagens que revelam “as verdadeiras cifras”, as “notícias secretas” e outros “relatórios exclusivos” sobre a delinquência, em que o sensacionalismo compete com o moralismo, sem esquecer-se de entabular os “conselhos práticos” indispensáveis para fazer face aos perigos decretados, onipresentes e multiformes. (WACQUANT, 2004, p. 229, 230 apud WERMUTH, 2011, p. 49).

No Brasil, segundo Wermuth (2011), o caso Isabela Nardoni ganhou o país e

o mundo por meio da mídia de massa nacional, caso este em que uma menina foi

violentamente assassinada pelo pai e pela madrasta passou a ser visto como um

crime cotidiano no Brasil, mesmo que isso seja contrário à realidade, mascara a

verdade e persuadis o público em geral, sempre como objetivo o medo e a

insegurança social. Mesmo contrário à realidade atual, o caso ficou sendo noticiado

e debatido por mais de dois meses, serve de espetáculo midiático marcado pelas

pressões populares por clamor de justiça (leia-se vingança contra o pai e a

madrasta).

Nesta premissa, há uma forte competitividade entre as empresas privadas

responsáveis pelas telecomunicações e noticiários diversos no Brasil, com a ideia de

que o que vale é a audiência e a popularidade da informação difundida, sendo que,

caso não siga o fluxo desta ordem já pré-existente, corre o sério risco de ser

considerada estigmatizada como antiquada ou fora de lugar, perde assim espaço

publicitário.

Assim sendo, não há empecilhos frente a este fluxo,

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Não há debate, não há atrito: todo e qualquer discurso legitimamente da pena é aceito e imediatamente incorporado à massa argumentativa dos editoriais e das crônicas. Pouco importa o fracasso histórico real de todos os preventivismos capazes de serem submetidos à constatação empírica, como pouco importa o fato de um retribucionismo puro, se é que existiu, não passar de um ato de fé. (BATISTA, 2009, p. 4 apud WERMUTH, 2011, p. 50).

Ainda neste raciocínio,

Essa “vagueza” de respaldo teórico do discurso midiático sobre a criminalidade é suprimida pela opinião dos especialistas ad hoc que, diante de um determinado caso concreto transforma-se, da noite para o dia, em autoridades no assunto. Zaffaroni (2007) identifica essa ”publicidade” do sistema penal com a publicidade de determinados analgésicos: em ambos os casos, utiliza-se os especialistas ou atores para cumprir com o papel de dar credibilidade àquilo que se expõe. Reveste-se, assim, o discurso leviano da mídia com a autoridade dos especialistas, credenciados pelo exercício profissional, pela academia, pela ocupação de um cargo público ou até mesmo por um episódio de vida privada, no caso das vítimas que são chamadas – e instrumentalizadas - a contribuírem com o caso a partir das suas “experiências pessoais”. (WERMUTH, 2011, p. 51).

Obviamente, para que esta estratégia funcione perfeitamente, o discurso do

ator ou especialista deve ser concorde o discurso da mídia. Os destinatários, por sua

vez, não podem discordar, uma vez que não há diálogo ou discurso entre o

transmissor e o receptor.

A utilização desse processo de informação e cabresteamento, utiliza a

mercadoria do medo da criminalidade e a incessante busca do recrudescimento

punitivo é responsável, não raro,

[...] por julgamentos que só serão posteriormente ratificados pelo Judiciário, salvo nos casos em que o alarde midiático e a demonização daquele que foi escolhido na ocasião para representar a personificação do mal são tão incisivos que transformam o julgamento midiático em definitivo, por meio de execuções privadas, levadas a cabo por quem entrará para a história como “justiceiro”. (WERMUTH, 2011, p. 52).

Mais uma das consequências da proliferação do medo da criminalidade nas

massas é a influência da mídia na política, ocasionando a elaboração de legislações

“que atendendo aos clamores midiáticos, cada vez mais alargam o âmbito de

interferência do Direito Penal na vida social, bem como incrementam o seu rigor na

tentativa de tranquilizar a alarmada população.” (WERMUTH, 2011, p. 52). Isso

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proporciona, supostamente, uma maior segurança por meio da atuação do sistema

punitivo cada vez mais presente no dia a dia contemporâneo.

2.3 O DESCRÉDITO DA NORMA PENAL A PARTIR DO FRACASSO EM

EXECUÇÃO PENAL

Inúmeros são os fatores que contribuem para o descrédito da norma penal no

Brasil, dentre eles, a sensação de insegurança e de injustiça, a falta de políticas

públicas eficazes para que desmotive a iniciativa criminal, a falta de acesso à cultura

e educação, a falta de emprego e salário digno, entre outras.

Contudo, aborda-se neste momento, a finalidade da existência das prisões no

Brasil, bem como, ainda que breve, como é o seu funcionamento e, por fim, se a

norma penal e o sistema penitenciário brasileiro alcançam o seu objetivo final, a

ressocialização dos apenados e a volta à convivência na sociedade.

No Brasil, segundo Luís Francisco Carvalho Filho (2008), o sistema

penitenciário teve início em 1551, na Bahia, onde se instalou a primeira prisão.

Nesta época a prisão servia para recolher desordeiros, fugitivos, rebeldes, escravos,

etc. A superlotação era uma realidade das prisões, pois os presos dispunham de

uma área de 0,60 metros por 1,20 metros.

No ano de 1821, segundo o citado doutrinador, Dom Pedro I determina que as

prisões existam para manter as pessoas encarceradas e não para adoecê-las ou

infectá-las.

Com a edição da Constituição de 1824, Carvalho Filho afirma que,

[...] ocorreram algumas mudanças significativas para a época. Foi abolido o açoite para os escravos, a tortura, a marca de ferro além de outras penas cruéis e costumes de tratamentos antigos com relação aos presos. Em 1830 foi instituída pena privativa de liberdade, ficando a pena de morte, prevista para mais de setenta crimes, reservada apenas para os crimes considerados mais graves como homicídio, latrocínio e insurreição de escravos. As medidas buscavam tornar as prisões ou cadeias como eram conhecidas mais adequadas às suas finalidades, ou seja, mais seguras, limpas, arejadas, e com uma triagem dos réus conforme a natureza e circunstâncias dos crimes cometidos. (CARVALHO FILHO, 2008, p. 37).

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Porém, aquilo que era previsto para as prisões em nada se coincidiam com a

realidade aplicada, as prisões eram imundas, pestilentas, ar infecto, os presos eram

tratados com desumanidade e desprezo.

O desenvolvimento penitenciário se manteve nessa constante, pois, para

Carvalho Filho,

Ao longo do período do Império, começou-se a formar uma cultura sobre a questão penitenciária. Percebia-se que o país não vinha tratando adequadamente a questão penitenciária. Buscaram-se, então, maiores informações sobre o funcionamento do sistema em outros países. O Brasil enviou comissões de juristas e funcionários para a Europa e para os Estados Unidos, para as chamadas nações adiantadas a fim de verificar como essas nações tratavam de suas questões penitenciárias. Cogitou-se a criação de colônias penais marítimas, agrícolas e industriais. Havia falta de espaço e chegou-se a mandar presos para a ilha de Fernando de Noronha, porém as condições do local eram péssimas e os presos viviam em absoluta miséria. (CARVALHO FILHO, 2008, p. 40).

Houveram outras tentativas de criação de Lei específica que tratam do tema,

porém não saíram do papel, e as que foram aprovadas não refletiam o que

acontecia na prática, ou seja, completamente diferente da realidade.

Com a necessidade de melhores condições penitenciárias, surge no país a

obrigação de criação de um código penitenciário. Ocorreram inúmeras tentativas,

mas foi no ano de 1984 que ocorrera a criação da Lei nº 7.210, de 11 de julho de

1984, a Lei de Execução Penal (LEP), que regulamenta a forma como tem que se

dar a execução da pena por parte do condenado após o trânsito em julgado da

decisão de Magistrado. Portanto, a legislação específica com relação à questão

penitenciária é bastante recente no Brasil.

A Lei de Execução Penal prevê o direito de punir do Estado e a forma com

que esta punição deve se dar, bem como, objetiva a reinserção do apenado na

sociedade e a sua ressocialização.

A LEP, em seus art. 82 a 86 estabelece, dentre outras coisas, a forma de

funcionamento dos estabelecimentos penitenciários:

Art. 83. O estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva. § 1º Haverá instalação destinada a estágio de estudantes universitários. (Renumerado pela Lei nº 9.046, de 1995) § 2

o Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de

berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive

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amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade. (Redação dada pela Lei nº 11.942, de 2009) § 4

o Serão instaladas salas de aulas destinadas a cursos do ensino básico

e profissionalizante. (Incluído pela Lei nº 12.245, de 2010) Art. 84. O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado. Art. 85. O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade. Parágrafo único. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária determinará o limite máximo de capacidade do estabelecimento, atendendo a sua natureza e peculiaridades. Art. 86. As penas privativas de liberdade aplicadas pela Justiça de uma Unidade Federativa podem ser executadas em outra unidade, em estabelecimento local ou da União. (BRASIL, 1984).

Apesar de o sistema penitenciário estar muito bem planejado na Lei de

Execuções Penais, na realidade ele não funciona bem assim. São inúmeros os

problemas enfrentados ao longo da história brasileira e parece não haver prazo de

validade, ou seja, não tem uma solução à vista. Neste sentido, Renato Marcão aduz

que o Estado

Não disponibiliza estabelecimentos em números suficientes para o cumprimento da pena nos regimes fechado, semi-aberto e aberto; não separa presos provisórios de presos definitivos; permite que o Centro de Observações seja letra morta (LEP, arts. 96 a 98), e que a ausência de Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico proporcione diuturna violação de direitos fundamentais. (MARCÃO, 2013).

Quando se analisa a situação penitenciária brasileira, Rafael Damasceno de

Assis, citado indiretamente por Nelmo José Pies, em sua monografia de conclusão

de curso, reporta-se a cinco pontos que, segundo ele, representam as principais

adversidades do atual sistema. Segundo o autor,

[...] o primeiro deles diz respeito aos graves problemas de saúde no sistema penitenciário. A superlotação das celas, seus ambientes precários e insalubres tornam as prisões um ambiente propício à disseminação de epidemias e ao contágio de doenças. Além desses fatores que incidem diretamente na saúde dos presos e contribuem de sobremaneira na fragilização do estado de saúde dos apenados, há, ainda, má-alimentação, sedentarismo, uso de drogas, falta de higiene, promiscuidade, violência sexual e homossexualismo. Pesquisas estimam em vinte por cento o índice de infectados por HIV, além de serem comuns doenças respiratórias, como, pneumonias e tuberculose. (ASSIS, 2007, p. 75 apud PIES, 2012, p. 20).

A segunda variável apontada pelo autor se refere às agressões e castigos

que o apenado sofre no interior das penitenciárias, tanto pelos agentes

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penitenciários como pelos próprios presidiários. Ocorrem brigas e disputas entre

membros de facções adversas, sendo que, não raras vezes, entram em vias de fato

ou, até mesmo, condutas mais gravosas como lesões corporais e homicídios

ocorridas no interior das celas. (ASSIS, 2007, p. 75 apud PIES, 2012, p. 20).

Já o terceiro ponto relevante consiste nas

[...] rebeliões e fugas, que, segundo o autor, são consequência dos demais fatores negativos já elencados nos itens anteriores, combinados com a falta de trabalho. As rebeliões e fugas nada mais são do que uma forma de alertar as autoridades sobre a situação subumana a que são submetidos os apenados em nossos estabelecimentos prisionais. (ASSIS, 2007, p. 75 apud PIES, 2012, p. 21).

O quarto ponto trazido por Pies (2012) diz respeito à política prisional do País,

que, segundo ele, está falida, com escasso investimento estatal, muito pelo fato de

que os presidiários não votam para eleger os seus governantes políticos e estão à

margem da sociedade em geral, não resta qualquer interesse nos representantes

eleitos pelo povo do legislativo e executivo. Até porque, em um país em que falta

recursos para saúde, educação, transporte público, infra estrutura, para muitos, o

menor dos problemas e o último lugar a se pensar em investimentos é nos presídios.

Como quinto e último aspecto relevante da atual situação carcerária brasileira,

Assis aponta a

[...] reincidência do egresso como consequência da ineficácia da ressocialização do sistema penitenciário. Destaca que a pena privativa de liberdade se revelou ineficaz e que, embora não se tenha números oficiais, calcula-se, no Brasil, em média, noventa por cento dos egressos do sistema voltam a delinquir e retornam ao sistema novamente. Finaliza sua dissertação ressaltando a importância da conscientização das autoridades e da sociedade com relação à reincidência e uma mudança política de apoio ao egresso, efetivando os direitos previstos na Lei de Execução Penal, caso contrário, o egresso desamparado de hoje continuará reincidindo no crime e alimentando o sistema penal. (ASSIS, 2007, p. 77, 78 apud PIES, 2012, p. 21).

Neste viés, o sistema prisional brasileiro serve apenas para afastar o

indivíduo transgressor do seio a sociedade, ainda que provisoriamente, uma vez que

não consegue proporcionar meios para que o condenado melhore e se ressocialize

ao retornar ao convívio social.

Marcos Rolim afirma que

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O Brasil, como a grande maioria dos países latino-americanos, assiste imobilizado ao desenvolvimento de uma crise crônica no sistema penitenciário. Especialmente nesta última década, os indicadores demonstram de maneira inconteste um agravamento extraordinário dos problemas já muito antigos, como a superlotação, à escalada da violência entre os internos, as praticas de abusos, maus tratos, torturas sobre eles, e a inexistência de garantias mínimas aos condenados e o desrespeito sistemático e institucional à legislação ordinária e aos princípios dos direitos humanos. (ROLIM, 2007, p. 96).

As precárias condições das prisões brasileiras tendem a tornar o condenado

cada vez mais voltado à criminalidade, tendo contato com presidiários responsáveis

pelos mais variados delitos, sendo uma verdadeira escola do crime.

Segundo Rolim,

[...] A grande maioria das instituições prisionais brasileiras reproduzem uma estrutura pela qual as celas estão dispostas em “galerias”. Temos, assim, invariavelmente, longos corredores com celas lado a lado, isolados por grades de acesso. Este modelo impede a vigilância e terminou sendo funcional à criação do instituto legal das prisões coletivas. Assim, por conta da superlotação carcerária, muitos presídios viram-se na contingência de terem os corredores das galerias e todas as demais dependências ali existentes transformadas em “alojamentos” [...] O resultado tem sido a experiência de contenção de 200, 300 ou mesmo mais presos, em um espaço de encarceramento coletivo. (ROLIM, 2007, p. 104).

Outro elemento importante presente nas penitenciárias do país e citado por

Rolim diz respeito à invisibilidade do que acontece dentro dos presídios para com o

restante da sociedade e que se torna visível aos olhos da sociedade em momentos

de crise e de rebeliões. Para o autor,

Os presídios são espaços onde, a rigor, não penetra a “luz pública”. Seu cotidiano, os fatos que ali sucedem e o drama vivido pelos que vivem e pelos que ali trabalham parecem não dizer respeito à sociedade e permanecem, via de regra, imersos em uma profunda obscuridade. Esta circunstância especial de isolamento, só é quebrada em momentos de crises agudas como nas rebeliões, estimula e protege o que há de pior na agencia humana. (ROLIM, 2007, p. 105, 106).

Como citado pelo autor, percebe-se que os problemas das penitenciárias

brasileiras, e do sistema prisional como um todo, tornam-se visíveis aos olhos da

sociedade brasileira somente em momentos de rebelião, crises institucionais e

brigas generalizadas, o que estimula cada vez mais a ocorrência destas

manifestações, uma vez que, só assim, os excluídos da sociedade (presos) são

ouvidos e levados em consideração.

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Nucci, fala das precárias condições da execução penal brasileira, disserta que

dificilmente o sistema penitenciário brasileiro recuperará alguém, sendo que

A lotação do presídio deve ser compatível com a estrutura e finalidade [...]. Se não houver investimento efetivo para aumento do número de vagas, respeitada as condições estabelecidas na Lei de execução Penal [...] nada de útil se poderá esperar do processo de recuperação do condenado. Na verdade, quando o presídio está superlotado a ressocialização torna-se muito mais difícil, dependente quase que exclusivamente da boa vontade individual de cada sentenciado. (NUCCI, 2009, p. 1032).

Além do exposto até o momento, a dignidade da pessoa humana, direito

fundamental previsto na Constituição Federal e na Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão, não vem de forma alguma sendo respeitada e tendo o seu

devido valor levado em consideração. Para Ingo Wolfgang Sarlet,

A dignidade vem sendo considerada (mesmo que para muitos e mesmo que não exclusivamente) qualidade intrínseca e indissociável de todo e qualquer ser humano e certo de que a destruição de um implicaria a destruição do outro, e que o respeito e a proteção da dignidade da pessoa (de cada uma e de todas as pessoas) constituem-se (ou, ao menos, assim o deveriam) em meta permanente da humanidade, do Estado e do Direito. (SARLET, 2012, p.31).

Neste sentido, ao relatar os acontecimentos no interior do sistema prisional

brasileiro e a sua afronta à dignidade da pessoa humana, Andrea Almeida Torres diz

que,

O grau de violações dos direitos humanos da população carcerária que está no sistema de segurança pública é significativamente maior. Dado que estas carceragens não se prestam para o cumprimento da pena, os presos ficam desassistidos em suas necessidades básicas: material, saúde, condições de higiene, educação, trabalho, assistência jurídica, banhos de sol e alimentação adequada, não tendo condições mínimas de habitabilidade e conveniência. Na maioria das cadeias, homens e mulheres estão confinados em péssimas instalações, em condições insalubres, expostos a inúmeras moléstias de contágio contínuo, além de estarem submetidos à situação de violência, corrupção e arbitrariedade por parte dos agentes de segurança do Estado. (TORRES, 2001, p. 82).

Por outro lado, há uma preocupação da Lei de Execução Penal quanto ao

retorno do apenado à sociedade, como se afere pelo teor do art. 25 da Lei nº

7.210/84, Lei de Execução Penal, o qual prevê que:

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Art. 25. A assistência ao egresso consiste: I - na orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade; II - na concessão, se necessário, de alojamento e alimentação, em estabelecimento adequado, pelo prazo de 2 (dois) meses. Parágrafo único. O prazo estabelecido no inciso II poderá ser prorrogado uma única vez, comprovado, por declaração do assistente social, o empenho na obtenção de emprego. (BRASIL, 1984).

A problemática do sistema carcerário parece não ter fim. O caos da execução

penal é assunto de domínio público, mas tudo graças ao trabalho realizado por

doutrinadores, juízes, promotores, advogados e integrantes da sociedade civil.

Todavia, não é comum existir produções bibliográficas por quem vive a execução

penal do lado pior: o preso.

Nesse sentido, a pesquisa buscou apresentar uma perspectiva da vida

prisional a partir de uma obra de um apenado, intitulada “A Vida Atrás das Grades”,

do preso Roque Marcelo dos Santos - ano de 2014, quando citado livro fora escrito,

era detento do Presídio Estadual de Três Passos-RS -, com o objetivo de mostrar os

relatos deste apenado em relação à matéria que esta sendo estudada no momento,

a situação das penitenciárias brasileiras, neste caso, mais especificamente, na

região noroeste do Rio Grande do Sul.

Pois bem, inicialmente, Roque Marcelo dos Santos apresenta a primeira

impressão que muitos condenados têm ao entrar em contato a primeira vez com a

penitenciária, relata que,

[...] naquele dia estava eu lá numa cela fria, com estrutura que mais parecia uma masmorra medieval, uma cama com uns três colchões e cobertas sujas, num espaço de 8 metros quadrados, lugar úmido, com vaso sanitário entupido, que exalava um cheiro insuportável, lá estava eu, sozinho, jogado pior que um lixo. (SANTOS, 2014, p. 07).

Como abordado anteriormente, um dos motivos do fracasso da execução

penal está na violência a que os presos estão submetidos diariamente. Como revela

Santos, em uma manhã no Presídio Estadual de Três Passos, houve

desentendimentos entre apenados, razão pela qual três detentos agrediram outro,

resulta em lesão corporal grave. Segundo o citado autor,

A vítima encontrava-se lá no chão, toda ensanguentada, sem saber o que fazer. Confesso que achei que estava morto, pois sua camisa que era branca estava vermelha. Os agressores neste momento se aproximaram de mim e disseram que eu não deveria ajudar a vítima e que se alguém me

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perguntasse a respeito do fato era pra dizer que não vi e não sabia de nada, a tal lei do silêncio que reina no cárcere. (SANTOS, 2014, p. 09).

Outro fato que infelizmente acontece nos presídios do país, e que fora

relatado pelo autor em seu livro, se refere ao consumo de drogas ilícitas no interior

das penitenciárias, já que, além do mal que causa aos seus usuários, conforme

apresenta Santos,

A droga faz coisas na vida das pessoas que nem imaginamos. Só para ilustrar, num outro dia escutei um detento falando no telefone com seus filhos, dizia ele que recebeu o pecúlio (benefício que o detento recebe durante ou no final de sua pena, caso tenha realizado alguma atividade laboral no cárcere). Não sei precisar o valor que havia recebido, sei apenas que estava guardando o montante para repassar a família no dia da visita, para que pudessem comprar vestuário, calçados, alimentos, material escolar para as crianças. Mas no dia anterior a visita, mais precisamente à noite, esta pessoa utilizou todo o dinheiro do pecúlio para adquirir algumas pedrinhas de crack. Fumou-as na minha frente em curto espaço de tempo, lembro que aquela substância tinha um cheiro muito repugnante. (SANTOS, 2014, p. 10).

Ainda neste sentido, enquanto o companheiro de cela queimava o seu pecúlio

com o crack, Santos relata que tentou

disfarçar, fazer de conta que não estava nem aí, mas estava apavorado e preocupado. Não sabia a reação de um drogado após fazer uso daquela substância. Era tarde da noite deitei na cama e fiquei embaixo das cobertas. Noite fria de agosto de 2010, o rádio tocava com som muito alto, a luz acesa e muitas conversas aconteciam, era uma confusão, enfim, eram “dias de droga na galeria”, sempre eram assim. (SANTOS, 2014, p. 10, 11).

Quanto à forma de deslocamento e passagem de drogas de uma cela a outra,

Santos esclarece que os presidiários utilizavam produtos artesanais para tal

finalidade, bem como para o deslocamento do dinheiro para o devido pagamento.

Ainda, quando obtidas, as tais substâncias eram consumidas misturadas a cinzas de

cigarro. (SANTOS, 2014).

Outro problema anteriormente relatado e que agora é apresentado na prática

por Santos se refere à superlotação dos presídios, pois, segundo ele,

A vida foi muito difícil na época da superlotação [...]. No pátio, todos os dias ouviam-se conversas de presos que falavam de fazer uma rebelião para chamar a atenção do juiz de modo que fosse resolver aquela situação de superlotação. Foram dias de conversas, até que ficou combinado entre

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todos os presos do regime fechado das duas galerias, que no próximo dia de visitas seria o dia do motim. (SANTOS, 2014, p. 11).

Fica evidente que as rebeliões e tentativas de fuga buscam chamar a atenção

da justiça, e de toda a sociedade em geral, frente à tamanha despreocupação com

relação aos direito humanos.

Quanto ao índice de reincidência após o livramento da prisão e reinserção na

sociedade, Santos desabafa que

Nossos familiares não fazem a mínima ideia do que é a vida atrás das grades, talvez até você que está lendo esse livro não faça, mas se você acredita em mudança, muito em, eu que convivi com presos de alta periculosidade, afirmo e é triste dizer, mas 70 % dos presos não mudam e nem se quer pensam em mudar. Diariamente ouço histórias de roubos, planos de assalto, de homicídio, tráfico. Aqui é uma escola do crime, o que a pessoa não sabe, aprende, mas quem quer mudança consegue, com a ajuda de Deus e das pessoas dispostas a ajudar tornar-se possível. (SANTOS, 2014, p. 23, 24).

Com a finalidade de exemplificar ainda mais o que fora relatado pelo autor

anteriormente, faz-se uma ilação com as notícias de outros estabelecimentos

carcerários dentro do Brasil, como por exemplo, alguns fatos envolvendo o Presídio

de Pedrinhas, localizado no Estado do Maranhão, a Casa de Detenção Carandiru,

localizada no Estado de São Paulo, bem como o Presídio Central de Porto Alegre,

no Rio Grande do Sul, que deixam cada vez mais evidente o fato das penitenciárias

brasileiras não conseguirem cumprir o que especifica a Lei de Execuções Penais.

No Presídio de Pedrinhas, segundo site do G1 Maranhão, após o

desentendimento entre 6 (seis) presos, um deles acabou sendo torturado,

condenado a morte a facadas, e logo após esquartejado, tendo o seu fígado

arrancado e servido de alimentação para os demais.

Segundo reportagem noticiada no mencionado site,

[...] os fatos aconteceram em dezembro de 2013, na Cela 1, Bloco C do Presídio São Luís 2 (PSL 2), uma das oito casas que formam o Complexo Penitenciário de Pedrinhas. A unidade abriga presos que cumprem penas pelos crimes em regime fechado. O caso macabro só veio à tona porque uma autoridade policial (não identificada no processo) que investigava homicídios em presídios encontrou uma "testemunha-chave" que revelou o crime após ter sido transferida da unidade

prisional. (CARRAMILO; BARBOSA, 2015).

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Tendo ciência a este fato, é lastimável que violências como esta aconteçam

em locais onde o que deveria prevalecer é o Estado de Direito, sempre com o

objetivo de buscar a ressocialização do condenado à sociedade.

Outro acontecimento que tomou âmbito nacional e mundial como um dos

mais famosos e sangrentos da história das penitenciárias mundiais, segundo

reportagem de Henrique Camargo (2005), veiculada pela Revista Superinteressante,

ocorreu em 2 (dois) de outubro de 1992, em São Paulo, na Casa de Detenção

Carandiru, onde aproximadamente 111 presos foram mortos e 130 detentos feridos

pela Polícia Militar do Estado de São Paulo. Neste dia, a polícia militar entrou no

presídio com a finalidade de acalmar uma rebelião que acabara de eclodir. Naquela

ocasião, houve represálias por parte dos condenados, o que gerou uma série de

atitudes, que até hoje são discutidas, por parte da Polícia Estadual de São Paulo,

dando como consequência a morte de diversos presos.

Já o Presídio Central de Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do Sul, é um

dos maiores presídios do Brasil. Também conhecido por Casarão, pelas suas

grandes dimensões e capacidade de abrigar detentos, é também um dos complexos

prisionais mais deteriorados e em total incapacitação de recuperar detentos de

qualquer espécie.

No dia 06 (seis) de novembro de 2016, fora noticiado pela mídia local do Rio

Grande do Sul, Jornal Zero Hora, que uma facção criminosa de dentro do Presídio

Central não autorizou a saída de um detento para ser levado a um Tribunal do Júri.

O motivo estaria ligado à abertura de novas vagas para presos que estavam nos

chamados “bretes”, sem tomar banho de sol no pátio do presídio e sem receber

visitas.

Sem dúvida alguma tal atitude constitui em uma afronta ao Poder Judiciário e

à ordem Institucional Brasileira.

Em um trecho de sua obra, Santos afirma que,

A noite me alojava na cama bem de cima, lá chorava muito com o tamanho da injustiça, pois eu não era preso de alta periculosidade e no entanto estava ali alojado junto deles, sendo que a minha condenação era de 6 anos, este era o tempo que um deles havia pegado só em castigo em cadeias, (castigo é igual a fazer ou cometer uma indisciplina, a pessoa normalmente fica isolada numa cela escura sem luz solar por 30 dias). (SANTOS, 2014, p. 25).

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Importante registrar que quem domina e comanda a região interna das

penitenciárias do Brasil geralmente são os presidiários de maior influência, como

relata Santos que,

Certo dia eu no pátio e os representantes da galeria me chamaram para um canto. Estava eu e mais quatro presos, os que mandavam ali. Desde o dia que entrei no sistema prisional, tentei de tudo para conseguir um trabalho com o diretor da casa. Queria uma tarefa que me ajudasse a diminuir a pena, a própria lei de execuções penais (LEP), prevê que o estado deve proporcionar trabalho aos apenados, mas isto nunca aconteceu comigo. Vejam só a oportunidade que tanto esperei que fosse ofertada pelo Estado, veio de um traficante. Eu “somente”, teria que fazer parte de uma facção criminosa e tudo que precisaria a partir de então teria, como mulher, dinheiro, advogado, carro, casa, telefone, trabalho, etc... A proposta era de que eu teria que sair dali e ser o braço e a boca deles na rua. Viram que eu estava para sair e tinha uma boa maneira de conduzir as coisas a favor deles, diziam que precisavam de um cara “inteligente” e me viam assim. Fui intimado a aceitar a proposta. Perguntei o que teria que fazer. Era para ir até a cidade de San Luis no Paraguai e levar a família de um preso para visitar um narcotraficante que se encontrava preso no estado do Mato Grosso, recolher o dinheiro dos pontos e depositar na conta de laranjas. Falaram que até amanhã teria que decidir e dar uma resposta. (SANTOS, 2014, p. 27).

A partir desse relato, é possível demonstrar que falta por parte do Estado, não

apenas uma melhor execução penal, mas também políticas públicas que auxiliem a

ressocialização do apenado, uma vez que, conforme Santos,

[...] um ex-presidiário tem muitas dificuldades para conseguir um trabalho, não sei se é culpa dos próprios ex-detentos que não se interessam em ocupar uma atividade laboral, ou também é culpa do Estado, que não proporcionou aos mesmos um trabalho de ressocialização adequado, promovendo cursos diversos como de qualificação profissional, dentre outros que poderiam colaborar para a mudança. (SANTOS, 2014, p. 33).

Ainda, Santos complementa sua opinião dizendo que,

[...] o juízo das execuções penais e os segmentos sociais, deveriam conhecer melhor a vida interna do detento. Os órgãos que fiscalizam os serviços penitenciários deveriam fazer visitas mais frequentes para ver de perto a realidade dos presídios. Muitos presos tem interesse de se reeducar, mas ainda são necessárias mais atividades neste sentido. A sociedade esquece que um dia a pena termina, até mesmo porque a lei determina. Fica a pergunta do modo como o sistema funciona a reinserção social do apenado será para o bem ou para o mal? A resposta queridos, são motivados por vários fatores, mas acredito que depende muito das ações que são desenvolvidas neste sentido durante o período de cárcere. (SANTOS, 2014, p. 34).

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Assim, a aplicação da pena torna-se completamente sem efeito, uma vez que

o apenado retorna ao convívio social muitas vezes sem qualquer perspectiva de

futuro ou engajado na missão de trabalhar junto a um dono de tráfico, por exemplo,

que porventura tenha conhecido na prisão, além de haver o visível preconceito

quanto aos ex-presidiários na grande maioria das áreas profissionais.

2.4 A VINGANÇA PRIVADA COMO RETORNO PERIGOSO DO COMBATE À

CRIMINALIDADE

Não é incomum que inúmeros casos de vingança privada sejam divulgados

pelos amplos meios de comunicação, demonstrando que a sociedade volta a

(re)agir, em determinadas situações, como na época primitiva, e deixa de seguir o

que prevê a legislação penal brasileira, na medida que se age por conta própria, a

fim de fazer justiça frente às mais diversas condutas criminosas que ocorrem no dia

a dia, em vários lugares do País.

Atualmente, a autotutela justifica-se somente como forma de exceção, nos

casos de defesa do indivíduo ao mal injusto causado por outrem. São situações

extraordinárias em que não configuram crime a prática do fato cometido em estado

de necessidade, em legítima defesa, no estrito cumprimento do dever legal, bem

como no exercício regular de direito, consoante previsão do art. 23 do Código Penal

Brasileiro. É por uma dessas excludentes que a prisão em flagrante delito pode ser

realizada por qualquer do povo, conforme se denota da leitura do art. 301 do Código

de Processo Penal. (BRASIL, 1940).

Neste contexto, segundo Capez, legítima defesa é uma causa de exclusão da

ilicitude que consiste em repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio

ou alheio, e que usa moderadamente dos meios necessários. No mesmo sentido,

Estado de necessidade é uma causa de exclusão da ilicitude da conduta de quem, não tendo o dever legal de enfrentar uma situação de perigo atual, a qual não provocou por sua vontade, sacrifica um bem jurídico ameaçado por esse perigo para salvar outro, próprio ou alheio, cuja perda não era razoável exigir. No estado de necessidade existem dois ou mais bens jurídicos postos em perigo, de modo que a preservação de um depende da destruição dos demais. (CAPEZ, 2010, p. 298).

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Por conseguinte, o estrito cumprimento do dever legal é conceituado por

Capez da seguinte forma:

Não há crime quando o agente pratica o fato no estrito cumprimento do dever legal (CP, art. 23, III, 1ª parte). Trata-se de mais uma causa de excludente de ilicitude. Que cumpre um dever legal dentro dos limites impostos pela lei obviamente não pode estar praticando ao mesmo tempo um ilícito penal, a não ser que aja fora daqueles limites. (CAPEZ, 2010, p. 315).

Ainda, segundo o doutrinador, o exercício regular de um direito é uma “causa

de exclusão da ilicitude que consiste no exercício de uma prerrogativa conferida pelo

ordenamento jurídico, caracterizada como fato típico.” (CAPEZ, 2010, p. 317).

Assim, a autotutela não pode servir de incentivo para a prática de toda sorte

de repressão a crimes, de modo que a sua aplicação deve ser dada de forma

restrita, a fim de que não se retire do Estado o monopólio da jurisdição, sob pena de

incorrer no crime previsto no art. 345 do Código Penal, de exercício arbitrário das

próprias razões, sem prejuízo de outras cominações legais.

O cidadão não pode agir em desproporcionalidade à resposta contra o mal

sofrido, e está sujeito a responder pelos crimes que praticar.

Contudo, a sensação de insegurança, impotência, ausência do Estado e das

instituições têm causado no povo em geral uma repulsa às práticas criminosas, a

ponto de se mostrarem os principais motivos apontados por especialistas para a

ocorrência de ações de intolerância coletiva.

Verifica-se, portanto, que existe uma ideia disseminada socialmente pela

população de que criminosos e delinquentes devem ser mortos a todo custo, e que

só assim é que será feita a justiça por parte do Estado em relação às vítimas e seus

familiares, retornando a uma filosofia de pensamento antiga, típica da era da

vingança privada como discorrido no capítulo anterior.

Neste contexto, a população em geral cria um sentimento de que a justiça e a

segurança pública estão sendo negligenciadas, e, por conta própria, resolvem

praticar atos que até então são típicos das forças policias e do próprio Poder

Judiciário, agindo em desacordo com a Legislação vigente no país, retornando à

prática da justiça pelas próprias mãos ou a vingança privada.

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Geralmente, os locais em que a população age desta maneira são nas

periferias das grandes capitais e nas favelas e morros das regiões metropolitanas do

território nacional, locais onde há pouca ou nenhuma presença do Estado.

Os “justiceiros”, como são chamados, atuam na forma de linchamentos,

milícias, grupos de extermínio, tribunais de tráfico, jagunços, falsos super-heróis e

até por uma pretensa limpeza social. Em uma reportagem de autoria de Rosanne

D’Agostino, publicada no site da Globo, pesquisado no dia 02 de novembro de 2015,

pode-se encontrar algumas características, conceitos e até espécies desses

chamados justiceiros.

As milícias são organizações paramilitares organizadas e mantidas por

cidadãos ou militares, que agem de forma paralela às instituições legais, sendo que

o caso mais famoso aconteceu em 2008, quando uma CPI da Assembleia

Legislativa do Rio de Janeiro indiciou 226 pessoas por envolvimento com milícias.

(D’AGOSTINO, 2014).

Os grupos de extermínio têm o objetivo de literalmente “caçar e matar”

supostos criminosos, com o objetivo de limpar o seu bairro ou sua cidade. Dentre os

casos ocorridos, destaca-se “a Chacina da Candelária, no Rio, em 1993, quando oito

jovens negros e pobres foram assassinados por PMs.” (D’AGOSTINO, 2014).

O “tribunal do tráfico” é composto por traficantes que julgam membros de

facções criminosas adversárias, quando capturados, ou cidadãos da favela ou bairro

que são contrários a seus pontos de vista. As punições variam de tiros em partes do

corpo até a morte.

Apenas para exemplificar,

Um dos casos mais famosos aconteceu em 2002, quando o jornalista Tim Lopes foi executado pelo ‘tribunal do tráfico’ na Vila Cruzeiro, no Conjunto de Favelas da Penha, quando fazia uma reportagem sobre prostituição infantil em bailes funk. (D’AGOSTINO, 2014).

Os “jagunços”, por sua vez, são pessoas contratadas, geralmente por grandes

proprietários de terras, para que desobstruam seus caminhos econômicos e políticos

bem como façam a proteção da propriedade privada. São conhecidos também por

“Pistoleiros” ou “capangas” que,

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atuam em diversas regiões do país, geralmente em grandes latifúndio. Um dos casos mais famosos aconteceu no Pará, em que o Ministério Público acusou dois fazendeiros de terem encomendado a morte da missionária Dorothy Stang, em 2005. (D’AGOSTINO, 2014).

Já os falsos super-heróis são pessoas comuns vestidas de algum

personagem fictício dos quadrinhos, que atuam em salvamentos e resgates, o que

coloca, além da sua própria vida em perigo, também a da vítima, por não possuir o

material, tempo e treinamento necessário para tal tarefa. Para ilustrar, “podemos

citar como um dos exemplos o caso do ‘Batman’ do Capão Redondo, que capturou

um suspeito de furtar um celular em São Paulo.” (D’AGOSTINO, 2014).

A limpeza social nada mais é do que o próprio Estado que se desfaz, ignora,

descarta, indivíduos socialmente esquecidos e abandonados, como os moradores

de rua, os sem-teto, etc. Dentre os casos, o “mais famoso foi o ocorrido em Goiás,

quando começou a ser investigado a morte em série de mais de 40 moradores de

rua.” (D’AGOSTINO, 2014).

Portanto, com a prática das mais variadas formas de vingança privada, a

sociedade retroage aos seus tempos primitivos em que uma das funções da pena

era a de restabelecer a proteção sacral do grupo: aqueles que desafiavam ou

praticavam ações contrárias àquelas anteriormente acertadas entre a sociedade,

deveriam ser punidos, pois com sua atitude estariam contrariando ou ofendendo a

vontade divina.

É por isso que João José Leal vai dizer que “a reação do grupo primitivo

contra o infrator visava fundamentalmente à busca do restabelecimento da proteção

sacral, perdida com a ofensa causada pela infração às normas do tabu.” (LEAL,

2004).

É de extrema necessidade ressaltar que a autotutela permitida de forma

excepcional pelo ordenamento jurídico Brasileiro, na seara do Direito Penal, não

pode ser confundida com as bárbaras atitudes ilegais e criminosas que grupos de

pessoas se reúnem para cometer. Trata-se, notadamente, de vingança privada não

somente contra o suspeito ou criminoso confesso, mas contra a Constituição e toda

a sociedade.

A seguir, se demonstram alguns acontecimentos verídicos ocorridos no Brasil,

envolvendo esses fatos anteriormente citados, espécies de justiceiros.

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2.4.1 Milícias

Fabio Nadaes, na imagem a seguir, fora apontado pela polícia como o

responsável pelas finanças do bando de milicianos liderado por Carlos Alexandre da

Silva Braga, o Carlinhos Três Pontes.

Ilustração 1: Fábio Nadaes, acusado de integrar grupo de milicianos.

Foto: Divulgação/Polícia Civil.

Conforme noticiado pela mídia nacional, no Rio de Janeiro “os criminosos

atuavam nos bairros de Santa Cruz, Paciência, Campo Grande e adjacências.”

(POLÍCIA..., 2016).

A milícia atua com cada vez mais frequência nas cidades brasileiras, com

grande aparato operacional e poderio bélico. Esta ilustração demonstra o poderio

bélico utilizado pelos criminosos que compunham a milícia “Liga da justiça” do Rio

de Janeiro.

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Ilustração 2: Farto armamento encontrado em casa utilizada pela milícia na comunidade da Caixa Dágua, em Cascadura, Zona Norte do Rio de Janeiro

Foto: Philippe Lima/Polícia Civil/ Divulgação.

Ilustração 3: Material apreendido em operação contra milícia no Rio Foto: Kátia Mello/G1

Além disso, sua forma de atuação não se subordina a qualquer normativa

legal, indo totalmente a contrario sensu do que prevê o Estado soberano.

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Ilustração 4: Homem foi encontrado por agentes da Draco após ser torturado e

ameaçado de morte por milicianos da Favela do Aço, Zona Oeste do Rio Foto: Reprodução/TV Globo

Segundo reportagem de Janaína Carvalho, veiculada pelo site G1,

[...] as milícias existem desde a década de 70, mas começaram a ganhar força no Rio nos anos 90. Em 2005, a imprensa começou a denunciar os abusos cometidos por esses grupos e em 2008 eles chegaram a torturar uma dupla de repórteres de um jornal carioca na comunidade do Batan, na Zona Oeste. Atualmente as milícias fazem transporte irregular, e cobram taxas de moradores para fornecer serviços ilegais de TV a cabo, botijão de gás, cesta básica e segurança local. (CARVALHO, 2016).

O fato é que existe uma disputa pelo poder, tanto por parte de milícias, traficantes

ou estas contra o Estado, representado pelos seus órgãos de segurança pública. O

maior prejudicado desse cenário social é o cidadão, que sofre diretamente as

consequências destes conflitos próprios de características de uma “guerra civil”.

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Ilustração 5: Homicídios e pessoas desaparecidas na Zona Sul do Rio de janeiro a outubro de 2015.

Importante registrar que não é apenas no Estado carioca que a milícia atua,

pois, no Rio grande do Sul, por exemplo, no dia 05 de abril de 2016, o Ministério

Público Estadual realizou a Operação "Braço Forte" na Zona Sul do Estado do Rio

Grande do Sul. Esta Operação ocasionou a prisão de 16 (dezesseis) pessoas e

apreensão de 21 (vinte e um) veículos, armas de fogo, armas brancas, porretes,

algemas, celulares e computadores, consoante ilustrações abaixo.

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Ilustração 6: Operação do MP prende 16 pessoas suspeitas de integrar milícia na

Zona Sul do RS Foto: Tadeu Vilani /Agencia RBS

Segundo reportagem de Camila Faraco, publicada pelo site da Rádio Gaúcha,

“o esquema era comandado pelos envolvidos com a empresa de segurança Nasf,

que atua em municípios da Zona Sul.” (FARACO, 2016).

A Operação teve esse nome devido o slogan da empresa Nasf ser “O BRAÇO

FORTE DA COMUNIDADE”. Entre os envolvidos, foram presos Nelson Antônio da

Silva Fernandes, militar da reserva, dono da empresa, um Sargento da Polícia

Militar, na ativa, dois integrantes do Exército e o comandante da Brigada Militar de

Pelotas. Não havia mandado de prisão para o tenente-coronel André Luís Pithan,

mas ele foi preso por posse ilegal de arma de fogo. (FARACO, 2016).

Segundo Fabiano Dallazen, Subprocurador Institucional do Ministério Público,

“sob o pretexto de impor respeito às residências e estabelecimentos comerciais que

tinham a placa da empresa afixada, os integrantes da Nasf sequestravam, agrediam

e torturavam suspeitos de crimes contra essas propriedades.” (FARACO, 2016).

A partir dessa informação, é possível constatar, de forma evidente, que tais

atitudes efetuadas por este Grupo atentam aos inúmeros dispositivos legais, tanto

constitucionais como processuais penais.

Dentre as responsabilidades penais e administrativas aplicáveis ao caso

concreto para os milicianos, tem-se provas de autoria e materialidade da ocorrência

dos seguintes crimes: milícia armada, tortura, lesões corporais, danos e incêndio.

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2.4.2 Grupos de Extermínio

O grupo de extermínio é constituído por um coletivo de pessoas que busca

caçar e matar supostos criminosos, ou ex-detentos, com a principal finalidade de

expurgar esses indivíduos da sua vila, bairro ou cidade. (NASCIMENTO, 2015).

Segundo matéria escrita por Paulo Nascimento, veiculada pelo noticiário

eletrônico “Novo Jornal”:

Quase 200 policiais federais e militares foram às ruas ontem (8) pela manhã para prender 15 pessoas, sendo quase todas elas membros da Polícia Militar do RN, e cumprir 25 mandados de busca e a apreensão sob a acusação de formação de um grupo de extermínio com atuação na Região Metropolitana de Natal entre 2011 e 2015. Dentre os presos estão membros de pelo menos três batalhões da PM que atuam na capital do estado. (NASCIMENTO, 2015).

Ilustração 7: Momento da busca e apreensão de militares envolvidos em grupo de extermínio

Foto: Assessoria PF

O correio eletrônico de informações intitulado “Novo Jornal” noticiou que,

o grupo integrado por PMs e “pistoleiros de aluguel” teria cometido 16 homicídios e vários outros crimes, como extorsão e agiotagem, nos quatro anos recentes. A operação foi denominada de Thanatus (figura mitológica grega que personifica a morte) e foi feita em parceria entre a Polícia Federal e o Ministério Público do RN (MP-RN), através do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). Os mandados foram emitidos pela 5ª Vara Criminal da comarca de Natal. (NASCIMENTO, 2015).

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2.4.3 Tribunal do Tráfico

Inúmeras atrocidades são verificadas todos os dias nas grandes cidades

brasileiras, seja pela disputa territorial de comando do tráfico, seja pela luta por

influência dos moradores das regiões atormentadas por estes movimentos. O

“tribunal do tráfico” deixa diversas vítimas de suas ações. Geralmente são

compostos por grupos de pessoas que impõe ordens e deveres àqueles que estão

na mesma territorialidade.

Ilustração 8: Diogo Farias Souza, de 20 anos tinha dívida há três meses com traficantes na Favela do Rola. Foto: Herculano Barreto Filho/Extra

Na imagem acima, Diego Farias Souza, conforme reportagem de Herculano

Barreto Filho,

[...] foi submetido ao “tribunal do tráfico” por bandidos da Favela do Rola, em Santa Cruz, por causa de uma dívida de apenas R$ 20. Ele foi amarrado e ficou sob o poder dos traficantes por duas horas. Ele só não foi executado porque foi encontrado por policiais do 27º BPM (Santa Cruz), na tarde desta quarta-feira, numa área conhecida como Cesarão. (BARRETO FILHO, 2013).

Essas “leis”, em nada se assemelham com o legislado pelo Estado. É um

poder aparte, criado e imposto pelos donos do tráfico. Quem os descumpre ou

pondera a sua forma de agir, é levado a cumprir as consequências, geralmente com

a morte.

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Os delitos cometidos “entre irmãos”, dentro da própria organização criminosa,

são severamente punidos, até para que sirvam de exemplo para supostos futuros

transgressores.

Os donos do tráfico mantêm diuturnamente o monitoramento das entradas e

saídas da favela, o controle dos moradores e de suas ações. Em regra, estes grupos

têm o apoio dos moradores locais, em contrapartida da segurança, melhores

condições de vida, com internet, luz, água, mais baratas, uma vez que existem

normatizações próprias, leis próprias de local para local, sendo tudo controlado e

devidamente sancionado, quando necessário, pelo tráfico. A presença do Estado é

muito rara, por vezes inexistente.

2.4.4 Limpeza Social

A Limpeza Social é o desfazimento, descarte, por parte do próprio Estado, de

indivíduos menos favorecidos economicamente, como moradores de rua e sem-teto.

O Estado procura removê-los das principais cidades, grandes centros, regiões

turísticas, não levando em consideração as causas e as consequências desta

atitude, ignorando por completo os motivos, a origem da existência desses

indivíduos.

Com o objetivo de elucidar o que fora anteriormente conceituado, alguns

moradores de rua denunciam práticas da Prefeitura de Salvador, que, “segundo um

dos moradores, os supostos agentes chegam de madrugada e chutam, dão choque

e levam os mendigos do local.” (MORADORES..., 2014).

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Ilustração 9: Moradores de Rua que vivem no entorno da Arena Fonte Nova em Salvador – Bahia

Foto: Reprodução Record Bahia

O principal motivo desta “limpeza social” eram os preparativos para a Copa do

Mundo de 2014. A notícia veiculada no site de notícias R7 traz argumentos da

Defensora Pública Bethania Ferreira, que afirma que

[...] as denúncias que receberam são muito similares. Em todos os casos, eram relatados que a ação ocorria à noite, as pessoas apareciam em carros não identificados, mas auxiliados por guardas municipais, e acordavam os moradores e pediam que entrasse no veículo, kombi ou caminhão. Caso a pessoa se negasse, sofriam ameaças, recolhiam papelões e outros materiais e que o caminhão da Limpub (Empresa de Limpeza Urbana do Salvador em Salvador) molhava o lugar que os moradores de rua dormiam. A defensora afirma que está havendo um abuso por parte do poder público. (MORADORES..., 2014).

Segundo a jornalista Priscilla Silva, do site Olhar Direto,

[...] para o sociólogo Inácio Werner o mapeamento e a preocupação com a situação de vida das pessoas que passam por essas dificuldades “é algo que já deveria existir, mas é nesse momento da Copa a cidade deve aparecer limpa, um lugar que não se têm problema, porque a população de rua é um problema”, criticou. (SILVA, 2014).

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Ilustração 10: Sociólogo critica ‘limpeza social’ durante Copa e cobra criação de

políticas públicas

Foto: Da Redação- Priscilla Silva

Além disso, para o sociólogo,

[...] quando as pessoas estão apenas nas periferias não são um problema para os governantes e a administração pública, passam a ser motivo de preocupação quando começam a migrar para o centro das cidades. Segundo ele, o governo municipal tenta criar uma fachada, dando a entender que está tudo bem, obrigando a saída dos moradores de rua das ruas de grande circulação de turistas. (SILVA. 2014).

Ainda, para ele, é necessário buscar uma solução para resolver o problema e

não simplesmente remediar, fazendo como se essas pessoas não existissem e

como se suas vidas fossem descartáveis facilmente.

2.4.5 Linchamento

No Rio de Janeiro, conforme reportagem de Diana Brito (2014), publicada no

jornal Folha de S. Paulo, um adolescente fora agredido a pauladas e acorrentado nu

pelo pescoço a um poste por três homens. Ele fora encontrado por uma moradora

da região em que ele se encontrava, a filósofa Yvonne Mello, que assim que o viu

chamou o corpo de bombeiros para socorrer o adolescente. O indivíduo fora levado

ao hospital para atendimento médico. A polícia informou posteriormente que o jovem

fora identificado, mas ainda não foi localizado, e que ele já fora acusado três vezes

por roubo e furto.

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Ilustração 11: Adolescente foi acorrentado nu após ser agredido a pauladas no Rio

de Janeiro

Foto: Yvonne Mello

O Estado de São Paulo, de acordo com estudo realizado pela USP

(Universidade de São Paulo), é o estado do país com maior incidência de

linchamentos. Tal estudo foi publicado no site do G1, Sorocaba e Jundiaí, em 04 de

maio de 2016.

No caso da imagem abaixo, dois assaltantes teriam chegado a uma festa e

renderam os clientes que lá estavam. No momento em que foram embora foram

agredidos pelas anteriormente vítimas (agora autoras). Uma das vítimas fora

capturada e a outra fugiu. O assaltante capturado foi espancado pelos clientes e

levou uma facada no abdômen, morrendo a caminho do hospital.

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Ilustração 12: Rapaz escapando tenta fugir de agressores em Sorocaba

Foto: Reprodução/TV TEM

Tanto os linchamentos quanto os grupos de extermínio procuram justificar as

suas condutas por meio da excludente de ilicitude da legítima defesa, uma vez que,

de forma errônea, consideram legítimas tais condutas. No entanto, tais ações

acabam adentrando no mundo da vingança privada.

Assim, resta de extrema importância explicar e esclarecer a diferença dos

institutos da legítima defesa e da vingança privada.

Não se pode confundir, em momento algum, os dois institutos anteriormente

levantados. A legítima defesa é uma excludente de tipicidade prevista no art. 23 do

Código Penal Brasileiro, em que uma vez presente durante a execução do fato

exclui completamente o crime. Com a finalidade de melhor elucidar este conceito,

Capez defende que legítima defesa

[...] consiste em repelir injusta agressão, atual ou iminente a direito próprio ou alheio, usando moderadamente dos meios necessários. Não há aqui uma situação de perigo pondo em conflito dois ou mais bens, na qual um deles deverá ser sacrificado. Ao contrário, ocorre um efetivo ataque ilícito contra o agente ou terceiro, legitimando a repulsa. (CAPEZ, 2010, p. 305).

Pelo fato de o Estado não ser onipresente, este acaba por permitir a

autodefesa por parte de seus membros quando não houver outro meio para tal

finalidade.

Ainda, para este doutrinador, a legítima defesa consiste na presença de

vários requisitos, como por exemplo: “a agressão injusta; atual ou iminente; a direito

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próprio ou de terceiro; repulsa com os meios necessários; uso moderado de tais

meios; conhecimento da situação justificante.” (CAPEZ, 2010, p. 305).

Por outro lado, a vingança privada é o retorno da justiça com as próprias

mãos, quando no passado a própria vítima ou seus familiares vingava-se por algum

crime, ou algo que consideravam desonroso para a imagem da família, por meio da

morte do desafeto, tortura, banimento, entre outras formas.

Hoje em dia, quando em pauta os linchamentos, existem fases nas quais, até

certo ponto, existe legítima defesa, própria ou de terceiros, porém, no momento em

que esta defesa extrapola os limites legais acaba adentrando na ilegalidade

injustificada.

Desse modo, o instituto da legítima defesa se legitima quando presentes os

requisitos citados anteriormente. O linchamento, por exemplo, se configura quando

se exacerba dos meios necessários da legitima defesa. Assim, Capez defende que

meios necessários

[...] são os menos lesivos colocados à disposição do agente no momento em que sofre a agressão. Exemplo: se o sujeito tem um pedaço de pau a seu alcance e com ele pode tranquilamente conter a agressão, o emprego de arma de fogo revela-se desnecessário. (CAPEZ, 2010, p. 310).

Se por algum motivo o agente que atua em legítima defesa extrapolar os

limites da real necessidade da ação estrará incorrendo em excesso, que para este

doutrinador “é a intensificação desnecessária de uma ação inicialmente justificada.

Presente o excesso, os requisitos das descriminantes deixam de existir, devendo o

agente responder pelas necessárias lesões causadas ao bem jurídico ofendido.”

(CAPEZ, 2010, p. 311).

Assim, ocorrendo em excesso, consequentemente adentra na ilegalidade,

devendo o agente sempre responder pelas suas exceções quando dolosamente e,

se culposo, responderá por isso se previsto em Lei.

Em se tornado cotidiano e natural, a vingança privada traz graves e

alarmantes consequência ao Estado Democrático de Direito, como por exemplo:

guerra civil generalizada, enfraquecimento do Poder Estatal, anarquismo

institucional e cultural.

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CONCLUSÃO

O presente trabalho baseou-se, desde o seu início, no estudo das atitudes

que dão ensejo a uma possível volta da vingança privada no meio social atual. O

presente questionamento alicerça-se nas atitudes humanas cada vez mais

corriqueiras, sob o pretexto de estarem fazendo “justiça”, já que o Estado não

consegue êxito na manutenção da segurança pública.

Além disso, observa-se com mais frequência, um pensamento negativo,

leviano e de descrédito pelas leis, além de inobservâncias aos princípios

norteadores do direito e às demais instituições legais, que buscam, incansável e

diariamente, a justiça e a paz social.

Inicialmente, estudou-se o processo de evolução do direito penal na busca

por um modelo punitivo, com a origem histórica do direito penal e os principais

modelos punitivos dos tempos primitivos, assim como as principais influências

doutrinárias internacionais na construção do direito penal e as contribuições das

escolas penais para a formação da justiça. Além do mais, houve-se por bem fazer

uma contextualização entre as antigas escolas penais e a realidade brasileira atual,

de como o país produz, altera e aplica a norma penal em seu território.

Outro importante tema abordado no presente trabalho debruça-se no

questionamento se o modelo de segurança pública utilizado no Brasil consegue

atingir a sua plena finalidade ou não. Para buscar a resposta a esta indagação, fora

realizada um estudo quanto ao medo, como forma de combustível, para a

propagação da sensação de insegurança social e a influência da mídia, como

verdadeira protagonista, na hipótese de criação e disseminação de novas leis penais

mais severas, como forma de remediar os casos de violência que vem acontecendo.

Ainda, fora estudado a sensação de descrédito das normas penais a partir do

fracasso em execução penal nas penitenciárias brasileiras, onde a Lei de Execuções

Penais não é colocada totalmente em prática, não alcançando, desta forma, o

objetivo das condenações criminais, que é a ressocialização do apenado assim que

cumpre as suas obrigações criminais com o Estado.

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Por fim, foram relacionados inúmeros casos de vingança privada, sustentados

pelas suposta busca do combate à criminalidade e promoção de justiça, em que,

sendo assim, a vítima de um crime passa a responder por autora do fato.

O presente estudo baseou-se nas seguintes hipóteses:

Se o elevado número de casos graves de violência no país, com cada vez

mais frequência, indicam que o Estado é ineficaz na prestação da segurança

pública, fato que, ficou claramente constatado e comprovado que sim, uma vez que,

apesar de não ser o motivo principal da violência social, com certeza é um dos

fatores que contribuem pela crescente alta dos índices de violência. Esse fato se dá

devido a diversos fatores. Um deles está relacionado à má administração dos gastos

públicos, por parte dos governantes nacionais, estaduais e municipais, com cada

vez menos recursos públicos investidos em educação, emprego, cultura, saúde e

segurança pública.

Outro fator que contribui fortemente para isso é a não aplicabilidade de forma

correta da Lei de Execuções Penais, fato que, traz como consequência, a ineficácia

do direito penal na busca pela ressocialização do condenado após o seu

cumprimento de pena. Observa-se esse fator principalmente quando o indivíduo

busca a entrada no mercado de trabalho.

Outra hipótese apresentada no início do presente trabalho é se existe um

sentimento generalizado de insegurança propagado pela mídia e pelo senso comum,

gerando a formação de grupos de extermínio e de vingança privada contra pessoas

identificadas como criminosas.

Neste quesito, ficou constatada que a mídia tem forte influência na

propagação do sentimento de insegurança, tornando o ambiente cada vez mais

propício à proliferação de grupos de extermínios, falsos heróis, justiceiros, entre

outros.

A criação destes grupos tenta se justificar em razão da existência de

inúmeras debilidades na segurança pública, bem como um sentimento disseminado

dentro da sociedade da ineficácia da justiça, cada vez mais morosa, devido ao

grande acúmulo de processos judiciais frente ao pequeno número de servidores

competentes para a resolução da lide.

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A derradeira e última hipótese apresentada, foi se a justiça pelas próprias

mãos configura um retorno perigoso e pões em risco a segurança jurídica e a paz

social à medida que passa a valer a lei do mais forte fisicamente e economicamente.

O objetivo da existência de um Estado Soberano, desde o pacto social que

fora explicado por Jean Jacques Rousseau, era que o Estado deteria o poder sobre

seus comandados, sociedade comum, em detrimento da obrigatoriedade de manter

a manutenção e a defesa dos direitos individuais e coletivos, entre eles a segurança

pública. Por este motivo, existem as normativas que irradiam suas previsões em

todo o território brasileiro e mundial, como a Constituição Federal de 1988, as

legislações internacionais, como pastos, tratados, acordos, e as legislações

infraconstitucionais, como por exemplo, o Código Penal, Código de Processo Penal,

Lei de Execuções Penais (Lei 7210/1984), além de outras normas igualmente

importantes.

Por esses motivos anteriormente expostos é que se teve a criação das Forças

Armadas, assim como, das polícias militares, civis e federais, espalhadas por todo o

território nacional. Desta forma, é inadmissível e incabível, a existência de grupos

privados que procurem agir e executar as competências legais dos órgãos públicos

anteriormente citados.

Sem dúvidas, a existência de grupos desta natureza enfraquecem a

segurança jurídica e a paz social, perdendo totalmente o senso de legalidade,

eficiência e principalmente justiça.

A presente investigação finaliza-se, por hora, com a constatação de uma

verdadeira crise de valores sociais, legais, morais, de convívio e de administração

do país.

Conclui-se, ao término da presente monografia, que existe um crescente

sentimento de vingança privada, motivados pelo medo generalizado, pela sensação

de insegurança e de injustiça, além da falta de credibilidade da norma penal, uma

vez que o Estado acaba sendo falho na sua aplicabilidade, como por exemplo, a Lei

de Execuções Penais, Lei 7210/1984, nas penitenciárias brasileiras, que submetem

os detentos a cumprir as penas em condições desumanas e sem qualquer

possibilidade de reabilitação ao convívio social. Hoje, o presídio tornou-se uma

escola do crime, um novo local de trabalho, onde os presos acabam sendo,

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tacitamente, obrigados a entrar em organizações criminosas em troca de melhores

condições de estadia.

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